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[TEXTO 03] PROBLEMAS DA PSICOLOGIA INFANTIL: A PERIODIZAÇÃO

DO DESENVOLVIMENTO PSÍQUICO
De: Lev S. Vigotski – Tradução: Sergio Darwich
O problema da periodização do desenvolvimento infantil

De acordo com as bases teóricas, a periodização do desenvolvimento infantil proposta pelos


estudiosos pode ser dividida em três grupos.
No primeiro grupo, busca-se periodizar a infância sem fragmentar o próprio curso do
desenvolvimento da criança, sobre a base de uma estrutura ordenada de outros processos que, de
uma forma ou de outra, estão relacionados ao desenvolvimento infantil. Como exemplo,
podemos citar a periodização do desenvolvimento com base no princípio biogenético. Teoria
esta que pressupõe a existência de um paralelismo rigoroso entre o desenvolvimento da
humanidade e o desenvolvimento da criança, afirmando que, na ontogênese, reproduz-se
rapidamente e de forma restrita a filogenia. De acordo com esta teoria, é razoável dividir a
infância em períodos isolados de acordo com as etapas fundamentais da história da humanidade.
Como base para essa divisão, consideram-se os períodos de desenvolvimento filogenético.
Defendem esta tese Hetchinson e outros.
No entanto, nem todas as tentativas deste grupo são igualmente inconsistentes. Nele observa-se,
por exemplo, a tentativa de periodização da infância de acordo com as fases de educação e
ensino, tal como estas são reguladas em cada país (estágio pré-escolar, escolar primário, etc).
Vemos portanto que a periodização da infância não é feita na base de fragmentação interna do
próprio desenvolvimento, mas com base nas fases da educação e ensino. Nisto reside o seu
erro. Todavia, como os processos de desenvolvimento da criança estão intimamente ligados à
educação infantil e com a educação dividida em etapas, considera-se aqui uma longa
experiência prática, sendo natural a classificação da infância de acordo com o princípio
pedagógico que nos aproxime de sua verdadeira classificação em períodos isolados.
São muito mais numerosas as tentativas no segundo grupo que propõe a seleção de um sintoma
(ou indício) no desenvolvimento infantil como critério convencional para a sua periodização.
Um exemplo típico é a proposta de P. P. Blonsky (1930, pp. 110-111) para dividir os períodos
de infância, começando pela dentição, ou seja, nascimento e mudança na arcada dentária. O
critério para diferenciar uma fase de outra deve ser: 1) indicativo para determinar o
desenvolvimento global da criança; 2) facilmente acessível à observação e 3) objetivo. A
dentição atende a esses requisitos.
Os processos de dentição estão intimamente relacionados com as características essenciais da
constituição do organismo em crescimento, especialmente calcificação e atividade das glândulas
endócrinas. Estas são, ao mesmo tempo, e facilmente observáveis, e sua constatação não deixa
dúvida. A dentição é um sinal indiscutível de idade. Com base na infância pós-natal, sugerem-se
três períodos: a infância sem dentes, dentição de leite e por fim a permanente. A infância sem
dentes dura até a saída de todos os dentes deleite (oito meses a dois a dois anos e meio). A
infância dos dentes de leite dura até que a mudança para os permanentes (cerca de cerca de seis
anos e meio). Finalmente, a infância de dentes permanentes termina com o aparecimento dos
três dentes molares. Com base no crescimento de dentes de leite (segundo semestre) do bebê,
pode-se diferenciar três fases: infância absolutamente sem dentes (primeiro semestre); a fase do
aparecimento de dentes de leite (segundo semestre) e do estágio de saída dos pré-molares e
caninos (terceiro ano pós-natal).
K. Stratz apresenta um esquema semelhante de periodização baseada no desenvolvimento
sexual como critério principal. Outros esquemas, como o de W. Stern, estruturado de acordo
com esse princípio, embasa-se em critérios psicológicos para tal periodização. Stern distingue
primeira infância durante a qual a criança manifesta apenas a atividade lúdica (até seis anos); o
período de estudo consciente em que se compartilha o jogo e o trabalho; o período de maturação
adolescente (quatorze a 18 anos), quando a independência do indivíduo é desenvolvida e se
esboçam projetos de vida futura.
Esta abordagem é, em primeiro lugar, subjetiva, embora proponha critérios objetivos para
periodização, cujo indicio se analisa subjetivamente na dependência dos processos que chamam
mais a atenção. A idade é uma categoria objetiva e não convencional, não voluntariamente
escolhida, não fictícia. Portanto, os sinais de separação da idade não podem ser colocados em
qualquer momento da vida da criança, mas apenas naqueles em que se termina objetivamente
uma etapa e começa outra.
O segundo defeito desta abordagem consiste na preconização de um único critério para
delimitar todos os períodos, a partir de algum indício. Esquece-se que, no curso do
desenvolvimento, muda-se o significado, o valor, o sintomático, o indicativo e importância dos
indícios selecionados. Um valioso e importante critério para determinar o desenvolvimento da
criança, em um determinado período, perde o seu significado no próximo, uma vez que os
aspectos que ocupavam antes um primeiro plano, no decorrer do desenvolvimento, perdem seu
significado no plano seguinte. Por exemplo, o critério de maturação sexual é essencial e
representativo dos anos de puberdade, mas não tem esse significado em períodos anteriores. A
erupção dentária, na fronteira entre o primeiro ano e primeira infância, pode ser vista como uma
indicação para o desenvolvimento global da criança, mas a mudança de dentes em torno de sete
anos e a aparição dos dentes molares não podem ser comparadas, por seu significado no
desenvolvimento como um todo, com o aparecimento dos dentes. Os esquemas explorados
consideram a reorganização do próprio processo de desenvolvimento, graças à qual muda
constantemente a importância e o significado de um critério quando se passa de uma idade para
outra. Este fato impede a possibilidade de classificar as crianças em períodos de acordo com um
critério único para todos períodos. A complexidade do desenvolvimento da criança impede que
se determine algum estágio, de maneira mais ou menos completa, por um único sinal.
O terceiro defeito desta abordagem é sua atitude principal de investigar indícios externos
(sintomas) do desenvolvimento infantil e não a essência interior do processo. Na realidade, a
essência interior dos objetos e sua manifestação externa não coincidem: ". Na verdade, se a
aparência e a essência dos objetos coincidissem, a ciência não seria necessária. A investigação
científica, portanto, é o meio indispensável para conhecer a realidade. Hoje, a psicologia
caminha do estudo puramente descritivo, empírico e fenomenológico dos fatos para a
investigação de sua essência interior. Até recentemente, a principal tarefa consistia em estudar
os complexos de sintomas, ou seja, o conjunto de indícios exteriores que diferenciavam os
diversos períodos, estágios e fases de desenvolvimento da criança. O sintoma é o indício. Dizer
que a psicologia estuda os complexos de sintomas dos diversos períodos, fases e estágios do
desenvolvimento infantil, significa dizer que estuda seus indícios externos. Os estudos de
psicologia do complexo de sintomas significa dizer que o conjunto de indícios externos
diferenciavam os diversos períodos, fases e estágios do desenvolvimento infantil. No entanto, a
verdadeira tarefa é investigar o que está por trás desses indícios, aquilo que os condiciona, ou
seja, o próprio processo de desenvolvimento da criança com suas leis internas. Em relação ao
problema da periodização do desenvolvimento, significa que devemos renunciar a qualquer
tentativa de classificar os períodos por sintomas e passar, como faziam a seu tempo outras
ciências, por uma periodização baseada na essência interna do processo estudado.
A tendência de passar do princípio puramente sintomático e descritivo para a análise das
particularidades essenciais do próprio desenvolvimento infantil corresponde à terceira
abordagem feita neste sentido. Mas, segundo esta abordagem, a tarefa, ainda que bem colocada,
não se resolve corretamente. Trata-se sempre de tentativas indefinidas de resolver as tarefas, que
nunca chegam ao fim, e revelam sua inconsistência no problema da periodização. O obstáculo
fatal desta abordagem é de ordem metodológica, devido a sua concepção anti-dialética e
dualista do desenvolvimento infantil que não permite considerá-lo como um processo único de
auto-desenvolvimento.
Tal é, por exemplo, a tentativa de A. Gesell de basear a periodização do desenvolvimento da
criança na mudança de seu ritmo interno, na determinação do "nível atual de desenvolvimento".
Partindo de observações, fundamentalmente corretas, sobre as mudanças no ritmo de
desenvolvimento com a idade, Gesell divide toda a infância em períodos isolados ou ondas
rítmicas de desenvolvimento internamente unidas pela constância de ritmo ao longo de todo
esse período e separados de outros pela evidente mudança no mesmo. Gesell representa a
dinâmica do desenvolvimento como um processo de desaceleração gradual do crescimento. A
teoria de Gesell se inclui no grupo de tais teorias modernas que, por sua própria confissão,
convertem a primeira infância no critério supremo para interpretar sua personalidade e sua
história. Para Gesell, o mais importante e principal no desenvolvimento da criança ocorre nos
primeiros anos, incluindo os primeiros meses de vida. A continuação do desenvolvimento,
tomado em seu conjunto, não pode comparar-se sequer a um único ato desse drama repleto de
conteúdo.
Qual a origem de tal erro? Sem dúvida, sua origem está na concepção evolucionista do
desenvolvimento que se baseia Gesell. Segundo esta teoria, no desenvolvimento não surge nada
de novo, não há mudanças qualitativas, só cresce e desenvolve o que é dado desde o princípio.
Porém, na realidade, o desenvolvimento não se esgota pelo esquema "mais-menos".
Caracterizam-lhes, em primeiro lugar, formações qualitativamente novas, com ritmo próprio
ritmo que sempre exige medidas especiais. É certo que, nos primeiros anos, observa-se um
ritmo máximo de desenvolvimento das premissas que determinam o desenvolvimento infantil.
Os órgãos e funções psíquicas elementares amadurecem antes das funções psíquicas superiores.
No entanto, é errado supor que todo desenvolvimento é limitado pelo o crescimento das funções
elementares, essenciais, que são as premissas das facetas superiores da personalidade. Se
investigássemos as facetas superiores, o resultado seria inverso; o ritmo, a cadência da sua
formação seriam mínimos nos primeiros atos do drama geral de desenvolvimento e máximo ao
seu final.
Temos nos referido à teoria de Gesell como um exemplo dessas tentativas insuficientes para
dividir em períodos de idade o desenvolvimento infantil, que param no meio do caminho
quando passam da periodização de sintomas para a essencial.
Em que princípios deve ser estruturada a verdadeira periodização? Sabemos onde buscar seu
verdadeiro fundamento: deve-se buscá-lo nas mudanças internas do próprio desenvolvimento;
apenas as voltas e reviravoltas de seu curso podem fornecer uma base sólida para determinar os
principais períodos de formação da personalidade infantil que chamamos de idade. Podemos
reduzir todas as teorias do desenvolvimento da criança a duas concepções fundamentais.
Segundo uma delas, o desenvolvimento é nada mais do que a realização, mudança e
combinações de habilidades inatas. Nada de novo surge com exceção do crescimento, abertura
e reagrupamento de elementos dados desde o início. Para a outra concepção, o
desenvolvimento é um processo contínuo de auto-movimento, que se distingue, em primeiro
lugar, pelo aparecimento permanente e formação do novo, que não existia nos estágios
anteriores. Tal ponto de vista capta no desenvolvimento algo essencial para a compreensão
dialética do processo.
Admite-se, por um lado, tanto a teoria idealista como a materialista da formação da
personalidade. A primeira é representada pelas teorias da evolução criativa, liderada pelo
impulso autônomo interno, vital, da personalidade que é voltada para um fim, que se
autodesenvolve, pela vontade de autoafirmação e aperfeiçoamento. No segundo caso,
considera-se o desenvolvimento como um processo que se distingue pela unidade entre o
material e o psiquismo, entre o social e o pessoal, na medida em que a criança se desenvolve.
A partir deste ponto de vista, não há e não pode haver nenhum outro critério para distinguir
períodos específicos do desenvolvimento da criança, exceto para as novas formações [ou
neoformações], por meio das quais se pode determinar o essencial em cada idade. Entendemos
por neoformações o novo tipo de estrutura de personalidade e sua atividade, alterações
psíquicas e sociais que ocorrem pela primeira vez em cada idade e determinam, em seu aspecto
mais importante e fundamental, a consciência da criança, sua relação com o meio ambiente,
sua vida interior e exterior, todo o curso do seu desenvolvimento no tempo fornecido.
Isso, no entanto, não é suficiente para uma periodização científica de desenvolvimento infantil.
É também necessário considerar sua dinâmica, bem como a dinâmica dos passos de um
período de desenvolvimento a outro. Mediante uma pesquisa puramente empírica, a psicologia
conseguiu a demonstrar que as mudanças de um período de desenvolvimento para outro podem,
de acordo Blonsky (1930, p. 7), ocorrer violentamente, de forma crítica, mas também aos
poucos e lentamente. Blonsky divide em etapas e estágios os períodos da vida infantil,
separados por crises mais ou menos violentas. As fases são períodos claramente delimitados
entre si.
Em alguns períodos o desenvolvimento caracteriza-se, efetivamente, por um curso lento,
evolutivo. Em tais períodos ou etapas, a personalidade da criança muda muito lentamente,
muitas vezes de forma quase imperceptível, interna; são mudanças causadas por insignificantes
atividades "moleculares". Durante um período de tempo longo - habitualmente de vários anos -
não se produzem mudanças abruptas nem desvios significativos capazes de reestruturar toda a
personalidade da criança. As mudanças mais ou menos notáveis que se originam na
personalidade da criança são o resultado de um longo e oculto processo "molecular". Tais
mudanças são exteriorizadas e podem ser direta e isoladamente observadas somente ao fim de
processos prolongados de desenvolvimento latente.
Em períodos relativamente estáveis, o desenvolvimento se deve, principalmente, a mudanças
microscópicas da personalidade da criança, que se acumulam até um certo limite e se
manifestam mais tarde como uma repentina formação qualitativamente nova de um período de
desenvolvimento. Se consideramos a infância a partir do ponto de vista cronológico, veremos
que ela é quase inteiramente tomada por tais períodos estáveis.
Se se compara a criança, no início e no final de um período estável, ficará claro que mudanças
mais profundas terão ocorrido em sua personalidade, mudanças estas às vezes invisíveis, uma
vez que o desenvolvimento é interno, dizer-se-ia por via subterrânea.
Os períodos estáveis de desenvolvimento têm sido estudadas em muito maior detalhe do que
aqueles caracterizados pela crise, que é outro tipo de desenvolvimento. As crises foram
descobertas por vias puramente empíricas; não foram sistematizadas nem incluídas na
periodização geral do desenvolvimento infantil. Numerosos são os pesquisadores que
questionam a necessidade interna de sua existência. Tendem, em vez disso, a considerar a crise
como uma "doença" do desenvolvimento, como um desvio da norma. Quase nenhum dos
pesquisadores ocidentais foi capaz de dar uma explicação teórica de seu verdadeiro significado.
Nossa tentativa de sistematizar tais crises e de dar-lhes uma explicação científica, integrá-las ao
regime geral do desenvolvimento infantil deve ser considerada, portanto, a primeira.
Nenhum pesquisador pode negar a existência desses períodos peculiares no desenvolvimento da
criança; até os menos dialéticos reconhecem a necessidade de admitir, ainda que sob a forma de
hipótese, a presença de crise no desenvolvimento da criança, mesmo na infância mais precoce.
Os períodos acima mencionados, vistos de fora, distinguem-se por traços opostos aos períodos
estáveis. Neles, e ao longo de um tempo relativamente curto (de vários meses, um ano, dois no
máximo), ocorrem mudanças bruscas e fundamentais, deslocamentos, mudanças e rupturas na
personalidade da criança. Em tempo muito curto a criança muda totalmente, as características
básicas de sua personalidade se modificam. Desenvolve-se abrupta e impetuosamente, adquire
por vezes um caráter catastrófico. São pontos de reviravolta no desenvolvimento infantil que
assumem, às vezes, a forma de crises agudas.
A primeira particularidade de tais períodos consiste, por um lado, em que as fronteiras entre o
início e fim da crise, e os períodos contíguos são completamente indefinidas. A crise se origina
imperceptivelmente e torna-se difícil determinar seu início e fim. Por outro lado, é muito típica
a acentuada agudização da crise que, habitualmente, ocorre no meio deste período. A existência
de um ponto culminante da crise é uma característica de todas os períodos críticos,
diferenciando-os significativamente de etapas estáveis de desenvolvimento.
A segunda particularidade de todos os períodos críticos serviu como um ponto de partida para
seu estudo empírico. Um grande número de crianças que vivem um período crítico em seu
desenvolvimento, são difíceis de educar. Como se as crianças escapassem da influência do
sistema de ensino, que recentemente garantiu o curso normal de sua educação e formação. Em
escolares vivendo o período crítico, decai o desempenho no estudo, observa-se o declínio do
interesse nas aulas e diminuição na capacidade de trabalho em geral.
Em períodos críticos, o desenvolvimento da criança, muitas vezes, é acompanhado de conflitos
razoavelmente agudos com as pessoas ao seu redor. Em sua vida interior, a criança pode sofrer
experiências dolorosas e conflitos internos.
É claro que nem sempre é o caso. Períodos críticos são diferentes nas diferentes crianças.
Mesmo em crianças muito parecidas em seu tipo de desenvolvimento e posição social, o curso
da crise apresenta muito mais diferenças nos períodos críticos do que em intervalos estáveis. Há
muitas crianças que não têm dificuldades no campo educacional, nem diminuem seu
desempenho escolar. O volume das variações no curso de tais períodos entre as diversas
crianças, a influência das condições externas e internas sobre a crise em si são tão importantes e
profundas que muitos autores consideravam necessário perguntar se as crises do
desenvolvimento infantil não eram um produto exclusivo das condições externas adversas, que
deveriam ser mais exceções do que regras na história do desenvolvimento (Busemann e outros).
Naturalmente, as condições externas determinam o caráter concreto em que se manifestam e
transcorrem os períodos críticos. Diferentes nas diversas crianças, estas condicionam variantes
extremamente diversificadas e multiformes do período crítico. Sem dúvida, o estudo dos índices
relativos nos convence de que a lógica interna do próprio processo de desenvolvimento é o que
provoca a necessidade desses períodos críticos, de reviravolta na vida da criança, e não a
presença ou ausência de condições externas específicas.
Se, por exemplo, comparamos o grau de facilidade ou dificuldade do processo educativo na
etapa anterior e posterior à crise, isto é, no período estável, vemos que todas as crianças dessa
idade são difíceis de educar, comparadas consigo mesmas na etapa estável. E se tivermos uma
valorização absoluta à comparação relativa do progresso escolar infantil em diferentes faixas
etárias, vemos que, em cada criança, diminui, no período da crise, o desempenho que lhe
caracterizava em períodos estáveis.
A terceira particularidade de todos os tempos críticos, talvez a mais importante no sentido
teórico, embora menos clara, a que mais entorpece a compreensão correta da natureza do
desenvolvimento infantil nos períodos mencionados, é a natureza negativa do desenvolvimento.
Todos os que escreveram sobre estes períodos especiais indicam, em primeiro lugar, que o
desenvolvimento neles, ao contrário, dos períodos estáveis, é mais destrutivo do que criativo.
Ao que tudo indica, o desenvolvimento progressivo da personalidade da criança, a criação
contínua do novo, como visto em períodos estáveis, é, temporariamente, parado em tempos de
crise, ele diminui temporariamente. Ocorrem, em primeiro plano, processos de extinção,
retrocesso, perda, decadência e desintegração de tudo o que foi formado na etapa anterior e
caracterizava a criança daquele período. A criança perde muito mais o que anteriormente
conquistou no período anterior do que ganha no novo período de desenvolvimento. O advento
da idade crítica não se distingue pelo surgimento de novos interesses, novas aspirações, novas
formas de atividade, novas formas de vida interior. A criança que entra em períodos de crise se
distingue pelas características opostas: perde o interesse que antes lhe orientava em toda a sua
atividade, que antes ocupava a maior parte do seu tempo e atenção, e agora parece que se
esvaziam as formas de suas relações externas, bem como sua vida interior. Lev Nikolayevich
Tolstoy definiu metafórica e corretamente esses períodos de crise no desenvolvimento como o
deserto da adolescência.
Quando se fala sobre a natureza negativa dos períodos críticos, significa que o desenvolvimento
muda o seu significado positivo, criador, forçando o espectador a considerar estes períodos do
ponto de vista negativo. Muitos autores estão ainda convencidos de que durante os períodos
críticos todo o desenvolvimento é negativo, convicção refletida nos nomes dados a essa idade,
por exemplo, fase rebelde, fase da teimosia, etc.
Os conceitos de vários períodos críticos foram introduzidos na ciência empírica e
aleatoriamente. A crise de sete anos foi a primeira que se pôde detectar e descrever (o sétimo
ano vida de uma criança é de transição entre o período pré-escolar e o escolar). Uma criança de
sete anos se diferencia tanto da criança pré-escolar quanto da escolar e, por isso, oferece
dificuldades no sentido educacional. O conteúdo negativo da idade se manifesta principalmente
na alteração do equilíbrio psíquico, no caráter instável da vontade, do estado de humor, etc.
Mais tarde, a crise dos três anos foi descoberta e descrita por muitos autores como a fase da
obstinação. Neste intervalo, limitado por um curto período de tempo, a personalidade da criança
passa por mudanças repentinas e inesperadas. A mesma torna-se difícil de dominar, manifesta-
se teimosa, voluntariosa, obstinada, caprichosa. É um período de conflitos internos e externos.
Mais tarde, foi estudada a crise de treze, descrita como fase negativa da idade da maturação
sexual. Como o próprio nome indica, o conteúdo negativo do período ocupa o primeiro plano e,
visto superficialmente, parece esgotar todo o sentido de desenvolvimento na dita fase. O baixo
desempenho escolar, a perda da capacidade de trabalho, a desarmonia na estrutura interna da
personalidade, redução e extinção do sistema de interesses anteriores, a índole negativa, de
protesto do comportamento permitem a O. Kroh descrever este período como uma fase de
desorientação no conjunto das relações externas e internas, quando é maior, do que nos outros
períodos, a divisão entre o "eu" do indivíduo e o mundo.
Há relativamente pouco tempo se reconheceu que a transição do primeiro ano para a primeira
infância, bem estudada desde o aspecto fatual, que tem lugar no primeiro ano de vida, de fato
também é um período crítico, com suas próprias características distintivas conhecidas por nós,
graças às descrições gerais de tais formas peculiares de desenvolvimento. A mudança abrupta
de condições de desenvolvimento no ato de nascimento, quando o recém-nascido, de repente em
um novo meio, muda toda a forma de sua vida, caracteriza o período inicial de desenvolvimento
pós-natal.
Para se ter uma visão finalizada das períodos críticas, poderíamos propor uma inclusão como
ligação inicial e, talvez, o mais peculiar de todos os períodos de desenvolvimento da criança, o
nascimento. É um período bem estudado, apesar de isolado no sistema de outros períodos, sendo
pela sua natureza, a mais óbvia e inquestionável crise de desenvolvimento infantil.
O período de crise pós-natal separa o desenvolvimento embrionário do primeiro ano. A crise do
primeiro ano delimita o primeiro ano da primeira infância. A crise de três anos é a passagem da
primeira infância à idade pré-escolar. A crise dos sete anos define o elo de ligação entre idade
pré-escolar e escolar. E, finalmente, a crise de treze anos coincide com uma mudança no
desenvolvimento, quando a criança passa da idade escolar à puberdade. Temos, portanto, um
quadro lógico, governado por certas leis. Períodos de crise são intercalados com períodos
estáveis, definem os pontos críticos, reviravoltas no desenvolvimento, confirmando que o
desenvolvimento da criança é um processo em que a passagem de uma fase para outra é
acompanhado de profundas mudanças no comportamento e na personalidade da criança.
Se os tempos críticos não tivessem sido descobertos por método puramente empírico, haveria de
introduzir seu conceito no esquema de desenvolvimento com base na análise teórica. Hoje, falta
para a teoria apenas tomar conhecimento e compreender o que já foi estabelecido por pesquisa
empírica.
Em tempos de reviravolta é relativamente difícil de educar a criança, porque o sistema
pedagógico utilizado para este fim não consegue acompanhar as rápidas mudanças na sua
personalidade. A pedagogia de períodos críticas é a menos elaborada no sentido prático e
teórico.
Toda forma de vida é, ao mesmo tempo, extinção (E Engels), assim também é o
desenvolvimento infantil, que é uma das formas de vida complexas, que contém
necessariamente os processos de redução e extinção. O nascimento do novo em
desenvolvimento significa, inevitavelmente, o desaparecimento do período. A transição para um
novo período sempre termina com a ocaso do anterior. Os processos de desenvolvimento
reverso, a extinção do antigo, encontra-se, sobretudo, nos períodos críticas. Mas seria um erro
supor que com isso se esgote a grande importância das períodos críticas. O desenvolvimento
não interrompeu seu trabalho criativo e até mesmo em momentos críticos ocorrem processos
construtivos. Mas ainda assim, os processos involutivos, tão presentes nesses períodos, também
estão sujeitos aos processos de formação da personalidade positiva, depende diretamente deles
e, com os mesmos, formam um todo indissociável. O trabalho destrutivo é realizado nos
períodos indicados, sendo essencial para o desenvolvimento das propriedades e traços de
personalidade. A investigação demonstra, realmente, que o conteúdo negativo do
desenvolvimento em períodos críticos é apenas o avesso ou a noite das mudanças positivas da
personalidade que compõem o sentido primário e básico de toda a idade crítica.
O significado positivo da crise de três anos se manifesta quando surgem, nessa idade, as novas
características da personalidade da criança. Demonstrou-se que, quando a crise transcorre de
modo apático e sem expressão, por uma ou outra razão, ocorre, no período seguinte, um grande
atraso no desenvolvimento de aspectos afetivos e volitivos da personalidade infantil.
Todos os pesquisadores concordam que na crise dos sete anos, a despeito de sintomas negativos,
sejam realizadas importantes conquistas: a criança se torna mais independente e muda na sua
atitude para com as outras crianças.
Na crise de treze anos, o declínio no desempenho escolar deve-se à mudança de atitude visual-
direta para a compreensão e dedução. A transição para a mais elevada forma de atividade
intelectual é acompanhada por uma redução temporária da capacidade de trabalho, fato que se
confirma nos sintomas negativos restantes da crise. Detrás de cada sintoma negativo oculta-se
um conteúdo positivo que é, quase sempre, o caminho rumo a uma forma nova e mais elevada.
Finalmente, não levanta qualquer dúvida sobre a existência do conteúdo positivo na crise de um
ano. Claramente, os sintomas negativos nesta idade estão diretamente relacionados com as
aquisições positivas, aquisições estas que induzem a criança a começar a andar e a dominar a
língua. O mesmo é verdade em relação à crise do recém-nascido. Nesta fase, a criança se
prepara para o desenvolvimento físico: perda peso nos dias após o nascimento. A adaptação a
uma nova forma de vida exige muito da capacidade vital do recém-nascido, de acordo com a
expressão de Blonsky, nenhuma pessoa está mais perto da morte do que ao nascer (1930, p.
85). Todavia, nesse período, mais do que em qualquer outro torna-se claro que o
desenvolvimento é um processo de formação e surgimento do novo. Tudo o que é observado no
desenvolvimento dos primeiros dias e semanas de vida de uma criança são sempre
neoformações. Sintomas negativos característicos do conteúdo negativo deste período são
devido às dificuldades desse novo e complexo estilo de vida.
No desenvolvimento dos períodos críticos (ou idades críticas), o essencial é o surgimento de
neoformações peculiares e específicas, conforme demonstrado por investigações concretas.
Diferem-se das neoformações de períodos estáveis por seu caráter transitório, ou seja, não se
conservam tal como são na fase crítica, e não são integradas como adendos essenciais à
estrutura integral da personalidade futura. Extinguem-se e são assumidas pelas neoformações
do próximo período estável, incluem-se nele como instâncias subordinadas, carecem de
existência própria, diluem-se e transformam-se de tal forma que, sem uma análise detalhada
especial, torna-se muitas vezes impossível descobrir a existência desta formação do período
crítico que, depois de transformadas, tornam-se aquisições do próximo período estável. As
neoformações, de certa forma, desaparecem com o advento do período seguinte, mas
permanecem latentes nele; carecem de independência, limitam-se a participar apenas no
desenvolvimento subterrâneo que, nos períodos estáveis, gera, como vimos, formações
psíquicas qualitativamente novas.
Nas seções seguintes deste trabalho, dedicadas ao estudo de cada período de desenvolvimento,
investigamos o conteúdo específico das leis gerais que regulam as neoformações tanto em
períodos estáveis como críticos. os dois novos períodos estáveis, como formações críticas.
O critério fundamental, na nossa opinião, para classificar o desenvolvimento da criança em
vários períodos é precisamente a neoformação. No nosso esquema, a sucessão dos períodos é
determinada pela alternância de períodos críticos e estáveis. A duração do período estável é
determinada com maior segurança pelos limites, mais ou menos definidos, de seu início e fim.
Mas é mais correto definir a duração dos tempos críticos devido ao seu curso diferente, por
pontos ou ápices culminantes da crise, considerando-se como princípio da mesma o semestre
anterior mais próximo dessa idade, e como seu término o semestre imediato da idade seguinte.
Os períodos estáveis têm uma estrutura binária marcada, demonstrada pela pesquisa empírica, e
são divididos em duas etapas: a primeira e a segunda. Os períodos críticos têm uma estrutura de
trinômio formada por três fases claramente interligadas: pré-crítica, crítica e pós-crítica.
Devemos assinalar a diferença radical entre o nosso esquema e outros pessoas próximos a ele
pela determinação dos períodos básicos do desenvolvimento infantil. O novo em nosso
esquema, além do princípio usado como critério das neoformações em todas os períodos ou
etapas, é o seguinte: 1) A introdução no esquema da periodização das idades críticas (ou
períodos críticos). 2) O regime de exclusão do período de desenvolvimento embrionário da
criança. 3) A exclusão do período juvenil geralmente descrito como o período posterior aos
dezessete-dezoito anos até a chegada da maturação final. 4) A inclusão da idade da maturidade
sexual entre os períodos estáveis e não entre os períodos críticos. (4)
Excluímos o esquema de desenvolvimento embrionário infantil pela simples razão de que ele
não pode ser estudado paralelamente ao desenvolvimento extrauterino da criança como um ser
social. Desenvolvimento embrionário é um tipo completamente especial de desenvolvimento,
sujeito a leis distintas das que regem o desenvolvimento da personalidade da criança após o
nascimento. Uma ciência independente, a embriologia, estuda o desenvolvimento embrionário e
não pode ser separada da psicologia.
A Psicologia deve levar em conta as leis do desenvolvimento embrionário da criança, uma vez
que as peculiaridades desse período influenciam o curso do desenvolvimento posterior, mas este
fato não é motivo suficiente para considerar que a embriologia seja parte da psicologia. Da
mesma forma, a necessidade de considerar as leis e os dados da genética, ou seja, a ciência do
hereditário não torna a genética parte da psicologia. A Psicologia não estuda a hereditariedade
ou o desenvolvimento uterino como tal, mas apenas a sua influência sobre o processo de
desenvolvimento social da criança.
Nós não incluímos a etapa juvenil em nossa visão de periodização do desenvolvimento
psíquico, porque tanto a pesquisa teórica quanto a empírica força-nos a rejeitar o prolongamento
excessivo do desenvolvimento infantil e a não incluir nele os primeiros 25 anos do ser humano.
Se nos orientarmos pelo significado geral e pelas leis fundamentais, a idade compreendida entre
dezoito e vinte e cinco anos constitui melhor o elo inicial na cadeia das dos períodos da
maturidade do que o elo final na cadeia de períodos do desenvolvimento infantil. É difícil
acreditar que o desenvolvimento humano a partir no início da maturidade (dezoito a vinte cinco
anos) poderia se sujeitar às leis do desenvolvimento infantil.
A inclusão da puberdade/adolescência entre os períodos estáveis é uma dedução necessária e
lógica do quanto sabemos sobre essa idade. Este é um momento de grande crescimento pessoal
e vital, de sínteses superiores da personalidade. Nossa posição a este respeito é uma dedução
lógica, inevitável, da crítica feita por cientistas soviéticos às teorias que reduziam o período da
maturação sexual a uma "patologia normal" e a uma profundíssima crise interna.
Assim, podemos apresentar a periodização do desenvolvimento psíquico da seguinte forma:
Crise pós-natal.
Primeiro ano (dois meses a um ano).
Crise de um ano.
Primeira infância (um a três anos).
Crise dos três anos.
Idade pré-escolar (três a sete anos).
Crise dos sete anos.
Idade escolar (oito a doze anos).
Crise dos treze anos.
Puberdade (quatorze a dezoito anos).
Crise dos dezessete anos.

2. A estrutura e dinâmica da periodização do desenvolvimento psíquico


O objetivo desta seção é estabelecer a tese geral que caracteriza a configuração interna do
processo de desenvolvimento que denominamos estrutura de cada período ou etapa da infância
do desenvolvimento psicológico.
A tese mais geral que devemos destacar em primeiro lugar é: o processo de desenvolvimento em
cada período, apesar da complexidade de sua organização e composição, a multiplicidade de
processos parciais que o integram descoberto por meio da análise, constitui um todo único e tem
uma estrutura determinada; as leis que regem a formação desse todo ou as leis estruturais do
período dado determinam a estrutura e o curso de cada processo de desenvolvimento particular
que forma parte do todo. Chamamos de estrutura a tais formações globais não compostas pela
soma das partes isoladas, como uma espécie de agregados, mas que por si só determinam o
destino e o significado de cada parte que as integra.
Os períodos constituem formações globais e dinâmicas, são as estruturas que determinam o
papel e o peso específico de cada linha parcial de desenvolvimento. Em cada período, o
desenvolvimento não modifica, em seu transcorrer, aspectos isolados da personalidade da
criança, reestruturando toda a personalidade como um todo; no desenvolvimento existe,
precisamente, uma dependência inversa: a personalidade da criança é modificada em sua
estrutura interna como um todo e as leis que regem este todo determinam a dinâmica de cada
uma de suas partes.
Por essa razão, em todas as fases da idade sempre que encontramos uma neoformação central
como uma espécie de guia para todo o processo de desenvolvimento que caracteriza a
reorganização de toda a personalidade da criança sobre novas bases. Em torno da neoformação
central ou básica do período dado, são colocadas e agrupadas as neoformações parciais restantes
relacionadas a facetas isoladas da personalidade da criança, assim como os processos de
desenvolvimento relacionados às neoformações períodos anteriores. Chamaremos de linhas
centrais de desenvolvimento do período dado aos processos de desenvolvimento que se
relacionam de forma mais ou menos imediata com a neoformação principal, enquanto que todos
os outros processos parciais, bem como mudanças que ocorrem nesta época serão chamados de
linhas auxiliares de desenvolvimento. Por si só, entende-se que os processos que são linhas de
desenvolvimento em uma idade tornam-se linhas auxiliares de desenvolvimento na idade
seguinte, e vice-versa, ou seja, linhas acessórias de desenvolvimento de uma idade se tornam
principais em outra, uma vez que altera seu significado e peso específico na estrutura global de
desenvolvimento, muda sua relação com a neoformação central. Na transição de uma fase a
outra idade, reconstrui-se a sua inteira estrutura. Cada período tem a sua própria estrutura
específica, única e não repetível.
Vamos explicar com exemplos. Se analisarmos a consciência da criança entendida como sua
relação com o meio social e a considerarmos produto das mudanças físicas e sociais do
indivíduo, como a expressão integral das peculiaridades mais importantes e superiores da
estrutura da personalidade, veremos que na transição de um período para outro crescem e se
desenvolvem não tanto os aspectos parciais, isolados, da consciência ou algumas funções e
formas de sua atividade, quanto, em primeiro lugar, modifica-se a estrutura geral da consciência
que, em cada período, distingue-se por um sistema determinado de relações e dependências
entre seus aspectos isolados, entre as diferentes formas de sua atividade.
É bastante claro que, com a passagem de um período para outro, em conjunto com a
reestruturação geral do sistema da consciência, mudam de lugar as linhas centrais e acessórias
de desenvolvimento. Assim, o desenvolvimento da linguagem na primeira infância, no período
de seu surgimento, quando surgem apenas os contornos iniciais da consciência social e objetal
da criança, estão vinculados tão estreita e imediatamente com as neoformações centrais de um
período que é impossível não incluir o desenvolvimento da linguagem nas principais linhas de
desenvolvimento do período estudado. Sem dúvida, na idade escolar, o desenvolvimento
posterior da linguagem da criança estabelece uma relação diferente com a neoformação central
do período e, por conseguinte, a linguagem é considerada linha acessória de desenvolvimento.
No primeiro ano, quando o balbucio torna-se uma preparação do desenvolvimento verbal, o
nexo entre estes processos e a neoformação central é tamanha que nos obriga a incluí-los
também nas linhas de acessórias de desenvolvimento.
Vemos, portanto, que o mesmo processo de desenvolvimento verbal pode aparecer como uma
linha acessória durante o primeiro ano, tornando-se a linha de centro/central de
desenvolvimento na primeira infância, para torna-se novamente uma linha acessória nas fases
seguintes de idade. Resultado óbvio e lógico que, em dependência direta deste fato, fará o
desenvolvimento verbal, considerado como tal, transcorrer de forma diferente em cada uma das
três variantes mencionadas.
A mudança de linhas centrais e acessórias de desenvolvimento em cada período de
desenvolvimento sucessivo [, nos leva-nos diretamente à segunda questão nesta seção: a
dinâmica do desenvolvimento de novas formações - neoformações. Assim, como no problema
da estrutura etária, limitamos uma discussão muito geral deste conceito, adiando o estudo
concreto da dinâmica de mudanças nos vários estágios de idade para capítulos dedicados à
análise dos diferentes períodos.
O problema da dinâmica da idade é uma consequência direta de sua estrutura. Já vimos que não
se trata de algo estático, imutável, imóvel. A estrutura de cada idade anterior é transformada em
uma nova que emerge e se forma na medida em que a criança se desenvolve. A relação entre o
conjunto e as partes, de modo essencial para a compreensão da estrutura, é um relacionamento
dinâmico, que determina as mudanças e desenvolvimento do todo e das partes. Devemos
entender toda a dinâmica do desenvolvimento de todas as leis que regem a formação, a mudança
e o nexo das novas formações de estrutura em cada período de desenvolvimento da
personalidade.
Para se definir, em geral, a dinâmica do período, deve-se entender - condição essencial e
primeira - que as relações entre a personalidade da criança e do ambiente social são dinâmicas
em cada uma das suas fases.
O estudo teórico e prático do desenvolvimento infantil encontra uma de suas maiores
dificuldades quando é dada uma solução errada para o problema do meio e de seu papel na
dinâmica da idade, quando o ambiente é considerado como algo externo em relação à criança,
como circunstância do desenvolvimento, como um conjunto de condições objetivas e
independentes, sem relação, que pelo simples fato de sua existência influenciam a criança. Não
se pode aplicar à teoria do desenvolvimento infantil a mesma concepção do meio biológico no
qual evoluem as espécies animais.
No início de cada período de desenvolvimento, a relação estabelecida entre a criança e o
ambiente que a rodeia, especialmente o social, é totalmente original, específica, única e
irrepetível para este período. Chamamos essa relação como uma situação social de
desenvolvimento. A situação social de desenvolvimento é o ponto de partida para todas as
alterações dinâmicas que ocorrem no desenvolvimento durante cada etapa de desenvolvimento
do psiquismo. Determina completa e totalmente as formas e a trajetória que permitem a criança
adquirir novas propriedades da personalidade, já que a realidade social é a verdadeira fonte de
desenvolvimento, a possibilidade de que o social se transforme em individual. Portanto, a
primeira questão a se resolver, para estudar a dinâmica de alguma idade, é esclarecer a situação
social de desenvolvimento.
A situação social do desenvolvimento, específica para cada período de desenvolvimento,
determina estritamente todo o modo de vida da criança ou sua existência social. Daí a segunda
pergunta que nós enfrentamos no estudo da dinâmica do período do desenvolvimento do
psiquismo, ou seja, a questão da origem ou gênese das suas neoformações centrais, de
determinado período. Uma vez conhecida a situação social de desenvolvimento existente no
início de um período, determinada pelas relações entre a criança e meio, devemos em seguida
esclarecer como surgem e se desenvolvem, nessa dita situação social, as neoformações de dado
período de desenvolvimento. Estas neoformações que caracterizam, primeiramente, a
reestruturação da personalidade consciente da criança, não são uma premissa, mas resultado ou
produto do período em desenvolvimento. As mudanças na consciência da criança se devem a
uma forma determinada de sua existência social. Por conseguinte, as neoformações amadurecem
no final de uma fase e não no início desta.
Uma vez surgidas, as neoformações modificam a personalidade consciente da criança, fato que
influencia fortemente o desenvolvimento posterior. Se a tarefa que nos propusemos, antes,
consistia em estudar a dinâmica de idade, em precisar como o entorno social da criança
influencia a neoformação de sua consciência, a tarefa, agora, consiste em determinar o
movimento inverso, ou seja, descobrir como a estrutura/neoformação modificada da consciência
da criança influencia na reconstrução de sua vida, uma vez que a criança, que transformou sua
personalidade, já é outra criança, sua existência social difere essencialmente de crianças de
períodos de desenvolvimento anteriores.
Vemos, portanto, que a próxima questão que se coloca diante de nós, para estudar a dinâmica
dos períodos de desenvolvimento da personalidade, refere-se às consequências que se seguirão a
partir da presença destas neoformações. A análise concreta mostra que as consequências são tão
numerosas e diversificadas que abrangem toda a vida infantil. A nova estrutura da consciência
adquirida em cada período, inevitavelmente, significa que a criança percebe a sua vida interior
de forma diferente, bem como o funcionamento interno de suas funções psíquicas.
Agora, reconhecer isso tudo significa reconhecer algo a mais, algo que nos leva diretamente
para o último momento que caracteriza a dinâmica de idade. Vemos que, devido ao
desenvolvimento de neoformações que surgem ao final de uma idade mudam toda a estrutura da
consciência infantil, mudando assim todo o sistema de sua relação com a realidade externa e
consigo próprio. A criança, ao final de um determinado período, torna-se um ser totalmente
diverso do que era no inicio da mesma. Isso, no entanto, não significa que se deva,
necessariamente, mudar a situação social de desenvolvimento que, em seus traços básicos,
formou-se no início de um período. Nós não devemos esquecer que a situação social de
desenvolvimento é nada mais do que o sistema relações da criança em um dado período de
desenvolvimento e a realidade social; se a criança mudou radicalmente, é inevitável que essas
relações se reestruturem. A situação de desenvolvimento anterior se desintegra conforme a
criança se desenvolve e se configura em traços gerais e proporcionalmente ao seu
desenvolvimento, a nova situação social de desenvolvimento se converte no ponto de partida
para o período seguinte. A investigação mostra que a reestruturação da situação social de
desenvolvimento é o conteúdo principal dos períodos críticos.
Chegamos, portanto, ao esclarecimento da lei fundamental da dinâmica da periodização do
psiquismo. De acordo com esta lei, as forças motrizes do desenvolvimento da criança, em um
ou outro período, acabam negando e destruindo a base do desenvolvimento de toda a idade,
determinando, com a necessidade interna, o fim da situação social de desenvolvimento, o fim da
etapa ou período dado de desenvolvimento para inicio da seguinte, ou ao período superior da
personalidade.
Tal é, em termos gerais, o esquema do desenvolvimento dinâmico da idade.
3. O problema da idade e dinâmica de desenvolvimento.
O problema da periodização do desenvolvimento da personalidade, além de ser o principal para
toda psicologia infantil, é, ao mesmo tempo, a chave para todas as questões práticas. Está direta
e intimamente ligada/o ao diagnóstico do desenvolvimento nos diversos períodos (estágios)
infantis. Chamamos de diagnóstico do desenvolvimento ao sistema de procedimentos padrão de
investigação destinados a determinar o nível real de desenvolvimento alcançado pela criança. O
nível real de desenvolvimento é determinado pela idade, estágio ou fase em que a criança está
em cada período. Sabemos que a idade cronológica da criança não pode servir como um critério
confiável para estabelecer o nível real de desenvolvimento. Portanto, determinar o tal nível
requer sempre uma investigação especial graças a qual pode ser elaborado o diagnóstico.
Estabelecer o nível real de desenvolvimento é uma tarefa essencial e indispensável para solução
de todas as questões práticas relacionadas à educação e à aprendizagem das crianças, com o
controle do seu curso normal de desenvolvimento físico e mental e o diagnóstico de uns ou
outras alterações de desenvolvimento que perturbam o caminho normal e dão a todo o processo
caráter atípico, anormal e, por vezes, patológico. Desta forma, a determinação do nível real de
desenvolvimento alcançado é a principal e fundamental tarefa de diagnóstico do
desenvolvimento.
O estudo da sintomatologia dos períodos da infância permite a descoberta de uma série de
indícios que certificam em que idade, fase ou período tem lugar o processo de desenvolvimento,
à semelhança de como o médico, com base em uns ou outros sintomas, diagnostica a doença,
isto é, determina que processo patológico interior se manifesta.
Por si só, o estudo de todos os sintomas do período ou um grupo deles, incluindo a medições
precisas, não constituem um diagnóstico. Entre a medição e diagnóstico, diz Gesell, há uma
grande diferença. O diagnóstico pode ser alcançado se você começa a descobrir o significado e
a importância dos sintomas encontrados.
As tarefas colocadas de frente ante o diagnóstico do desenvolvimento só pode ser resolvida com
base em um estudo profundo e amplo do curso sucessivo do desenvolvimento da infância, de
todas as peculiaridades de cada período, estágios e fases dos tipos fundamentais de
desenvolvimento normal e anormal, de toda estrutura múltipla e dinâmica de desenvolvimento
infantil. Portanto, a simples definição do nível de desenvolvimento real e a representação
quantitativa da diferença entre idade cronológica e a estandardizada ou de suas relações
expressas no coeficiente de desenvolvimento, é o primeiro passo no caminho do diagnóstico. O
nível de desenvolvimento real está longe de esgotar todo o problema do desenvolvimento,
porém, no mínimo, abrange uma parcela do mesmo. Se ao fixar seu nível nos limitamos a
constatar a presença de uns ou outros sintomas, de fato, nós conseguimos determinar apenas
parte do quadro geral do desenvolvimento, isto é, as funções, propriedades e processos já
amadurecidos naquele momento. Por exemplo, a constatação da altura, peso e outros índices de
desenvolvimento físico, típicos para os ciclos de desenvolvimento já completados, vêm a ser o
resultado, a realização final do desenvolvimento de um período já completado de
desenvolvimento. São sintomas que demonstram melhor como transcorreu o desenvolvimento
no passado, mas não como é no momento presente, nem qual será sua orientação futura.
É claro que o conhecimento dos resultados do desenvolvimento anterior é essencial para julgar
como é o desenvolvimento no presente e como este será no futuro. Sem dúvida, não é suficiente.
Cabe dizer, figurativamente, que quando chegamos a estabelecer o nível de desenvolvimento
real, determinamos apenas seus frutos, isto é, aquilo que já está maduro e cujo ciclo foi
finalizado. Sabemos, porém, que a lei básica do desenvolvimento é a diferença no tempo de
maturação das várias facetas da personalidade, de suas diferentes propriedades. Enquanto alguns
processos já apresentaram os seus resultados e finalizaram seu ciclo, outros processos são
encontrados apenas na fase de maturação. Enquanto alguns processos de desenvolvimento já
apresentaram seus resultados e completaram seus ciclos, outros processos se encontram, ainda,
em seu estado de maturação. Um autêntico diagnóstico do desenvolvimento não só deve
considerar os ciclos já completados do desenvolvimento, não só de seus frutos, mas também o
processo em fase de amadurecimento. Assim como o agricultor erra ao avaliar sua colheita,
considerando apenas a quantidade de frutos já maduros sem avaliar o estado dos frutos em
maturação, também erra o psicólogo que leva em conta somente o que já amadureceu, deixando
de lado o que está em processo de maturação. Desta forma, este psicólogo jamais poderia dispor
de uma visão completa e verdadeira do estado interior de todo desenvolvimento e nem poderá,
portanto, ultrapassar o diagnóstico clínico dos sintomas.
A segunda tarefa do diagnóstico de desenvolvimento consiste em determinar os processos ainda
não desenvolvidos, mas que se encontram em vias de desenvolvimento. Esta tarefa é resolvida
com a descoberta da zona de desenvolvimento iminente. Nós usamos um exemplo particular
para explicar este conceito extremamente importante no sentido prático e teórico.
Para determinar o nível real de desenvolvimento intelectual das crianças, os psicólogos usam, de
preferência, o seguinte método: propõe-se à criança vários problemas de dificuldade crescente e
padronizados de acordo com a idade. A investigação sempre determina o limite de dificuldade
das tarefas realizáveis para a criança correspondente a sua idade padrão. Dessa forma,
determina-se a idade mental da criança. Geralmente, considera-se que o índice intelectual é
válido em único e exclusivo caso de que a criança resolva sozinha, sem ajuda o conjunto de
tarefas propostas. Se durante a realização, a criança recebe alguma ajuda ou orientação, a
solução dada pela criança não é levada em conta para determinar a sua idade mental.
Esta tese é baseada na ideia de que a tarefa resolvida com ajuda é inútil para determinar a
inteligência do sujeito. No entanto, este ponto de vista contradiz abertamente todos dados da
psicologia moderna. Derivado de uma concepção equivocada, carece-se hoje de todo o sentido,
segundo o qual qualquer imitação de uma operação intelectual pode ser um ato puramente
mecânico, automático que nada prova sobre a inteligência do sujeito em questão. Inicialmente,
a incorreção desta visão foi revelada em psicologia animal. W. Köhler, em seus conhecidos
experimentos com macacos, mostrou que os animais podem imitar apenas as ações intelectuais
que estão ao seu alcance, que estão na zona de suas possibilidades. O chimpanzé, por exemplo,
pode reproduzir ações racionais que lhes ensinam somente quando essas operações, por tipo e
grau de dificuldade, pertencem à mesma categoria que seus próprios atos racionais. As
imitações que fazem os animais estão rigorosamente delimitadas por estreitos marcos de suas
possibilidades. O animal pode imitar somente aquilo que ele mesmo pode fazer.
Com as crianças, a situação é muito mais complexa. Há processos que a criança não pode imitar
alguns estágios de seu desenvolvimento. Sua capacidade de imitação na esfera intelectual é
[muito] limitada pelo grau de seu desenvolvimento mental e pelas possibilidades que
correspondem à sua idade/ao seu período de desenvolvimento dado. No entanto, é uma lei geral
que a criança, diferentemente do animal, pode chegar à imitação das ações intelectuais muito
além dos limites de sua própria capacidade de realizar operações intelectuais ou ações racionais.
Essa diferença entre a criança e o animal explica por que o último não é capaz de aprender no
sentido que damos a palavra aplicada a criança. O animal pode ser apenas adestrado [treinado
unicamente], pode adquirir novos hábitos, pode, através do exercício e treinamento, melhorar o
seu intelecto, mas não será capaz de desenvolver sua mente, no verdadeiro sentido da palavra,
isto é, mediante a aprendizagem. Por isso, todas as tentativas de conseguir, por meio da
aprendizagem, que os animais superiores realizem funções intelectuais novas, que não lhes são
próprias, mas específicas para o ser humano, inevitavelmente fracassarão, como por exemplo,
no intento de R. Yerkes de ensinar crias de macaco a linguagem humana ou o de E. Tolman de
educar e ensinar conjuntamente crias de chimpanzé com crianças.
Vemos, portanto, que a criança, valendo-se da imitação, pode fazer na esfera intelectual muito
mais do que pode fazer em sua própria atividade; vemos que a sua capacidade de imitar
operações intelectuais não é ilimitada, mas se modifica com estrita regularidade em consonância
com o curso de seu desenvolvimento mental, de modo que em cada período de desenvolvimento
psíquico existe, para a criança, uma determinada área da imitação intelectual relacionada com o
nível de desenvolvimento real.
Ao falar de imitação não queremos dizer uma imitação mecânica, automática, sem sentido, mas
uma imitação racional, com base na compreensão da operação intelectual que se imita. Isto é,
por um lado, restringimos o significado do termo, relacionando-o apenas à esfera de operações
mais ou menos relacionadas com a atividade racional da criança e, por outro, expandimos o
significado do termo, usando a palavra "imitação", aplicando-a a todas as atividades que a
criança não executa sozinha, mas em colaboração com um adulto ou outras crianças. Tudo o que
a criança não é capaz de realizar por si só, mas pode aprender sob a direção ou colaboração de
um adulto ou com a ajuda de perguntas orientadoras, está incluído, por nós, na área da imitação.
Tal determinação, permite-nos estabelecer o significado sintomático da imitação intelectual no
diagnóstico do desenvolvimento mental. Compreende-se, perfeitamente, que a criança por si
mesma, sem ajuda de outros, pode demonstrar suas habilidades e aptidões já amadurecidas,
resolvendo as provas previstas nos testes, comumente usados a fim de conhecer o nível real de
desenvolvimento intelectual, a partir da solução das tarefas sem ajuda.
Como já mencionado, não só são importantes os processos maduros, mas também aqueles em
processo de maturação. Podemos estabelecer o desenvolvimento mental das crianças se
determinarmos o que esta é capaz de imitar intelectualmente, entendendo tal expressão no
sentido mencionado anteriormente. A investigação demonstra a estrita regulação genética entre
o que a criança pode imitar e seu desenvolvimento mental. Aquilo que hoje se pode realizar em
colaboração com o adulto e sob sua direção, pode-se fazê-lo sozinha, sem ajuda amanhã. Isso
significa que, quando esclarecemos as possibilidades da criança para [testa-las juntos,] realizar a
prova em cooperação, estabelecemos, ao mesmo tempo, a área das suas funções intelectuais no
processo de maturação que darão seus frutos no próximo estágio ou período do
desenvolvimento; assim, chegamos a definir o nível real de desenvolvimento intelectual.
Portanto, para investigar o que a criança pode realizar sozinha, investigamos o desenvolvimento
do dia anterior, mas quando investigamos o que esta pode fazer em colaboração, determinamos
seu desenvolvimento do amanhã.
A esfera de processos imaturos, mas em vias de maturação, configura a zona de
desenvolvimento iminente da criança.
Explicaremos, mediante um exemplo, como a zona de desenvolvimento próximo é determinada.
Suponhamos que duas crianças da mesma idade - oito anos - possuam um desenvolvimento
intelectual idêntico. Isso significa que podem resolver sozinhas as tarefas que, em sua
dificuldade, correspondem à idade padrão de oito anos. Assim, determinamos o nível real de
desenvolvimento intelectual. Continuamos a investigar: com ajuda de procedimentos especiais
tentamos descobrir até que ponto as duas crianças são capazes de resolver tarefas que superam
os limites marcados nos testes padrão de oito anos. Nós as ensinamos resolver o problema e
observamos se elas podem, recorrendo à imitação, encontrar a solução destes. Ou melhor,
começamos a resolvê-lo nós mesmos e deixamos que as crianças o concluam. Outra variante é
propor às crianças que resolvam as tarefas que excedam a sua idade intelectual em colaboração
com outra criança mais desenvolvida ou, finalmente, explicamos às crianças os princípios da
solução do problema, fazemos a elas perguntas orientadoras, dividindo a tarefa em partes, etc.
Resumidamente, propomos à criança resolver, mediante uma ou outra forma de colaboração,
tarefas que ultrapassem os limites da sua idade mental. Dessa maneira, determinamos até onde
chega a possibilidade de colaboração intelectual para cada criança e o quanto ultrapassa o marco
da sua idade mental.
O resultado da prova demonstrou que uma das crianças resolvia, em colaboração, tarefas padrão
previstas para doze anos. A zona de desenvolvimento iminente está quatro anos à frente de sua
idade mental. A outra criança, com a ajuda dos outros, pôde chegar tão somente à idade padrão
de nove anos. Sua zona de desenvolvimento iminente estava à frente de seu desenvolvimento
mental em apenas um ano.
São iguais as duas crianças da mesma idade pelo nível real alcançado em seu desenvolvimento?
A igualdade é, sem dúvida, limitada à zona de funções já amadurecidas. Mas em relação aos
processos em via de desenvolvimento, uma criança se antecipa a outra em quatro vezes.
Nós tentamos explicar o princípio no qual deve se basear o processo de diagnóstico e
propriedades imaturas no exemplo de desenvolvimento mental da criança.
Desta forma, entende-se que para determinar o desenvolvimento físico da criança é inteiramente
inaplicável o método de pesquisa descrito acima em relação ao desenvolvimento mental. Mas
este aspecto do desenvolvimento do ponto de vista dos princípios é estudado tal como todos os
demais. Interessa-nos conhecer não somente nos limites já alcançados pela criança em no
crescimento e nos demais processos que configuram seu desenvolvimento físico, mas também
em como transcorre o próprio processo de seu desenvolvimento que revelará suas realizações
em desenvolvimento posterior.
Não nos alongaremos sobre a determinação da zona de desenvolvimento iminente em relação a
outros aspectos da personalidade infantil. Explicaremos apenas o seu significado teórico e
prático.
O valor teórico deste princípio [de] diagnóstico é que nos permite penetrar nas conexões
internas dinâmico-causais e genéticas que condicionam o desenvolvimento mental.
Mencionamos anteriormente que o meio social origina todas as propriedades especificamente
humanas da personalidade que a criança adquire; é a fonte do desenvolvimento social da criança
que se realiza no processo da interação real das formas "ideais" e efetivas.
A origem imediata do desenvolvimento de propriedades individuais, interna, da personalidade
infantil é a colaboração (damos um sentido mais amplo a palavra) com [outros] outras pessoas.
Então, quando nós aplicamos o princípio de colaboração para estabelecer a zona de
desenvolvimento iminente obtemos a oportunidade de investigar diretamente o fator
determinante [da maturidade] (está escrito maturação) do desenvolvimento intelectual que
culminará nos períodos ou estágios próximos e subsequentes de seu desenvolvimento.
O significado prático do princípio diagnóstico dado está vinculado ao problema de ensino. Em
um dos últimos capítulos deste trabalho vamos tentar esclarecer esta questão. Agora, nós nos
limitaremos a estudar o seu elemento inicial e mais importante. Sabemos que no
desenvolvimento infantil existem prazos ótimos para cada tipo de aprendizagem. Isso significa
que apenas em determinados períodos de desenvolvimento, a aprendizagem de um determinado
assunto, dos conhecimentos repassados e dos hábitos e habilidades tornam-se mais fáceis,
proveitoso e produtivas. É um fato que durante muito tempo se levou em conta em conta.
Estabeleceu-se, primeiramente, o limite inferior do prazo ótimo de aprendizagem. É bem
conhecido que a um bebê de quatro meses não se pode ensinar a falar; nem ler ou escrever a
uma criança dois anos, porque nessa idade ela não se desenvolveu para tal, ou seja, não se
desenvolveram nela, como premissas, as propriedades e funções imprescindíveis para este
aprendizado. No entanto, se existir o limite inferior da possibilidade de aprendizagem, num
período determinado, caberia supor que quanto mais tarde se inicia a aprendizagem
correspondente, mais fácil seria para esta criança aprender e, por consequência, mais frutífero
seria o estudo, uma vez que em períodos mais tardias a maturidade das premissas são maiores.
Trata-se de uma suposição errônea. Se à criança se começa a ensinar a linguagem aos três anos,
e aos doze a ler e escrever, ou seja, demasiado tarde, esta se encontraria em condições
desfavoráveis. Um processo de ensino tardio é tão difícil e pouco gratificante para a criança do
que quando ensinada mais cedo. Presumivelmente, há também um limite superior de prazos
ótimos de aprendizagem em relação ao desenvolvimento infantil.
Como podemos explicar o fato de que uma criança de três anos de idade, dotada de um grau
maior de maturidade, memória, compreensão, habilidades motoras e outras propriedades, que
são as premissas essenciais para a aprendizagem da fala, assimile de forma mais difícil e menos
proveitosa do que um menino de um ano e meio, com menor grau de maturidade dessas
premissas? A razão para isso é o ensino não [é tão baseado] se apoiar tanto em funções e
propriedades já que já se desenvolveram da criança como naquelas que estão amadurecendo/em
processo de desenvolvimento. O período de desenvolvimento das funções correspondentes é o
mais propício ou ótimo para o tipo adequado de aprendizagem. Isto é compreensível, se
considerarmos o fato da criança se desenvolver ao longo de todo o processo de aprendizagem, e
encerra um determinado ciclo de desenvolvimento. O professor não ensina a criança o que ela
pode fazer por si mesma, mas o que ela não sabe, mas pode fazer se a ensinam e a orientam. O
próprio processo de aprendizagem se realiza sempre em forma de colaboração das crianças com
os adultos e constitui um caso particular de interação de formas ideais e efetivas que
mencionamos anteriormente com uma das leis mais gerais de desenvolvimento social da
criança.
Em um dos últimos capítulos deste trabalho, discutir-se-ão/exporemos com mais detalhe e
precisão o problema da relação entre aprendizagem e desenvolvimento aplicado ao período
escolar e ao ensino escolar. No entanto, deve estar claro agora o quanto a aprendizagem é
baseada em processos de desenvolvimento ainda imaturos, que se encontram em seus estágios
iniciais, mas em vias de maturação, e como toda a esfera de tais processos está incluída na zona
de desenvolvimento iminente, logo, os prazos ótimos de aprendizagem, tanto para o conjunto de
crianças quanto para cada uma delas, são determinados, em cada idade, pela zona do seu
desenvolvimento iminente.
Por esta razão, a zona de desenvolvimento iminente possui tanta importância prática.
A determinação do nível de desenvolvimento atual ou real, assim como da zona de
desenvolvimento iminente, em geral denomina-se diagnóstico normativo do período de
desenvolvimento. Sua missão é mostrar, com a ajuda de normas (ou de padrões) de períodos, o
estado atual de desenvolvimento, caracterizado tanto pelo processo já maduro, quanto pelo
processo em desenvolvimento. Ao contrário do diagnóstico sintomático, baseado apenas em
sinais externos, o diagnóstico que tende à determinação do estado interno de desenvolvimento,
que, em geral, revela-se nestes indícios por analogia com as ciências médicas, denomina-se
diagnóstico clínico.
O princípio geral de todo o diagnóstico científico do desenvolvimento é a passagem do
diagnóstico dos sintomas, com base no estudo dos sintomas complexos de desenvolvimento da
criança, isto é, seus indícios ou sintomas, para o diagnóstico clínico, baseado no estudo do
curso interno do processo de desenvolvimento. Gesell considera que não se deve aplicar dados
normativos, tão somente, de forma mecânica ou psicométrica, pois, além de medir, deve-se
interpretar a criança.
Medição, comparação, determinação dos sintomas de desenvolvimento com os padrões, são
apenas meios de se estabelecer o diagnóstico do desenvolvimento. Para Gesell, o diagnóstico do
desenvolvimento não consiste apenas na obtenção por meio de testes e medições. O
desenvolvimento é uma forma de estudo comparativo com o apoio de regras objetivas, como
pontos de partida. Além de sintético é analítico.
Os dados de teste e medições definem uma base objetiva para a avaliação comparativa. Os
esquemas do desenvolvimento nos fornecem as medidas de desenvolvimento. O diagnóstico, no
verdadeiro sentido da palavra, deve basear-se numa interpretação crítica e prudente dos dados
obtidos a partir de fontes diferentes; deve apoiar-se em todas as manifestações e fatos do
processo de desenvolvimento. A concepção dinâmica, sintética, do conjunto de manifestações,
que chamamos de personalidade, enquadra-se no âmbito da investigação. Claro que não se pode
medir com precisão os traços de personalidade completos. Inclusive nos custa definir o que é a
personalidade, mas, a partir do diagnóstico do desenvolvimento, diz Gesell, devemos considerar
sobre como esta se forma e se desenvolve.
Se nos limitarmos apenas a determinar e medir os sintomas do desenvolvimento, nunca
sairemos dos limites de uma observação puramente empírica de tudo o que já é conhecido pelas
pessoas que observam a criança. No melhor dos casos, só podemos precisar os sintomas e
verificá-los por medição, mas não podemos explicar os fenômenos que observamos no
desenvolvimento da criança ou prever o futuro curso do desenvolvimento ou indicar que
medidas concretas devem ser aplicadas. Tal diagnóstico tão estéril, no sentido explicativo,
prático e prognóstico pode ser comparado aos diagnósticos médicos, quando a medicina
sintomática prevalecia. Se o paciente queixava-se de tosse, o médico diagnosticava: a doença é
a tosse; se ele queixava-se de dores de cabeça, o médico anotava: a doença é dor de cabeça. Tal
diagnóstico é, de fato, vago, porque não acrescenta nada de novo ao que já se sabe sobre o
paciente, limitando-se a devolver tais queixas em uma etiqueta científica. Um diagnóstico vazio
nada explica sobre os fenômenos observados, nada prevê sobre seu futuro curso, nem fornece
conselho prático para o paciente. Um verdadeiro diagnóstico deve explicar, prognosticar e
fornecer uma recomendação prática cientificamente fundamentada.
O mesmo se aplica ao diagnóstico sintomático em psicologia. Se se apresenta em consulta uma
criança com queixa de atraso em seu desenvolvimento intelectual, uma memória ruim e que
demora em compreender e o psicólogo, após investigação, diagnostica: baixo coeficiente de
desenvolvimento intelectual - atraso mental -, ele não explica nada, não prevê nem fornece
qualquer ajuda prática, igual ao médico que diagnosticou o paciente com tosse.
Podemos dizer, sem exagero algum, que todas, absolutamente todas as medidas práticas
destinadas a proteger o desenvolvimento, a educação e as necessidades de aprendizagem da
criança necessitam, indispensavelmente, conhecer o diagnóstico do desenvolvimento, uma vez
que estão relacionados com traços peculiares a um ou outro período do desenvolvimento
psíquico. A aplicação do diagnóstico do desenvolvimento à solução de múltiplas e diversas
tarefas práticas se determina, em cada caso concreto, pelo grau de sua elaboração científica e
demandas impostas, e que solução exigirá de cada tarefa prática, concreta.

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