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Filosofia da

Educação

Licenciatura em Letras
Prof. Thiago Fonseca
IFSP - Cubatão
Aula 2
Educação e diálogo
bell hooks
Pseudônimo de Gloria Jean Watkins, 1952-2021

Ensinando a transgredir:
a educação como prática da liberdade

1ª edição: 1994 (EUA)


2013 (Brasil)
bell hooks
Epígrafe
"Ser capaz de recomeçar sempre, de fazer, de
reconstruir, de não se entregar, de recusar
burocratizar-se mentalmente, de entender e viver
a vida como processo, como vir a ser..."
Paulo Freire
bell hooks
Introdução
Ela não sonhava ser professora, mas veio a ser.
Sendo negra, viveu período de apartheid e
entendia a educação como um espaço de
formação revolucionário (“ensinar a
transgredir”).
bell hooks
Introdução
Aprendemos desde cedo que nossa devoção ao
estudo, à vida do intelecto, era um ato
contra-hegemônico, um modo fundamental de
resistir a todas as estratégias brancas de
colonização racista. (p. 10)
Aprendemos desde cedo
que nossa devoção ao
estudo, à vida do intelecto,
era um ato
contra-hegemônico, um
modo fundamental de
resistir a todas as
estratégias brancas de
colonização racista (p. 10)
bell hooks
Introdução
Com a “integração racial”, a escola muda. Na
escola de brancos ela não via essa perspectiva
tão presente na escola da população negra.
"De repente, o conhecimento passou a se resumir
à pura informação. Não tinha relação com o modo
de viver e de se comportar. Já não tinha ligação
com a luta antirracista" (p. 12).
Essa transição (...) me
ensinou a diferença entre a
educação como prática da
liberdade e a educação que
só trabalha para reforçar a
dominação (p. 12).
bell hooks
Introdução
Como superar essa dicotomia? Uma das
chaves que ela apresenta na introdução é a
participação de todas as pessoas envolvidas
nos processos pedagógicos na construção do
que ela chama de "comunidade pedagógica",
assunto do diálogo.
bell hooks
Introdução
Na “comunidade pedagógica”, não é somente
o/a professor/a quem “domina” o
conhecimento (a não ser nos modelos
tradicionais). O livro não se destina somente a
quem ensina, mas também a quem aprende, a
estudantes.
Qual o problema geral sobre o
qual a obra pretende refletir?
A educação está numa crise grave. Em geral,
os alunos não querem aprender e os
professores não querem ensinar. Mais que em
qualquer outro momento da história recente
dos Estados Unidos, os educadores têm o
dever de confrontar as parcialidades que têm
moldado as práticas pedagógicas em nossa
sociedade e de criar novas maneiras de saber,
estratégias diferentes para partilhar o
conhecimento.
Não poderemos enfrentar a crise se os
pensadores críticos e os críticos sociais
progressistas agirem como se o ensino
não fosse um objeto digno da sua
consideração (p. 23).
Capítulo 10
A construção de uma
comunidade pedagógica:
um diálogo
Um diálogo
O problema a partir do qual o diálogo entre
bell hooks e Ron Scapp se inicia é apresentado
e justificado:
Fala-se em descentralização da autoridade, de
valorização das diferenças, de
transdisciplinariedade, mas isso é realmente
feito?
Um diálogo
O diálogo aqui acaba sendo uma maneira de
praticar essas experiências, e fazer algo de que
Paulo Freire fala: ensinar pelo exemplo.
Precisávamos de contraexemplos
concretos que rompessem com a
suposição aparentemente fixa (mas
frequentemente tácita) de que era
muito improvável que tais indivíduos
conseguissem se encontrar além das
fronteiras.
Sem esses contraexemplos, eu sentia
que corríamos todos o risco de perder
contato, de criar condições que
tornasse o contato impossível. Por isso,
formei minha convicção de que os
diálogos públicos poderiam ser
intervenções úteis (p. 174).
Um diálogo
“Embora Ron [Scapp, filósofo] seja branco e do
sexo masculino (duas posições que lhe conferem
poderes e privilégios específicos), tenho lecionado
principalmente em instituições particulares
(consideradas mais prestigiadas que as
instituições estatais onde nós dois lecionamos
atualmente), tenho grau hierárquico mais alto e
mais prestígio. (...)
Um diálogo
“Ambos somos de origem trabalhadora. Ele tem
suas raízes na cidade, eu tenho as minhas na
América rural. A compreensão e apreciação de
nossas diferentes posições foram estruturas
necessárias para a construção da solidariedade
profissional e política entre nós, bem como para a
criação de um espaço de confiança emocional
onde possam ser alimentadas a intimidade e a
mútua consideração” (p. 176).
1. Tornar-se professor/a (pp.
177-181)
Assuntos do 2. A presença física do/a
professor/a na sala de aula (pp.
diálogo 181-191)
3. A recepção de experiências
pedagógicas por estudantes (pp.
191-198)
4. Ter voz (pp. 199-205)
5. Afetividade (pp. 205-222)
1. Tornar-se professor/a
bell hooks nunca almejou ser professora. Ela
não tinha um ideal de docência a alcançar, o
que a ajudou a inventar um para si mesma.
Ron Scapp nunca pensou na docência como
profissão; pensava na educação como meio e
não fim.
Ambos concordam que a educação é uma
prática libertadora.
1. Tornar-se professor/a
“Sinto que me beneficiei muito por não ser
apegada a mim mesma como acadêmica ou
professora universitária. Isso me deixou mais
disposta a criticar minha pedagogia e a aceitar
críticas dos alunos sem sentir que questionar o
modo como dou aula equivale, de algum modo, a
questionar meu direito de existir no planeta. (...)
1. Tornar-se professor/a
(...) Sinto que uma das coisas que impedem muitos
professores de questionar suas práticas
pedagógicas é o medo de que ‘essa é a minha
identidade e não posso questioná-la’” (p. 180).
1. Tornar-se professor/a
Ron Scapp pergunta-se se há algo como uma
vocação para a docência.
Entende que ser professor é estar num espaço
com pessoas e trocar algo ali.

O que nos leva ao próximo tema.


2. Presença física
Sendo mulher negra, bell hooks afirma que
sempre teve muita consciência da
corporeidade dela, do modo como é olhada a
avaliada.
Ron Scapp vê de outro ângulo: também tem
consciência da sua corporeidade, mas como a
que precisa ser criticada: por que sempre
homens, por que sempre brancos?
2. Presença física
Ignorar a corporeidade nos leva a cair numa
separação entre corpo e mente que é
conservadora (o que importa são as ideias que
não têm nada a ver com a vida das pessoas, o
que não acontece na prática).
2. Presença física
bell hooks dá o exemplo de Michel Foucault:
tinha uma vida pessoal muito diferente da vida
profissional acadêmica, onde era preciso "ser
sério" e todas suas questões viravam objeto de
estudo científico, não objeto de vida.
Ron Scapp aponta: trata-se da pose do
intelectual francês tradicional.
2. Presença física
bell hooks ainda ressalta: intelectual francês
tradicional e branco; afinal, quando
intelectuais franceses não brancos
conhecemos?
2. Presença física
Ron Scapp resume: um privilégio do
intelectual branco é que ele faz parecer que é
pura mente, que o corpo dele não importa de
tão normal/normalizado que é.
"Estranhamente, isso lembra o corpo de
conhecimento firme e imóvel que integra a
imutabilidade da própria verdade" (p. 184).
Vídeo Sonia Guimarães
2. Presença física
Essa imagem de corpo neutro, mais ainda, cria
a impressão que o professor não trabalha, pois
parece ser um corpo qualquer, genérico,
imóvel na mesa, enquanto a mente é que
trabalha.
A imobilidade do corpo dá até a sensação de
poder, pois é ali, sem se mexer, sem esforço,
que ele demanda silêncio e atenção.
2. Presença física
O professor que se move dá vida ao
conhecimento partilhado. Olha no olho de
estudantes. Rompe a fronteira que a mesa
muitas vezes impõe.
2. Presença física
"Se os professores levam o corpo discente a sério e
têm respeito por ele,são obrigados a reconhecer
que estamos nos dirigindo a pessoas que fazem
parte da história. E alguns deles vêm de uma
história que, se for reconhecida, pode ser
ameaçadora para os modos estabelecidos do
saber" (pp. 186-187)
2. Presença física
Essa imagem de corpo neutro, ainda, cria a
impressão de que o professor não trabalha,
pois parece ser um corpo qualquer, genérico,
imóvel na mesa, enquanto a mente é que
trabalha.
A imobilidade do corpo dá até a sensação de
poder, pois é ali, sem se mexer, sem esforço,
que ele demanda silêncio e atenção.
É fascinante ver como o mascaramento do
corpo se liga ao mascaramento das
diferenças de classe e, mais importante, ao
mascaramento do papel do ambiente
universitário como local de reprodução de
uma classe privilegiadas de valores, de
elitismo. Todas essas questões são
desmascaradas quando a civilização
ocidental e a formação de seu cânone são
questionadas e rigorosamente interrogadas
(pp.187-188).
2. Presença física
E não se trata somente de apresentar novos
conteúdos.
“Hoje em dia, nas aulas de filosofia, obras sobre
raça, etnia e gênero são usadas, mas não de um
jeito subversivo. São utilizadas só para atualizar
superficialmente o currículo" (p. 190).

Ou seja: novos conteúdos, velhas práticas.


3. Novas práticas
Estudantes muitas vezes estranham quando
algo muda na forma como esperam ser
ensinados/as. A mídia consegue inclusive
afirmar que os brancos conservadores
perderam seu espaço no mundo acadêmico,
quando de fato isso não ocorre. Poucas
mudanças têm ocorrido ocorreram em
práticas, currículos...
3. Novas práticas
Dizem que a educação piorou por conta das
mudanças. Estudantes confundem falta de
formalidade tradicional com falta de
seriedade.
Isso porque foram formados/as para se ver
como pessoas sem conhecimento, como vazios
a serem preenchidos, sem autoridade e
responsabilidade pelo próprio conhecimento.
3. Novas práticas
Essa desconfiança gera receio de
experimentações em quem ensina. O medo de
perder o respeito muitas vezes é o apego à
tradição, com todos os seus problemas. Os/as
estudantes não querem sentar em roda, não
veem o sentido nesse tipo de mudança. E é um
jeito de as pessoas se verem, se ouvirem, se
reconhecerem. Muitas vezes é uma
expectativa pelo professor que dita.
Antes de tentarmos
envolvê-los numa
discussão de ideias
dialética e recíproca,
temos de ensinar-lhes
o processo (p. 193)
4. Ter voz
Não se trata da voz autoritária, que dita.
Trata-se de encarnar o que se ensina. A voz
do/a professor/a, com sua experiência pessoal,
a voz de estudantes, com suas experiências
pessoais. Aí o conhecimento pode, justamente,
ganhar o corpo. E quando estudantes
aprendem sua própria voz, lamentam não
serem ouvidos em outros espaços.
4. Ter voz
Às vezes, professores/as ouvem
mecanicamente, cumprindo tabela, ou pior,
para desmerecer o que foi dito.
Todos devem ser levados a sério na sala de
aula, mesmo quando dizem coisas
descontraídas; todas as vozes valem. Não se
pode ter medo do caos e excesso.
4. Ter voz
É preciso construir conjuntamente o
conhecimento. Ao ouvir, o/a professor/a se
coloca na posição de quem também aprende, e
com isso, ensina a aprender. Isso não quer
dizer que não haja diferença nenhuma entre
docentes e discentes. O/a professor/a ainda
tem ao menos o poder de atribuir notas.
5. Afetividade
Muitas vezes, avaliar e atribuir notas reforça o papel
dominante, egóico, do/a docente. Mas não se ensina
para se sentir bem diante de uma plateia. Há trabalho
duro, apesar das aparências. Há emoções conflituosas
(dor, prazer, entusiasmo, frustração). E muitas vezes a
emoção é vista como o oposto da ciência. Mas são elas
que nos tornam atentos ao trabalho. Inclusive a
perceber se o que funciona e o que não e permitir-se
mudar ao longo do andamento do curso. Logo, há
várias camadas de avaliação.
5. Afetividade
Muitas vezes, avaliar e atribuir notas reforça o papel
dominante, egóico, do/a docente. Mas não se ensina
para se sentir bem diante de uma plateia. Há trabalho
duro, apesar das aparências. Há emoções conflituosas
(dor, prazer, entusiasmo, frustração). E muitas vezes a
emoção é vista como o oposto da ciência. Mas são elas
que nos tornam atentos ao trabalho. Inclusive a
perceber se o que funciona e o que não e permitir-se
mudar ao longo do andamento do curso. Logo, há
várias camadas de avaliação.
Quando a sala de aula
é realmente engajada,
ela é dinâmica. É
fluida. Está sempre
mudando (p. 212).
5. Afetividade
“A pedagogia engajada é esgotante!” (p. 214).
5. Afetividade
E tanto esgotante quanto mais estudantes
existem na sala de aula para além de certo
limite. A coisa tende a tornar-se um
espetáculo. Aí não há aprendizado; os alunos
querem ver e ser vistos quando essa situação
se configura. São devotos, pensam orbitar uma
estrela que, só ela, tem ilumina.
5. Afetividade
"O que nos leva de volta, finalmente, à
auto-atualização. Se os professores forem
indivíduos feridos, lesados, pessoas que não se
auto-atualizaram, eles buscarão na academia um
asilo, não buscarão torná-la um local de desafio,
crescimento de intercâmbio dialético" (pp.
221-222).
5. Afetividade
“Essa é uma das tragédias da educação hoje em
dia. Um monte de gente não reconhece que ser
professor é estar com as pessoas” (p. 222).

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