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O livro foi publicado em 2020, contém 35 páginas, divididas entre 5 partes (Poder punitivo
lícito e ilícito; A situação fática na América Latina: os fatos; O desafio sem resposta; Uma
necessária resposta dogmática; Conclusão).
Ademais, informo que pulei alguns itens (ex. III – 1 para III – 4) para viabilizar maior síntese
do texto.
Resumo da obra:
O direito penal é o ramo da ciência jurídica em que a diferença entre o “dever ser” e o
“ser” alcança uma disparidade que muitas vezes chega à dimensão do disparate. Isto
desprestigia a doutrina jurídico penal.
O poder punitivo exercido de forma ilícita – típica ou não – é um velho problema na região.
Referimo-nos às condutas ilícitas imputáveis a funcionários policiais ou penitenciários, como
também a terceiros, por omissão daqueles.
Em primeiro lugar, não podemos ignorar que na nossa região seguem registrando
Desaparecimentos Forçados, ainda que nem todos eles sejam imputados a funcionários estatais,
mas à violência nos Estados deteriorados, em que se perdeu o relativo monopólio do poder
punitivo.
Fora destes casos, devem ser consideradas - por sua gravidade - as execuções sem
processo, que se trata da pena de morte que efetivamente ocorre na região, onde o direito a
aboliu formalmente, salvo alguns países do Caribe.
À margem deste exercício ilícito letal do poder punitivo, são abundantes na região as
denúncias de delitos de torturas, maus-tratos, lesões ou sofrimentos impostos por funcionários
ou não evitados por eles, enfermidades contraídas e lesões sofridas como resultado de
deficientes condições prisionais.
Quase todas estas lesões a bens jurídicos são produtos de condutas típicas (ativas ou
omissivas) de funcionários estatais - ainda que algumas não sejam, bem como do material
deficiente de que estes funcionários dispõem ou das precárias condições em que devem cumprir
suas tarefas.
Em suma, estes eram, em maior medida, os fatos do poder punitivo ilícito até algumas
décadas atrás.
Contudo, nas últimas décadas, houve uma mudança qualitativa negativa e é o problema
mais agudo e generalizado: a SUPERPOPULAÇÃO penitenciária e do constante aumento do
ENCARCERAMENTO EM MASSA.
Contribui para este aumento um antigo mal da região: o abuso da prisão preventiva ou
cautelar.
Cabe observar que o crescente encarceramento não guarda relação com o crescimento
populacional geral, nem tampouco com a maior frequência de delitos graves, posto que domina
o encarceramento por fatos que correspondem a chamada Delinquência de Subsistência.
Nestas condições, o Estado perde o controle da ordem interna das prisões, que passa para
as mãos dos próprios presos que, em regra, pertencem ao Crime organizado.
O controle interno, desta forma, se torna mais violento, submetendo aos que pertencem
às organizações rivais a humilhações ou servidões, inclusive sexuais. Tudo isso sem prejuízo das
eventuais disputas pela hegemonia entre as organizações criminosas, com grande número de
vítimas fatais.
Estas condições degradam ao máximo a autoestima dos presos e põem em perigo suas
vidas. Se em todo o mundo, em razão da inevitável deterioração da instituição total, as prisões
produzem mais homicídios e suicídios que na vida livre, esta relação alcança limites muito altos
na nossa região.
O efeito reprodutor de violência: estes jovens são forçados a adotar condutas das
organizações criminosas em razão da necessidade de defender suas vidas, o que prolonga no
tempo e acaba por incorporar os valores violentos da ordem interna e a chamada Internalização
do estereótipo ou assunção da subjetividade delinquente (passa de “eu roubei”, para “eu sou
ladrão”).
A prisão como tortura: a privação de liberdade sob constante ameaça para a vida e saúde,
a submissão a grupos violentos, sem um mínimo de privacidade, maus-tratos a visitantes,
carência de medicamentos, foi considerada pelos tribunais internacionais configuradora de uma
forma de tortura.
O instituto deixa de ser mera privação de liberdade para passar a ser uma pena corporal
com possíveis sequelas irreversíveis ou ainda, por azar, uma pena de morte.
Nas mencionadas condições, as penas de prisão são PENAS ILÍCITAS QUALIFICADAS COMO
PENAS CRUÉIS, DESUMANAS E DEGRADANTES.
Neste sentido, as penas podem ser lícitas ou ilícitas, sendo estas últimas as penas cruéis,
desumanas e degradantes, consideradas tais pelo direito constitucional de todos os países
latino-americanos e também por todos os tratados de direito internacional dos direitos
humanos.
O Estado não pode se amparar no argumento de que não se trata de sua responsabilidade,
mas apenas na de seus funcionários, posto que isto resultaria em uma pessoa jurídica dotada de
um muito singular e inadmissível privilégio de irresponsabilidade jurídica absoluta.
Assim, sustentamos que o sofrimento que a vítima experimentou em razão dos delitos ou
ilícitos cometidos por funcionários necessariamente deve ser descontado ou compensado com
uma redução – ou inclusive cancelamento, segundo a gravidade do dano sofrido – da pena lícita
a ela imposta ou que reste a cumprir.
Neste sentido, devemos esclarecer que é óbvio que a prisão preventiva é uma pena. Seria
absurdo restringir a proibição de penas cruéis/desumanas/degradantes ou torturas apenas aos
condenados e excluir a prisão dos processados, beneficiários do princípio da inocência. Os
argumentos de alguns processualistas que sustentam a analogia com as medidas cautelares do
processo civil são inconsistentes: no processo civil é possível exigir contracautela; a medida
cautelar civil só pode produzir um indevido dano patrimonial que eventualmente é suscetível de
reparação da mesma espécie. Ao passo que é impossível repor a liberdade.
Cada vez que um juiz envia uma pessoa a uma prisão degradada está impondo uma pena
ilícita, vez que conhece o estado da prisão e, por fim, atuaria também com dolo.
Contudo, se a doutrina é pouco sensível às penas ilícitas executadas por funcionários
administrativos, o silêncio perante os juízes que operam como autores mediatos de tortura é
muito mais dramático para o prestígio da ciência jurídica penal.
As perguntas dirigidas a doutrina penal: As perguntas que vêm imediatamente a mente são as
seguintes: Se pode admitir que os juízes ordenem torturas ou penas
cruéis/desumanas/degradantes? Pode o direito ordenar que eles assumam o papel de autores
mediatos de torturas? Obedecem os juízes à Constituição que juraram ou se comprometeram a
respeitar e que proíbe essas penas? Seriam responsáveis pelas mortes e lesões que ocorrem nas
prisões? Por acaso estes resultados não são previsíveis?
Estas são perguntas que não dirigidas aos poderes Executivos e Legislativos, mas ao
próprio direito penal, à própria dogmática penal, que deve uma resposta.
Os livros e o juiz preocupado: Aqui é onde se concentra o problema crucial para o saber jurídico
penal, pois quando os juízes conscientes e preocupados abrem os livros doutrinários do direito
penal, não encontram uma só linha que resolva sua contradição jurídica e de consciência.
Em alguns livros, o juiz lerá que as penas devem reforçar o prestígio do Estado como
provedor de segurança jurídica. Em outro, a afirmação de que as penas devem cumprir supostas
tarefas de ressocialização, quando diante de seus olhos é evidente que não só não as cumprem,
senão que produzem exatamente o efeito contrário. Tampouco faltarão livros que digam que a
função da pena deve ser o isolamento (inocuização) do delinquente, para que não volte a
cometer um delito.
O juiz preocupado deixará de lado todos estes livros porque se dará conta que ignoram a
realidade do poder punitivo e resolvem a contradição jurídica e ética que é aplicar penas ilícitas
e proibidas pela própria constituição do seu país. No caso, um direito penal que não responde,
mas, em verdade, que informam aos juízes que eles continuem fazendo o que fazem, quer dizer,
que continuem aplicando privações de liberdade ilícitas.
Estes livros sugerem que os juízes não devem se intrometer, que este é um problema dos
políticos, e não deles.
Ao segmentar desta maneira o sistema penal, cada agência deste (juízes, polícia,
legisladores, políticos...) concluirá que em seu respectivo âmbito fazem o que é devido e, por
isso, ninguém será responsável do resultado em conjunto.
Não obstante, apesar de o direito penal do autor ser um caminho proibido, a ciência penal
deve adotar um critério objetivo para tomar decisões no sentido de cessar a aplicação das penas
ilícitas. Este critério é o da natureza do delito. Contudo, este critério objetivo seguido a risca
também resulta inadequado para a paz interior e lesivo à proporcionalidade, porque nem todas
as pessoas condenadas por delitos mais graves apresentam os mesmos sinais ou características.
Assim, esta distinção pode ser averiguada mediante perícia que determine o grau de
AGRESSIVIDADE da pessoa privada de liberdade, para que se possa adotar medidas mais
prudentes a compensar o sofrimento, a exemplo do uso de monitoramento eletrônicos ou
outros meios. Destaca-se: fala-se em Agressividade, de modo algum, em Periculosidade, pois
esta configura um juízo de probabilidade sem maior fundamento.
Desta forma, o primeiro passo para solução é ater-se estritamente aos limites fixados pela
jurisprudência internacional para as prisões provisórias ou preventivas, ou seja, limitadas ao
suposto risco de rebeldia ou de interferência na investigação e por prazo curtos.