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FAMAT

Revista
da ADPPUCRS

Porto Alegre, nº. 5, p. 49-56, dez. 2004

Sobre os mundos de Habermas e sua ação comunicativa

CARLOS EDUARDO DA CUNHA P INENT1

RESUMO: Quando um indivíduo fala, numa iniciativa comunicativa com outros


indivíduos ou consigo mesmo, duas suposições a respeito do que diz podem ser
pensadas: sobre o que está falando e qual sua intenção ao falar. A partir dessas po-
sições, podemos buscar uma leitura para os mundos de Habermas e um entendi-
mento para sua ação comunicativa.

Introdução1 O modo original da linguagem, para ele, é


Habermas redirecionou a função da o seu uso comunicativo:
filosofia, que, para ele, precisa deixar de ser
subjetiva, uma filosofia da consciência que O entendimento parece ser imanente como
leva ao autoconhecimento, com acesso in- telos à linguagem humana. Se esta suspeita se
tuitivo e que privilegia o sujeito, com a confirma, teremos que postular para a ação
razão fundamentada na análise do conhe- comunicativa uma conexão estreita entre fala
cimento e da ação unicamente na busca de e ação e, então, pelo menos como fins heu-
relações entre o sujeito e o objeto. Como rísticos, as manifestações explicitamente lin-
alternativa, propõe uma filosofia intersub- güísticas haverão de primar sobre as não-
jetiva, não exclusivamente intuitiva, com lingüísticas (Habermas, 1988, p. 454).
acesso público e que privilegia interlocuto-
res, com a razão fundamentada na análise O MUNDO E OS TRÊS MUNDOS DE
da linguagem, sendo, neste sentido, uma HABERMAS
filosofia da linguagem. Porém, linguagem Um novo paradigma, então, é pro-
enquanto forma de comunicação. Haber- posto, com fundamento nessa visão inter-
mas critica o semanticismo, que não leva subjetiva; as ações comunicativas são tema-
em consideração o uso pragmático da lin- tizadas, em que os atos de fala pretendem
guagem na relação que se estabelece entre transmitir o sentido do que é dito, com
ouvintes quando se referem ao mundo. propósitos explicativos, na intenção de se
dizer algo sobre o mundo.Habermas chama
____________
1
Professor da PUCRS e da UCS, doutor em Educação
... comunicativas às interações nas quais as A linguagem é o elemento aglutina-
pessoas envolvidas se põem de acordo para dor:
coordenar seu plano de ação, o acordo al-
Apoiando-se no uso ordinário da linguagem,
cançado em cada caso medindo-se pelo reco-
no qual utilizamos conceitos simétricos de
nhecimento intersubjetivo das pretensões de
mundo interno e mundo externo, falo de
validez (Habermas, 1989, p. 79).
mundo subjetivo em contraposição com o
O mundo, em Habermas, vem a ser a mundo objetivo e o mundo social (ibid, p.
totalidade de entidades sobre as quais afir- 81).
mações verdadeiras são possíveis. Esse Vista por este aspecto, podemos dizer
mundo, evidentemente assim admitido, que a linguagem permite ao falante não
tem status realista, ontológico. É um mun-
apenas emitir sentenças assertóricas (ou
do objetivo. Entretanto, com a relação in-
representativas) objetivamente a respeito de
tersubjetiva propiciada pela linguagem é o
um estado das coisas, mas também senten-
fundamento desse novo redirecionamento ças apelativas, que objetivam emitir solici-
filosófico, surge a seguinte questão: a lin- tações a outras pessoas, e sentenças expres-
guagem não é usada para a construção de sivas, que visam tornar conhecidas as expe-
frases assertivas correspondentes a um
riências pessoais. As assertóricas se referem
mundo ontológico, a um mundo objetivo das
a um mundo objetivo, que tem estatuto
coisas, mas também para o uso de senten-
ontológico, as apelativas se referem a mun-
ças com outras finalidades, como solicita- do social, de características normativas, e as
ções dirigidas a terceiros e descrições de expressivas se referem a um mundo subjeti-
experiências pessoais. Dessa forma, além de vo, com status afetivo.
um mundo objetivo das coisas, é razoável se
Porém, se o mundo para Habermas é,
pensar em outros dois mundos, que não
como vimos, a totalidade de entidades pas-
gozam de estatuto ontológico e que Ha-
síveis de afirmações com pretensões de ver-
bermas chama de mundo social das normas e dade, então se torna necessário estabelecer
mundo subjetivo dos afetos: pretensões de validade e de relações com
A ação comunicativa baseia-se em um pro- esses três mundos. Assim, para as assertóri-
cessamento cooperativo de interpretação em cas são pretensões de verdade sobre um
que os participantes se referem a algo no estado das coisas, na crença de um mundo
mundo objetivo, no mundo social e no objetivo; para as apelativas, podem ser, ou
mundo subjetivo mesmo quando em sua de validade normativa, numa função regu-
manifestação só sublinhem tematicamente lativa, na concepção de um mundo social
um destes três componentes (Habermas, comum, ou de poder, numa função impe-
1987b, p. 171). rativa, numa relação com o mundo objeti-
Esses três mundos formam o palco vo, no desejo do falante de que um estado
no qual a intersubjetividade humana opera: das coisas se realize; e para as expressivas,
são de tornar conhecidas as experiências
Em suas operações interpretativas os mem- pessoais do falante, referidas a um mundo
bros de uma comunidade de comunicação subjetivo.
deslindam o mundo objetivo e o mundo so-
cial que intersubjetivamente compartilham, AS INTENÇÕES DA FALA: MUNDO DO
frente ao mundo subjetivo de cada um e SISTEMA E MUNDO DE VIDA
frente a outros coletivos (Habermas, 1987a, As ações ou atos de fala constituem,
p. 104). pela linguagem, as relações que os falantes
estabelecem entre si quando se referem a sitos estratégicos/instrumentais, que repre-
alguma coisa no mundo, em qualquer de sentam a intenção do agente falante, em
suas três concepções. Esses atos de fala, em ações orientadas para o sucesso e, por ou-
sua intencionalidade, podem ter dois pro- tro, as ações comunicativas, nas quais os
pósitos distintos: propósitos perlocucioná- atos de fala têm a intenção de argumentar
rios, quando os objetivos do falante e os sobre o sentido do que é dito, com propósi-
fins a que se propõe não derivam de conte- tos comunicativos. As ações comunicativas,
údo manifesto no ato de fala, ou propósitos que têm suas raízes nos atos de fala (Ha-
ilocucionários, quando as pretensões do bermas, 1987b, p. 91ss), são o interesse e o
falante em sua ação de fala são chegar a telos do trabalho habermasiano.
algum acordo sobre o próprio sentido do
que diz. O “modo original” da linguagem é
seu uso em atos de fala ilocucionários, em A AÇÃO COMUNICATIVA
ações voltadas para alcançar o entendimento Uma ação comunicativa é, assim,
(Habermas, 1990c, p. 65ss). uma forma de ação social, em que os parti-
cipantes se envolvem em igualdade de con-
Habermas diz que dições para expressar ou para produzir opi-
Através das ações de fala são levantadas pre-
niões pessoais, sem qualquer coerção, e
tensões de validez criticáveis, as quais apon-
decidir, pelo princípio do melhor argumen-
to, ações que visam determinar a sua vida
tam para um reconhecimento intersubjetivo
(Habermas, 1990b, p. 72).
social.
A ação comunicativa se distingue das intera-
Portanto, concomitantemente à divi-
ções de tipo estratégico porque todos os par-
são em três mundos, objetivo das coisas,
ticipantes perseguem sem reservas fins ilocu-
social das normas e subjetivo dos afetos, há
cionários com o propósito de chegar a um
uma outra relacionada com a intenção do
acordo que sirva de base a uma coordenação
falante: uma ação imperativa, em que ocor-
concentrada nos planos de ação individuais
rem atos perlocucionários, em que o falan-
(Habermas, 1987a, p. 379).
te causa, de alguma forma estratégica, um
efeito (teleológico) sobre o ouvinte e uma Uma ação comunicativa pode ser es-
ação regulativa, em que prevalecem atos quematizada da seguinte forma (Pinent,
ilocucionários, em que o falante realiza 1996):
uma função (comunicativa) enquanto diz
algo; essa divisão é o que Habermas deno- comunicações cotidianas
mina de “mundo de sistema”, associada a questionamento
um mundo objetivo, e “mundo de vida” discurso
(Lebenswelt), associada a um mundo social. situação ideal de fala
Completando as relações entre intenções consenso
do falante e os três mundos, há a ação comunicações cotidianas
dramatúrgica, na qual o falante pode ex-
pressar ante o público suas experiências
privilegiadas pessoais (Habermas, 1989, p. Um grupo de indivíduos socialmente
489ss), associada a um mundo subjetivo. organizados troca informações e idéias ba-
Ficam caracterizadas, assim, por um seadas em princípios não problemáticos e
lado, as ações teleológicas, nas quais os atos que são de alguma forma entendidos como
de fala são instrumentalizados, com propó- verdadeiros; são as comunicações cotidianas,
compostas de pretensões de validade impli- Por outro lado, o processo que vai
citamente aceitas pelo grupo. Surge, en- desde a discordância se desenvolve pelo
tretanto, um questionamento, uma situação discurso e termina por um consen-
em que algum fundamento pretensamente so/acordo provisoriamente estabelecido é o
válido é posto em xeque, ou seja, quando que resulta, enfim, na produção de conhe-
pelo menos um dos envolvidos levanta uma cimento. E sendo processo, a “roda” não
dúvida a, no mínimo, uma afirmação até pára.
então aceita implícita ou explicitamente.
Essa situação de impasse resulta na possibi- A FORÇA DO MELHOR ARGUMENTO
lidade de entrada no discurso, no qual os Para entender a ação comunicativa, é
envolvidos vão discutir soluções com ar- preciso sempre lembrar que Habermas re-
gumentos em que deverá vencer aquele que formulou o conceito de racionalidade, no
apresentar maior solidez, numa situação sentido de fundamentar as bases de um agir
ideal de fala, isto é, num ambiente em que comunicativo. Partindo da idéia conclusiva
todos têm a mesma chance de falar, de ou- de que “o conhecimento é um ato lingüís-
vir e de contestar, livres de qualquer tipo tico” (Ingram, 1993, p. 247), uma ação é
de influência ou repressão, quer externa, racional se estiver intimamente ligada a
quer interna. Pela força do melhor argu- uma argumentação. O agir é racional
mento, a única força admissível, o grupo quando se propõe a resolver conflitos po-
procura chegar a um consenso, um tipo de tenciais por meio de argumentações desti-
acordo intersubjetivo que resulta no retor- nadas a outras pessoas na expectativa da
no à situação de comunicações cotidianas, busca de algum consenso possível. Portan-
agora em novas bases e com novas preten- to, a ação racional, base de um agir comu-
sões de validez. nicativo, exige pelo menos duas pessoas se
O resultado de um processo continu- comunicando. Em conseqüência, os indi-
ado como esse conduz a um processo de víduos envolvidos em uma ação comunica-
emancipação dos envolvidos. Emancipação tiva têm de estar dispostos a persuadir ou a
significa autonomia do sujeito: se deixar persuadir. Isso exige algumas co-
Emancipação tem a ver com libertação em
municações básicas, a primeira das quais é
relação a parcialidades que... derivam, de cer-
que um acordo seja alcançado apenas pela
ta forma, de nossa responsabilidade. ... A
força do melhor argumento.
emancipação é um tipo especial de auto- O agir comunicativo distingue-se, pois, do es-
experiência porque nela os processos de au- tratégico, uma vez que a coordenação bem
to-entendiemento se entrecuzam com um sucedida da ação não está apoiada na racio-
ganho de autonomia (Habermas, 1993, p. nalidade teleológica dos planos individuais
99). de ação, mas na força racionalmente motiva-
dora de atos de entendimento, portanto,
E emancipação tem a ver com inter-
numa racionalidade que se manifesta nas
subjetividade:
condições requeridas para um acordo obtido
Portanto, a expressão “emancipação” tem o comunicativamente (Habermas, 1990b, p.
seu lugar no âmbito do intercâmbio dos su- 72).
jeitos consigo mesmos, ou seja, ele se refere a
transformações descontínuas na autocom-
A partir dessa premissa (da força do
preensão prática das pessoas (ibid. p. 100).
melhor argumento), as ações passam a ter
pretensões à verdade, que acompanham
argumentações. Porém, as argumentações
dizem respeito a crenças factuais. As cren- que consenso é caminho para um enten-
ças normativas, expressivas e avaliativas dimento provisório. Destaque-se, também,
exigem, para que a ação seja racional, since- que a impossibilidade de se chegar a um
ridade, autenticidade e propriedade, para consenso numa determinada situação pode
que, neste caso, tenham pretensões à corre- ser entendida como um consenso, ou seja,
ção. Além disso, em qualquer caso, para um acordo de que não foi possível atingir
que seja plenamente racional, uma ação um consenso naquele específico instante.
“precisa ser moral e legalmente certa, preci- O conceito de entendimento (Verstän-digung)
sa eximir sinceramente os sentimentos e
remete a um acordo racionalmente motivado
desejos autênticos do agente e orientar-se
alcançado entre os participantes, que se me-
pelos valores compartilhados da comuni- de por pretensões de validez suscetíveis de
dade” (Ingram, 1993, p. 40). crítica. (Habermas, 1987a, p.110)
Essa distinção entre crenças factuais,
por um lado, que têm pretensões à verdade, Logo, o entendimento precisa ser
e crenças normativas, expressivas ou avalia- percebido como um processo, e não como
tivas, por outro, que têm pretensões à cor- uma meta final, obtido a cada momento
reção, implica que as condições de argu- por um consenso, que também nunca será
mentação dependem do tipo de validade tido como um objetivo final. O entendi-
proposta. No primeiro caso, a expectativa é mento e o consenso não têm credenciais de
somente de apresentar argumentos que absolutos, mas são conquistados em cada
sejam convincentes aos demais de sua ver- contexto; como o contexto é dinâmico,
dade. Já no segundo caso, a pretensão à também o são o entendimento e o consen-
correção envolve problemas de ordem mo- so.
ral e/ou ética. Só pode ser racional se a Mas como obter um consenso num
ação apresentada por um indivíduo pressu- processo comunicativo? Através de uma
ponha aceitação implícita da mesma por situação ideal de fala, uma situação que, co-
parte dos outros indivíduos com relação a mo expressa Siebeneichler (1994), “pode
ele. Além disso, precisa haver coerência ser tomada como critério da argumentação
entre a palavra e a ação do indivíduo. In- discursiva porque implica uma distribuição
gram acredita que “Neste ponto, Habermas simétrica de chances de escolha e de reali-
acompanha Kant, sustentando que a força zação de atos de fala. Supomos que nela
deontológica da obrigação moral proíbe as não existe nenhum elemento de coação a
exceções; estamos sempre obrigados a afas- não ser a coação do melhor argumento” (p.
tar nossos interesses egoístas quando eles 105).
entram em conflito com o interesse univer- Ingram lembra “a divisão triádica da
sal” (ibid, p. 41). argumentação proposta por Aristóteles, a
lógica, a retórica e a dialética” (1993, p.
CONSENSO E SITUAÇÃO IDEAL DE FALA 42), afirmando que Habermas segue essa
O significado de consenso poderia me- divisão; na lógica, a argumentação deve
recer uma tematização à parte, pois não se apresentar as qualidades de consistência
trata do conceito comum do termo, mas o interna e externa; na retórica deve ocorrer a
que emerge da teia das ações do mundo da situação ideal de fala, caracterizada por
vida, lançando aos poucos... “um novo condições formais de justiça processual,
conceito de consenso, distinto do consenso que implica ausência de coação interna e
deformado de hoje...”. (Medeiros, 1993, p. externa na apresentação da argumentação
239). No momento, deve-se ter em mente racionalmente fundamentada dos envolvi-
dos, com igual possibilidade para todos de condições para a emancipação dos indiví-
argumentar e rebater argumentos, na ex- duos.
pectativa do acordo; na dialética manifesta- Siebeneichler (1994) explora a pre-
se a interação entre os falantes, com liber- tensão de pragmática universal como di-
dade de crítica e “independente das pres- mensão subjacente ao trabalho habermasi-
sões quotidianas que buscam o êxito” (ibid, ano para explicar o processo emancipatório
p. 43), dentro da qual é possível o mútuo inerente à ação comunicativa de Habermas,
reconhecimento de sinceridade e responsa- a partir da sustentação de que “a compe-
bilidade racional nas reivindicações de va- tência específica da espécie humana de
lidade. poder falar uma linguagem constitui a con-
dição necessária e suficiente para que os
OS ATOS DE FALA homens cheguem à maioridade” (p. 88).
Todo esse caminho percorrido leva Destaca, para isso, dentre os vários concei-
Habermas a desenvolver uma proposta de tos tematizados por Habermas, em sucessi-
pragmática universal, que vem a ser o des- vos níveis de abordagens, dois que lhe pa-
velo dos universos do diálogo do indivíduo, recem mais importantes: o “agir voltado ao
universos esses cujas conquistas são neces- entendimento” e a “razão não-reduzida”.
sárias para sua participação em situações A teoria da ação comunicativa se propõe a-
que envolvam a fala. Habermas analisa as demais como tarefa investigar a “razão inscri-
assertivas em que aparecem verbos executi-
ta na própria prática comunicativa e cotidia-
vos, verbos que propõem algum compro-
na” e reconstruir a partir da base de validez
misso social, ao contrário dos verbos não-
da fala um conceito não-reduzido de razão. (Ha-
executivos, que apenas facilitam a transmis- bermas, 1989, p. 506)
são das informações. Os verbos executivos
constituem os atos de fala. Os atos de fala, A reciprocidade concomitante desses
para Habermas, contêm não apenas conte- dois conceitos, ao serem tratados mutua-
údos expressivos, proposicionais, mas cons- mente, desemboca no conceito de razão
tituem uma categoria de significado plena e comunicativa que, por sua vez, vai funda-
autêntica. O ato de fala é o momento em mentar a teoria do agir comunicativo e/ou
que a pessoa exprime suas intenções: a teoria da competência comunicativa.
Qualquer ato de fala, através do qual um fa-
RACIONALIDADE COMUNICATIVA
lante se entende com um outro sobre algo,
A teoria da racionalidade de Haber-
localiza a expressão lingüística em três refe-
mas pretende explicar todas as manifesta-
rências com o mundo: em referência com o
ções racionais do indivíduo, quer sejam
falante, com o ouvinte e com o mundo.
diretas ou simbólicas. Segundo Aragão
(Habermas, 1990b, p. 95)
(1992), “Qualquer asserção ou razão poderá
Os atos de fala que se manifestam na ser tida como racional, desde que suscetível
comunicação ordinária passam a constituir de criticismo e fundamentação, isto é, que
uma teoria que está imersa e se funde com possa fornecer razões e fundamentos” (p.
a própria teoria da ação comunicativa de 33). Isso é o que Habermas chama de racio-
Habermas. Nesta, o processo comunicativo nalidade comunicativa. Nas ações, diretas ou
está sempre voltado para o entendimento; simbólicas, o sujeito será racional, se, pos-
neste caminho vai-se construindo uma no- suidor de conhecimento falível, souber e se
va razão com pretensões de universalidade, propuser a defender as pretensões de vali-
a razão comunicativa, que proporciona dade ou verdade contra a crítica dos inter-
locutores: “Asserções e ações dirigidas a Utilizo a expressão “ação comunicativa” para
metas são tanto mais racionais quanto mais aquelas manifestações simbólicas (lingüísticas
a exigência (de verdade proposicional ou de e não-lingüísticas) com os sujeitos capazes de
eficiência) que é conectada com elas possa linguagem e ação estabelecem relações com a
ser defendida contra as possíveis críticas”, intenção de se entenderem sobre algo e co-
acrescenta (ibid, p. 34). Dessa forma, as ordenar assim suas atividades. (Habermas,
asserções só serão racionais se dirigidas a 1988, p. 453)
metas ilocucionárias, satisfazendo suas
Destaque-se, além disso, que
condições. Ou seja, os sucessos ilocucioná-
Habermas assume um compromisso tácito
rios não podem ir além de o compreender
com a teoria: “Desde o início de sua carrei-
e o aceitar ações de fala; os fins e efeitos, ra intelectual Habermas não se limita a
quaisquer que sejam, que vão além disso insistir na existência de uma possível ou
devem ser chamados de sucessos perlocu- enigmática ligação entre teoria e praxis,
cionários.
entre saber teórico e atividade humana. Sua
A racionalidade assim caracterizada
pretensão vai mais longe: delinear os con-
passa a fundamentar um novo paradigma
tornos de uma teoria sistemática desta me-
lingüístico, diferenciado do velho que se diação.”, afirma Siebeneichler (1994, p.
apegava apenas a uma análise proposicional 69). Depreende-se daí que num discurso
dos conteúdos dos proferimentos. Essa habermasiano haverá sempre, implícita ou
nova proposição pragmática exige uma prá-
explicitamente, uma teoria subjacente. Em
tica argumentativa com vistas a um consen-
Bobbio e outros (1986), essa questão está
so, cuja obtenção não pode ser conseguida
muito clara: “Habermas diz que a teoria é
pelas práticas comunicativas rotineiras. “A tomada de consciência da Práxis... A Práxis
argumentação é aquele tipo de discurso em é, pois, tanto objeto da teoria como sua
que os participantes tematizam exigências referência imanente”. (p. 991)
de validade contestadas e que tentam resga-
ta-las ou criticá-las através dos argumentos”
CONCLUSÃO
(ibid, p. 36). Nesse ambiente de atos de fala
Como vimos, a razão comunicativa se
só é admissível o uso da força argumentati- manifesta na intenção dialógica social de
va, que será medida pela solidez dos argu- pelo menos dois indivíduos. A interação
mentos e por quanto eles são capazes de pode se dar de forma espontânea, em um
convencer os participantes do discurso.
diálogo cotidiano, ou pela forma do que
No agir comunicativo, pressupõe-se a base de Habermas denomina discurso, uma forma
validade do discurso. As pretensões de vali- comunicativa característica, em que um
dade universal (verdade, justeza, veridicida- ator propõe validade para uma referência
de), que pelo menos implicitamente são co- sua a um fato, uma norma ou uma vivên-
locadas e reciprocamente reconhecidas pelos cia, racionalmente fundamentado, na ex-
interessados, tornam possível o consenso que pectativa de que seja contestado com algum
serve de base para o agir comum. (Habermas, contra-argumento igualmente fundamenta-
1990a, p. 33) do. Isso leva à conclusão de que não há pré-
condições, quer seja no diálogo cotidiano,
O entendimento do sentido de dis-
quer no discurso, “todas as verdades ante-
curso em Habermas está intimamente rela-
riormente consideradas válidas e inabalá-
cionado com o entendimento dos funda-
mentos de sua teoria da ação comunicativa: veis podem ser questionadas; todas as nor-
mas e valores vigentes têm de ser justifica-
dos; todas as relações sociais são considera-
das resultado de uma negociação na qual se HABERMAS, J. Teoría de la acción comunicativa.
busca o consenso e se respeita a reciproci- Racionalidad de la acción y racionalización social.
dade, fundados no melhor argumento” Tomo I. Madrid: Taurus, 1987a.
(Freitag, 1993, p. 60). Esta razão comunica- _____. Teoría de la acción comunicativa. Crítica de la
tiva ou dialógica é o fundamento da teoria razón funcionalista. Tomo II. Madrid: Taurus,
da ação comunicativa. 1987b.
A teoria da ação comunicativa abre _____. La lógica de las Ciencias sociales. Madrid:
caminhos na busca de soluções para o nos- Tecnos, 1988.
so mundo, desde questões teóricas até téc- _____. Teoría de acción comunicativa: complementos y
nicas e sociais: estudios previos. Madrid: Cátedra, 1989.
_____. Para a reconstrução do materialismo histórico.
Este giro desde a teoria do conhecimento até
São Paulo: Brasiliense, 1990a.
a teoria da comunicação me permitiu dar
_____. Pensamento pós-metafísico. Rio de Janeiro:
respostas substanciais a questões que desde
Tempo Brasileiro, 1990b.
uma perspectiva metateórica só podiam ilu-
_____. Passado como futuro. Rio de Janeiro: Tempo
minar-se como questões e aclarar-se em seus
Brasileiro, 1993.
pressupostos: para a questão da base norma-
INGRAM, D. Habermas e a dialética da razão, Brasí-
tiva de uma teoria crítica da sociedade, para
lia: Editora da Universidade de Brasília, 1993.
a questão da objetividade da compreensão e
MEDEIROS, M. COLLA, A. e MARTINS A. Para-
da unidade no pluralismo das formas de vida
digmas ideológicos do trabalho da universidade com o 1°
e jogos de linguagem, para a questão da pos-
grau de ensino: a universidade faz uma práxis do discurso
sibilidade de um “funcionalismo de orienta-
que apresenta? Porto Alegre: PUCRS, Relatório de
ção histórica” e para a questão de como cabe
Pesquisa, 1993.
superar a competência do paradigma entre a
PINENT, C.Análise de discurso e o discurso em Haber-
teoria de sistemas e a teoria da ação. (Ha-
mas. Capítulo de um livro a ser encaminhado a
bermas, 1988, p. 16)
publicação por: MEDEIROS, M. (org.). Faculdade
de Educação, PUCRS, 1996.
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ARAGÃO, L.M.C Razão Comunicativa e Teoria Social comunicativa e emancipação. 3ª ed. Rio de Janeiro:
Crítica em Jürgen Habermas.Rio de Janeiro: Tempo Tempo Brasileiro, 1994.
Brasileiro, 1992.
BOBBIO, N. MATTEUCCI, N. e PASQUINO, G.
Dicionário de Política. Brasília: Editora da Universi-
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FREITAG, B. A teoria crítica ontem e hoje. São Paulo:
Brasiliense, 1993.

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