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TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO | PENAL

Acórdão

Processo Data do documento Relator


665/22.2PBMTS.P1 21 de fevereiro de 2024 Paula Natércia Rocha

DESCRITORES
Crime de violência doméstica > Um episódio

SUMÁRIO
Configura o crime de violência domestica o episódio temporalmente ocorrido em que o arguido deferiu
murros na face e no corpo da assistente, e arremessou um objeto decorativo rígido, e que foram causa de
marcas físicas na ofendida, inclusive no rosto, motivos pelos quais e por sentir vergonha, não saiu de casa
durante duas semanas, episódio que valorado na sua unidade, integra o conceito de maus tratos físicos e
psíquicos atentatório da dignidade pessoal da ofendida.

TEXTO INTEGRAL

Proc. n.º 665/22.2PBMTS.P1


Tribunal de origem: Juízo Local Criminal de Matosinhos J3 – Tribunal Judicial da Comarca do
Porto

Acordam, em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório:
No âmbito do Processo Comum Singular n.º 665/22.2PBMTS a correr termos no Juízo Local Criminal de
Matosinhos – J3 foi julgado o arguido AA, tendo sido decidido:
a) Absolver o arguido AA, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de
violência doméstica agravada, previsto e punido pelos previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea b) e
n.º 2, alínea a), do Código Penal.
b) Condenar o arguido AA, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de
violência doméstica, previsto e punido pelos previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea b), do Código
Penal na pena de na pena de 2 (dois) anos de prisão.
c) Suspender a execução da pena de 2 (dois) anos de prisão por igual período, acompanhada de regime de

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prova, assente em plano de readaptação social elaborado e fiscalizado pela DGSRP
d) Condenar o arguido AA na pena acessórias de proibição de contacto, por qualquer meio, com a
assistente BB, o que inclui o afastamento da sua residência e do seu local de trabalho com mínimo de 300
metros, pelo período de 2 (dois) anos, devendo as mesmas ser fiscalizadas por meios técnicos de controlo
à distância, para o que o arguido consentiu expressamente.
e) Julgar totalmente procedente o pedido cível deduzido por BB, condenando o arguido AA a pagar a
quantia de 3.750,00€ (três mil setecentos e cinquenta euros), acrescida de juros de mora à taxa legal em
vigor para os juros civis, contados desde a data da presente decisão.
f) Condenar o arguido AA no pagamento das custas criminais, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três)
unidades de conta.
g) Condenar o arguido AA no pagamento das custas relativas ao pedido cível.
h) Manter o arguido AA sujeito às obrigações decorrentes do TIR até extinção da pena.
i) Manter o arguido AA sujeito às demais medidas de coação já aplicadas:
a. à proibição de permanecer e frequentar a residência da assistente e as suas proximidades, num raio de
300 (trezentos) metros;
b. à proibição de contactar, por qualquer meio, ou de se aproximar, da assistente, guardando uma
distância de salvaguarda de 300 (trezentos) metros;
c. à proibição de permanecer ou frequentar os locais onde a assistente esteja ou se desloque,
designadamente as danceterias “A...” e “B...”, guardando uma distância de salvaguarda de 300 (trezentos)
metros, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância..

Desta decisão veio o Ministério Público interpor o presente recurso, nos termos e com os fundamentos que
constam dos autos, que agora aqui se dão por reproduzidos para todos os legais efeitos, terminando com a
formulação das seguintes conclusões:
1- A decisão recorrida não merece qualquer reparo no que ao julgamento da matéria de facto respeita.
2- No entanto, verifica-se um mero lapso de escrita no 4.º facto dado como provado, cuja correção se
requer, por não mencionar o local onde os mesmos foram perpetrados: “no interior da residência do casal”,
apesar de isso ter resultado da própria sentença.
3- O tribunal interpretou erradamente a qualificativa do art.º 152.º n.º 2 al. a) do Código Penal, ao
considerar, erradamente, que o seu preenchimento não se basta com um único episódio, o que gerou a
absolvição do arguido.
4- Na determinação da medida da pena o Tribunal recorrido violou os artºs. 40.º, n.º 1 e 2 e 71.º n.º 1 e 2
do Código Penal, porque aplicou uma pena que ficou aquém da culpa do arguido, param além de não ter
sido devidamente valorada o grau de ilicitude dos factos e o modo de execução dos mesmos.
Termina pedindo seja julgado provido o recurso apresentado, e em consequência, seja revogada a
sentença na parte recorrida e, consequentemente, seja o arguido condenado pela prática, em autoria
material e na forma consumada, de um crime de violência doméstica agravada, previsto e punido pelo
artigo 152.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2, alínea a), do Código Penal, em pena de prisão nunca inferior a três
anos, ainda que suspensa na sua execução por igual período, e sujeita não só a regime de prova, mas

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também à proibição contactar, por qualquer meio, com a assistente BB, o que inclui o afastamento da sua
residência e do seu local de trabalho com mínimo de 300 metros.

A este recurso respondeu a assistente BB, conforme consta dos autos, concluindo da seguinte forma:
a) Na douta sentença recorrida a Mma Juiz decidiu absolver o arguido da prática de um crime de violência
doméstica agravada por haver considerado que apenas um dos episódios integrantes da sua conduta tinha
ocorrido no interior da residência comum e tendo os demais episódios ocorrido fora daquela residência;
b) Expendendo para isso que, se aquilo que o legislador pretendeu, com a agravação do art.º 152.º, 2, a),
do CP, foi punir mais severamente as condutas ocorridas no interior da residência (por facilitarem a
conduta típica e dificultarem a prova), então inexiste razão para, in casu, ter concluído pela verificação da
agravação;
3. E que, avaliando o limiar do mau trato relativamente à factualidade integradora da agravação, o
concreto episódio ocorrido nunca configuraria, por si só, um crime de violência doméstica, e não podendo,
do mesmo modo, fundamentar a agravação da conduta do arguido;
c) Do que se insurgiu o Ministério Público e aduzindo para isso que a interpretação expendida pela Mma.
Juiz a quo não apresenta qualquer respaldo legal uma vez que o legislador não exige qualquer número
mínimo de situações para fazer operar a qualificação do nº 2 do art.º 152.º e antes se bastando com um
único episódio;
d) Assistindo inteira razão ao Ministério Público pois que, com a qualificação do n.º 2 do art.º 152.º, o
legislador quis conferir uma maior proteção jurídica às vítimas (maxime à sua saúde física e psíquica)
relativamente a comportamentos por parte dos agressores que revistam uma maior gravidade individual e
social por via do ambiente onde têm lugar (no seio das relações familiares, afetivas e/ou de coabitação);
e) Havendo um entendimento jurisprudencial dominante de que opera a qualificação do nº 2 do art.º 152.º
quando designadamente os factos tipicamente relevantes têm lugar no jardim e/ou no pátio da casa de
morada de família ou da residência da vítima, por estes lugares igualmente integrarem o conceito legal de
“domicílio”;
f) In casu – e para além dos factos dados como provados nos respetivos pontos 4), 5) e 6) e que são
relativos ao único episódio que a Mma. Juíz a quo considerou como ocorrido no interior da que era
residência comum (sendo, não obstante, que, no ponto 4) se verifica um mero lapso de escrita, ou melhor,
uma omissão de escrita, por aí não vir mencionado que os factos tipicamente relevantes foram praticados
pelo arguido no interior da então residência comum) – mais se encontra dado como provado [factos dados
como provados nos pontos 33), 34), 35) e 36)] que, em 24.07.2022 e em frente da habitação da assistente,
o arguido, de forma violenta, a agarrou pelos cabelos e por um braço, arrastando-a e projetando-a contra o
chão;
g) Para, ato contínuo, a tentar estrangular e mais a arrastando e tentando lhe colocar a cabeça debaixo de
uma viatura que ali se encontrava, e sendo que só cessou o estrangulamento devido à ação de populares
que socorreram a assistente;
h) Factos foram detalhadamente descritos na audiência de julgamento, designadamente por CC
(depoimento que se encontra registado com início às 14h23m03s de 07.09.2023) e por DD (depoimento

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que se encontra registado com início às 14h37m54s do mesmo dia);
i) E mais importando notar que, de tais condutas do arguido, advieram para a assistente as extensas e
profundas lesões que se encontram descritas no ponto nº 38 dos factos dados como provados e que
obrigaram a tratamento hospitalar;
j) Sendo que, no atual quadro normativo do art.º 152.º, para o preenchimento deste tipo legal do crime
pode a inflição de maus tratos concretizar-se “de modo reiterado ou não”;
l) Bastando que esse ato único praticado pelo agressor seja apto e bastante – ao nível da ação, do desvalor
e do resultado – para lesar o bem jurídico protegido (mediante a ofensa da saúde física e psíquica) de
modo incompatível com a dignidade da pessoa humana;
m) In casu, se afigurando manifesto que os factos tipicamente relevantes praticados pelo arguido, em
22.07.2022 e em frente da habitação da assistente ofenderam, gravemente e de modo incompatível com a
dignidade da pessoa humana, a saúde física e psíquica da assistente;
n) E, simultaneamente, se impondo que tais factos sejam considerados como havendo ocorrido na
residência da vítima (o que faz preencher o pressuposto da agravação), por a frente dessa residência
igualmente integrar o conceito legal de “domicílio”;
o) Isto sem prejuízo do facto de – no episódio descrito dos pontos 4), 5) e 6) dos factos provados – se
verificar uma dupla condição de agravação uma vez que os factos tipicamente relevantes foram praticados
pelo arguido na então residência comum e simultaneamente na presença da filha da assistente, à data
menor de idade e que igualmente foi vítima da violência do arguido;
p) Atento o que se afigura evidente que a sentença recorrida, designadamente violou o disposto na al. a)
do nº 2 do art.º 152.º do C. Penal, e, como tal, se impondo que a mesma seja revogada e substituída por
uma outra que condene o arguido pela prática de um crime de violência doméstica agravada, p.p. pelo
disposto na al. b) do nº 1 do art.º 152.º e na al. a) do nº 2 do mesmo art.º 152.º do C. Penal.
Termina pedindo seja dado provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e, em consequência,
seja revogada a sentença recorrida e substituída por outra que condene o arguido pela prática de um crime
de violência doméstica agravada, com as legais consequências.

Neste Tribunal de recurso o Digno Procurador-Geral Adjunto no parecer que emitiu, e que se encontra nos
autos, pugna pela procedência do recurso.

Cumprido o preceituado no art.º 417.º, n.º 2 do Cód. Proc. Penal, nada veio a ser acrescentado de relevante
no processo.

Efetuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais foram os autos submetidos a conferência.

Nada obsta ao conhecimento do mérito.

II- Fundamentação:
1.1. São os seguintes os factos dados como provados pelo Tribunal de 1ª Instância:

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1) O arguido AA e a assistente BB viveram em comunhão de leito, mesa e habitação, como se de marido e
mulher se tratassem, entre data não concretamente apurada do ano de 1995 e fevereiro de 2021 e ainda
entre fevereiro e março de 2022.
2) Fixaram residência na habitação da assistente, sita na Travessa ..., n.º ..., R/C A, ..., Matosinhos.
3) Durante todo o relacionamento, ocorreram desentendimentos entre o casal relacionados com saídas
noturnas e dívidas de jogo do arguido e o relacionamento foi pautado por sucessivas ruturas e
reconciliações.
4) Em data não concretamente apurada do ano de 2001, na sequência de uma discussão pelos motivos
referidos em 3), o arguido desferiu um murro na face e murros no corpo da assistente, causando-lhe dores
e lesões nas áreas atingidas.
5) Nas circunstâncias de tempo e lugar descritas em 4), o arguido arremessou um objeto decorativo rígido
que atingiu a filha da assistente num pulso.
6) Devido às marcas físicas que apresentava, inclusive no rosto, e por sentir vergonha, a assistente não
saiu de casa durante duas semanas.
7) Em meados de março de 2022, no interior da residência comum, o arguido retirou a quantia de
5.000,00€ (cinco mil euros), em notas do BCE, que a assistente tinha escondido num envelope atrás do
móvel da sala.
8) A assistente, quando se apercebeu, confrontou o arguido, que lhe respondeu que o dinheiro era da casa,
recusando entregar-lhe a aludida quantia.
9) Nessa sequência, a assistente pediu ao arguido para sair de casa; em ato contínuo, e como forma de
retaliação, o arguido desferiu um murro na placa da cozinha, partindo-a.
10) Nos dias seguintes, o arguido abandonou a residência da assistente.
11) Nas duas semanas que se seguiram à separação, em março de 2022, o arguido não contactou a
assistente.
12) Após o período referido em 11), o arguido passou a seguir a assistente nas suas deslocações diárias e a
esperá-la e persegui-la até à porta da sua residência.
13) Entre o dia 19 de maio de 2022 e o dia 28 de junho de 2022, o arguido enviou para a assistente
inúmeras mensagens do seu número ..., entre as quais:
a. No dia 19 de maio, pelas 21h54: “Se tivesse muito respeito por mim não ias logo para o baile.”;
b. No dia 20 de maio, pelas 12h06: “Estávamos zangados a dois dias e já estavas a dançar com homems”.
c. No dia 21 de maio, pelas 22h44: “Não atendes ladra estás muito mal enganada comigo”; -
d. No dia 22 de maio, pelas 16h39: “Não me deixas falar das me mil euros eu deixo-te em paz ainda ficas
com muito”;
e. No dia 22 de maio, pelas 18h25: “São não atendes tudo bem eu vou-te aparecer nos bailes nem que não
vá ao mar tu é que sabes agora”;
f. No dia 22 de maio, pelas 23h19: “Estás a ser estupida eu estou a falar a bem depois diz que ando atrás
de ti”
g. No dia 24 de maio, pelas 19h15: “Quero-te apanhar no café ladra” e pelas 19h16: “Ou no baile”. Pelas
19h40: “Ladra queres que te em paz Dame o que é meu só queres roupa nova para andares no baile”.

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Pelas 21h14: “Dá-me quinhentos euros para levar à segurança social e não te chateio mais juro podes
trazer uma testemunha”. Pelas 21h51m: “Não atendes porque”.
h. No dia 25 de maio, pela 01h40: “Roubaste-me 20 mil euros ladra quero o meu dinheiro.” Pelas 02h01:
“Eu não desisto enquanto não me deres o meu dinheiro”. Pelas 12h37: “Agora danço aos trambolhões
aqueles que vais dançar são melhores está fudida comigo.” Pelas 14h31: “Vais ser a minha desgraça”. E
pelas 20h14: “Os azeiteiros que vais dançar são melhores porque no A... é só azeiteiros e casados”. Pelas
20h58: “Quero-te apanhar no café ou no C... ou na e vou deixar-te envergonhada ladra que me roubaste”.
Pelas 22h43: “Ando desesperado”. Pelas 23h55: “Deste cabo da minha vida”.
i. No dia 27 de maio, pelas 20h45: “Estás fudida comigo, nem que vá preso.” Pelas 21h25: “Queres viver
sossegada, dá-me os 500 euros e não te chateio mais”.
j. No dia 28 de maio pelas 22h24m: “Acredita estás fudida comigo eu vou as tuas pátroas.”. Pelas 22h38:
“Ladra”.
k. No dia 29 de maio, pela 01h06: “Estou maluco acredita”. Pelas 01h12: “Pensavas que me enganavas eu
sabia que isso para o baile isso até te come.”. Pelas 03h02: “Trabalhei uma vida no mar para me ficares
com tudo ladra”. Pelas 11h19: “Oh mamona queres que espere aí à porta pela polícia”. Pelas 11h24: “Se
quiseres eu espero é só dizeres eu não estou longe e não tenho medo.”.
l. No dia 31 de maio pelas 17h58: “Podes dizer aquém tu quiseres não tenho medo minha ladra”. Pelas
18h01: “É tudo uma cambada de putas.”. Pelas 18h16: “Acredita que eu não sossego”.
m. No dia 01 de junho pelas 21h51: “Se não vieres, amanhã vou ao teu trabalho.”. E pelas 21h56: “Vai ser
pior para ti tu vais ver amanhã vou fazer um escândalo na tua patroa.”. Pelas 23h04: “Amanhã apareço
não te esqueças.”.
n. No dia 02 de junho, pelas 19h03: “Estou-te a ganhar ódio acredita”. Pelas
19h12: “E esse picheleiro se ele abriu a boca partia-lhe os cornos.”. Pelas 20h19: “Vai-te foder não me
metes medo tu és mentirosa e ainda vais dizer que que eu também ameacei as malhonas”.
o. No dia 03 de junho pelas 19h31: “Vai-te foder nem te posso ver vais pagar tudo”.
p. No dia 04 de junho pelas 14h03: “Estás fudida comigo não sabes com quem te meteste”. Pelas 14h05:
“Nem ao mar vou mais”.
q. No dia 05 de junho pelas 14h00: “Vou-te depenar, tu pensas que brincas
comigo”. Pelas 14h01: “Eu vou já tratar de ti.”.
r. No dia 13 de junho pelas 19h28: “A mamona da tua filha que trabalhe para ti.”. Pelas 20h06: “Eu vou aí e
vais me mandar para a puta que me pariu e eu meto-te as janelas todas abaixo.”.
s. No dia 27 de junho pelas 17h55: “Se não me deres os mil euros tu vais ver o que eu vou fazer ladra que
me roubaste tudo.”.
t. No dia 28 de junho pelas 13h46: “Eu não te quero fazer mal Dame o dinheiro e fica tudo bem já vais para
o baile e tudo.”
u. No dia 30 de junho pelas 18h09: “Ladra és muito mentirosa”.
v. No dia 25 de maio de 2022, pela 01h40m, o arguido enviou à assistente a seguinte mensagem:
“Roubaste-me 20 mil euros ladra eu quero o meu dinheiro.”
14) No dia 29 de maio de 2022, pelas 10h30, na via pública, na Rua ..., em ..., o arguido desferiu um murro

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nas costas da assistente.
15) A assistente colocou-se em fuga para casa e o arguido seguiu-a durante esse percurso, ao mesmo
tempo que lhe dirigiu as expressões: “És uma ladra! Dá-me o teu dinheiro! Parto-te toda”.
16) Já depois da assistente ter chegado a casa, o arguido, que permaneceu no exterior da residência,
continuou a proferir aquelas expressões em voz alta.
17) A assistente disse ao arguido que ia chamar a polícia, respondendo o arguido: “Eu quero que a polícia
se foda, só fazem merda!”.
18) No dia 2 de junho de 2022, o arguido dirigiu-se ao local de trabalho da assistente, correspondente à
residência sita na Avenida ..., ..., tocando insistentemente à campainha.
19) A idosa que ali reside, de 87 anos de idade, informou o arguido que a assistente ali não se encontrava,
porém este continuou a tocar à campainha durante algum tempo.
20) Quando a assistente chegou, aproveitando uma distração do arguido, entrou na habitação através de
outro portão de acesso.
21) O arguido, vendo-a, chamou-a em voz alta.
22) Já depois da assistente se ter introduzido na residência, o arguido continuou a tocar insistentemente à
campainha.
23) Em data não concretamente apurada do verão de 2022 o arguido dirigiu-se à casa da irmã da
assistente e junto desta perguntou-lhe por aquela.
24) No dia 12 de junho de 2022, de manhã, quando a assistente se deslocou ao supermercado, o arguido
seguiu-a e aguardou no exterior que a mesma saísse.
25) No dia 28 de junho de 2022, o arguido enviou uma mensagem à assistente a dizer que a viu sair de
casa.
26) No dia 30 de junho de 2022, pelas 18h00, o arguido dirigiu-se à casa onde a assistente trabalha, sita na
Avenida ..., ... e, aproveitando o facto de a assistente estar a varrer o passeio em frente àquela habitação e
pediu-lhe mil euros para pagar uma dívida que o mesmo tinha na Segurança Social.
27) A assistente disse ao arguido que ia chamar a polícia, respondendo este “Quero que a polícia se foda!”.
28) Aproveitando um momento de distração do arguido, a assistente refugiou-se no jardim da propriedade,
pegando no telemóvel para solicitar ajuda, momento em que o arguido fugiu.
29) No dia 10 de julho de 2022, pelas 21h30, quando a assistente se encontrava a entrar no prédio da sua
residência, o arguido dirigiu-se à mesma, a correr na sua direção, tendo a assistente conseguido entrar
dentro do prédio antes que o arguido a alcançasse.
30) Em ato contínuo, o arguido desferiu murros no vidro da porta da entrada e em seguida deslocou-se
para junto da janela do quarto, batendo na persiana.
31) No dia 11 de julho de 2022, o arguido enviou à assistente as seguintes mensagens SMS:
a. “Eu apanho te ladra tens que dar o que é meu”
b. “Tens tido sorte”
c. “Dá me os mil euros e ficamos em paz acredita em mim”
d. “Eu estou desesperado”
e. “Mas pensa bem são á necessidade de andarmos assim tens dinheiro porque não me dás vê o que eu fix

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por vós trabalhei sempre cada um faz a sua vida e acabou pensa bem.
32) No dia 22 de julho de 2022, pelas 18h00, quando a assistente se encontrava no Café/Confeitaria “D...”,
sito na Rua ..., Matosinhos, o arguido dirigiu-lhe as expressões: “És uma ladra. Uma puta, vou-te partir
toda". Até te como com os olhos! Eu mato-te! Ladra! Apanho-te sozinha e mato-te!”.
33) No dia 24 de julho de 2022, de manhã, em frente à habitação da assistente, o arguido, de forma
violenta, agarrou-lhe os cabelos e um braço, arrastando-a e projetou-a contra o chão, onde a assistente
caiu.
34) Em ato contínuo, o arguido tentou estrangulá-la, colocando as mãos no pescoço da mesma e
apertando-o com força.
35) O arguido puxou e arrastou a assistente, tentando colocar a cabeça da mesma por baixo de uma
viatura que ali se encontrava estacionada.
36) O arguido só cessou com o estrangulamento devido à ação de populares que socorreram a assistente.
37) O arguido colocou-se em fuga.
38) A assistente, na sequência desta agressão, recebeu tratamento hospitalar, quedando-se com: Uma
escoriação no couro cabeludo, na região occipital direita, com 1cm por 0,5cm de comprimento, duas
escoriações lineares, verticais, com 2cm cada uma, na face lateral direita do pescoço e três escoriações
com 10cm de comprimento, lineares e sob um fundo equimótico, avermelhado e perifocal, na região
escapular e supra escapular direita. Na região infracavicular direita, uma escoriação no terço interno, com
2cm de comprimento. Na face anterior da face esquerda do pescoço, ao nível da interseção com a região
submandibular homolateral, uma escoriação horizontal, linear com 4cm de comprimento que na sua
extremidade medial e submandibular, adota um trajeto horizontal oblíquo para a frente.
Na face posterior da metade esquerda e na face lateral esquerda do pescoço, cinco escoriações de maior
eixo horizontal ou ligeiramente oblíquo inferoanteriormente e que medem uma 5 cm e as restantes 3cm de
comprimento, por 1cm de largura máxima e 0,2cm de largura mínima, com equimose avermelhada
perifocal.
Na região supraclavicular esquerda, quatro escoriações de maior eixo vertical inferoanterior, duas delas
com 3cm de comprimento uma com 1cm de comprimento e uma com 2cm de comprimento, com 1 cm de
largura máxima.
No tronco, duas escoriações na região escapular direita lineares oblíquas com 4cm de comprimento cada e
eritema perifocal.
No membro superior direito, quatro escoriações lineares verticais que se estendem do terço distal do braço
a terço médio do antebraço, paralelas entre si, a maior 20 cm de comprimento e a menor com 3cm de
comprimento e uma escoriação na face posterior do cotovelo com 2cm por 1cm e duas escoriações na face
lateral do terço médio do braço a maior com 5cm de comprimento e a menor com 1cm de comprimento.
No membro inferior esquerdo, equimose esverdeada na face posterior do terço médio coxa, com 1cm de
comprimento.
Tais lesões determinaram 10 dias para cura, sem afetação da capacidade de trabalho.
39) A 28 de julho de 2022 o arguido foi sujeito a interrogatório judicial nos presentes autos e foram-lhe
aplicadas as medidas de coação de proibição de frequentar a residência da assistente e suas imediações

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num raio de 300 metros, proibição de contactar a assistente por qualquer meio e de permanecer ou
frequentar os locais onde a assistente esteja ou se desloque, bem assim de se aproximar da mesma,
mantendo desta uma distância de 300 metros.
40) No dia 8 de outubro de 2022, pelas 23h00, o arguido dirigiu-se ao estabelecimento de dança “A...”
onde sabia que a assistente se encontrava.
41) Depois disso o arguido permaneceu naquele estabelecimento.
42) Nessa sequência, a assistente sentiu-se amedrontada e a partir desse dia passou a refugiar-se em
casa, com as portas e janelas trancadas.
43) No dia 25 de novembro de 2022, pelas 22h15, o arguido perseguiu a assistente e suas amigas até à
danceteria “B...”. Lá chegado, conseguiu estacionar o seu veículo automóvel primeiro do que a assistente e
quando esta entrou naquele local, o arguido disse-lhe: “Ladra, dá-me o dinheiro para pagar à TV cabo,
maluca, cabra, andas com amantes, pensas que tens as costas guardadas mas eu vou foder-te.”.
44) Sabia o arguido que com a sua descrita conduta lesava a sua companheira e ex-companheira na saúde
física e mental, como efetivamente lesou, causando-lhe dores e lesões corporais, que a afectava na
capacidade de livremente se decidir e deslocar, que a fazia temer pela sua vida e integridade física,
aumentando o ascendente que sobre aquela detinha, e ainda que a humilhava e atacava a sua dignidade e
consideração pessoais e que perturbava o seu bem-estar, como efetivamente veio a suceder, não se
coibindo de adotar tais comportamentos, ainda que no interior da residência, o que quis.
45) O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo serem as suas condutas proibidas e
punidas por lei penal.
Mais resultou quanto ao arguido:
46) O processo de desenvolvimento do arguido ocorreu numa matriz familiar constituída pelos pais e mais
seis irmãos, quatro dos quais já falecidos, de parcos recursos socioeconómicos, tendo crescido integrado
no agregado de origem.
47) O arguido abandonou a escola após a conclusão do 4.º ano, passando a trabalhar no sector da
construção civil.
48) Mais tarde o arguido integrou o sector da pesca, atividade na qual foi consolidando a sua experiência e
estruturando o seu percurso profissional, com exercício de funções até à atualidade.
49) O arguido casou por volta dos 22 anos, tendo mantido essa relação até 1995, sem que tenha
concretizado o divórcio.
50) Dessa relação tem uma filha, atualmente com 41 anos de idade.
51) O arguido reside na ..., tendo regressado ao agregado da sua mulher e retomado a relação com esta,
coabitando com esta e com a filha de ambos.
52) Não tem antecedentes criminais.
Do pedido de indemnização cível:
53) As expressões dirigidas pelo arguido à assistente foram presenciadas quer por vizinhos, quando
proferidas nas imediações da residência, quer por pessoas que se encontravam nos locais onde o arguido
resolveu aparecer e confrontar a assistente.
54) Em virtude da conduta do arguido, a assistente sentiu medo; humilhação; perturbação; ansiedade e

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tristeza.
55) Também na sequência das atuações do arguido a assistente ficou a padecer de insónias, sofrendo de
um quadro de perturbação depressiva, tendo tido necessidade de regular acompanhamento médico bem
como de tomar medicação.

2.2. São os seguintes os factos dados como não provados pelo Tribunal de 1ª Instância:
a) Os factos descritos em 4) ocorreram em 2007.
b) O objeto decorativo referido em 5) tinha forma de elefante.
c) Durante as discussões, no interior da residência comum, o arguido exigia à assistente que suportasse o
vício dele, ameaçava que a agredia e que partia tudo em casa, e dirigia-lhe as expressões “Vou-te tirar os
olhos fora, mamona, ladra”.
d) Durante os períodos de separação/rutura, em número de aproximadamente seis, o arguido exigia à
assistente que lhe entregasse dinheiro, como condição para não a importunar.
e) Durante o relacionamento, em várias ocasiões, o arguido subtraiu dinheiro à assistente e contraiu
dívidas, de modo a suportar o vício do jogo, dívidas estas que a assistente acabava por pagar.
f) A partir de finais de março/inícios de abril de 2022, o arguido enviou várias mensagens à assistente, de
teor ameaçador, a exigir-lhe a entrega de dinheiro.
g) A mensagem descrita 13), b. foi enviada no dia 19 de maio de 2022.
h) A mensagem descrita 13), c. foi enviada pelas 21h44.
i) Nas circunstâncias descritas em 15) o arguido dirigiu-se à assistente proferindo as seguintes expressões:
“Ó puta! Vou-te seguir para todo o lado! Vou dar cabo de ti!”.
j) A situação descrita em 23) ocorreu no dia 11 de junho de 2022.
k) Nas circunstâncias consignadas em 24), no percurso para casa, o arguido seguiu sempre no encalço da
assistente, exigiu-lhe que ela lhe entregasse dinheiro, e disse-lhe: “Vou-te partir toda! “Vou-te fazer
esperas no trabalho! Vou-te fazer a vida negra!”.
l) Nas circunstâncias de tempo e lugar enunciadas em 26) o arguido agarrou a assistente pelas costas com
violência, virando-a para si;
m) E, tendo a assistente negado o pedido do arguido, este, adotando uma postura agressiva e
ameaçadora, disse-lhe: “Dou-te uma cabeçada que te rebento com a boca toda!”.
n) A assistente repetiu que não lhe dava dinheiro, retorquindo o arguido: “Sou homem para te matar!”.
o) No dia 11 de julho de 2022, segunda-feira, o arguido dirigiu-se à Rua ..., à procura da assistente, que
tinha por hábito às segundas-feiras circular e confraternizar com as irmãs num café ali existente, o que o
arguido sabia.
p) A assistente, tomando conhecimento que o arguido ali se encontrava, dirigiu-se para a sua residência,
tendo apanhado boleia de uma amiga naquela deslocação.
q) O arguido, que se encontrava no seu automóvel junto do largo da igreja de ..., vendo a assistente, iniciou
a marcha do veículo e encetou uma perseguição seguindo o veículo onde seguia a assistente.
r) Já depois de a assistente ter entrado em casa, o arguido ligou-lhe para o telemóvel, não tendo aquela
atendido.

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s) Na situação ocorrida na Confeitaria “D...” o arguido dirigiu-se à assistente dizendo-lhe: “Roubaste-me os
20 mil euros”.
t) No dia 24 de julho de 2022, após o descrito em 33), o arguido agrediu fisicamente a filha da assistente,
EE.
u) No dia 28 de julho, pelas 22h00, conhecendo as medidas de coação que lhe foram aplicadas, o arguido
deslocou-se à residência da assistente, onde disse à sua sobrinha, com foros de seriedade: “Ando à procura
da tua tia, quero matar a tua tia.”.
v) No dia 31 de julho de 2022 o arguido procurou pela assistente, no bairro dos pescadores.
w) Nas circunstâncias de tempo e lugar descritas em 40) o arguido dirigiu-se à assistente com foros de
seriedade, dizendo: “Tu não pagaste a TV cabo, deixaste de pagar, tu pensas que tens as costas quentes,
mas vais pagá-las.”.
x) No dia 3 de dezembro de 2022, pelas 21h30, o arguido deslocou-se à residência da assistente, dirigiu-lhe
alguns impropérios e, depois disso, pontapeou a porta da sua habitação.
y) No dia 10 de dezembro de 2022, pelas 22h03, o arguido deslocou-se à residência da assistente,
abordou-a e disse-lhe: “Vou-te foder toda, pensas que eu tenho medo da PSP, quero que a PSP se foda.
Pelas 01h55 o arguido abordou novamente a assistente, dizendo-lhe com foros de seriedade: “Vou-te
matar, sua puta, ladra, nojenta”. Quando a assistente fez menção de ir chamar a polícia, o arguido disse:
Estou-me a cagar para a polícia, só fazem merda”.
z) No dia 8 de janeiro de 2023, pelas 19h55, o arguido abordou novamente a vítima na sua residência,
dizendo: “Parto-te toda, pensas que tens as costas guardadas pela PSP, eu quero que a PSP se foda, esses
gajos não fazem nada”.

2.3. É a seguinte a motivação da matéria de facto apresentada pelo Tribunal de 1.ª Instância:
Considerando os princípios e regras legais atinentes ao sistema probatório — isto é, aos meios de prova,
meios de obtenção de prova e força probatória, o tribunal formou a sua convicção conforme o princípio de
livre apreciação da prova (artigo 127.º do Código de Processo Penal), livre apreciação que não se confunde
com exame arbitrário ou análises subjetivas do julgador, incontroláveis e imotiváveis.
O tribunal atendeu aos seguintes elementos probatórios:
- certidões de assento de nascimento de fls. 20 e seguintes;
- auto de denúncia de fls. 24 e seguintes;
- aditamento de fls. 76;
- aditamento de fls. 82;
- aditamento de fls. 96;
- aditamento de fls. 102;
- aditamento de fls. 118 e seguintes;
- aditamento de fls. 122;
- aditamento de fls. 125;
- aditamento de fls. 155;
- aditamento de fls. 168;

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- auto de transcrição de mensagens de fls. 169;
- aditamento de fls. 177;
- aditamento de fls. 200;
- aditamento de fls. 204;
- aditamento de fls. 254;
- aditamento de fls. 258;
- aditamento de fls. 260;
- aditamento de fls. 367;
- aditamento de fls. 371;
- aditamento de fls. 373;
- aditamento de fls. 380;
- aditamento de fls. 382;
- relatório de exame médico legal de fls. 334 e seguintes;
- apenso B, contendo impressão de mensagens de texto;
- depoimento da assistente BB;
- depoimentos das testemunhas EE; FF; GG; HH; II; JJ; KK; LL; MM; NN;
OO; CC; DD; PP; QQ; RR; SS; TT; UU; VV e WW;
- certificado de registo criminal emitido em 13/09/2023;
- relatório social junto aos autos;
- documentos juntos com o pedido de indemnização cível de 08/03/2023 (ref.ª citius 25327282).
A matéria atinente à relação entre o arguido e a assistente, à data do seu termo e ao local onde fixaram
residência, resultou incontroversa das declarações da assistente que confirmou estes factos de forma
isenta e clara, não tendo o arguido contrariado tal factualidade.
No que se refere à matéria relativa à ausência de contactos por parte do arguido após a separação ocorrida
em março de 2022 e bem assim ao envio das mensagens, o arguido admitiu tal factualidade, assumindo
que aquele era o seu número de telemóvel, em consonância com o relatado, de modo consistente, pela
assistente.
Os pontos 3) a 19); 12); 14) a 22); 24) a 30); 30); 32) a 37); 39) a 43) a 44) e 53) a 55) da matéria de facto
provada resultam das declarações da assistente que descreveu os episódios dados como provados,
conseguindo enquadrá-los de modo concretizado. Descreveu, também, as consequências da conduta do
arguido no seu equilíbrio emocional e psicológico.
Deve salientar-se que o tribunal não vislumbrou, no depoimento da assistente, qualquer intuito de
retaliação relativamente ao arguido ou que procurasse aumentar a gravidade dos factos com o fim de o
prejudicar.
A assistente, num registo objetivo e coerente, aludiu à vivência do casal e ao início dos problemas
conjugais, referindo-se a uma primeira agressão física, que localizou temporalmente por referência à idade
da sua filha GG. A assistente referiu que o episódio terá ocorrido cerca de 4/5 anos após o início da sua
relação com o arguido, mencionando ainda que a sua filha mais nova teria cerca de 15/16
(quinze/dezasseis) anos. Assim, atendendo às referências temporais dadas pela assistente e confirmadas

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pelo teor do depoimento da testemunha EE, também filha da assistente, e atento o ano que a assistente
referiu como sendo o de nascimento de GG, permitiu situar o episódio no ano de 2001.
Nesta sequência, relatou o primeiro episódio de agressões físicas, o que fez de forma absolutamente
circunstanciada, ainda que não reporte a data concretas (o que é compreensível dada a ausência de registo
e o tempo decorrido), aludindo ao contexto em que tais agressões ocorreram, a natureza das mesmas e as
consequências físicas que lhe advieram em consequência deste episódio. Por referência a este concreto
episódio, o que fez aludindo ao motivo subjacente à discussão ocorrida entre o casal, descreveu ao tribunal
o que aconteceu nesse seguimento, explicando que foi a filha mais velha, EE, que lhe prestou assistência
nas semanas seguintes.
As declarações da assistente são, nesta parte, corroboradas pelo depoimento das testemunhas EE e GG,
suas filhas.
A testemunha GG presenciou os factos descritos pela assistente, tendo explicado, de modo objetivo e
concretizado, a sucessão dos acontecimentos num relato coerente com o descrito pela assistente. Referiu
que se recorda de ainda ser menor de idade por não ter carta de condução, tendo cerca de 15/16 anos.
Relatou o comportamento do arguido, concretizando a natureza das agressões que o mesmo infligiu à
assistente e descreveu as consequências daquela atuação, designadamente a existência de marcas na
cara da sua mãe e a circunstância de esta se ter sentido envergonhada não tendo saído de casa nas
semanas seguintes.
Igualmente, a testemunha EE, filha da assistente, referiu que à data ainda residia com a sua mãe, embora
não se encontrasse em casa naquele momento, mencionando que viu marcas nos braços e no rosto da
mãe, explicando ainda que foi este episódio que espoletou a sua saída daquela residência.
Atento o modo claro, coerente e livre com que as testemunhas depuseram, afigurando-se sinceras,
lograram convencer o tribunal.
Depois, a assistente descreveu a segunda agressão física, o que fez por referência ao local onde se
encontrava e ao concreto contexto em que ocorreu – na rua junto a sua casa, relatando o modo pelo qual o
arguido terá perpetrado a ofensa.
As declarações da assistente são, nesta parte, corroboradas pelo teor dos aditamentos de fls. 76 e 82 que
permitem concluir com segurança pela data em que a referida agressão terá ocorrido, reforçando a
credibilidade das aludidas declarações.
No que se refere à última agressão física descrita na acusação, a assistente descreveu o contexto em que
a mesma ocorreu, concretizando-a temporalmente, e relatou a conduta do arguido, as zonas do corpo
atingidas e o impacto de tal conduta, que a fez cair no chão, referindo que o mesmo tentou estrangulá-la e
colocar a sua cabeça debaixo de um carro que se encontrava do outro lado da sua rua, que o arguido
apenas cessou o seu comportamento por terem chegado ao local várias pessoas, o que é consonante com
a prova documental junta aos autos, concretamente o aditamento junto a fls. 204.
As declarações da assistente quanto a esta situação encontram suporte no depoimento da testemunha CC,
vizinha de cima da assistente, que presenciou parte do episódio. A testemunha descreveu a razão pela
qual foi à varanda da sua casa e relatou o que assistiu, descrevendo o modo pelo qual o arguido perpetrou
as agressões à assistente. Referiu de movo absolutamente vivido que sentiu pânico perante a situação,

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sentimento esse que a paralisou, descrevendo que somente conseguiu gritar por socorro, não tendo saído
de sua casa mesmo após o arguido cessar o comportamento descrito.
Face ao modo objetivo, lógico e vivido com que depôs, o depoimento da testemunha afigurou-se sincero,
convencendo o tribunal.
A testemunha DD, vizinha da frente da assistente, assistiu a parte do aludido episódio. Esta esclareceu
porque razão se apercebeu do sucedido, descreveu o que viu e de que modo, referindo o que fez nessa
sequência. Explicou ainda, de modo concretizado, que não assistiu a toda a sequência de acontecimentos
por ter saído junto da sua porta para chamar a polícia, descrevendo o que viu quando ali regressou, o
modo como se encontrava a assistente e as marcas que a mesma apresentava. Assim, face ao modo claro,
circunstanciado e isento com que depôs, afigurou-se credível, logrando convencer o tribunal.
Acresce que, quanto a esta situação, concretamente no que concerne às consequências que advieram para
a assistente, o tribunal atendeu ao teor do relatório pericial junto aos autos a fls. 334 e seguintes, o qual
admite o nexo causal entre o evento e as lesões que a assistente apresentava.
As mencionadas lesões foram também descritas pela testemunha PP, residente numa rua transversal à da
assistente. A testemunha relatou, de forma absolutamente lógica, que encontrou a assistente momentos
depois dos factos, explicando o motivo de se dirigir àquele local, descrevendo o estado em que a assistente
se encontrava e relatando as marcas que apresentava. O depoimento da testemunha, concretizado e
coerente, mereceu credibilidade.
Após, a assistente referiu-se aos episódios em que o arguido a procurou na casa onde prestava cuidados a
uma idosa. Embora a assistente se tenha referido aos eventos como um episódio só, relatou
detalhadamente a sucessão de acontecimentos, quem ali se encontrava e o modo pelo qual logrou furtar-
se ao confronto com o arguido num dos episódios. A verdade é que a assistente descreveu, de modo que
se afigurou sincero, todo o sucedido, sendo certo que o próprio arguido refere duas idas àquele local.
Sucede que do teor das capturas de ecrã de fls. 76 do volume anexo a estes autos, resulta que o arguido,
em mensagem enviada à assistente no dia 2 de junho de 2022, disse-lhe que iria novamente procurá-la em
casa da sua patroa, uma vez que a mesma não se encontrava no cemitério. Assim, resulta seguro que o
primeiro episódio ocorreu no dia 2 de junho de 2022, sendo certo que do teor da mensagem do arguido
parece resultar que o mesmo não chegou a ver a assistente no local, o que reforça a versão do libelo
acusatório e a descrição da assistente quanto à circunstância de se ter escondido no jardim daquela
residência e ali ter aguardado que o arguido saísse daquelas imediações.
A data do outro episódio ocorrido no mesmo local, relatado pela assistente e referido pelo arguido é
corroborada pelo teor do aditamento de fls. 155.
A assistente descreveu ainda as expressões verbais que lhe eram dirigidas pelo arguido, o que fez de
forma contextualizada, indicando os concretos epítetos proferidos, referindo ainda que as mesmas
cessaram na data em que foram instalados os meios de vigilância eletrónica para cumprimento da medida
de coação aplicada ao arguido.
Seguidamente, descreveu as ameaças que o arguido lhe dirigiu, concretizando os locais e os modos onde
aquelas ocorriam, não as tendo concretizado temporalmente, referindo que os episódios eram de tal modo
frequentes que as datas precisam acabam por se confundir o que se agrava em virtude da medicação que

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se encontra a tomar.
De resto, a assistente foi capaz de concretizar um dos episódios em que o arguido a terá ameaçado,
situação que descreveu como tendo ocorrido numa confeitaria que referiu ser perto da Câmara Municipal
....
Nesta sequência relatou o sucedido, descrevendo o comportamento do arguido e as expressões que este
lhe dirigiu, referindo quem eram as pessoas que ali se encontravam consigo.
As declarações da assistente quanto a este episódio são corroboradas pelo teor do depoimento das
testemunhas FF; HH; II; JJ e KK, amigas da assistente que a acompanhavam naquelas circunstâncias de
tempo e de lugar. As testemunhas relataram de modo objetivo e claro o aludido episódio, descrevendo a
atuação do arguido e bem assim as expressões que o mesmo dirigiu à assistente e explicaram o modo
como o arguido cessou tal atuação. Os depoimentos das testemunhas foram, no essencial, coincidentes
entre si e com as declarações da assistente, reforçando, deste modo, a sua credibilidade, logrando
convencer o tribunal.
A assistente descreveu ainda vários episódios ocorridos nas danceterias A... e B..., explicando com quem se
encontrava, os momentos em que se apercebeu da presença do arguido, relatando a situação em que o
mesmo a abordou e descrevendo as expressões que o mesmo lhe dirigiu.
Estas declarações são corroboradas pelo teor dos depoimentos das testemunhas LL, NN e OO, amigas da
assistente, que a acompanhavam nas saídas para os referidos estabelecimentos, as quais relataram as
situações em que o arguido ali compareceu, tendo abordado a assistente, sendo que o fizeram de forma
que se afigurou lógica, isenta, concretizada e que, face também à coerência entre os diversos
depoimentos, afiguraram-se credíveis, logrando convencer o tribunal.
A assistente contextualizou as discussões, agressões, ameaças e expressões que lhe eram dirigidas,
referindo que as mesmas surgiam sempre por razões de índole financeira, essencialmente quanto esta se
recusava a dar mais dinheiro ou, de algum modo, aceder às solicitações financeiras do arguido. Referiu
ainda que as aludidas solicitações do arguido se deviam a um problema deste com o jogo.
A factualidade descrita em 13), 25) e 31) resulta provada pelo teor das capturas de ecrã de fls. 1 a 5; 8; 21;
24; 27 a 29; 31; 32; 39; 40; 44; 45; 49; 64; 72; 73; 88 a 90; 101; 115; 137; 162; 164; 170 e 174 do anexo B
e do teor auto de transcrição de fls. 169.
O facto 39) decorre do auto de interrogatório de fls. 238 a 243.
A matéria descrita em 38) resulta do teor do relatório de exame médico legal de fls. 334 e seguintes.
Confrontado com o teor da acusação, o arguido negou os factos que lhe são imputados, sem, contudo,
adiantar uma versão alternativa que afaste a versão da assistente ou por qualquer forma a abale.
A falta de credibilidade das declarações do arguido resulta evidente da sua tentativa de culpabilizar e
descredibilizar a assistente, sendo que apenas assumiu o que não podia negar – o envio das mensagens
sms.
Sendo certo que o mesmo assumiu ter procurado a assistente, por diversas vezes, justificando tal
comportamento com a alegação de que aquela lhe terá subtraído 20.000,00€ (vinte mil euros), a verdade é
que tal justificação não abala a versão da assistente (pelo contrário).
Por outro lado, os elementos objetivos constantes dos autos, nomeadamente a prova pericial, contradiz

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frontalmente a negação da prática dos factos que o arguido manteve durante toda a audiência de
julgamento.
O arguido trouxe para o julgamento factos laterais à acusação, alguns até posteriores aos do libelo
acusatório, sendo certo que a assistente, quando confrontada com os mesmos, logrou explica-los de modo
coerente e lógico.
Além disso, as testemunhas arroladas pelo arguido, concretamente RR, SS, TT e UU, colegas de trabalho do
arguido, descreveram factos que não constam da acusação e, por isso, não estão no objeto do processo,
descrições essas que nem foram objetivas nem coerentes entre si, quer quanto à sua concretização
temporal quer quanto à sua concreta dinâmica. Deste modo, os depoimentos das referidas testemunhas
não se tiveram por credíveis, não convencendo o tribunal.
Também as testemunhas VV e BB, familiares do arguido, depuseram de forma que se afigurou
absolutamente parcial, numa clara tentativa de culpabilização da assistente e favorecimento do arguido,
não tendo descrito quaisquer factos com relevo para os presentes autos.
Deste modo, a versão do arguido não encontra suporte em qualquer elemento probatório constante dos
autos.
Os factos relativos ao dolo e à consciência da ilicitude resultam da valoração objetiva de toda a prova
produzida nos autos. A atuação do arguido relativamente à sua companheira de trinta anos, demonstra de
forma objetiva que o mesmo sempre teve consciência do seu comportamento e que sempre quis atuar
dessa forma. Acresce que nada existe nos autos que contrarie tal conclusão.
A ilicitude destes comportamentos é do conhecimento da generalidade dos cidadãos com capacidade
intelectual mínima, não existindo fundamento para poder afirmar que o arguido não pertence ao padrão do
cidadão médio.
As condições sócio-económicas do arguido decorrem do teor do relatório social elaborado pela DGSRP e
junto aos autos em 06/07/2023.
A ausência de antecedentes criminais do arguido resulta do teor do certificado de registo criminal
atualizado junto aos autos e emitido em 13/09/2023.
Os factos constantes do pedido de indemnização cível resultam das declarações da assistente. Esta
descreveu, de modo seguro e convincente, as consequências físicas e psicológicas que lhe advieram das
condutas do arguido
As declarações da assistente referentes às consequências físicas que sofreu foram corroboradas pelos
depoimentos das testemunhas EE e GG quanto ao primeiro episódio de agressão física e pelo depoimento
das testemunhas PP e DD quanto às consequências do episódio ocorrido em 24 de julho de 2022, tudo em
consonância com o teor do relatório pericial de fls. 334 e seguintes.
No que concerne às consequências psicológicas, as mesmas são corroboradas pelo teor dos documentos
juntos com o pedido de indemnização cível, do qual constam os registos clínicos da assistente e onde é
possível verificar que a mesma apresenta um quadro de ansiedade e bem assim o plano terapêutico que se
encontra a cumprir.
Acresce que, conforme as regras da experiência, é de crer que viver numa situação em que, com
frequência quase diária se é perseguido, se ouvem expressões de cariz ofensivo e sofrem agressões físicas,

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a assistente tenha sentido vergonha, medo, tristeza e ansiedade.
É também certo, atendendo às regras da experiência, que os acontecimentos anormais ocorridos no
contexto das relações afetivas, concretamente de união de facto originam grande sofrimento.
Quanto aos factos não provados, resultam da ausência de prova produzida nesse sentido ou por serem
infirmados pela demais prova produzida nos autos.
Relativamente à matéria descrita em a), a mesma resulta contrariada pela prova do facto 4).
No que respeita aos factos não provados b); d); i) a u) e w) a z), não foi produzida qualquer prova quanto
aos mesmos. Tais factos não foram relatados pela assistente, nem resulta de qualquer outro elemento
probatório.
No que concerne à factualidade consignada em c) não foi produzida qualquer prova segura quanto à
mesma.
Por um lado, a própria assistente, quando confrontada com tal factualidade, negou-a prontamente,
referindo insistentemente que o único episódio ocorrido no período em que habitou com o arguido
consubstanciou-se em agressões físicas, explicando que o arguido bem sabia que esta não admitiria que o
mesmo lhe dirigisse determinados epítetos. A assistente descreveu ainda algumas expressões que o
arguido lhe dirigiu, reportando-se às mesmas como uma fonte de mágoa, sem que, todavia, tais
expressões coincidam com o que vem descrito na acusação.
A testemunha EE, filha da assistente, descreveu algumas expressões, sem que, todavia, tal relato tivesse
sido espontâneo ou suficientemente concretizado e objetivo, pelo que, neste particular, não logrou
convencer o tribunal.
Por outro lado, a testemunha GG, filha da assistente, referindo-se à existência de discussões entre o casal,
dando nota dos motivos subjacentes às mesmas, não descreveu quaisquer expressões dirigidas pelo
arguido à assistente nesse contexto e durante o período em que coabitaram.
Quanto à factualidade descrita em e) e f) o tribunal não ficou convencido quanto aos mesmos, uma vez que
os mesmos não foram relatados de modo objetivo e claro pela assistente, que se limitou a fazer
imputações genéricas, gerando dúvidas e assim impondo dar a factualidade como não provada.
Os factos consignados de g); h) e j) são contrariados pela prova dos factos 13), b.; 13), c e 23).
Finalmente, no que concerne à matéria descrita em v), o tribunal não ficou convencido quanto à mesma.
Embora a assistente e a testemunha MM, sua irmã, tenham referido que o arguido se dirigiu ao bairro dos
pescadores à procura da primeira, a verdade é que a primeira não assistiu e a segunda apenas relata tal
facto de modo absolutamente genérico, não tendo, neste concreto, convencido o tribunal.

Fundamentos do recurso:
Questões a decidir no recurso:
É pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação que apresenta que se delimita o objeto do
recurso, devendo a análise a realizar pelo Tribunal ad quem circunscrever-se às questões aí suscitadas,
sem prejuízo do dever de se pronunciar sobre aquelas que são de conhecimento oficioso (cf. art.º 412.º e
417.º do Cód. Proc. Penal e, entre outros, Acórdão do STJ de 29.01.2015, Proc. n.º 91/14.7YFLSB.S1, 5ª
Secção).

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As questões que importa conhecer:
- como questão prévia, saber se se verifica um lapso de escrita no facto 4.º dos factos provados que deva
ser retificado;
- se houve errada interpretação do art.º 152.º n.º 2 al. a) do Código Penal, que levou à absolvição do
arguido quanto a esta qualificativa;
- se houve errada interpretação dos artºs. 40.º, n.º 1 e 2 e 71.º n.º 1 e 2 do Código Penal, que levou a que o
Tribunal a quo fixasse a pena abaixo daquilo que se impunha.

Vejamos.
Em primeiro lugar, e porque suscitada pelo recorrente como questão prévia, cumpre verificar se o facto 4.º
dos factos provados padece de lapso de escrita que deva ser retificado.
Alega o recorrente que se verifica um mero lapso de escrita no 4.º facto dado como provado, por não
mencionar o local onde os factos foram perpetrados: “no interior da residência comum” apesar de isso ter
resultado da própria sentença, ao mencionar, a propósito de apreciação da qualificativa do n.º 2 do art.º
152.º do Código Penal: “(...) Dos factos provados decorre também que apenas um dos atos integrante da
conduta objetiva ocorreu no período da união de facto e na residência comum do casal.(...)”; (...) à exceção
do primeiro episódio de agressão física - factos 4) a 6), todos os demais ocorreram na via pública ou em
estabelecimentos comerciais, à vista de todos os que ali se encontrassem.(...). Mais refere que o mero
lapso de escrita também deriva do facto 5.º dos factos provados, que menciona: “(...). Nas circunstâncias
de tempo e lugar descritas em 4), o arguido arremessou um objeto decorativo rígido que atingiu a filha da
assistente num pulso. (...)”.
De acordo com o referido pelo recorrente, e por constar da própria sentença, ao mencionar, a propósito de
apreciação da qualificativa do n.º 2 do art.º 152.º do Código Penal: “(...) Dos factos provados decorre
também que apenas um dos atos integrantes da conduta objetiva ocorreu no período da união de facto e
na residência comum do casal.(...)” é manifesto que a sentença ora em análise, designadamente no facto
4.º dos factos provados padece de um lapso na descrição do facto por ter omitido a expressão “no interior
da residência comum”, que constava da acusação como referência ao lugar onde foram perpetrados os
factos ora constantes no facto 4.º dos factos provados.
Assim, por a correção ser possível, determina-se, ao abrigo do disposto no artigo 380.º, n.º 1, b), e n.º 2, do
Código de Processo Penal, a correção da sentença recorrida nos seguintes termos: o ponto 4 do elenco dos
factos provados, deverá ter a seguinte redação: “4) Em data não concretamente apurada do ano de 2001,
e no interior da residência comum, na sequência de uma discussão pelos motivos referidos em 3), o
arguido desferiu um murro na face e murros no corpo da assistente, causando-lhe dores e lesões nas áreas
atingidas”.
Vejamos agora se a sentença recorrida fez uma errada interpretação do art.º 152.º n.º 2 al. a) do Código
Penal, que levou à absolvição do arguido quanto a esta qualificativa.
Para afastar a qualificativa prevista no art.º 152.º, n.º 2, al. a), do Código Penal, o Tribunal a quo
fundamentou a sua decisão nos seguintes termos:

18 / 24
“(...) A agravação prevista no artigo 152.º, n.º 2, alínea a), do Código Penal, referente aos casos de
violência doméstica ocorridos num espaço confinado (o domicílio comum ou da vítima), isto é, de violência
doméstica velada, decorre de duas ordens de razões: por um lado, o aproveitamento, pelo agressor, do
sentimento de confiança e da posição de tranquilidade do ofendido, estando menos atento a eventuais
agressões, e, por outro lado, a maior aptidão que aquele espaço tem para obstar à perceção por outras
pessoas da ocorrência das condutas típicas. Tudo conjugado facilita a atuação do agressor e dificulta a
existência de testemunhas, pelo que a conduta é punida com uma pena mais severa (cf., neste sentido,
Teresa Beleza, Violência Doméstica, Revista do CEJ, n.º 9, pág. 289; Paulo Pinto de Albuquerque,
“Comentário do Código Penal”, Universidade Católica Editora, pág. 406; e na jurisprudência, o Acórdão do
Tribunal da Relação de Coimbra de 12/07/2022, Proc. n.º 386/20.0PBVIS.C1, disponível em www.dgsi.pt).
Conforme se referiu supra, a conduta do arguido tem de ser analisada na sua globalidade a fim de se aferir
do seu desvalor.
No entendimento do tribunal, esta análise deve ser realizada quanto à integração da concreta conduta e
quanto aos factos que consubstanciam o preenchimento de qualquer das alíneas que preveem a sua
agravação. O mesmo é dizer que a avaliação quanto ao limiar do mau-trato deve fazer-se não só em
relação aos factos integradores dos elementos do crime, mas também em relação à factualidade integrante
da agravação prevista no artigo 152.º, n.º 2, do Código Penal.
Ora, perscrutados os factos provados, resulta que apenas um dos episódios integrantes da conduta ocorreu
no interior da residência comum do arguido e da assistente.
O mesmo é dizer que a esmagadora maioria dos atos do arguido ocorreram após a cessação da união de
facto, sendo que ocorreram fora da residência da assistente.
Se o que legislador pretende com a agravação da alínea a), do n.º 2, do artigo 152.º é punir de forma mais
severa as condutas que ocorrem no interior da residência por, conforme se aludiu, facilitarem a conduta
típica e dificultarem a prova, não se vislumbra qualquer razão para, no caso concreto, se concluir pela
verificação da agravação.
Na verdade, à exceção do primeiro episódio de agressão física - factos 4) a 6), todos os demais ocorreram
na via pública ou em estabelecimentos comerciais, à vista de todos os que ali se encontrassem.
Assim, avaliando o limiar do mau-trato relativamente à factualidade integradora da agravação, aquele
concreto episódio, tomado e valorado na sua unidade, atendendo ao desvalor que representa, nunca
configuraria, por si só, um crime de violência doméstica, não podendo, do mesmo modo, fundamentar a
agravação da conduta do arguido.
Deste modo, não existindo quaisquer outros factos que fundamentem a agravação da conduta nos termos
expendidos, deve o arguido ser absolvido nesta parte. (...)”
Se acompanhamos o Tribunal a quo quando refere que “o que legislador pretende com a agravação da
alínea a), do n.º 2, do artigo 152.º é punir de forma mais severa as condutas que ocorrem no interior da
residência por, conforme se aludiu, facilitarem a conduta típica e dificultarem a prova”, já não poderemos
concordar com a decisão recorrida quando refere “avaliando o limiar do mau-trato relativamente à
factualidade integradora da agravação, aquele concreto episódio [o constante do facto 4.º dos factos
provados], tomado e valorado na sua unidade, atendendo ao desvalor que representa, nunca configuraria,

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por si só, um crime de violência doméstica, não podendo, do mesmo modo, fundamentar a agravação da
conduta do arguido. Deste modo, não existindo quaisquer outros factos que fundamentem a agravação da
conduta nos termos expendidos, deve o arguido ser absolvido nesta parte. (...)”
O arguido vinha acusado da prática, em autoria material, na forma consumada, e de um crime de violência
doméstica, previsto e punido pelo art.º 152.º, n.º 1, al. b) e n.º 2, 4, 5 e 6 do Código Penal.
Comete este crime: «1 – Quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos,
incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais: (…);
b) A pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação de
namoro ou uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação; (…);
é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra
disposição legal.
2 - No caso previsto no número anterior, se o agente:
a) Praticar o facto contra menor, na presença de menor, no domicílio comum ou no domicílio da vítima; ou
b) (…);
é punido com pena de prisão de dois a cinco anos.»
O cometimento deste crime pressupõe que o agente tenha para com o ofendido uma especial relação de
proximidade física – resultante, designadamente, da relação de namoro (esta introduzida pela Lei 19/2013,
de 21.02).
O art.º 152.º está, sistematicamente, integrado no Título I, dedicado aos “crimes contra as pessoas” e,
dentro deste, no Capítulo III, epigrafado de “crimes contra a integridade física”.
Desta análise sistemática, pode concluir-se que a ratio do tipo não está na proteção da comunidade
familiar ou conjugal, mas sim na proteção da pessoa individual e da sua dignidade humana, sendo que o
âmbito punitivo deste tipo de crime abarca os comportamentos que, de forma reiterada ou não, lesam a
referida dignidade.
Face à atual incriminação, as condutas previstas e punidas por este artigo podem ser de duas espécies:
maus tratos físicos (ofensas à integridade física simples) e maus tratos psíquicos (ameaças, humilhações,
provocações, molestações). E estes maus tratos podem ser infligidos de modo reiterado ou não.
A Jurisprudência trilha de forma uniforme a mesma orientação, defendendo que estamos perante maus
tratos físicos ou psíquicos quando a conduta do agente, isolada ou reiterada, visto o contexto de atuação e
a imagem global do facto, atenta contra a dignidade pessoal do visado.
No que concerne ao tipo subjetivo do ilícito em apreço, constata-se que a sua concretização exige o dolo,
em qualquer das suas modalidades, que se estende ao conhecimento de todos os elementos típicos (cf.
artigo 14.º do Código Penal). Assim, o agente tem de representar não só o resultado típico, mas também a
especial relação que o liga à vítima e tem, não obstante, de querer assim se conduzir, ou, pelo menos, de
se conformar com a produção desse resultado.
Considerando os factos considerados provados no presente caso, resulta que, de facto, apenas um dos
episódios integrantes da conduta ocorreu no interior da residência comum do arguido e da assistente e que
a esmagadora maioria dos atos do arguido ocorreram após a cessação da união de facto e fora da
residência da assistente.

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Contudo, ao contrário do defendido pelo Tribunal a quo, não poderá proceder-se à avaliação do limiar do
mau trato relativamente à factualidade integradora da agravação, aquele concreto episódio descrito no
facto 4.º dos factos provados, apenas tomado e valorado na sua unidade, atendendo ao desvalor que
representa, mas enquadrado em toda a atuação do arguido que resultou provada ao longo do tempo e
após a cessação da união de facto.
Mas, mesmo que assim fosse, não poderemos esquecer, como parece fazer o Tribunal a quo, que tal
episódio integrante da conduta do arguido é apenas um episódio se for temporalmente considerado, mas
encerra vários atos do arguido a que não poderemos deixar de dar a devida atenção: nesse momento
temporal, no interior da residência comum, o arguido deferiu murros na face e vários murros no corpo da
assistente (cf. facto 4.º) e arremessou um objeto decorativo rígido (que acaba por atingir a filha da arguida)
(cf. facto 5.º) e que, devido às marcas físicas que apresentava, inclusive no rosto, e por sentir vergonha, a
assistente não saiu de casa durante duas semanas (cf. facto 6.º).
Assim, ao contrário do defendido pelo Tribunal a quo, avaliando o limiar do mau trato relativamente à
factualidade integradora da agravação, aquele concreto episódio temporalmente ocorrido, tomado e
valorado na sua unidade, atendendo ao desvalor que representa, configuraria, por si só, um crime de
violência doméstica, podendo, do mesmo modo, fundamentar a agravação da conduta do arguido. Não
temos dúvidas que estamos perante maus tratos físicos e, por consequência psíquicos, pois a conduta do
agente, não necessitando, como já sabemos, de ser reiterada, no contexto de atuação e imagem global do
facto, atenta contra a dignidade pessoal da assistente.
As circunstâncias relacionais existentes entre o agente do crime e a sua vítima, bem como o local onde os
mesmos ocorreram (residência comum de ambos), permitem concluir pelo preenchimento dos elementos
objetivos do crime de violência doméstica agravada não podendo esquecer-se que, mesmo com apenas
uma atuação, se mostra preenchido o crime em causa, não sendo exigível a reiteração do comportamento
do agente.
A nível subjetivo, provou-se também que o arguido agiu dolosamente, pois que, sabia que com a sua
descrita conduta lesava a sua companheira e ex-companheira na saúde física e mental, como efetivamente
lesou, causando-lhe dores e lesões corporais, que a afetava na capacidade de livremente se decidir e
deslocar, que a fazia temer pela sua vida e integridade física, aumentando o ascendente que sobre aquela
detinha, e ainda que a humilhava e atacava a sua dignidade e consideração pessoais e que perturbava o
seu bem-estar, como efetivamente veio a suceder, não se coibindo de adotar tais comportamentos, ainda
que no interior da residência, o que quis, tendo agido livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo
serem as suas condutas proibidas e punidas por lei penal (cf. factos 44.º e 45.º dos factos provados).
Considerando tudo quanto se deixa exposto, não poderemos deixar de concluir que, com as suas condutas,
incorreu o arguido na prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de violência
doméstica, p. e p. pelo art.º 152.º, n.º 1, al. b), com a agravação do n.º 2 (e n.ºs 4, 5 e 6), do Código Penal.
Procede, por isso e nesta parte, o recurso apresentado pelo Ministério Público.
Analisemos, agora, se houve errada interpretação dos artºs. 40.º, n.º 1 e 2 e 71.º n.º 1 e 2 do Código Penal,
que levou a que o Tribunal a quo fixasse a pena abaixo daquilo que se impunha.
De acordo com o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 24.07.2017, no processo 17/16.3PAAMD.L1-

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9, in www.dgsi.pt, “O recurso dirigido à medida da pena visa tão-só o controlo da desproporcionalidade da
sua fixação ou a correção dos critérios de determinação, atentos os parâmetros da culpa e as
circunstâncias do caso. A intervenção corretiva do Tribunal Superior, no que diz respeito à medida da pena
aplicada só se justifica quando o processo da sua determinação revelar que foram violadas as regras da
experiência ou a quantificação se mostrar desproporcionada”.
Importa recordar que no artigo 71.º do Cód. Penal se encontra consagrado o critério geral para a
determinação da medida da pena que deve fazer-se «em função da culpa do agente e das exigências de
prevenção», concretizando-se, no seu número 2, que na determinação concreta da pena o Tribunal atende
a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuseram a favor do agente ou contra
ele. Circunstâncias que se reconduzem a três grupos ou núcleos fundamentais:
- fatores relativos à execução do facto [alíneas a), b) e c) – grau de ilicitude do facto, modo de execução,
grau de violação dos deveres impostos ao agente, intensidade da culpa sentimentos manifestados e fins
determinantes da conduta];
- fatores relativos à personalidade do agente [alíneas d) e f) – condições pessoais do agente e sua condição
económica, falta de preparação para manter uma conduta lícita manifestada no facto]; e
- fatores relativos à conduta do agente anterior e posterior a facto (alínea e).
Deverá a pena a aplicar permitir alcançar o desiderato contido no número 1 do artigo 40.º do Cód. Penal –
a proteção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade – sem olvidar que, como consta do
número 2 desse preceito, em caso algum, a pena pode ultrapassar a medida da culpa.
O crime de violência doméstica, previsto e punido pelo art.º 152.º, n.º 1, al. b), com a agravação do n.º 2,
(e nºs 4, 5 e 6) do Código Penal, é punido com pena de prisão de dois a cinco anos.
A sentença recorrida, considerando o disposto no art.º 71.º, n.º 2, do Cód. Penal, referiu que:
“(…). Em desfavor do arguido o tribunal valorou:
- as elevadas necessidades de prevenção geral;
- as elevadas necessidades de prevenção especial;
- ter praticado os factos com dolo direto;
- a falta de consciência crítica quanto à sua conduta;
- ter continuado a praticar os factos mesmo após terem-lhe sido aplicadas medidas de coação que
determinam a obrigação de afastamento e proibição de contacto, por qualquer meio, da assistente.
Em favor do arguido o tribunal atendeu:
- à sua inserção social e laboral;
- à ausência de antecedentes criminais.
Ponderadas todas as circunstâncias trazidas para o juízo de prevenção (geral e especial) tem-se por
adequada a pena de 2 (dois) anos de prisão. (…)”.
O Tribunal tem, assim, que ponderar o grau (médio a elevado) da ilicitude do facto, bem como o modo de
execução dos factos, atento sobretudo a persistência do comportamento agressivo do arguido, o hiato
temporal em que se verificou e o grau de intimidação que logrou criar na ofendida. Por outro lado, atendeu-
se à intensidade do dolo com que o arguido agiu, que foi direto, pois que sabia e quis agir do modo
descrito. Efetivamente, foram ponderadas as qualidades da sua personalidade manifestadas no facto,

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revelando desconformação com o direito e incapacidade de se colocar numa situação em que não pusesse
em causa a integridade física e emocional da sua ex-companheira. Atendendo às necessidades de
prevenção geral, diremos que as mesmas são próximas de um grau elevado, merecendo, no caso em
apreço, um especial cuidado, não só porque têm frequentemente sido levadas a cabo na nossa sociedade
(tanto mais que são muitas vezes silenciadas pelo medo e pela vergonha), e, sobretudo, porque nos
últimos anos se tem assistido a uma escalada de violência neste tipo de crime, com um registo anual
considerável de morte das vítimas. Por último, e no que diz respeito à prevenção especial, teremos que
atender ao modo como o crime foi cometido, à intensidade do dolo que presidiu à sua resolução, ao
número de episódios registados, à sua intensificação num curto hiato temporal, pelo que a conclusão que
se impõe é que as mesmas são elevadas.
Assim, apreciando todas as circunstâncias que depõem a favor e contra o arguido para a determinação
concreta da pena entendemos que a pena de prisão fixada na sentença no limite mínimo do agora ilícito
agravado – dois anos – fica aquém da culpa do arguido que, como vimos, não revelou qualquer tipo de
sentido crítico quanto aos factos que praticou, antes
assumindo apenas os factos comprovados documentalmente (mensagens) e tentando descredibilizar a
vítima.
Considerando tudo quanto se deixou explicitado, entendemos como correta, equilibrada e ajustada aos
níveis da culpa e da ilicitude refletidas na conduta do arguido, bem como das exigências de prevenção
especial e de prevenção geral a pena de três anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período,
pelos fundamentos expostos na sentença recorrida que se mantém em tudo o demais.
Procede, também, nesta parte o presente recurso.

III. Decisão:
Face ao exposto, acordam os Juízes desta 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto,
1) determina-se, ao abrigo do disposto no artigo 380.º, n.º 1, b), e n.º 2, do Código de Processo Penal, a
correção da sentença recorrida devendo o ponto 4 do elenco dos factos provados, passar a ter a seguinte
redação: “4) Em data não concretamente apurada do ano de 2001, e no interior da residência comum, na
sequência de uma discussão pelos motivos referidos em 3), o arguido desferiu um murro na face e murros
no corpo da assistente, causando-lhe dores e lesões nas áreas atingidas”.
2) julga-se procedente o recurso interposto pelo Ministério Público e, em consequência, revoga-se a
sentença recorrida na parte que absolveu o arguido pela prática, em autoria material e na forma
consumada, de um crime de violência doméstica agravada, previsto e punido pelos previsto e punido pelo
artigo 152.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2, alínea a), do Código Penal, substituindo-a por outra que condena o
arguido pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de violência doméstica
agravada, previsto e punido pelos previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2, alínea a), do
Código Penal, na pena de 3 (três) de prisão, suspensa na sua execução por igual período, acompanhada de
regime de prova, assente em plano de readaptação social elaborado e fiscalizado pela DGSRP.
3) No mais, decide-se manter a decisão recorrida nos seus precisos termos, nomeadamente no que
concerne às penas acessórias.

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Sem custas.

Porto, 21 de fevereiro de 2024


(Texto elaborado pela relatora e revisto, integralmente, pelos seus signatários)
Paula Natércia Rocha
José Quaresma
Lígia Trovão

Fonte: http://www.dgsi.pt

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