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TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

8ª. Câmara de Direito Público

PROCESSO ELETRÔNICO

APELAÇÃO: 1008568-67.2016.8.26.0344

APELANTE: NAYARA DE FÁTIMA MAZINI FERRARI

APELADA: FAZENDA DO ESTADO DA SÃO PAULO

Juiz prolator: Walmir Idalêncio dos Santos Cruz

VOTO 30048

APELAÇÃO – AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER – CONCESSÃO DE JORNADA


ESPECIAL DE TRABALHO – SERVIDORA COM FILHA PORTADORA DE
DEFICIÊNCIA.

O servidor está submetido à jornada de trabalho e possui direitos às


licenças, inclusive para tratamento da saúde de pessoa da família, segundo
a forma prevista para a verificação administrativa e sujeita aos corolários
legais, inclusive remuneratórios. Dever da Administração de agir segundo o
mandamento da lei.

Redução jornada pela metade e “ad aeternum” mostra-se excessiva, com


ferimento aos princípios da proporcionalidade, razoabilidade e legalidade. A
envergadura da proteção constitucional aos direitos sociais e às pessoas em
situação de vulnerabilidade não legitima a vergadura do sistema jurídico
para a criação de privilégio individual.

Situação individual diversa daquela do servidor com deficiência, mas de


servidor hígido e que busca o benefício para sua organização pessoal e
familiar em atenção à filha enquadrada como Pessoa com Deficiência (PcD).

Impossibilidade de manejo de medida com fim análogo ao mandado de


injunção, diante da ausência de direito subjetivo previsto em lei estadual, e,
portanto, sem omissão legislativa a suprir falta de regulamentação.

Não existindo o benefício no regime jurídico estadual, vedado é ao


Judiciário a sua criação sem respeito aos princípios da legalidade e da
separação de Poderes. Judiciário não tem função legislativa supletiva nem
pode substituir-se ao administrador. Aplicação analógica da Súmula
Vinculante 37 do STF. Necessidade de adequação do juiz à sua função
jurisdicional, sem usurpação de funções legislativa e administrativa.

Sentença que julgou improcedente a ação mantida. Recurso não provido.

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Vistos.

Cuida-se de ação de obrigação de fazer proposta por Nayara de Fátima Mazini


Ferrari, enfermeira, em face da Fazenda do Estado de São Paulo, objetivando a redução
da sua jornada de trabalho à metade (ou ao menos 30%), sem qualquer prejuízo,
inclusive remuneratório, sob o fundamento de que precisa de tempo para acompanhar,
em terapias diversas, sua filha nascida em 15/1/2013, portadora de síndrome de deleção
1p36, malformação congênita do sistema nervoso central, estrabismo, transtorno
muscular, malformação cardíaca, fenda labial – retardo mental.

A sentença, considerando a inexistência de previsão legal no âmbito da legislação


estadual, julgou improcedente o pedido e condenou a autora ao pagamento de custas e
despesas processuais, além de honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor da
causa, observada a gratuidade (fls. 58/61).

Inconformada, apela a autora, sustentando a existência de legislação aplicável aos


servidores públicos da União. Afirma que seu requerimento visa à proteção de pessoa
com deficiência. Suscita a existência de Proposta de Emenda à Constituição Estadual nº
15/2011 no sentido de redução da jornada em 50%. Menciona precedentes
jurisprudenciais. Requer, em tais termos, o provimento do recurso (fls. 74/89).

Contrarrazões às fls. 91/99.

É o relatório.

Voto.

Tenho entendimento já exposto em votos anteriores e no sentido diverso daquele


abraçado pela autora/recorrente.

De início, observo que não foi formulado requerimento de redução de jornada à


autoridade administrativa, a permitir-lhe a aferição concreta das condições da criança
portadora de necessidades especiais, verificando a necessidade da concessão de horário
especial à mãe da criança, mediante análise por junta médica oficial.

Não se caracterizaria, assim, em princípio, a resistência do Poder Público a ensejar


a propositura da presente demanda, que se apresenta como verdadeiro pedido

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injuncional, o qual, de toda sorte, remeteria a apreciação da questão fática à autoridade


administrativa, em respeito à separação dos Poderes. Tal raciocínio decorre da análise de
precedentes do Supremo Tribunal Federal, o qual, em mandado de injunção impetrado
por servidor público visando ao reconhecimento do direito à aposentadoria especial,
aponta a norma aplicável à espécie, submetendo a apreciação do pedido à via
administrativa. Oportuno mencionar precedente nesse sentido, mutatis mutandis:

Ementa: MANDADO DE INJUNÇÃO. APOSENTADORIA ESPECIAL DE


SERVIDOR PÚBLICO. 1. Mandado de injunção impetrado com base no art.
40, § 4º, da Constituição, que assegura o direito à aposentadoria especial
para servidores que exerçam suas atividades em condições prejudiciais à
saúde. 2. Comprovado indeferimento do pedido na via
administrativa, do que decorre o interesse em agir do impetrante.
3. A integração pleiteada não ofende o princípio da preexistência de fonte
de custeio. 4. Deferimento da ordem, nos termos da jurisprudência
estabelecida pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, para o fim de se
reconhecer o direito do impetrante a ter o seu pedido analisado na
via administrativa, com aplicação supletiva do art. 57 da Lei nº
8.213/91. (STF, MI 4.886/DF, Relator Min. Roberto Barroso, DJe
10.12.2013).

Observo, ainda, que, embora a pretensão tenha conteúdo injuncional, não caberia
mandado de injunção, uma vez que inexiste previsão constitucional de tal direito no
âmbito da Administração Estadual, não havendo, portanto, norma constitucional a ser
regulamentada pelo Poder Público.

Assim, numa análise exauriente da questão posta em debate, observo a carência


do interesse de agir, quer na modalidade necessidade – inexistência de pretensão
resistida pela Administração -, quer na adequação – conteúdo da pretensão veicula
injunção.

Superada a questão da admissibilidade da ação, a inconsistência dos argumentos


da apelante não possibilita que se conceda a benesse pleiteada.

Não há dúvida que existem documentos (fl. 20) que demonstram ser a filha da
autora portadora das moléstias descritas na inicial.

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Entretanto, a redução da jornada de trabalho do servidor com filho com


deficiência não é direito subjetivo previsto na legislação do Estado, constituindo-se em
benevolente criação judicial, distanciada da legalidade.

De fato, há desde 2011 a Proposta de Emenda à Constituição Paulista 15/2011,


que inclui o artigo 137-A, para dispor sobre a redução de 50% (cinquenta por cento) da
carga horária de trabalho do servidor público que seja responsável legal e cuide
diretamente de portador de necessidade especial, sem prejuízo de sua integral
remuneração. Mas teve seu último andamento em 21.12.2013.

Atualmente (agosto de 2018), tramita pelas Comissões do Senado Federal o


Projeto de Lei do Senado (PLS) 110/2016, que altera a CLT, acrescentando o art. 396-A,
para reduzir em 10% (dez por cento) a jornada de trabalho dos trabalhadores que
tenham sob a sua guarda filhos com deficiência.

Enquanto isso, tramita também pelo Senado outro PLS591/2015, que acrescenta
o mesmo art. 396-A da CLT, para que a empregada (mãe) que possua filho portador de
deficiência e que esteja sob a sua guarda, e cuja deficiência o torne incapaz, terá a sua
jornada de trabalho reduzida em 50% (cinquenta por cento), sem prejuízo da sua
remuneração.

Então, o que se percebe é que o Poder Legislativo está gestando a idéia e


amadurecendo a leitura da vontade popular e a conveniência de se criar o direito, não
devendo ser atalhado por função anômala do Judiciário.

Como se sabe, “a eficácia de toda atividade administrativa está condicionada ao


atendimento da lei”. “Na Administração Pública, não há liberdade nem vontade pessoal.”
A concessão de benefício, que repercute em prejuízo ao erário, a servidor e que não
tenha o amparo da lei, sujeita o administrador público às sanções por improbidade
administrativa decorrente da falta de validade do ato administrativo em desconformidade
à lei.

O sistema jurídico de tutela da pessoa com deficiência, desde a sua configuração


constitucional até a recente promulgada da Lei 13.146/2015 (institui a Lei Brasileira de
Inclusão da Pessoa com Deficiência) tem como objeto a pessoa com deficiência, por meio
de medidas de inclusão social e cidadania, que visam assegurar e promover a
compensação da situação da pessoa deficiente para exercitar seus direitos em condições
de igualdade aos demais.

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Nesse contexto normativo é que a Constituição da República proíbe a


discriminação salarial, a competência comum da União, Estados e Municípios no cuidado
da saúde, assistência, proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência, reserva
de percentual de cargos em concursos públicos, aposentadoria especial com critérios
mais benéficos, prioridade na tramitação de processos administrativos e judiciais,
benefícios fiscais, vagas reservadas em estacionamentos, isenção de rodízio municipal de
veículos, acessibilidade em vias públicas e edificações, benefício de prestação
continuada, etc.

O quadro protetivo e compensatório, portanto, é focado na pessoa portadora de


deficiência, assim definida em lei e comprovado pericialmente o seu grau, mas não nos
seus genitores. Os detentores de direitos da tutela especial é a pessoa com deficiência e
não outrem, com alguma relativização.

A Constituição da República estabelece como direito social a jornada de trabalho


normal de até 8 (oito) horas diárias e 44 (quarenta e quatro) semanais, facultada a
compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção
coletiva de trabalho ou por lei no caso dos servidores públicos (art. 7º, XVIII). A partir
daí, a legislação infraconstitucional pode prever excepcionalidades para buscar a
harmonização entre direitos fundamentais, sociais e o interesse público.

Exemplificativamente, o Regime Jurídico dos Servidores da União, ao prever o


horário especial de estudante (art. 98, “caput”, da Lei 8.112/1990), recebeu a inclusão
do §3º para estender ao servidor que tenha cônjuge, filho ou dependente com deficiência
o direito ao horário especial, com compensação de horário e perda de parcela de
remuneração proporcional (art. 44, II da Lei 8.112/1990). Apenas com a nova Lei
13.370/2016 é que houve alteração do referido §3º do art. 98 da Lei 8.112/1990, para
isentar o servidor de compensação do horário, mas com ênfase na necessidade
comprovada por junta médica oficial.

Mas não há estabelecimento de percentual da redução de jornada, cujo


dimensionamento fica ao critério da Administração.

Ainda exemplificativamente, em Nota Técnica 6218-2017 do Ministério do


Planejamento, Desenvolvimento e Gestão (Departamento de Normas e Benefícios do
Servidor), ao ensejo do benefício de horário especial ao servidor portador de deficiência
ou parente portador (Lei 8.112/90, art. 98, §2º), em atendimento, ainda, a uma ação
civil pública (ACP 022600.15.2012.4.01.3400, 21. Vara Federal/DF), no intento de

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compatibilizar a jornada normal de 40h semanais do servidor federal em cargo de


confiança e aquele de 30h semanais indicado por junta médica (redução de 2h diárias
ou de 25%), resolveu-se pela necessidade de se abrir oportunidade para a análise de
compatibilidade entre a jornada especial do servidor com deficiência e a respectiva
função, e à manutenção da obrigatoriedade da jornada normal de 40 horas semanais
para o exercício do cargo de comissionado ou de função de confiança (processo
58000.012061/2016-75).

Assim, totalmente razoável que uma junta médica avalie e determine o horário
especial adequado ao servidor com deficiência ou com filho nessa condição. Não se
entrevê espaço para a arbitrariedade judicial, substituindo-se à autoridade administrativa
e sem base em laudo adequado de junta médica oficial.

Também para ilustrar, no caso do Regulamento dos Servidores Públicos do


Tribunal de Justiça de São Paulo, o horário especial de estudante consiste, apenas para
os dias de comparecimento às aulas, na concessão de até uma 1 (uma) hora depois do
início da jornada ou antes do seu término, considerando o horário do expediente da
unidade e, a critério da Administração, de requerimento prévio devidamente
acompanhando de prova documental, cabendo descontos remuneratórios em caso de
verificação de irregularidade (arts. 100/106).

O que se quer evidenciar com isso é o ferimento aos princípios da


proporcionalidade e da razoabilidade na pretensão, sem base legal, de redução da
jornada em 50%, ou seja, em metade, e “ad aeternum”, constituindo-se em
imposição de excessiva oneração financeira e à continuidade da prestação do serviço
público pelo Estado.

Essa seria uma diferenciação extravagante no regime jurídico dos servidores, que
teria o potencial para provocar indignação do funcionalismo, com prejuízo à moderna
noção que se quer afirmar perante a sociedade da necessidade de tutela especial da
pessoa com deficiência bem como prejuízo à imagem do funcionalismo público, já
entrevisto por muitos como classe detentora de inúmeros privilégios que o trabalhador
da iniciativa privada não tem.

E alimenta o folclore nacional de que o serviço público é uma “mãe generosa”,


com os recursos do contribuinte, notícias públicas de decisões polêmicas, que atraem
comentários que refletem o senso comum daquilo que não é razoável e tem contornos de
regalia.

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As Nações Unidas estimam existir no mundo 1 bilhão de pessoas com alguma


deficiência, ou seja, 1 em 7, e 80% delas vivem em países em desenvolvimento, sendo
50 milhões de crianças (menores de 18 anos).1 Considerando ainda persistir trabalho
escravo, desemprego no Brasil que alcança 13 milhões de pessoas em fevereiro de 2017
(fonte PNAD Contínua, IBGE), recessão econômica e necessidade de reforma da
previdência, não seria difícil imaginar o impacto no assistencialismo bancado pelo Estado
e pela iniciativa privada se cada pai e mãe de pessoa com alguma deficiência recebesse o
privilégio buscado na ação judicial proposta.

O Censo 2010 do IBGE aponta haver 45,6 milhões de pessoas com deficiência no
Brasil. Com a redução de jornada pode-se avaliar o impacto na economia e na eficiência
da prestação dos serviços públicos, além da oneração extraordinária das contas públicas,
em tempos de reclamos contra os gastos públicos, reforma previdenciária, aumento
salarial de servidores, cortes de auxílios-moradia, alimentação e outras vantagens vistas
como penduricalhos e privilégios dos servidores públicos, sem simetria com os
trabalhadores da iniciativa privada.

Outro problema que se coloca é o fato do sistema constitucional e legal prever


vagas em concursos públicos reservadas a portadores de deficiência, com jornada
integral, sem redução, enquanto os seus cuidadores, servidores, teriam o suposto direito
de redução conforme os projetos de lei mencionados, ainda em tramitação.

Também, seria questionável a possível extensão do direito de redução de jornada


ao trabalhador e ou servidor que tenha seus cuidados não filho com deficiência, mas
algum colateral ou genitores, estes últimos, por exemplo, em idade avançada ou saúde
debilitada que exijam cuidadores.

Nessa expansão sem fim de benevolência e com base em analogias, teríamos um


contingente ativo mínimo a sustentar um universo de pessoas, que teriam a vantagem
de redução de jornada, sem prejuízo nos vencimentos, em situação privilegiada e sem
isonomia com as demais, implodindo-se o funcionamento normal dos serviços públicos,
levando o país à falência e gerando situação de injustiça e desigualdade entre os
servidores.

Recentemente, por exemplo, uma decisão judicial do Estado de Santa Catarina


deferiu a um pai, servidor público da Justiça Eleitoral, a licença paternidade de 180 dias,

1
Disponível em: www.un.org/disabilities/documents/sdgs/infografic_statistics_2016.pdf.
Acesso em 08.05.2017.
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de forma análoga à maternidade, para propiciar ao casal o atendimento a duas filhas


2
gêmeas saudáveis. O questionamento, que surgiu de forma imediata, diz respeito à
possibilidade de como conciliar tal precedente se fossem , por acaso, trigêmeas (a licença
seria de um ano?), quem arcaria com essa conta e qual seria o papel da Justiça,
enquanto o trabalhador da CLT tem apenas cinco dias de licença paternidade (art. 473,
III), que somente é extensível para 20 dias se a empresa empregadora participar do
Programa Empresa Cidadã.

Nesse passo, lembra-se de passagem do voto do eminente Ministro Marco Aurélio,


na ADIN MC 2435 (13.03.2002) contra lei do Estado do Rio de Janeiro, que obrigou
farmácias e drogarias a conceder descontos a idosos na compra de medicamentos, sob
pena de multa elevada:

“Vou pedir vênia à Ministra Ellen Gracie para adotar uma posição antipática
àqueles que contam com mais de sessenta anos de idade. (...) Por estar
convencido da falta de proporcionalidade e – perdoem-me, já que se trata
de um instituto jurídico – de razoabilidade da norma. (...).

Há um outro aspecto – por isso aludi a proporcionalidade: é que, na


hipótese de aquisição dos remédios, considerando o preço, por aqueles que,
estando aquém das faixas etárias referidas, não têm condição de comprar,
só o fazendo com o sacrifício da própria alimentação. Na lei não se cogita,
sequer – aí, eu diria que o legislador acabou cumprimentando com chapéu
alheio -, de uma compensação, tendo em vista a postura do próprio Estado,
na condição de credor do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e
Serviços. “Simplesmente, na lei impõem-se descontos, sem se atentar para
a situação financeira do adquirente do remédio, bastando o fator objetivo
“idade”, e, ainda, prevê-se, em caso de desobediência, multa pesada no
importe de 5.000 UFIR’s.” (grifo nosso)

A proporcionalidade encerra conceitos de censura à adequação, necessidade e


proibição do excesso do ato legislativo, judicial ou administrativo:

2
Disponível em: <https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2017/05/05/
homem-consegue-licenca-paternidade-de-180-dias-papel-do-pai-tem-que-ser-revisto.htm>.
Acesso em 08.05.2017
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“Cuida-se de aferir a compatibilidade da lei com os fins constitucionalmente


previstos ou de constatar a observância do princípio da proporcionalidade
(Verhältnismässigkeitsprinzip), isto é, de se proceder à censura sobre a
adequação (Geeignetheit) e a necessidade (Erforderlichkeit) do ato
legislativo.

(...) A violação ao princípio da proporcionalidade ou da proibição de excesso


(Verhältnismässigkeitsprinzip; Übermassverbot), que se revela mediante
contraditoriedade, incongruência, e irrazoabilidade ou inadequação entre
meios e fins.”
(in Ferreira Mendes, Gilmar. O princípio da proporcionalidade na
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: novas leituras, p.1-2)

Não existindo a previsão deste direito (redução de jornada e no percentual de


metade) no Estatuto dos Funcionários Públicos Civis do Estado de São Paulo (Lei
Complementar 10.261/68), legítimo se faz o manejo do sistema consistente de previsão
legal de faltas (abonadas e justificadas) e licenças, inclusive para tratamento de saúde
de pessoa da família, com o controle administrativo por perícias e seus efeitos
patrimoniais, afastando-se a imposição ao Estado de medida desproporcional e sem
previsão legal, distanciada de adequação à necessidade do servidor e o interesse público.

Como deve a Administração observar a legalidade estrita e os demais princípios


insculpidos no art. 37 da Constituição da República, a postulação inicial encerraria quebra
da isonomia e violação da competência administrativa pelo Poder Judiciário, que não
possui função legislativa para aumentar vencimentos de servidores (Súmula Vinculante
37 do STF) e, tampouco, criar direito subjetivo de redução de jornada de servidor, o que
constituiria verdadeiro aumento de vencimentos e “cumprimentar com chapéu alheio”.

A problemática da construção judicial de direito subjetivo à jornada especial do


genitor de pessoa com deficiência, sem previsão legal a ensejar sequer o manejo do
mandado de injunção a suprir alguma omissão legislativa (para permitir regulamentação
de direito de forma a possibilitar o seu exercício) é de qual seria o percentual de redução
da jornada, que não pode ser arbitrária, e a extensão do direito ao outro genitor.

Não de outra sorte, não se verifica mesmo os pressupostos para a concessão da


medida pleiteada, considerando o perigo de dano inverso (ou reverso) à Administração,
consistente no pagamento de vencimentos integrais a servidor que não cumpriu jornada

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completa segundo o seu regime jurídico, com excepcional dificuldade de reavê-las por
compensação de horas/dias ou desconto, dado ao caráter alimentar dos vencimentos.

Não há previsão do direito material buscado, como já antes exposto. E o recurso


evoca a discussão sobre o ativismo judicial e a função interpretativa da lei pelo juiz,
sendo pertinente lembrar a célebre frase de Platão: “O juiz não é nomeado para fazer
favores com a justiça, mas para julgar segundo as leis.”

Assim, é de meu entendimento a necessidade, utilidade e oportunidade da


atuação, de lege ferenda, pelos canais da cidadania, do advento de previsão normativa
de horário especial para o servidor e, também, para o trabalhador (CLT), que tenham
companheira (o), cônjuge, filho, ascendente ou dependente portador de deficiência
grave, cuja necessidade e condições sejam aferidas conforme regulamentação adequada.

Quiçá, assim se pudessem minimizar as dificuldades de todos os trabalhadores e


servidores que tenham sob os seus cuidados dependentes inválidos, portadores de
morbidade, necessidades especiais ou de deficiência graves, sem transferência dos ônus
de forma imponderada à Administração Pública e ao empregador.

Por derradeiro, ainda que houvesse direito subjetivo positivado que garantisse ao
servidor estadual com dependente com deficiência, caberia ao Judiciário apenas a
eventual afirmação do direito, mas sem prejuízo de cometer à Administração Pública a
aferição da presença dos requisitos ou pressupostos para o seu exercício, incluindo-se a
verificação administrativa por junta médica da deficiência e de seu grau bem como
atender aos critérios de conveniência e oportunidade, com prevalência do interesse
público, na verificação de alternativas de alteração de horário de jornada de trabalho,
local de sua prestação e mensuração da mais adequada redução de jornada, o que, no
particular, não se confunde com a manifestação da chefia de fl. 68, em resposta à
quesito da autora.

É necessária a observância da adequação da função judicial à sua conformação


constitucional, sem usurpação das funções legislativa e administrativa, mantendo-se o
equilíbrio e a repartição de funções estatais na República.

Isso posto, voto para negar provimento ao recurso, mantendo-se a bem lançada
sentença.

Leonel Costa

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Relator

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