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INSTITUIÇÕES DE DIREITO

Unidade II
5 DIREITO CIVIL

O direito civil é um dos ramos do direito privado de maior importância, pois ele regula os direitos
e as obrigações no âmbito da vida privada das pessoas, ou seja, as formas de aquisição de direitos e
obrigações, incluindo os seus bens (patrimônios) e as demais relações participantes da sociedade.

A lei que trata do direito civil é a Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Brasil, 2002a), que institui o
Código Civil. Esse código, por tratar dos mais variados assuntos, foi dividido em duas grandes partes, que
tiveram subdivisões em livros específicos, de modo a facilitar o entendimento e o estudo das matérias
afins. Sua divisão foi efetivada da seguinte forma: Parte Geral (Livro I – Das Pessoas; Livro II – Dos Bens;
Livro III – Dos Fatos Jurídicos) e Parte Especial (Livro I – Do Direito das Obrigações; Livro II – Do Direito de
Empresa; Livro III – Do Direito das Coisas; Livro IV – Do Direito de Família; e Livro V – Do Direito das Sucessões).

5.1 Noções introdutórias ao direito civil

O direito civil, tal qual o direito de empresa, comercial e outros ramos, está compreendido no direito
privado. Mas nem sempre foi assim. O Código Civil de 1916 incorporou uma parte do que se conhecia
por Código Comercial e que tratava do que hoje se conhece como direito de empresa.

Outra questão legislativa importante foi a troca do nome da antiga Lei de Introdução ao Código Civil
Brasileiro – Decreto-lei n. 4.657/1942 – para Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – conforme
redação dada pela Lei n. 12.376/2010 –, que inovou seu teor também a reboque da constitucionalização do
direito privado operada pela Constituição Federal de 1988. Note-se, de antemão, que a Lei de Introdução
às Normas do Direito Brasileiro, justamente por versar sobre a matéria de teoria geral do direito, alcança
a matéria de direito público, a exemplo de regra geral de convalidação de atos administrativos, muito
notadamente do art. 20 ao art. 24 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, autêntico prisma
de teoria geral do direito regente de matéria de direito público.

Quer um exemplo do que era tratado na Lei de Introdução ao Código Civil e, ainda, compreender
como a legislação acompanha a evolução social? Observe a figura a seguir:

LINDB
- Estava dentro do Código Civil - É uma lei autônoma
- Servia como orientação para todos os ramos do direito - Seve como orientação de teoria geral de direito
- Exemplo: vigência da lei - Exemplo: a LICC foi revogada (pela Lei n. 12.376/2010) e
- Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até passou a se chamar LINDB
que outra a modifique ou revogue
LICC

Figura 17 – Lei de Introdução ao Código Civil x Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro

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Unidade II

Repare que toda a evolução do direito civil possui uma característica comum, que são os valores
fundamentais da sociedade. Grande parte desses conteúdos são tratados no direito civil, especialmente
a personalidade, o patrimônio das pessoas, a forma como as pessoas fazem seus acordos no Brasil, entre
outros. O nome do conjunto de valor perene é invariante axiológica. Disse o grande jurista Miguel Reale
(1991), em conferência proferida no Rio de Janeiro, em 9 de julho de 1991, na instalação da VI Semana
Internacional de Filosofia, promovida pela Sociedade Brasileira de Filósofos Católicos, que assim prestou
homenagem ao autor no ensejo de seu octogésimo aniversário:

Não creio possa haver tema mais fascinante do que este das invariantes
axiológicas, isto é, da existência ou não de valores fundamentais e fundantes
que guiem os homens, ou lhes sirvam de referência, em sua faina cotidiana.
Seriam como que estrelas valorativas determinantes ou esclarecedoras de
cada vocação, desde a do sacerdote para o sagrado à do poeta para a beleza,
desde a do empresário para a riqueza à do filósofo para a verdade, desde a
do jurista para a justiça à do trabalhador para a produção e o útil-vital.

A magnitude do assunto suscita logo uma série de perguntas inquietantes:


“serão tais valores primordiais inatos? Se não o forem, terão objetividade
em si, mas como e quando a constituíram? Ou serão, ao contrário, meras
aparências, simples idealizações subjetivas com que nos enganamos a nós
mesmos, mascarando a nossa ignorância?”.

Vede que estão em jogo a natureza e o destino do homem, para sabermos


se a sua vida tem um sentido, ou é mera folha solta e inerme, entregue aos
surpreendentes e imprevistos avatares da História?

Saiba mais

Quer saber mais sobre as variantes axiológicas? Acesse a íntegra do


artigo no link a seguir:

REALE, M. Invariantes axiológicas. Estudos Avançados, São Paulo, v. 5,


n. 13, set./dez. 1991. Disponível em: https://urx1.com/Eek7H. Acesso em:
20 jan. 2020.

A liberdade é um bem jurídico, um bem da vida, tutelado pelo direito como invariante axiológica
consagrada pela Constituição Federal. A reboque da Constituição de 1988, o Código Civil de 2002 rege
a autonomia privada, que diz respeito justamente ao manejo da liberdade pelos particulares, eis que
capazes da prática de atos que impliquem assunção de direitos e obrigações. Dir-se-á mais de previsões
gerais e abstratas previstas na norma (campo do obrigatório e proibido, não do facultativo), ao passo em
que obrigação dir-se-á mais de posições (direitos e obrigações) assumidas por meio de ato ou contrato,
justamente em razão do exercício da capacidade civil: o exercício da autonomia privada, que encontra

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limite ou contra freio em matéria de ordem pública ou matéria de ordem cogente. Isto é, matérias que
não são livremente disponíveis pelo exercício da autonomia privada.

Note-se, ainda, que é muito caro ao direito brasileiro a codificação do direito civil, eis que o Brasil já
experimentou em seu processo sócio-histórico a justaposição de ordens jurídicas. Basta recordarmos que
a colonização brasileira foi realizada por meio do Padroado Régio: o clero, mais notadamente os jesuítas
da Companhia de Cristo, geria a administração pública. A justaposição normativa se dava exatamente
porque diversas normas vigoravam ao mesmo tempo, nesse caso, a Igreja e o Estado.

Abundam arquivos na Torre do Tombo, em Portugal, que demonstram que a Ordem de Cristo contou
com o poder de senhorio, dotado de jurisdição cível e criminal, com poder de mero império (potestade:
poder de castigar e de usar força, mesmo violência, reserva de poder coercitivo legitimado) e poder
de misto império (poder de exercer jurisdição, exercer atividade judicante, distribuição de justiça)
(Noronha, 2008).

Somem-se a esse contexto outros fatores, como a incidência de ordenações portuguesas com as
derrogações em matéria de silvícolas da terra, isto é, derrogação da norma geral para com os índios, sob
incidência de equidade como mecanismo de integração da norma sem que houvesse hipótese de lacuna
legislativa, mas em razão da pessoa, o índio.

Para reforçar a importância de percebermos quão cara é para o direito brasileiro a codificação escrita
de um Código Civil, ponderemos o processo sócio-histórico do direito brasileiro.

De início, uma brevíssima notícia histórica: antes da experiência do direito luso-brasileiro com
os indígenas e a respectiva derrogação da norma geral escrita por equidade, e mesmo o costume
(mecanismos de integração da norma), e sem que houvesse hipótese de lacuna legislativa, Portugal já
havia experimentado o assentamento e o convívio com povos então ditos bárbaros, até porque Roma
sucumbiu aos bárbaros. De modo que, em Portugal, matéria do chamado direito das gentes – pauta mais
estudada em direito constitucional e muito cara à matéria de soberania popular, que muito importa aos
usos e costumes que também são fontes de direito, ao lado da norma escrita decorrente de processo
legislativo – importava derrogação de ordenação portuguesa pelos usos e costumes dos povos bárbaros.
Quem se recorda do livro Eurico, o presbítero, de Alexandre Herculano, pode já ter reparado nas notas do
autor a respeito do direito visigodo ou direito visigótico, de importância capital na formação do direito
português, que, ademais, convivia, com a justaposição do direito canônico.

As Ordenações Filipinas vigeram por mais de três séculos no Brasil, e esse modelo de corpo legislativo
que remonta a Portugal do século XVII perpassou ao Código Civil de 1916. Foi essa experiência
histórica que determinou a inspiração do Código Civil de 1916 (Gomes, 2006). Tudo ao passo em que
as Ordenações Filipinas já surgiram como forma de atualização do direito português anterior, construído
nas Ordenações Manuelinas “constituindo, verdadeiramente, uma presença da Idade Média nos tempos
modernos” (Gomes, 2006, p. 4). Essa permanência histórica de figuras jurídicas que perpassaria até
o Código Civil de 1916 remontaria, ademais, aos comentários e interpretações (glosas) do direito
romano, em especial aos entendimentos de Accursio, Bártolo e demais jurisconsultos medievais que

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interpretavam e comentavam o direito romano (Gomes, 2006). Acerca do liame entre as Ordenações
Filipinas que substituíram as Ordenações Manuelinas:

As Ordenações Filipinas foram elaboradas em cumprimento ao Alvará de


5 de junho de 1595 pelo qual Felipe II de Espanha mandou rever, reformar e
codificar toda a legislação portuguesa. [...]. O método e a sistematização das
matérias é o das Ordenações manuelinas. Representam, porém, uma reação
contra o direito canônico, na opinião do mesmo Cândido Mendes, apoiada
por Martins Junior (Gomes, 2006, p. 4).

É que o direito implica justamente uma continuidade, permanência, consagração na experiência


sócio‑histórica, de modo que há uma permanência relativa das figuras jurídicas. “O direito,
indiscutivelmente, inova, apresenta elementos de renovação permanente, mas conserva, sempre, um
fulcro de tradição” (Reale, 1991, p. 61). Tanto que, mesmo a chamada Lei da Boa Razão, Lei de 18 de
agosto de 1769, determinava que eventuais lacunas nas Ordenações deveriam ser integradas conforme
opinião de jurisconsultos de acordo “com as verdades essenciais, intrínsecas, inalteráveis que a ética
dos romanos havia estabelecido” (Gomes, 2006, p. 5), conquanto Pontes de Miranda entendesse
que a Lei da Boa Razão impediria de invocar entendimento de glosadores medievais a respeito do
direito romano nos julgamentos. Da parte final do preâmbulo ao título 64 do livro 3º das Ordenações
Filipinas havia previsão de que a aplicação da norma, inclusive em hipótese de ausência de previsão legal
(lacuna), deveria procurar respeitar as glosas de Accursio e de Bártolo, com menção expressa de que as
glosas de Accursio já estariam, inclusive, incorporadas ao texto das ordenações (Gomes, 2006).

O direito romano era fonte subsidiária (supletiva) de direito prevista nas Ordenações do Reino, ao
passo que a Lei da Boa Razão, Lei de 18 de agosto de 1769, ressalvou que preceitos do direito romano
não seriam aplicados quando se fundassem em costumes particulares dos romanos, que, pois, colidissem
com usos e costumes nacionais, assim como não seriam aplicados quando colidissem com matérias
políticas, econômicas, mercantis e marítimas (Beviláqua, 1976). Por isso, a Lei de 28 de agosto de 1772
(Estatutos da Universidade de Coimbra) ofereceu o elemento de elucidação na regra seguinte: “São
conformes à boa razão as leis romanas aceitas pelo uso moderno” (Beviláqua, 1976, p. 40). Isso fez
com que o jurista português, assim como o jurista brasileiro, estudasse direito estrangeiro para aferir
a boa razão das leis romanas. Da vigência das Ordenações Filipinas até a vigência do primeiro Código
Civil brasileiro (1917), o direito romano era fonte subsidiária (supletiva) de direito de matérias não
expressamente reguladas em legislação. Mesmo na contemporaneidade, o direito romano mantém
seu valor doutrinário para elucidar questões, abalizar a perquirição do fundamento justo, assimilar
e constituir princípios de direito, elementos que compõem a formação da consciência jurídica
(Beviláqua, 1976).

Observação

Fontes supletivas são usadas quando as fontes originárias não satisfazem


a necessidade diante do fato concreto.

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As Ordenações Filipinas vigoraram no Brasil mesmo após a Proclamação da Independência (de 1822),
ao passo que a Constituição de 25 de março de 1824 previu no art. 179, inciso XVIII, que se organizasse
um Código Civil brasileiro (Gomes, 2006).

A legislação civil da República remonta à experiência histórica das Ordenações Filipinas:

Interessante insistir na observação de que as Ordenações compiladas para o


reino de Portugal tiveram vida mais longa e influência mais decisiva no Brasil.
Em 1867, Portugal organizou o seu Código Civil, à base do projeto elaborado
pelo Visconde Seabra. [...]. Essa tradição foi mais respeitada no Brasil, não
havendo exagero na proposição de que o Código Civil brasileiro constitui, em
pleno século XX, uma expressão muito mais fiel da tradição jurídica lusitana
do que a que pode representar o próprio Código Civil português promulgado
cerca de cinquenta anos antes (Gomes, 2006, p. 9-10).

Ordenações, em sentido geral, significam ordens, decisões ou normas jurídicas avulsas, ou, ainda,
as coleções de legislações dentro da história do direito português. Elas são muito importantes para
o nosso estudo em razão de o Brasil ter sido colonizado por Portugal. O costume era que a coroa, no
caso, Portugal, impusesse suas legislações para as colônias, exatamente como ocorreu no Brasil. Desse
modo, até que o Brasil se tornasse um Estado soberano e viesse a elaborar a sua própria legislação, as
ordenações portuguesas vigoraram aqui.
Ordenações Ordenações
Afonsinas (1447) Filipinas (1604)

Ordenações
Manuelinas (1521)

Figura 18 – Ordenações que vigeram no Brasil Colônia

Retomada para fins de coesão e de conclusão: precisamos perceber quão caro é para o direito
brasileiro a codificação escrita de um Código Civil para que haja segurança e estabilidade no exercício
da liberdade.

Observação

O direito versa sobre a cultura e as crenças dos povos, que percebem


qual o mínimo ético exigível para viabilizar uma salutar sociabilidade. Todo
tráfego de bens da vida pressupõe tráfego social.

Mesmo discernindo o direito das esferas da norma moral, da norma religiosa e de normas de etiqueta
social, o direito resguarda o mínimo ético existencial para viabilizar a pacificação social: o direito como

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justiça. Se é verdade que o direito natural foi superado pelo direito positivo – positivo significa o posto,
o previamente estipulado, no sentido de legislado por escrito –, o direito se assenta sobre os Princípios
Gerais do Direito – matéria de Teoria Geral do Direito –, muitos dos quais consagrados em adágios latinos
– enunciados em latim –, por exemplo, os tria praecepta iuris (três princípios ou preceitos romanos).
Veja a seguir:

• Honeste vivere: viver honestamente. Diz respeito à toda pauta de vontade manifestamente
declarada pelo sujeito. Importa a todo ato e contrato. Este princípio diz respeito ao uso ou ao
manejo da liberdade, da autonomia privada. Toda conduta pressupõe um sujeito.

• Alterum non laedere: não lesar ninguém. Tradicionalmente, diz respeito à reciprocidade e à
proporcionalidade, princípios da paridade, como indenizar dano passível de ser revertido ao estado
anterior, tornar indene, retornar ao status quo ante ou compensar, caso o dano seja irreversível
(dano ambiental incidente sobre recursos naturais não renováveis como recursos minerais que
se exaurem sem que a natureza os reponha ou reproduza) ou não passível de mensuração da
extensão do dano em equivalente diretamente mensurável em pecúnia (a exemplo de indenização
por danos morais, em princípio, não demonstráveis porque presumíveis em decorrência do injusto
de um ilícito, como dano moral in re ipsa, que pode prescindir de prova de sofrimento ou de abalo
psíquico, desde que presentes os requisitos configuradores exigidos pela jurisprudência, hipótese
na qual indenização é sinônimo de compensação).

• Suum cuique tribuere: dar a cada qual o que lhe é devido na justa medida de sua igualdade
ou de sua desigualdade. Eis que o direito sequer opera o princípio da causalidade, como outras
ciências, porque o direito opera o princípio da imputação: dado A, então deve ser B campo do
dever ser, já que o direito tem por objeto a cultura, a regulação ou pacificação do convívio
social, isto é, o direito tem por objeto a norma, que é dado da cultura, e não da biologia
ou das matemáticas. Este princípio também fundamenta matéria de responsabilidade civil, de
indenização, de proporcionalidade, de tudo, enfim, que diga respeito a indenizar ou compensar,
bem como toda pauta de abuso de direito. Toda essa pauta remonta ao exercício da autonomia
particular, o uso que o sujeito faz de sua liberdade por meio de atos e contratos, vínculos e
relações jurídicas.

Observação

Re, res e rei, grosso modo, trata-se de deriva morfossintática do latim res,
que pode ser compreendido como “coisa”. É importante um discernimento
preliminar: em filosofia do direito, coisa é tudo que existe, seja corpóreo
ou incorpóreo, material ou imaterial, manifesto ou imanifesto, com
exceção do ser humano.

A figura a seguir mostra a estrutura de primeiro nível do Código Civil brasileiro.

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Código Civil
brasileiro

Parte Final ou Das


Parte
Parte Geral Disposições Finais e
Especial Transitórias

Livro III Livro I Livro II Livro III Livro IV Livro V


Livro I Livro II Dos Fatos Do Direito das Do Direito de Do Direito das Do Direito de Do Direito das
Das Pessoas Dos Bens Jurídicos Obrigações Empresas Coisas Família Sucessões

Trata dos
valores
materiais e Reúne o
imateriais e conjunto
Pessoas Estabelece as
recebem a de normas
naturais ou normas jurídicas
denominação jurídicas
físicas são os Trata dos Regem as que estruturam,
de Bens. São Disciplina Regula a que regem
seres humanos. acontecimentos relações organizam
geralmente as relações relação de as formas e
Para o Direito, naturais ou jurídicas que e protegem
os objetos comerciais poder das condições de
todos os seres humanos que têm por objeto as famílias.
das relações e estabelece pessoas sobre transferência
humanos são passíveis de as prestações Portanto, trata
jurídicas. os direitos e os bens, bem patrimonial
são capazes gerar efeitos/ de uma pessoa das obrigações
Podem ser obrigações das como as após a sua
de gozar consequências (devedora) em e dos direitos
fungíveis e empresas e dos formas de sua morte, para os
de direitos no plano favor de uma que decorrem
infungíveis, empresários utilização seus herdeiros,
e contrair jurídico outra (credora) das relações
divisíveis, em função
obrigações na e do convívio
consumíveis e da lei ou de
esfera privada familiar
inconsumíveis, eventual
ainda testamento
singulares e
coletivos

Figura 19 – Estrutura geral do Código Civil brasileiro

Observa-se que o Código Civil brasileiro está dividido em três grandes partes. Estudaremos do que
trata cada parte, para você ter a visão completa da estrutura e o escopo desse diploma legal, cujos
preceitos regulam as relações sociais que merecem proteção jurídica:

• Parte Geral: a sociedade é formada por pessoas (cidadãos), portanto, é razoável que o Código
Civil estabeleça os conceitos e os princípios em torno da definição de pessoas para o mundo
jurídico. Também é feita a classificação dos bens e dos acontecimentos que surgem naturalmente
no âmbito da sociedade em consequência do convívio social necessário e inevitável. Esta parte se
subdivide em três livros, que tratam: Das Pessoas (naturais e jurídicas); Dos Bens (quanto as suas
classificações); e Dos Fatos Jurídicos (negócios jurídicos, atos jurídicos lícitos e ilícitos e da prova).

• Parte Especial: formada por cinco livros, que se subdividem em títulos e capítulos, tratando
do seguinte:

— Do Direito das Obrigações: aborda os direitos e as obrigações no que se refere as suas


modalidades, transmissão, quitação e extinção, inadimplemento, contratos de forma geral,
as espécies de contratos, os atos unilaterais, os títulos de crédito, a responsabilidade civil e as
preferências e os privilégios creditórios.

— Do Direito de Empresa: trata dos aspectos legais relacionados com o empresário, a sociedade,
o estabelecimento e os institutos das coisas.
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— Do Direito das Coisas: acentua os institutos relacionados com a posse, os direitos reais, a
propriedade, a superfície, as servidões, o usufruto, o uso, a habitação, o direito do promitente
comprador, o penhor, a hipoteca e a anticrese.

— Do Direito de Família: trata da proteção dos institutos ligados à constituição e à proteção


da família, incluindo direito pessoal, direito patrimonial, união estável, tutela e curatela. Parte
muito importante para a vida em sociedade.

— Do Direito das Sucessões: inclui sucessões em geral, sucessão legítima, sucessão testamentária,
inventário e partilha.

• Parte Final ou Das Disposições Finais Transitórias: regula as várias questões genéricas de
aplicação do Código Civil, bem como vários pontos importantes para a boa transição do antigo
código (que vigeu até 11 de janeiro de 2003) para esse novo.

Saiba mais

Leia o artigo a seguir, do professor Miguel Reale, expoente da codificação


do Código Civil de 2002, bem como de todo o direito, sobretudo o pátrio.

REALE, M. Função social do contrato . [s.d.]. Disponível em:


https://ury1.com/tupwN. Acesso em: 20 jan. 2020.

Com base no exposto, foi possível entender a importância, a abrangência e a complexidade do direito
civil para o regramento da vida em sociedade, cujos princípios, institutos e regras estão consolidados
no Código Civil brasileiro. A seguir, serão estudados alguns conceitos essenciais para consolidar esse
ramo do direito.

5.2 Da validade dos atos jurídicos

Negócio jurídico é uma relação jurídica que decorre da manifestação de vontade negocial das partes.
Para ser considerado existente, válido e eficaz, ele segue os degraus da chamada escada ou escala
ponteana. Para Tartuce (2011, p. 25), negócio jurídico é:

Toda ação humana de autonomia privada, com a qual os particulares regulam


por si os próprios interesses, havendo uma composição de vontades, cujo
conteúdo deve ser lícito. Constituiu um ato destinado à produção de efeitos
jurídicos desejados pelos envolvidos e tutelados pela norma jurídica.

Todos os negócios jurídicos objetivam o tráfego de bens materiais e imateriais da vida, susceptíveis
ou não de mensuração econômica (no que se refere a pessoas, coisas e ações) e pressupõem então atos
negociais e ou contratos, porque o epicentro da matéria é o vínculo jurídico. Vínculo, aqui, negocial,

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de tráfego de bens da vida, o liame, nexo entre sujeitos de direitos e de obrigações coobrigados por
vínculo negocial. Em razão da natureza ou qualidade do vínculo, tem-se a qualidade do sujeito, isto é,
sua posição e sua situação jurídica.

Um exemplo de negócio jurídico de simples compreensão é a compra e venda. De um lado, temos o


comprador, que aceita ou não o preço que está estabelecido pela outra parte, que é o vendedor.
O comprador deve entregar o dinheiro ajustado ao vendedor, e este deve entregar ao comprador o bem
objeto da transação. Parece muito simples, mas pode ocorrer uma série de problemas nesse trâmite,
como o produto não ser exatamente o que o comprador queria ou o dinheiro entregue ser falso.

Assim é que negócio jurídico é espécie do gênero relação jurídica, que pressupõe situações jurídicas
que variam entre dois polos: coincidentes e não coincidentes. Explica-se que mútua e recíproca sempre
será uma relação negocial entre sujeitos, mas se o interesse não for plenamente coincidente, além de
mútuo e recíproco, ao outro sujeito da mesma relação jurídica incumbirá não uma prestação coincidente,
mas uma contraprestação – pauta do caráter sinalagmático das contraprestações onerosas, cujo anverso
é o vínculo de natureza gratuita ou graciosa, isto é, de caráter não oneroso, a exemplo de convênios que
se distinguem dos contratos justamente pela ausência de sinalagma.

Observação

Sinalagma significa troca mútua. É o vínculo de reciprocidade e troca


em um contrato entre duas partes. No contrato sinalagmático, há uma
relação de prestação e contraprestação, subsumida na expressão latina do
ut des (dou para que dês).

Para que os negócios irradiem efeitos oponíveis visados pela vontade manifestada (interesse), são
necessários três requisitos, ou planos, demonstrados na figura a seguir, que expõe a chamada escada ou
escala ponteana.

Planos do
negócio jurídico

Existência Validade Eficácia

Figura 20 – Escada ponteana

Você já pensou que a prática de atos jurídicos pode não partir de uma pessoa natural? Pois é o
que acontece nas sociedades coligadas, uma matéria de interesse de conglomerados transnacionais.
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O Código Civil permite que a vontade que anima os atos praticados por uma sociedade coligada
seja a vontade manifestada não apenas por uma ou mais pessoas naturais, na qualidade de
representante (ainda que essa pessoa seja integrante de um órgão diretivo colegiado, mas também
por órgão de sociedade coligada, como o Conselho Fiscal), de modo que o representante legal que
anima a vontade que pratica os atos no interesse da sociedade não seja necessariamente uma
pessoa física ou natural.

As pesquisas são feitas junto ao respectivo registro público dos atos constitutivos de cada
pessoa jurídica e das sociedades empresárias, vez que são os atos constitutivos – contrato social,
para as sociedades empresárias – que estatuem e que detêm poderes diretivos para animar a
vontade dos atos praticados no interesse da sociedade, tudo em torno da figura do representante
legal, que nunca se deve tomar por sinônimo de proprietário nem de sócio. Daí a importância de
toda matéria de registros públicos para segurança jurídica e estabilidade da paz social, sobre a qual
se sedimenta a sociabilidade humana e todo tráfego social de bens da vida, no que se incluem os
vínculos negociais.

O plano da existência jurídica compreende três aspectos que devem existir: os agentes, o objeto da
transação e que o negócio pretendido não contrarie a lei.

O segundo plano, que é o da validade, aprofunda o plano da existência. Esse plano determina que
o negócio, para valer perante o ordenamento jurídico, deve ter agentes capazes de realizar o ato. Além
disso, o objeto da transação deve ser lícito, possível, determinado ou determinável; a forma deve ser
aquela que a legislação determina ou aquela que a lei não proíbe e a vontade deve ser livre, consciente
e voluntária.

O último plano da escala ponteana é o da eficácia, ou seja, questões acidentais que representam:
a condição, que pode ser resolutiva (encerrar o negócio) ou suspensiva (suspender o negócio e seus
efeitos por algum tempo); o termo, que é um evento futuro e certo, subdividindo-se em inicial e final; e
o encargo, que traz um ônus que pode ser posto ao beneficiado por um ato gratuito.

Você pode estar se perguntando: o que acontece se um negócio jurídico não se revestir de todas
essas formalidades? A resposta é: depende de qual requisito foi desrespeitado, podendo esse ser ato
nulo, que não vigora nunca, e ato anulável. Os atos anuláveis podem decorrer da incapacidade relativa
do agente ou por erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores, ao passo que os
atos nulos são aqueles que foram celebrados por agente absolutamente incapaz, quando o objeto for
ilícito, não estiver revestido da forma que a lei determinar, ou a lei proibir expressamente a sua prática.

5.3 Responsabilidade civil e ato ilícito

Duque (2007) aponta que o direito das obrigações é a principal fonte do direito contratual, ao passo
que, no direito, fonte deve ser entendida como qualquer forma de explicar a origem ou causa dos
institutos, de modo que, para as obrigações, fonte compreende toda maneira da qual emana a norma,
para além da norma escrita, que sempre se coteja com as demais fontes de direito, como jurisprudência,
doutrina e princípios gerais do direito.
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O Código Civil brasileiro reconhece três fontes de obrigações: o contrato, o


ato ilícito e as declarações de vontade. A doutrina, entretanto, classifica as
fontes de acordo com critérios mais abrangentes. Pressupõem, nesse sentido,
a fonte sempre imediata (direta) da lei, seguida de outras fontes mediatas
(indiretas), como o contrato e o ato ilícito. Convém ressaltar que não é
matéria deste estudo investigar cada uma das fontes obrigacionais, mas
apenas demonstrar o direito contratual a partir da liberdade de contratar
(livre-iniciativa) (Duque, 2007, p. 103).

Recordemos, então, que a responsabilidade civil não tem por requisito a ilicitude da conduta –
comissiva ou omissiva –, porque mais importa o conteúdo ou o fundo antijurídico da conduta, que pode, por
exemplo, configurar abuso de exercício de direito sem que necessariamente se tenha ilicitude da conduta.

A título de mais exemplo, a violação de dever de cuidado, bem como a violação do princípio da
confiança – ambas se comunicam com o abuso de direito ou abuso de exercício de direito – podem
ensejar responsabilidade civil – responsabilização cível – sem que a conduta seja em princípio ilícita. Não
ser ilícita, significa, aqui, por exemplo, a conduta não estar previamente proibida por meio de norma
típica, respeitado o princípio da legalidade.

A responsabilidade civil não exige ilicitude da conduta como requisito (pauta do princípio da
legalidade), ao passo que reclama antijuridicidade (recordemos, por exemplo, o princípio do neminen
laedere) da conduta e imputabilidade do sujeito ou agente. Imputabilidade, em geral, diz respeito tanto
ao elemento subjetivo, dolo ou culpa, exigíveis em certas hipóteses, quanto à qualidade do agente ou
sujeito, ainda que não importe o elemento subjetivo.

Um exemplo é a sociedade empresária que deve compensar dano ambiental irreversível,


independentemente de dolo ou culpa, para além da responsabilização penal ou criminal da própria
pessoa jurídica, independentemente de dolo ou culpa, elemento subjetivo, nesse mesmo exemplo do
dano ambiental.

O meio ambiente é um bem da vida, um bem jurídico tão caro à ordem constitucional que serve
muito bem à finalidade, inclusive didática, de se discernir limites do exercício da autonomia privada e
limites do exercício da liberdade, cujos freios são normas cogentes. Veja-se o exemplo do inciso XXIII
do art. 21 da Constituição Federal, que assim dispõe: “d) a responsabilidade civil por danos nucleares
independe da existência de culpa”. Agora, observe a seguir a diferença entre dolo e culpa:

No dolo
ou conduta dolosa existe uma vontade livre e consciente do agente
em provocar o resultado. O agente tem intenção de prejudicar
direito de outrem. Assim, a conduta nasce ilícita e é intencional.
Na culpa
existe vontade de praticar o ato (tanto que o faz), mas não há intenção
de provocar o resultado maléfico e prejudicial, ou seja, quer a conduta,
mas não o resultado que dela decorre. Assim, a conduta nasce lícita e o
resultado dela não se deseja ou se espera.

Figura 21

93
Unidade II

A responsabilidade civil do inciso XXIII, art. 21 da Constituição Federal de 1988, é um exemplo de


hipótese de responsabilidade civil que se perfaria pela antijuridicidade, mais de um resultado do que
propriamente uma conduta; tanto que essa norma visa contornar justamente a perquirição de tópicas
como criação de situação de risco e dever de controle, ao mesmo tempo que passa ao largo do elemento
subjetivo (despreza até mesmo a culpa, que já prescindiria do elemento de vontade deliberada de obter
vantagem indevida ou desatender comando normativo, como em casos nos quais se exige demonstração
cabal de dolo para configuração de responsabilidade).

É possível discernir ilícito de antijurídico da seguinte forma: ilícita, em princípio, é a conduta que
avilta norma (campo do proibido e do obrigatório), em razão do princípio da legalidade; já antijurídica
é a conduta injusta, ainda que, em princípio, não ilícita, a exemplo do abuso de direito (que inclui ato
chicaneiro e emulativo) e do abuso de confiança (o que enseja ponderação de principiologia que inclui,
por exemplo, princípio da proporcionalidade, princípio de paridade de armas, princípio de vedação do
excesso, entre outros).

Veja-se a norma principiológica do art. 927 do Código Civil (Brasil, 2002a):

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem,
fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente


de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente
desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os
direitos de outrem.

Podemos observar que a norma principiológica do art. 927 do Código Civil atravessa desde a tópica
da assunção de risco (mais própria da seara da culpa) até a teoria da responsabilização objetiva, para
a qual um resultado material antijurídico prescinda de perquirição de elemento subjetivo da autoria
(de modo que o antijurídico poderia se configurar, ainda que ausente o elemento do injusto, e sem
que viesse à baila a ponderação da causa sine qua non ante conduta omissiva que não implique causa
suficiente do resultado antijurídico), apenas porque lesivo de interesse tutelado.

Observação

Sine qua non ou conditio sine qua non é uma expressão latina, traduzida
como “sem a/o qual não pode ser”. Refere-se a uma ação cuja condição ou
ingrediente é indispensável e essencial.

A norma do inciso XXIII do art. 21 da Constituição Federal determina que haverá a responsabilização
por dano ambiental, independentemente de haver culpa. É o que se chama de responsabilidade objetiva.
As excludentes de ilicitude, como o caso fortuito e de força maior, não se aplicam a esse caso porque
o resultado (dano ambiental) é finalístico.

94
INSTITUIÇÕES DE DIREITO

Conforme o art. 393 do Código Civil, o devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso
fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado. Talvez você esteja
curioso para saber no que consiste o caso fortuito ou a força maior. O parágrafo único do supracitado
artigo define que o caso fortuito ou de força maior é aquele que se verifica no fato necessário, cujos
efeitos não é possível evitar ou impedir.

Um exemplo claro dessa responsabilização é o caso do shopping center que foi obrigado a indenizar
clientes atingidos pelo desabamento do teto do estabelecimento. Em primeira e segunda instâncias, o
pedido de indenização foi negado sob o argumento de que o desabamento ocorreu por força maior ou
caso fortuito – fortes chuvas e ventos que atingiram São Paulo naquele dia. Acontece que, em terceira
instância, a ministra relatora do recurso especial, Nancy Andrighi, afirmou que a ocorrência de chuvas,
mesmo fortes, está dentro da margem de previsibilidade em uma cidade como São Paulo. Assim, a
cliente teve a sua indenização garantida.

Sobre a responsabilidade dos agentes públicos, há algo um tanto diferente do que se atua em direito
privado. Pode-se chegar ao disparate de se desprezar mesmo a figura jurídica dos efeitos residuais do
nulo, na sanha de se extremar toda motivação e fundamentação, para se forjar responsabilização objetiva
a pretexto de se lavar os traumas nacionais da inoperância estatal, sem que, de pouco ou de nada, se
passe de uma estipulação de bode expiatório, cujo expurgo purificaria o restante da coletividade – como
se assim se atendesse o binômio eficácia-eficiência de qualquer forma de controle ou de distribuição de
justiça social. Esse tipo de injustiça, em geral, parece gravitar em torno do desprezo à norma do parágrafo
6º do art. 37 da Constituição Federal, que prevê responsabilidade objetiva do Estado frente ao particular,
sem que haja estatuição de responsabilidade objetiva em face do servidor público, mesmo o superior
hierárquico que responde pelo exercício da ascendência hierárquica.

Veja-se a referida norma do parágrafo 6º do art. 37 da Constituição Federal:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes


da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos
princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência
e, também, ao seguinte:

[...].

§ 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras


de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa
qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o
responsável nos casos de dolo ou culpa (Brasil, 1988).

Há de se ter muita cautela, prudência e parcimônia com tudo que possa aparentar responsabilidade
objetiva de servidor público, que inexiste, ademais pretensamente fundada em lesividade presumida,
que, via de regra, é requisito de procedibilidade, isto é, de admissibilidade de ação coletiva cível
desprovida de demonstração cabal do dano – que incumbiria, então, à instrução probatória e jamais
a algum malabarismo retórico em torno de lesividade presumida a pretexto de salvaguarda de
95
Unidade II

erário público e menos ainda de indenização de direito da personalidade de ente público por lesão à
moralidade administrativa.

Contemporaneamente, não se admite vigência do adágio in claris cessat interpretatio, que assim
poderia ser vertido ao nosso idioma: em matérias ou textos claros, descabe perquirir sentido e alcance.
Lembre-se que toda decisão judicial implica criação de uma norma concreta, exercício do poder de
império que o ordenamento jurídico confere à tutela jurisdicional, incidente sobre as partes daquele
processo judicial: boa, simples e suficiente razão pela qual toda e qualquer norma sempre reclama
estipulação de seu sentido e alcance pelo intérprete (matéria de Hermenêutica). Portanto, cabe à
população conhecer seus direitos, reclamar por eles e fazer com que os agentes públicos atendam
a todas as necessidades sociais.

5.3.1 Conceito e requisitos da responsabilidade civil

Responsabilidade é o significado de uma obrigação que alguém tem de assumir com as consequências
jurídicas de sua ação, ou seja, a pessoa possui uma causa que enseja um dever jurídico que lhe sucede.
Vejamos um exemplo simples: uma visita leva para sua casa uma criança, e a criança quebra um
determinado adorno. A visita sabe que a ação cometida pela criança de quebrar o adorno vai ensejar
(além de um óbvio pedido de desculpas) uma reparação no sentido de substituir o bem quebrado.

Assim, para o direito, responsabilidade é uma obrigação derivada – dever jurídico sucessivo –
de assumir as consequências jurídicas de um fato. A responsabilidade civil é a obrigação que pode
determinar que uma pessoa repare o prejuízo causado a outra, por uma ação ou omissão dela, ou por
fato de pessoas ou coisas que dela dependam.

No exemplo dado no parágrafo anterior, há uma obrigação moral contraída pela visita cuja criança
quebrou o adorno, mas não jurídica. É o mesmo que se diz das condutas religiosas morais, cujas
penitências para reparar o dano podem, por exemplo, consistir em jejum, oferendas ou rezas. Note-se
que não há uma coercitividade institucionalizada dentro da norma moral que exija da pessoa jejuar,
ofertar ou rezar.

Existe um ponto comum entre a responsabilidade civil (objeto deste estudo) e a responsabilidade
penal ou criminal. Ambas decorrem de um fato juridicamente qualificado como ilícito ou não desejado
pelo direito, posto que, ao ser praticado, ofende a ordem jurídica. A responsabilidade civil diz respeito ao
dever daquele que comete ato ilícito de indenizar quem sofre o dano, sendo que o Código Civil procura
determinar em que condições uma pessoa pode ser considerada responsável pelo dano sofrido por outra
pessoa e em que medida está obrigada a repará-lo. A reparação do dano é feita por meio de indenização,
que é, em regra, pecuniária, ou seja, em dinheiro. O dano pode ser à integridade física, aos sentimentos
ou aos bens de uma pessoa.

Como a responsabilidade civil decorre de uma agressão, dolosa ou culposa, a um bem juridicamente
tutelado, ela sujeita o infrator ao pagamento de uma contraprestação, caso o agente não consiga
retornar ao status quo ante (estado anterior das coisas). Mas, para a responsabilidade ficar caracterizada,
é necessário que existam os seguintes elementos:
96
INSTITUIÇÕES DE DIREITO

• Conduta: pode ser positiva ou negativa, ou seja, fazer ou deixar de fazer algo.

• Dano: significa a lesão ao bem jurídico tutelado.

• Nexo de causalidade: é a relação entre a conduta do agente e o resultado danoso.

Existem dois tipos de responsabilidade civil: a contratual e a extracontratual (também chamada de


responsabilidade aquiliana).

A responsabilidade contratual decorre do inadimplemento da obrigação prevista no contrato, ou


seja, houve a violação da norma contratual fixada pelas partes. Sua disposição legal está nos art. 389
até o 395 do Código Civil. Uma vez celebrado o contrato, as partes tornam-se responsáveis pelo seu
adimplemento, ou seja, por cumprir aquilo que combinaram. A relação jurídica decorre do contrato
obrigacional existente.

Já a responsabilidade aquiliana ou extracontratual decorre da violação direta de uma norma legal,


regulamentada nos artigos 186 a 188 e 927 e seguintes do Código Civil. Esse tipo de obrigação deriva
da desatenção de algum direito preexistente do ofendido, sem que exista qualquer vínculo. Um exemplo
é um acidente entre veículos automotores.

No entanto, existem outras formas de classificar a responsabilidade civil que não acerca da
contratualidade ou extracontratualidade. Trata-se de observar a culpa do agente, o que será visto no
item a seguir.

5.3.2 Responsabilidade objetiva e subjetiva

A responsabilidade civil também pode ser classificada no tocante ao sujeito, por meio de sua conduta
ao analisar a culpa. Assim, responsabilidade civil subjetiva é aquela em que existe a necessidade de
se demonstrar a culpa da pessoa, que atingiu o resultado lesivo ou por ter agido com negligência,
imprudência ou imperícia. A responsabilidade subjetiva decorre, portanto, do dano causado em função
de ato doloso ou culposo. Vejamos a seguir a diferença entre as três situações:

• Negligência: é a falta de cuidado necessário.

• Imprudência: o agente assume um risco desnecessário.

• Imperícia: é a ausência de habilidade técnica daquele que pratica o ato, mas que em tese deveria ter.

A noção básica da responsabilidade civil subjetiva é o princípio segundo o qual cada um responde
pela própria culpa. Desse modo, é necessário que o autor da ação judicial comprove a culpa do réu.
Em outras palavras, o ônus da prova incumbe a quem o alegar.

Responsabilidade civil objetiva é uma espécie de responsabilidade na qual a ação dolosa ou culposa
é irrelevante juridicamente. Apenas é necessário comprovar o nexo de causalidade entre o dano e a
97
Unidade II

conduta do agente para que surja o dever de indenizar. O Código Civil estabelece a responsabilidade
civil objetiva do transportador caso haja dano com a carga transportada, pouco importando se o
transportador foi cuidadoso ou desleixado no transporte.

Talvez você esteja se perguntando se existe alguma hipótese de a responsabilidade civil objetiva não
ser considerada. A resposta é positiva. Para afastar a responsabilidade civil objetiva, é necessário que o
agente demonstre que a lesão é consequência de caso fortuito ou força maior, de culpa exclusiva da
vítima ou culpa exclusiva de um terceiro. Fora isso, será responsável.

5.3.3 Responsabilidade civil e penal

A responsabilidade pode ser cível e penal, alternativa ou cumulativamente, isto é, a configuração de


uma não exclui a outra, bem como não implica necessariamente a outra. Grosso modo, a responsabilidade
civil implica ilícito civil e responsabilização por meio de procedimento civil, cujo modelo paradigmático
de processualidade pátria é o Código de Processo Civil. Assim, a pessoa pode ser retaliada em razão de
uma conduta reprovável tanto na esfera civil quanto na esfera penal.

Exemplificando essa diferença, podemos ter um único evento do qual irradiam diferentes efeitos
jurídicos. Suponha que você tenha presenciado um atropelamento de um motociclista. A primeira coisa
que se verificará é se existem ou não vítimas, para acudir o direito à vida. Depois, a extensão do dano
material. Nesse caso, é importante salientar que podem existir dois processos diferentes: um de natureza
penal, que vai confirmar ou afastar a intenção do agente no atropelamento, caso haja vítima; e outro
de natureza civil, para apurar quanto é devido.

Ilícito penal, contravenção penal e infração penal são espécies do gênero delito. Ilícitos penais puníveis
como crimes estão estatuídos no Código Penal e em normas penais esparsas, legislação penal especial.
O processo penal é uma espécie do gênero processo sancionador, e o paradigma modelo de processo
sancionador pátrio é o Código de Processo Penal, cuja principiologia rege todo processo sancionador,
mesmo em âmbito administrativo sancionador.

A responsabilidade penal diz mais respeito ao dever violado, uma vez que pressupõe violação de
norma cogente de ordem pública, para além de normas privadas dispositivas fundadas na autonomia da
vontade privada. O prisma iuris é sempre o exercício da liberdade e da capacidade de se autodeterminar.

Em torno do elemento subjetivo em direito sancionador, perquire-se juízo de autorreprovabilidade da


conduta e freios inibitórios, para além de motivação e presença de intenção deliberadamente consciente
de prejudicar ou de alcançar resultado proibido: vasto campo da autoria do ilícito, que se perquire no
cotejo da materialidade delitiva – o resultado lesivo concreto, a materialidade. Em outras palavras, é
necessário que a pessoa conheça o delito e deseje praticá-lo, mesmo quando sua moral o determinar
em sentido contrário. É por isso que existe a diferença entre dolo e culpa.

5.3.4 Reparação do dano

A responsabilidade pode ser cível, criminal e administrativa. Uma não exclui outra, tampouco uma
acarreta necessariamente outra. Um ilícito (ou conduta) pode perfazer, alternativa ou cumulativamente,

98
INSTITUIÇÕES DE DIREITO

mais de uma categoria de ilícito; por exemplo, uma conduta ilícita que acarrete condenação penal do
autor do ilícito, cumulada com responsabilização cível de se indenizar a vítima.

A reparabilidade pode ser consensual, voluntária (como a mediação e a conciliação) ou litigiosa.


É litigiosa se obtida por meio de ação judicial ou de arbitragem. A tônica recai no direito potestativo,
que diz respeito à faculdade de o interessado exigir a observância compulsória de seu direito lesado: se
a providência é pleiteada em procedimento litigioso, tem-se a lide, isto é, pretensão resistida. Ou seja,
um interessado invoca a tutela jurisdicional (ou por meio de procedimento de arbitragem) para que o
poder judiciário diga qual o direito aplicável.

Tem-se, assim, na relação processual: o polo ativo (parte autora), que exerce direito de ação em
razão de seu direito potestativo de invocar a tutela jurisdicional ante um direito material lesado; e o
polo passivo, ao qual é oportunizada a ciência do processo para que possa exercer seu direito de se opor
à pretensão do autor da ação. É por isso que o processo implica pretensão resistida. O autor pretende a
tutela e, portanto, pede procedência de seu mérito, e o réu, oportunizada a ciência, contesta para se
opor à pretensão do autor.

A ideia de responsabilidade penal é que o agente infringe norma penal de direito público – o interesse
lesado é da sociedade como um todo, na reponsabilidade civil; o interesse diretamente lesado é de
cunho privado. Aí o interessado pode ou não pleitear uma reparação desse dano.

O importante é que a responsabilização penal é pessoal e intransferível, podendo responder o réu,


inclusive com sua liberdade, e ela não passa da pessoa do condenado maior de 18 anos.

Dano material e dano moral

Grosso modo, dano material é aquele que não apresenta muita dificuldade na mensuração de
sua extensão e, portanto, na sua liquidação ou solução em pecúnia, para que se obtenha o retorno
ao status quo ante (tornar indene, reverter ao estado anterior, que pressupõe mensurabilidade do
equivalente em pecúnia).

O dano moral diz respeito ao campo do imaterial e, mais notadamente, aos direitos da personalidade.
Por não ter índole material, tanto sua reversibilidade quanto a mensurabilidade de sua extensão para
arbitramento de seu equivalente em pecúnia (estipulação do quantum indenizatório) são mais delicadas:
exatamente por não importar a discussão sobre reversibilidade, diz-se compensar mais do que se diz
indenizar. Tal qual o dano ambiental irreversível que se compensa, a lesão a direito da personalidade, a
exemplo de dor ou abalo psicológico, se compensa. A dor, o sofrimento e o abalo psicológico podem ser
presumidos (dano in re ipsa) em razão da natureza do abalo e sempre mediante perquirição do elemento
antijurídico ou injusto de uma conduta ilícita ou abusiva.

O dano moral pode se dar in re ipsa, isto é, independentemente de comprovação ou demonstração


de dor, sofrimento ou abalo psicológico, o que implica matéria de dever de informação suficiente,
ou seja, clara e transparente, em matéria de tráfego de bens da vida, mais notadamente em matéria
de direito do consumidor. Contudo, exige-se demonstração do liame ou nexo causal, bem como da
99
Unidade II

antijuridicidade da conduta comissiva ou omissiva. Há situações concretas que ensejam ponderação de


pletora de singularidades do caso concreto (por exemplo, a figura do dano estético indenizável).

5.4 Contratos

Destaca-se no Código Civil de 2002, como eixo teleológico (fundamento mais finalidade), o seu
art. 421, segundo o qual “a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função
social do contrato”, a reboque da Constituição Federal de 1988, firme na soberania popular e, pois, na
liberdade individual, liberdade civil. O Poder Constituinte assentou nos incisos XXII e XXIII do art. 5º da
Constituição Federal que o “direito de propriedade atenderá a sua função social” (haja vista o art. 3º que
rege a própria Constituição Federal em razão da soberania popular).

São importantes as lições de Dromi (2007) para aclarar a relação entre o direito contratual e a
natureza humana. De um ponto de vista filosófico, todos os direitos fundamentais preexistem. Antes de
ser proprietários, somos um ser humano; antes de ter direito à indústria e ao comércio, temos direito à
vida e à não discriminação. A vida é a liberdade respeitada (Dromi, 2007).

O assentamento das avenças em um plano transindividual não implicaria diminuição de garantia


para os contratantes porque não se aviltaria o princípio de que o pactuado – ou contraído; contrair-se
direitos e obrigações, atributo que adere ao respectivo sujeito contratual; posição, situação, vínculo,
próprios do liame contratual – deve ser adimplido, tanto que o adágio romano pacta sunt servanda
permanece como princípio geral do direito primaz em direito das obrigações e, pois, em matéria de
obrigações contratuais.

Tanto é assim que o art. 422 do Código Civil diz que “os contratantes são obrigados a guardar, assim
na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé” (Brasil, 2002a).

Probidade é uma das categorias morais dos romanos, tal qual o decoro, a honestidade, entre outras.
O vocábulo “probidade” abrange todo o campo semântico do agir honesto e legítimo, isto é, da boa-fé,
que envolve o agir legítimo e conforme a respectiva vontade manifestamente declarada, até porque a
essência ou substância do ato prevalece sobre a forma. Recorde-se que a bona fides não é atributo do
sujeito do enunciado nem da enunciação (há muito já se foram os tempos das Ordálias, nas quais o
critério de verdade esteve atrelado ao valor social do sujeito que declarava ou jurava), ao passo que a
bona fides se perquire no cotejo da proporcional correspondência entre a vontade manifesta e o bem da
vida ou prestação almejados, na medida em que é vedado o abuso de direito.

Em direito público, o cotejo da motivação, finalidade e fundamentação do ato pode implicar desvio
de objeto, de finalidade ou de poder, porque perquirida a bona fides, mediante exame judicial do mérito
administrativo, ainda que discricionário; por exemplo, a figura da lesividade presumida da lei da ação
popular, que é norma autorizativa de procedibilidade, isto é, de admissibilidade e processamento, de
ação judicial ante lesividade presumida que importa perquirição de justo motivo de ato ou contrato
administrativo. Vê-se, pois, que o direito sempre opera de modo lógico-sistêmico porque visa estabilizar
a pacificação social, premissa de todo e qualquer tráfego de bens da vida.

100
INSTITUIÇÕES DE DIREITO

Recordemos que a propriedade privada foi cara aos ideais humanistas da soberania popular
justamente porque o povo reclamou sua soberania contra a usurpação da soberania popular pelo
soberano absolutista, que, até então, se entendia ou se pretendia soberano. O soberano era o titular de
toda a terra, de todo o território da nação, e escolhia, entre a nobreza, quem receberia a concessão para
explorar aquela terra.

É importante lembrar que o servo era servo da gleba e não propriamente servo do senhor feudal. Por
isso, não se poderia angariar a titularidade nem da terra, bem de raiz, nem sequer do excedente produtivo,
que era angariado, tal qual tributo, inclusive não apenas em pecúnia, mas também em gêneros in natura,
para se sustentar a cavalaria, que era a força militar mantida pela nobreza para proteger contra invasões
e saques os principados e, mais propriamente, proteger a soberania do monarca. Trata‑se da afirmação
da soberania popular atrelada à afirmação da prevalência do valor social do trabalho, inclusive como
fundamento de mobilidade social (o status de cidadão definia a situação do sujeito, e não o estamento
social ao qual pertencesse), em razão da igualdade e da isonomia. A cidadania é indissociável das
categorias liberdade e igualdade. A isonomia impõe equiparação e justiça social para que a liberdade
garanta a igualdade e assim se perfaça a cidadania: daí a soberania popular.

O imperativo da função social do contrato veda condutas ou posições abusivas, que impliquem lesão
ou risco de lesão ao ordenamento jurídico, haja vista o art. 187 do Código Civil: “também comete ato
ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim
econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes” (Brasil, 2002a).

O contrato e seu adimplemento devem atentar-se tão somente aos interesses das partes que os
estipulam, porque a existência do contrato pressupõe (porque é da finalidade do contrato e, pois,
fundamento de existência do contrato) sua função social inerente ao poder negocial para tráfego de
bens da vida e, portanto, toda assunção de vínculos e posições para os sujeitos contratuais.

Assim é que, como fonte de direito constitucionalizada do direito privado, o parágrafo 4º do art. 173
da Constituição Federal de 1988 não admite negócio jurídico que implique abuso do poder econômico
que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros.

Quando se extrapolam, por exemplo, os usos e costumes da praça (usos e costumes são fontes do
direito, além de mecanismo integrador da norma, sobretudo em matéria de direito negocial, pauta do tráfego
de bens da vida) negocial ou do normal e proporcional objetivo das avenças, o poder judiciário não se
restringe à apreciação dos alegados direitos dos contratantes porque coteja tanto os valores sociais em
jogo quanto a proporcional correspondência à vontade manifestamente declarada.

Observação

Vontade é elemento subjetivo, e interesse é elemento objetivo. Então,


a vontade manifestamente declarada perfaz o interesse objetivo; subjetiva
é a posição do sujeito, e objetivo é o seu interesse versado por meio da
vontade manifestamente declarada.
101
Unidade II

Todo contrato pressupõe sua causação, o que atravessa desde a vontade formativa anterior até
o próprio contrato, bem como a vontade manifestamente declarada, e é, pois, o prisma do adimplemento
(a exemplo da figura do adimplemento substancial e de efeito residual do nulo indenizável, que prescinde
de convalidação porque opera conversão do ato, tal qual a conversão da remuneração em indenização
mediante adimplemento ou lesão, prejuízo) por parte de particular sujeito de contratação nula com
o poder público. A vedação de enriquecimento sem causa (princípio geral de direito, também conhecido
como vedação do enriquecimento ilícito) prevalece sobre qualquer pauta de risco e de prevalência de
interesse público, uma vez que o mínimo ético exigível do interesse público primário prevalece sobre
todo interesse público secundário, compreendido como interesse de meio (em geral pecuniário), e não
de fim, da administração pública.

A sociabilidade, caráter humano precípuo, fundadora do próprio Estado, impõe a prevalência da


boa-fé para que a pacificação social permita livre tráfego de bens da vida por meio do direito negocial e
contratual, bem como do direito obrigacional: daí o sentido e alcance da segurança jurídica que modaliza
o princípio geral, segundo o qual as avenças devem ser cumpridas, pacta sunt servanda, justamente
para que a causação que atravessa a vontade formadora do vínculo negocial – que define a situação
jurídica do sujeito contratual – se perquire ao lúmen da função social do contrato e, assim, dos usos e
costumes da praça, bem como à luz do cotejo da situação pessoal do sujeito contratante, respeitando‑se
a equidade, a proporcionalidade, a paridade de armas, a vedação do excesso, entre outros princípios
gerais do direito.

Guarde-se esta lição: a função social do contrato não amesquinha nem colide com as livres avenças,
nem com o exercício da autonomia privada, mas antes lhes assegura efetiva validade e eficácia, até
porque o princípio do pacta sunt servanda não desatende a prevalência da essência do ato sobre a
forma e, pois, a perquirição da proporcionalidade no cotejo da finalidade (tudo pauta, sempre, da boa‑fé).
A função social do contrato é a garantidora de que os contratos serão cumpridos ou adimplidos. Não
é antinômica à segurança jurídica; é, pelo contrário, sua fonte de eficácia-eficiência (capacidade ou
potência de produção de efeito).

5.4.1 Garantias contratuais

As garantias contratuais têm por lastro o vínculo jurídico negocial contratual (art. 104 do Código
Civil de 2002), cujo adimplemento obrigado pela vontade manifestamente declarada deve cotejar o
art. 412 do Código Civil, vértice de equidade (justamente para tutela dessa principiologia, o direito
admite a revisão contratual com base, por exemplo, na teoria da base objetiva, entre outras). Por não ser
absoluta a liberdade de contratar, o próprio lastro de garantias deve observar a preservação da relação
de equivalências.

Destacam-se os direitos reais de garantia: hipoteca, penhor e anticrese. Esses direitos podem lastrear
averbação de ônus real em sede de registro público, que obsta livre disposição de bens patrimoniais.

A propriedade fiduciária (de fidúcia, no sentido de certeza, confiança, segurança) diz respeito ao
lastro de garantia (art. 1.361 ao art. 1.368 do Código Civil). Note-se, ademais, as disposições gerais do
art. 1.419 ao art. 1.510 do Código Civil incidentes sobre matéria garantia.
102
INSTITUIÇÕES DE DIREITO

Também outras formas de garantia podem ser livremente estipuladas por meio de cláusulas acessórias
livremente pactuadas que obedeçam à principiologia que parte do art. 3º e alcança a principiologia da
norma geral do art. 412 do Código Civil, vértice de equidade.

5.4.2 Confissão de dívida

A assunção de dívida está disciplinada no art. 299 ao art. 303 do Código Civil de 2002, a exemplo
de um mero termo de confissão ou assunção de dívida por meio do qual um sujeito capaz opera ato
formativo de direito do credor.

Veja que a pauta recai, aqui, sobre a declaração do devedor, mais do que sobre a manifestação
de vontade do credor; eis que preexistente o débito ou a dívida, em razão de algum vínculo jurídico
que implicasse situação ou posição de devedor a algum sujeito que, então, assume (e assim o declara
manifestamente) sua posição subjetiva de devedor, reconhecendo, pois, a dívida. Para uma situação
jurídica qualquer na qual um eventual sujeito devedor recusasse assunção de sua dívida, o credor poderia
invocar a tutela jurisdicional para que o poder judiciário declarasse a existência do débito, mediante
exame de mérito da causa de pedir, a causa petendi (em direito, causa petendi e pedido definem a
natureza ou qualidade da ação ou o rito processual, jamais uma ou outra nomenclatura ou nomen iuris).

Importa, ainda, notar-se o inciso III do art. 333 do Código Civil:

Art. 333. Ao credor assistirá o direito de cobrar a dívida antes de vencido o


prazo estipulado no contrato ou marcado neste Código:

III - se cessarem, ou se se tornarem insuficientes, as garantias do débito,


fidejussórias, ou reais, e o devedor, intimado, se negar a reforçá-las
(Brasil, 2002a).

5.4.3 Teoria da imprevisão

Se o sujeito é capaz e livre para encetar negócio jurídico dentro da vida civil, é, portanto, responsável
pelos atos praticados, bem como pelo adimplemento de seus contratos, haja vista o lastro de sua bona
fides, a boa-fé, que sempre se presume, ao passo que a má-fé, assim como o dolo, sempre deve ser
comprovada (dolo compreende a vontade consciente e deliberada de obter proveito indevido ou de
obter resultado proibido mediante conduta ilícita, campo do elemento subjetivo).

A sociabilidade reclama pacificação social para segurança jurídica no tráfego dos bens da vida.
Ao mesmo tempo que a vontade manifestamente declarada vincula o sujeito, sabe-se que a vontade é livre.
Da vontade livre e do livre arbítrio decorre a prevalência da dignidade da vida humana (invariante axiológica
prevalente), de modo que a vinculação da vontade é sempre relativa (art. 421 e art. 422 do Código Civil).

A vontade dos agentes em sede de direito civil é tão valiosa que o contrato pode ser rompido mediante
cumprimento da chamada cláusula penal de estipulação facultativa. Embora o nome “cláusula penal de
estipulação facultativa” dê ideia de sanção ou penalidade, na verdade trata-se de figura civil, que é
103
Unidade II

livre dispositiva: incide se expressamente prevista, cláusula acessória (para além de demais eventuais
consequentes jurídicos, como a solução em perdas e danos acrescida de indenização).

Trata-se, pois, da tutela da vontade livre sob a égide do princípio geral do pacta sunt servanda, bem
como da prevalência da função do contrato, corolário da autonomia da vontade privada (liberdade
civil). Essa pauta recai na norma geral do art. 412 do Código Civil, vértice de equidade. A prevalência do
interesse público primário é outro princípio que relativiza a autonomia da vontade primária. Justamente
para tutela dessa principiologia, o direito admite expressamente a revisão contratual diante da alteração
superveniente das circunstâncias que deram origem ao negócio jurídico (teoria da imprevisão, teoria da
base objetiva, entre outras).

Ademais, o princípio da autonomia da vontade confere aos contratantes ampla liberdade para
estipular o que lhes convenha, desde que preservada a moral, a ordem pública e os bons costumes,
valores que não podem ser derrogados pelas partes. Eis que soem ser ponderados sempre à luz do ato
e do sujeito, para além de eventuais circunstâncias pessoais que possam importar à soberania do non
liquet: a indeclinabilidade da tutela jurisdicional, compreendido o livre acesso à tutela jurisdicional,
que empunha o poder de império com seu poder geral de cautela, sua autoexecutoriedade por meio da
titularidade da violência legitimada – o poder coercitivo de fazer-se cumprir compulsoriamente a iuris
dicere (pode-se dizer o direito), a exemplo da condução coercitiva debaixo de vara.

Em Roma, os pretores portavam ramos de varas (empunhadura, titularidade) da autoexecutoriedade


do poder de império (ínsita ao poder geral de cautela). O Estado não desconhece o uso da força. Lembremos
que o titular soberano do poder de império, no estado democrático de direito, é única e exclusivamente
o poder judiciário. Na França, Benjamin Constant havia proposto que se erigisse um quarto poder, um
poder moderador, que conciliasse os poderes legislativo, executivo e judiciário, desempenhado pelo
monarca. Prevaleceu a tripartição dos poderes, tão cara a Montesquieu.

Desse modo, a intervenção do poder judiciário nos contratos, à luz da teoria da imprevisão e da teoria
da onerosidade excessiva, exige a demonstração de mudanças supervenientes das circunstâncias iniciais
vigentes à época da realização do negócio, oriundas de evento imprevisível (teoria da imprevisão) e de
evento imprevisível e extraordinário (teoria da onerosidade excessiva), que comprometam o valor da
prestação, demandando tutela jurisdicional específica (arts. 317, 478 e 479 do Código Civil).

É pressuposta da aplicação das referidas teorias (arts. 317 e 478 do Código Civil) a existência de um
fato imprevisível em contrato de execução diferida, que imponha consequências indesejáveis e onerosas
para um dos contratantes – o que sempre enseja se ponderar se a sinistralidade ou anômalo poderia ser
prevista, evitada, resistida, respeitados o dever geral de cuidado, o princípio geral da confiança, a boa-fé,
entre outros.

Quanto à imprevisibilidade, tem-se o seguinte exemplo: não se admite imprevisível a onerosidade


decorrente de convenção coletiva de trabalho, haja vista sua própria previsibilidade, a reboque do art. 114,
§ 2º, da Constituição Federal. A jurisprudência examina com cautela e parcimônia as pautas da teoria da
imprevisão que versem sobre variações monetárias e cambiárias, em razão da respectiva principiologia
regente. Tenhamos em mente que o exercício da livre iniciativa econômica e da livre concorrência que
104
INSTITUIÇÕES DE DIREITO

fundamenta o exercício de sociedade empresária pressupõe o risco do negócio, motivo pelo qual se
converte receita excedente em lucro para ser distribuído entre os sócios. Portanto, o risco, em princípio,
é da livre empresa.

6 DIREITO DO CONSUMIDOR

6.1 Noções introdutórias de direito do consumidor

Este tópico tem o objetivo de viabilizar a identificação de uma relação de consumo (ou consumerista)
e ponderar o escopo de norma cogente indisponível da norma consumerista, que tutela tanto o
consumidor individualmente situado quanto o consumidor em termos de sujeito difuso público e
indeterminado, o que repercute em matéria de riscos, deveres, responsabilidades, inclusive quanto ao
dever de veracidade, de lealdade e de suficiência de informação, ou seja, tudo que atravessa a pauta de
práticas abusivas.

O direito do consumidor é o ramo do direito que visa equilibrar as relações comerciais que são
resultantes do consumo de bens e serviços na sociedade, buscando preservar os interesses dos
consumidores, que são considerados hipossuficientes (geralmente, a parte mais fraca nesse tipo de relação).
Não é por outro motivo que a principal lei que trata dessas regras denomina-se Código de Defesa do
Consumidor (CDC), Lei n. 8.078 (Brasil, 1990b), que, já no seu título, traz explicitamente a ideia de que os
consumidores precisam de defesa. Também é possível dizer que os consumidores precisam de proteção.

Figura 22

Disponível em: https://ury1.com/ZSs5y. Acesso em: 1º set. 2023.

Em seu artigo 5º, inciso XXXII, a CF inclui a defesa do consumidor no rol dos direitos fundamentais
e impõe ao Estado o dever de promover a defesa dos consumidores. Portanto, o CDC é a consequência
legislativa do cumprimento desse mandamento constitucional.

Mas você sabe de onde vem essa história de proteger o consumidor? Vejamos um exemplo simples
do fabricante de bolsas para viagem. Antigamente, para possuir uma bolsa de viagem, era necessário
mandar fazer uma. Assim, todos os elementos da compra, como material, forma de elaboração, preço e
105
Unidade II

prazo, eram discutidos diretamente com o fabricante artesanal da bolsa. O mesmo ocorria com sapatos,
roupas, máquinas etc. Essa fase do consumo foi marcada por aquilo que os doutrinadores consumeristas
chamaram de bilateralidade na produção. Porém, com a evolução e a avidez das pessoas para consumir,
aos poucos, esse trabalho da negociação foi desaparecendo e sendo substituído pela decisão apenas
do fabricante, que oferecia o seu produto já pronto, não dando chances para o consumidor questionar
ou decidir sobre o produto a consumir. Desse modo, caberia ao consumidor apenas duas hipóteses:
aderir ao contrato previamente elaborado pelo fornecedor (contrato de adesão); ou adquirir o produto
confeccionado com material de origem e qualidade desconhecidos na maioria das vezes.

Torna-se óbvio, então, o desequilíbrio da relação de consumo. O fornecedor passa a prezar pela
quantidade em detrimento da qualidade, e, portanto, o consumidor depara se com produtos muitas
vezes viciados ou portadores de defeitos, que podem causar prejuízos de ordem econômica ou até
mesmo física.

As principais regras que visam à defesa e à proteção efetiva dos consumidores foram elaboradas
pela Organização das Nações Unidas (ONU), por meio da Resolução n. 39/248, de 10 de abril de 1985
(United Nations, 1985), inspirada na DDC, promulgada pelo Presidente John Fitzgerald Kennedy em
15 de março de 1962 nos Estados Unidos. A Declaração trazia quatro pontos principais, conforme
podemos ver na figura a seguir:

Direito à informação, Direito à opção, no combate


incluindo os aspectos aos monopólios e oligopólios
gerais da propaganda e e na defesa da concorrência
o da obrigatoriedade do e da competitividade
fornecimento de informações como fatores favoráveis ao
sobre os produtos e sua consumidor
utilização

Direito à segurança Declaração Direito a ser ouvido na


ou proteção contra a dos direitos do elaboração das políticas
comercialização de produtos consumidor públicas que sejam de seu
perigosos à saúde e à vida interesse

Figura 23 – Declaração dos Direitos do Consumidor (Estados Unidos, 1962)

Os fundamentos apresentados por John Fitzgerald Kennedy permanecem presentes na Resolução


39/248 (UNITED NATIONS, 1985) e, portanto, fazem parte do ordenamento jurídico brasileiro, uma vez
que o Brasil assinou tratados na ONU assumindo o compromisso de criar legislações internas que visem à
proteção da relação de consumo. Essa ação trouxe para a CF de 1988, nos termos do art. 5º, inciso XXXII,
do art. 24, inciso VIII, do art. 150, parágrafo 5º, e do art. 170, inciso V, a determinação da criação dessa
norma, que se materializou pelo CDC (Brasil, 1990b).

Desse modo, fica evidente que o CDC tem um caráter social, uma vez que visa defender, organizar e
educar a sociedade. Assim explicam Marques e Cavallazzi:

106
INSTITUIÇÕES DE DIREITO

O Código de Defesa do Consumidor constitui verdadeiramente uma lei


de função social, lei de ordem pública econômica, de origem claramente
constitucional. A entrada em vigor de uma lei de função social traz como
consequência modificações profundas nas relações jurídicas relevantes na
sociedade (Marques; Cavallazzi, 2006, p. 61).

Como você pode perceber, o direito do consumidor destina-se a proteger uma parte que é
considerada hipossuficiente, porque não decide mais quais são todas as características e qualidades dos
bens, produtos ou serviços que consome. Assim, para equilibrar a relação, é necessário que existam leis
que obriguem a parte mais forte da relação de consumo a informar, proteger, ouvir e, acima de tudo,
proporcionar ao consumidor o direito de escolha.

Antes de adentrar nos conceitos pertinentes ao direito do consumidor, importa esclarecer a relação
jurídica existente na relação de consumo. O CDC (Brasil, 1990b) qualificará a relação de consumo quando
nas partes figurarem um consumidor e um fornecedor.

As partes são definidas assim:

Consumidor Fornecedor

Adquirente de um Vendedor de um
produto ou serviço produto ou serviço

Figura 24

A relação de consumo pode ser efetiva, quando se concretiza de fato (por exemplo, a compra e a
venda de uma geladeira), ou potencial, quando há a divulgação do produto ou serviço (por exemplo,
a propaganda). Portanto, para termos uma relação de consumo, nos termos do CDC, não é necessário
que o fornecedor concretamente venda bens ou preste serviço; basta que, mediante oferta, coloque os
bens à disposição de consumidores potenciais.

6.2 Conceito de consumidor

É importante saber que nem toda relação comercial se configura numa relação de consumo. Todavia,
sempre que a relação comercial envolver um fornecedor e um consumidor, estará configurada a relação
jurídica de consumo regulada pelo CDC. Portanto, você precisa entender os conceitos de consumidor e
fornecedor à luz do CDC, para que seja capaz de reconhecer uma relação de consumo.

Tanto pessoas físicas quanto pessoas jurídicas podem ser consumidoras. A condição essencial para
que se configure uma relação de consumo é que o comprador adquira o produto ou utilize o serviço
como destinatário final, conforme estabelece o artigo 2º do CDC (Brasil, 1990b).
107
Unidade II

O conceito legal de destinatário final se relaciona com a intenção de uso do produto ou consumo
final do serviço, ou seja, quando não se pretende adquirir o bem para revenda ou uso profissional. Ao
contrário, o bem é retirado do mercado, pois o consumidor final esgota a sua potencialidade comercial
através do consumo final; com a utilização do bem, coloca fim na cadeia de produção ou na cadeia de
serviços, pois o consumidor final é aquele que utiliza o bem em benefício próprio. Portanto, sempre que
o produto ou o serviço for destinado ao consumo final, serão aplicadas as regras do CDC.

Em comentário ao parágrafo único do art. 2º do CDC, enuncia José Geraldo Brito Filomeno:

O parágrafo único do comentado art. 2º, porém, trata não mais daquele
determinado e individualmente considerado consumidor, mas sim de uma
coletividade de consumidores, sobretudo quando indeterminados e que
tenham intervindo em dada relação de consumo. [...] Desta forma, além dos
aspectos já tratados em passos anteriores, o que se tem em mira no parágrafo
único do art. 2º do Código do Consumidor é a universalidade, conjunto de
consumidores de produtos e serviços, ou mesmo grupo, classe ou categoria
deles, e desde que relacionados a um determinado produto ou serviço,
perspectiva essa extremamente relevante e realista, porquanto é natural que se
previna, por exemplo, o consumo de produtos ou serviços perigosos ou então
nocivos, beneficiando-se, assim, abstratamente as referidas universalidades e
categorias de potenciais consumidores (Filomeno, 2004, p. 38).

Você sabia que o dia mundial dos direitos do consumidor foi instituído no dia 15 de março em
homenagem ao presidente Kennedy? A data foi escolhida porque foi em 15 de março de 1983 que
começou a vigorar a Declaração dos Direitos do Consumidor e, em 1985, a Assembleia Geral da ONU
adotou os direitos do consumidor como diretrizes das Nações Unidas, o que lhe deu legitimidade e
reconhecimento internacional.

6.3 Conceito de fornecedor

Fornecedor, em sentido amplo, é alguém que abastece com regularidade outrem com algum
produto. São exemplos os fornecedores de farinha de trigo para a padarias, de energia elétrica, gás
encanado ou internet. Contudo, a definição de fornecedor dada pelo CDC, em seu artigo 3º, é muito
vasta. Isso porque o CDC estabelece que fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou
privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados que desenvolvem atividade
de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição
ou comercialização de produtos ou prestação de serviços. Portanto, o CDC busca englobar todas as
pessoas capazes de fornecer produtos e serviços e de prestar serviços.

Desse modo, podem ser considerados como fornecedores reais os fabricantes, os produtores e
os construtores:

• Fabricante: quem fabrica e coloca o produto no mercado, incluindo o montador e o fabricante


de peça ou componente.
108
INSTITUIÇÕES DE DIREITO

• Produtor: quem coloca no mercado produtos não industrializados (in natura), de origem animal
ou vegetal (carnes, frutas, legumes etc.).

• Construtor: quem introduz produtos imobiliários (casa, apartamento, terreno etc.), respondendo
pela construção, bem como pelo material empregado na obra.

O fornecedor presumido é o importador do produto industrializado ou in natura; os fabricantes ou


produtores estão no exterior.

O fornecedor aparente, também chamado de quase fornecedor, é quem coloca seu nome ou sua
marca no produto final. Nesse caso, aplica-se a teoria da aparência, que se justifica pela apropriação que
a empresa distribuidora faz do produto. Por exemplo: na franquia, o franqueador, titular da marca, é o
fornecedor aparente. O concessionário franqueado tem responsabilidade solidária. Já o comerciante e
os demais participantes do ciclo produtivo e distributivo são também considerados fornecedores, sendo
responsáveis solidariamente. São exemplos os supermercados, as lojas varejistas, as distribuidoras de
bebidas etc.

Mas você sabe o que são produtos ou serviços para o direito do consumidor? O CDC traz a informação
no artigo 3º, que fixa que “produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial” e “serviço
é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração”. Merecem destaque
dois tipos de serviços, sendo que o primeiro (citação a seguir) se enquadra na relação de consumo, e o
segundo (citação adiante) não:

Os serviços de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária estão


enquadrados nas relações de consumo. Portanto, por exemplo, surgindo
uma ação judicial entre uma pessoa física e um banco, o CDC será aplicado
nessa ação judicial. No passado, os bancos defendiam que o CDC não deveria
ser aplicado nas suas relações com os clientes, pois os produtos e serviços
bancários (crédito – dinheiro) obtidos pelos seus clientes eram utilizados na
aquisição de outros bens e serviços, portanto, não se caracterizavam pelo
consumo final. Essa tese foi totalmente afastada pelo Superior Tribunal
de Justiça, que, na sua Súmula 297 (resumo do entendimento do Tribunal
acerca de um determinado assunto), entendeu que ‘o Código de Defesa do
Consumidor é aplicável às instituições financeiras’. Mesmo antes da edição
da Súmula 297 do STJ em 2004, já havia nos tribunais superiores precedentes
apontando para o reconhecimento da relação de consumo na prestação de
serviços financeiros (STJ, 1995, p. 15524).

O exemplo a seguir resume claramente o que tratamos:

Os bancos, como prestadores de serviços especialmente contemplados no


artigo 3º, parágrafo segundo, estão submetidos às disposições do Código
de Defesa do Consumidor. O recorrente, como instituição bancária, está
submetido às disposições do Código de Defesa do Consumidor, não porque
109
Unidade II

ele seja fornecedor de um produto, mas porque presta um serviço consumido


pelo cliente, que é o consumidor final desses serviços, e seus direitos devem
ser igualmente protegidos como o de qualquer outro, especialmente porque
nas relações bancárias há difusa utilização de contratos de massa e onde,
com mais evidência, surge a desigualdade de forças e a vulnerabilidade do
usuário. A circunstância de o usuário dispor do bem recebido através da
operação bancária, transferindo-o a terceiros, em pagamento de outros
bens ou serviços, não o descaracteriza como consumidor final dos serviços
prestados pelo banco (STJ, 1995, p. 15524).

Tais serviços, descritos na citação anterior, são decorrentes das relações de caráter trabalhista,
especialmente aquelas formais baseadas na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Por isso, essas
relações não se caracterizam como relação de consumo e não são regidas pelo CDC.

A figura a seguir destaca o fluxo de negociação na cadeia de fornecimento moveleira. São


apresentadas as transações comerciais desde o fornecedor de matéria-prima para a indústria moveleira
até o consumidor final.
Venda de matéria-prima Comércio de varejo
econômicos

Consumidor (pessoa
Agentes

Empresa fornecedora Marcenaria Loja de varejo que compra móveis


para fabricação de (fabricante de móveis) (vendedor de móveis) para uso na sua
móveis (1) (2) (3) residência ou empresa)

Atacado - revenda
Madeira Verniz
Produtos

Cola Dobradiças Móveis Móveis Móveis


industrializados industrializados industrializados
Embalagem Ferramentas
na relação
comercial

Aplicação do
aplicável

Aplicação do direito comum


Código de Defesa do
Lei

Código Civil brasileiro


Consumidor

Figura 25 – Fornecedor-consumidor-bem

A figura anterior mostra três transações comerciais. Vamos classificar os agentes econômicos à luz
do CDC, identificando a lei aplicável nas respectivas relações comerciais e apontando, em decorrência
disso, se caracterizam relações de consumo ou não.

Na primeira relação comercial, o negócio ocorre entre uma empresa fornecedora de insumos para
indústria moveleira e uma marcenaria – portanto, uma empresa fabricante de móveis. Não há dúvida
de que não se trata de uma relação de consumo, pois a marcenaria pode ser caracterizada como
consumidor final, na medida em que a compra dos produtos (matéria-prima: madeira, verniz, cola,
110
INSTITUIÇÕES DE DIREITO

dobradiças, embalagens, ferramentas etc.) é feita com o objetivo de produzir os móveis para venda ao
mercado atacadista. Caso haja divergências entre o fornecedor e a marcenaria, serão resolvidas à luz do
Código Civil brasileiro.

Na segunda transação, o negócio ocorre entre a marcenaria e uma loja de varejo. Também não
há que se cogitar sobre relação de consumo nesse tipo de transação, mesmo já envolvendo móveis
industrializados, isto é, prontos para o uso, pois a aquisição das mercadorias (móveis industrializados) se
destina à revenda no mercado varejista, e não ao uso próprio. Havendo um contencioso nessa relação
comercial, será aplicado também o Código Civil brasileiro.

Somente a terceira venda se dá no comércio varejista, quando a loja de móveis efetua uma venda,
na hipótese proposta pelo exemplo retratado na figura em análise para o consumidor final, seja pessoa
física ou jurídica, que tem a intenção de utilizar o bem na sua residência ou na empresa. Portanto,
somente nessa última etapa é que há a inequívoca caracterização da relação de consumo.

6.4 Política nacional de consumo

A política nacional de relações de consumo tem como objetivo central atender aos princípios e
direitos básicos previstos na CF de 1988.

Lembrete

As relações de consumo devem ser honestas, de boa-fé e preservar o


princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.

Está previsto no caput do art. 4º do CDC:

Art. 4º. A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o
atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade,
saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da
sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações
de consumo, atendidos os seguintes princípios [...] (Brasil, 1990b).

Em outras palavras, a política nacional de relações de consumo visa garantir que a pessoa humana
tenha condições mínimas de ter uma vida segura, com atendimento das necessidades básicas,
inclusive o respeito.

A proteção à vida, à saúde e à segurança é um dos princípios da relação de consumo. Para Rizzato
Nunes (2013, p. 176), “proteção à vida, saúde e segurança são direitos que nascem atrelados ao princípio
maior da dignidade, uma vez que, como dissemos, a dignidade da pessoa humana pressupõe um piso
vital mínimo”. Quando estudamos o CDC, temos de reconhecer os documentos como um conjunto: um
artigo complementa o outro. Assim, a ideia de proteção à vida ocorre no sentido mais amplo; são os
aspectos materiais, psicológicos e morais. Quando pensamos em dignidade, temos de visualizar a vida
com as suas necessidades essenciais atendidas. Algumas dessas necessidades são descritas a seguir.
111
Unidade II

Proteção e necessidade

O CDC nasceu com caráter protecionista e de interesse social, tendo em vista o desequilíbrio econômico
entre os fornecedores e os consumidores. Esse desequilíbrio se torna ainda maior em algumas situações,
como nos casos de medicamentos, alimentos, energia elétrica, água, esgoto, entre outros. Proteger os
consumidores nessas relações é garantir a sua existência com dignidade.

Transparência

A transparência representa a obrigação de o fornecedor dar informações claras e objetivas sobre


o produto ou serviço, fornecendo todos os esclarecimentos necessários para que o consumidor possa
utilizá-lo de forma correta.

Harmonia

Todas as relações contratuais devem atender ao princípio da boa-fé, ou seja, as partes agem de
forma correta, com honestidade, cada uma arcando com suas obrigações e seus direitos. Assim, há um
equilíbrio da relação que mantém a harmonia da sociedade, uma vez que ambas as partes têm as suas
necessidades atendidas: o fornecedor, de vender; e o consumidor, de adquirir conforme a sua demanda.

Vulnerabilidade

A lei reconhece a vulnerabilidade do consumidor, uma vez que o domínio técnico e econômico é
do fornecedor. O fornecedor tem o domínio dos meios de produção e oferece ao mercado um produto/
serviço, enquanto o consumidor tem de escolher entre os produtos/serviços que estão à disposição no
mercado, com preço e condições oferecidos pelo fornecedor.

Via de regra, o fornecedor tem superioridade econômica em relação ao consumidor. Por exemplo:
o valor do capital social de uma montadora de automóveis é maior em relação à renda do comprador
de um carro. Quando um carro apresenta um vício, para a montadora, é só um entre milhares; já para
o consumidor, muitas vezes, é o seu bem de maior valor. Assim, para que seja atendido o princípio
da isonomia, o Estado atua de forma a proteger a parte mais vulnerável e garantir o equilíbrio nas
relações sociais.

Liberdade de escolha

O consumidor deve ter garantido o seu direito de escolha, levando em consideração a qualidade, o
preço e a utilidade do produto.

Intervenção do Estado

Para garantir o equilíbrio das relações de consumo, o Estado intervém de forma direta, assegurando
o acesso aos produtos e serviços, garantindo a qualidade e a adequação.

112
INSTITUIÇÕES DE DIREITO

Boa-fé

Boa-fé é agir com honestidade, lealdade, é acreditar, confiar. O consumidor age de boa-fé ao
adquirir o produto ou serviço, e o fornecedor, da mesma forma, produz confiando nas relações
comerciais do mercado. Assim, a ideia é garantir um comportamento leal, fiel, a fim de assegurar o
respeito entre os contratantes.

Equilíbrio

O objetivo é garantir um equilíbrio entre as partes, ou seja, apesar das diferenças técnicas e
econômicas, o Estado garante igualdade entre as partes contratantes.

Direitos básicos do consumidor

Segundo o enunciado do art. 6º do CDC:

Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

I – a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por


práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou
nocivos (Brasil, 1990b).

Como complemento dessa proteção legal, o fornecedor de produtos e serviços potencialmente


nocivos ou perigosos à saúde ou à segurança deverá informar, de maneira ostensiva e adequada, a
respeito de sua nocividade ou periculosidade, sem prejuízo da adoção de outras medidas cabíveis em
cada caso concreto.

Um exemplo de produto potencialmente nocivo ou perigoso à saúde é o tabaco. Por meio dos estudos
de Tolotti e Davoglio (2010), constatou-se a diminuição do consumo mediante leis antifumo restritivas
à publicidade, implantadas em 1988, 1995 e 2000, sendo que, nesse período, o consumo foi reduzido
em 63 bilhões de unidades, evidenciando-se a relação entre as propagandas e o consumo de tabaco.
Tais dados sugerem que conteúdos veiculados pela propaganda na televisão brasileira tendem a interferir
significativamente no comportamento do consumidor, apontando a demanda por constantes legislações e
políticas públicas baseadas na perda dessa estabilização e consequente retomada do consumo.

É nesse sentido que o art. 8 do CDC estabelece os seguintes deveres aos fornecedores de
produtos e serviços:

Art. 8°. Os produtos e serviços colocados no mercado de consumo não


acarretarão riscos à saúde ou segurança dos consumidores, exceto os
considerados normais e previsíveis em decorrência de sua natureza e fruição,
obrigando-se os fornecedores, em qualquer hipótese, a dar as informações
necessárias e adequadas a seu respeito.

Parágrafo único. Em se tratando de produto industrial, ao fabricante cabe


prestar as informações a que se refere este artigo, através de impressos
apropriados que devem acompanhar o produto (Brasil, 1990b).
113
Unidade II

O risco normal e previsível refere-se a certa expectativa que o consumidor tem em relação ao produto
ou serviço, ou seja, representa uma normalidade e previsibilidade do consumidor quanto ao uso e
funcionamento rotineiro do produto ou serviço. Por exemplo: um liquidificador apresenta riscos na sua
utilização; não se pode, evidentemente, colocar a mão dentro do copo com o aparelho ligado. Esse seria
o risco normal e previsível. O direito de proteção à vida, à segurança e à saúde também se refere à não
colocação no mercado, ou à retirada do mercado, de produtos com alto grau de nocividade ou periculosidade.
Se, após a colocação no mercado, o fornecedor tomar conhecimento da periculosidade, deverá alertar o
consumidor, mediante anúncios publicitários, e comunicar o fato às autoridades competentes.

Exemplo de aplicação

Qualquer prejuízo físico ou moral em virtude do defeito apresentado no produto ou serviço é de


inteira responsabilidade do fornecedor. Assim, a prevenção e a reparação dos danos estão intimamente
ligadas, na medida em que o recall, ou chamamento, deve sanar qualquer defeito que coloque em risco
a saúde e a segurança do consumidor. O recall visa ainda a retirada do mercado, a reparação do defeito
ou a recompra de produtos ou serviços defeituosos pelo fornecedor.

Você se lembra de algum produto ou serviço em que tenha sido realizado recall? Na sua opinião,
quais são os riscos e custos de fazer ou não fazer um recall?

Esse direito básico abrange a educação formal nas escolas e a educação informal, a cargo do próprio
fornecedor e dos órgãos públicos:

Art. 4º [...]

IV – educação e informação de fornecedores e consumidores, quanto aos


seus direitos e deveres, com vistas à melhoria do mercado de consumo
(Brasil, 1990b).

A informação que o consumidor deve receber não é somente sobre os riscos do produto, mas
também sobre quantidade, características, composição, qualidade e preço. Assim, o direito de informação
compreende três facetas, demonstradas na figura a seguir:

Direito de se informar

Direito de informar Direito de ser informado

Direiro de
informação

Figura 26 – Direito de informação no CDC

114
INSTITUIÇÕES DE DIREITO

O dever de informar do fornecedor está relacionado ao aspecto do risco à saúde e à segurança


do consumidor. Assim, o fornecedor deve oferecer todas as informações sobre os riscos que não são
normais e previsíveis em decorrência da natureza dos produtos e dos serviços. Por exemplo: caso uma
indústria crie um processador de alimentos cujo manuseio não é, ainda, do conhecimento padrão do
consumidor, ela tem de lhe dar informações corretas, claras, ostensivas e suficientes, visando esclarecer
todos os riscos inerentes à utilização do produto.

A principal forma que deve ser utilizada pelo fornecedor refere-se aos impressos que devem,
obrigatoriamente, acompanhar os produtos industrializados (por exemplo, o manual de instruções).
Você deve estar se perguntando: mas e se o meu produto for importado? Bem, se o produto
for importado, caberá ao importador fornecer as informações, e, se elas já acompanharem o
produto, será ele o responsável pela tradução a ser oferecida em impresso próprio, que deverá
acompanhar o produto.

Importa esclarecer que o CDC prevê como crime a omissão de dizeres ou sinais ostensivos sobre
a nocividade ou periculosidade de produtos nas embalagens, nos invólucros, nos recipientes ou na
publicidade, com pena de detenção de seis meses a dois anos, além de multa.

6.5 Proteção contra práticas comerciais abusivas

As práticas comerciais abusivas referem-se às condições irregulares de negociação nas relações de


consumo que ferem a boa-fé, os bons costumes, a ordem pública e a ordem jurídica. Essas condições
têm de estar ligadas ao bem-estar do consumidor final. São o abuso contra o consumidor e estão
descritas no CDC:

Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

[...]

IV – a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais


coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou
impostas no fornecimento de produtos e serviços (Brasil, 1990b).

A apresentação de produtos ou serviços deve assegurar informações:

• Corretas: praticamente o óbvio ululante; seria absolutamente inadmissível que o fornecedor


apresentasse informações incorretas.

• Claras: a norma pretende evitar o uso de linguagem técnica ou inacessível. Exemplo: bulas
de remédios.

• Precisas: a lei impede o uso de termos vagos e/ou ambíguos. Por exemplo: bancos informando
que o cliente tem dez dias para usar o cheque especial sem que lhe cobrem os juros

115
Unidade II

correspondentes, mas não informando que, se o uso superar o dia 10, os juros do período
anterior serão somados e cobrados.

• Ostensivas: dirige-se especificamente àquelas informações impressas em letras miúdas, difíceis


de serem lidas. A informação ou cláusula impressa dessa forma não tem validade alguma.

Ademais, os produtos ou serviços devem apresentar:

• Língua portuguesa: seria um disparate aceitar o uso de língua alienígena no contexto nacional,
fazendo vingar direitos contra os brasileiros.

• Linguagem legível: principalmente quanto a informações manuscritas ou apagadas. Exemplo:


receita de médico, tinta opaca etc. As informações sobre os produtos e serviços, nos moldes
citados, devem ser em relação a:

— Características (tamanho, forma, cor etc.), qualidade (utilidade), quantidade, composição,


garantia contratual e origem.

— Preço:

- Preço à vista: preço só existe à vista. Não se pode confundir preço com forma de pagamento;
esta pode ser a prazo, em parcelas, financiada etc. A forma pode variar, mas o preço tem de
ser o mesmo que foi estipulado à vista na compra.

- Preço visível: o preço tem de estar à mostra, claramente visível para o consumidor, inclusive
nos produtos das prateleiras dos supermercados e nas vitrines. A lei visa impedir que
o consumidor seja constrangido, isso porque é prática bastante conhecida de venda
(a gíria comercial diz “malho”) a de atrair o consumidor para dentro do estabelecimento
e oferecer‑lhe os produtos sem que ele saiba quanto custa; só depois que ele manifesta
desejo de comprar é que o preço é dito.

• Prazos de validade: todo produto perecível deve trazer informado o prazo de validade.
Observese que certos produtos devem apresentar dois prazos de validade distintos – um até
que a embalagem seja aberta e outro para o consumo após sua abertura. São centenas de
produtos que a pessoa abre e demora para consumir totalmente. São exemplos o requeijão,
o biscoito etc.

6.6 Propaganda enganosa ou abusiva

A lei estabelece que é proibida, por ser enganosa ou abusiva, qualquer modalidade de informação
ou comunicação de caráter publicitário inteira ou parcialmente falsa ou, por qualquer outro
modo, mesmo que por omissão, capaz de induzir ao erro o consumidor a respeito da natureza, de
características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre
produtos e serviços ofertados.
116
INSTITUIÇÕES DE DIREITO

Assim dispõe o CDC:

Art. 37. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva.

§ 1°. É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de


caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro
modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a
respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades,
origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços.

§ 2°. É abusiva, dentre outras, a publicidade discriminatória de qualquer


natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se
aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeite
valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar
de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança.

§ 3°. Para os efeitos deste código, a publicidade é enganosa por omissão


quando deixar de informar sobre dado essencial do produto ou serviço.

Art. 38. O ônus da prova da veracidade e correção da informação ou


comunicação publicitária cabe a quem as patrocina (Brasil, 1990b).

Como você percebeu, o CDC é bastante exaustivo e pretende coibir todo tipo de publicidade
enganosa, ou seja, a que induz o consumidor ao erro durante a decisão de compra. Repare que,
mesmo em omissão de informações relevantes, o fornecedor pode manipular e viciar a capacidade
de julgamento do consumidor acerca de qualidade, quantidade, propriedades, origem e preço de
um determinado produto ou serviço. Portanto, os casos de omissão de informações são as situações
nas quais o fornecedor sabe que talvez com aquela informação o consumidor pode decidir pela não
aquisição do seu produto ou serviço.

Vejamos um exemplo de uma conduta de propaganda enganosa. Ficou famoso no Brasil o dia de
promoção do varejo denominado Black Friday, que ocorre sempre na última semana do mês de novembro
e que funciona como um grande evento comercial de abertura do período das promoções natalinas. Pois
bem, os consumidores são “bombardeados” com um volume gigantesco de promoções e promessas
de descontos fabulosos. Muitos adiam o momento das suas compras para a Black Friday na crença de
encontrar preços vantajosos, conforme os anúncios veiculados pelos varejistas. Os órgãos de defesa dos
consumidores, bem como os próprios consumidores interessados em determinados produtos, passam
a acompanhar a evolução dos descontos vários dias antes do grande dia de promoção. No dia, muitas
promoções de preço não se concretizam conforme anunciado, pois uma prática comum e lamentável
de muitos varejistas, infelizmente desonestos, é majorar os preços poucos dias antes da Black Friday;
assim, ao aplicar os descontos, o preço retorna ao valor original, ou seja, ou não há nenhum desconto
ou é fixado um desconto muito menor do que de fato foi anunciado.

117
Unidade II

O professor Rizzatto Nunes resume adequadamente tais situações e apresenta exemplos adicionais:

É de anotar que para a aferição da enganosidade não é necessário que o


consumidor seja aquele real, concretamente considerado; basta que seja
potencial, abstrato. Isto é, para saber da enganação é suficiente que se leve
em consideração o consumidor ideal. É ele que deve servir de parâmetro
para a avaliação. O anúncio é enganoso antes mesmo de atingir qualquer
consumidor em concreto; basta ter sido veiculado.

Da mesma maneira, é possível detectar um anúncio enganoso sem nem


sequer verificar o produto ou o serviço concretamente. É suficiente que do
próprio texto, da imagem, do som do anúncio etc. se extraia a enganosidade.
Por exemplo, é conhecida a enganosidade do anúncio que diz: “Curso grátis,
exceto material didático”. Ora, o curso não é grátis. O que ocorre é que seu
preço é cobrado embutido no chamado “material didático”. Outro exemplo
amplamente praticado no comércio: a oferta de pagamento à vista com
20% de desconto ou em três vezes sem acréscimo. Se há desconto de 20%
à vista, no parcelamento em três vezes o valor correspondente ao desconto
(20%) está incluído. Logo, há acréscimo (preço é sempre praticado à vista,
depois do desconto). Basta ler o anúncio para verificar a enganosidade
(Nunes, 2013, p. 560).

Em resumo, enquadra-se na condição de propaganda enganosa tudo aquilo que é prometido aos
consumidores, por meio de qualquer tipo de informação – relativa à qualidade, ao preço, às quantidades
ou a quaisquer outros tipos de vantagens –, que não seja cumprido pelo fornecedor.

Para concluir esta etapa do seu estudo, é essencial que você note a diferença sutil entre propaganda
enganosa e propaganda abusiva.

Há alguns anos, o Senado Federal fez uma postagem na rede social Facebook. O texto em destaque
na página, transcrito a seguir, possui um resumo da principal diferença entre a conduta de propaganda
enganosa e a propaganda abusiva.

Você sabe a diferença? Propaganda enganosa: divulga informações falsas sobre


produtos e serviços, ou omite informações importantes. Propaganda abusiva:
divulga mensagens que induzem a comportamentos prejudiciais à saúde e
segurança do consumidor, ou gera discriminações (Publicação, 2015).

Saiba mais
Para saber mais, leia a reportagem completa em:
PUBLICAÇÃO do Facebook do Senado alcança mais de 19 milhões de
pessoas. Senado Notícias, Brasília, 2015. Disponível em: https://urx1.com/1VlHd.
Acesso em: 20 jan. 2020.

118
INSTITUIÇÕES DE DIREITO

Vimos que os fornecedores podem incorrer em condutas desonestas para publicitar a oferta de seus
produtos e serviços. O CDC, em seu artigo 39, traz um rol exemplificativo de práticas que se caracterizam
como abusivas, e a primeira a ser elencada é a venda casada. Trata-se de condutas, por parte dos
fornecedores, que consistem em vantagens manifestamente excessivas em relação aos consumidores.
Portanto, o CDC busca coibir tais práticas comerciais, que era algo mais comum no passado, mas que
ainda hoje lamentavelmente são realizadas por fornecedores.

Leia o artigo 39 do CDC e seu inciso I:

Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras


práticas abusivas:

I – condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de


outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos
[...] (Brasil, 1990b).

O artigo 39 é composto de 14 incisos que exemplificam práticas consideradas abusivas. Repare


que no final do caput desse artigo o legislador incluiu a expressão “dentre outras práticas abusivas”.
Isso é muito importante para a nossa análise, pois significa que os 14 incisos são exemplificativos; não
esgotam todas as possibilidades de práticas abusivas. Portanto, sempre que estivermos diante de uma
das práticas descritas nesse artigo, estaremos inequivocamente diante de uma prática abusiva. Todavia,
tais práticas são exemplos, e isso significa que podem ocorrer outras condutas desonestas, por parte
dos fornecedores, que não estão elencadas nesse artigo e que nem por isso deixam de ser consideradas
práticas abusivas.

Lembrete

Sempre que o consumidor enfrentar uma situação na qual o fornecedor


impõe uma condição para o negócio que expresse uma vantagem
excessiva em relação à posição do consumidor, estará caracterizada uma
prática abusiva.

A venda casada é uma das práticas abusivas mais comuns do comércio de produtos e serviços. O que
caracteriza uma venda casada é a imposição pelo fornecedor da aquisição de um produto ou serviço
que o consumidor não deseja como condição para que lhe seja vendido o produto ou serviço desejado.
Daí vem o termo “venda casada”, isto é, só se vende o pacote (produto desejado e produto indesejado),
ou seja, “tudo ou nada”. É certo que esse tipo de conduta coloca o consumidor em uma posição de
vulnerabilidade em relação ao fornecedor, pois, ao precisar de um dos produtos, o consumidor acaba
aceitando levar algo de que não necessita para poder dispor do produto desejado.

Atente-se, entretanto, ao conceito, pois o fornecedor pode oferecer promoções por meio de pacotes
ou combos (termo que deriva da palavra em inglês combination – combinação, em português), desde
que ofereça também os produtos separadamente, ficando exclusivamente a cargo do consumidor decidir
119
Unidade II

pela conveniência de comprar o pacote ou combo. Com relação a esse ponto, ou seja, ao emprego de
forma lícita e justa de pacotes e combos pelo comércio, vejamos a lição de Rizzatto Nunes, que nos
esclarece com muita propriedade:

É preciso, no entanto, entender que a operação casada pressupõe a existência


de produtos e serviços que são usualmente vendidos separados. O lojista não
é obrigado a vender apenas a calça do terno. Da mesma maneira, o chamado
“pacote” de viagem oferecido por operadoras e agências de viagem não está
proibido. Nem fazer ofertas do tipo “compre este e ganhe aquele”. O que
não pode o fornecedor fazer é impor a aquisição conjunta, ainda que o
preço global seja mais barato que a aquisição individual, o que é comum nos
“pacotes” de viagem. Assim, se o consumidor quiser adquirir apenas um dos
itens, poderá fazê-lo pelo preço normal (Nunes, 2013, p. 601).

A seguir, será feita uma breve relação de condutas e práticas tipicamente enquadradas na condição
de venda casada e que não devem ser toleradas pelos consumidores:

• Consumação mínima em casa de show ou bares.

• Financiamento de imóveis ou automóveis pelos bancos condicionado à aquisição de seguro para


o respectivo bem.

• Pacotes ou combos com os serviços de acesso à internet, TV a cabo e telefone fixo ou celular que
não são oferecidos separadamente.

• Brinquedos com lanches nas redes de fast-food.

• Consumação exclusivamente de produtos vendidos nas entradas das salas de cinemas.

• Concessão de cartão de crédito atrelado a seguros ou títulos de capitalização.

• Salões de festa que condicionam o aluguel do espaço à contratação do serviço de bufê ou outro
serviço qualquer oferecido em conjunto.

Mas e se você se arrepender da compra? Há proteção jurídica? A resposta é afirmativa. O direito


de arrependimento foi incluído pelo legislador no CDC como parte de um sistema de proteção aos
consumidores. Nesse caso, em particular, trata-se das situações em que os consumidores adquirem
produtos ou serviços fora do estabelecimento comercial. O artigo a seguir acentua bem o exposto:

Art. 49. O consumidor pode desistir do contrato, no prazo de 7 dias a contar


de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre
que a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do
estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicílio.

120
INSTITUIÇÕES DE DIREITO

Parágrafo único. Se o consumidor exercitar o direito de arrependimento


previsto neste artigo, os valores eventualmente pagos, a qualquer título,
durante o prazo de reflexão, serão devolvidos, de imediato, monetariamente
atualizados (Brasil, 1990b).

Portanto, pela leitura do artigo 49, percebe-se que o legislador atribuiu sete dias para que o
consumidor reflita sobre a conveniência da compra que efetuou. Entretanto, impõe a condição de que
o negócio tenha sido efetivado fora do estabelecimento comercial. O termo “fora do estabelecimento
comercial” engloba:

• Venda porta a porta, quando o consumidor recebe no seu domicílio a visita do vendedor.

• Telemarketing, quando o consumidor compra por telefone, fazendo ou recebendo a ligação de


uma central ou diretamente do vendedor.

• Catálogos ou correspondência, tipo de venda muito comum em produtos de beleza.

• Comércio eletrônico, websites das lojas ou marketplaces (websites que englobam várias lojas num
único endereço de internet, como a Amazon).

• Canais de venda de produtos que veiculam as ofertas em seus canais de TV e convidam os


consumidores a efetivar a compra por meio do telefone ou pela internet.

Muito sabiamente o legislador previu as dificuldades enfrentadas pelos consumidores para


uma decisão qualificada acerca do produto ou serviço adquirido. Tomemos o seguinte exemplo:
um consumidor comparece a uma loja física e compra um tênis. É correto afirmar que ele terá a
oportunidade de experimentar ou provar o produto para consolidar a decisão de compra através
de uma perfeita avaliação das funcionalidades e da adequação do produto às suas necessidades.
Entretanto, imagine que essa mesma compra tenha sido feita por meio de uma loja virtual, ou seja,
via comércio eletrônico. Nessa nova situação, o consumidor terá apenas acesso à descrição e às fotos
do tênis, não sendo possível provar o produto. Somente quando receber o produto em casa poderá
avaliar a real condição dele frente à sua necessidade. Imagine que o consumidor perceba que o tênis
não é suficientemente confortável para longas caminhadas, como pensava ao tê-lo avaliado por meio
das fotos do website do fornecedor. Nessa situação, é justo, na perspectiva do CDC, que o consumidor
tenha a opção de se arrepender da compra e solicitar o desfazimento do negócio, com a devolução
do produto ao lojista virtual e o recebimento de todos os valores pagos. Esse direito de solicitar o
cancelamento da compra é justamente o direito de arrependimento, previsto no artigo 49 do CDC
(Brasil, 1990b).

Entretanto, algumas condições são impostas para o exercício do direito de arrependimento. São elas:

• Após reflexão do consumidor, o pedido de desistência do negócio deve ocorrer dentro do prazo de
sete dias da assinatura do contrato ou do ato de recebimento do produto ou serviço.

121
Unidade II

• O negócio deve obrigatoriamente ter ocorrido fora do estabelecimento comercial. Apesar de o


caput do artigo 49 destacar o uso do telefone e as vendas domiciliares, é certo que incluem
o comércio eletrônico, pois o CDC foi publicado em 1990, quando ainda não existia a internet,
que, entretanto, se enquadra perfeitamente na condição “fora do estabelecimento comercial”.

• O produto deve se apresentar em perfeitas condições, não denotando sinais de uso ou desgaste.

Um ponto vital é que, para exercer o direito de arrependimento e desistir do contrato, o consumidor
não é obrigado a apresentar nenhum motivo ou justificativa para o fornecedor. Basta comunicar a
sua decisão de cancelamento da compra, desde que dentro do prazo estabelecido. Portanto, é muito
importante que o consumidor se manifeste e documente a notificação ao fornecedor, por meio de
telefone, e-mail, carta entregue pessoalmente, telegrama ou website do fornecedor.

O parágrafo único do artigo 49 fixa que o consumidor deverá, exercendo o direito de arrependimento
dentro do prazo legal, ser ressarcido de todos os valores pagos. Portanto, o custo de frete de entrega e
retirada deve ser arcado exclusivamente pelo fornecedor, o que já foi reconhecido pelas Cortes Superiores.

6.7 Proteção contratual

Cumpre esclarecer que, com relação aos contratos presentes nas relações de consumo, a lei determina
que as cláusulas contratuais sejam interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor. Por exemplo:
a garantia contratual dada pelo fabricante de veículo, em que é determinada a vigência até os 50.000 km
ou dois anos de uso, deve ser interpretada como tendo vigência até o fato que ocorrer por último
(50.000 km ou dois anos). A seguir, vamos conhecer melhor algumas cláusulas.

• Cláusulas abusivas: são cláusulas notoriamente desfavoráveis ao consumidor, parte mais


fraca da relação.

• Cláusulas exemplificativas:

— Cláusula de não indenizar: é nula a cláusula que contenha óbice ao dever legal de indenizar.
A proibição atinge qualquer cláusula que tenha por objetivo exonerar, impossibilitar ou atenuar
a responsabilidade do fornecedor.

— Cláusula de renúncia ou disposição de direitos.

— Cláusula de limitação da indenização do consumidor.

— Cláusula que impeça o reembolso da quantia paga pelo consumidor etc.

• Compra e venda à prestação: seja de móveis, seja de imóveis, a lei veda cláusula que estipule a
perda total dos valores pagos pelo consumidor em caso de resolução do contrato por inadimplência.
É permitida, contudo, a estipulação de pena ao consumidor pelo inadimplemento contratual,
desde que essa pena seja equitativa.
122
INSTITUIÇÕES DE DIREITO

• Contratos de adesão: são contratos cujas cláusulas tenham sido estabelecidas de forma unilateral
e prévia pelo fornecedor, sem que o consumidor pudesse discutir ou modificar substancialmente
seu conteúdo. Como o consumidor apenas adere ao contrato, ele recebe o nome de contrato de
adesão. A lei não veda, mas estipula certas condições. A principal seria que as cláusulas limitativas
de direitos do consumidor deverão ser regidas com destaque, permitindo imediata e fácil
compreensão, e todo o escrito deverá ter redação clara e legível. Assim, nos contratos de adesão,
o consumidor não tem liberdade para alterar nenhuma das cláusulas constantes do contrato, que
já está pronto, sendo apresentado apenas para que ele o assine.

Outra determinação importante com relação aos contratos de adesão é que o CDC declara nulas as
cláusulas contratuais que prejudiquem o consumidor, mesmo que ele tenha assinado o contrato com
plena consciência do seu conteúdo.

Por fim, a legislação do consumidor adota o princípio da imprevisão a favor do consumidor, na


qual os contratos pactuados entre consumidor e fornecedor continuam a fazer leis entre as partes
contratantes, desde que as condições permaneçam como estavam por ocasião do acordo estipulado
entre as partes. Dessa forma, é um direito básico do consumidor a modificação das cláusulas contratuais
que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as
tornem excessivamente onerosas ao consumidor.

Finalmente, diante de todo o exposto, pode-se chegar a algumas regras que configuram direitos aos
consumidores nas relações contratuais:

• O consumidor somente estará obrigado ao cumprimento do contrato se tiver tido a oportunidade


de conhecer previamente o conteúdo de suas cláusulas.

• O consumidor somente estará obrigado ao cumprimento de uma determinada cláusula se sua


redação não dificultar a compreensão do sentido dos direitos das partes.

• As cláusulas contratuais serão sempre interpretadas da maneira mais favorável ao consumidor.

• O consumidor é a parte vulnerável numa relação contratual; assim, terá o privilégio de exigir a
revisão de cláusulas contratuais se fatos supervenientes as tornarem excessivamente onerosas:

— Se determinada cláusula contratual limitadora de direitos não for grafada em destaque, não
obrigará o consumidor ao seu cumprimento.

— Se os termos de determinada cláusula não forem claros, a ela não se obrigará o consumidor.

— Se os caracteres de determinada cláusula contratual não forem ostensivos e legíveis, ela será
inoperante contra o consumidor.

123
Unidade II

Resumo

O direito civil faz parte do direito privado. Por isso, regula os direitos
e as obrigações no âmbito da vida privada das pessoas, ou seja, as formas
de aquisição de direitos e obrigações, incluindo os seus bens (patrimônios)
e as demais relações participantes da sociedade. O Código Civil de 1916
incorporou uma parte do que se conhecia por Código Comercial e que
tratava do que hoje se conhece como direito de empresa. Entendemos,
assim, a importância e a complexidade do direito civil para o regramento da
vida em sociedade, cujos princípios, institutos e regras estão consolidados
no Código Civil brasileiro.

Negócio jurídico é uma relação jurídica que decorre da manifestação de


vontade negocial das partes. Para ser considerado existente, válido e eficaz,
ele segue os degraus da chamada escada ou escala ponteana.

Segundo Duque (2007), o direito das obrigações é a principal fonte


do direito contratual. A responsabilidade civil é a obrigação que pode
determinar que uma pessoa repare o prejuízo causado a outra, por uma
ação ou omissão dela, ou por fato de pessoas ou coisas que dela dependam.

Existem dois tipos de responsabilidade civil: a contratual e a extracontratual


(também chamada de responsabilidade aquiliana). Também pode ser
classificada em relação ao sujeito, por meio de sua conduta ao analisar a
culpa: responsabilidade civil subjetiva e responsabilidade civil objetiva.

A responsabilidade pode ser cível e penal, alternativa ou cumulativamente,


isto é, a configuração de uma não exclui a outra, bem como não implica
necessariamente a outra. Quanto à reparação do dano, a responsabilidade
pode ser cível, criminal e administrativa. Também uma não anula outra,
tampouco uma acarreta necessariamente a outra.

Como vimos, o Código de Defesa do Consumidor configura-se como


um documento protecionista, que visa defender e proteger os interesses
dos consumidores, tendo em vista a diferença entre o domínio técnico
e o econômico. Toda relação de consumo é travada entre consumidores e
fornecedores. O consumidor pode ser pessoa física ou jurídica; a principal
característica é adquirir o produto, ou serviço, como destinatário final.

O objetivo principal do código é garantir a dignidade do ser humano;


dessa forma, o produto ou serviço deverá cumprir aquilo a que se propôs.
Esse consumo deve ser consciente, e o mercado deve atuar obedecendo

124
INSTITUIÇÕES DE DIREITO

aos princípios da boa-fé, da transparência e do equilíbrio. Para garantir que


esses objetivos sejam atendidos, além de todos os órgãos judiciais, foram
criados vários órgãos administrativos, que são divididos por atividade e
Estado da federação.

125
Unidade II

Exercícios

Questão 1. A empresa Suco Forte S/A é fabricante de suco de laranja para exportação e tem entre
seus principais clientes empresas norte-americanas que adquirem grande quantidade de suco para
distribuição naquele mercado. Recentemente, uma das caldeiras da empresa explodiu e causou a morte
de cinco funcionários. A empresa alegou que se tratava de um fato natural, que todos aqueles que
utilizam caldeiras podem ter essa surpresa desagradável. Porém, o Poder Judiciário entendeu que era
devida indenização às famílias dos funcionários mortos porque:

I – A lei civil determina que todo aquele que por ato ilícito causar prejuízo a outrem fica obrigado a
reparar o dano.

II – O Estatuto da Criança e do Adolescente determina que as crianças têm direto à


proteção do Estado.

III – Equipamentos industriais não foram criados para explodir ou causar prejuízos e, se isso acontece,
alguma razão técnica tem que haver e, consequentemente, responsabilidade daqueles que devem
administrar o funcionamento do equipamento.

Assinale a alternativa correta:

A) I, somente.

B) II, somente.

C) III, somente.

D) I e II, somente.

E) I e III, somente.

Resposta correta: alternativa E.

Análise das alternativas

I – Afirmativa correta.

Justificativa: todas as pessoas naturais ou jurídicas que causarem prejuízo a outras ficam obrigadas
a indenizar os danos, sejam eles materiais ou imateriais, como o dano moral, por exemplo. Se pessoas
jurídicas causarem prejuízo a seus empregados, deverão indenizar todos os prejuízos causados, inclusive
para familiares em caso de óbito.

126
INSTITUIÇÕES DE DIREITO

II – Afirmativa incorreta.

Justificativa: o Estatuto da Criança e do Adolescente determina isso, porém, nesse caso, não há
necessidade dessa lei especial porque o Código Civil contém determinação expressa no sentido de ser
obrigatória a indenização para todos aqueles que causarem danos a outrem, sejam esses adultos ou
crianças. Assim, no caso tratado no enunciado, se os funcionários mortos pelo acidente de trabalho
possuíam filhos, eles serão indenizados com fundamento no Código Civil, sem que seja necessário
aplicar o Estatuto de Proteção da Criança e do Adolescente.

III – Afirmativa correta.

Justificativa: as empresas são obrigadas a colocar em funcionamento equipamentos que tenham


segurança e que não causem danos a ninguém, seja funcionário ou terceiros (prestadores de serviços,
por exemplo). Caso ocorra um acidente decorrente do mau funcionamento de uma máquina ou
equipamento, o proprietário da empresa deverá arcar com os prejuízos decorrentes do acidente e depois,
se for possível provar que o mau funcionamento decorreu de erro de fabricação ou de projeto, poderá
se ressarcir dos valores indenizados. Mas, em princípio, a obrigação de reparar os danos é do proprietário
dos equipamentos que causaram esses danos.

Questão 2. A loja Magazine Tenha Fé fez uma promoção de notebooks por um ótimo preço,
basicamente a metade do valor final comercializado em outras lojas da região. Foram vendidas muitas
unidades dos produtos, porém os consumidores, ao ligarem o equipamento e tentarem colocar em
uso, constataram que o notebook não tinha nenhum sistema operando. Retornaram à loja e foram
surpreendidas com a informação de que para o notebook funcionar, era preciso adquirir o sistema
Janelas, que era oferecido pelo dobro do valor encontrado em outras lojas da região. Essa atitude da loja
Magazine Tenha Fé caracteriza:

A) Desrespeito ao direito de ser informado e venda casada.

B) Desrespeito ao direito de ser informado.

C) Desrespeito ao direito de arrependimento.

D) Desrespeito ao direito de livre escolha.

E) Desrespeito à livre-iniciativa do consumidor.

Resposta correta: alternativa A.

127
Unidade II

Análise das alternativas

A) Alternativa correta.

Justificativa: o consumidor tinha o direito de ser informado de que o notebook não continha nenhum
sistema que viabilizasse a utilização e, principalmente, que seria necessário comprar o sistema da própria
loja, o que caracteriza a venda casada, que é vedada pelo Código de Proteção e Defesa do Consumidor.

B) Alternativa incorreta.

Justificativa: ocorreu o desrespeito ao direito de ser informado, mas não apenas isso, porque também houve
a prática ilegal de venda casada, expressamente vedada pelo Código de Proteção e Defesa do Consumidor.

C) Alternativa incorreta.

Justificativa: nesse caso não se aplica o direito de arrependimento previsto na lei de proteção e defesa do
consumidor porque a transação foi realizada na loja, ou seja, pessoalmente, e não por meio remoto.

D) Alternativa incorreta.

Justificativa: não houve desrespeito ao direito de livre escolha, conforme se depreende do


enunciado da questão.

E) Alternativa incorreta.

Justificativa: o consumidor não tem direito à livre-iniciativa, que é um fundamento da República


Federativa do Brasil, garantido pelo artigo 1º da Constituição Federal para as pessoas naturais ou jurídicas
que realizam atividades empresariais.

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