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UMA ANÁLISE GEOGRÁFICA DO PROJETO MANUEL ALVES:

IRRIGAÇÃO DE TERRAS NA REGIÃO DE DIANÓPOLIS-TO

Dalmo Fernandes Martins, dalmo@uft.edu.br.


Roberto S. Santos Prof. Dr. em Geografia da Universidade Federal do Tocantins – Campus
de Porto Nacional - TO.

RESUMO: Esta pesquisa consiste em analisar os processos das transformações


socioeconômicas, os possíveis impactos ambientais e a influência das políticas públicas na
região de Dianópolis envolvidas no Projeto Manuel Alves. Trata-se de um projeto de
fruticultura, financiado pelo Governo Federal (Ministério da Integração Nacional) em parceria
com o Governo do Estado do Tocantins. Com o barramento do rio, um certo número de
famílias foram “expulsas” de sua terras tradicionais, desencadeando um processo desigual de
indenização. Sendo que também, observamos através de trabalho de campo, que há um
processo de desequilíbrio das condições ambientais, na área do empreendimento. Existem
muitas especulações e até mesmo desconhecimento sobre o empreendimento, e suas
viabilidades. Questões relacionadas à produção, ao uso das águas, a mão-de-obra, ao mercado
consumidor, industrialização, precisam ser discutidos com a sociedade local/regional.Torna-
se necessário discutir como as populações das áreas de influência serão contempladas no que
diz respeito aos processos mitigadores/ambientais e indenizatórios/ fundiários. Isto é, as
comunidades locais precisam conhecer por dentro o Projeto Manuel Alves, o que vai produzir
como vai produzir e, a quem serão destinados os sucessos e/ou insucessos de sua produção.

PALAVRAS – CHAVE: Projeto Manuel Alves. Fruticultura. Região.

INTRODUÇÃO : O viés desta pesquisa compreende estudos na área do desenvolvimento


regional nos aspectos socioeconômicos, sócioambientais na região de Dianópolis em função
de um projeto hidroagrícola que está sendo implantado naquela localidade para usos
múltiplos. O Projeto Manuel Alves é um investimento do Programa de Perenização das águas
do Tocantins (PROPERTINS), foi idealizado pelo governo do Estado e está sendo implantado
por meio da Secretaria de Recursos Hídricos e Meio Ambiente. Localiza-se na região Sudeste

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do estado, no município de Dianópolis. Destina-se principalmente à exploração da agricultura
irrigada (fruticultura tropical), e os recursos destinados para sua implantação são provenientes
da União (90% do Ministério da Integração Nacional) e do governo do estado do Tocantins
(10% da Secretaria de Recursos Hídricos e Meio Ambiente). O conceito de região tem sido
largamente empregado para fins de ação e controle, entretanto, necessitamos, no decorrer da
prática política e econômica de uma sociedade de classes, que por sua própria natureza
implica a existência de formas diversas de controle exercido pela classe dominante, estilizam-
se o conceito de diferenciação de área e as subseqüentes divisões regionais, visando ação e
controle sobre territórios militarmente conquistados ou sob a dependência político-
administrativa e econômica de uma classe dominante.

O termo região não apenas faz parte do linguajar do homem comum, como também
é dos mais tradicionais em geografia. Tanto num como noutro caso, o conceito de
região está ligado à noção fundamental de diferenciação de área, quer dizer, à
aceitação da idéia de que a superfície da Terra é constituída por áreas diferentes
entre si afirma CORRÊA (1987, p.22).

Quanto ao desenvolvimento regional no que diz respeito ao conceito, o presente trabalho parte
de JOHN FRIEDMNN (1969), pressupondo que há tendências de concentração de atividades
econômicas e da população e o rendimento do sistema econômico é controlado pelo pólo de
crescimento, sendo que este ainda pode crescer à custa da periferia.
Para este autor, regiões de fronteira de recursos periféricos de povoamento recente,
transformada em áreas produtivas, às vezes em pequeno espaço de tempo, principalmente
quando essa transformação é feita através de inovações tecnológicas industrialmente mais
desenvolvidas, a importância de recursos naturais é fundamental (BEZZI, 1996, 224/227).
Neste contexto, as ações desenvolvimentistas se inserem na região de Dianópolis.

MATERIAL E MÉTODOS: A priori acreditamos que nenhuma ciência pode ser entendida
sem teoria e prática. Esses são os elementos fundamentais em toda e qualquer pesquisa
cientifica, principalmente em se tratando de ciências factuais, como é o caso da geografia,
ciência cujo interesse é desvelar os fatos sociais e nesse propósito, entendemos as concepções
de Guedes (2000, p. 95, 96).

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Nessas perspectivas, observamos que é indispensável a pesquisa de campo, portanto, o nosso
primeiro procedimento foi identificar as famílias; proprietários e posseiros impactados
diretamente na área de influência do projeto. O discernimento em relação ao contexto sócio-
espacial desses impactados não seria possível caso não houvesse uma pesquisa bibliográfica,
feita através de autores da Geografia, de outras ciências sociais e agrárias, que tratam da
temática aqui estudada. Foi apresentado um questionário socioeconômico com perguntas
abertas, onde o entrevistado, respondeu sobre as condições de propriedade, tamanho,
atividades desenvolvidas, indenização e análise do projeto. Para compensar os impactos
sociais e ambientais, foram apresentadas 17 ações mitigadoras inseridas no contexto dos
PBA’s, um número considerado pequeno em função da natureza do empreendimento e de sua
dimensão, pois a área de influência abrange quatro municípios: Dianópolis, Porto Alegre do
Tocantins, Rio da Conceição e Almas.A pesquisa documental não terá por base apenas a
análise de programas básicos como também de outros documentos pertinentes ao projeto.
Pesquisas nos órgãos competentes; Secretaria de Recursos Hídricos e Meio Ambiente;
Ministério Público; Naturatins; Prefeituras Municipais.

RESULTADOS E DISCUSSÕES: Segundo o Plano Básico Ambiental, as medidas para o


desenvolvimento regional a partir do Projeto Hidroagrícola , proporcionarão:
A expansão da fruticultura na região, que nos períodos de pouca chuva poderá ser irrigada;
O desenvolvimento de outras atividades econômicas relacionadas à irrigação, como
agroindústria, pecuária intensiva de corte e leiteira, criação de animais de pequeno porte, entre
outros, devido à disponibilidade de água para a agropecuária;
O aumento da oferta de emprego e melhoria do nível de renda e da qualidade de vida da
população beneficiada, como conseqüência do desenvolvimento econômico;
O que temos percebido é que na verdade, essas medidas prometidas em primeira instância e
documentadas nesses programas estão sendo negadas, enquanto os responsáveis pelo projeto
passam a abrir discussões em torno de outras atividades, desfocando o objetivo central e
essêncial do projeto-base. A exemplo disso podemos citar uma discussão sobre a produção de
cana-de-açúcar, pinhão manso e mamona para a produção de biodiesel. Na qual, o Secretário
Anízio Costa Pedreira tenta justificar em artigo publicado pelo Jornal do Tocantins.

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No Manuel Alves, no entanto, não há vocação, espaço, nem viabilidade econômica
para o plantio de monocultura. Por outro lado, nada Impede que produtores rurais
interessados no plantio de dendê, ou pinhão manso ali se instalem, produzindo e
gerando riquezas em consonância com o meio ambiente. O edital de licitação,
embora claro acerca da vocação da área do projeto para a fruticultura, não é
restritivo e nem pode ser. Uma vez adquiridos os lotes dentro da lei, seus
proprietários plantaram ali o que lhes for lucrativo viável e conveniente.(Pedreira,
2007, Jornal do Tocantins)

Dessa maneira, entendemos que há descumprimento das autoridades competentes em relação


a esse projeto, contudo, infelizmente essa não é a única descontextualização que temos
identificado nesse grande empreendimento e essa situação muito nos tem inquietado.
Outro questionamento sobre a viabilidade do desenvolvimento regional nesse projeto está
diretamente relacionada à inserção da população no mercado de trabalho. Para cada hectare de
frutíferas são gerados em torno de quatro empregos diretos, enquanto em um hectare dessas
monoculturas acima citadas apenas uma máquina pode fazer todo o trabalho, tornando o
processo ainda mais excludente. Outras questões apresentam-se de forma bastante duvidosa:
Tenho uma grande preocupação com a ausência de um, talvez seja o mais
importante plano ou programa, a industrialização. A falta de agroindústrias aniquila
toda cadeia produtiva da fruticultura local-regional, não podemos aceitar essa
condição de produção colônia, produzir a matéria-prima (frutos) e embarcar para os
grandes centros consumidores. Parte da produção desses frutos devem ser
processados aqui mesmo em forma de compotas, doces, geléias e sucos, o exedente
da produção destina-se ao mercado de exportação. (MARTINS, 2007, JORNAL
DO TOCANTINS)

Todavia, tais problemas levantam mais dúvidas quando em nosso processo de pesquisa,
buscando informações através de análise documental, sobre o projeto na secretaria supracitada
fomos impedidos de exercer o nosso direito de cidadão envolvido no processo, de pesquisador
e estudante de Geografia. Mas, sobre isso o geógrafo Milton Santos já nos tem alertado em
seus estudos sobre transformações socioeconômicas e socioespaciais nas regiões de paises
subdesenvolvidos e sobre o processo de cidadania dentro do contexto de desigualdades
formadas pelo modo capitalista de produção.
A partir dessas afirmações nos questionamos sobre o próprio conceito de sustentabilidade, tão
discutido na implantação de projetos com cunho de desenvolvimento para regiões ainda “não
desenvolvidas”.

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Um outro problema identificado está relacionado ao processo indenizatório. Nesse momento
não é nossa intenção, discutir os problemas de identidade-territorial que a sociedade da região
tem sofrido, já que entendemos que para esse tipo de problema não há solução, mesmo com
uma tentativa de resgate da cultura local, a relocação dos atingidos de alguma forma traz
problemas que mesmo com medidas mitigadoras que abordem esses processos, as soluções
não são de um todo efetivas.
Entendendo que alguns territórios ali constituídos, foram conquistados a partir de lutas sociais
e que nesse momento são perdidos através dos processos políticos e econômicos. Como é o
caso da comunidade Olho D‫׳‬água e de outras pessoas que ainda não foram indenizados, que
na maioria das vezes sobrevivem das atividades que praticam em suas terras.
Um caso que podemos citar é o do senhor Vitorino e família que em entrevista nos confessou
que morava no local a mais de trinta anos e por não ter documento que comprovasse a posse
da terra, o mesmo foi literalmente despejado.

Os desafios dos pequenos produtores envolvidos no Projeto Manuel Alves

O empreendimento foi implantado numa área de latifúndio, porém nas extremidades destes
latifúndios existem pequenos agricultores, proprietários e posseiros. Dentre estes, encontram-
se a comunidade de pequenos agricultores chamada, “Olho D’água”. Que lutam pela
permanência da terra desde 1997. A comunidade de pequenos agricultores “Olho D’água” tem
sua história de luta dividida em dois períodos; primeiramente se organizou e ocupou as terras,
onde está localizada e desencadeou a luta pela conquista da mesma, via Reforma Agrária do
INCRA.
Em seguida, essas terras (suas posses) foram cedidas, desapropriadas pelo Estado para a
implantação do projeto de fruticultura irrigada: O Projeto Manuel Alves. Acontece que a
comunidade não foi ouvida e, a empresa (CMT – Engenharia) construtora e implantadora do
empreendimento não excluíram as terras de posse da comunidade Olho D’água. Então se
instalou um novo campo de luta para a comunidade, hoje elas encontram-se, organizadas
numa associação e lutam para não sair de suas posses, um direito que empresa apoiada pelos
órgãos estatais (Naturatins, Secretaria dos Recursos Hídricos e Meio Ambiente e Itertins) só

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em fevereiro de 2007, veio reconhecê-los. Para Milton Albuquerque dos Santos, Presidente da
Associação Olho D’água, os assentados foram indenizados por um valor irrisório, variando de
R$ 3.800 (Três mil e oitocentos reais) a R$ 25.300 (Vinte e cinco mil e trezentos reais),
segundo o Presidente, por várias vezes foram pressionados e chantageados a sair do local.

CONSIDERAÇÕES FINAIS : Considerando as práticas desenvolvimentistas que temos


identificado na implantação do Projeto Manuel Alves, temos sentido o desinteresse dos
poderes públicos envolvidos, em relação a resolver os problemas sociais que tem se
apresentado. Desse modo, as expectativas sobre o desenvolvimento dessa região vão minando
com os problemas preexistentes a implantação total do projeto.
Isto porque percebemos a descontextualização da proposta discutida com a prática que tem
sido observada por nós. O descumprimento dos PBA‫׳‬s, a desvalorização da população local e
a perspectiva economicista que tem se mostrado ao longo do tempo visando muito mais um
desenvolvimento econômico que não se mostra ser de cunho regional e, sim numa escala
muito maior. Este é um fator preocupante.
Contudo, ainda existem algumas promessas por parte dos responsáveis: “O Projeto Manuel
Alves renderá em breve, bons frutos para o povo tocantinense. Dele estaremos colhendo nos
próximos anos milhares de postos de trabalho, toneladas de frutas e muito desenvolvimento
para a Região sudeste do Tocantins”. (Pedreira, Jornal do Tocantins).
Evidentemente, nossa expectativa como pesquisador que prima por uma ocupação do espaço
geográfico muito mais social e, ao mesmo tempo como sociedade local, queremos ainda
poder acreditar na grandeza do Projeto Manuel Alves, vemos que o caminho para o progresso
pode ser a agricultura, através da fruticultura, somos favoráveis ao Desenvolvimento
Regional, Econômico e “Sustentável”. Mas, entendemos que estes aspectos aqui levantados
precisam ser rediscutidos, reavaliados numa percepção onde os interesses econômicos e
políticos não sobreponham aos interesses sociais, de modo que a população em geral seja
contemplada no contexto do desenvolvimento local, bem como no acesso a promoção de
políticas públicas no sentido da inclusão social.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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BEZZI, Meri Lourdes. Região: Uma (re)visão historiográfica – da gênese aos novos
paradigmas. Tese de Doutorado em Organização do Espaço. Rio Claro-SP: UNESP, 1996.

CORRÊA, Roberto Lobato. Região e Organização Espacial. Ática, 2 ed. SP, 1987.

EIA-RIMA – Estudos de impactos ambientais e relatório de impactos ambientais (Projeto


Manuel Alves).

FRANCO, Augusto de. Porque Precisamos de Desenvolvimento Local Integrado e


Sustentável. 4 ed. Brasília-DF: Instituto de Política Millenium, 2001.

GUEDES, Enildo Marinho. Curso de Metodologia Cientifica. 2 ed. HD LIVROS, Curitiba,


2000.

JORNAL DO TOCANTINS.Caderno Tendências e Idéias; Projeto Manuel Alves: Uma


Análise Geográfica. Dalmo Fernandes Martins, 14/04/2007, Palmas-To.

JORNAL DO TOCANTINS. Caderno Tendências e Idéias; Os Bons Frutos do Manuel


Alves. Secretário de Recursos Hídricos e Meio Ambiente Anízio Costa Pedreira, 15/09/2007,
Palmas-To.

PBA’s – Programas Básicos Ambientais (Projeto Manuel Alves).

SANTOS, Milton. Metamorfoses do Espaço Habitado. 2 ed. Hucitec, São Paulo, 1991.

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