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O PAPEL E O LUGAR DAS TIC NO PROCESSO DE ENSINO E DE APRENDIZAGEM


À LUZ DOS PRINCÍPIOS DO MOVIMENTO DA ESCOLA MODERNA

Thesis · November 2023


DOI: 10.13140/RG.2.2.28867.37924

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1 author:

Ricardo Vilhena
University of Lisbon
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O PAPEL E O LUGAR DAS TIC NO PROCESSO DE ENSINO E DE
APRENDIZAGEM À LUZ DOS PRINCÍPIOS DO MOVIMENTO DA
ESCOLA MODERNA

Ricardo Jorge Costa de Vilhena

Orientador: Professor Fernando António Albuquerque Costa

Tese especialmente elaborada para a obtenção do grau de Doutor em


Educação na especialidade de Tecnologias de Informação e de
Comunicação na Educação

2023
O PAPEL E O LUGAR DAS TIC NO PROCESSO DE ENSINO E DE
APRENDIZAGEM À LUZ DOS PRINCÍPIOS DO MOVIMENTO DA ESCOLA
MODERNA

Ricardo Jorge Costa de Vilhena

Orientador: Professor Fernando António Albuquerque Costa

Tese especialmente elaborada para a obtenção do grau de Doutor em Educação na


especialidade de Tecnologias de Informação e de Comunicação na Educação

Júri:

Presidente:

- Doutora Neuza Sofia Guerreiro Pedro, Professora Auxiliar com Agregação do Instituto de Educação
da Universidade de Lisboa

Vogais:

− Doutor Rui Marques Vieira, Professor Associado com Agregação do Departamento de Educação e
Psicologia da Universidade de Aveiro;

− Doutora Maria João Silva Ferreira Gomes, Professora Auxiliar do Instituto de Educação da
Universidade do Minho;

− Doutor Fernando António Albuquerque Costa, Professor Auxiliar do Instituto de Educação da


Universidade de Lisboa, orientador;

− Doutor João Manuel Nunes Piedade, Professor Auxiliar Instituto de Educação da Universidade de
Lisboa;

− Doutora Elisabete Maria Carvalho Gerardo Pires da Cruz, Professora Auxiliar Convidada do
Instituto de Educação da Universidade de Lisboa;

2023
“Caminhamos com todos aqueles que, desde há muito, estão convencidos da utilidade da
escola como promotora de saber e fonte de intervenção social para maior bem-estar,
progresso, equidade e justiça nas relações humanas.” (Niza, 1992)

i
ii
Para a Raquel, o David e o Isaac, com todo o coração.

iii
Agradecimentos

Quero deixar um agradecimento especial a todos os que me apoiaram neste percurso e


que contribuíram para que aqui chegasse.

Um agradecimento sincero ao meu orientador, Professor Fernando Albuquerque Costa,


pela partilha dos seus conhecimentos, o apoio, a exigência e o rigor que impôs ao longo deste
caminho.

À Dra. Maria de Lurdes, à Luísa Gomes, à Dra. Maria Helena, à Rita Alves, à Bárbara
Lopes e à Leonor Horák, estimadas amigas e colegas de trabalho, pelo apoio e incentivo para
que ao longo destes anos fosse possível conjugar a exigência deste trabalho de investigação
com a responsabilidade do dia a dia da vida escolar.

À minha família em geral, pelas palavras de incentivo e de motivação.

Por fim, um agradecimento muito especial à Raquel, companheira incansável, pela sua
paciência e dedicação. Ao Minhoco e ao Macaquitas, pelas minhas ausências.

iv
Resumo

Temos assistido, nos últimos anos, ao surgimento de uma quantidade considerável de


ferramentas educativas digitais sob a premissa da melhoria das aprendizagens dos alunos.
No entanto, diversos estudos realizados na área das Tecnologias de Informação e de
Comunicação (TIC) na educação indicam ainda baixos níveis de utilização de tecnologias
digitais nas escolas. Essa situação tem sido atribuída a diversos fatores, entre os quais a
escassez de recursos disponíveis, a falta de formação específica em tecnologias, ou a
perspetiva pedagógica e os fundamentos científicos com que essas tecnologias são
incorporadas nos processos de ensino e aprendizagem. Assim, tendo em conta a perspetiva
pedagógica, desenvolvemos esta investigação com o objetivo de compreender como um
professor que fundamenta a sua prática no Movimento da Escola Moderna (MEM), pensa e
utiliza as tecnologias digitais no processo de ensino e de aprendizagem. O MEM constitui-se
como um movimento pedagógico que se enquadra numa perspetiva socioconstrutivista, que
defende a construção do conhecimento de forma ativa pelo aluno em interação com o
ambiente e em cooperação com os outros, promovendo, simultaneamente, o respeito pelos
interesses, ritmos e formas de aprender do aluno. Além de Freinet, fundador do movimento,
outros nomes como Maria Montessori, John Dewey, Jean Piaget e Vygostky contribuíram para
uma abordagem educativa ativa, democrática e fundamentada cientificamente.
Do ponto de vista de metodológico, decorrente das vantagens que alguns autores defendem
relativamente à importância e eficácia do professor que reflete sobre a sua prática, assumimos,
portanto, uma postura de professor-investigador, ou seja, o professor que num primeiro
momento registou num diário de bordo o dia a dia escolar e o investigador que, num segundo
momento e com base na informação recolhida no diário, desenvolve uma análise de conteúdo
estruturada na tentativa de compreender as dúvidas, os dilemas e os desafios que emergem
da planificação e da concretização do processo de ensino e de aprendizagem suportado pelo
MEM e pelas TIC. A análise de conteúdo do diário seguiu uma abordagem temática,
sistemática e reflexiva, que viria a permitir a posterior interpretação aprofundada dos dados.
Os resultados obtidos sugerem que a abordagem pedagógica do professor se concentra,
essencialmente, na estruturação da prática educativa com base no modelo do MEM,
atribuindo um papel periférico às TIC. Entre os diversos fatores que contribuem para este
resultado, salientam-se a complexidade estrutural inerente ao modelo do MEM, que requer o
tempo necessário para a sua adaptação e apropriação tanto por parte do professor como dos
alunos, e a importância de assegurar aos alunos as competências técnicas essenciais e
necessárias para a utilização das TIC em prol da aprendizagem. Em certa medida, o professor
questiona-se sobre a relevância de integração das TIC no modelo do MEM e reflete acerca do
valor educativo adicional que estas possam proporcionar ao processo de ensino-
aprendizagem.

Palavras-chave
Uso pedagógico das TIC, Movimento da Escola Moderna, perspetiva construtivista da
educação, professor-investigador, diário de bordo

v
Abstract
In recent years, we have witnessed the emergence of a considerable number of digital
educational tools under the premise of improving student learning. However, studies in the
field of Information and Communication Technologies (ICT) in education still indicate low
levels of use of digital technologies in schools. This situation has been attributed to several
factors, among which are the scarcity of available resources, lack of specific training in
technologies, or the pedagogical perspective and scientific foundations with which these
technologies are incorporated into teaching and learning processes. Thus, considering the
pedagogical perspective, we developed this research with the aim of understanding how a
teacher who bases their practice on the Movimento da Escola Moderna (MEM), thinks about and
uses digital technologies in the teaching and learning process. MEM is a pedagogical
movement that fits into a socio-constructivist perspective, which advocates the construction
of knowledge in an active way by the student in interaction with the environment and in
cooperation with others, promoting, simultaneously, respect for the interests, rhythms, and
ways of learning of the student. In addition to Freinet, the founder of the movement, other
names such as Maria Montessori, John Dewey, Jean Piaget, and Vygotsky contributed to an
active, democratic, and scientifically grounded educational approach.
From a methodological point of view, due to the advantages that some authors advocate
regarding the importance and effectiveness of the teacher who reflects on their practice, we
therefore assume a teacher-researcher stance. That is, the teacher who first recorded the daily
school routine in a logbook and the researcher who, based on the information collected in the
diary, develops a structured content analysis to understand the doubts, dilemmas, and
challenges that emerge from the planning and implementation of the teaching and learning
process supported by MEM and ICT. The content analysis of the diary followed a thematic,
systematic, and reflective approach, which would later allow for the in-depth interpretation
of the data.
The results obtained suggest that the teacher's pedagogical approach focuses primarily on
structuring educational practice based on the MEM model, assigning a peripheral role to ICT.
Among the various factors contributing to this result, the structural complexity inherent to
the MEM model stands out, which requires the necessary time for its adaptation and
appropriation by both the teacher and the students, and the importance of ensuring that
students have the essential technical skills needed for the use of ICT in favour of learning. To
some extent, the teacher questions the relevance of integrating ICT into the MEM model and
reflects on the additional educational value that these may bring to the teaching-learning
process.

Keywords
Pedagogical use of ICT, Movimento da Escola Moderna, constructivist approach of education,
teacher-researcher, research diary

vi
Índice
1 Introdução ................................................................................................................................1
1.1 Propósito geral do estudo ..................................................................................................1
1.2 Problema, questões e objetivos do estudo .......................................................................4
1.3 Opções metodológicas ........................................................................................................4
1.4 Contexto da investigação ...................................................................................................5
1.5 Fases de investigação ..........................................................................................................6
1.6 Estrutura interna..................................................................................................................7

2 Enquadramento teórico .........................................................................................................9


2.1 Nota prévia ...........................................................................................................................9
2.2 Para uma escola com sentido ...........................................................................................10
2.2.1 A necessidade da mudança ..........................................................................................12
2.2.2 O desafio da inovação ..................................................................................................16
2.3 Sobre o potencial pedagógico das TIC ...........................................................................18
2.3.1 As TIC e a sociedade ....................................................................................................20
2.3.2 As TIC na Escola .........................................................................................................23
2.3.3 As TIC como ferramenta cognitiva .............................................................................30
2.4 A perspetiva curricular do MEM ....................................................................................33
2.4.1 A génese do MEM .......................................................................................................34
2.4.2 A organização curricular do modelo do MEM ............................................................37

3 Metodologia ...........................................................................................................................70
3.1 Delimitação do quadro de investigação .........................................................................70
3.2 Natureza da investigação e opções metodológicas ......................................................71
3.3 O contexto da investigação ..............................................................................................74
3.4 Diário de bordo ..................................................................................................................75
3.4.1 Fundamentos ...............................................................................................................75
3.4.2 Processo .......................................................................................................................81
3.5 O Professor como Investigador .......................................................................................86
3.5.1 Fundamentos ...............................................................................................................86
3.5.2 Processo .......................................................................................................................88
3.6 Fases do processo de investigação ..................................................................................91
3.6.1 Fase de Planificação/ Concretização ............................................................................92
3.6.2 Fase de Reflexão ...........................................................................................................92
3.6.3 Processo de análise de conteúdo...................................................................................93

vii
3.7 Procedimentos de validação ..........................................................................................102

4 Apresentação de resultados ..............................................................................................106


4.1 Dimensões e categorias...................................................................................................106
4.2 Sobre o processo de planificação...................................................................................108
4.2.1 As orientações curriculares .......................................................................................109
4.2.2 O papel do MEM .......................................................................................................114
4.2.3 As TIC e o MEM .......................................................................................................120
4.2.4 O papel dos alunos e dos professores .........................................................................130
4.2.5 Síntese sobre o processo de planificação.....................................................................137
4.3 Sobre o processo de concretização ................................................................................139
4.3.1 Ensino e aprendizagem ..............................................................................................140
4.3.2 As TIC na prática ......................................................................................................143
4.3.3 Objetivos pedagógicos e constrangimentos ...............................................................150
4.3.4 Avaliação cooperativa ................................................................................................154
4.3.5 Síntese sobre o processo de concretização ..................................................................155
4.4 Outras questões relativas ao processo de planificação e de concretização .............156
4.4.1 O contexto escolar .....................................................................................................156
4.4.2 Os desafios do MEM .................................................................................................161
4.4.3 A procura de soluções ................................................................................................166
4.4.4 As condicionantes do currículo .................................................................................168
4.4.5 Síntese sobre outras questões relativas ao processo de planificação e de
concretização… ...............................................................................................................................178

5 Conclusão e considerações finais ....................................................................................180


5.1 Sobre os desafios na organização das aprendizagens com recurso às TIC. ............180
5.1.1 Como se organiza o processo de ensino e de aprendizagem, com recurso às TIC, em
respeito pelos princípios inerentes ao MEM? .................................................................................180
5.1.2 Que dinâmicas emergem da tentativa de concretização das TIC num ambiente
educativo de base construtivista? ....................................................................................................189
5.1.3 Que outras questões emergem da tentativa do uso pedagógico das TIC? .................196
5.2 Reflexão pessoal sobre o caminho até efetuado ..........................................................199
5.2.1 Duplicidade professor-investigador ...........................................................................201
5.3 Aplicações e implicações das conclusões .....................................................................202
5.4 Limitações do estudo ......................................................................................................203

6 Bibliografia de Referência ................................................................................................206

viii
Apêndices

Sistema de análise de conteúdo…………………………………………………….………215

ix
Índice de Figuras
Figura 1 – Enquadramento temático da investigação .....................................................................2
Figura 2 - Esquema geral da investigação .........................................................................................5
Figura 3 - Caraterização das fases de investigação ..........................................................................7
Figura 4 - Indicadores do avanço tecnológico em Portugal (OCDE, 2020). ...............................25
Figura 5 - Computadores por antiguidade (DGEEC, 2021) ..........................................................28
Figura 6 - Computadores por tipologia e por antiguidade (DGEEC, 2021) ...............................29
Figura 7 - Atividades Curriculares de Diferenciação Pedagógica ...............................................38
Figura 8 - Conselho de Cooperação Educativa...............................................................................46
Figura 9 - Diário da Turma (Serralha, 2007) ...................................................................................47
Figura 10 - Exemplo de um plano de projeto (Trindade & Cosme, 2010) .................................54
Figura 11 – Grelha de projeto (Gomes, 2011) ..................................................................................54
Figura 12 - Mapa de Planificação e Avaliação de Projetos (Santana, 1999). ...............................64
Figura 13 - Mapa de Aprendizagens (Santana, 1999) ....................................................................65
Figura 14 - Agenda Semanal (Santana, 1999)..................................................................................66
Figura 15 – Materiais de apoio ao TEA (Santana, 1999). ...............................................................66
Figura 16 - Plano Individual de Trabalho (Niza, 1998) .................................................................68
Figura 17 - Processo iterativo de escrita do diário de bordo ........................................................73
Figura 18 - O percurso de escrita do diário. ....................................................................................82
Figura 19 - Dialética: professor como investigador – diário de bordo ........................................84
Figura 20 – Momentos seguidos no papel de professor-investigador ........................................89
Figura 21 – Recorte do diário em unidades de registo com recurso ao NVIVO........................96
Figura 22 - Fórmula para o cálculo do índice de fidelidade .......................................................100
Figura 23 - Processo visando a articulação entre o MEM e as TIC ............................................187

x
Índice de Quadros
Quadro 1 - Evolução do número médio de alunos por computador (DGEEC, 2021) ..............27
Quadro 2 – Evolução do número médio de alunos por computador (DGEEC, 2020) ..............27
Quadro 3 - Evolução do número médio de alunos por computador com ligação à Internet
(DGEEC, 2021) ............................................................................................................................28
Quadro 4 – Níveis de grupos cooperativos (Holubec et al., 1994)...............................................42
Quadro 5 - Plano geral de investigação ...........................................................................................91
Quadro 6 – Sistema de análise de conteúdo ...................................................................................98
Quadro 9 - Critérios e procedimentos para garantir a credibilidade de um estudo qualitativo
(Guba, 1983) ..............................................................................................................................103
Quadro 10- Quadro geral de resultados ........................................................................................107
Quadro 11 - Resultados sobre o processo de organização e planificação.................................108
Quadro 12 - Resultados sobre o processo de concretização visando o uso da TIC.................139
Quadro 13 - Resultados sobre outras questões relativas ao processo de planificação ...........156

xi
xii
1 Introdução

1.1 Propósito geral do estudo

É socialmente aceite o potencial transformador das tecnologias, com especial ênfase nas
formas de trabalhar, aprender e comunicar (Garcia, 2021).

Decorrente da massificação das tecnologias no campo da educação, emergem diversos


estudos que centram a análise em torno do impacto das TIC na educação (Cossio et al., 2008;
European Schoolnet, 2013; OECD, 2006). Nestes estudos conclui-se que, independentemente
do investimento realizado no sentido de apetrechar as escolas com os recursos tecnológicos
educativos necessários, os mesmos não são rentabilizados numa perspetiva de
aproveitamento do seu potencial em prol do ensino e de aprendizagem, tal como esperado. É
ainda possível concluir que não existe uma relação entre os recursos tecnológicos disponíveis
nas escolas, o nível de utilização por parte dos professores e alunos, e consequentes resultados
académicos (Ben-zvi & Salomon, 2006; Papert, 2005; Rosen & Salomon, 2007).

Do ponto de vista económico e social, isso acaba por constituir um problema dada a
disparidade entre o investimento no sentido de apetrechar as escolas os recursos tecnológicos
necessários e a escassez de resultados relativamente ao uso das TIC para fins educativos
(Ditzler, Hong, & Strudler, 2016; Franssila & Pehkonen, 2005; OECD, 2010).

Nesta linha, Costa (2008) destaca como o desfasamento entre os discursos políticos e a
realidade constituem fatores inibidores da integração das TIC na educação. Os discursos
muitas vezes apresentados, numa visão inovadora e de reconhecimento do potencial das TIC,
não correspondem à prática pois, quando se observam os dados disponibilizados nos
relatórios de implementação das tecnologias nas escolas (DGEEC, 2021), os mesmos não se
encontram alinhados com discursos enunciados.

Apesar de os professores reconhecerem os benefícios que os recursos tecnológicos podem


oferecer em termos educativos (OECD, 2010), alguns indicadores revelam que grande parte
dos profissionais que lidam diariamente com tecnologias digitais não adquiriram as
competências necessárias para a utilização das TIC de forma proficiente (Longhill, 2016).
Alguns autores defendem mesmo que os professores, embora reconheçam a utilidade e
importância das tecnologias, ainda não têm uma visão clara do que podem ser práticas

1
pedagógicas significativas suportadas no uso das TIC (Cossio et al., 2008; OECD, 2006). Outros
autores referem, de forma mais concreta, o fraco aproveitamento do potencial pedagógico das
TIC em prol da aprendizagem (Costa, Rodriguez, Cruz, & Fradão, 2012; Jonassen, 1995; Jones,
2017; Papert, 1996, 2005; Rosen & Salomon, 2007), sendo as conceções pedagógicas dos
professores uma das razões que justifica esta situação, as quais acabam por ter repercussão na
forma como utilizam as TIC para fins educativos (Amante, 2007; Coscollola, 2011; Jonassen,
1996; Nova, 2014; OECD, 2006, 2010). A título de exemplo, como assinala Costa (2008), uma
elevada percentagem de professores faz uso dos computadores essencialmente para
preparação de aulas, com destaque na construção de testes e fichas de trabalho, contrapondo
com uma lógica do aproveitamento do potencial do computador para o desenvolvimento de
atividades dirigidas não apenas para a aquisição de conteúdos, mas também para o
desenvolvimento de outras competências como o raciocínio lógico ou a criatividade. Nesta
linha, Niza (2015) alerta para o risco existente do uso atribuído às tecnologias poderem vir a
acentuar ainda mais os métodos tradicionais de trabalho escolar.

Partindo do princípio que as TIC transportam consigo o fator inovação, isso constitui um
desafio para a comunidade docente. Mesmo para aqueles professores que são mais
proficientes no uso das TIC, encontram nelas um repto que obriga a um acompanhamento
regular e sistemático da rápida evolução das tecnologias (Costa, 2004). Um desafio que pode
colocar-se em termos técnicos, como o conhecimento necessário sobre a utilização de novos
software e hardware mas onde encontramos, sobretudo, questões de ordem teórica relacionadas
com o conhecimento pedagógico e didático induzido pelo recurso a essas tecnologias.

Os desafios fazem naturalmente parte do processo educativo. Neste sentido, o trabalho


que nos propusemos realizar deriva de todas as dúvidas e questões inerentes à profissão
docente, procurando compreender o papel educativo das TIC, numa sociedade de informação
em constante mudança e evolução, direcionando o potencial das TIC para o desenvolvimento
global do aluno por forma a maximizar o seu potencial pedagógico (figura 1).

Figura 1 – Enquadramento temático da investigação

2
As perspetivas construtivistas da educação e a implicação que têm na forma como as TIC
são implementadas em contexto educativo têm sido alvo de algum estudo (Ben-zvi &
Salomon, 2006; Jonassen, 1995, 1996; OECD, 2010; Papert, 2005; Rosen & Salomon, 2007),
permitindo concluir que as conceções pedagógicas dos professores podem ter impacto na
forma como os mesmos assumem e recorrem às tecnologias enquanto ferramenta de suporte
à aprendizagem. Aprender com a tecnologia e não a partir da tecnologia, como sublinha
Jonassen (1996), envolve a mobilização de princípios pedagógicos que se afastam do
paradigma da instrução e se aproximam do paradigma da aprendizagem ou até da
comunicação (Trindade & Cosme, 2017), numa lógica de envolvência do aluno no processo
educativo, que permitam a mobilização de experiências educativas relevantes.

O papel do aluno no processo de ensino e de aprendizagem tem merecido destaque, em


particular, ao nível de introdução dos novos media situados na presença de duas lógicas
diferenciadas: a que se situa numa perspetiva de ensino-aprendizagem mais tradicional, onde
os recursos digitais são utilizados de forma mais ou menos inovadora, mas onde, no essencial,
pouco ou nada muda na sua utilização enquanto recurso pedagógico (Amante, 2007), e uma
outra que assume claramente uma visão inovadora e participada pelos alunos (Ackermann,
2001; Jonassen, 1995, 1996; Papert, 2005), e que nos remete para os princípios construtivistas
do ensino e da aprendizagem. É na segunda perspetiva que enquadramos a presente
investigação, já que estamos convictos que as tecnologias digitais, em sintonia com um
trabalho de natureza construtivista, poderá permitir o desenvolvimento de uma experiência
educativa mais enriquecedora para os alunos.

Nesta linha de pensamento, definimos como propósito deste estudo compreender como é
que um professor que assenta os seus princípios pedagógicos num modelo construtivista,
como o MEM, equaciona e usa o potencial que as tecnologias digitais podem oferecer ao
processo de ensino e de aprendizagem.

De acordo com Costa (2004) a integração das tecnologias digitais em ambiente educativo,
mais do que certezas ou caminhos únicos, representa um processo que se encontra revestido
de dúvidas e incertezas, um processo que nos permite encontrar desafios nunca vividos. É
nesta linha que decidimos situar-nos e enveredar com o objetivo de compreender melhor os
desafios que resultam do uso das tecnologias com sentido educativo, isto é, de preparar os
alunos para uma sociedade tecnologicamente desenvolvida.

3
1.2 Problema, questões e objetivos do estudo

Pelo exposto, sobre os desafios que emergem em torno da utilização das tecnologias em
contexto educativo, estamos em crer que a competência e o conhecimento pedagógico,
didático e científico dos docentes, a par com o devido conhecimento na área das TIC, poderão
constituir condições favoráveis para uma utilização mais eficiente das tecnologias e, acima de
tudo, com maior sentido educativo. Na prática, pretendemos compreender as dinâmicas que
resultam do uso das TIC orientadas por uma visão construtivista do ensino, como as que se
encontram subjacentes ao Movimento da Escola Moderna.

Como linhas orientadoras em direção à operacionalização da investigação, traçámos três


questões:

o Como se organiza o processo de ensino e de aprendizagem, com recurso às TIC, em


respeito pelos princípios inerentes ao MEM?
o Que dinâmicas emergem da tentativa de concretização das TIC num ambiente
educativo de base construtivista?
o Que outras questões emergem da tentativa de concretização do uso pedagógico das
TIC?

Estas questões conduzem-nos a dois objetivos de investigação: (i) refletir e tomar


consciência de todo o processo que envolve a planificação e concretização de uma estrutura
de ensino-aprendizagem que integre as duas vertentes educativas em estudo: a pedagógica e
a tecnológica, (ii) analisar o processo de planificação e de concretização a fim de compreender
os resultados desta forma particular de trabalho.

1.3 Opções metodológicas

Por nos movermos no campo da educação, e dadas as especificidades e subjetividade dos


fenómenos educativos (Amado, 2013), o presente estudo segue uma abordagem de natureza
interpretativa pois pretende-se acompanhar, descrever e compreender um conjunto de
fenómenos, refletindo sobre a análise dos dados que se vão recolhendo ao longo de um
determinado processo (Creswell, 2007a; Miles & Huberman, 1984). A abordagem qualitativa
inerente a esta opção metodológica tem, na compreensão, o seu valor principal (Bogdan &
Biklen, 1991).

Pelos pressupostos apresentados, por ser professor efetivo na escola onde leciono, ser
membro do MEM e ter conhecimentos na área das TIC, assumir o papel de professor-

4
investigador pareceu-nos ser aquele que melhor se adequou ao corrente estudo. (Buck &
Akerson, 2016; Chick & Moss, 2007; Craig, 2009; Stenhouse, 1976). Desta forma, pareceu-nos
adequado a assunção de uma perspetiva reflexiva e de questionamento face às problemáticas
educativas enquanto profissional que ao mesmo tempo integra a vertente de investigador
(Stenhouse, 1978).

Tal como esquematizado no figura 2, tomámos como objeto estudo um professor que
regista o seu dia a dia escolar num diário de bordo (ver anexo 1). Este diário de bordo assumiu-
se como um companheiro do professor, que pretende investigar e compreender a sua prática,
enquanto diário de registo dos acontecimentos, dúvidas, desafios, condicionantes,
sentimentos e outras reflexões daquilo que constitui a prática letiva diária de um professor do
1.º ciclo que assume as TIC não só como ferramenta de trabalho, mas, essencialmente, como
instrumento motivador e catalisador de competências e aprendizagens (Zabalza, 1994).

Figura 2 - Esquema geral da investigação

1.4 Contexto da investigação

Este estudo teve como foco um professor que leciona uma turma do 3.º ano do 1.º ciclo,
que nutre o interesse pelas tecnologias digitais e fundamenta a sua prática pedagógica no
Movimento da Escola Moderna. A recolha dos dados aconteceu numa escola privada do
distrito de Lisboa. Nesta escola existe apenas uma turma por ano de escolaridade, em cada
ciclo de aprendizagem, com uma média de 15 alunos por turma. A escola encontra-se
particularmente bem apetrechada em termos de recursos tecnológicos. Tem implementado ao
longo dos anos diversos planos tecnológicos para integração educativa das TIC, centrados na
aquisição de hardware e software, e também tem investido na formação dos docentes na área o
das TIC. Destacamos que cada aluno tem o seu iPad, as salas encontram-se apetrechadas com
quadro interativo, Apple TV, impressora e cada docente tem o seu laptop disponibilizado pela
escola. A escola tem três laboratórios de informática que podem ser requisitados e utilizados
pelos professor e alunos. Encontram-se à disposição, para utilização comum, outros recursos

5
como Kits de filmagem com green screen, Kits Lego Weedo e Mindtorms, impressoras 3D, ente
outros. Em relação a software, a escola tem para todos os docentes e alunos licenças Adobe
Creative Cloud, SmartNotebook, Twinkle e Escola Virtual. Outros recursos são adotados de acordo
com os interesses e necessidades dos docentes e dos alunos.

Relativamente à capacitação dos professores para o uso das tecnologias, e porque a escola
onde o professor leciona integra os serviços Google Cloud for Education, foram dinamizados
dois Google Summit com o objetivo de formar os docentes para o uso das aplicações Google
numa perspetiva educativa das mesmas. A escola promove, anualmente, atividades
formativas, quer no molde de comunidades de aprendizagem para partilha de experiência
educativas, quer no âmbito da formação com recurso a entidades formadoras externas.

Assim, observa-se um contexto educativo com caraterísticas particulares ano nível de


recursos tecnológicos digitais disponíveis. Foi neste contexto, enriquecido por tecnologias
digitais, que decidimos mergulhar no sentido de recolher os dados e de procurar as respostas
para as questões de investigação que colocámos.

1.5 Fases de investigação

Para cumprir os objetivos propostos, foi necessário estruturar um plano que permitisse
captar todo o trabalho conceptual inerente quer ao desenho da planificação quer ao processo
de concretização. Definimos um plano estruturado em três fases: planificação / concretização,
reflexão e análise dos dados (Figura 3).

Na 1.ª fase do estudo pretendemos compreender como se organiza o processo de ensino e


de aprendizagem tendo por base uma perspetiva construtivista da educação. Pela
particularidade dos princípios pedagógicos do modelo do MEM, o processo de planificação
não segue a estrutura do modelo tradicional de ensino geralmente organizada de forma
dependente dos conteúdos do programa. O modelo do MEM assume a planificação como um
processo construído em diálogo e em interação entre os elementos da turma. Deste processo
comunicativo, resulta um plano que não é da exclusiva responsabilidade do professor, mas
converte-se num produto dinâmico e iterativo que resulta da participação e da intervenção da
turma. Assim, visto o processo de planificação e de concretização, à luz do paradigma da
comunicação, resultar numa única dimensão pois um decorre do outro e vice-versa, fez-nos
sentido integrar o processo de concretização na 1.ª fase da investigação.

6
A 2.ª fase centrou-se na produção de um diário de bordo. O diário de bordo configurou-
se num instrumento desenvolvido ao longo de um ano letivo, num tom de escrita informal,
como resultado da reflexão diária de um professor em torno das dinâmicas, dúvidas, desafios,
constrangimentos, sucessos, ou seja, um registo sentido de tudo aquilo que constitui o dia a
dia de trabalho de um docente.

Na 3.ª fase procedeu-se à análise de conteúdo exaustiva do diário de bordo com o objetivo
de compreender o pensamento de um professor que pretende utilizar as TIC com sentido
pedagógico.

Figura 3 - Caraterização das fases de investigação

1.6 Estrutura interna

Este trabalho encontra-se organizado em cinco capítulos, estruturado numa linha


condutora que visa apresentar a continuidade lógica de investigação.

No capítulo 1, Introdução, apresenta-se, contextualiza-se e justifica-se de forma sintética o


propósito da investigação a que nos propomos, apresentando o fundamento para o problema,

7
tese e questões de investigação. Contextualizamos as opções metodológicas que nos
pareceram ser as mais adequadas tendo em conta o propósito da investigação.

O capítulo 2, Enquadramento Teórico, enquadra os referenciais teóricos que suportam a


investigação, encontrando-se organizado em três tópicos: Para uma escola com sentido, Sobre o
potencial pedagógico das TIC e A perspetiva curricular do Movimento da Escola Moderna. Cada um
dos tópicos é desenvolvido com base na revisão de literatura, orientada para o problema,
questões e objetivos da investigação. Será a articulação e o aprofundamento do ponto de vista
conceptual destes três eixos que contribuirá como fundamento para a presente investigação.

No capítulo 3, Metodologia, apresentam-se as decisões de ordem metodológica.


Aprofundamos os conceitos teóricos em torno dos estudos de natureza qualitativa, dos
princípios que orientam o papel de professor-investigador e do diário de bordo. Descreve-se
o percurso metodológico da investigação assim como os procedimentos seguidos para a
realização da análise de conteúdo do diário de bordo que, como referido, representou uma
das etapas nucleares desta investigação.

O capítulo 4, Apresentação dos Resultados, decorre da análise de conteúdo exaustiva do


diário de bordo. Atendendo às questões que orientam esta investigação, foi necessário
proceder à redução dos dados. Assim, apresentam-se os resultados que vão ao encontro das
questões de investigação, num tom essencialmente descritivo, recorrendo a citações e
construindo interpretações.

No capítulo 5, Conclusão e Considerações Finais, desenvolve-se uma reflexão final à luz das
questões que orientaram esta investigação que decorre dos elementos apresentados no
capítulo dos resultados para os justificar e discutir à luz da teoria. Incluímos as limitações e
dificuldades encontradas durante a investigação, assim como, algumas aplicações e
implicações decorrentes das conclusões. Concluímos com a apresentação de algumas
sugestões para futuras investigações.

No final deste trabalho, em apêndice, partilhamos o sistema de análise na sua versão


completa. Relativamente ao diário de bordo, optámos por deixar o mesmo em anexo de forma
a facilitar a sua consulta. Do diário de bordo aqui apresentado, foram retirados os excertos de
descrições no sentido de asseguarar a privacidade de terceiros. Nesse sentido, algumas das
situações apresentadas e analisadas nesta investigação, são descritas sem referência explícita
aos seus intervenientes.

8
2 Enquadramento teórico

2.1 Nota prévia

Decorrente dos objetivos e das questões que orientaram esta investigação, tal como
enunciados no capítulo da Introdução, e com o objetivo de contribuir para uma visão
clarificadora das teorias que possam oferecer suporte a esta investigação, pareceu-nos
relevante centrar o enquadramento teórico em três temas: Para uma escola com sentido; Sobre o
potencial pedagógico das TIC e A perspetiva curricular do MEM.

Tem-se debatido bastante a inflexibilidade das práticas educativas, referindo-se com


alguma frequência como o paradigma da instrução ainda é aquele que prevalece. Assim,
mergulhámos na perspetiva e na visão de autores de referência no campo da educação a fim
de compreendermos melhor o que fundamenta o trabalho escolar, e que dificuldades enfrenta
para a tão aclamada mudança de paradigma. Tem sido referido como a escola necessita de
mudar e de inovar a diferentes níveis, o que implica inúmeros desafios. Estes temas são
abordados em dois subtópicos; num primeiro subtópico enquadramos a “A necessidade da
mudança” numa abordagem histórica dos momentos mais marcantes da educação; num
segundo subtópico procuramos compreender quais são os “Os desafios da inovação” que as
escolas enfrentam na concretização de uma perspetiva pedagógica que marque a rutura com
o modelo puramente instrutivo, assim como, de que forma se tem inovado em termos
curriculares no sentido de contribuir para uma escola que se encontre mais enquadrada e
alinhada com a realidade social.

Como o nosso estudo se move em torno do potencial pedagógico das TIC, seria pertinente
compreender o envolvimento das tecnologias em dois espaços que se articulam e
complementam: a sociedade e a escola. Neste sentido, dedicámos dois subtópicos,
nomeadamente “As TIC e a sociedade” e “As TIC na escola”, a uma revisão de literatura em torno
do impacto e do desenvolvimento das TIC na sociedade e na escola. Procurámos compreender
e contextualizar não apenas as fragilidades atuais que condicionam o uso das TIC na
educação, mas também aquilo que potencia a sua utilização e implementação educativa.
Partindo do princípio de que uma das potencialidades das TIC se refere à forma como é
construído e difundido o conhecimento, encontramos, neste domínio, autores que nos falam
do conceito de ferramentas cognitivas enquanto facilitadoras do processo cognitivo e,
consequentemente, como construtoras de conhecimento. Assim, pareceu-nos relevante

9
desenvolver uma revisão de literatura que nos ajudasse a compreender melhor o que dizem
os autores sobre “As TIC como ferramentas cognitivas”.

No seguimento da linha metodológica desta investigação na qual analisámos o diário de


bordo de um professor que sustenta a sua prática letiva na perspetiva pedagógica do MEM,
pareceu-nos importante descrever, num último tópico, e com algum detalhe, sobre “A
perspetiva curricular do MEM”. Apresentamos um primeiro subtópico sobre “A génese do
MEM”, no qual procurámos conhecer melhor os fundamentos deste modelo pedagógico, e
posteriormente fomos conhecer como se estrutura e concretiza “A organização curricular do
modelo do MEM”. Debruçámo-nos com maior profundidade neste tópico, comparativamente
aos anteriores, pois dado os objetivos do nosso estudo nos pareceu fundamental compreender
e explicitar com detalhe os princípios que estruturam o modelo pedagógico do MEM.

Em síntese, centrámos as nossas leituras em temas que nos permitissem compreender o


papel da escola, os significados de ensinar e de aprender e os desafios societais em torno das
TIC. Nestes três eixos, esperámos adquirir fundamento que iluminasse os resultados
decorrentes da análise dos dados a fim delinear as respetivas as conclusões de forma coerente
com os objetivos deste estudo.

2.2 Para uma escola com sentido

Destacam Trindade e Cosme (2010) que, nas sociedades industriais atuais, a maior parte
dos trabalhadores vive, tal como vivem os estudantes, num mundo profissional fechado e
onde a escola tem procurado reproduzir essa realidade.

A este propósito, lembra Perrenoud,

“…podemos constatar que a escola é um lugar de vida e de


trabalho em tudo semelhante a muitos outros, talvez menos duro e
menos enfadonho. Qualquer adulto se recorda que, nos seus tempos
de escola, o que realmente importava não eram as aulas de Gramática
ou de Geometria, mas a afirmação perante um grupo, uma competição
desportiva, a aceitação pelos outros, os momentos de jogo e de
discussão em grupo, os momentos de angústia face à avaliação e às
exigências do professor, as zaragatas e as punições eventuais, as
comunicações com alguns adultos.” (p.112).

Refere Sérgio Niza (1974) que o autêntico saber, o verdadeiro conhecimento, se adquire na
resolução das contradições da vida prática, em que a Escola tem um papel importante na
construção de contextos que contribuam para aprendizagens mais significativas.

10
Numa perspetiva construtivista, parece-nos neste clarificar a distinção entre
conhecimento e competência. Talvez uma das mais notáveis figuras que muito contribuiu
uma definição de conhecimento, numa perspetiva educativa, foi Jean Piaget. Para Piaget o
conhecimento não reside, especificamente, nem no sujeito nem no objeto mas resulta das
contínuas interações entre ambos (Ferracioli, 1999). Atualmente, o discurso educativo centra-
se mais no conceito de competência, e as atuais orientações curriculares refletem isso, do que
em conhecimento. Um percursor e defensor da conceito de competência foi Philippe Perrenoud,
que define como a capacidade de mobilizar conhecimentos para, de uma forma eficiente e
autónoma, realizar tarefas complexas do dia a dia, numa perspetiva de contínua adaptação a
novos conhecimentos (Perrenoud, 1994), num fundo, é a aplicação prática dos conhecimentos
adquiridos.

Perrenoud (1994) considera que ainda imperam na escola mecanismos de controlo que
promovem uma dualidade conflituosa pois onde os alunos que não vivem do seu trabalho
como uma atividade gratificante apenas se resignam para evitar as sanções. Assim, no sentido
de garantir o equilíbrio entre escolarização e socialização, a Escola encontrou um mecanismo
eficaz que garanta o controlo e bom funcionamento da instituição.

Destaca Trindade e Cosme (2010), “… que a principal finalidade da Escola poderá ser
definida em função do seu contributo para a apropriação, da parte dos alunos, de uma fatia
decisiva do património cultural disponível enquanto condição do processo de afirmação e
desenvolvimento social e pessoal das crianças e dos jovens no seio da sociedade em que
vivemos.” (p.29). Esta visão remete-nos para uma perspetiva cultural da escola, que se destaca
enquanto elemento agregador que permite fixar ideias e ideais, na medida em que o espólio
cultural do indivíduo é o resultado do meio social e cultural no qual o indivíduo se insere e
se desenvolve (Vygotsky, 1934). A este propósito, acrescenta Perrenoud (2004), é importante
repensar o sentido da escola como um espaço mais cooperativo, mais aberto, mais
globalizante, mais social, em suma, mais democrático.

A este propósito, Dewey (1916) lembra que a escola tem a missão de assegurar os
princípios da democracia, não como base da democracia, mas como oficina prática das ideias
subjacentes aos princípios democráticos. O serviço público prestado pelas escolas é tanto mais
democrático e inclusivo quanto forem os propósitos e as práticas que orientam as ações que
decorrem nas escolas (Canário, Matos, & Trindade, 2004). O sentido escolar resulta de uma
permanente construção e reconstrução de espaços que facultem aos alunos experiências de
iniciativa, de autonomia, de negociação, de indecisão, de sonho (Perrenoud, 1994).

11
Destacam Trindade e Cosme (2010) que existe toda uma complexidade à construção de
uma escola com sentido pela falta de alguns elementos fundamentais, como a falta de
consenso nas finalidades políticas, sociais e educativas que resultam de diversos confrontos
ideológicos.

Em síntese, nas palavras de Perrenoud (1994) “…na aula, manipulam-se pessoas, tarefas,
relações, coisas, juízos. Mas manipula-se sobretudo o sentido: se este se constrói, nem que seja
provisória ou parcialmente, a aprendizagem torna-se possível; se não, perpetua-se a comédia
do saber!” (p.69).

2.2.1 A necessidade da mudança

Segundo Rodrigues (2004) até ao séc. XV vigorava uma forma escolar onde se aprendia no
contexto do dia-a-dia, sempre que era necessário aprender algo, na qual sobressaia a riqueza
destes ambientes educativos, de uma aprendizagem individualizada, realizada em contexto,
em que se concretizava no imediato as aprendizagens adquiridas.

No século XVII, Coménio apresenta na Didática Magna aquilo que seria uma visão lúcida
perspetivando a mudança, à luz do contexto da época, dos princípios educativos da Escola.
Tal modernidade, em tais escritos, pode ser facilmente reportada para os nossos dias, onde
ainda se opera uma Escola em mudança, na qual, por vezes, também se parece acreditar, tal
como preconizava Coménio, num método que permita ensinar tudo a todos (Palmeirão &
Alves, 2017).

Segundo Figueiredo (2016), foi a partir do início do séc. XVI, com a ascensão e progressivo
poder da Igreja, que a responsabilidade da educação das crianças ficou a cargo de várias
instituições religiosas. Talvez aquela que teve maior relevância foram os jesuítas. No entanto,
no início do séc. XX uma mudança subtil de paradigma ocorre e, até certo ponto, é catalisadora
de mudança. A escola assume o paradigma da ciência moderna como contraposto ao anterior
que assumia a fé e o senso comum como referencias e fontes do conhecimento (Cunha, 2016).

Contrapondo uma educação cuja responsabilidade recaía maioritariamente nas


instituições religiosas, nos séc. XVIII e XIX os estados começaram a assumir a educação numa
visão massificadora como necessidade de uma sociedade industrial antevendo um mundo
industrializado, onde os mesmos princípios seriam aplicados às escolas, enquanto linhas de
montagem para a produção massificada de recursos humanos destinados a satisfazer uma
sociedade industrial. As campainhas, as secretárias em fila, a rigidez dos horários, a

12
aprendizagem e a reprodução mecânica fora de contexto e a competição escolar são exemplos
dessa visão industrial e mecanicista (Figueiredo, 2016).

De acordo com Figueira (2004), a partir dos anos 80 do século XIX emerge um movimento
de inovação educativa conhecido como Educação Nova, que se estendeu desde a Europa
ocidental até à América do Norte. Este movimento emerge como oposição a uma escola que,
até cerca de 1870, se organizava contra as leis naturais do desenvolvimento humano. O
movimento da Educação Nova era sustentada pela observação do indivíduo e da
consideração pela importância das suas capacidades físicas e mentais, um movimento que se
opunha à escola sentada onde as crianças eram alvo de ensino abstrato e uniforme sob a batuta
de um mestre (Figueira, 2004). Assim, aproximadamente entre 1870 e 1920 marca-se uma
mudança significativa no desenvolvimento de ideias pedagógicas suportadas em diversos
conhecimentos dentro do campo da psicologia, da sociologia, da medicina, da filosofia
(Nóvoa, 2009).

Como refere Rodrigues (2004), a Educação Nova marcou a primeira tentativa educativa
estruturada, que pôs em causa a escola tradicional e os métodos tradicionais de ensino com
base na transmissão de conhecimentos suportados por livros e aulas magistrais, onde a
aquisição de saber era do tipo memorial, simultâneo, sem qualquer nível de compreensão e
contextualização dos conteúdos ministrados. Como realça Alves (2010), assiste-se ao emergir
de um movimento pedagógico que defende uma reação ao conceito oitocentista, centrado no
papel de uma sociedade industrializada, marcada pela função de formar pessoas
independentemente das suas caraterísticas individuais. Segundo nos diz Nóvoa (2009) o
movimento da Educação Nova representou um marco simbólico da modernidade escolar e
pedagógica. Trindade (2017) relembra Rousseau como figura central de reflexão de muitos
pedagogos do movimento da Escola Nova, no sentido em que foi o primeiro a entender a
condição de criança como um ser distinto do adulto, um ser a respeitar nas suas
especificidades e virtualidades próprias.

Três momentos marcam a viragem educativa para a Escola Nova: em 1899 Adolphe
Ferrière cria o “Bureau International des Écoles Nouvelles”, em 1915 Faria Vasconcelos publica o
livro “Une École Nouvelle en Belgique”, no qual retrata a sua escola criada na Bélgica no ano de
1912 e em 1921 funda-se a Liga Internacional Pró Educação Nova (Alves, 2010).

A este propósito, importa caraterizar a dimensão curricular que deu corpo à Escola Nova.
Do livro de Faria Vasconcelos “Uma Escola Nova na Bélgica” (Vasconcelos, 2015), destacamos
o prefácio de Adolphe Ferrière onde enuncia os trinta princípios da Escola Nova. Numa forma

13
sintética, apresentamos a exposição de Alves (2010), que resume em cinco ideias gerais os
princípios da Educação Nova:

“- A escola nova é um laboratório de pedagogia prática que


procura servir de referência para o sistema público de ensino;
funcionando preferentemente em regime de internato e situada numa
zona rural, a escola nova procura criar uma ambiência saudável e de
proximidade com a natureza (excursões, acampamentos, criação de
animais, trabalhos agrícolas, ginástica natural…).
- A escola nova pratica o sistema de coeducação dos sexos,
estimulando as relações sociais e a cooperação entre rapazes e
raparigas.
- A escola nova concede uma particular atenção aos trabalhos
manuais, encarados não apenas numa dimensão técnica, mas
sobretudo como um poderoso meio de educação intelectual; todo o
ensino deve organizar-se a partir de métodos ativos que estimulem o
gosto pelo trabalho e a criatividade.
- A escola nova procura desenvolver o espírito crítico, através da
aplicação do método científico, baseando o ensino em factos e
experiências, na atividade pessoal da criança e nos seus interesses
espontâneos; é desejável uma conjugação entre atividades de trabalho
individual e momentos de trabalho coletivo.
- O quotidiano da escola nova alicerça-se no princípio da
autonomia dos educandos, isto é, numa educação moral e intelectual
que não se exerce autoritariamente de fora para dentro, mas antes de
dentro para fora, graças à experiência e ao desenvolvimento gradual
do sentido crítico e da liberdade; o sistema disciplinar, bem como a
educação da consciência moral e da razão prática, devem fazer-se no
quadro desta perspetiva.” (p.169)

Nesta linha, Nóvoa (2009) resume a perspetiva curricular e educativa da Educação Nova
em quatro princípios: educação integral, autonomia dos educandos, métodos ativos e
diferenciação pedagógica.

A Educação Nova mobilizou um conjunto de estruturas que apoiavam a formação dos


estudantes numa visão globalizante do ensino. Os avanços científicos, nomeadamente no
campo da psicologia, permitiram aprofundar o conhecimento sobre o desenvolvimento da
criança e, consequentemente, clarificar as estruturas cognitivas que permitem a aprendizagem
(Rodrigues, 2004).

Por outro lado, apesar da modernidade pedagógica do movimento da Escola Nova, como
ressalva Pintassilgo (2018), o movimento nunca se constituiu como uma corrente pedagógica
homogénea, mas antes como a confluência de diversos pensadores, educadores e experiências
educativas.

14
A Escola Nova caracteriza-se como oposição a uma forma descontextualizada de fazer a
escola centrada na transmissão de conhecimento através de aulas magistrais e onde a
memorização privilegia a compreensão. É vista nos finais do séc. XIX, como salvadora de uma
forma escolar que há muito se encontrava desligada da realidade; um surto que se
denominado de educação nova e progressista como resultado do descontentamento com a
educação tradicional (Dewey, 1952).

Diz Nóvoa (2009) que a Escola Nova assumiu um programa ambicioso na crença de o
poder cumprir, alargando as suas missões ao longo do séc. XX, o que conduziu à perda da
noção das prioridades no sentido em que se foi desviando das tarefas de ensino resultando
numa amálgama de perspetivas e de ideais. A este propósito, salienta Rodrigues (2004), a forte
influência de ideologias, quer monárquicas quer nacionalistas ou ainda religiosas (os quais
fizeram forte opressão contra o espírito da Educação Nova), ou a inevitável repressão do
Estado Novo, com o objetivo de travar a concretização dos ideais da Educação Nova no nosso
país.

Decorrente da progressiva degradação daquilo que foi uma nova forma de fazer a escola,
pelos princípios do séc. XX inicia-se uma rutura com a filosofia educativa da Escola Nova com
o surgimento de novos movimentos educativos. Alguns desses movimentos tiveram, e ainda
têm, forte impacto nas práticas educativas atuais. Em Itália, Maria Montessori, médica,
pedagoga e educadora, fundou o método Montessori que centrava a educação no aluno com
objetivo de promover habilidades cognitivas, emocionais e sociais através de uma abordagem
baseada na exploração. Em França, o Movimento da Escola Moderna (MEM) surge às mãos
de um professor primário, de seu nome Célestin Freinet. Esta rutura deu-se por motivos
ideológicos e pedagógicos, pois Freinet achava que a Escola Nova começou a tornar-se elitista,
favorecendo os filhos da classe burguesas. À semelhança de outros pedagogos da época,
Freinet lança um novo olhar na forma de fazer a escola ao definir uma nova prática
pedagógica em que as técnicas passam a fazer parte central do processo, assumindo a riqueza
cultural de cada aluno como catalisadora de novas aprendizagens. Esta mudança da Escola
Nova para Escola Moderna teve algum impacto em Portugal, ainda que muito ligeiro
(Figueira, 2004).

Independentemente da diversidade de perspetivas e abordagens educativas, para Freire


(1978) continua a vigorar maioritariamente a educação escolar mecanizada, magistral, tal
como preconizado na era da industrialização, com professores a entregar aos alunos
encomendas ministeriais sob forma de programas exaustivos, na crença de que os alunos,

15
quais depositários bancários, assimilem de forma automática toda e qualquer informação que
lhes seja apresentada. Nesta linha, Figueiredo (2017), compara as práticas educativas atuais
com as utlizadas durante a idade média onde o professor lê e explica, não os autores clássicos,
mas as obras de outros autores ou o manual adotado. Como acrescenta Dewey (1952), numa
perspetiva tradicional, aprender significa adquirir o que já está incorporado nos livros e na
mente dos mais velhos, numa visão que entendia que o futuro seria em tudo semelhante ao
passado.

Destaca Dewey (1952) que a construção cultural feita em torno de experiências educativas
que limitavam o desenvolvimento global do aluno e, consequentemente, tornavam os jovens
insensíveis à aprendizagem e à aquisição de novo conhecimentos, teria posterior impacto nas
mudanças necessárias para o desenvolvimento e a evolução das sociedades. O mesmo autor
lembra que o problema não reside nas experiências que os alunos realizam mas antes na
qualidade dessas experiências, pois os alunos realizam-nas tanto na escola tradicional como
na escola progressista.

Nas palavras de Freinet (1976), “…aplaina-se com entusiasmo uma nova estrada mas para-se
exatamente no momento em que seria necessário ultrapassar um vale”. Assim, segundo Costa et al.
(2012), cabe ao professor assumir o papel de agente transformador, crítico, questionador do
papel da escola e da sua ação profissional no sentido de assumir a mudança da escola e da
sua prática pedagógica.

Em síntese, as mudanças de longo alcance na educação requerem não apenas uma reflexão
cuidada e permanente da parte dos professores, mas implica também repensar a formação
inicial e contínua dos docentes no sentido de rever o papel do professor, na necessidade de
mudança de paradigma da atual cultura escolar (Joe, 2008). Como consideram Alla e
Tomlinson (2002), “…a mudança é enervante (…) faz-nos sentir desconfortáveis” na medida em
que nos desafia e obriga a repensar não apenas aquilo que fazemos mas também quem somos.

2.2.2 O desafio da inovação

Para Souza e Pinho (2016) inovação é o eixo principal de mudança, não entendida como a
exclusividade do novo, como acontece com as tecnologias, mas transporta consigo uma nova
visão do normal, das regularidades, da perceção de novas forma de conhecer, de produzir
novos conhecimentos. Complementa Cunha (2016), inovar é um processo de rutura, que
permite olhar para o conhecimento de outras perspetivas, como uma nova conceção
paradigmática que não resulta da introdução de novidades e ou até novas tecnologias pois

16
resulta, antes, de uma nova forma de entender o conhecimento. Por outro lado, Messina (2001)
afirma que a ideia de inovação é mais um processo do que um acontecimento, uma disposição
em direção à inovação, com atenção a todos os atores que se movem no campo educativo. No
entanto, as inovações no campo da educação verificadas ao longo dos anos têm ocorrido de
cima para baixo, com base em mecanismos sistemáticos de ajuste, mais do que aferir e
compreender as necessidades e interesses de todos aqueles que no dia a dia experienciam a
vivência escolar.

Como tivemos a oportunidade de ver no tópico anterior, a escola atual é ainda herdeira
de uma gramática que teve início no período da revolução industrial, caraterizada pela
concentração e massificação de conhecimentos, pela segmentação dos tempos e dos espaços,
com o propósito de ensinar o mesmo a todos, na crença de uma otimização do ensino e da
aprendizagem. (Palmeirão & Alves, 2017).

Com o passar dos tempos e perante tantas contradições educativas, diversas entidades
começaram a mobilizar esforços no sentido de uma nova forma de fazer a escola que responda
aos desafios societais atuais. A UNESCO (UNESCO, 2016) elaborou um relatório que
contempla os princípios para ação e mudança na Educação, a concretizar até 2030, que
ambicionam a “…transformação da vida das pessoas através da educação (…) através da
renovação de uma agenda educativa (…) que não deixe ninguém para trás e que permita o
acesso a todos à aprendizagem ao longo da vida”. No sentido de alcançar os objetivos
propostos são contempladas no referido documento orientações a operar a vários níveis,
nomeadamente: mudança nas políticas educativas concentrando os o foco e esforços naqueles
que mais necessitam de apoio; mudança ao nível das práticas educativas tendo em vista a
melhoria da qualidade do ensino; mudanças nos currículos que contemplem objetivos
práticos, realistas e alcançáveis por todos; maior investimento financeiro para garantir os
recursos educativos necessários e, por fim, a necessidade de líderes educativos que
implementem medidas educativas, a vários níveis, e que consigam monitorizar e avaliar os
resultados. Estes objetivos propostos no referido relatório da UNESCO são sustentados por
princípios essencialmente de base humanista que visam garantir uma educação de qualidade,
inclusiva e equitativa, que promova oportunidades de aprendizagem para todos ao longo da
vida.

No contexto nacional, decorrente do documento descrito no parágrafo anterior e de outros


elaborados recentemente no âmbito da educação, foi organizado para o currículo nacional o
documento orientador Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória, como documento de

17
referência para a gestão e organização do currículo nacional, assim como no apoio para a
definição de estratégias, metodologias e procedimentos pedagógico-didáticos que, no fundo,
configura de uma forma globalizante os objetivos educativos pretendidos para o final da
escolaridade obrigatória. Este documento alerta para os tempos de incerteza e de mudança
que ocorrem nas sociedades, nas quais se operam rápidas e diversas transformações sociais.
No sentido de preparar os jovens para a mudança e para os novos desafios, são previstos
princípios e orientações, que devem ser acautelados pelos diversos atores educativos, que
apontam para uma educação escolar no sentido da construção de uma cultura científica e
artística de base humanista.

Em síntese, diz-nos Nóvoa (2009) que são muitos os futuros possíveis, mas que só um terá
lugar e que está dependente da nossa forma de pensar e de agir, abrindo os sistemas de ensino
a novas ideias, abrindo novos horizontes para a educação. Nesta linha, como considera Niza
(1997), a escola de hoje não tem de aspirar a uma escola para vida ou onde entre a vida, pois
isso hoje é inevitável, a escola que não se alimente da vida e não a leve para dentro da escola
está condenada a desaparecer. Nesta linha, acrescenta Niza (2015), é imperativo passar da
escola como instrutora para a escola como realidade educativa (Niza, 2015b).

2.3 Sobre o potencial pedagógico das TIC

Segundo Costa (2004) as novas tecnologias passaram a ser o principal meio de arquivo, de
pesquisa de informação, de comunicação entre as pessoas independentemente da condição
ou do lugar onde se encontrem.

Sobre o potencial e impacto das TIC, Figueiredo (2017) apresenta um exemplo que poderá
clarificar o potencial transformador das tecnologias digitais: a cadeia de hotéis Hilton
demorou cerca de 95 anos para implementar aproximadamente 610.000 alojamentos em 84
países; a Airbnb, um serviço online de aluguer de alojamentos, ultrapassou a cadeia Hilton
em apenas quatro anos com 1.500.000 alojamentos distribuídos em 191 países. Neste exemplo,
somos confrontados com o impacto que as TIC podem exercer, num tão curto espaço de
tempo, ao nível social e económico. Mais recentemente, nos espaço de poucos meses, os
modelos generativos de inteligência artificial têm emergido e evoluído a uma velocidade
impressionante. A rede social Facebook demorou cerca de três meses para contemplar um
milhão de utilizadores, o Instagram demorou cerca de um mês para alcançar o mesmo número
de utilizadores, o ChatGPT alcançou o milhão de utilizadores em apenas cinco dias.

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No domínio da educação as TIC têm apresentado o seu impacto. Dada a rápida evolução
das tecnologias, Resnick (2016) considera irónico como ao mesmo tempo que as máquinas
estão gradualmente a desempenhar funções que não requerem exclusivamente habilidades
humanas, os nossos sistemas educativos continuam a forçar as crianças a pensar e a agir como
máquinas, numa forma de pensamento que deriva da Revolução Industrial, numa altura onde
era imperativo formar trabalhadores que fossem pontuais e que realizassem atividades de
forma rigorosa e repetitiva. Como lembra Papert (1993), sobre a resistência à mudança, “…one
of the most important of these is about how a system defends itself against recognizing the
depth of its problems and the need for fundamental change.” (p.139).

Temos assistido, tal com realça Costa (2008), desde os anos 90 a uma constante narrativa
em torno do potencial educativo das TIC que acompanhou as diversas reformas educativas.
No entanto, destaca o autor, existe uma força cultural escolar em torno da organização das
TIC, do que deve ser ensinado, sobre o que significa aprender e as dificuldades de aceitação
de mudança por parte da classe docente que justificam o fraco uso das TIC em contexto
educativo onde, no essencial, a dimensão pedagógica acaba ser ela mesmo um fator que
fragiliza a implementação e uso das tecnologias numa vertente que deveria valorizar o
aprender com tecnologias e detrimento de aprender sobre as tecnologias.

A pertinência e relevância em torno do potencial transformador das tecnologias em


contexto educativo, desde há vários anos que tem sido assinalado por diversos autores (Ben-
zvi & Salomon, 2006; Costa, 2008; Jonassen, 1995; Papert, 1982). No entanto, parece existir uma
lacuna em termos de investigações que permitam aferir de forma detalhada o verdadeiro
impacto das tecnologias em diversas dimensões, como por exemplo nas aprendizagens dos
alunos. Existem alguns estudos sobre a modelo de e-learning que confirmam que as práticas
centradas no modelo instrutivo se mantêm inalteradas quando se recorre às tecnologias, em
que o principal objetivo se continua centrar na disseminação de informação (Blin & Munro,
2008).

Costa (2012) considera crucial questionar em que áreas do currículo fará sentido o uso de
determinadas ferramentas digitais, para cumprir que objetivos e que aprendizagens
específicas, avaliando as implicações do seu uso e dos recursos necessários e do valor
acrescentado que poderá trazer ao processo de ensino e de aprendizagem.

Um facto é que a introdução das tecnologias na escola transportaram, quase que


inevitavelmente, uma mudança nas práticas dos professores. No entanto, estas mudanças não
se operaram no sentido esperado uma vez que os professores fizeram uso das tecnologias,

19
nomeadamente os computadores, como uma extensão das práticas pedagógicas tradicionais
que já desenvolvem (Costa, 2004). A este propósito, Jonassen (1996) sublinha que as
tecnologias devem ser uma extensão das boas práticas educativas, ao invés de reproduzir o
pior. Assim, o mesmo autor destaca e defende como os ambientes construtivistas permitem
repensar a utilização das TIC no processo de ensino e de aprendizagem a fim de tirar o devido
potencial pedagógico das mesmas.

Jonassen (1995) distingue três níveis de utilização dos computadores que, num certo
sentido, correspondem a diferentes níveis de envolvimento cognitivo sobre a utilização que
os alunos podem fazer das tecnologias: learning from technology, learning about technology e
learning with technology. Embora Jonassen considere importante aprender com as tecnologias
e sobre as tecnologias, o papel educativo e transformador das mesmas deverá centrar-se no
princípio de aprender com as tecnologias. Neste sentido, Jonassen et al, (1996) clarifica o papel
das tecnologias no contributo para aprendizagens mais significativas, que possam favorecer
o desenvolvimento de comunidades que concebam condições para o desenvolvimento das
interações necessárias para resolver problemas concretos do mundo em que vivemos.

Iremos de seguida debruçar-nos sobre algumas das questões essenciais que implicam o
uso das TIC na educação, na tentativa de clarificar e compreender os seus significados,
constrangimentos e potencialidades.

2.3.1 As TIC e a sociedade

Costa (2008) destaca a existência de um desfasamento entre as mudanças que ocorrem na


sociedade e a educação formal da escola. Vive-se um desfasamento entre as possibilidades
oferecidas pelo progresso científico e tecnológico e pela revolução digital, num ritmo
acelerado, e o desajustado e desatualizado conjunto de respostas dadas a nível educativo
(Ruivo, 2017). Por outro lado, Castells (2005) realça como o pesado sistema burocrático e legal
do estado constitui um enorme entrave ao desenvolvimento e implementação tecnológica
potenciando uma administração pública menos democrática e que prejudica, em especial, os
cidadãos menos favorecidos.

Nesta linha, refere Trindade e Cosme (2010) que a Escola, enquanto pilar da sociedade,
não pode ser entendida como espaço dissociado de um tempo e contexto histórico específicos,
nem tão pouco se pode desagregar da sua natureza educativa e das finalidades políticas,
sociais, culturais e educativas que persegue, sendo que algumas destas mudanças são

20
permanentes, como enumera Ruivo (2017), como a mudança social, económica, tecnológica e
cultural.

Segundo Coll e Monereo (2010) o progresso observado na área da TIC ao longo dos
últimos anos trouxe consigo uma nova interpretação da sociedade, entendida como Sociedade
de Informação, implicando novas formas de organização social. Verificam-se desta forma,
transformações que comprometem novas formas de comunicar, relacionar, aprender, ou seja,
novas formas de viver e conviver. Assim, ressalvam os autores, as sociedades enfrentam um
novo paradigma ao qual tiveram, e terão, de se adaptar, pois, definem novas construções
culturais.

A comunicação e a informação assumem, assim, um papel de relevo na globalização do


conhecimento pois nunca esteve tão acessível como atualmente. Os próprios suportes de
informação ganharam outra dinâmica, sendo possível integrar num único documento a
linguagem escrita, som, imagem e vídeo. A rapidez com que se operam estas mudanças torna
necessário a contínua alfabetização digital dos cidadãos na medida em que estas alterações ao
estilo de vida das pessoas, para além de criar novos desafios, criam novos cenários sociais
(Castells & Cardoso, 2005).

De todas as ferramentas digitais, a internet apresenta-se como aquela que deu maior
impulso a uma nova forma social, onde deixou de ser necessário a presença física para se
estabelecerem relações sociais, económicas ou pessoais (Machado, Auxiliadora, & Farias,
2015). Assistimos, como destacam Castell e Cardoso (2005), a uma “virtualização da sociedade”,
que progride a par com o rápido desenvolvimento tecnológico, para o qual contribuem fatores
como a melhoria na literacia digital das populações, das infraestruturas tecnológicas, das
economias globais e das políticas de apoio. Entenda-se o conceito de literacia digital como a
proficiência no uso das tecnologias digitais para realizar tarefas comuns como pesquisa na
internet, tarefas relacionadas com produtividade ou a comunicação online (Costa, Rodriguez,
Cruz, & Fradão, 2012). Miranda (2013) faz a distinção entre literacia digital e literacia
informacional. A autora considera a literacia digital como o conjunto de habilidades técnicas
que permitem o uso das tecnologias digitais, quer ao nível de hardware e de software. Já a
literacia informacional diz respeito ao conjunto de habilidades necessárias para lidar com a
informação disponível, como saber pesquisar, avaliar e utilizar a informação em diversos
contextos.

As tecnologias relacionadas com a capacidade de representar e transmitir informação


revestem-se de especial importância pois influenciam a vida das pessoas em várias vertentes,

21
desde a organização social até ao modo de compreender o mundo, de organizar essa
compreensão e de a transmitir ao mundo (Coll & Monereo, 2010). Neste sentido, alertam
Sousa e Fino (2010) sobre a abundância de informação, onde não existem critérios de seleção
ou forma de verificar a veracidade dos conteúdos disponíveis, transformando-se, muitas
vezes, os veículos de informação em agentes de confusão para os utilizadores.

É inegável o envolvimento que as tecnologias digitais apresentam atualmente no contexto


social. Desta forma, torna-se relevante o papel da proficiência digital enquanto competência
necessária para a utilização de ferramentas digitais e para a realização de tarefas tão comuns
como uma pesquisa atenta e crítica na gigantesca enciclopédia global que é a Internet.
Atualmente, esta competência é tão importante como ser proficiente numa outra área
qualquer (Costa et al., 2012). Vivemos rodeados de tecnologia, e esta, hoje em dia, desempenha
um papel importante tanto nas nossas vidas como nos mais variados setores de atividade das
sociedades (Cossio et al., 2008).

Nesta linha diz-nos Costa (2009):

“Na sociedade do futuro ganham cada vez mais importância,


em primeiro lugar, o conhecimento (capital intangível), mas valores
como a criatividade e a predisposição para inovar, a abertura e a
flexibilidade indispensáveis ao ajustamento de cada um às
transformações que se vão operando, o trabalho cooperativo e as
ligações em rede, enfim, um conjunto de dimensões que configuram
não apenas o modo como vivemos, o modo como aprendemos e
interagimos uns com os outros, mas também o modo como as
empresas e outras instituições trabalham e se organizam entre elas, o
modo como fazem face à incerteza do futuro, à rapidez do
desenvolvimento tecnológico, à caducidade do conhecimento, à
efemeridade das vantagens competitivas, enfim, àquilo que qualquer
processo de crescimento e desenvolvimento naturalmente implica, só
que agora sem precedentes na história da humanidade.”(p.70)

Reforçam Coll e Monereo (2010) que desde a “estrada de informação”, navegando pelo
“ciberespaço” até mais recentemente ao “virtual”, a internet passou por várias fases, evoluindo
de forma considerável, permitindo atualmente uma potencial virtualização do mundo real,
na qual é possível simular práticas relacionadas com o quotidiano, sendo uma delas o ensino.
Surge, desta forma, uma nova gramática recheada de termos como, comunicação virtual,
aprendizagem virtual, comunidade virtual. Já foi referido que a Sociedade de Informação atravessa
um grande desafio relativamente às Tecnologias de Informação e Comunicação, sendo que, a
questão que colocam os países que têm atribuído grande ênfase à implementação das TIC em
contexto educativo, é que a grande quantidade de informação disponível não é sinónimo de

22
populações melhor informadas. Os autores definem esta problemática como a infoxicação das
sociedades (Coll & Monereo, 2010), para a qual aos canais de desinformação têm contribuído
de forma significativa.

Eu suma, num mundo que se adivinha cada vez mais global, onde a informação viaja à
velocidade da luz, torna-se urgente dotar as sociedades com ferramentas adequadas que lhes
permitam aceder e filtrar a informação disponibilizada, para que, como diz-nos Costa (2009),
as TIC permitam melhorar não só os modos como se vive e se trabalha, mas também os modos
como se ensina e se aprende, criando condições favoráveis à transformação das práticas, da
gestão de informação e da criação de valor e de conhecimento.

2.3.2 As TIC na Escola

Sousa e Fino (2010) assinalam que a Escola deixou de ser o único centro de distribuição de
conhecimento não sendo possível rivalizar com toda a informação disponível atualmente na
rede global e com a facilidade com que se pode aceder à mesma (Sousa & Fino, 2010).

Face à rápida evolução das TIC e o seu impacto nas sociedades atuais, Coll e Monereo
(2010) descreve em três etapas a evolução das tecnologias de informação e comunicação no
campo da educação. A primeira diz respeito aos primeiros tempos de adaptação do homem
ao meio através da linguagem e gestos. O meio adverso em que estava inserido tornava
imprescindível a colaboração e cooperação entre o Homem, sendo que a comunicação teria de
ser realizada de forma presencial, destacando habilidades como a memorização, a repetição e
a observação. Estas habilidades adquiridas enraizaram-se de tal forma na sociedade em que a
imitação, a transmissão e reprodução de informação estão na base de algumas modalidades
educativas. Se por um lado permitia fixar e perpetuar conhecimentos culturais importantes,
por outro, desenvolveu uma sociedade desigual amplamente hierarquizada. A segunda
etapa, surge como consequência da primeira, definindo a supremacia do Homem sobre as
outras espécies, em que já não se trata apenas de sobreviver num mundo hostil, mas de
adaptar a Natureza às necessidades do Homem, por exemplo, por meio de desenvolvimento
de novas técnicas de produção de alimentos, de construção ou de vestuário. A necessidade de
registo de informação leva ao desenvolvimento da escrita e da imprensa, onde a comunicação
à distância dá os primeiros passos com os mensageiros e posteriormente o correio postal. Na
educação, estas tecnologias assumem o seu lugar dando origem a um ensino centrado em
textos e no aparecimento de livros didáticos. A chegada dos meios de comunicação analógicos
como o telégrafo, o rádio, o telefone e a televisão, permitiram uma nova abordagem tornando

23
a informação e a comunicação acessível a uma escala global. E, numa última fase, temos uma
nova forma de ligação, onde a internet e as tecnologias de informação e comunicação se
destacam pela capacidade de partilhar qualquer quantidade de informação num modo quase
instantâneo, sendo que, atualmente, a internet móvel permite, não só, aumentar a escala de
conetividade, mas também, romper com a barreira limitativa do espaço de utilização.

A investigação tem destacado o potencial que as tecnologias digitais podem desempenhar


na educação. No entanto, conclui-se que o seu impacto não deixa de ser moderado estando
ainda por comprovar a sua verdadeira eficácia na promoção de aprendizagens efetivas e
significativas (OECD, 2006, 2010), onde é possível verificar que a utilização das novas
tecnologias tem conduzido a uma ligeira alteração nas práticas dos professores, não se
verificando implicação direta na promoção das aprendizagens mais significativas para os
alunos (Aviram & Richardson, 2005; Franssila & Pehkonen, 2005; Gray, Dunn, Moffett, &
Mitchell, 2017). Estes estudos, apontam para cinco conclusões acerca do uso das TIC em
contexto educativo: (i) a utilização das tecnologias digitais na educação não representam um
fim em si só; mais do que a quantidade ou a frequência com são utilizadas são as conceções
pedagógicas e os objetivos definidos, articulados com as tecnologias, que promovem as
aprendizagens; (ii) as expetativas dos professores, relativamente à utilização das tecnologias
digitais em ambientes educativos, representam um fator importante nas aprendizagens,
aquilo que os professores acreditam que são os outcomes da sua utilização na educação; (iii) as
tecnologias, enquanto recurso educativo, deverão permitir aos alunos tirar melhor
rendimento da suas capacidades e, consequentemente, melhorar progressivamente as suas
aprendizagens; (iv) é inegável a motivação sentida pelos alunos na utilização das tecnologias
digitais, no entanto, e como já foi referido, torna-se importante definir os resultados esperados
com a utilização das tecnologias digitais para que não surjam desvios aquilo que é potencial
educativo das TIC; (v) e, por último, é destacado o tempo que os professores necessitam para
formação na área das TIC.

Nesta linha, Figueiredo (2016) sublinha outros fatores que condicionam e influenciam a
forma como as TIC são concretizadas em ambiente educativo, que vai desde a falta de visão
dos decisores políticos até à forte inércia em como se estrutura a escola, que acaba por se
refletir na forma como as TIC são implementadas e utlizadas. Costa (2004) acrescenta ainda
outros fatores que contribuem para o fraco uso educativo das TIC como sejam o elevado e
necessário investimento financeiro, a rapidez com que os equipamentos informáticos ficam

24
obsoletos, a falta de enfoque nas potencialidades pedagógicas das tecnologias, ou ainda os
receios e inseguranças dos docentes face ao uso das tecnologias.

De acordo com dados da OCDE (2020) relativos ao desenvolvimento tecnológico, como


observado na figura 4, no contexto nacional observa-se que, apesar dos continuados
investimentos no desenvolvimento e apetrechamento tecnológico dos diversos setores da
sociedade, Portugal ainda se encontra, na maior parte das dimensões analisadas, bastante
atrás da média europeia. É o caso, por exemplo, da percentagem do PIB destinado às TIC que
em Portugal é de 1,91% e onde a média dos países da OCDE se situa nos 2.37%, liderado por
países nórdicos, como a Suécia que destina 4,21% do seu PIB para o desenvolvimento
tecnológico. Outro dado importante diz respeito ao acesso e utilização da internet pelas
classes mais desfavorecidas, que em Portugal se situa nos 52%, com a média dos países da
OCDE nos 77,6%. Os países do norte da europa apresentam uma taxa de utilização acima dos
90%.

Figura 4 - Indicadores do avanço tecnológico em Portugal (OCDE, 2020).

Os dados mais recentes disponibilizados pela Direção Geral de Estatísticas da Educação e


Ciência (2021) (DGEE) sobre os recursos tecnológicos nas escolas, acabam por confirmar os
dados apresentados no relatório da OCDE (2020) e acrescentam outros relativos ao contexto
educativo específico do nosso país.

Da leitura de alguns relatórios emitidos pelo governo (DGEEC, 2017; GEPE, 2008),
transparece o fraco apetrechamento das escolas com recursos relacionados com as TIC,

25
encontrando-se significativamente atrás da médias europeias. As escolas que têm alguns
recursos tecnológicos os mesmos encontram-se obsoletos devido à sua antiguidade. Como
consequência, os níveis de adoção das TIC, por parte dos professores e dos alunos, são muito
baixos comparativamente aos restantes países da União Europeia (DGEEC, 2017; GEPE, 2008).
Outro ponto chave, relativamente à utilização das TIC, e que em parte deriva dos escassos e
fracos recursos disponíveis, relaciona-se com a capacitação digital dos docentes, fator este que
acaba por ter implicação na oferta formativa para desenvolvimento profissional na área das
TIC. Esta falha não favorece a utilização ubíqua das tecnologias apresentando resultados
negativos na falta de motivação dos docentes no uso das mesmas.

Sobre os recursos disponíveis na escolas, a partir de uma leitura do quadro 1, observa-se


que no decorrer de um espaço de sete anos o número de alunos por computador sofreu um
aumento, registando uma ligeira redução e estabilização nos últimos anos. Numa leitura mais
detalhada dos dados apresentados, relativamente ao ensino público, com exceção do 1.º ciclo,
assistiu-se a um aumento do número de alunos por computador em todos os ciclos de
aprendizagem incluindo o ensino secundário. Se compararmos o ano letivo de 2012/13 com
o ano letivo de 2019/20, observa-se uma amplitude que representa quase o dobro do número
de alunos por computador no 2.º ciclo, 3.º ciclo e Secundário. Por outro lado, se observarmos
os dados relativamente ao ensino privado, tem-se verificado ao longo dos anos a redução do
número de alunos por computador em todos os ciclos de aprendizagem, com exceção do 1.º
ciclo no qual, ao contrário do ensino publico, se verificou um aumento. No entanto, se
compararmos o ensino público e o ensino privado no ano letivo de 2019/20, os valores
apresentados não são tão díspares, encontrando-se as duas naturezas de ensino relativamente
próximas em relação ao número de alunos por computador.

26
Quadro 1 - Evolução do número médio de alunos por computador (DGEEC, 2021)

Se retrocedermos até ao ano letivo 2001/02, conforme indicado no gráfico 1, podemos


verificar que, ao longo dos anos seguintes, houve uma redução significativa no número de
alunos por computador, que se estabilizou no ano de 2009/10. Esta diminuição coincidiu com
a implementação do Projeto e-escolinha e do computador Magalhães, que teve início no ano
de 2007 e teve como principal objetivo oferecer a todos os alunos do país a oportunidade de
terem o seu próprio computador com ligação à Internet. No entanto, nos anos letivos
seguintes, o número de alunos por computador começou a aumentar gradualmente.

Quadro 2 – Evolução do número médio de alunos por computador (DGEEC, 2020)

Outro dado que importa destacar refere-se ao número de alunos por computador com
acesso à internet (quadro 3). Neste caso, observa-se um aumento do número de alunos, ao
longo dos últimos anos letivos, com tendência para estabilizar numa média de 4,5 alunos por
computador.

27
Quadro 3 - Evolução do número médio de alunos por computador com ligação à Internet (DGEEC, 2021)

Outro dado que nos parece importante referir diz respeito à antiguidade do parque
informático escolar. No gráfico da figura 5, que engloba as escolas de natureza publicas e
privadas, constata-se a elevada percentagem de computadores com antiguidade superior a
três anos.

Figura 5 - Computadores por antiguidade (DGEEC, 2021)

Decorrente da informação apresentada no gráfico da figura 5, a figura 6 observa-se a


distribuição de computadores por tipologia (secretária, portáteis, tablets) com base no critério
da antiguidade. Destaca-se a elevada percentagem (91%) de computadores de secretária, com
idade superior a três anos.

28
Figura 6 - Computadores por tipologia e por antiguidade (DGEEC, 2021)

Por outro lado, embora no panorama nacional não se tenha verificado ao longo dos
últimos anos o esperado investimento no apetrechamento ou renovação do parque
informático escolar, e muito embora uma elevada percentagem se encontre equipada com
computadores, Castells (2005) reforça que colocar mais computadores nas escolas ou mais
internet, por si só, não constitui fator para mudanças sociais pela simples razão que a
performance no uso das TIC está dependente de onde, por quem e para quê são utilizadas as
tecnologias.

Como sublinha Costa (2004), a falta de formação dos docentes, quer ao nível das TIC quer
a nível pedagógico, não permite que a utilização das novas tecnologias seja devidamente
rentabilizada em prol de aprendizagem. As conceções dos professores sobre os significados
de ensinar e de aprender influenciam a forma como utilizam as tecnologias, permitindo desta
forma questionar se os professores estão suficientemente preparados para dar resposta aos
novos desafios e oportunidades que as TIC oferecem ( Costa, Viana, Gonçalves, & Cruz, 2017).
A este propósito, Figueiredo (2017), exemplifica referindo os vídeos pedagógicos, que se
tornaram populares em plataformas de ensino à distância que “…em muitos casos são meras
reproduções das cabeças falantes, de professores que, tal como o professor medieval, falam
de um púlpito para uma audiência passiva…" em que se “…privilegia desmesuradamente a
explicação, desvalorizando a experiência e a autonomia e promovendo, assim, a criação de
jovens dependentes, passivos, uniformes e pouco imaginativos, em larga medida reduzidos
na sua capacidade para estudos posteriores e para um mercado de trabalho onde a
proatividade, a diferença e a imaginação são essenciais.”(p.263).

29
Os recursos tecnológicos não representam um meio para modificar a realidade em que
vivemos, são precisos novos processos, novos modos de agir, novas competências para
acompanhar de forma eficaz a evolução do mundo (Flores, 2012).

Assinala Figueiredo (2016) como impera atualmente um modelo de escola, ainda que
floreado por uma vasta floresta tecnológica que lhe confere um ar de modernidade, que se
consolidou no padrão de uma sociedade da era industrial que, por inércia e falta de visão dos
decisores políticos, continua a ter muitos seguidores e na qual, infelizmente, nada mudou.

Em síntese, citando John Hattie: “In many ways, our schools have emphasized the
‘software’ (the programs in schools) and the ‘hardware’ (buildings, resources), rather than the
‘Intel inside’ (the core attributes that make schools successful)” (Hattie, 2012, p. 1).

2.3.3 As TIC como ferramenta cognitiva

Segundo Jonassen (1996), ferramentas cognitivas são recursos informáticos que têm o
objetivo de facilitar o processo cognitivo, apoiando, orientando e estendendo os processos de
pensamento dos utilizadores. Como destaca Salomon (2006), as pessoas aprendem quando se
envolvem nas tarefas que realizam, mas aprendem ainda mais quando pensam e refletem
sobre aquilo que estão a aprender. Assim, de acordo com Jonassen (1996) o conceito de
ferramenta encerra uma visão física de um objeto que permite auxiliar o homem em certas
tarefas que, pelas suas limitações, o ser humano não consegue desempenhar.

Realça Jonassen (1995) como os computadores podem apoiar de forma eficaz a construção
de aprendizagens significativas se forem usados como ferramentas que permitam aos alunos
refletir e pensar de foram critica sobre os diversos temas de estudo, mais do que utilizadas
como meras ferramentas para pesquisar ou disseminar informação. Numa outra perspetiva,
e de acordo com o conceito de ferramenta, a mesma pode assumir um papel mais teórico, ao
que Jonassen (1996) apelidou de Mindtools, que tanto se podem referir à linguagem escrita, a
notação simbólica matemática ou até um computador, ou seja, ferramentas úteis para pensar.

As ferramentas digitais apresentam a possibilidade de aumentar as capacidades


cognitivas do ser humano em três vertentes: na resolução de problemas, pensamento e
aprendizagem. Nesta linha, os computadores desempenham a função de ferramentas
cognitivas para aprender com a não a partir de (Jonassen, 1998).

Seymour Papert (1980) apresenta-nos uma linha teórica no que diz respeito à utilização do
computador como instrumento de aprendizagem ao serviço da expressividade e criatividade

30
da criança: o Construcionismo (Ackermann, 2001). Para Papert (1993), a teoria do
construcionismo coloca a ênfase na construção ativa do conhecimento, facilitada pelo apoio
dos computadores. Os computadores são entendidos como ferramentas de apoio à construção
de novas aprendizagens, ajudando a desenvolver novos contextos de aprendizagem,
sobressaindo o seu potencial transdisciplinar no desenvolvimento de percursos de
aprendizagem autónomos e ao acesso a fontes de informação e à pluralidade cultural do
mundo (Brazão, 2010). Papert exemplifica com o clássico gosto que as crianças têm em ver
desenhos animados, mas poucas vezes tiveram a possibilidade de criar a sua própria
animação. Atualmente, qualquer computador permite, com alguma facilidade, a criação de
animações mesmo por crianças, representando desta forma uma ferramenta ao serviço da
criatividade (Goldberg, 1991). Nesta linha, acrescenta Ruivo (2017) que para as tecnologias
digitais operarem efetivas mudanças no processo educativo devem ser usadas não apenas
como simples máquinas de ensinar ou aprender, mas como ferramentas pedagógicas que
criem um ambiente que proporcione ao aprendiz, face a múltiplas situações problema, a
possibilidade de investigar, levantar hipóteses, testá-las e redefinir as suas ideias iniciais,
construindo, desta forma, o seu próprio conhecimento.

Relativamente à construção de instrumentos digitais de apoio à aprendizagem, o que se


pode verificar atualmente, é que se atribui ênfase ao desenvolvimento de software, os quais
são guiados por um conjunto de instruções que acentuam a relação escolar no paradigma da
instrução (Aviram & Richardson, 2005). Não deixa de ser um contrassenso pois, se por um
lado se defende o potencial pedagógico das tecnologias digitais, por outro, certas ferramentas
digitais desenvolvidas acabam por pouco ou nada ter de pedagógico, pois são demasiado
limitativas da criatividade pendendo, como referido, para o modelo instrutivo na forma como
são concebidas.

O potencial pedagógico das TIC continua a ser um tema atual que representa um desafio
acrescido para os professores (Franssila & Pehkonen, 2005b). Neste sentido, é importante
relembrar que os instrumentos educativos, digitais ou não, deverão ser dinâmicos e passíveis
de reconstrução no sentido de se adaptarem às múltiplas e diferentes realidades escolares,
estando subjacente a ideia de que não existe um modelo e instrumentos que resolvam todos
os problemas educativos (Perrenoud, 1997).

Para exemplificar algumas das potencialidades das ferramentas digitais em ambientes


educativos, foi realizado um estudo (Blamire, 2016) sobre a utilização de Chromebooks em
ambiente escolar, com base no projeto Future Classroom Lab, contando com o apoio da

31
Euroschoolnet. Tal estudo teve como objetivo avaliar o impacto da utilização dos Chromebooks,
associados às ferramentas Google (GSuit for Education), e tentar perceber os resultados
educativos e pedagógicos que resultam da sua implementação na sala de aula. Em termos
gerais, as conclusões apontaram para um aumento significativo em termos de literacia digital,
tendo os alunos e professores melhorado as suas competências informáticas e digitais. Um
outro aspeto importante a salientar neste estudo foi o desenvolvimento do trabalho
cooperativo e colaborativo. Este fator foi destacado transversalmente em todas as escolas onde
foi aplicado o estudo. Decorrente das potencialidades da internet, os professores referiram
ainda que muito dos trabalhos de grupo realizados pelos alunos em sala de aula, poderiam
ter continuidade fora dos espaço escolar. Uma das escolas referiu que os professores passaram
a desempenhar o papel de orientadores com os alunos a ganhar mais autonomia nas suas
aprendizagens. Esta afirmação representa uma mudança importante em termos pedagógicos
pois os professores tomaram a consciência que o seu papel poderia assumir uma função
menos magistral e diretiva e mais facilitadora e orientadora das aprendizagens dos alunos.
Ainda um outro aspeto destacado foi a rapidez e eficácia com que se tem acesso à informação,
apresentando como consequência a rentabilização do tempo de aprendizagem (Blamire,
2016).

Pelo que até aqui foi apresentado, e partindo das recomendações das diversas entidades
de referência no domínio educativo, cabe à Escola a responsabilidade de promover o uso das
tecnologias a fim de desenvolver nos indivíduos competências que contribuam para uma
melhor utilização dos recursos tecnológicos tendo em vista o melhor equilíbrio social e
económico dos países (Unesco, 2011). Esta afirmação, algo ambiciosa, levanta alguns desafios
impondo uma nova reflexão sobre a responsabilidade da escola no sec. XXI. A geração que
hoje se encontra a frequentar as escolas tem nas suas mãos o futuro da sociedade e a sua
formação depende da capacidade da escola e da sociedade em dar resposta a um contexto que
permita uma formação adequada e responsável, e que vá ao encontro da era digital que
atravessamos (Flores, 2012). A este propósito, Costa (2008) alerta para a importância de olhar
não apenas para a formação dos alunos na área das tecnologias, mas também para a formação
inicial dos futuros docentes que terão de lidar com as tecnologias no seu dia a dia.

Temos assistido a uma mudança de paradigma onde se verifica uma abertura progressiva
da escola para Mundo que a rodeia. Esta mudança transporta consigo, consequentemente,
novos desafios onde importa não esquecer os valores que ambicionamos para uma sociedade
mais justa. É sob esta perspetiva que a escola se converte no espaço de vivência democrática

32
e humanista em oposição a um espaço autocrático (Dewey, 1952). Embora no caminho certo,
estamos, ainda, a dar os primeiros passos num percurso bastante atribulado para uma escola
tecnologicamente mais efetiva que promova um ensino com maior valor educativo.

2.4 A perspetiva curricular do MEM

Serralha (2007) define o MEM como um coletivo de profissionais da educação que


convergem num sentimento de rejeição pela pedagogia tradicional, unidos pelo compromisso
da transformação continuada das suas práticas pedagógicas. Este coletivo de professores,
como refere Niza (1992), entende o papel da escola como promotora de saber e fonte de
intervenção social para maior bem-estar, progresso, equidade e justiça nas relações humana.
Complementa Pessoa (1994) que o MEM resulta da associação de profissionais da educação
que se assume como movimento social de desenvolvimento e mudança pedagógica,
propondo-se a encontrar respostas para uma educação escolar intrinsecamente orientada por
valores democráticos através de estruturas de cooperação educativa. É, portanto, a partir das
experiências vividas pelos professores e da reflexão sociocentrada e contextualizada que é
possível assistir à construção cooperada de um saber profissional autêntico e significativo da
qual decorre a aprendizagem da profissão (Serralha, 2007). O modelo do MEM tem a
flexibilidade suficiente para abranger os diferentes graus de ensino e pôr em prática
metodologias ativas e diferenciadas de trabalho pedagógico que promovam a participação
democrática (Graves-Resende & Soares, 2002)

Segundo Trindade (2017), o MEM configura-se num paradigma educativo alternativo às


pedagogias da instrução na medida em que os professores do MEM, como acrescenta Niza
(2007) procuram respostas alternativas à atual gramática da escola cristalizada no séc. XIX.
Tal como ilustra Dewey (1997), num tom mais assertivo, referindo-se às práticas escolares
magistrais, onde as pessoas são treinadas como animais e não são educadas como seres
humanos. Esta distinção pedagógica, que se afasta do paradigma da instrução, resulta do
modo como os professores entendem a ação de educar enquanto instrumento de participação
cívica, democrática e de desenvolvimento cultural e social (Niza, 1998), onde a relação com o
saber lança as suas raízes no social (Charlot, 1996).

Por outro lado, diz-nos Charlot (1996) que a escola tem como função formar os alunos e
permitir-lhes apropriarem-se dos saberes. No entanto, ressalva o autor, que a criança só
ganhará interesse em estudar se a escola lhe fizer sentido.

33
É na procura do sentido da escola que, para os docentes do MEM, esse espaço de partilha
de saberes representa um local de passagem que encerra em si própria um espaço artificial
onde os professores não escolhem os alunos e os alunos não escolhem os professores (Paulus,
2005). É desta forma, como nos lembra Trindade (2010), que conseguimos compreender
melhor o papel dos professores como atores em que a sua importância educativa depende dos
modos como interagem e configuram os dispositivos que vão criando, recriando e animando,
os processos de regulação que, ao potenciarem as interações entre pessoas e entre pessoas e
objetos de aprendizagem, resultam no sentido da construção educativa como seres humanos
que necessitam de aprender a partilhar com outros seres humanos projetos de vida em
comum. Acrescenta Paulus (2005), é no diálogo cooperativo e construtivo entre os saberes, os
alunos e os docentes, que a escola se enquadra como espaço de cultura e, consequentemente,
como espaço de humanização.

2.4.1 A génese do MEM

A partir dos anos 30 do séc. XX começam a emergir algumas reinterpretações do


movimento da Educação Nova (Pintassilgo, 2018). Niza (2007) destaca o ponto de mudança e
rutura, logo após o fim da II Grande Guerra, quando emerge no campo educativo o nome de
Célestin Freinet o qual dá início a um processo de distanciamento da Educação Nova,
criticando a “nova escolástica” deste movimento, onde, tal como sublinha Rodrigues (2007),
apesar dos esforços de inovação, o movimento da Educação Nova não conseguiu romper com
a estrutura enraizada e organizacional do modelo gerando, desta forma, um misto de
diferentes práticas e perspetivas. Como sublinha Figueira (2004), Freinet achava a Escola Nova
demasiado elitista, destinada à burguesia e defendia uma escola popular pública e neutral dos
pontos de vista político e religioso. A este propósito, reforça Niza (2007), a oposição de Freinet
surge com a criação de um movimento de professores das escolas públicas, a que atribuiu o
nome de Movimento da Escola Moderna, como alternativa contemporânea, dinâmica e
inovadora à Educação Nova, servindo de inspiração pelo seu posicionamento crítico, com
visão organizacional, e a ideia de empenhar civicamente os profissionais da educação na
construção compartilhada das suas praticas sociais e educativas com o objetivo de
transformarem eles próprios a escola pública.

Célestin Freinet é uma figura emblemática do Movimento da Escola Moderna. Esteve na


génese da técnicas que fundamentam o modelo pedagógico, embora não desenvolvidas por
ele na totalidade, as quais implementou e aperfeiçoou. Tal como sublinha António e

34
Cavalcanti (2008), em que as bases teóricas do MEM resultam do diálogo que estabeleceu em
diversas correntes sociais e políticas da sua época “…como escolanovismo da Europa e norte
americano, a escola libertária alemã e a escola socialista russa” (p.9), resultando destes os
fundamentos e as práticas, recriando ou mesmo inventando instrumentos, técnicas e práticas.

Segundo Legrand (1999), após Freinet servir na I Grande Guerra, pelo ano de 1920 retorna
ao ensino numa escola no sul de França. No ideal de Freinet, o conceito de cooperativa escolar
representa a construção de uma comunidade de alunos que procuram a autonomia e o sucesso
de todos e da qual a competição está excluída, numa via de cooperação e de educação para a
paz. Freinet teve forte influência no desenvolvimento da comunidade local, melhorando
estradas antigas, a eletrificação de povoações, assim como no desenvolvimento de serviços e
bens para a população. De entre as diversas técnicas educativas desenvolvidas, o Jornal
Escolar será o mais emblemático com impacto na aprendizagem, onde as reportagens
elaboradas pelos alunos servem de ponto de partida para novas e diversas aprendizagens
curriculares, nomeadamente a aprendizagem da língua, Matemática, do Estudo do Meio e das
Artes. Neste seguimento, implementa a Correspondência Escolar que representa, acima de
tudo, uma forma de conhecer o mundo. A correspondência não era apenas limitada a suportes
escritos, mas também álbuns, tapeçaria, pinturas, esculturas, filmes, cartas individuais e
coletivas. Desta troca de informação resulta uma grande riqueza de aprendizagens
nomeadamente na área das ciências e da geografia. Freinet sempre manifestou a necessidade
de uma adaptação às tecnologias emergentes como forma de integração e de readaptação da
escola às necessidades sociais. A partir de certa altura, o rádio, o gravador, o gira-discos e até
o cinema adquiriram um lugar especial na escola. Freinet entusiasma-se especialmente com o
cinema produzindo filmes pedagógicos. Estes filmes eram depois trocados com filmes de
outras escolas facultando aos alunos um maior conhecimento do meio.

Na linha do descrito, refere Figueira (2004) que “…a originalidade e importância do


movimento Freinet assentam no facto de pela primeira vez se ter pensado a Escola numa
perspetiva sistémica antes da existência do próprio conceito. Técnicas educativas e um olhar
global sobre a escola misturaram-se numa simbiose geradora de nova conceção e de nova
prática pedagógica, em que as técnicas educativas passam a desempenhar um papel central
neste processo.” (p.128).

Em Portugal o ponto de viragem educativo que viria a dar reconhecimento aos primeiros
docentes que fundaram o MEM dá-se em 1965, culminando num momento histórico no ano
seguinte, em 1966, com o congresso organizado pela Fédération Internationele des Mouvements

35
d’École Moderne (FINEM), criada por Freinet, reconhecendo o movimento português como seu
afiliado, sendo nomeados Rosalina Gomes de Almeida e Sérgio Niza como delegados do
Movimento da Escola Moderna (Serralha, 2007).

Serralha (2007) destaca o ano de 1966 com o falecimento de Freinet, que causou uma
profunda crise interna no movimento de tal modo que as divergências de ordem
metodológica e de ordem teórica causariam uma divisão nos seus associados. Assim, uns
permaneceram fiéis à pedagógica de Freinet outros, seguindo Fernand Oury, fundaram o
grupo da Pedagogia Institucional que veio a ter forte influência no movimento português,
constituindo assim um distanciamento de um modelo pedocêntrico para um modelo
sociocêntrico.

Alguns anos depois, após a mudança de regime, no decorrer do ano 1977, as escolas do
ensino primário receberam uma circular que apresentava as técnicas de Freinet e convidava
os docentes experimentá-las (Pereira, 2012). No nosso país, foram algumas as figuras de
relevo que se dedicaram, numa fase inicial, à pedagogia Freinet, entre elas, como recorda
Figueira (2004), Álvaro Viana de Lemos que estabeleceu contacto privilegiado com Célestin
Freinet, permitindo desta forma a implementação de algumas das suas técnicas no nosso país,
nomeadamente a célebre Imprensa Escolar.

O Movimento da Escola Moderna tem evoluído e sofrido mudanças ao longo dos anos, e
a este propósito regista Niza (1992)

“…no Movimento, prezamos muito a construção de uma cultura


pedagógica, por isso António Sérgio, Freinet, Rui Grácio, Maria
Amália Borges são-nos queridos na memória, permitiram-nos chegar
até hoje, foram uma referência (…). Hoje, portanto, já não somos
António Sérgio, já não somos Rui Grácio, já não somos Maria Amália
Borges, já não somos Freinet. Somos aquilo pudemos construir a partir
deles, quantas, vezes, contra eles. (…) somos uma dinâmica muito
forte e contraditória, com muitas áreas de luz e muitas áreas de
penumbra, tal como a vida real, autêntica, para sermos autênticos e
verdadeiros. (p.163)

Nesta linha, reforça Serralha (2007) como a pedagogia do MEM se centra numa
permanente reelaboração, resultante do seu caráter evolutivo, num processo de
desenvolvimento que não tem fim.

36
2.4.2 A organização curricular do modelo do MEM

Segundo Serralha (1997), o modelo pedagógico do MEM distingue-se através de um


conjunto de princípios estratégicos que se operacionalizam em metodologias ativas e
diferenciadas de trabalho pedagógico, as quais promovem a participação democrática e o
desenvolvimento sociomoral dos alunos. Acrescenta Niza (1998), sobre a transversalidade do
modelo, que este não difere muito entre os vários ciclos de ensino visto o trabalho pedagógico
que se realiza resultar de uma forte interação entre os profissionais dos vários graus de ensino.

Neste ponto, parece-nos importante clarificar o conceito de modelo pedagógico seguindo a


proposta de Niza (1998) quando cita a Weill e Joyce (2003),

“Modelos de ensino são bons modelos de aprendizagem. Quando


ajudamos os alunos a adquirir informação, ideias, competências,
valores, raciocínio e formas de expressarem livremente, estamos, no
fundo, a ensiná-los a como aprender. (…) Um modelo de ensino
descreve um espaço de aprendizagem (…) e inclui uma orientação
filosófica e psicológica face ao ensino e à aprendizagem (…) suportado
por uma base teórica coerente. (p.2)

Acrescenta Oliveira-Formosinho (2003) que um modelo pedagógico se refere a um sistema


educacional compreensivo que combina a teoria e a prática, na medida em que se fundamenta
desde o nível fundamental da filosofia educacional, pelos níveis de uma teoria de ensino-
aprendizagem, de uma teoria de desenvolvimento, até ao nível de uma teoria de avaliação
educacional.

Sobre o modelo pedagógico do MEM, esclarece Niza (1998), que o mesmo entende
pedagogia como cultura, onde a cultura pedagógica se integra como um instrumento social
de ação educativa, enquanto ação democrática entre professores e alunos, em que um tal
modelo cultural de organização social do trabalho de aprendizagem escolar e de
desenvolvimento sociomoral dos alunos se estrutura com base em conceitos nucleares que se
constituem em sub-sistemas de organização da educação escolar, fundamentadas em três
orientações:

• os circuitos de comunicação
• as estruturas de cooperação educativa
• a participação democrática direta

Estas três orientações estratégicas promovem-se através de cinco módulos que, no fundo,
corporizam o modelo pedagógico do MEM (figura 7):

37
• a organização e gestão cooperada em Conselho de Cooperação Educativa
• o trabalho de aprendizagem curricular por projetos cooperativos
• os circuitos de comunicação para difusão e partilha dos produtos culturais
• o trabalho curricular comparticipado pela turma
• o trabalho autónomo e o acompanhamento individual

Figura 7 - Atividades Curriculares de Diferenciação Pedagógica

2.4.2.1 Os circuitos de comunicação


De acordo com Canuto (2019), a comunicação entendida à luz dos princípios do MEM vai
além de atividades correspondentes à partilha e apresentação de trabalhos desenvolvidos
pelos alunos, “ …convergindo na interlocução dialógica que perpassa todo o trabalho de
aprendizagem, ao longo do ano e a propósito de todo o currículo, desde o momento de
planificação, passando pela concretização das atividades e aprendizagens calendarizadas e
respetivo balanço para reinício do processo com os devidos ajustes ou tomadas de
decisão.”(p.117).

Segundo Niza (2007), todo o saber tem um valor social e é socialmente construído. Esta
construção resulta da cooperação coletiva que se reflete no trabalho de aprendizagem onde
os conhecimentos apropriados de forma individual ou em grupo têm de ser difundidos por
todos através de circuitos de comunicação dos saberes e da apresentação dos produtos
culturais, onde as obras de cada um devem ser partilhadas socialmente para que possam
cumprir o seu sentido cultural, pois, segundo relembra Vygostky (1978), a aprendizagem
humana pressupõem uma natureza social específica e um processo através do qual as crianças
entram no mundo intelectual daquelas que as cercam.

38
Refere Niza (2001), a produção de produtos culturais, a sua mostra e utilização prática e
com sentido social, como acontece com os alunos que trabalham sob os princípios
pedagógicos do MEM, emprestam dimensão ética à aprendizagem escolar, no sentido em que,
tal como o trabalho científico pretende tornar o conhecimento produzido público, fará todo o
sentido tornar também público, negociável e solidário o resultado do trabalho de
aprendizagem realizado pelos alunos. Sobre a aprendizagem e aquisição de competências,
Santos (1999) lembra o especial cuidado e sensibilidade do professor na mediação da
comunicação na sala de aula a fim de garantir as aprendizagens daqueles que assistem às
comunicações, pois, se é verdade que os alunos que preparam as comunicações e as realizam
adquirem mais competências o mesmo já não será tão certo para os destinatários das
comunicações.

O conhecimento adquirido pelos alunos que trabalham sob o modelo do MEM não é
entendido como propriedade privada, a aprendizagem individual é sistematicamente
estendida a todo o grupo onde os alunos são encorajados a comunicar as suas produções
(Oliveira, 2010). Na prática, os alunos interagem de forma natural e social fora e dentro da
sala de aula, constituindo pequenas comunidades de socialização. neste sentido, é preciso
aprender a estabelecer circuitos e formas de comunicação, saber identificar os
constrangimentos, estar consciente da importância da interação dialógica no processo de
ensino e de aprendizagem e estar disponível para percorrer os diferentes caminhos que
permitam, facilitem e clarifiquem os processos de comunicação (Canuto, 2019).

Sobre este ponto, parece-nos importante referir o currículo nacional, mais concretamente
o documento orientador “Perfil dos Alunos Saída da Escolaridade Obrigatória” (Martins et
al., 2017), que estabele a Informação e Comunicação enquanto Área de Competência, que se
caracteriza da seguinte forma:

“Pretende-se que o jovem, à saída da escolaridade obrigatória, seja


um cidadão:
(…)
• Capaz de pensar crítica e autonomamente, criativo, com
competência de trabalho colaborativo e com capacidade de
comunicação.
(…)
As competências associadas a linguagens e textos implicam que os
alunos sejam capazes de:
(…)
• Aplicar estas linguagens de modo adequado aos diferentes
contextos de comunicação, em ambientes analógico e digital;

39
(…)
As competências associadas a Informação e comunicação
implicam que os alunos sejam capazes de:
• utilizar e dominar instrumentos diversificados para pesquisar,
descrever, avaliar, validar e mobilizar informação, de forma
crítica e autónoma, verificando diferentes fontes documentais
e a sua credibilidade;
• transformar a informação em conhecimento;
• colaborar em diferentes contextos comunicativos, de forma
adequada e segura, utilizando diferentes tipos de ferramentas
(analógicas e digitais), com base nas regras de conduta próprias de
cada ambiente.” (p.16)

Em síntese, tal como descreve Niza (2010), as formas de pensar e de construir o


conhecimento numa perspetiva cultural e social é algo que nunca foi estranho ao MEM, onde
a apropriação do conhecimento curricular que resulta da transformação do diálogo em
“aprendizagem-ensino interativo” e da discussão ou debate são construtoras de competências de
comunicação e de processos de pensamento, de envolvimento e compromisso partilhados, e
de compreensão co-construída de conceitos. Sobre a importância dos processos de
comunicação, acrescentam outros autores (Canuto, 2019; Niza, 2001; Oliveira, 2010), como
estes são promotores do desenvolvimento de diversas competências de nível cognitivo e
social.

2.4.2.2 Estruturas de cooperação educativa


O trabalho de aprendizagem do currículo, segundo Niza (2007), resulta do contrato social
e educativo assumido entre os professores e os alunos para que, de forma cooperativa,
consigam alcançar o máximo sucesso. Assim, “…a cooperação consiste em trabalhar juntos
para alcançar objetivos comuns.” (Holubec el al., 1999).

Sobre o trabalho cooperativo, diz-nos Arends (1995), que os contextos cooperativos,


comparativamente a contextos individualistas, apresentam uma influência positiva ao nível
das aprendizagens e da sociabilização, na medida em que os alunos apresentam
comportamentos menos competitivos e mais tolerantes. Acrescenta Holubec et al. (1999), que
ao contrário dos métodos individualista e competitivo, os métodos cooperativos promovem
melhores aprendizagens coletivas, maior retenção da informação, maior motivação, maiores
níveis de empenho, concentração, raciocínio e pensamento crítico.

40
Argumenta Arends (1995) que o ser humano aprende melhor a partir das suas
experiências e da participação ativa em grupos, mais especificamente em pequenos grupos,
conduzindo ao desenvolvimento de importantes competências sociais, académicas e atitudes
democráticas, levando a potenciais efeitos benéficos, tal como destaca Onrubia (1999), não
apenas para o aluno tutorado para também para o aluno-tutor.

Mercer (1997) adverte para o cuidado necessário na estruturação de um modelo


cooperativo de trabalho, na medida em que a atividade cooperativa entre os alunos poderá
não ocorrer de forma linear, concluindo que não se pode assumir que a aprendizagem em
grupo tem valor em si mesma, encontrando-se dependente dos objetivos a alcançar e também
do modo como o professor organiza o trabalho. Por isso, o autor destaca a importância de
ensinar os alunos a colaborar para que compreendam desde cedo o que se espera deles.

Refere Serralha (2007), os resultados adquiridos resultantes da implementação do trabalho


cooperativo confirmam a teoria da Zona de Desenvolvimento Proximal de Vygotsky,
procurando, desta forma, explicar a relevância do modelo social das aprendizagens.

Assim, nas palavras de Vygotsky (1934),

“…teríamos uma "zona de desenvolvimento autossuficiente" que


abrange todas as funções e atividades que a criança consegue
desempenhar por seus próprios meios, sem ajuda externa. Zona de
desenvolvimento proximal, por sua vez, abrange todas as funções e
atividades que a criança ou o aluno consegue desempenhar apenas se
houver ajuda de alguém. Esta pessoa que intervém para orientar a
criança pode ser tanto um adulto (pais, professor, responsável,
instrutor de língua estrangeira) quanto um colega que já tenha
desenvolvido a habilidade requerida.” (p.3)

Holubec et al. (1999) distingue vários níveis de grupos cooperativos. Resumimos, no


quadro 1, as caraterísticas que distinguem cada um dos níveis.

Tipo de grupo Caraterísticas do grupo Resultado


Os alunos trabalham juntos, sem qualquer
O rendimento total é inferior ao
Pseudoaprendizagem interesse, competindo entre si e acreditando
rendimento individual.
que serão avaliados individualmente.
Os alunos encontram-se disponíveis para
A soma do total é superior ao
trabalhar juntos mas as tarefas
potencial de alguns alunos do
disponibilizadas não requerem um trabalho
grupo, no entanto, os alunos
Tradicional cooperativo. Pensam que serão avaliados pelo
mais competentes obtêm
desempenho individual. Não existe interesse
melhor desempenho de forma
em partilhar conhecimentos com os restantes
individual
elementos do grupo.
Os alunos trabalham com gosto em grupo. O grupo é mais que a soma das
Cooperativo Sabem que o rendimento individual depende partes. O desempenho de cada
do empenho de todos. Existe um compromisso um dos elementos do grupo é

41
e interesse de sucesso recíproco. Existe uma superior do que se tivessem
avaliação sistemática, por parte do grupo, para trabalhado de forma individual
aferir o sucesso dos objetivos a alcançar.
Em tudo semelhante ao grupo do tipo
Cooperativo, com a diferença que existe uma
relação de proximidade e empatia entre os
Cooperativo de alto O rendimento que resulta é
vários elementos do grupo. Existe um
rendimento superior ao espectável.
verdadeiro sentimento não apenas de atingir
os objetivos, mas de ajudar os demais
elementos a alcançar o sucesso.
Quadro 4 – Níveis de grupos cooperativos (Holubec et al., 1994)

O desenvolvimento da atividade cooperativa assenta numa perspetiva sociocultural da


educação pondo em relevo a necessidade de raciocinar tanto sobre os procedimentos como
sobre os princípios que sustentam as atividades que se espera que os alunos desenvolvam
(Mercer, 1997). Holubec et al. (1999), propõem cinco elementos que consideram essenciais
para que se consiga promover a cooperação entre os alunos, que passamos a descrever de
seguida.

O primeiro, e o mais importante, diz respeito à “interdependência positiva”. Cabe ao


professor o cuidado de propor tarefas claras, com um objetivo coletivo bem definido, de forma
que os alunos compreendam que devem unir-se para conseguir alcançar esse objetivo comum,
sabendo que o esforço de cada um não traz apenas benefícios individuais, mas também para
todos os elementos do grupo. Esta interdependência positiva cria um compromisso com o
êxito dos outros, ademais do próprio, sendo este o princípio a base da aprendizagem
cooperativa. Sem interdependência positiva não existe cooperação.

O segundo elemento refere-se à responsabilidade individual e grupal, ou seja, o grupo


deve assumir a responsabilidade em alcançar os seus objetivos e cada elemento deve ser
responsável por cumprir com a sua parte do trabalho. O grupo deve ter claro os seus objetivos
e deve ser capaz de avaliar o sucesso alcançado, ou não, dos objetivos propostos e deve,
também, ser capaz de avaliar e comunicar o seu desempenho e ter conhecimento do
desempenho de cada elemento do grupo, determinando aqueles que necessitam de maior
apoio individual.

O terceiro elemento diz respeito às interações entre os elementos do grupo no sentido do


apoio e do suporte aos restantes elementos. Palavras de apoio e de motivação, a partilha de
recursos, o apoio aos que mais necessitam conduzem a um ambiente de compromisso pessoal
entre todos. Algumas das importantes atividades cognitivas só se produzem quando um

42
aluno promove a aprendizagem dos restantes. Neste aspeto, é importante a interação seja
realizada de forma presencial.

O quarto elemento centra-se na aprendizagem de práticas de relação interpessoal e grupal.


O trabalho cooperativo é intrinsecamente mais complexo do que o trabalho competitivo ou
individual na medida em que requer que os alunos aprendam não só os conteúdos escolares,
mas também adquiram competências de relação interpessoal que lhes permitam trabalhar de
forma cooperativa. Desta forma, os elementos do grupo devem ser capazes de criar um clima
de confiança, saber comunicar, conseguir resolver conflitos de forma construtiva e, acima de
tudo, devem sentir-se motivados para exercer estas responsabilidades, cabendo ao docente a
responsabilidade de preparar os alunos para exercer prática de trabalho cooperativo.

O quinto e último elemento refere-se à avaliação do grupo. Este processo tem lugar
quando os elementos conseguem analisar e avaliar em que medida estão a alcançar as suas
metas e a manter uma relação de trabalho eficaz. Os alunos devem ser capazes de aferir que
ações são positivas ou negativas, quais são aquelas que devem conservar e quais as que devem
modificar. Para que o processo de aprendizagem melhore de forma sustentada, é importante
que os seus alunos sejam capazes de analisar e avaliar como estão a trabalhar juntos e como
podem melhorar ainda mais o desempenho.

Como refere Mercer (1997), uma perspetiva sociocultural da educação na sala de aula
favorece a implementação da atividade cooperativa e põe em destaque a necessidade de
raciocinar tanto sobre os procedimentos com o sobre os princípios que sustentam as
atividades que se espera que os alunos realizem como parte da sua educação. Perrenoud
(1994) acrescenta, acerca do papel do professor na fomentação de um espírito cooperativo,
que ensinar não é apenas uma atividade de limitar-se a falar aos alunos. É organizar um
conjunto de atividades e de tarefas, em princípio para favorecer as aprendizagens escolares,
mas também para tornar possível a vida em comum.

Em síntese, com refere Fernandes (2009), a organização do trabalho num sistema de


cooperação educativa, como contempla o modelo do MEM, revela-se como a melhor estrutura
social para a aquisição de competências, onde o sucesso de um aluno contribui para o sucesso
dos restantes elementos do grupo.

2.4.2.3 Participação democrática direta


Democracia, como nos diz Dewey (1997), é mais do que uma forma de governo, é antes
um modo de viver em sociedade e de partilha comum de experiências.

43
Segundo Fernandes et al. (2019) “A democracia participativa, tal como a entendemos no
MEM, tem de ser a própria aprendizagem. Ao mesmo tempo que participam, organizam e
planificam e produzem diferentes objetos sociais os alunos apropriam-se, assim, do ato de
participar e do próprio conteúdo.” (p.215). No fundo, como destaca Paulus (2005), é
importante o contacto com uma forma de democracia direta e não delegada, para que as
crianças se possam desenvolver como cidadãos, em que a escola será o lugar privilegiado para
ocorrerem estas experiências. Acrescenta Nóvoa (2012), é em valores de justiça, de respeito
mútuo, de livre expressão, de interajuda solidária e de reciprocidade de relações de trabalho
e de vida que a escola deve firmar-se.

Educação e democracia definem uma interação no momento em que um indivíduo


comparticipa ou compartilha de alguma atividade em conjunto, o que conduz a uma
apropriação do propósito e do sentido da sua ação (Dewey, 1916).

Por outro lado, ressalva Niza (1979), acontece que muitas vezes os professores que se
intitulam defensores da democracia escolar acabam por ser tão autoritários como os
professores mais tradicionalistas e mais conservadores. A este propósito, destaca ainda o
autor, mais do que uma questão de teoria ou de princípios, trata-se de uma questão prática
que resulta da aplicação concreta e viva de um conjunto de comportamentos e de processos,
na medida em que, “…só neste contexto, é que as noções como as de ordem ou de disciplina
poderão ter a vir algum sentido não autoritário, mas democrático – uma ordem e uma
disciplina que são de um grupo e não de um chefe porque tateadas e experimentadas e não
impostas por uma hierarquia.”(p.59).

Fala-se, muitas vezes, de uma escola democrática ou da democracia na escola, mas que não
passam de meros slogans desenraizados de uma prática coerentes, onde os professores ainda
continuam a deter o poder de decidir, preparar o ambiente, preparar o material, planificar,
dar as lições e julgar as aprendizagens dos alunos. Os professores verificam, veiculam,
instruem. O aluno deixa-se guiar, não reage nem produz (Niza, 2015a).

Em síntese, no MEM, estimular uma democracia participativa e cooperativa com o


envolvimento de todos, é um imperativo para criar cidadãos participativos e responsáveis
para a construção de uma sociedade mais justa (C. Fernandes, Filipe, Liberal, & Louseiro,
2019). Para isso, destaca Niza (1998), torna-se prioritário ensaiar e desenvolver uma cultura
democrática no interior das escolas, correndo o perigo de, mais tarde ou mais cedo, se perder
a própria Democracia, pois não será com simulações de representação de sistemas de

44
democracia formal que a escola e os alunos alguma vez aprenderão a contruí-las, mas será
antes através de um processo cooperante e dialógico e de resolução de problemas reais.

A dimensão prática do princípio da Participação Democrática Direta irá torna-se mais clara
nos pontos seguintes onde iremos apresentar os cinco módulos que constituem a sintaxe do
MEM.

2.4.2.4 Organização e gestão cooperada em Conselho de Cooperação Educativa


De acordo com Graves-Resende, L. e Soares, J. (2003), as aprendizagens devem partir das
necessidades e interesses dos alunos, do envolvimento na construção das aprendizagens, na
partilha e gestão conjunta dos tempos, dos recursos e dos conteúdos escolares, tendo em vista
o envolvimento e a consciencialização dos alunos pelas suas aprendizagens. Desta forma,
caminha-se para uma maior qualidade educativa que se traduz não só num aumento dos
saberes e no gosto em aprender, como também na fomentação do desenvolvimento pessoal e
social para o exercício da cidadania. Onrubia (1999) considera a aprendizagem escolar como
um processo ativo no qual o aluno constrói, modifica enriquece e diversifica os seus esquemas
de conhecimento em relação aos conteúdos escolares, a partir do significado e do sentido que
consegue atribuir a esses conteúdos e ao facto de os aprender.

No modelo pedagógico do MEM não é possível falar de socialização sem falar do


Conselho de Cooperação Educativa, enquanto momento regulador onde os alunos em
conjunto com o professor discutem acontecimento relativos à vida diária da turma, nas
dimensões social e curricular (C. Fernandes et al., 2019). Descreve-nos Louseiro (2011), que
“o Conselho não é uma instância representativa e burocrática de exercício de poder (…). Em
Conselho cada um expõe os seus pontos de vista, as ocorrências que foram significativas para
si (…), faz propostas e, quando assim é estipulado, gere o próprio conselho.” (p.14). Segundo
Niza (1991), o Conselho é um momento de articulação, de reordenação, de coordenação, de
instituição, de síntese da construção educativa de cada uma das turmas. Acrescenta ainda
Serralha (1997), o Conselho de Cooperação Educativa contribui para revelar a dinâmica
dialógica da construção social e do desenvolvimento moral e da socialização de um grupo de
alunos.

A organização e gestão cooperada em Conselho de Cooperação Educativa, diz-nos Niza


(2007), ganha forma em reuniões de Conselho para planeamento, avaliação e análise das
ocorrências mais significativas, na construção de regras de vida que conduzem ao
desenvolvimento socio moral. Acrescenta ainda Serralha (1999), negoceiam-se os apoios do

45
professor aos projetos e aos alunos com maiores dificuldades, as tomadas de decisão quanto
às comunicações a apresentar, os conteúdos a tratar, e os tipos de trabalho a realizar nos
tempos coletivos (Figura 8).

Figura 8 - Conselho de Cooperação Educativa

Todas as decisões que concorrem para as discussões no momento de Conselho são


registadas no Diário da Turma. O Diário da Turma, como destaca Niza (1991), é o instrumento
regulador e motor do Conselho, um “termómetro moral”, que se constitui como um
memorando, enquanto registo da memória histórica e registo cultural de um grupo de alunos
com o seu professor, que contribui para o desenvolvimento histórico e cultural de um grupo
humano que constrói cooperativamente a sua educação. Acrescenta Serralha (2001), que o
Diário da Turma se apresenta como um instrumento pedagógico, um “observatório” do
desenvolvimento moral, social e pessoal do grupo, não como instrumento que possa servir de
queixa direta ao professor pois a tentativa de desviar a resolução de um conflito para outra
instância de poder para além do Conselho iria fragilizar a o carater regulador e socializador
deste órgão.

Na prática, como descreve Niza (1991), o Diário da Turma, também denominado por
Diário de Parede pois destina-se a estar exposto num espaço acessível a todos, encontra-se
organizado em quatro colunas destinadas à escrita, onde as ocorrências positivas poderão
descrever-se como “gosto”, “concordo”, “acho bem”, e as ocorrências negativas poderão
exprimir-se como “não gosto”, “não concordo”, “acho mal”. As outras duas colunas

46
complementares destinam-se a recolher “sugestões” para enriquecimento do trabalho e, na
última coluna, “realizações” que se tenha distinguido ao longo da semana, ou de um período.
Outras formas de organização do Diário são possíveis, tal como nos diz Niza (1991), no qual,
por exemplo, Freinet dividia o diário com três colunas com os títulos: “Criticamos”,
“Felicitamos” e “Pedimos”.

Figura 9 - Diário da Turma (Serralha, 2007)

O momento de Conselho de Turma, diz-nos Serralha (1997) é dinamizado por um


Presidente que guia a sessão e um Secretário que tem a responsabilidade de fazer uma ata, e
de a afixar numa parede da sala, a fim de garantir que não haja esquecimentos e se cumpram
as decisões e compromissos tomados em coletivo. Nas palavras de Oury (1978) “…o caderno
do Conselho é a memória do grupo…”. A cada Conselho é lida a ata do Conselho anterior no
sentido de avaliar o cumprimento das decisões tomadas. Em relação aos papéis de Presidente
e de Secretário, são funções que não são atribuídas a um único aluno ou a um grupo restrito
de alunos seguindo critérios definidos pelo professor ou pela escola, tal como não está sujeito
a votações, na medida em que todos os alunos, num sistema de rotatividade, têm a
possibilidade de assumir essas responsabilidades uma vez que no Conselho não existem
hierarquias de poder (Louseiro, 2011).

As decisões que resultam do Conselho relativas à vida do grupo, destaca Serralha (1997),
não são entendidas como leis imutáveis, antes pelo contrário, têm um caráter provisório, pois
a partir de certo momento, o grupo em Conselho pode entender que uma determinada norma
já não tem utilidade e poderá proceder à sua revisão ou até anulação. A este propósito,
acrescenta a autora, para que o Conselho se torne num espaço onde os conflitos possam ser

47
verbalizados, clarificados e resolvidos, é importante que não haja castigos, que a criança não
seja condenada face a qualquer incidente praticado.

Do Conselho resultam outras decisões respeitantes à vida do grupo, como a “…gestão do


tempo, do espaço, dos materiais, e dos conteúdos, ou seja, a cooperação na planificação, na
avaliação do trabalho e na construção das aprendizagens.“ (Santana, 1998).

Nesta linha, Niza (1998), explicita a importância de um cenário de trabalho que


proporcione um envolvimento cultural estruturado que facilite o ambiente de aprendizagem
suportado por áreas de apoio. Iremos seguir a descrição do autor no sentido de clarificar um
pouco melhor como se organiza o cenário educativo.

Áreas de Apoio Geral

Um armário com materiais coletivos (papel de várias dimensões, cartolinas, lápis, canetas,
afias…), para livre utilização dos alunos devidamente classificados e arrumados;

Bancada com ficheiros com coleções de ficheiros e guiões de trabalho correspondentes às


várias áreas do currículo para trabalho autónomo devidamente organizados e ordenados, e
um placard. Anexo a esta bancada estará afixado um mapa para registo da utilização dos
ficheiros.

Quadro de registo das tarefas de manutenção como as tarefas de apoio ao núcleo de


documentação, de apoio a materiais de uso coletivo, registo de presenças…

Um mapa de presenças dos alunos.

Um mapa dos textos produzidos pelos alunos devidamente tipificados, como histórias,
banda desenhadas, notícias, poesias e outros textos ligados às funções sociais do trabalho
como relatórios de visitas de estudo, cartas, atas e resumos.

Um mapa de registo de leituras de textos, também tipificados designando histórias, poesias,


banda desenhadas, revistas, jornais, peças de teatro.

As fichas de registo de projetos com os nomes dos alunos do grupo que se comprometem a
realizá-los, dispostos em colunas de informação encabeçadas por títulos como “o que
queremos saber”, “o que já sabemos”, “, o que vamos fazer”, “como e quando vamos
apresentar à turma”.

O registo do planeamento do dia, contendo a data do plano, o que se propôs fazer no dia,
que faz, e o balanço final.

48
Divulgam-se, ainda, os programas curriculares, na forma de Plano Anual e ainda o Diário
da Turma.

Áreas de apoio específico ao programa

O atelier de expressão plástica com materiais necessários à modelagem, escultura, pintura,


construções, tapeçaria e tecelagem, pintura, estampagem, fotografia, cartazes e audiovisuais.
Deverá dispor de um espaço para divulgação dos trabalhos realizados.

A oficina de teatro para apoio à expressão dramática com adereços e fantoches, marionetas
e máscaras e o respetivo biombo.

A área de apoio à educação musical, com instrumentos musicais, partituras e publicações


musicais e dispositivos que permitam a reprodução ´gravação e audição de música.

O núcleo de documentação e informação, conhecido por biblioteca, deverá configurar-se num


espaço acolhedor, podendo conter almofadas para permitir a consulta confortável e tranquila
de documentos e livros. O espaço destinado aos documentos deverá estar ordenado e
identificado e deverá conter livros, manuais, enciclopédias, assim como os estudos, livros e
jornais produzidos pelos alunos.

A oficina de escrita e de edição contempla os computadores e outros meios de registo e


impressão. Deverá ser um espaço que permita a edição e montagem de livros, jornais, textos
de apoio e correspondência interescolar.

O laboratório de ciência e matemática destinado aos utensílios de observação, à montagem


de experiências contemplando materiais de uso corrente e também a réplica de experiências
científicas de apoio aos projetos de Estudo do Meio. Neste espaço encontram-se ainda
disponíveis aos alunos materiais de apoio às diferentes dimensões do currículo de
matemática.

Como afirma Niza (1991), o Conselho de Cooperação Educativa é um momento não


apenas de partilha de poder, mas também de exercício direto de participação democrática na
escola e motor do desenvolvimento moral, social e cívico. Lembra Paulus (2005), o Conselho
é uma forma de os alunos perceberem que existe um espaço que torna o debate possível sobre
a forma de se organizarem, ou ainda, como complementa Trindade e Cosme (2010), um espaço
e um momento onde se assume uma posição estratégica nas opções das decisões curriculares,
no sentido em que a sua abrangência se estende à gestão dos espaços, dos tempos, da

49
avaliação, bem como a organização material e temporal que suporta o quotidiano de trabalho
e a gestão cooperada de uma turma.

2.4.2.5 Trabalho de aprendizagem curricular por projetos cooperativos


De acordo com Niza (2007), o trabalho de aprendizagem curricular suporta-se
essencialmente em projetos de trabalho realizados de forma cooperativa, acompanhados pelo
professor, que podem ser projetos temáticos de estudo, de produção artística, de pesquisa
científica ou de intervenção social. Diz-nos Oliveira-Formosinho (2003), que a colaboração dos
atores e a intencionalidade das metas se desenvolve em projetos e atividades culturais e
pedagogicamente valiosas. No MEM, diz-nos Xerepe (2001), que se estimula uma cultura do
projeto na medida em que este é entendido como um compromisso social que se situa numa
lógica de compromisso com o mundo e com a vida, onde o projeto surge como cultura que
remete o ato de educar para um paradigma diferente, como nos lembra Trindade e Cosme
(2007), para o paradigma da comunicação. Tal com destaca Bruner (1998), quando nos recorda
acerca do papel do aluno e do contexto na aprendizagem: “… a atividades intelectual é a
mesma em toda a parte, seja na fronteira conhecimento, seja no terceiro ano do ensino básico
(…) Um rapazinho aprende física na escola é um físico, e torna-se mais fácil para ele aprender
física comportando-se como tal do que de outra maneira qualquer.” (p.54).

Niza (1998) refere os projetos de investigação como aqueles que resultam de uma antecipação
de respostas (as hipóteses), a montagem dos percursos de prova (a experimentação ou de
inquérito), até à verificação dos resultados. No fundo, destaca o autor, estes projetos seguem
a metodologia de uma experiência científica. Os projetos e intervenção são bastante estimulados
no MEM pois apelam à tomada de consciência de situações que possam ser entendidas como
problemas ambientais, patrimoniais, de ordem social ou cultural, para que os alunos tenham
um papel ativo na resolução desses problemas.

A prática dos projetos pressupõe a visão do fim, o que implica a previsão de consequências
da ação que se introduziu (Dewey, 1968). A este propósito, esclarece Perrenoud (2001), a
experiência do projeto permite tomar consciência do facto de que toda a decisão se
fundamenta em saberes teóricos e processuais.

Perrenoud (2001) faz a distinção entre pedagogia do projeto e trabalho de projeto. Para o
autor, a pedagogia do projeto refere-se a um posicionamento do docente face a uma pedagogia
definida, por outro lado, o trabalho de projeto enquadra-se numa posição onde o docente não
segue uma orientação global, é antes uma forma entre outras de pôr os alunos a trabalhar.

50
Para clarificar a pedagogia do projeto destacamos a proposta de Legrand (1990),
caraterizada em sete pontos e que passamos a descrever de forma resumida.

O primeiro ponto diz respeito ao valor afetivo que criança desenvolve pelo objeto de
estudo ou de produção que põe em prática. A este respeito, ressalva o autor, o projeto pertence
necessariamente à pedagogia de aprendizagem em oposição à pedagogia de ensino. O projeto
não necessita necessariamente de partir do aluno, poderá partir do professor, neste ponto, o
que se torna importante é o grau de empenhamento do aluno.

O segundo ponto refere-se à importância que assume a realização do projeto em grupo.


Não que dizer que não se possa realizar de forma individual, no entanto, não é favorável ao
seu amplo desenvolvimento.

No terceiro ponto destaca a importância atribuída às fases de elaboração do projeto, o qual


deverá ser o suficientemente flexível para introduzir reorientações sempre que necessário.

No quarto ponto estabelece que da elaboração de um projeto resulte uma produção. Esta
produção é esperada por uma coletividade que no fim a irá apreciar. De um projeto resulta
um produto que será apresentada à comunidade. Este desfecho é muito esperado pelos
alunos.

No quinto ponto, alerta-se para a flexibilidade necessária na realização do projeto de


forma a não se cair no oposto da pedagógica do projeto. A autonomia do aluno, a criatividade
e a sua socialização resultam do confronto entre o objetivo enunciado e as condições da sua
realização. Importa destacar, neste ponto, a necessidade do grupo avaliar regularmente o
ponto em que se encontra reorientá-lo de acordo com as dificuldades que encontra ao longo
do percurso.

O sexto ponto destaca a importância do trabalho individual e coletivo na pedagogia do


projeto. A cooperação no grupo é uma dimensão importante não descurando a produção
individual. A produtividade no projeto deve resultar de tomadas de decisão e avaliação
coletivas.

No sétimo ponto destaca-se o papel do professor enquanto coordenador ou informador,


conforme solicitado pelos alunos. O professor deve saber os momentos em que deve incitar,
esperar e intervir sempre que necessário. A sua competência não deve estar acima das
atividades, deve seguir e acompanhar a sua evolução.

Nesta linha, Dewey (1968) acrescenta três pontos que realçam o desafio intelectual que
representa a pedagogia do projeto: (i) implica a observação das condições oferecidas pelo

51
ambiente no sentido em que é importante compreender a significação do que se vê do que se
ouve e do que se toca; (ii) implica o conhecimento do que foi possível realizar no passado em
situações semelhantes como resultado de experiências anteriores e,(iii) implica uma avaliação
que sintetiza observações e recordações para delas se tirar significado.

A prática de projetos no contexto do MEM pressupõe uma dinâmica em que a turma é o


centro do trabalho de aprendizagem na escola, pois é a turma que escolhe os temas do
projetos, que os planifica, que regula o seu progresso, que define os tempos, as parecerias, as
apresentações (Xarepe, 2001). Como defende Dewey (1968) “Um autêntico projeto encontra
sempre o seu ponto de partida no impulso do aluno”. Neste sentido, de acordo com Gomes
(2011), o projeto contempla algo intencional que envolve a construção de um plano que resulta
das tarefas e das ações a realizar, repartidas por um espaço temporal e pelos elementos do
grupo.

O trabalho de projeto, diz-nos Niza (1998), decorre de uma qualquer circunstância


catalisadora de um qualquer projeto de estudo, motivando-se os alunos a fazer perguntas para
as quais gostassem de obter respostas, ou como acrescenta Louseiro (2020), para haver um
bom projeto é importante haver boas perguntas. Gomes (2011) descreve como ponto de
partida a orientação que o professor pode facultar aos alunos, sugerindo que os projetos
podem ser realizados com base em temas da escolha dos alunos ou temas disponíveis no
programa da disciplina de Estudo do Meio. Neste seguimento, constituem-se os grupos de
trabalho.

A propósito dos grupos de trabalho, alerta Niza (1998) para o cuidado a ter na delegação
de forma rígida do papel de cada um dos elementos do grupo, pois esta atitude conduz a que
se perca toda a eficácia da cooperação. Neste sentido, sugere o autor, que os papéis não sejam
determinados de forma prévia a fim de oferecer aos participantes a liberdade de confrontação
e a oportunidade de diferenciação com o objetivo de potencializar as dinâmicas de
cooperação. Como acrescenta Dewey (1968), o projeto cresce e toma forma graças a um
processo de inteligência socializada. Nesta linha de pensamento, destacamos as palavras de
Perrenoud (2001) quando diz,

“…que um projeto obriga a cooperar, a desenvolver competências


correspondentes: saber escutar, formular proposições, negociar
compromissos, tomar a manter decisões, saber pedir e oferecer ajuda,
partilhar preocupações ou saberes, saber distribuir as tarefas e
coordená-las, saber avaliar em comum a organização e a evolução do
trabalho, gerir em conjunto as tensões, problemas de equidade ou de
reconhecimento, insucessos. A isto acrescenta-se um trabalho sobre as

52
competências de comunicação escrita (plano, memorandos,
correspondência, etapas a seguir) e oral (argumentação, animação,
partilha de saberes, etc.) como ferramentas funcionais de cooperação.”
(p.113)

O papel dos professores não é menos importante na realização dos projetos, como releva
Trindade e Cosme (2010), pois os professores são colocados perante um desafio que põe em
causa o estatuto e o papel que lhe são normalmente atribuídos, pois a metodologia do projeto
confere aos alunos uma centralidade que no espaço escolar é considerada invulgar. Assim,
destaca-se o papel instrumental do professor que imprime aos alunos a liberdade criativa,
como refere Dewey (1968),

“O verdadeiro método pedagógico consiste primeiro em tornar-


nos inteligentemente atentos às aptidões, às necessidades, às
experiências vivenciadas pelos educandos e, em segundo lugar, em
desenvolver estas sugestões de base de tal forma que elas se
transformem num plano ou num projeto que, por sua vez, se organize
num todo assumido pelo grupo. (…) o plano é um empreendimento
cooperativo e não ditatorial: a sugestão do professor não deve evocar
a ideia de um molde para fundir objetos duros, pesados e inertes, mas
a de um ponto de dilatação suscetível de se transformar num todo
ordenado (…) (p.17)

A este propósito, lembra Louseiro (2020), embora as perguntas possam surgir


naturalmente da curiosidade dos alunos, pode haver alguma provocação da parte do
professor.

A vertente prática de todo este processo é sustentando por etapas e instrumentos de


pilotagem que têm com função monitorizar o progresso do trabalho (Gomes, 2011). Louseiro
(2020) detalha as etapas seguidas e os instrumentos utilizados para a realização de projetos,
que passamos a descrever.

“Quero saber” – Representa um espaço disponível e acessível a todos, onde os alunos vão
registando as suas perguntas e curiosidades.

53
Figura 10 - Exemplo de um plano de projeto (Trindade & Cosme, 2010)

Formação dos grupos – Da leitura coletiva das perguntas e curiosidades registadas na folha
do “Quero saber”, é proposto a formação dos grupos incentivando a formação dos mesmos a
partir dos temas de interesse e procurando dissuadir a formação de grupos com base nas
amizades.

Planificação – Cada grupo deverá preencher o Plano de Projeto. Este documento é


composto por vários campos fundamentais, como o Tema do Projeto, Autores, O que pensamos
sobre o tema, O que queremos saber, Fontes de informação, Produtos. Contempla ainda um campo
para registo das datas de início do projeto, das sessões de trabalho, e da apresentação do
produto resultante à comunidade.

Figura 11 – Grelha de projeto (Gomes, 2011)

54
Da leitura da perspetiva dos diferentes autores acerca da realização de projetos, observa-
se que estes instrumentos de pilotagem não tomam um formato estanque, podendo assumir
diversas configurações de acordo com as caraterísticas das turmas.

Regulação do projeto – A regulação do projeto é realizada a cada sessão de trabalho, que se


vai ajustando em diálogo com a turma. O Plano de Projeto poderá contemplar um campo que
permita a avaliação regular e refletida sobre cada sessão de trabalho. Em alternativa, a
autoavaliação poderá acontecer no Plano Individual de Trabalho (iremos abordar no Trabalho
autónomo e acompanhamento individual), em conferência com o seu grupo de trabalho, aquilo
que será mais adequado escrever. Com a ajuda do professor, importa fazer no início de cada
sessão um ponto da situação coletivo para desbloquear possíveis dificuldades que possam
acontecer. Este momento é importante pois oferece ao professor e à turma a visão global de
quais os grupos que, numa situação de rotatividade, necessitam de apoio prioritário. Com o
desenrolar do tempo, torna-se importante criar um conjunto de regras de conduta que
permitam manter a fluidez das sessões de trabalho dos projetos, sendo o Conselho de Turma
o momento ideal para trazer à discussão estes assuntos. É destas discussões e dos registos que
se vão reconstruindo em cooperação, que nascem as listas de critérios enquanto instrumento
de avaliação que conduz à reflexão sobre as sessões de trabalho, os produtos e as
comunicações.

Articulação com os programas curriculares – Pela natureza dos conteúdos, não é difícil ligar
os temas dos projetos à disciplina de Estudo do Meio. Assim, com a progressiva aquisição de
competências para a realização autónoma dos projetos, o professor pode, a partir da altura
que achar mais apropriada, convidar os alunos a consultarem os programas curriculares, tal
como registados nas Listas de Verificação, de forma que os alunos vão percebendo até que ponto
as questões dos seus projetos se enquadram nos conteúdos curriculares.

Comunicação dos produtos – Chegada a altura de partilhar e de comunicar os produtos,


numa fase inicial, e de uma forma natural, os alunos tendencialmente limitam-se a ler a
informação do suporte de apoio à comunicação. Importa, gradualmente, discutir com os
alunos a importância comunicativa em torno da apresentação dos projetos para que,
progressivamente, os alunos compreendam a importância de comunicar a informação de
forma percetível e desenvolvam comunicações mais espontâneas e mais criativas.

Neste momento, alerta Louseiro (2020), emerge a preocupação sobre a apropriação dos
conteúdos. A autora destaca a importância do professor como mediador para garantir a

55
compreensão e aquisição dos conteúdos por parte dos restantes elementos da turma. Poderão
ser desenvolvidas em coletivo algumas estratégias para consolidar os conteúdos abordados
como momentos de síntese, ou eventual extensão, após a apresentação ou noutro momento,
com perguntas e respostas, elaboração de fichas síntese. Cada aluno arquiva posteriormente a
sua ficha síntese numa capa arquivo à qual poderá recorrer durante o Tempo de Estudo
Autónomo para revisão e consolidação dos conteúdos. Poderá acontecer que um projeto não
contemple os conteúdos curriculares, neste caso, poderá o professor combinar com os alunos
uma sessão para extensão do tema apresentado.

Em síntese, como refere Gomes (2011), a realização de projetos cooperativos a partir da


negociação e gestão cooperada do currículo e dos produtos culturais daí resultantes, revelam-
se importantes na medida em que permitem atribuir sentido social às aprendizagens dos
alunos. Complementa Louseiro (2020) que, no sentido de garantir aos alunos uma vivência
democrática na escola, os projetos representam vivências riquíssimas que devem conduzir os
alunos ao sucesso escolar passando pela motivação e pelo desenvolvimento de competências
transversais de acesso ao conhecimento e também pela apropriação dos conteúdos
curriculares, num caminho que se traça com os alunos e com os pares de profissão, refletindo,
analisando e ajustando as ações.

2.4.2.6 Circuitos de comunicação para difusão e partilha dos produtos culturais


Segundo Niza (2007), encontramos, no modelo do MEM, atividades que promovem a
divulgação e partilha dos produtos culturais no que respeita, por exemplo, à comunicação dos
projetos realizados pelos estudantes, a apresentação de produções, a divulgação de
publicações, a exposição de trabalhos, à troca de correspondência. Recorrendo às tecnologias
digitais, é possível proceder-se à construção de weblogs que permitem, por um lado, a
apropriação do plano curricular e, por outro, a vivência e reflexão em torno de experiências
reais, autênticas e significativas (Brazão, 2010).

No MEM, embora a comunicação seja um processo integrante do modelo, é habito


contemplar um tempo na Agenda Semanal para os alunos realizarem as suas comunicações
(Raminhos, 2009) A este propósito, destaca Santos (1999), é importante discutir com o grupo
acerca dos modos de comunicação na medida em que as comunicações podem assumir
diferentes formas, consoante o propósito e o objetivo que se pretende. Destaca o autor alguns
pontos importantes que importa clarificar em coletivo com os alunos relativamente às

56
comunicações: o que comunicar? Comunicar para quê? Como comunicar? Comunicar em que
tempo?

Sobre o tempo de comunicação dos alunos, Santos (1999) chama ainda a atenção para a
importância da planificação e avaliação do trabalho realizado a fim de evitar que a
comunicação se realize de forma intuitiva. Para isso, destaca a autora, é importante negociar,
com os intervenientes da comunicação, critérios de avaliação no sentido de valorizar o tempo
de comunicação como um recurso de aprendizagem tão relevante como o Tempo de Estudo
Autónomo ou o trabalho em Projetos pois, como destaca diz Niza (2007), torna-se importante
submeter à reflexão coletiva os efeitos alcançados sobre a sua apropriação ou utilização social.

Pestana (2011), fala-nos sobre o momento de Apresentação de Produções onde alunos têm
a oportunidade de comunicar e de partilhar com a turma produtos culturais como novidades,
momentos especiais de trabalho, vivências, dificuldades e sucessos nas aprendizagens. Estas
comunicações decorrem de uma inscrição prévia, em Conselho de Conselho de Cooperação
Educativa.

As comunicações dos alunos constituem, assim, momentos importantes de reflexão


coletiva que contribuem para melhorar, reconstruir, aperfeiçoar aprendizagens (Pestana,
2011). No resultado de uma comunicação, destaca a autora, desenrola-se uma reflexão
coletiva, com contributos dos colegas tendo e vista a melhoria dos produtos comunicados.
Para que “…a fala não fique perdida na memória” os comentários e sugestões dos colegas são
registados em grelhas coletivas ou no PIT. A autora refere outros produtos passíveis de
comunicação como problemas realizados pelos alunos, produção de textos, produções
artísticas.

O Momento de Revisão de Texto, englobado na disciplina de Português, é um tempo da


Agenda Semanal que oferece aos alunos a possibilidade de produzir e difundir os seus
próprios textos (Soares, 2003). Santana (2003) destaca que a aprendizagem da escrita nas
idades mais novas se realize através da produção de produtos culturais que a materializam
como a fala, a escrita, a leitura, a matemática e as produções artísticas, que não devem ser um
fim em si mesmos, mas uma forma de comunicar com os outros e de interpelar o mundo que
nos rodeia.

Soares (2003) sublinha a importância da criação de um ambiente propício que estimule o


gosto de comunicar, centrada na organização cooperada do trabalho, desenvolvendo
atividades em que os alunos podem criar e difundir os seus próprios textos, de forma
semelhante como fazem os profissionais da área da comunicação social, na medida em que

57
estas dinâmicas oferecem aos alunos situações educativas autênticas. Acerca das produções
dos alunos, destacamos Freinet (1796), quando nos recorda que a criança que cria um texto
sente-o nascer enquanto trabalha; dá-lhe uma nova vida, torna-o seu. Como acrescenta
Pestana (2011), são momentos de grande riqueza não apenas pela partilha dos produtos
culturais, mas porque constituem, também, momentos de avaliação qualitativa e descritiva
dos percursos realizados, através dos comentários do professor e dos colegas para que
consigam perceber se conseguiram ou não atingir os objetivos.

Candida (2001) refere-se à disciplina de matemática como um campo do conhecimento


onde a construção de aprendizagens significativas tem adquirido especial destaque nas
orientações curriculares, em especial no que toca a competências de comunicação, na medida
em que, quanto mais oportunidades as crianças tiverem de refletir sobre ideias, falando,
escrevendo ou representando, mais elas compreendem os conceitos e mais a comunicação será
acentuada, objetiva e elaborada, ajudando a esclarecer, refinar e organizar os seus
pensamentos.

Os Projetos, como vimos no ponto anterior, representam momentos comunicativos


relevantes pois promovem inúmeras possibilidades comunicativas como, por exemplo, entre
grupos, com o professor, com os livros ou outras fontes de informação, sobre os tipos de
discurso e sobre as técnicas (Soares, 2003). No entanto, destaca Raminhos (2009), a
aprendizagem suportada por projetos constitui um processo complexo na medida em que
requer da parte dos alunos elevado grau de autonomia, sendo necessário uma constante
planificação e avaliação em momentos de comunicação coletiva, de forma a orientar o
processo e a desenvolver as competências de comunicação dos alunos.

Sobre o papel dos professores, Soares (2003) salienta a sua importância no processo
comunicativo, tal como se configura no MEM, sendo entendido como um recurso entre outros,
como um secretário das crianças enquanto ainda não adquirem as competências de escrita,
como auditor e interlocutor das falas das leituras e escritas que se poderão converter em
produtos culturais, como mediador entre os conhecimentos adquiridos e os novos
conhecimentos que em interação vão construindo, e ainda como animador e dinamizador do
processo das aprendizagens em cooperação e emancipador da progressiva autonomia dos
alunos.

Em síntese, como sublinha Cândida (2001), a comunicação é no seio da escola o recurso


mais acessível de acesso ao conhecimento, pois é um recurso simples, ágil e direto que permite
revisões instantâneas, sendo ainda o único recurso que permite a comunicação quando a

58
escrita e as representações gráficas ainda não estão dominadas. Nesta linha, sublinha ainda
Raminhos (2009), no modelo do MEM, a construção social das aprendizagens em circuitos de
comunicação dialógica é um dos pilares do sistema de organização cooperada do trabalho de
aprendizagem, pois, como lembra diz Niza (2007), que ao dar significado social e educativo
ao currículo oficial é um processo assumido como um contrato educativo explicitado pelo
diálogo.

2.4.2.7 Trabalho curricular comparticipado pela turma


De acordo com Niza (2007), o trabalho curricular comparticipado pela turma configura-se
em sessões de trabalho em coletivo, onde, com a colaboração ativa dos professores e
comparticipada por todos, se constroem ou se reconstroem conceitos e saberes ou se procede
à revisão ou reescrita de textos que sirvam as diversas áreas do currículo.

Pretende-se, assim, que uma sala de aula, enquanto cenário de aprendizagem para alunos
e professores, se transforme progressivamente numa comunidade de aprendizagem
(Fernandes, 2009), na medida em que, numa comunidade de aprendizagem, é sobre o grupo
que recai a responsabilidade da condução do trabalho comparticipado, sob o olhar atento e
mediador do professor (Almeida, 2013).

Diz-nos Santana (2013), sobre o trabalho curricular comparticipado pela turma, que este
pode facilmente ser confundido com ensino simultâneo tradicional, pois não introduz
qualquer rotura com a organização pedagógica com acontece com os restantes módulos do
modelo pedagógico do MEM, tratando-se de um momento de trabalho coletivo onde, com a
colaboração ativa de todos e com a comparticipação do professor, se constroem e reconstroem
conhecimentos que contemplem as diversas áreas do currículo pois, como acrescenta Oliveira-
Formosinho (2003), “…no coração da ação educativa do MEM, se institui quotidianamente a
comunidade sociomoral no respeito pela agência dos atores na negociação que o contrato
social estimula. Pude confirmar que a criatividade pedagógica se faz em diálogo e não no
isolamento.” (p.8).

Pontecorvo (2005) centrou alguns dos seus estudos nas dinâmicas comunicativas em sala
de aula. As sessões com a típica discussão em que as trocas verbais entre os alunos e o
professor, no modelo de pergunta do professor, resposta do aluno, comentário do professor,
objetiva-se, sobretudo no intuito de avaliar não se tratando de uma “…real discussão…”.
(Pontecorvo, 2005). Neste sentido, a autora considera algumas condições a ter em atenção no
que respeita às dinâmicas de discussão:

59
a) uma experiência comum, anterior à discussão, de forma, porém, a
não comportar uma única “leitura” ou solução;
b) um discurso que reelabora a experiência realizada e que se
estrutura como situação de problem solving coletiva, na qual seja
possível negociar significados, compartilhar e comparar diferentes
soluções ou interpretações de um mesmo material (por exemplo,
um texto escrito), ou de uma mesma experiência (por exemplo,
uma observação ou um “experimento” específico).
c) Uma mudança das regras usuais de participação no discurso
escolar; os turnos de discurso não devem ser controlados pelo
professor; as perguntas usuais do professor são em parte
substituídas por retomadas ou espelhamentos das intervenções
dos alunos, por pedidos de explicação e por intervenções que
enfatizam uma discordância eventual de posições. (p.65)

Tal como destaca Onrubia (1999) a comunicação ocupa, desta forma, um lugar central nas
discussões no sentido em que, como complementa Vygotsky (1934), a fala tem um papel
preponderante na criação e intervenção na Zona de Desenvolvimento Proximal pois é um
instrumento fundamental a partir do qual os participantes podem comparar e modificar os
seus esquemas de conhecimento e as suas representações sobre as novas aprendizagens. Nesta
linha, diz Fernandes (2009), que na perspetiva socioconstrutivista o ensino deve ser observado
como um processo pessoal, culturalmente mediado, de construção de conhecimento, em que
a partir dos conhecimentos que o aluno possui, ao serem explicitados ao grupo, passam a ser
do conhecimento de todos permitindo-lhe contar com a colaboração de outros na elaboração
e atribuição de significados. Nas palavras de Mercer (1997), “…a minha própria compreensão
das coisas melhorou ao ter de explicar algo a um amigo que as entendia menos e que me pedia
ajuda. Um bom exame para se saber se se compreende bem uma coisa é ter de a explicar a
alguém.” (p.1).

Onrubia (1999) destaca como a existência de pontos de vista divergentes entre os


elementos de uma turma, face à realização de uma determinada tarefa comum, acaba por ser
um contributo importante para a construção de conhecimento. A este propósito Fernandes
(2009), destaca a importância de um clima social de liberdade, onde as crianças podem
expressar os seus pontos de vista confrontando-os com os restantes elementos.

Na prática, o trabalho curricular comparticipado, como explicita Santana (2013),


contempla diversas atividades como o aperfeiçoamento coletivo de textos, matemática
coletiva, apresentação e discussão de problemas; revisão de problemas inventados; discussão
a partir da apresentação de projetos; apresentação e discussão de experiências, entre outras.

60
Fernandes (2009) fala-nos acerca da aprendizagem experimental das ciências em que a
construção cooperativa das aprendizagens, mediada pelo professor, conduz à construção e
produção significativa de conhecimento. Fernandes (2009), destaca o papel do professor no
desbloqueio de situações que possam representar obstáculos à construção de conhecimento,
conduzindo o trabalho curricular comparticipado ativando ideias prévias dos alunos,
ajudando-os a revê-las, a trabalhar com elas e a modificá-las se necessário.

Trata-se, como refere Santana (2013), de construir com os alunos uma gramática de
comunicação sem a qual se poderá resvalar para o paradigma da instrução. Recorda Niza que
o modelo do MEM se suporta em instrumentos conceptuais que permitem guiar o
desenvolvimento das discussões, ou do pensamento discursivo, e onde podemos observar os
níveis de desenvolvimento, para mais facilmente o aperfeiçoarmos, não esquecendo a
importância da gestão democrática dos diálogos, das discussões e dos debates tendo em vista
a construção social do conhecimento (Niza, 2010).

2.4.2.8 Trabalho autónomo na aula e apoio individual.


Diferenciar é uma forma de resposta proativa do professor face às necessidades de cada
aluno (Tomlinson & Alla, 2002). Na perspetiva de Perrenoud (1997) a diferenciação resulta do
rompimento com a pedagogia magistral, ou como complementa Bruner (1998) quando nos
diz que para crianças diferentes significam coisas diferentes.

A importância da diferenciação das aprendizagens encontra-se espelhada, desde há vários


anos, em documentos educativos de referência, como a Declaração de Salamanca (1994) a qual
destaca que toda a criança possui caraterísticas, interesses, habilidades e necessidades de
aprendizagem que são únicas, ou ainda, no contexto nacional, como contemplado no
documento Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade obrigatória (Martins et al., 2017), onde
fica reconhecido:

“Inclusão – A escolaridade obrigatória é de e para todos, sendo


promotora de equidade e democracia. A escola contemporânea agrega
uma diversidade de alunos tanto do ponto de vista socioeconómico e
cultural como do ponto de vista cognitivo e motivacional. Todos os
alunos têm direito ao acesso e à participação de modo pleno e efetivo
em todos os contextos educativos. (p.13)
(…)
A assunção de princípios, valores e áreas de competências para o
Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória implica
alterações de práticas pedagógicas e didáticas de forma a adequar a

61
globalidade da ação educativa às finalidades do perfil de
competências dos alunos.”. (p.31)

O TEA, destaca Assunção (2011), é um dispositivo fundamental na concretização de uma


educação inclusiva pelo trabalho de diferenciação, pois permite libertar o professor para que
possa acompanhar os alunos que dele mais necessitam, onde todo o processo é potenciado
pela cooperação e comunicação sistemática que sustentam o desenvolvimento educativo e a
gestão do currículo apoiados por um sistema de autoavaliação cooperada

Como nos diz Niza (2000),

“O modelo de cooperação educativa do MEM procura assumir e


valorizar as diferenças, enquanto recurso fundamental da formação
intelectual e social, através da utilização de estruturas de cooperação
e dos processos sistemáticos de comunicação que o caracterizam e que
atravessam os ciclos temporais de diversificação da ação educativa
geridos a partir do Conselho de Cooperação educativa e revertendo
sistematicamente a ele, enquanto motor do processo autorregulado de
aprendizagens cooperadas.” (p.44)

Sobre o processo de diferenciação, constata Perrenoud (1997) que em turmas com grande
número de alunos é possível que o professor tenha conhecimento das dificuldades e
necessidades de cada um, no entanto, o problema levanta-se quando o professor pretende
colmatar as necessidades individuais, não sendo possível, em turmas com elevado número de
alunos, desenvolver um plano de apoio individual para cada aluno na possibilidade de apoiar
um aluno de cada vez.

No modelo pedagógico do MEM, como descreve Serralha (2007), destacam-se diversos


momentos práticos que promovem a diferenciação pedagógica, sendo um deles o Tempo de
Estudo Autónomo e desempenha um papel fundamental na promoção da autonomia dos
alunos. Acrescenta ainda a autora que esta forma de trabalho contribui para uma verdadeira
diferenciação pedagógica, onde cada aluno poderá realizar as suas tarefas de forma individual
sendo privilegiando o apoio a pares.

O Tempo de Estudo Autónomo (TEA) é um dos principais pilares que sustenta o modelo
pedagógico do MEM. O MEM tem como objetivos fomentar a autonomia, a cooperação e a
solidariedade entre os alunos, de modo a construir aprendizagens significativas e
contextualizadas. Neste sentido, o TEA assume um papel fundamental na implementação
desta abordagem.

62
De acordo com Segura (1999), no modelo pedagógico do MEM existe uma lógica de
aprendizagem cooperada de conteúdos, ao invés da perspetiva tradicional em que o professor
“dá” e cumpre o Programa. De acordo com o autor, o Programa é assumido como um
instrumento de regulação dos saberes e das competências que devem ser construídas ao longo
de um período, sendo que essa construção será tanto mais eficaz quando melhor o grupo
trabalhar de forma cooperada. Segundo Rodrigues (1999) para que os alunos participem de
forma ativa no seu processo de aprendizagem é importante que tenham conhecimento do
Programa, na medida em que, como refere Segura (1999), “…só se pode falar de um efetivo
cumprimento do Programa quando os alunos o trabalham e se apropriam dele de uma forma
progressivamente mais profunda e mais global…” (p.45).

Segundo Serralha (2007), o TEA é um momento, contemplado na Agenda Semanal, onde


cada aluno tem a possibilidade de planificar e de realizar as suas tarefas de forma individual.
Destaca a autora que no TEA deve ser privilegiado o trabalho e apoio a pares pois, desta
forma, aqueles que ainda não se sintam seguros em determinados temas possam solicitar o
apoio de um colega para que, em conjunto, consigam superar as dificuldades sentidas.
Acrescenta Niza (2009) que será importante acordar os apoios antes do início de cada sessão
de TEA. Sobre os apoios, Niza (2009) explicita como no TEA os alunos não poderão contar
com o apoio do professor, ponto este que deverá ser claramente assumido, estabelecendo
regras de autonomia e propondo que deverão mudar de tarefas quando sentirem dificuldade
na sua realização, pois embora o professor se encontre disponível para apoiar todos os alunos,
dará prioridade àqueles em que foram detetadas maiores dificuldades nas aprendizagens
curriculares.

No TEA, como destaca Niza (2009), a turma envolve-se individualmente nas atividades
previamente planeadas pois, esta forma de trabalho escolar, desempenha um papel muito
importante na formação do aluno, no sentido da promoção da cooperação e da diferenciação
pedagógica. Na programação do trabalho para o TEA, esclarece Segura (1999), é mais fácil
pensar nas atividades a realizar do que nos conteúdos do Programa que essas atividades
permitem estudar, por isso, é importante que o preenchimento do Plano Individual de
Trabalho (PIT) contemple a explicitação das competências e dos conteúdos e as atividades que
permitirão trabalhá-los.

Santana (1999), explicita o processo de concretização do TEA e utilização do PIT, no 1.º


ciclo do ensino básico, o qual passamos a descrever.

63
A base do trabalho, e que se constitui como a primeira fase, é a apresentação aos alunos
do Programa das várias disciplinas de forma a clarificar os critérios de aprendizagem e
partilhar as competências e os conteúdos de aprendizagem, a fim de envolver os alunos no
processo desde o primeiro momento. A apresentação do programa não é suficiente para que
os alunos se apropriem dos conteúdos a aprender, sendo para isso necessário a avaliação
periódica dos programas, a integração dos conhecimentos e competências que têm de adquirir
através da verificação dos conteúdos que foram, ou não, trabalhados. Estes são ainda
momentos de planificação dos conteúdos a trabalhar e também de constituição dos projetos e
dos grupos que irão desenvolver (Figura 12).

Figura 12 - Mapa de Planificação e Avaliação de Projetos (Santana, 1999).

Nesta linha, como destacam Porlan & Martin (1992) a construção da planificação de
atividades letivas dentro das perspetivas construtivistas resulta de um certo trabalho de
improvisação em relação às propostas de trabalho que estabelecem na sala de aula, onde é
considerado pouco relevante a construção prévia de esquemas de conhecimentos onde, ao
mesmo tempo, a avaliação é entendida como um processo coletivo de análise de tomada de
decisões em Conselho de Cooperação Educativa.

A Lista de Verificação de conteúdos (Figura 13) permite a gestão coletiva do trabalho e


das aprendizagens. Esta lista contempla o registo individual do progresso dos alunos, face às

64
aprendizagens. É através de uma autoavaliação periódica que cada aluno se situa face às
aprendizagens a adquirir. A Lista de Verificação tem a potencialidade de oferecer uma visão
global do Programa. Estas listas, construídas para as diferentes disciplinas como o Português,
a Matemática e o Estudo do Meio, encontram-se afixadas numa parede para fácil consulta de
todos os alunos e professores. Estas grelhas, embora negociadas com a turma, podem tornar-
se instrumentos com alguma complexidade. Para superar esta dificuldade é importante
discutir com os alunos, periodicamente, a funcionalidade das Listas de Verificação, para isso,
propõe-se aos alunos que analisem as grelhas e descrevam, de uma forma consciente, as
vantagens e as dificuldades encontradas na sua consulta.

Figura 13 - Mapa de Aprendizagens (Santana, 1999)

A Agenda Semanal (figura 14) é um instrumento de regulação no qual se encontram


registadas um conjunto de rotinas já instituídas, entre elas o TEA, e outras que vão sendo
planificadas e acrescentadas como resultado da negociação periódica com a turma.

Como observado na figura 14, o TEA ocupa uma hora por dia. É nestes momentos que o
professor trabalha com os alunos que apresentam maiores dificuldades e que requerem um
apoio mais individualizado. Estes apoios resultam de uma negociação com a turma nos
momentos de planificação diária e semanal, operacionalizados nos Conselhos de Cooperação
Educativa.

65
Figura 14 - Agenda Semanal (Santana, 1999)

Os recursos que os alunos necessitam para o TEA encontram-se organizados por áreas
disciplinares de acesso livre e organizado no sentido de contribuir para o desenvolvimento
das aprendizagens, para diferenciação do trabalho e para o trabalho autónomo. Os materiais
disponíveis dizem respeito a guiões de trabalho, ficheiros, livros, entre outros (Figura 15).

Figura 15 – Materiais de apoio ao TEA (Santana, 1999).

Segundo Trindade e Cosme (2010) o Plano Individual de Trabalho (PIT) é um instrumento


que permite a gestão e a organização do trabalho em sala de aula e que, de acordo como as
caraterísticas que o MEM lhe atribui, tanto tem a ver com o domínio da planificação como
com a participação ativa e criativa na vida da turma e na interiorização de responsabilidades
pessoais e sociais. Sobre a relevância do TEA, diz-nos Niza (2009),

“Estas duas funções complementares e indispensáveis, a de


trabalho autónomo e a de apoio individual do professor, realizadas
num mesmo tempo curricular concretizam uma relevante dimensão
individualizada, necessária ao sistema de diferenciação da

66
aprendizagem-ensino que integra o modelo pedagógico que estamos
a construir.” (p.3)

O PIT (Figura 16) constitui um instrumento no qual se regista o trabalho a ser realizado a
pelo aluno. O tempo em que o PIT deve ser cumprido depende do acordo negociado com a
turma. Será necessária a mediação e a avaliação regular da concretização do PIT de forma
adequar o TEA às caraterísticas e necessidades da turma. Dadas as especificidades
curriculares de cada ciclo de ensino, os tempos disponíveis para o TEA e para a realização do
PIT poderá ser diferente, no 1.º ciclo poderá ter a duração de uma semana e nos restantes
ciclos de ensino poderá ter uma duração diferente, como por exemplo um mês (Niza, 2009).
No PIT, cada aluno planifica o trabalho a realizar decorrente dos seus interesses, motivações
e necessidades. É durante o Conselho de Turma que se tomam as decisões relativas à avaliação
e planificação do PIT. A este propósito, refere Niza (2009) que o PIT representa um
memorando do percurso escolar do aluno onde constam a planificação das atividades da
opção do aluno, os apoios prestados pelo professor e pelos colegas, sugestões do professor e
dos colegas para melhorar o trabalho.

Como se observa na Figura 16, o PIT é constituído por uma grelha, composta por um
conjunto de campos destinados a ser preenchidos pelos alunos, que vão desde as atividades
que o aluno pode realizar, assim como às atividades que realizou. No PIT, é ainda possível
verificar o que o aluno efetivamente cumpriu, o que não cumpriu e o que fez a mais.
Contempla ainda um espaço para registo dos projetos que realizou com a identificação do
grupo, o tema do projeto as atividades a realizar em cada sessão e o respetivo balanço. Outros
registos são ainda possíveis no PIT, como os apoios aos colegas, a apresentação de trabalhos,
ou a realização de outras atividades que correspondam às necessidades do aluno ou da turma.

Sobre os apoios, Niza (2009) clarifica que o professor deverá, numa forma de rotatividade,
proceder ao controlo do trabalho individual de cada aluno como ato de diagnóstico
continuado, onde o trabalho realizado no TEA não fica apenas registado no PIT mas também
nos mapas de registo coletivo para monitorização do progresso das aprendizagens que, ao
serem cruzados com o PIT, servem de suporte à cooperação como forma de contrabalançar os
desvios individualistas indesejáveis numa cultura de cooperação. É ainda assinalada, num
campo destinado, a tarefa que corresponde à responsabilidade que o aluno assume na turma
para assegurar a organização da sala e o seu bom funcionamento. Existe ainda um campo para
a autoavaliação e para sugestões dos colegas e do professor que é lida no final da semana, em
Conselho, com o objetivo de regular a planificação do trabalho para a semana seguinte.

67
Figura 16 - Plano Individual de Trabalho (Niza, 1998)

Existem outros instrumentos, para além do PIT, que se encontram expostos na sala de
aula, junto das diversas áreas de trabalho, e que permitem a realização, a monitorização e o
acompanhamento do trabalho autónomo realizado pelos alunos, como os Registos dos
Ficheiros, o Registo da Produção de Textos e o Registo de Leituras.

Em síntese, como refere Niza (2009), o TEA é um momento de trabalho em que os alunos
se envolvem no treino de técnicas e competências curriculares que requerem produção, como
a escrita de textos, revisão, leituras e o estudo de conteúdos do programa, escolhidos por cada
aluno segundo a sua planificação e as sugestões do plano anterior feitas pelos colegas ou pelo
professor. É neste tempo rotineiro, acrescenta Serralha (2007), assistido não só pelos pares de
trabalho, mas também pelo professor, que se desenvolve o valor da cooperação, onde se
promove a diferenciação e se atende às individualidades de cada um, suportando, não só, as
aprendizagens daqueles que apresentam mais dificuldades, mas também daqueles que
pretendem aprofundar os seus conhecimentos. Pretende-se desta forma, como refere Folque
(2011), que os alunos reduzam gradualmente a dependência do professor e dos pares, para
que no futuro desenvolvam a capacidade de aprender de forma autónoma, mobilizando as
ferramentas e as estratégias adequadas. Segundo Serralha (2007), o TEA incute nos alunos o

68
sentido e a compreensão de que não se encontram todos no mesmo nível de conhecimento,
assumindo os alunos este facto como algo natural, compreendendo que devem trabalhar
cooperativamente para o sucesso de todos, pois, caso contrário, correr-se-ia o risco de alguns
alunos não conseguirem alcançar as aprendizagens que devem realizar. Cada aluno é
considerado um ser único, tornando cada grupo numa realidade irreplicável. Isto exige ao
professor os esforços necessários no sentido da inovação e do desenvolvimento de uma
verdadeira pedagogia diferenciada, construindo, reconstruindo e adaptando instrumentos ao
contexto educativo (Perrenoud, 2001). É neste sentido, como acrescenta Serralha (2007), que
se vai construindo uma verdadeira escola inclusiva.

69
3 Metodologia
Este capítulo apresenta as opções metodológicas seguidas nesta investigação, os
fundamentos e o processo que orientou o trabalho. Começamos por apresentar a Delimitação
do quadro de investigação no qual se circunscreve o estudo, seguido da Natureza da investigação
e opções metodológicas, no qual justificamos o paradigma em que nos posicionamos enquanto
investigadores e a opção pela metodologia mais adequada à presente investigação. Segue-se
uma descrição sobre O contexto de investigação onde decorreu a recolha de dados. Nos dois
tópicos seguintes, Diário de Bordo e O Professor-investigador, justificamos os fundamentos e a
opções que nos levaram optar pelo instrumento diário de bordo e pelo desempenho do papel
de professor-investigador, assim como o processo seguido para recolha dos dados.
Terminamos com as Fases do processo de investigação que orientaram o percurso deste estudo e
concluímos com a apresentação dos Procedimentos de validação.

3.1 Delimitação do quadro de investigação

Há muito que se destaca o potencial pedagógico que as TIC podem oferecer no processo
de ensino e de aprendizagem. Como já tivemos a oportunidade de realçar, e tal como
demonstrado por estudos na área, o investimento realizado no apetrechamento dos espaços
educativos com recursos TIC, de fácil acesso tanto a professores como alunos, não tem
apresentado os resultados educativos que seriam de esperar face a tais investimentos (Costa,
2004) .

Numa sociedade em profunda e constante mudança tecnológica seria de esperar uma


melhor aceitação das TIC por parte da escola. No entanto, essa mudança não deixa de colocar
à escola um verdadeiro de desafio. É neste desafio que emerge a incapacidade da escola em
fazer face às rápidas mudanças que se operam na sociedade atual.

Como referido na Introdução, entendemos que o desafio parece residir, entre outros fatores,
na resistência que a escola revela em acompanhar a experiência tecnológica das gerações mais
novas, para os quais as TIC resultam numa gramática coletiva. A escola revela dificuldade em
integrar no seu quotidiano, desprezando, até certo ponto, todo o benefício que o uso das TIC
poderá oferecer em prol da aprendizagem. Toda a mudança requer adaptação e o princípio
de aprender com as tecnologias, e não a partir das tecnologias, parece-nos ainda um objetivo
a ser cumprido.

70
Nessa linha, e de forma a podermos compreender o que significa dar sentido à
implementação pedagógica das TIC no contexto da sociedade de informação atual, pareceu-
nos importante centrar este estudo nos desafios que vivencia um professor que trabalha as
TIC tendo como base um modelo pedagógico – O Movimento da Escola Moderna – que se
inscreve num olhar construtivista sobre o processo de ensino e de aprendizagem.

Por outras palavras, procurámos mergulhar de forma mais profunda não só nos modos
de trabalho, mas também no pensamento de um professor que pretende integrar as TIC de
forma coerente com os princípios de ensino de aprendizagem em que assenta o seu modelo
de trabalho.

Desta forma, neste trabalho de investigação, tentámos compreender qual o papel e o lugar
das TIC no desenvolvimento do currículo do 1.º ciclo à luz dos princípios do Movimento da
Escola Moderna. Como tal, a cuidada estruturação da intervenção e consequente planificação
dos momentos de recolha de dados teve como eixo orientador duas componentes nucleares:
uma forma escolar construtivista de encarar o processo de ensino e aprendizagem e o
potencial pedagógico das TIC. A articulação entre estas duas vertentes educativas, que
convergem o seu potencial pedagógico para o desenvolvimento do currículo do 1.º ciclo,
constituem um contributo para que todo o processo ofereça uma visão mais clara da
integração das TIC no processo educativo. O fator pedagógico tomou aqui forma enquanto
cerne de uma filosofia educativa (MEM) assente em princípios consistentes que poderão
oferecer fundamento para o uso das TIC de forma concreta na prática letiva.

3.2 Natureza da investigação e opções metodológicas

Esta investigação surgiu da motivação e da necessidade de compreender como é que um


professor que nutre o gosto pelas TIC, que tem alguns conhecimentos na área da tecnologias
digitais e que suporta a prática educativa em princípios pedagógicos de base construtivista,
pensa e integra as TIC no seu dia a dia escolar.

No espaço escolar participam diversos atores que fazem parte do cenário educativo e onde
cada um tem uma perspetiva própria sobre a realidade educativa. Esta microcultura que se
gera é única e diferente de qualquer outro grupo que se possa considerar semelhante
(Erickson, 1986). Assim, por nos movermos no campo científico da educação, e uma vez que
esta investigação se centra em compreender uma realidade educativa particular tendo com o
objeto de estudo um professor, optámos por seguir uma metodologia de natureza qualitativa

71
pois, como destaca Coutinho (2005), somos guiados pelas noções científicas de compreensão,
significado e ação.

Os professores são os atores mais próximos do contexto onde ocorrem todas as ações
relativas aos processos de ensino e de aprendizagem. Como refere Oliveira e Serrazina (2002),
os professores encontram-se numa posição privilegiada para recolher dados sobre a
aprendizagem e que lhes permite investigar as suas aulas a fim de tomar decisões melhor
fundamentadas relativamente às opções educativas que tomam. Bogdan e Biklen (1991)
reforçam como, na generalidade, embora a maior parte das pessoas sejam boas observadoras
do mundo que as rodeia, os professores realizam essa observação de forma consistente e
sistemática. Por outro lado, destacam os mesmos autores, ao contrário do professor, um
investigador dedica-se à observação, recolha e registo rigoroso e detalhado dos dados e não
necessita de perder tempo com a dimensão curricular relativa aos processos de ensino e de
aprendizagem dos alunos. Embora o professor também desenvolva registos, reforçam os
autores, os mesmos acabam por ser mais superficiais e menos detalhados que os dos
investigadores.

No entanto, Alexakos (2015) destaca um ponto importante de convergência entre o


trabalho realizado pelos professores e pelos investigadores: ambos pretendem compreender
as práticas educativas e contribuir para a construção de conhecimento. Reforça o autor que,
ao contrário da abordagem positivista que pretende comprovar ou refutar hipóteses, uma
abordagem investigativa de cariz interpretativo, no campo da educação, pretende contribuir
para aprender, mudar, desenvolver e implementar práticas que melhorem e educação. É neste
sentido, como acrescenta Erickson(1986), que o valor principal da investigação qualitativa é
compreender o significado imediato das ações segundo a perspetiva do autor, ou melhor, do
ator.

Assim, com o objetivo de compreender de forma detalhada e próxima a realidade que


pretendemos interpretar, o papel de professor que pretende investigar a sua prática, no
sentido de a compreender de forma mais profunda e melhorar, pareceu-nos ser o mais
adequado para esta investigação. Desta forma, o papel de professor-investigador revestiu-se
das caraterísticas adequadas à investigação pois permitiu-nos estar na presença factual dos
fenómenos presenciando os mesmos no contexto em que ocorreram (Alarcão, 2001; Costa &
Oliveira, 2015; Serrazina & Oliveira, 2002). Cientes de que o papel de professor enquanto
investigador da sua prática se reveste de potencial para compreender de forma mais
detalhada os fenómenos educativos, a opção por este processo metodológico apresentou um

72
fundo de questionamento constante com o objetivo de compreender uma determinada
realidade (Stenhouse, 1978).

No fundo, optámos por este papel por dois motivos essenciais. Um deles, e talvez o mais
importante, prendeu-se com o interesse em desenvolver uma investigação que se aproximasse
o mais possível da realidade educativa de um professor. Por outro lado, o papel de professor-
investigador foi complementado pelo diário de bordo, como ferramenta de registo do
quotidiano escolar e que constituiu o principal instrumento para recolha e análise dos dados.
O diário e a sua análise, como iremos descrever no tópicos seguintes, permitiram que se
observasse e se registasse como maior detalhe e profundidade os acontecimentos educativos
na perspetiva de inferir respostas para tomadas de decisão mais adequadas e coerentes para
um determinado contexto educativo (Figura 17).

Figura 17 - Processo iterativo de escrita do diário de bordo

Assim, pretendemos que o processo de recolha dos dados, como resultado da escrita do
diário, se desenvolvesse de forma natural e próxima daquilo que é a realidade educativa de
um docente.

Visto os professores e os alunos representarem uma fonte rica de experiências a partir dos
quais procurámos extrair algumas respostas, a fim de registar, de forma concreta e sistemática,
o conjunto de vivências, observações, memórias e histórias relacionadas com o processo de
ensino e de aprendizagem suportado pelas TIC, tomámos o diário de bordo como instrumento
primordial para recolha de dados, tornando-se, assim, importante para interpretar e
compreender significados com base nas anotações do professor em torno das atividades
letivas (Zabalza, 2004). Posteriormente, este diário de bordo foi sujeito à técnica de análise de
conteúdo detalhada e exaustiva. Na linha de pensamento Vygotsky (1934), entendemos a
escrita do diário de bordo como um discurso sem interlocutor, dirigido a uma pessoa ausente
ou imaginária ou a ninguém em particular. Desta forma, o objetivo principal da escrita do
nosso diário foi converter num espaço narrativo os pensamentos de um professor. Acrescenta

73
Zabalza (2004) que, no diário, o professor expõe-explica-interpreta o seu dia a dia enquanto
docente, quer no contexto de sala de aula que fora dela.

Em síntese, a investigação qualitativa transporta consigo uma visão do mundo, dos


sujeitos humanos e da ciência, que influencia a escolha e está presente na aplicação de
qualquer técnica ou procedimento (Amado, 2013; Amado, 2014; Bogdan & Biklen, 1991; Miles
& Huberman, 1994). Assim, a opção pelo percurso metodológico inscrito no paradigma
interpretativo resultou da tentativa de compreender os fenómenos educativos, tendo em conta
a singularidade das relações entre os intervenientes de uma turma e a sua relação com o saber
mediados pelas tecnologias de informação e comunicação.

3.3 O contexto da investigação

Segundo Creswell (2007), os investigadores qualitativos tendem a proceder à recolha dos


dados no local onde os fenómenos ocorrem, com o investigador a envolver-se com os
participantes da investigação numa experiência intensiva e sustentada. A recolha dos dados
da presente investigação decorreu no espaço escolar, o qual representa um lugar no qual se
desenvolvem relações e interações complexas. Tivemos em conta outras considerações
relativas aos propósitos da investigação, no domínio da educação, que pressupõe uma posição
mais abordável a partir dos parâmetros da investigação qualitativa. Existe a intenção de
compreender, de forma particular e não geral, um determinado fenómeno, neste caso, a forma
de pensamento de um professor, que desenvolve a sua prática direta com os alunos,
procurando compreender os desafios concretos de quem trabalha de forma direta com alunos
e com os desafios relativos ao processo de ensino e de aprendizagem. (Zabalza, 2004). Assim,
os métodos interpretativos, recorrendo à observação durante o trabalho de campo, parecem-
nos os mais apropriados, pois pretendemos saber de forma mais detalhada, a estrutura
específica das ocorrências em detrimento do seu caráter geral, as perspetivas e os significados
atribuídos a determinados eventos e pretendemos conhecer a ambiente natural em que
ocorrem os fenómenos educativos (Erickson, 1986).

Alinhado com o papel de professor-investigador, o processo de recolha de dados,


prolongado no tempo, durante o qual estivemos em contacto com o natural decorrer das
dinâmicas que fazem parte do dia a dia de uma turma do 1º ciclo, apresentou-se como a
melhor forma de oferecer resposta a um conjunto de questões que emergem quando se
pretende investigar no sentido da compreensão (Miles, Huberman, & Saldaña, 2019). Miles &
Huberman (1984) alertam para alguns pressoupostos, os quais acautelámos: o trabalho de

74
campo deve ser intensivo e prolongado no tempo; detalhado na recolha dos dados sobre o
que se passa no terreno, como o registo de notas de campo, o diário de bordo, ou ainda as
produções dos alunos e outras formas de documentar de forma fiável os factos.

Desenvolver uma investigação com base na interpretação dos factos obrigou-nos a ser
detalhadamente reflexivos na descrição dos acontecimentos diários, procurando atribuir
sentido e encontrar o significado das ações tendo em conta, também, o ponto de vista do ator
(Erickson, 1986; Miles & Huberman, 1994). A fim de garantir os propósitos enunciados, esta
investigação resultou na permanência, numa rotina diária e prolongada no terreno, ao longo
de um ano letivo, construindo narrativas férteis como fonte de dados.

3.4 Diário de bordo

3.4.1 Fundamentos

Tal como referem alguns autores, a linguagem tem um papel fundamental na formação
do pensamento e do caráter do indivíduo e que exige uma ação de análise deliberada (Emig,
1977; Vygotsky, 1934; Zabalza, 2004).

Zabalza (2004) refere quatro aspetos que convertem a escrita dos diários num recurso com
grande potencialidade expressiva: o facto de se tratar de um recurso que implica a escrita, o
facto de se tratar de um recurso que conduz à reflexão, o facto de se integrar nele o expressivo
e o referencial, e o caráter histórico e longitudinal da narração. Nesta linha, acrescentam
Porlán & Martín (1992) que a escrita regular do diário permite refletir, a partir do ponto de
vista do autor, sobre os processos mais significativos das dinâmicas em que se encontra
inserido. Registar num diário e refletir sobre esses escritos, pode converter-se num importante
recurso de pesquisa orientado para o progresso profissional e pessoal.

No campo da educação, este tipo de narrativas autobiográficas representam um método


de construção de conhecimento, permitem a reflexão sobre a ação pedagógica e a atribuição
de significado à própria ação, enquanto guia para a reflexão sobre a prática, favorecendo uma
tomada de consciência do professor acerca do seu processo de evolução e dos seus modelos
de referência (Gaspar, Pereira, & Passeggi, 2002). Favorece o estabelecimento de conexões
significativas entre o conhecimento prático e o conhecimento disciplinar que permite uma
tomada de decisões mais fundamentada. Através do diário podemos desenvolver reflexões
focadas sistemáticas sobre a problemática que se aborda sem perder a referência ao contexto

75
no qual estamos inseridos (Porlán & Martín, 1992). Zabalza (2004), destaca duas formas de
reflexão a ter em atenção durante a escrita do diário, por um lado uma reflexão sobre o objeto
narrado, em torno do processo de planificação, a condução das aulas, as caraterísticas dos
alunos, entre outros, atribuindo a este processo o nome de componente referencial dos diários.
Por outro lado, a realização de uma reflexão sobre nós próprios, enquanto narradores,
enquanto pessoas capazes de sentir emoções, desejos, intenções, denominada de componente
expressiva dos diários.

Para Porlán & Martín (1992), o diário de bordo é um instrumento pessoal no qual se
destaca a possibilidade de confidenciar histórias e experiências de vida. As nossas histórias
de vida são as experiências vividas e partilhadas, ao longo de um período, pelos atores
envolvidos no dia a dia escolar. É uma forma de registar acontecimentos que, pelas rotinas
diárias, muitas vezes nos passam despercebidos. O registo escrito é uma forma de observar
com detalhe condutas, comentários, questões, não só realizadas pelos alunos, mas também
por nós, docentes, que podem revelar de forma mais profunda novos interesses, curiosidades
e novas espectativas.

De acordo com Zabalza (2004), o recurso ao diário pode assumir diferentes âmbitos,
consoante o seu objetivo. Pode assumir uma perspetiva mais particular, focando-se apenas
num pormenor educativo de sala de aula, por exemplo, ou pode assumir uma visão mais geral
contemplando várias dimensões da educação (Zabalza, 2004). Assim, as descrições das
histórias relativas ao quotidiano escolar tomam forma enquanto género de narrativas
autobiográficas. Representam um registo que torna possível a retrospeção reflexiva sobre um
conjunto de acontecimentos, visto os registos no diário acontecerem num momento posterior
aos acontecimentos vivenciados. Assumir os registos como objeto de reflexão é acreditar que
a escrita sobre as nossas experiências, por ser uma escrita autobiográfica, constitui-se num
momento singular para desenvolver a competência interpretativa e reflexiva sobre nós
mesmos e, numa vertente pedagógica, sobre o quotidiano escolar. Escrever e refletir sobre a
nossa prática é uma atividade que promove o exercício da autorreflexão. Emergem, desta
forma, dois canais comunicativos do mesmo “eu” o narrador e o interlocutor (Gaspar et al.,
2002).

O diário é um instrumento revestido de uma certa versatilidade que pode assumir


algumas formas particulares, de acordo com o seu propósito. Hess (2009) destaca outras
formas de diários: o diário íntimo ou pessoal, sendo o mais popular no qual se confidencia, de
forma íntima, as vivências do dia a dia; o diário de viagem, destinando os registos ao decorrer

76
de uma viagem, assim como, o diário de bordo no qual se registam novas descobertas; o diário
filosófico tem como objetivo abordar temas sobre o qual se pretende refletir retomando esse
tema; o diário de pesquisa no qual se faz registo de hipóteses e descobertas do investigador; o
diário de formação descreve as dificuldades experienciadas em cursos de formação com o
objetivo de refletir sobre os as dúvidas que emergem e tentar resolver os desafios da profissão;
o diário institucional, um registo no qual convergem dimensões individual, de grupo,
institucionais da vida de uma determinada instituição; diário dos momentos, tal como o seu
nome indica, tem a função de relatar determinados momentos.

De acordo com Zabalza (2004), a escrita do diário de aula apresenta-se ainda como um
instrumento adequado para conhecer o professor e os problemas com que se depara no dia a
dia.

As narrativas descritas no diário permitem desenvolver uma análise das histórias que
contamos acerca das nossas vidas, ou seja, as nossas autobiografias (Bruner, 2009). Bruner
(2009) destaca a escrita dos diários como uma forma de registo temporal tão marcante, que
permita captar o “tempo vivido” numa narrativa. As narrativas representam histórias de vida,
e partindo delas se constrói o ciclo da vida. Numa vertente mais filosófica, ao referimo-nos à
“nossa vida” estamos a fazer referência a um conceito que não assume a existência no
concreto. Podemos assumir que as “histórias de vida”, não passam de seleções da nossa
memória, ou seja, de recordações por nós interpretadas.

Gaspar et al (2002) destacam as narrativas autobiográficas como instrumentos


potencializadores das aprendizagens e de compreensão da prática docente, onde estudar a
narrativa é estudar a forma como nós, seres humanos, experimentamos o mundo. Essa noção
permite a sua transferência para a educação como construção e reconstrução de histórias, quer
pessoais quer sociais. Refletir sobre o que se faz e o que se sente faz parte do processo
formativo do professor como forma de analisar o seu percurso profissional. Escrever sobre
esse percurso permite uma reflexão mais profunda e detalhada pois o registo escrito permite
sistematizar as ideias de forma mais consistente e consciente. Ao escrevemos um diário de
forma reflexiva, contribuímos para construção do conhecimento e, consequentemente, para o
nosso desenvolvimento profissional enquanto docentes.

Quando se inicia o diário tem-se uma visão simplificada e pouco diferenciada da


realizadas. As situações que decorrem do contexto escolar do dia a dia são compreendidos
como acontecimentos isolados, se que, muitas vezes, se consiga estabelecer relações sobre

77
diferentes elementos. Como tal, é natural que a narrativa inicial do diário se centre em aspetos
superficiais da realidade ficando esquecidos outros menos evidentes (Porlán & Martín, 1992).

O diário permite num primeiro momento, o desenvolvimento de um nível descritivo


profundo sobre as dinâmicas da sala de aula através do relato sistemático e pormenorizados
sobre os variados acontecimentos e situações do dia a dia. Ao desenvolvermos este registo,
elaboramos uma reflexão escrita que favorece o desenvolvimento de capacidades de
observação e categorização da realidade que no permite avançar um pouco mais na simples
perceção intuitiva dos factos (Porlán & Martín, 1992).

A partir de um certo ponto, o diário deixa de ser um registo escrito de todo o processo
reflexivo para se converter progressivamente num eixo organizador da investigação. O papel
de professor que, ao longo de um certo tempo, observou e registou num diário de bordo, de
forma refletida sobre a sua prática, sofre uma transformação para incorporar o papel de
investigador, o qual analisa a prática pedagógica experienciada pelo professor (Porlán &
Martín, 1992). Nesta fase, acontece não só uma separação de papeis, mas também de funções,
a partir das quais o diário irá ser observado numa perspetiva diferente. Trata-se, nesta fase,
da implementação de técnicas mais concretas e específicas que permitem compreender de
forma mais profunda a realidade observada pelo professor, categorizando e analisando os
dados recolhidos a fim de estabelecer conclusões que possam orientar o curso da prática
letiva, à luz do problema e dos objetivos desta investigação.

Segundo Porlan e Martin (1992), o percurso de escrita de um diário segue uma abordagem
inicial da descrição do geral, culminando numa vertente mais particular, visando a deteção e
compreensão dos problemas e dilemas que emergem ao longo de todo o percurso.

3.4.1.1 Cuidados metodológicos


Visto este trabalho se enquadrar numa investigação de natureza qualitativa, visando a
compreensão dos factos, acautelámos alguns princípios metodológicos de forma a garantir
critérios de validade do trabalho realizado.

Relativamente à validade, ao que Miles e Huberman (1994) atribuem como a questão-


chave do valor de verdade, emergem algumas questões relativamente a este aspeto: será que os
resultados do estudo fazem sentido? São credíveis quer para as pessoas envolvidas no estudo
quer para futuros leitores? Conseguiremos, realmente, mostrar um quadro geral do que
pretendemos investigar? Relativamente a este tema, e mais concretamente no que se refere à
escrita do diário, Zabalza (2004) desenvolve algumas reflexões importantes acerca do aspeto

78
técnico da validade em torno dos diários escritos pelos professores, estabelecendo uma
relação entre o professor que escreve o diário e o investigador que fará a sua análise. É um
tema importante pois, tal como referido, iremos desempenhar o papel de professor enquanto
investigador da sua prática.

Para resolver esta, e outras questões que se relacionam com os cuidados metodológicos da
escrita do diário, o mesmo foi assumido como um registo sobre o qual debruçámos o tom da
narrativa como material de investigação e fonte de informação verídica, não alterando a
realidade descrita. A este propósito, ao desempenharmos o papel simultâneo de professor e
de investigador, estamos perante um contexto pragmático, sendo este um ponto fundamental
no que respeita à realização do diário de bordo. Tal como abordado anteriormente, importa
separar dois papéis importantes que, até certo ponto, devemos garantir que, em determinado
momento, não se cruzam: o de professor e o de investigador. Esta separação de papéis irá
garantir que, na fase posterior de análise dos dados recolhidos, a leitura dos mesmos seja
realizada de forma mais isenta possível. E, tal como referido, o distanciamento temporal, face
aos factos narrados no diário, pareceu-nos uma estratégia conveniente para garantir a isenção
na análise dos registos do diário. Ainda sobre este propósito, esperamos resolver, tal como
referido por Zabalza (2004), a questão do contexto pragmático no que à escrita de diários se
refere. Sobre este assunto, um dos pontos que destaca diz respeito a perceção que o professor
tem de si mesmo e do investigador aquando da elaboração do diário e de que forma essa
perceção poderá influenciar a escrita do diário. Parece-nos que este dilema pragmático fica
em parte resolvido ao assumirmos o papel de professor-investigador, ou como refere Zabalza
(2004), o professor, que ao mesmo tempo é investigador e o principal utilizador das análises,
continua a ser o dono do seu escrito e este não é partilhável, salvo em contextos de
investigação e, ainda assim, sempre de forma anónima.

Outro ponto, relacionado com o contexto pragmático, e sobre o qual tivemos especial
atenção, diz respeito à dialética privacidade-publicidade dos conteúdos do diário. Este aspeto
é geralmente destacado por aqueles que analisam os diários com um olhar externo ao mesmo.
Embora assumindo a dualidade professor-investigador, este aspeto não invalida o cuidado a
ter relativamente à discrição e privacidade na narração dos factos (Miles & Huberman, 1994).

3.4.1.2 O registo das observações


Frequentemente nos deparamos com questões em torno do “porquê” e do “como” de
determinados acontecimentos decorrentes da prática letiva. Quando colocamos uma questão

79
tão simples como: “O que se passou aqui?” ou “Por que motivo aconteceu?”, estamos a constatar
uma situação para a qual não temos uma compreensão imediata dos factos ou uma resposta
que justifique os mesmos, como algo que ainda não compreendemos na sua totalidade. É neste
sentido que muitos acontecimentos diários, decorrentes da prática letiva, se tornam rotineiros
levando a que determinadas situações se tornem invisíveis aos nossos olhos. Ericsson (1986),
citando o antropólogo Clyde Kluckhohn, ilustra da seguinte forma: o peixe será a última
criatura a descobrir a água. O desenvolvimento do trabalho docente, pela sua complexidade,
pelos seus constrangimentos e condicionantes, conduz a que, com alguma facilidade, o
professor se acomode às invisibilidades diárias.

Desta forma, seguimos as orientações de Creswell (2007) relativamente a alguns cuidados


importantes que devem ser assumidos nas investigações de natureza qualitativa, no que
concerne à observação enquanto instrumento para recolha de dados: as observações devem
ser contextualizadas, prolongadas e repetitivas; é a partir destas observações que vão
surgindo hipóteses de investigação; o conhecimento extraído pelo investigador tem por base
a imersão das observações realizadas junto dos participantes, as quais deverão ser
sistemáticas; os instrumentos para análise de dados como códigos, questionários, entrevistas,
vão surgindo de forma natural como resultado das observações e reflexões realizadas e o
investigador deverá tornar explícito aquilo que é implícito e tácito.

Durante o trabalho de campo, com base na observação das ocorrências e o registo das
mesmas no diário de bordo, este processo permitiu-nos tornar mais familiares com as
referidas “invisibilidades” que se ocultam da profissão docente. Registar os acontecimentos
vividos no diário de bordo e refletir sobre questões em torno das referidas invisibilidades,
ajuda a tornar visível os pequenos detalhes que, por vezes, são aqueles que não permitem o
bom desenrolar do processo educativo.

Ao tornámo-nos agentes reflexivos sobre a nossa prática, colocar questões não é condição
suficiente para encontrarmos respostas e soluções para aquilo que pretendemos compreender.
O caso torna-se ainda mais complexo se quisermos compreender o ponto de vista do atore
envolvido que, neste caso concreto, se centra essencialmente no professor e nos alunos. Neste
sentido, prevenir com cuidado e detalhe, como são explicitadas as estratégias ou medidas
utlizadas por um professor, ou uma entidade, revela-se de crucial importância. A título de
exemplo, Erickson (1986) chama a atenção para a utilização de expressões como, “o professor
recorreu a técnicas de modificação de comportamento efetivas”, ou “a escola desenvolveu um programa

80
para desenvolver a concentração dos alunos”, são expressões que não clarificam e não transmitem
a informação suficiente sobre a extensão ou o tipo de estratégias utilizadas.

Pelo referido, as questões centrais que emergem durante um estudo, enquadrado num
paradigma qualitativo de natureza interpretativo, não podem ser consideradas como óbvias
ou triviais. Deverão, antes, ser assumidas como questões cujo significado depende da
cuidadosa observação e reflexão humana.

Tendo em conta o exposto, relativamente às opções e fundamentos do diário de bordo


enquanto instrumento para recolha de dados, iremos detalhar de seguida o processo seguido
para a escrita do diário.

3.4.2 Processo

Procurámos desenvolver um instrumento de recolha de dados, especificamente um diário


reflexivo, que permitisse captar a riqueza de experiências educativas, com o objetivo de criar
um registo detalhado e abrangente de narrativas nos permitissem encontrar respostas às
questões colocadas para esta investigação.

De acordo com as questões que orientam esta investigação, a construção do diário incidiu,
essencialmente, sobre a prática letiva. Desta forma, a narrativa do diário abordou, em grande
parte, as nossas conceções e perspetivas acerca dos fenómenos que nos propomos
compreender, considerando a relevância do papel da escola, do professor e dos alunos no
contexto educativo. Neste âmbito, a redação do diário foi concebida como um processo
contínuo ao longo no tempo, durante um período de aproximadamente seis meses, com o
propósito de captar, da forma mais abrangente e enriquecedora possível, as dinâmicas
inerentes ao quotidiano escolar e as reflexões do professor que delas resultam.

É nesta perspetiva que a elaboração do diário oferece um contributo para uma tomada de
consciência mais clara e concreta sobre a prática letiva, onde a avaliação se funde com a
investigação da nossa ação, das nossas práticas, que concretamente ocorrem quando
aplicamos os programas curriculares oficiais, à luz dos nossos modelos de referência (MEM e
TIC). Procurámos, assim, compreender de forma mais profunda as dificuldades práticas, os
dilemas, as dúvidas, os bloqueios, as decisões, as variáveis que não são tidas em conta, enfim,
todo um conjunto de fatores que nos permitiriam, posteriormente, refletir sobre os nossos
modelos teóricos e as estratégias a que recorremos no desempenho da nossa prática
profissional enquanto docentes.

81
No organograma da figura 18, descrevemos os elementos que estruturaram o processo de
construção do nosso diário de bordo. A escrita do diário constitui-se, em termos gerais, num
tom de escrita informal e despreocupada dos acontecimentos. Esses acontecimentos tendem
a seguir, progressivamente, uma organização temática como resultado do foco do professor
nos acontecimentos nos quais se debruça, sendo que, no caso concreto desta investigação,
dizem respeito, por um lado à relação do professor com a sua turma e, por outro, às relações
que se estabelecem fora da sala de aula. Numa linha paralela à descrição dos acontecimentos
encontramos um processo reflexivo que, progressivamente, ganha maior destaque à medida
que flui a escrita do diário.

Figura 18 - O percurso de escrita do diário.

Assim, segundo Oliveira (2014) o diário torna-se um guia que oferece a possibilidade de
voltar aos registos e rever os acontecimentos a fim de detetar problemas e explicitar conceções
políticas e ideológicas. Entendemos a construção do diário como um processo contínuo de
reflexão pessoal do professor, que conduz ao questionamento, ao levantamento de dúvidas e
desafios, com o objetivo de definir um ponto de partida para novas construções do saber
profissional. Estamos convictos que, ao escrevermos e a refletir sobre a nossa prática,
estaremos ao mesmo tempo, a mobilizar um conjunto de operações que se aproximam do
processo de aprender. Neste sentido, podemos assumir que escrever de forma refletida é
também uma forma de aprendizagem. Escrever representa um modo de aprendizagem pois
tem a capacidade de mobilizar um conjunto de capacidades cognitivas, como análise e síntese.

3.4.2.1 Reflexão sobre o processo de escrita do diário


Um contributo importante que o diário ofereceu para esta nesta investigação foi permitir
registar, de forma refletida, e guardar no tempo o quotidiano escolar tal como interpretado
por um professor. Na linha de pensamento de Zabalza (2004), o diário, enquanto objeto de

82
registo e de reflexão, constituiu um importante instrumento de investigação pois permite
aceder ao pensamento do professor.

Como professor, que veste o papel de investigador, que trabalha de forma direta e em
interação com os alunos, narrámos não só das nossas histórias, mas também as histórias dos
outros (Gaspar et al., 2002). Pretendemos estabelecer um diálogo connosco próprios, através
da leitura e da reflexão, sobre a nossa forma de estar e de atuar durante o tempo letivo.

De facto, a reflexão tornou-se uma das componentes fundamentais do diário que


escrevemos. Tivemos em atenção, tal com ressalva Zabalza (2004), uma reflexão sobre o objeto
narrado e também uma reflexão sobre nós próprios, enquanto narradores. Estes dois pilares
expressivos, registados numa narrativa, integraram-se e interagiram num processo dialético
para que a descrição refletida dos acontecimentos escolares ficasse na memória do diário.
Num sentido inverso, esta narrativa tem a potencialidade de facultar um feedback reflexivo
dos acontecimentos que, quando maior a distância temporal entre o registo e o feedback,
maior a possibilidade de uma interpretação isenta dos acontecimentos. Como referido, uma
estratégia que nos ajudou a interpretar os dados recolhidos foi o afastamento temporal do
diário para que o mesmo, de certa forma, caísse no esquecimento. Na verdade, foram vários
os afastamentos temporais que realizamos durante a leitura e interpretação do diário de
bordo, pois sentimos que a proximidade com os acontecimentos poderia influenciar a sua
interpretação. Assim, empenhámo-nos em minimizar o impacto que as conceções educativas
do professor pudessem ter na interpretação do diário por parte do investigador, garantindo
uma análise mais imparcial e precisa dos dados recolhidos. Sem dúvida, que este foi um
processo moroso mas necessário para acautelar os critérios de credibilidade, nomeadamente,
no que diz respeito ao critério da neutralidade.

Neste contexto, foi crucial reconhecer a importância do papel do professor enquanto


investigador e reflexivo da sua própria prática, tendo em vista a compreensão das questões
emergentes de uma abordagem particular do processo de ensino e de aprendizagem. Isso
destacou a necessidade de um instrumento que permitisse ao professor registar e
compartilhar, de maneira sistemática, as vivências do seu quotidiano escolar.

Tal como descrito na parágrafos anteriores e esquematizado na figura 19, o diário de bordo
representou o melhor complemento para o papel de professor-investigador. Pelo descrito,
entendemos que o diário de bordo não complementou apenas o trabalho do professor que
investiga a sua prática, ou vice-versa, mas exercem ambos uma dialética, no qual os dois

83
instrumentos se complementam para se converter num poderoso instrumento de formação e
de desenvolvimento profissional.

Figura 19 - Dialética: professorcomo investigador – diário de bordo

Este companheiro solitário, tornou-se um confidente do nosso percurso, como apoio na


procura de respostas para as questões que nos interrogam ao longo do nosso percurso
profissional. Foi este o instrumento de eleição para anotação dos fenómenos observados, no
qual registámos, num determinado espaço temporal, o dia a dia escolar. Neste registo,
esperámos encontrar, na fase posterior de análise toda a riqueza da experiência educativa
vivida por um professor.

Por outro lado, não pretendemos reduzir a atividade de ensinar simplesmente à atividade
científica de investigar. Pretendemos, antes, aceitar que o conceito e prática da investigação
admite uma diversidade de graus e níveis. Enquanto educadores, quando pretendemos
modificar comportamentos num grupo de aprendentes com base em determinados princípios
pedagógicos, estaremos, em simultâneo, a incorporar na nossa profissão uma certa dose do
espírito de investigador. Portanto, o diário representou o instrumento primordial de trabalho
do professor e do investigador onde tomaram corpo as observações que descreveram num
determinado percurso educativo situado num tempo e num contexto concreto. Nesta linha,
seguindo as indicações de Zabalza (2004) enquadrámos a escrita do diário numa perspetiva
mais abrangente onde, de forma detalhada, à luz dos objetivos e questões de guiam esta
investigação, pretendemos recolher a maior quantidade possível de informação referente ao
uso das TIC em contexto educativo. Para isso, não nos pareceu que limitar as narrativas do
diário apenas ao contexto de sala de aula permitisse a recolha dados suficientes para dar
resposta às nossas dúvidas, por isso, desenvolvemos um registo mais geral que expressasse
um leque abrangente de situações que decorrem do contexto educativo.

Já mencionámos a carga de subjetividade que os relatos de um diário, e consequentes


narrativas, transportam consigo. Ainda que, num primeiro momento, o objetivo do diário seja

84
a descrição das interações que se estabelecem em contexto educativo, pode tornar-se difícil
diferenciar a descrição das interpretações e valorações, precisamente pela carga de
subjetividade com que atividade educativa se reveste. Tentámos superar esta condicionante
adquirindo a consciência e a capacidade de diferenciar o que representou o processo
descritivo e o que representou o processo de análise (Porlán & Martín, 1992). Com a
diferenciação das incidências, das valorações e das interpretações, adquirimos, de forma
progressiva, uma visão dos factos menos influenciada pelas nossas conceções.

Podemos considerar um problema uma situação para a qual não temos um método, uma
estratégia ou instrumento que nos permita a sua resolução imediata, no entanto a mesma
exige a mobilização de diversos recursos intelectuais que nos permitam interpretar, de forma
mais consciente, os factos e encontrar as respostas mais adequadas a problemas com que nos
deparamos e que resultam das dinâmicas subjetivas das práticas diárias. O registo de um
problema não necessita necessariamente de ser na forma de questões explicitamente
formuladas. Um problema poderá se entendido como um processo que se vai desenvolvendo,
reformulando e diversificando, funcionando como ponto de partida e fio condutor do
processo. Assim, estamos convictos que a escrita do diário representou uma válida fonte de
registo sobre os problemas que emergem do dia a dia, facilitando o reconhecimento desses
problemas que, de outra forma, poderiam passar despercebidos ou até ficar esquecidos. O
registo dos factos e a compreensão dos problemas possibilitou o questionamento das nossas
conceções facilitando um processo gradual e continuo de transformação das mesmas. A
escrita do diário permitiu que o contacto com os problemas que emergem da prática educativa
nos oferecesse a possibilidade de desenvolver um processo intelectual progressivamente mais
complexo, revestido por uma multiplicidade de novas possibilidades de aprendizagem e de
encadeamento de novas questões, sendo que, em torno do eixo que constituía o nosso
problema inicial, se podem articular novos problemas e novas temáticas para nos vão
proporcionar novas aprendizagens (Porlán & Martín, 1992). No fundo, o diário permitiu dar
expressão à nossa atuação profissional sobre a perspetiva pessoal com que ela é assumida.

85
3.5 O Professor como Investigador

3.5.1 Fundamentos

Alarcão (2001), diz-nos que ser professor-investigador é “…primeiro que tudo ter uma
atitude de estar na profissão como intelectual que criticamente questiona e se questiona (…) é
ser capaz de se organizar para, perante uma situação problemática, se questionar intencional
e sistematicamente com vista à sua compreensão e posterior solução.”(p.8). Assumir o papel
de professor-investigador poderá representar uma estratégia relevante quando pretendemos
melhorar a nossa prática profissional. Refletir sobre a prática é assumir uma posição que nos
permite tomar consciência sobre ações e decisões decorrentes do quotidiano escolar. Iremos,
seguidamente, abordar alguns aspetos que nos parecem fundamentais relativos ao
desempenho do papel de professor-investigador.

Diz-nos Ponte (2002), que para uma atividade ser considerada investigação deverá ter em
conta três condições: produzir novo conhecimento, adotar uma metodologia rigorosa e ser
pública. Segundo Creswell (2007) assumir o papel simultâneo de professor e de investigador
contribui para a construção de novo conhecimento com base no argumento de que o
conhecimento produzido pela investigação tradicional não traduz o conhecimento real
produzido pelos professores quando trabalham em contexto educativo. Defende-se, desta
forma, que ao contrário do conhecimento produzido por investigadores no campo da
educação, o acesso ao conhecimento “artesanal” dos professores difere do conhecimento
adquirido da investigação tradicional no sentido em que esta última não consegue reproduzir
a riqueza do trabalho de um professor, que é detalhado, concreto e específico. Desta forma,
destaca-se um complemento e uma interligação entre duas formas de produzir conhecimento
que podem funcionar como um só, com o objetivo de produzir resultados mais ricos do ponto
de vista do conhecimento produzido (Ary, Jacobs, Sorenson, & Razavieh, 2010).

A investigação qualitativa é essencialmente de natureza interpretativa e, desta forma, o


investigador, enquanto instrumento principal pois toda a recolha de dados fica a seu cargo,
tipicamente envolve-se numa experiência sustentada e intensiva com os participantes, neste
caso, a comunidade escolar (Creswell, 2007). Pode-se argumentar que um investigador pode
sempre ter acesso ao conhecimento produzido pelo professor sem ser ele próprio o professor.
Existe toda uma complexidade de variáveis não observáveis, intrínsecas ao próprio professor
e às quais o investigador poderá não ter acesso. Estas variáveis dizem respeito, por exemplo,
aos desafios que o professor vive na sua prática diária quando tem de tomar certas decisões a

86
nível pedagógico (Ary et al., 2010). É nesta linha que Stenhouse (1978) argumenta que muito
dificilmente o olhar crítico do investigador se poderá equiparar ao olhar crítico, prático e
experiente do professor, pois, neste sentido, o professor que investiga a sua prática acaba por
ter um olhar mais profundo e mais detalhado que o investigador que se coloca sob um olhar
externo à investigação.

Stenhouse (1976) destaca a importância da relação de dualidade professor-investigador, a


que chamou de “modelo investigativo”, onde identifica em cada professor um investigador.
Acrescenta Silva (2011), para que o princípio do professor-investigador produza resultados é
prioritário que professor reflita de formar regular sobre as suas ações (Silva, 2011). Assim, este
processo de reflexão conduz ao segundo papel: o de investigador que reflete sobre as ações
do professor com o objetivo de melhorar a suas práticas enquanto profissional detentor de um
conhecimento na área da educação (Stenhouse, 1976). Ao tornamo-nos mais reflexivos,
começaremos a ter menos certezas, levantando mais questões sobre as dinâmicas decorrentes
da prática educativa. O papel do professor, enquanto investigador da sua prática profissional,
assume-se, pois, como forma privilegiada de refletir sobre a prática educativa (Serrazina &
Oliveira, 2002). A reflexão sobre as atividades desenvolvidas com os alunos faz parte do
processo de planificação didática e pedagógica do professor, assumindo esta prática como um
processo natural. De acordo com estes autores, o registo e a reflexão sobre a prática, sobre o
decorrer das atividades, tarefas, reações dos alunos e do próprio professor, deverá ser
assumido como um procedimento natural decorrente do processo de ensino e de
aprendizagem.

Por outro lado, Megowan-Romanowicz (2010) considera que esta forma de


desenvolvimento profissional apresenta algumas especificidades que importa considerar
durante a realização da investigação. Uma delas diz respeito à exigência que a situação
profissional de docente envolve em termos das dinâmicas particulares e específicas da escola,
as quais dificultam a existência de momentos que permitam aos professores o tempo e o
espaço necessários para desenvolver reflexões com a profundidade desejada. A autora
defende, aliás, o incentivo ao desenvolvimento de comunidades de aprendizagem como
oportunidade de partilha e reflexão sobre as experiências educativas dos docentes (Megowan-
Romanowicz, 2010).

Outro aspeto a ter em consideração refere-se à dificuldade que o papel de professor que
pretende investigar e compreender a sua prática coloca no que concerne à gestão dessa mesma
dualidade pois, enquanto investigador é importante assumir um papel mais teórico,

87
procurando aprender com a investigação e sendo, por outro lado, necessário garantir que os
alunos que se encontram à sua responsabilidade efetuem as adequadas aprendizagens. Assim,
desempenhar o papel de professor e de investigador, poderá trazer situações desafiantes. Um
exemplo interessante apresentado por Chick & Moss (2007) relata que, numa sala da aula, um
professor, assumindo o papel de investigador, colocou uma questão a uma aluna esperando
obter uma determinada resposta. Perante a resposta pouco científica, e pouco rigorosa da
aluna, o professor pediu, com alguma insistência, para que a aluna elaborasse um pouco mais
a sua resposta. A insistência do professor, a partir de um certo momento, começou a provocar
ansiedade nos restantes elementos da turma. Esta situação ilustra o desafio colocado sobre a
necessidade de obtenção de dados que o professor, enquanto investigador, se depara e que
poderá constituir um fator de dificuldade, ao contrário do esperado. Existe, pois, a
necessidade da separação de papéis, ou seja, enquanto investigador deve ser rigoroso e
sistemático e, enquanto professor deve agir de forma tolerante e compreensiva.

Chick e Moss (2007), referem que a tomada de consciência na separação dos papéis de
professor e de investigador, canalizando-os para os devidos momentos, constitui um fator
determinante da investigação no sentido de se alcançarem os resultados esperados de forma
válida e sustentada.

O papel de professor-investigador considera-se, também do ponto de vista da motivação,


um instrumento relevante para a prática docente, no sentido em que favorece a compreensão
do trabalho desenvolvido, seja no domínio didático seja no domínio pedagógico. Deixa assim
de haver uma tensão para dar lugar a uma intenção, sempre com o objetivo de, com base na
investigação, melhorar a prática educativa (Chick & Moss, 2007).

Este modo de nos posicionarmos oferece um forte contributo para que a profissão docente
ganhe contornos mais objetivos no que respeita à prática letiva (Budin, 2003). O processo de
reflexão e tomada de decisões conduz a uma compreensão mais detalhada na construção de
significados, advindo do princípio de que todas as pessoas têm potencial para melhorar, e é
neste sentido que o papel do professor que investiga e reflete sobre a sua prática poderá
contribuir para a compreensão dos factos em estudo.

3.5.2 Processo

Tal como apresentado na figura 20, ao assumirmos o papel de professor-investigador,


consideramos três momentos ao longo de todo o processo.

88
Figura 20 – Momentos seguidos no papel de professor-investigador

O 1º momento resultou das dúvidas e dos desafios de um professor face à integração das
tecnologias nas suas aulas. A longo dos anos como docente, e perante os desafios com que o
professor se depara, a certa altura, os mesmos acabam por constituir um problema para os
quais procura dar resposta. Assim, sente a necessidade e a motivação para compreender de
forma mais profunda os fenómenos educativos com que se depara no dia a dia, e de encontrar
respostas para os problemas que emergem da integração educativa das tecnologias digitais.

Para encontrar resposta para os desafios que resultam da articulação entre as TIC e o
contexto educativo, o caminho que percorremos, tal como assinalam Bogdan e Biklen (1994),
quer enquanto professor quer enquanto investigador acabam, a certa altura, por ter algo em
comum. Assim, num 2º momento, decidimos assumir o papel de professor-investigador, por
ser aquele que, por um lado, na qualidade de professor nos permitiria adquirir a devida
proximidade ao contexto educativo para proceder à recolha dos dados e, por outro lado, na
qualidade de investigador nos permitiria delinear um percurso metodológico rigoroso com o
objetivo de encontrar respostas para questões que colocámos. Importa destacar que, ao
contrário do 1º e do 3º momentos, no 2º momento não existiu uma fronteira definida entre o
professor e o investigador, pois partimos do princípio, tal como consideram Oliveira e Costa
(2015) “…que cada sala de aula é um laboratório e cada professor um membro da comunidade
científica.” (p.184). Neste momento, a fronteira entre ambos os papéis tornou-se ténue pois o
professor que leciona as aulas foi, ao mesmo tempo, o investigador que, durante os tempos
de pausa letiva, registou os fenómenos nas notas de campo e que, no fim do dia letivo, as
reescreveu, com maior detalhe, no diário de bordo. Foi sob esta perspetiva que decidimos
assumir esta dualidade de papeis ao longo de um ano letivo, durante o qual procedemos à
recolha dos dados.

89
O 3º momento deste processo coincidiu com fim do ano letivo e, consequentemente, com
o fim da recolha dos dados. Neste momento, o professor vestiu apenas o papel de
investigador, dedicando-se à análise dos dados recolhidos com o objetivo de compreender os
fenómenos educativos que foram registados no diário ao longo do ano letivo.

Em síntese, começámos perante um problema que pretendemos compreender, neste caso,


relacionado com a educação e as tecnologias. Fizemos a recolha de situações observadas
através de um conjunto sistemático e detalhado de registos. Ao fim de um período temporal,
procurámos nos dados recolhidos um padrão que permitisse interrogar-nos sobre os dados
registados. Por fim, recorremos aos dados recolhidos para refletir e inferir sobre eles a fim de
encontrar respostas para as questões inicialmente colocadas (Bogdan & Biklen, 1994).

3.5.2.1 Reflexão sobre o papel de professor-investigador


A dualidade de papéis que desempenhámos representou um grande desafio. Na
qualidade de professor, o nosso foco centrou-se na prática letiva e na escrita do diário de
bordo. Fora da sala despimos o papel de professor e assumimos a qualidade de investigador
que olha para a narrativa descrita no diário, analisa os dados recolhidos e os tenta
compreender (Chick & Moss, 2007). Neste sentido, optámos por separar, de forma clara, os
papeis de professor e de investigador, desempenhando-os nos momentos próprios. Em
concreto, podemos afirmar que foram praticados três sub-papeis: o papel de professor que se
centrou essencialmente na prática educativa, o de professor-investigador que se dedicou à
recolha e registo dos dados num diário de bordo reflexivo com base nas observações efetuadas
e, por último, o de investigador que se dedicou à análise e interpretação do diário de bordo.

Talvez o maior desafio com que nos deparámos, ao assumir o papel de professor-
investigador, foi conseguir a separação entre os diferentes papéis a fim de desenvolvermos a
análise dos dados com o devido distanciamento no sentido de olhar para os dados com olhos
de investigador e não de professor. O paradigma naturalista, no qual nos posicionamos,
sustenta que existe uma influência entre o investigador e os fenómenos investigados (Guba,
1983). De acordo com os objetivos específicos desta investigação, foram mobilizados os
esforços necessários para minimizar a referida influência. Inevitavelmente existe uma
proximidade entre ambos os papeis, com o risco de se influenciarem mutuamente. Assim,
seguimos a proposta de Miles e Huberman (1994) ao propor o afastamento temporal dos
dados. No caso desta investigação, findo a escrita do diário e antes de procedermos à sua
análise, optámos por nos afastarmos dos dados num prazo temporal de cerca de dois meses.

90
Este afastamento permitiu que os dados caíssem no esquecimento no sentido de facilitar uma
leitura e análise dos mesmos que se situasse mais próxima da perspetiva do investigador e
mais distante da visão do professor. Como a análise dos dados foi realizada de forma
progressiva e não de forma intensiva, outros momentos de pausa se seguiram.

Em síntese, tal como assinalado por diversos autores (Ponte, 2002; Ponte, 1998; Serrazina
& Oliveira, 2002), o processo e o ato de compreender as dúvidas e dificuldades dos alunos, e
de refletir sobre elas, assim como sobre a própria prática enquanto professor, representou,
sem dúvida, um marco no nosso desenvolvimento profissional. Só questionando e refletindo
sobre o trabalho desenvolvido pelos alunos, e com os alunos, é que conseguiremos atribuir
significados mais próximos da realidade que nos permitam evoluir enquanto profissionais
educativos.

3.6 Fases do processo de investigação

Tal como pode observar-se no Quadro 5, o plano de investigação foi estruturado em três
fases distintas: uma dedicada à Planificação/Concretização, outra centrada sobretudo na
Reflexão e na última que se procedeu à análise propriamente dita do conteúdo.

Quadro 5 - Plano geral de investigação

91
3.6.1 Fase de Planificação/ Concretização

Para o desenvolvimento da primeira fase, contemplámos dois momentos: a planificação e


a concretização. A planificação desenvolvida à luz da filosofia de trabalho do MEM e das
atuais orientações para a implementação das TIC em Educação procurou abranger todas as
rotinas do quotidiano da turma, dentro da matriz curricular para o 3.º ano do 1.º ciclo.

Esta fase representou um momento importante para refletir e tomar consciência de todo o
processo que envolve a planificação, incidindo, essencialmente, na construção de uma
estrutura de ensino e de aprendizagem que integrasse as duas vertentes nucleares desta
investigação, a pedagógica e a tecnológica, com o objetivo de compreender de forma mais
detalhada que elementos estruturam essa planificação. A planificação das atividades tem o
seu eixo orientador em torno de o “quê” e “como?” em que se procurou promover alguns dos
princípios estruturantes do MEM, como a diferenciação pedagógica, a inclusão, a autonomia
e a cooperação. Ressalvamos que o conceito de planificação é entendido à luz dos princípios
do MEM como um processo cíclico e dinâmico que resulta da cooperação, intervenção e
discussão construtiva entre os alunos e os professores. Quer isto dizer que não representa um
instrumento fechado, da exclusividade do professor. É, antes, um processo sujeito à reflexão,
discussão e avaliação com o a turma a fim de permitir as devidas modificações e adaptações
sempre que necessário.

Ao contrário dos modelos tradicionais de ensino em que a planificação e a concretização


são dois processos distintos e com interlocutores diferentes, à luz dos princípios do MEM o
processo de concretização e de planificação são interdependentes um do outro. Foi sob esta
perspetiva que optámos por integrar ambos na primeira fase da recolha de dados.

3.6.2 Fase de Reflexão

A segunda fase, que designámos por “Reflexão”, objetivou-se na construção de um diário


de bordo que espelhasse de forma transparente não só a realidade educativa de uma turma e
de todas as dinâmicas daí resultantes, mas também do quotidiano escolar. Neste sentido,
pretendemos compreender de forma mais profunda a primeira fase e também refletir e avaliar
sobre as decisões tomadas no decorrer do processo, através de uma leitura indutiva dos dados
recolhidos e registados ao longo do processo.

Assim, de forma articulada com a planificação e concretização das atividades, e também


advindo da opção de assumirmos o papel de professor-investigador, nasce o diário de bordo
enquanto memória descritiva de todo o percurso educativo realizado ao longo de um espaço

92
temporal de sete meses. Tal como previsto, a construção do diário de bordo converteu-se num
elemento-chave desta investigação. Na prática, o diário de bordo assume-se como um
instrumento no qual se regista e, acima de tudo, se reflete sobre o decorrer das atividades
educativas e todas as dinâmicas inerentes às mesmas.

A terceira fase da investigação foi dedicada à análise de conteúdo do diário de bordo, tal
como iremos apresentar e descrever de forma mais detalhada no tópico seguinte.

3.6.3 Processo de análise de conteúdo

A análise de conteúdo do diário de bordo correspondeu à terceira fase da investigação.


Este momento representa uma etapa importante pois, como refere Ericsson (1986), é neste
momento que começam as surgir as invisibilidades que se ocultam do docente durante a
prática letiva.

Atendendo ao delicado processo de análise de conteúdo do diário de bordo, seguimos as


orientações de autores de referência como, Esteves (2006), Amado (2013), Bardin (1977),
Saldaña (2009), Miles e Huberman (1994), Quivy e Compenhoudt (2009).

Segundo Miles e Huberman (1994), os dados numa investigação de natureza qualitativa


assumem a forma de palavras, recolhidos através da observação. A construção do diário de
bordo, como já anteriormente referido, constituiu-se como estratégia central para a produção
do corpus documental e objeto de análise.

Tal como referido, a primeira etapa da análise de conteúdo correspondeu à produção de


um corpus documental, de natureza textual que, com o passar do tempo, viria a assumiram um
volume considerável.

A escrita do diário teve início no mês de dezembro, após o começo do 1.º período do
calendário escolar, tendo sido concluído no final do mesmo ano letivo, no mês de julho. Este
diário foi escrito de forma informal, pretendendo, acima de tudo, ser um instrumento não só
de descrição dos acontecimentos escolares, que emergem quando se pretende articular as TIC
no processo educativo, mas também como elemento de reflexão sobre um leque mais alargado
de todas as problemáticas que envolvem a prática docente. Desta forma, foi possível
acompanhar a progressão, no seu ambiente natural, das dinâmicas inerentes ao dia a dia
escolar, contemplando os diferentes momentos da agenda escolar.

Como destaca Bardin (1977) a análise de conteúdo refere-se a um conjunto de técnicas


possíveis para tratamento de informação previamente recolhida. A análise detalhada do

93
conteúdo presente nos registos escritos constitui, pois, a fonte de informação a partir da qual
seria possível de elaborar conhecimento sobre o objeto em estudo (Quivy & Compenhoudt,
2009).

Seguimos uma abordagem aberta ou exploratória, tal como enuncia Esteves (2006), ou
ainda, como menciona Amado (2013), um tipo de procedimento misto pois, embora tenhamos
esboçado inicialmente um sistema de análise contemplando as dimensões e as categorias e
sabendo ainda que se trata de um processo que resulta da leitura indutiva dos dados deixámos
em aberto a possibilidade do surgimento de possíveis categorias e subcategorias emergentes.
Desta forma, caminhámos dos dados empíricos recolhidos em direção a uma classificação que
lhes fosse adequada (Esteves, 2006).

Advindo da opção por procedimentos abertos, sendo esta a forma de análise de conteúdo
mais frequentemente utilizada pelos investigadores em Educação, enquadrámos a nossa
análise de conteúdo na forma temática ou categorial, pois recorremos a um conjunto de
categorias que nos suportaram na organização e categorização dos dados constantes no diário
de bordo.

Nos pontos seguintes, descrevemos o percurso seguido para a realização da análise do


diário de bordo.

3.6.3.1 Leitura flutuante


Tal como destaca Miles e Huberman (1994), as palavras são mais complexas que os
números, o que as torna um elemento complexo de tratar, pois oferecem vários significados
e, para as compreendermos devidamente, o contexto no qual se inserem reveste-se de crucial
relevância. Daí, a importância de uma leitura flutuante que permita a contextualização inicial
das palavras constantes no texto. Amado (2003) releva a importância de se realizar várias
leituras prévias flutuantes onde “…o espírito hesita entre muitas possibilidades…”, caminhando
progressivamente para leituras mais atentas e minuciosas.

Após o afastamento temporal em relação aos dados recolhidos, de cerca de dois meses,
realizámos uma leitura exploratória de todo o texto contido no diário. Tratou-se de
desenvolver uma leitura sem anotações, com o objetivo de nos familiarizarmos com o discurso
contido no diário e tomar conhecimento sobre os acontecimentos e reflexões nele descritos.
Esta primeira leitura envolveu-nos na natureza do discurso e pelos sentidos gerais neles
contidos, permitindo antever um conjunto de temas como resultado do sentido prévio
atribuído às diferentes passagens do diário.

94
Decorrente desta primeira leitura, elaborámos um sistema de análise, ainda que
preliminar, onde registámos as dimensões e as categorias que nos pareceram adequar-se aos
temas que se foram destacando. A construção, à priori, do sistema de análise deu-nos suporte
para as fases seguintes, mais concretamente, ao nível do recorte em unidades de registo. Este
sistema de análise será detalhado no tópico 3.6.3.4 (Quadro 6), relativo às Categorias e
subcategorias, momento em que o mesmo se aproximou da versão final.

3.6.3.2 Recorte do diário em unidades de registo


Da leitura flutuante do diário seguiu-se um dos processos mais delicados de análise
temática: o recorte das unidades de registo. Seguindo as ideias de Esteves (2006) e Amado
(2013) entendemos por unidade de registo um segmento de conteúdo mínimo de significação
a codificar, a classificar, ou seja, a atribuir a uma determinada categoria. O processo de
categorização tem como objetivo fornecer, por condensação, uma representação simplificada
dos dados brutos, uma passagem dos dados brutos para dados organizados (Bardin, 1977). O
desafio deste processo residiu na sensibilidade para decidir qual o menor segmento do
discurso dotado de sentido próprio.

De acordo com Amado (2003), as unidades de registo podem assumir várias classificações.
Podem ser uma palavra, uma preposição (leitura literal) ou um tema (leitura interpretativa) ou
um acontecimento (incidente crítico).

A classificação palavra desempenhou um critério importante pois, como nos movemos na


campo da pedagogia e da tecnologia, destaca-se um vocabulário específico destas duas áreas.
Esteves (2006) atribui a este elemento de significação o nome de unidades formais, entendidas
como determinadas palavras, associações de palavras ou palavras de uma determinada
categoria gramatical. Por outro lado, como as palavras assumem significado em contexto, a
procura pelo tema, como resultado de uma leitura interpretativa, permitiu a verificação e
confirmação dos significados atribuídos à palavra e a confirmação dos sentidos atribuídos às
unidades de registo a fim de as enquadrar com maior segurança nas respetivas categorias.
Importa referir que, pelas caraterísticas descritas, suportámo-nos nestes dois critérios para a
categorização das unidades de registo que não resultavam apenas de registos das observações
das aulas, mas antes, de outras reflexões e descrições em torno do quotidiano escolar.
Relativamente ao critério acontecimento, este refere-se a descrições resultantes da observação
ou de entrevistas, de atividades humanas observáveis, tal como considera Amado (2003).
Esteves (2006) classifica como unidades de registo semânticas ou temáticas onde o sentido pode

95
estar expresso numa frase ou conjunto de frases. Visto uma parte considerável do diário de
bordo englobar descrições das observações em torno das dinâmicas que ocorrem em sala de
aula foi importante recorrer ao critério acontecimento para categorização dos incidentes críticos
nomeadamente os que decorreram da prática letiva.

O processo de recorte do diário de bordo em unidades de registo foi realizado com recurso
ao NVIVO (figura 21). Esta atividade resultou num processo moroso, mas ao mesmo tempo
gratificante. Com o passar do tempo e com a familiarização cada vez mais profunda com o
conteúdo do diário, conseguimos integrar, compreender e categorizar as unidades de registo
com progressiva segurança. À medida que realizávamos os recortes e os enquadrávamos nas
categorias definidas à priori, fomos aos poucos atribuindo e construindo um sentido mais
profundo nas descrições do diário de bordo. Progressivamente, começaram a emergir
significados que nos permitiam compreender e começar a atribuir sentido à narrativa. Por
outro lado, o recorte do diário permitiu-nos verificar, redefinir e validar as dimensões e
categorias definidas à priori, que passamos a descrever de seguida.

Figura 21 – Recorte do diário em unidades de registo com recurso ao NVIVO

3.6.3.3 Dimensões
Após o recorte de todo o diário em unidades de registo, e de adquirirmos uma visão mais
clara do conteúdo do diário, fomos aperfeiçoando o sistema de análise previamente
elaborado.

Inicialmente optámos pelas seguintes dimensões, que se mantiveram após o recorte do


diário: Aspetos relacionados com a organização e planificação de atividades de ensino e de aprendizagem
visando o uso das TIC; Aspetos relacionados com a concretização de atividades de ensino e de
aprendizagem visando o uso das TIC; Aspetos relacionados com outras questões emergentes do processo
de planificação e de concretização visando o uso das TIC.

96
A fim de compreendermos melhor o sentido de cada uma das dimensões, desenvolvemos
algumas questões que nos pudessem orientar no processo de categorização. Para a primeira
dimensão colocámos questões que se encontram relacionadas com a planificação de
atividades: O que fazer com as TIC? O que influencia o processo de planificação? Como é esse processo
influenciado? Que seleção é feita do que vai ser trabalhado com os alunos? Como é feita essa seleção?.
Na segunda dimensão colocámos questões que se prendem com a concretização das
atividades planificadas: Como organizar o processo de implementação das TIC? Que configuração
assumem nessa planificação os diferentes elementos curriculares?. De realçar que o processo de
planificação e concretização das atividades envolvendo as TIC operam de forma simultânea
e, até certo ponto, como complemento entre si, e não de forma independente uma da outra.
Na terceira dimensão, e a mais relevante devido à elevada frequência de unidades de registo,
optámos por nos questionar sobre Que outras questões emergem do processo de planificação e de
concretização tendo por base o uso das TIC?.

3.6.3.4 Categorias e subcategorias


O principal objetivo na realização da análise de conteúdo é o de organizar os conteúdos
de um conjunto de mensagens num sistema de categorias que traduzam as ideias-chave
contidas nas documentação em análise (Amado, 2013). Para construção do sistema de análise
de conteúdo, seguimos os princípios enunciados por Bardin (1977) sobre o proposto para um
bom sistema de categorias, ao referir que a categorização, optando por procedimentos abertos
como a abordagem que seguimos, não será a única categorização possível, mas antes uma
categorização defensável e adequada à investigação que se realiza.

Assim, segundo Bardin (1977), para cumprir com o pressuposto, acautelámos os


princípios da exclusão mútua, onde o conteúdo definido para cada categoria não se sobrepõe a
nenhuma das restantes; da homogeneidade, que se encontra dependente do princípio da
exclusão mútua, para a qual contribuímos para a construção de um conjunto de categorias
que só poderia funcionar referente a uma dimensão de análise; o princípio da pertinência, onde
cada categoria é considerada pertinente, adaptada ao material de análise escolhido e
pertencente ao quadro teórico escolhido, tal como tivemos já a oportunidade de acautelar, o
quadro de categorias que escolhemos reflete a nossas intenções de investigação; os princípios
da objetividade e fidelidade onde tentámos evitar as distorções que podem acontecer devido à
subjetividade dos codificadores. Para garantir estes princípios, de forma que diferentes partes
de um mesmo material, ao qual se aplica a mesma grelha categorial, fossem codificados da

97
mesma forma por diferentes entidades, procedemos à validação das categorias através da
validação intracodificador e inter-codificador, que iremos explicitar no tópico seguinte.
Finalmente, para atender ao princípio da produtividade, contribuímos com a construção de um
conjunto de categorias produtivas que oferecessem resultados férteis em índices de
inferências, de hipóteses novas e em dados exatos, para isso contribuiu o enquadramento
teórico selecionado para esta investigação. O cuidado recorte do diário em unidades de registo
permitiu-nos validar o sistema de análise de conteúdo construído à priori (quadro 6).

Dimensões Categorias Definição operacional

Referências explícitas sobre o papel dos documentos oficiais na


Papel dos documentos oficiais
planificação visando o uso das TIC.

Aspetos relacionados com a organização e Referências explícitas sobre o papel dos princípios do MEM na
Papel dos princípios do MEM
planificação de atividades de ensino e de planificação visando o uso das TIC.
aprendizagem visando o uso das TIC
Referências explícitas sobre a influência que o contexto representa
Papel do contexto (escola)
na seleção dos recursos tecnológicos
O que fazer com as TIC? O que influencia o
Referências explícitas sobre o papel que as tecnologias podem
processo de planificação? Como é esse processo Papel das tecnologias
assumir no processo de ensino e aprendizagem.
influenciado? Que seleção é feita do que vai ser
Referências explícitas sobre o papel do professor na utilização e
trabalhado com os alunos? Como é feita essa Papel do professor
seleção de ferramentas TIC.
seleção?
Referências explícitas sobre o papel do aluno na planificação de
Papel do aluno
atividades envolvendo as TIC.
Referências explícitas sobre a importância da família dos alunos na
Papel da família
planificação de atividades com TIC.
Referências explícitas ao tipo de objetivos de aprendizagem
Objetivos
visados.
Conteúdos Referências explícitas aos conteúdos selecionados.
Referências explícitas sobre a seleção de atividades integrando o
Atividades
uso das TIC.
Aspetos relacionados com a concretização de Referências explícitas sobre os materiais selecionados (TIC e
atividades de ensino e de aprendizagem visando o Materiais outros).
uso das TIC Referências explícitas sobre as opções estratégicas planificadas
Estratégias
tendo em vista a utilização das TIC.
Como organizar o processo de implementação das
Referências explícitas sobre as diferentes formas de avaliação
TIC? Que configuração assumem nessa Avaliação
inerentes às atividades com TIC.
planificação os diferentes elementos curriculares?
Referências explícitas sobre o papel do trabalho em grupo na
Grupo
planificação de atividades.
Referências explícitas sobre a gestão do tempo na planificação de
Tempo
atividades com integração das TIC.
Referências explícitas sobre a organização dos espaços de
Espaço
aprendizagem.
Referências explícitas a questões relacionadas com desafios e
Desafios dúvidas emergentes durante o processo de planificação visando o
uso das TIC
Aspetos relacionados com outras questões
Referências explícitas a fatores que constituem obstáculo ao
emergentes do processo de planificação e de Condicionantes
processo de planificação visando o uso das TIC.
concretização visando o uso das TIC
Referências explícitas a diferentes sensações vivenciadas durante
Sentimentos
o processo de planificação visando o uso das TIC.
Que outras questões emergem do processo de
Referências explícitas sobre reflexões de natureza pessoal e
planificação e de concretização visando o uso das
Reflexões profissional relacionadas com o que implica para o professor o uso
TIC?
das TIC nas aulas.
Referências explícitas sobre a importância atribuída ao papel que
Valoração
as TIC desempenham no processo de aprendizagem dos alunos.

Quadro 6 – Sistema de análise de conteúdo

Relativamente às categorias sobre a planificação das atividades, suportámo-nos nas


orientações curriculares, mais concretamente nas fontes do currículo tal como enunciadas por

98
Klein (1985). Assim, nesta dimensão definimos as seguintes categorias: Objetivos, Conteúdos,
Atividades, Materiais, Estratégias, Avaliação, Grupo, Tempo, Espaço.

Para o sistema de categorias relacionadas com a concretização das atividades, tal como
descrito no Quadro 7, pareceu-nos importante definir algumas categorias ao nível dos papéis
que desempenham os diferentes elementos que têm uma implicação relevante no processo de
ensino e de aprendizagem (Zabalza, 1994; Tyler, 1976) sejam: Papel dos documentos oficiais, Papel
dos princípios do MEM, Papel do contexto (escola), Papel das tecnologias, Papel do professor, Papel do
aluno e o Papel da família.

As categorias relativas à terceira dimensão, emergiram de forma indutiva resultantes da


leitura flutuante do diário e, posteriormente, ajustadas segundo o posterior recorte em
unidades de registo. Estas categorias enquadram-se numa dimensão da experiência pessoal e
sentimental do professor. Assim, foram definidas as seguintes categorias: Desafios,
Condicionantes, Sentimentos, Reflexões, Valoração.

Como referido, dada a iteratividade do processo de análise, assumimos um método misto


de categorização no sentido de combinar um sistema de categorias prévio, mas deixando em
aberto a possibilidade do surgimento de novas categorias e subcategorias resultantes da
análise indutiva dos dados. Assim, durante o processo de análise, foi necessário atualizar o
sistema de análise com as subcategorias emergentes que resultaram da leitura indutiva,
profunda e refletida dos temas que encontrámos no diário.

3.6.3.5 Validação das categorias


Por nos encontrarmos numa abordagem mista, estávamos conscientes de que o sistema de
análise de conteúdo resultante seria permeável às devidas adaptações, caso necessário,
durante a codificação do diário. Desta forma, tornou-se indispensável acautelar os princípios
da validade e da fidelidade de forma a garantir o rigor do sistema de análise (Esteves, 2006).
Assim, relativamente à validade da categorização, tivemos o cuidado de construir categorias
que se encontravam em linha que com o suporte teórico quer com os objetivos definidos para
o estudo que nos propusemos realizar. Quanto à fidelidade, ela está associada à codificação
por dois aspetos: o codificador e o instrumento de codificação. Para isso, realizamos a
codificação intracodificador e inter-codificador. Procedeu-se, inicialmente, à codificação
intracodificador, onde, em momentos diferentes no tempo foi realizada a categorização de
parte do diário de bordo. Posteriormente, procedeu-se à codificação inter-codificador
realizada com o apoio do Orientador da investigação. Tal como realizado na codificação

99
intracodificador, foi selecionado um excerto do diário de bordo o qual foi categorizado, de
forma individual, por ambos os investigadores. Seguindo os procedimentos referidos,
tentámos garantir a fidelidade das categorias de forma que estas não fossem ambíguas, ou, tal
como destacado por Esteves (2006), sejam elaboradas de forma a satisfazerem os critérios de
objetividade e de exclusão mútua.

De seguida, pela rigorosidade que se pretende deste trabalho de investigação, procedemos


ao cálculo do índice de fidelidade. O índice de fidelidade é uma medida que permite exprimir
o grau de concordância entre investigadores quando usam um mesmo sistema de categorias
para codificar um mesmo material (Esteves, 2006). Fizemos o cálculo do índice de fidelidade
na realização da codificação intracodificador e inter-codificador. Para este cálculo recorremos
à fórmula que se pode observar na figura 22.

Figura 22 - Fórmula para o cálculo do índice de fidelidade

O índice de fidelidade (F) é o valor que se obtém dividindo o total de casos de acordo (Ta)
dos dois ou mais codificadores, pelo somatório dos casos de acordo e de desacordo (Td) que
se tenham verificado entre eles. Miles & Huberman (1994) consideram um valor aceitável para
o índice de fidelidade na ordem dos 90%, no entanto, os mesmos autores consideram que num
primeiro exercício de codificação dificilmente se consegue obter valores superiores a 70%.

No nosso caso, inicialmente foi realizada a codificação intracodificador, de um excerto do


diário referente ao registo de um dia letivo, a qual foi espaçada no tempo, entre as duas
codificações, num período de quinze dias. Após o cálculo do índice de fidelidade obtemos o
valor de 47%. Este valor, bastante baixo, conduziu-nos a dois caminhos: a uma nova leitura
atenta e reflexiva do diário e a uma revisão do sistema de categorias. Foi realizada uma nova
leitura das categorias, à luz dos critérios para a construção de um bom sistema de categorias,
e achámos que os mesmos correspondiam adequadamente aos critérios definidos.
Desenvolvemos de seguida uma nova leitura atenta do excerto selecionado e procedemos a
nova categorização. Mantivemos o critério da anterior categorização com um afastamento
temporal de quinze dias. Desta vez, conseguimos obter um valor de 78% para o índice de
fidelidade. Entendemos que este aumento do valor do índice de fidelidade terá resultado de

100
uma leitura mais profunda e atenta do excerto codificado, uma vez que nos focámos
cuidadosamente nos casos de desacordo registados levando-nos a compreender melhor o
sentido dos recortes efetuados.

Por forma a assegurar a consistência interna das categorias criadas, realizámos,


posteriormente, a codificação inter-codificador para a qual obtivemos o valor de 86%.
Seguimos a indicação de Miles e Huberman (1994), quando referem que um índice na casa do
90% oferece uma boa consistência interna, decidindo, assim, avançar com a codificação
exaustiva do diário de bordo.

3.6.3.6 O recurso a software para análise de dados qualitativos


Umas das vantagens que o desenvolvimento tecnológico oferece diz respeito à otimização
do tempo disponível para realização de determinadas tarefas. Relativamente à análise de
conteúdo, o uso de suporte informático foi-nos extremamente útil em dois momentos: i)
tratamento do texto: análise de materiais linguísticos e ii) tratamento dos resultados: análise
dos dados numéricos (Bardin, 1977).

O recurso a software específico para análise dos dados recolhidos traz inúmeras
vantagens, destacando-se os ganhos associados ao tempo necessário para a realização, no caso
específico desta investigação, da análise de conteúdo resultante da construção do diário de
bordo (Miles & Huberman, 1994). Desta forma, optámos pelo software NVivo, desenvolvido
especificamente para auxiliar o investigador na análise de dados qualitativos. Não sendo o
mais intuitivo de utilizar, pois há outras ofertas disponíveis que oferecem uma interface mais
acessível, a escolha do NVIVO prende-se pela versatilidade e fiabilidade na utilização. No
entanto, a opção por um ou outro software vai depender, também, da proficiência de cada
utilizador (Miles & Huberman, 1994).

Como referido por Bardin (1977), não devemos tomar o computador como um mágico,
com a condição de não concentrar o esforço sobre a técnica esquecendo a pertinência e a
produtividade ao nível dos resultados, devendo evitar estudos de grande precisão e de pouca
importância.

Bardin (1977) destaca a algumas consequências positivas que a utilização informática no


auxílio à análise de conteúdo poderá trazer ao investigador: i) o aumento na rapidez do
processo, ii) o amento de rigor na organização da investigação, iii) o princípio da flexibilidade
pois a qualquer momento podem-se introduzir novos dados para a produção de novas
hipóteses, iv) a reprodução e troca de documentos entre investigadores, pela facilidade da

101
construção de bancos de materiais, v) permite a possibilidade de manipulação de dados
complexos e, não menos importante, vi) liberta o investigador de tarefas laboriosas, longas e
estéreis, para o processo de criatividade e de reflexão.

Podemos exemplificar a vantagem do tratamento informático, por exemplo, durante o


processo de codificação o qual se reveste de alguma complexidade e que requer, de alguma
forma, um acrescido cuidado do investigador na sua realização. A realização do recorte e a
atribuição do respetivo código é um processo, não só simplificado, mas tornado mais seguro
de desenvolver pois, a qualquer momento, é possível a sua reversibilidade de uma forma
simples, prática e organizada.

Em síntese, podemos dizer que o tratamento informático do diário de bordo ofereceu-nos


algumas vantagens importantes, sendo a mais relevante a rentabilização do tempo necessário
para percorrer cada umas das fases que constituem a análise documental. Outra vantagem diz
respeito à segurança que oferece ao investigador pois o material recolhido fica organizado e
guardado de forma segura. Para garantir uma segurança adicional recorremos a uma cloud
para alojar o material escrito.

3.7 Procedimentos de validação

É possível encontrar eixos comuns em cada uma das perspetivas apresentadas pelos
diferentes autores no que concerne aos critérios de qualidade que um trabalho de investigação
de natureza qualitativa deve apresentar. Optámos por seguir a estrutura proposta por Aires
(2015) e Guba (1983) por serem aquelas que nos possibilitaram uma visão mais clara dos
critérios dos critérios de qualidade e respetivos procedimentos.

Guba (1983) sugere quatro preocupações a ter em consideração relacionadas com a


natureza de um estudo qualitativo: Valor de verdade, Aplicabilidade, Consistência e Neutralidade.
O quadro 9 resume a relação entre o aspeto e o termo naturalista, tal como proposto por Guba
(1983).

No sentido de garantir a credibilidade de um estudo de natureza qualitativa, seguindo o


proposto por Aires (2015) e Guba (1983), e porque estávamos cientes dos desafios e das
limitações, relativamente aos critérios de qualidade, acautelámos alguns procedimentos no
sentido de garantir a qualidade desta investigação.

102
Quadro 7 - Critérios e procedimentos para garantir a credibilidade de um estudo qualitativo (Guba, 1983)

Tal como apresentado no quadro 9, o aspeto relativo ao valor de verdade permite-nos


verificar a credibilidade de uma investigação e corresponde à confiança na veracidade dos
resultados de uma investigação (Guba, 1983). No sentido de explicitar o valor de verdade, Miles
e Huberman (1994) colocam-nos a seguinte a questão: “Fazem sentido, os resultados
apresentados por esta investigação?”. O valor de verdade remete-nos para o rigor das
observações efetuadas e da sua relação com as interpretações daí resultantes. No sentido de
corresponder ao critério do valor de verdade, acedemos à narrativa de um diário de bordo que
resultou da permanência prolongada no terreno, escrito por um professor de 1.º ciclo, no
espaço temporal de aproximadamente nove meses. Resultou, desta forma, num extenso
documento rico em descrições como produto de uma observação persistente. O diário de
bordo constitui-se, ainda, como material referencial dada a sua riqueza enquanto fonte de
dados. Outra técnica, regularmente utlizada para garantir a credibilidade da investigação,
refere-se ao método da triangulação, a qual consiste em olhar para os dados recolhidos e
analisados a partir de diferentes perspetivas. No nosso caso, a triangulação foi realizada sob
o olhar atento do orientador, enquanto juiz, através de sessões regulares para discussão e
reflexão sobre o decorrer do processo. Ainda, tal como destacado por Creswell (2007),
debruçámo-nos na leitura sistemática de diferentes autores, investigadores, métodos, teorias
no sentido de nos fornecer diferentes perspetivas e clarificar as decisões que fomos tomando
ao longo deste estudo.

103
O aspeto da aplicabilidade de um estudo corresponde ao grau em que os são aplicáveis
noutro contexto ou noutros sujeitos. Nas palavras de Guba (1983) “Os naturalistas evitam as
generalizações com base em que virtualmente todos os fenómenos sociais ou de conduta dependem do
contexto”. O investigador que se posiciona no paradigma interpretativo não pretende a
generalização dos resultados, antes compreender fenómenos que possam ser observados
noutros contextos. Como referido anteriormente, não foi pretensão nossa a generalização dos
resultados. No entanto, para corresponder ao aspeto da aplicabilidade, foi-nos possível
desenvolver uma descrição detalhada do contexto em que decorreu esta investigação,
suportados pela narrativa realizada pelo professor no seu diário de bordo. Desta forma,
demos a conhecer uma realidade, incluindo a atenção ao detalhe e as particularidades do
objeto de estudo, para que o leitor tome o devido conhecimento do contexto em que nos
debruçámos para que isso possa constituir uma base de orientação para outros contextos
educativos com caraterísticas semelhantes.

O aspeto da consistência encontra-se relacionado com a estabilidade dos dados,


corresponde à medida em que os resultados refletem com precisão o objeto de estudo,
permitindo a sua repetição ou replicação com o mesmo objeto de estudo e no mesmo, ou
semelhantes, contexto. Ou seja, outro investigador que seguisse a mesma metodologia de
investigação, no mesmo contexto, deveria chegar a conclusões semelhantes. Este é
considerado um dos critérios mais complexos da abordagem qualitativa (Aires, 2015). Esta
complexidade prende-se com o possível enviesamento que possa ocorrer nos estudos
qualitativos devido à carga de subjetividade que é caraterístico deste tipo de investigações.
No sentido de garantir a consistência dos dados, vários autores anteriormente referidos
propõem uma descrição precisa e detalhada dos informantes, do contexto e da posição do
investigador. No nosso caso concreto, a narrativa do diário de bordo facilitou-nos o acesso a
uma realidade educativa específica, ao seu contexto, às caraterísticas dos participantes, não
de uma forma particular e individual, mas num âmbito geral porque, devido à metodologia
seguida e aos instrumentos utilizados para recolha dos dados, também foi necessário garantir
a segurança e a privacidade dos participantes. A nossa posição e papel assumido enquanto
professor-investigador será objeto de reflexão no tópico seguinte. Outro fator importante que
destacamos refere-se à descrição detalhada dos procedimentos seguidos para recolha e análise
dos dados, assim como a revisão dos instrumentos. Uma caraterística importante da
metodologia qualitativa é a iteração durante todo o processo (Costa, 2005). Foi com base neste
pressuposto que fomos afinando os instrumentos, em especial no momento correspondente à
análise de conteúdo do diário de bordo.

104
O aspeto da neutralidade vem em linha com o critério anterior. Embora noções distintas,
são conseguidas através de procedimentos semelhantes (Coutinho, 2008). De acordo com
Rodrigues (1992, explicitado por Costa, 2008, pp.40) trata-se de garantir que os resultados de
uma investigação emergem em função do objeto de estudo e não dos interesses, visão, ou
perspetivas do investigador. No fundo, trata-se de controlar o possível enviesamento que
possa ocorrer devido à visão subjetiva do investigador (Creswell, 2007). São diversos os
procedimentos sugeridos por diferentes autores no sentido de garantir a preocupação
relacionada com a neutralidade de um estudo qualitativo. Traduz-se, geralmente, pela
examinação constante de um segundo olhar crítico que, no nosso caso, foi realizado pelo
orientador, enquanto juiz, que, num período temporal regular, monitorizou as diferentes
etapas do processo de investigação. Nunca é demais relembrar que a pesquisa em
investigação qualitativa é um processo iterativo, ou seja, o investigador, sempre que
necessário, retoma passos anteriores que lhe permitam garantir a construção de um fio
condutor que ligue as diferentes etapas que suportam uma investigação. Outro aspeto
importante que acautelámos no sentido de garantir a neutralidade deste estudo foi o de
clarificar a nossa posição na investigação, enquanto professor e enquanto investigador.

105
4 Apresentação de resultados

Neste momento importante da escrita, onde apresentamos os resultados, seguimos as


orientações de autores como Creswell (2007), Esteves (2006), Amado (2013), Miles e
Huberman (1994), tendo em conta os aspetos relativos ao conteúdo apresentado: ser focado
apenas num fenómeno individual e particular, procurando responder às questões limitadas a
uma determinada realidade; apresentar uma coleção de histórias relacionadas com as
particularidades desse fenómeno; ser organizado numa linha cronológica seguindo uma
estrutura organizada dos acontecimentos. Tal como referido no processo de análise de
conteúdo, no texto que se segue, procurámos reduzir os dados com recurso aos excertos que
melhor exemplificam e descrevem a realidade observada e orientam para as respostas que
procuramos encontrar.

Dito de outra forma, a apresentação que se segue é o resultado da redução dos dados
decorrentes da análise e interpretação realizadas de forma exaustiva que contemplou a
totalidade das categorias e respetivas subcategorias em que o diário de bordo foi segmentado
(Amado, 2013).

4.1 Dimensões e categorias

Partindo do pressuposto inicial relativo à construção do diário de bordo como


instrumento metodológico para recolha de dados chegámos à codificação de um total de 739
unidades de registo a partir das quais emergiram um conjunto de categorias e subcategorias.

Podemos observar no quadro geral de resultado (quadro 10) a distribuição das unidades
de registo pelas categorias e respetivas dimensões, as quais se organizam da seguinte forma:
32,3% relativas à dimensão sobre o Processo de organização e planificação visando o uso das TIC,
que perfazem um total de 239 unidades de registo; 26% relativas à dimensão sobre o Processo
de concretização visando o uso da TIC, que perfazem um total de 192 unidades de registo e, por
fim, 41% relativas às dimensão sobre Outras questões que emergem do processo de planificação
visando o uso das TIC, que perfazem um total de 308 unidades de registo.

Observamos, assim, o destaque da dimensão Outras questões que emergem do processo de


planificação visando o uso das TIC, que apresenta o maior número de unidades de registo. Numa
leitura mais detalhada, verificamos que a categoria “reflexões” representa 38,6% do total das
unidades de registo, perfazendo quase dois quintos do total.

106
Quadro 8- Quadro geral de resultados

Na dimensão Processo de concretização visando o uso das TIC destacamos a categoria


Estratégias, com uma frequência relativa de 37,5%, representando mais de um terço das
unidades de registo assinaladas nesta dimensão. De seguida, destacam-se quatro categorias,
pelos valores não muito distantes entre si, Materiais com 13%, Objetivos com 12%, Tempo com
10,4% e Atividades com 9,4% das referências. Não menos importantes, surgem as categorias
relativas à Avaliação com 6,8 %, ao Grupo com 5,7%, ao Espaço com 3,6% e, por fim, Conteúdo
que apresenta o menor valor de referência nesta dimensão com 1,6%.

Na dimensão Processo de organização e planificação visando o uso das TIC o valor que assume
maior relevância diz respeito ao Papel dos documentos oficiais com 23,4% das unidades de
registo. De seguida, temos duas categorias, apresentando valores não muito distantes uma da
outra, são elas o Papel dos princípios do MEM e o Papel das tecnologias com, respetivamente,
18,8% e 17,6%. Com valores relativamente próximos seguem-se duas categorias relativas ao
Papel do contexto(escola) com 13,8% e ao Papel do aluno com 13%. Com um valor próximo das
duas categorias anteriores surge, ainda, o Papel do professor com uma frequência relativa de

107
11,3%. Por último, apresentando o valor mais baixo desta categoria apresenta-se o Papel da
família, com 2,1%.

Na dimensão Outras questões que emergem do processo de planificação visando o uso das TIC
destacam-se duas categorias, são elas Reflexões com um valor de 38,6% e Desafios com um valor
de 38%. Só estas duas categorias representam quase quatro quintos das unidades de registo
categorizadas nesta dimensão. Seguindo estas, surgem três categorias com frequência relativa
inferior, não muito distantes entre si, são elas as Condicionantes, a Valoração e os Sentimentos,
com valores de 9,1%, 8,8% e 5,5%, respetivamente.

Debruçar-nos-emos de seguida sobre o conteúdo das diferentes dimensões começando


pela análise da dimensão Processo de organização e planificação visando o uso das TIC, seguida do
Processo de concretização visando o uso das TIC. A terceira dimensão sobre Outras questões relativas
ao processo de planificação, que apresentaremos em último lugar funcionando como um
complemento para uma melhor compreensão das duas dimensões anteriores.

4.2 Sobre o processo de planificação

Podemos observar, no quadro 11, a tabela com os resultados obtidos em cada uma das
categorias da primeira dimensão. Organizadas no quadro de forma descendente, iniciado
pela categoria que registou a maior frequência, destaca-se a categoria Papel dos documentos
oficiais, seguida pelo Papel dos princípios do MEM e pelo Papel das tecnologias. A categoria com
menos destaque foi o Papel da família.

Quadro 9 - Resultados sobre o processo de organização e planificação

Em educação, a planificação é uma peça fundamental do processo de ensino e de


aprendizagem. Diz-nos Zabalza (1992) que a planificação constitui um propósito, fim ou meta
a alcançar e que nos indica um sentido a seguir, antevendo os conteúdos e tarefas a realizar,
sequências de atividades e o processo de avaliação. Numa perspetiva mais tradicional, a

108
planificação é assumida como uma ferramenta de apoio ao trabalho exclusivamente do
professor, a qual espelha o caminho que traçado para um ano letivo, um semestre, um
trimestre ou outra qualquer forma de divisão anual dos programas oficiais que, muitas das
vezes, permanece imutável.

Nesta dimensão, relativa ao processo de planificação, procurámos compreender qual o


papel que assumem os diferentes elementos que, de forma direta ou indireta, influenciam o
processo educativo quando se trabalha numa perspetiva construtivista com integração das
TIC.

Na linha do que foi referido no capítulo da metodologia, queríamos deixar uma nota de
esclarecimento relativamente ao termo “professor” utlizada ao longo deste capítulo, e
restantes, que corresponde ao autor do diário de bordo.

4.2.1 As orientações curriculares

À data da escrita do diário de bordo, encontravam-se em fase de implementação alterações


aos documentos curriculares em que se pode observar uma valorização das novas orientações
(Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória) face às anteriores (Programa e Metas
Curriculares). Em certo modo, o professor estabelece uma relação de proximidade entre os
princípios pedagógicos que segue na sua prática letiva diária e o Perfil do Aluno (É interessante
verificar que as atuais orientações, como as Aprendizagens Essenciais ou Perfil do Aluno à saída da
escolaridade obrigatória, se aproximam de certo modo, daquilo que é a filosofia educativa do MEM.). O
professor reforça os princípios e os valores que se encontram patentes nas recentes orientações
e que se coadunam com aquilo que é preconizado nas raízes do MEM. O professor parece
reconhecer a sua importância pois são estes os documentos que suportam e orientam o
caminho das aprendizagens dos alunos (Para isso torna-se necessário, com base nos Programas e
Metas curriculares desenvolver uma planificação que vá ao encontro das necessidades de um grupo
crianças e, mais especificamente, de cada criança.).

Encontramos algumas referências mais detalhadas relativas às alterações curriculares. O


professor debruça-se sobre a escrita de algumas notas acerca das alterações e de que forma
influenciam a planificação e a prática letiva (É ainda possível, dentro do previsto na autonomia, a
criação de novas disciplinas que vão a encontro das necessidades dos alunos. Este tema leva-me a pensar
um outro aspeto que são as salas de aulas. Com a criação dos DAC as salas de aula deixam de fazer
sentido. Agora sim poderemos começar a falar em espaços de aprendizagem pelos quais poderão circular
vários alunos de várias anos e disciplinas. Nesta perspetiva, a cooperação ganha um novo contorno onde

109
a interação entre diferentes níveis de aprendizagem assume um fator importante de interação,
cooperação e partilha de conhecimentos.).

O professor refere como o programa assenta num sentido prescritivo dentro do qual se
traduzem um conjunto de aprendizagens a adquirir pelos alunos. (O Programa traduz aquilo
que é definido como o conjunto de habilidades, valores, experiências comuns a uma sociedade. Assume
desta forma um caráter prescritivo referindo-se como um conjunto de aprendizagens por que devem
passar todas as crianças de um determinado sistema educativo, traduzindo os mínimos comuns,
constituindo a estrutura comum de toda uma sociedade.). o professor menciona como as
orientações curriculares não deverão ser circunscritas apenas à turma, centrada no professor
e no seu grupo, mas sim entendidas numa perspetiva mais abrangente, como a toda a
comunidade escolar (Como foi referido anteriormente, o Programa representa todo um conjunto de
orientações que se espera que uma comunidade escolar adquira…).

O MEM parece ser o modelo que guia a prática pedagógica do professor e sustenta o
processo de planificação que desenvolve. O professor não parece assumir a planificação de
atividades do modo clássico e burocrático como é desenvolvido regularmente. (A preocupação
com o programa vem em segundo plano. Não posso dizer que desenvolva uma planificação no sentido
formal do termo ondo tudo é pensado ao milímetro, desde os conteúdos, o espaço temporal, a avaliação,
ou os recursos a utilizar. O que tenho feito é andar um pouco ao sabor da maré.). Ainda relativamente
à planificação, o professor refere com bastante frequência situações que se passam na sua
escola. Em certo momento, estabelece um paralelo entre o currículo inglês e o currículo oficial
português (Sempre tive uma certa simpatia pelo National Currículum pois foi claramente
desenvolvido tendo em conta as reais capacidades cognitivas dos alunos, permitindo que tenham tempo
para assimilar os conteúdos, quer pelos mais competentes quer por aqueles que revelam mais
fragilidades.).

O professor destaca as alterações curriculares que vigoram no currículo inglês da escola


onde leciona, comparando-as com as que foram implementadas no nosso país no ano de 2013.
(Atualmente as coisas mudaram muito. Desde 2015 que o National Curriculum tem sofrido alterações
profundas, encontrando-se atualmente estruturado de forma muito semelhante às nossas Metas
Curriculares.). Refere que é percetível, pelos comentários dos seus colegas do currículo inglês,
a preocupação que revelam sobre ter deixado de existir a articulação curricular que havia
entre as duas secções, apresentando com o argumento a falta de tempo disponível para o
cumprimento do National Currículum. (Mas a ansiedade e preocupação dos professores é
compreensível pois todos nós em Portugal passámos pelo mesmo aquando da alteração curricular em
2013 com a implementação do novo Programa e Metas Curriculares.).

110
Por outro lado, o professor refere a importância das referidas alterações curriculares no
sentido em que as mesmas poderão contribuir de forma mais consistente para as
aprendizagens dos alunos (Atualmente opera-se uma nova mudança com a introdução da
Flexibilização Curricular, descentralizando o currículo oficial e atribuindo uma maior autonomia às
escolas por forma a adaptar o currículo oficial ao contexto escolar ou até fazer a sua reconstrução.).

Numa perspetiva meso do currículo, o professor fala-nos sobre o projeto curricular de


escola como um documento importante a ter em conta no processo de planificação (O projeto
curricular de escola, neste ponto, assume um papel importante pois é poderá constituir um guia
importante na tomada de decisões. As orientações nele definidas se poderão revelar importantes na
altura planificar as atividades.). Visto a educação consistir num processo de tomadas de decisão,
todos dos meios que possam facilitar o processo oferecem um contributo positivo para o
desenvolvimento curricular. De acordo com o professor, é o Projeto Curricular de Escola, para
quem constitui um documento que define as linhas orientadoras da ação educativa relativa a
um determinado contexto. O professor realça, em sua opinião, a importância como
documento a ter em consideração durante a planificação. O professor destaca ainda como será
importante ter-se uma visão curricular mais abrangente relativamente aos documentos
orientadores pois (Um trabalho que certamente terei de fazer com uma certa atenção será o de verificar
como se articulam o currículo oficial, o projeto curricular de escola e a visão e objetivos de escola. Este
trabalho poderá ajudar a clarificar decisões que deverão ser tomadas posteriormente.). O professor fez
ainda a referência a um documento, em sua opinião, não menos importante e ainda em fase
de desenvolvimento, que é o Referencial Curricular para o Ensino Básico e Secundário. (O
novo Referencial Curricular ainda em fase de desenvolvimento irá cruzar o perfil do aluno com as
Aprendizagens Essenciais para o Ensino Básico e Secundário.).

É também possível encontrar algumas referências do professor à flexibilidade e autonomia


curricular das escolas, com o objetivo de contribuir para o desenvolvimento de currículos
adaptados à realidade de uma determinada comunidade (Estabelece-se desta forma uma maior
responsabilização das escolas na gestão do currículo de uma forma flexível e contextualizada.). O
professor valoriza esta medida, pois eu sua opinião a contextualização curricular é um passo
importante no sentido de um ensino mais justo e equitativo (Esta medida representa um passo
em frente pois é dada às escolas a possibilidade de realizar uma apropriação contextualizada do
currículo. Promove-se desta forma uma descentralização de poderes e orientações que se entendiam
demasiado prescritivas e que em nada promoviam uma gestão curricular adequada ao contexto escolar.).
Segundo o professor, a implementação destas medidas poderá conduzir a uma maior
responsabilização das escolas na tomada de decisões no que concerne à construção de novas

111
orientações educativas adaptadas a cada realidade escolar, sempre norteadas pelos atuais
documentos curriculares. (Neste sentido as escolas têm neste momento uma responsabilidade
acrescida porque nelas é depositada a confiança para que possam gerir de forma autónoma o currículo,
tendo em vista o desenvolvimento de competências (conhecimentos, atitudes e valores) à luz do Perfil
do Aluno.) De acordo com o professor, estas mudanças, desenvolvidas e implementadas de
forma faseada, poderão ter implicações na reestruturação dos documentos que suportam o
currículo de qualquer instituição educativa. (É dada oportunidade às escolas questionar todo
trabalho que está feito, em termos de Projeto Curricular de Escola e do Projeto Educativo de Escola, a
fim de verificar se a visão e os princípios que os estruturavam ainda se adequam às novas orientações.).

O cuidado em aprofundar e refletir sobre as implicações que as novas orientações vão ter
em termos práticos na escola é algo que o professor parece valorizar, uma vez que procura
antever constrangimentos que possam surgir em futuras planificações (Com as novas
orientações as escolas podem gerir até 25% da carga horária semanal horária com base na matriz
curricular. Não pondo em causa o previsto na matriz curricular no que toca às disciplinas ou áreas
disciplinares, as escolas podem criar os Domínios de Autonomia Curricular ou novas disciplinas. Os
Domínios de Autonomia Curricular (DAC) não são mais do que a agregação de diferentes disciplinas
de forma a evitar a dispersão disciplinar que tem dominado o panorama educativo ao longo dos anos.).
O professor realça, aliás, que este é um passo muito importante relativamente ao ensino
fragmentado por disciplinas. Pretende-se uma maior articulação disciplinar de forma a dar
maior sentido à articulação de saberes, pois permite que os alunos adquiram uma visão com
sentido mais concreto sobre as aprendizagens que realizam, contextualizando os conteúdos
curriculares. (As novas orientações curriculares atribuem especial ênfase à integração e articulação das
diferentes disciplinas, os denominadas “Domínios de Autonomia Curricular”, propondo uma gestão
cooperada e articulada do currículo.). Verificámos que este é um tema que despertou particular
interesse no professor, pois vai ao encontro das suas orientações pedagógicas, até porque
dedicou uma boa parte das reflexões.

No que refere às orientações curriculares, e a sua articulação com os princípios de uma


visão construtivista, o professor revela um certo cuidado e atenção no momento de pensar e
refletir sobre possíveis estratégias a implementar. (Dar a possibilidade aos alunos mais velhos, ou
aos alunos mais competentes de, em certos conteúdos apoiar os mais novos ou os mais necessitados em
certas áreas, é uma estratégia que favorece o espírito de cooperação, princípios de responsabilidade,
cidadania, participação tal com está previsto no Perfil do Aluno.).

O professor refere como as TIC aparecem pela primeira vez contempladas nos
documentos oficiais a par com outras disciplinas (Neste documento, e pela primeira vez, as

112
tecnologias e comunicação e informação surgem a par com outras literacias como a leitura e
escrita ou a numeracia. Desta forma, há um reconhecimento num documento oficial sobre a
importância que desempenha a sensibilização dos alunos para as TIC.). Parece ficar patente a
importância e destaque atribuído pelo professor ao papel das TIC no documento Perfil do
Aluno. Neste documento, tal como registado pelo professor, as “tecnologias” são suprimidas
dando realce à “informação e comunicação”. O professor reflete sobre este facto referindo
como é importante desenvolver competências relacionadas com a capacidade de comunicar e
de pesquisa de informação pois, segundo ele, sem estas duas dimensões não será possível
utilizar as tecnologias de forma competente. (Esta preocupação está patente no documento do
Perfil do Aluno, ressalvando todo um conjunto de preocupações relacionadas com as
competências comunicativas e informativas dos jovens).

O professor mostra que numa visão construtivista a planificação poderá resultar de uma
construção conjunta com os alunos decorrente das suas necessidades e interesses (Os conteúdos
e conceitos a trabalhar com os alunos, por muitas vezes, surgem de forma natural quando estamos
envolvidos numa qualquer atividade que nos acabam por conduzir a determinados conteúdos previstos
nos programas curriculares.).

Por outro lado, o professor parece compreender como é importante adequar as práticas
educativas ao contexto da turma, mesmo que essas adequações se distanciem dos objetivos
inicialmente previstos (Este ano tenho desempenhado um papel de professor mais tradicional no que
toca à planificação pois, ao aperceber-me dificuldades da turma, tenho sido eu, na presença da turma, a
desenvolver a planificação mensal dos conteúdos a trabalhar.). O professor reflete, a este propósito,
como por vezes é necessário assumir práticas educativas mais tradicionais no sentido de
garantir as aprendizagens efetivas.

Em síntese, é possível verificar como o professor se encontra atento às mudanças


curriculares e como estas podem influenciar a sua prática pedagógica. O professor valoriza a
importância dos documentos orientadores, como o Perfil do Alunos à Saída da Escolaridade
Obrigatória e as Aprendizagens Essenciais, que considera aproximarem-se da filosofia
educativa do MEM. O professor menciona ainda a importância do Projeto Curricular de
Escola e a flexibilidade curricular para a construção de currículos adaptados às necessidades
e interesses da comunidade escolar. O professor valoriza a integração e a articulação entre as
diferentes disciplinas, através dos Domínios de Autonomia Curricular, como forma de dar maior
sentido à articulação de saberes e contextualizar os conteúdos curriculares. O professor
também destaca as TIC no Perfil do Aluno reconhecendo a importância da sensibilização dos

113
alunos para as mesmas, no desenvolvimento de capacidades de comunicação e de pesquisa,
para uma utilização competente das tecnologias digitais.

O professor parece seguir uma abordagem pedagógica, em que a planificação resulta da


construção conjunta com os alunos, decorrente das suas necessidades e interesses. No entanto,
o professor também compreende a importância de adequar as práticas educativas às
necessidades da turma, mesmo que isso implique, em certos momentos, assumir práticas
pedagógicas dentro de uma perspetiva mais tradicional.

4.2.2 O papel do MEM

O contacto com uma forma diferente de organizar o processo de ensino e de aprendizagem


foi um assunto sobre o qual o professor se debruçou com frequência (Não foram histórias destas
que me conduziram ao Movimento da Escola Moderna, mas sim, talvez num tom visionário, que me
levou a acreditar que haveria uma alternativa àquilo que nos estavam a querer mostrar: um sistema de
ensino quase matematicamente perfeito, sem margens de erro.). No entanto, algumas referências do
professor, indicam que, talvez na sua formação inicial ou até os primeiros anos como docente,
terão acontecido numa perspetiva mais tradicional do ensino. De facto, são diversas as
referências a “histórias” relativas ao período anterior, referindo vivências educativas que o
professor foi experienciando ao longo dos seus primeiros anos como docente de 1.º ciclo.

Encontramos referências aos módulos que dão sustento ao modelo pedagógico do MEM
(É bom não esquecer a raiz do MEM, que tem usa base em cinco princípios que trabalham de
forma integrada em si: O Concelho de Cooperação Educativa, o trabalho curricular com base
em Projetos de Aprendizagem, a divulgação de produções em Circuitos de Comunicação, o
Trabalho Curricular Comparticipado pela Turma, o Trabalho Autónomo e o
acompanhamento individual. Estes são os cinco princípios que guiam o trabalho pedagógico
do MEM.). É particularmente interessante esta referência no sentido em que nos parece
transmitir um reforço daquilo que representa o ponto de partida para o desenvolvimento da
atividade letiva. Por outro lado, poderíamos afirmar que existe um certo dogmatismo
relativamente este modelo pedagógico com o qual o professor se identifica, muito embora o
professor faça referência à versatilidade que o modelo oferece no sentido da sua integração e
articulação com outras perspetivas educativas.

O professor não parece atribuir muito destaque, de forma mais individualizada, aos
módulos que estruturam o funcionamento do modelo do MEM, sendo os mesmos
mencionadas de forma pontual. Ainda assim, importa recuperar as referências que professor

114
faz a alguns dos módulos em particular. Uma delas refere-se a um dos momentos mais
importantes do modelo, o Tempo de Estudo Autónomo (TEA) (O TEA é um momento que revela
grande potencial de aprendizagem, não só a nível científico, mas também promove competências sociais
e metacognitivos. Esta última competência foi o meu foco principal na planificação.). Na perspetiva
do professor, este momento corresponde a um ou mais tempos, ou mais, dependendo do nível
de autonomia em que se encontra a turma e que é registado na Agenda Semanal da turma.
Este módulo do MEM, tal como o professor refere, visa promover o desenvolvimento de
competências de autonomia, sociais e metacognitivas dos alunos. Compreende-se, pois, pelo
seu destaque, esta referência do professor acerca deste módulo quando se refere à planificação
das atividades letivas.

A visão oferecida pelo modelo educativo no qual o professor sustenta a sua prática é alvo
de algum destaque (Sendo o MEM uma filosofia educativa com base numa metodologia não
normativa, importa referir que tem, na sua essência, cerca de 90 anos, sofrendo adaptações de
acordo com a evolução dos tempos. Na época em o MEM deu os primeiros passos, sob a
orientação de Freinet, viviam -se tempos de grande mudança, onde, pela primeira vez, se
começava a estudar a criança enquanto aprendente dotado de capacidades únicas e
específicas.), atribuindo especial destaque ao aprendente enquanto elemento central do
processo educativo.

O professor realça, entre outros, o papel do aluno no processo educativo, tal como
assumido nos diversos modelos que se enquadram numa perspetiva construtivista do ensino.
O papel do aluno é destacado no sentido de uma participação ativa no processo, não só de
aprendizagem, mas também de ensino (Identifico-me com um modelo pedagógico que se organiza
com base em cinco princípios. É destes cinco princípios que nasce todo o processo didático-pedagógico.
E nasce com base nas participações, necessidades e intervenções dos alunos.). Neste sentido, ao
colocar os alunos com elemento central do processo de ensino e de aprendizagem, para este
professor, a planificação tende a não tomar contornos mais tradicionais (O MEM segue uma
orientação um pouco diferente daquilo que é vulgar ver-se como prática docente no que toca à
planificação, pois esta é feita em conjunto com os alunos, ou até, num estágio mais avançado,
desenvolvida pelos próprios alunos sem a intervenção do próprio professor). Esta referência do
professor revela a quebra de um paradigma muito enraizado na Escola. De facto, segundo
refere, num estádio mais avançado de autonomia e conhecimento do processo, poderão ser os
alunos a desenvolver e a organizar as suas atividades com base numa planificação por eles
desenvolvida, indo ao encontro das suas necessidades e interesses, contribuindo, neste
sentido, para uma dimensão muito importante da aprendizagem que é a aquisição de uma

115
progressiva autonomia (O modelo do MEM preconiza que os alunos desenvolvam a devida
autonomia no que toca às suas aprendizagens.). O professor assume, sobretudo, um papel de
facilitador de estratégias que permitam aos alunos ganhar progressiva autonomia nas
aprendizagens. De acordo com o professor, são estes módulos que permitem uma integração
curricular com abrangência suficiente para todas as disciplinas (O modelo pedagógico do MEM
baseia-se numa estrutura de trabalho coerente que permite desenvolver um continuum pedagógico no
qual podemos integrar as diferentes disciplinas por forma a contemplar os diferentes conteúdos do
programa. Este modelo não se centra no campo da didática mas num nível mais abrangente, o
pedagógico.).

De acordo com a perspetiva do professor, a apropriação do modelo do MEM, por parte


dos alunos, não é um processo fácil de interiorizar, referindo a progressiva complexidade ao
longo dos anos letivos (A aquisição do modelo do MEM não varia em termos de conceptuais, em que
o trabalho que se desenvolve no 1º ano é o mesmo que desenvolve no 4º ano. O que varia é a complexidade
e profundidade com que se implementa.), requerendo, em particular, um conhecimento das
caraterísticas individuais de cada um dos elementos da turma (Desde há uns anos a esta data que
apenas leciono apenas 3º e 4º anos. Como referi, trouxe um desafio acrescido para mim e para os alunos
pois apenas temos dois anos para aquisição dos princípios do MEM.). Algo que é facilitado pelo facto
de, no 1.º ciclo, o professor passar o dia com a mesma turma. Ainda assim, o professor refere
que, para os alunos, dois anos letivos não são suficientes para interiorizarem o funcionamento
do modelo.

Sobre a aplicação do modelo do MEM o professor questiona o modo como se articula com
o documento Perfil do Aluno. (De que forma o modelo do MEM pode oferecer um contributo
para a concretização dos objetivos previstos no Perfil do Aluno? Esta é uma visão bastante
ambiciosa e arriscaria a dizer utópica. Pelas diferenças específicas de cada criança, pela forma
em como cada uma aprende, também a aquisição dos princípios previstas no Perfil do Aluno
não será adquirida por todos de forma igual. Uns alunos terão desenvolvido melhor umas
áreas outros terão desenvolvido melhor outras).

O professor reflete sobre a aplicação dos documentos curriculares em vigor como material
de suporte à planificação das atividades letivas (Como ponto de partida, terei de arranjar uma
grelha de registo da planificação. Pelos aspetos referidos, certamente que terá de ser mais detalhada que
as tradicionais grelhas que normalmente os professores utilizam no seu dia a dia. A matriz da
planificação certamente que terá de sofrer adaptações de acordo com o módulo do MEM.).

116
Foi importante verificar como o professor se posiciona face a este aspeto, pois ajuda-nos a
compreender um pouco melhor a sua visão face ao modelo do MEM. Estas reflexões do
professor sobre o MEM foram para nós muito importantes, em termos de análise, pois
representam dados importantes que nos permitiram compreender melhor a forma como o
professor se posiciona face à educação. O professor faz referência ao sentido da formação
global do cidadão e estabelece a sua comparação com o modelo do MEM (desde a sua génese
que contempla esta preocupação sobre o desenvolvimento global do cidadão. O conceito de competência
sempre esteve presente no sentido da contextualização das aprendizagens, desviando as aprendizagens
do seu sentido mais magistral.). Verificamos nesta reflexão a tentativa do professor em
estabelecer uma relação com as atuais orientações curriculares. Nesta reflexão destaca o
conceito de competência, ao contrário do que aconteceu com o programa de 2013 que o retirou
dos documentos oficiais, depois de introduzido no programa de 2007. Verificamos a
importância que o professor atribui ao conceito de competência pois, tal como refere, a mesma
não se alinha com um ensino magistral. No nosso entender, este conceito via ao encontro do
preconizado por Perrenoud como o “saber fazer” e não o “saber aplicar”, como sobressai no
ensino tradicional. Neste sentido, seguindo uma linha de orientação suportada pelo “saber
aplicar” em contexto, ou melhor, em diferentes contextos, é algo que o professor destaca
enquanto princípio de orientação para aprendizagem (O saber fazer e aplicação em contexto dos
conhecimentos adquiridos sempre fizeram parte das preocupações educativas do MEM. Para mim não
é uma grande novidade pois são princípios com os quais já estou familiarizado.).

Encontramos duas referências que nos parecem importantes que nos mostram a abertura
do professor a outras perspetivas educativas. Estas referências são importantes no sentido em
que pretendem passar uma mensagem de flexibilidade face novas perspetivas educativas, não
assumindo o modelo do MEM de forma dogmática, como poderia transparecer (Parece-me
importante reforçar a ideia de que o MEM é apenas um modelo pedagógico entre outros. O que sempre
me agradou no MEM, e as novas orientações vão ao encontro disso mesmo, é que trata o indivíduo
enquanto um todo inserido numa sociedade na qual tem um papel.) Assim, como referido, o MEM
assume-se como um suporte e fundamento pedagógico ao desenvolvimento da prática letiva
no qual o professor reconhece a flexibilidade, ou plasticidade como refere, do modelo,
enquanto estrutura que permite uma adequação a diferentes contextos (O culminar do ano
letivo, nesta forma de trabalho mais orientada pelo professor, ao contrário daquilo que previ que fosse o
caminho natural para esta turma, leva-me a pensar na plasticidade do modelo do MEM.).

Ainda sobre a planificação, o professor reflete sobre a importância de desenvolver um


trabalho que se poderia estender às restantes turmas do 1.º ciclo, tal como é sugerido pelas

117
atuais orientações curriculares. (Parece-me que também seria um trabalho muito interessante de
desenvolver e, possivelmente, mais estimulante e produtivo pois estaria a estender um modelo
construtivista a um conjunto mais alargado de professores e alunos.). Quando o professor fala sobre
o alargamento do “modelo construtivista” às restantes turmas parece-nos estar a referir-se às
orientações do Perfil do Aluno, dentro das quais, não deixar de estar contemplada uma
perspetiva educativa centrada no desenvolvimento global do aluno, tal como se destaca nos
modelos construtivistas. Sabendo como é lenta a implementação de qualquer mudança nas
práticas educativas que visem, em concreto, a inovação curricular, parece-nos bastante
ambicioso, da parte do professor, a vontade em alargar o modelo do MEM às restantes turmas
do mesmo ciclo onde leciona.

Do ponto de vista do professor, uma das ferramentas que estruturam o modelo do MEM
tem na sua base a construção cooperada de uma agenda semanal. É esta agenda semanal que
define as rotinas da turma. (Por falar em rotinas, este é um fator muito importante quando
pretendemos que, numa fase inicial, os alunos se apropriem do funcionamento do modelo do MEM.).
Como referido pelo professor, são as rotinas diárias que oferecem estabilidade emocional e
cognitiva nos alunos. Estas rotinas são tanto mais eficazes quando as mesmas são elaboradas
tendo em conta as propostas dos alunos, pois o sentido do trabalho é atribuído não só pelo
professor, mas também pelos alunos. No entanto, depreendemos pela referência do professor,
que a sua preocupação inicial se centra, essencialmente, na apropriação dos princípios do
MEM por parte dos alunos. Parece verificar-se que o professor atribui especial ênfase, numa
fase inicial, não tanto às aprendizagens, mas à apropriação do modelo por parte dos alunos.
A construção da agenda semanal contempla diversas atividades tendo sempre como objetivo
abarcar o leque curricular das diferentes disciplinas.

O professor faz referência a outras estratégias e atividades. Uma delas diz refere-se ao
Diário da Turma. (Estes temas são registados pelos alunos ao longo de uma semana num
papel ao que Freinet chamava na altura de Jornal de Parede o que o MEM batizou de Diário
da Turma.). No Diário da Turma os alunos têm a possibilidade de expressar a sua voz. É tão
simples quanto um papel afixado numa parede no qual os alunos registam, ao longo de um
tempo, as suas opiniões, preocupações ou sugestões. Num momento definido na Agenda
Semana, os assuntos registados no Diário da Turma são discutidos com toda a turma, no
tempo de Conselho de Turma. (Estas discussões são levantadas num momento semanal,
destinado para este motivo, entre outros, a que o MEM denomina de Conselho de Cooperação
Educativa, ou simplesmente o Conselho. É neste momento que se discute, não só o diário da
turma, mas também outros assuntos relativos à vida escolar do grupo.). Pareceu-nos

118
interessante observar a referência a Freinet, enquanto percursor e fundador do modelo
pedagógico do MEM, pois é uma figura de referência para qualquer professor que decida
aventurar-se por esta forma de trabalho pedagógico. Parece-nos importante destacar esta
passagem porque a possibilidade de dar voz a uma participação mais ativa dos alunos
promove não só um sentido de pertença, mas também a responsabilização de cada um, quer
pela aquisição das aprendizagens quer pelo desenvolvimento de competências sociomorais.
É nas discussões em conselho cooperativo que emergem as diversas regras de organização
social, com o objetivo de dar orientação não só ao trabalho escolar mas às relações sociais que
se estabelecem entre pares (É com base na discussão dos assuntos referidos no Diário da
Turma que se registam as regras de convivência as quais guiam e orientam as relações diárias
dos vários elementos da turma.”).

Em síntese, verifica-se como o MEM assume um papel importante no momento de


planificar as atividades letivas. O professor faz referência a um conjunto de constrangimentos
com os quais se depara. Um deles deve-se ao facto de lecionar cada turma por apenas dois
anos letivos, correspondendo aos 3.º e 4.º anos. Este aspeto constitui um desafio para o
professor pois os alunos, durante o 1.º e 2.º anos são acompanhados por outro docente que
trabalha de uma forma mais tradicional, o que traz desafios acrescidos no momento de
planificar as atividades com base na filosofia do MEM.

O professor considera importante uma atualização regular dos conhecimentos científicos,


didáticos e pedagógicos. Neste sentido, o professor refere a falta de tempo disponível para
participar, especificamente, nos Sábados Pedagógicos dinamizados pelo MEM. O professor
considera que estes encontros constituem momentos de partilha de experiências e que
contribuem como motivação para dar continuidade ao trabalho pedagógico. O professor
destaca a expressividade e o impacto do MEM em Portugal e releva a perspetiva cooperativa
do movimento e a forma como contribui para a formação dos seus membros.

Sobre os documentos curriculares, o professor faz referência às orientações definidas nos


atuais documentos oficiais e a sua aproximação aos princípios pedagógico do MEM,
facilitando, em parte, o trabalho de planificação pois contribuem para a melhor estruturação
da prática pedagógica. O professor assume que o modelo do MEM é aquele com que se
identifica em termos pedagógicos, mas não descarta a possibilidade de implementação de
outras perspetivas pedagógicas.

Das descrições do professor sobre o papel e o destaque do MEM no processo de


planificação, com referência a alguns dos módulos de trabalho que estruturam o trabalho

119
pedagógico do MEM, conseguimos compreender que se centra em dois objetivos pedagógicos
para os seus alunos: no desenvolvimento da autonomia e na autorregulação das
aprendizagens. Na perspetiva do professor, o envolvimento dos alunos no processo de
planificação dos conteúdos permite-lhes adquirir consciência das metas que devem alcançar
e responsabiliza-os sobre o seu percurso de aprendizagem.

4.2.3 As TIC e o MEM

O interesse do professor pelas TIC iniciou-se há já alguns anos (Na altura, estávamos por
volta de 2002m fiz a formação dada pela parceria JPSáCouto e a Microsoft.). Assim como o empenho
na implementação pedagógica das TIC na escola. Algumas descrições do professor parecem
mostrar que o empenho e gosto do professor pelas TIC (Mas nem tudo é mau, em minha casa
conseguia comunicar com o Magalhães do meu filho e até fizemos algumas atividades bem
interessantes.).

A literacia digital é uma competência que o professor reconhece como muito importante
para a implementação responsável das TIC (Nesta planificação inicial é importante não
esquecer os alunos no que compete ao desenvolvimento da literacia digital. Esta será uma
noutra vertente a ter em atenção e que certamente será uma peça fundamental da
planificação.). Outra referência interessante, realizada pelo professor, parecer referir-se ao
distanciamento que existe entre a cultura digital dos docentes e a cultura digital dos alunos
(Mencionou a facilidade que os jovens têm relativamente à compreensão e integração das
tecnologias digitais assim como a distância que existe, em termos de conhecimentos práticos
das TIC, entre os níveis professor e aluno.).

O professor apercebe-se como os conhecimentos digitais diferem dentro de diferentes


faixas etárias dos alunos e do impacto que poderá ter em termos da planificação (Isto levanta
um grande problema em termos de planificação, é que a experiência digital de uma criança de 6 anos
não a mesma de uma criança de 8 anos. Os conhecimentos que umas e outras trazem da vida online são
bastante diferentes.).

Parece destacar-se o empenho do professor na implementação pedagógica das TIC.


Constatam-se, com alguma frequência, referências sobre a articulação das TIC com os
princípios do MEM (Desde há uns anos que tenho tentado implementar as TIC no trabalho pedagógico
com o MEM, procurando aproveitar ao máximo o seu potencial pedagógico em prol da aprendizagem.),
por vezes, não no sentido da sua articulação mas no sentido do apoio ao desenvolvimento de
aprendizagens mais significativas para os alunos (…ao longo destes anos onde tenho canalizado

120
esforços por desenvolver um conjunto de recursos TIC, tendo por base os princípios do MEM, que
permita aos alunos uma aprendizagem mais atual e contextualizada.). Estas reflexões parecem
mostram-nos que é um objetivo assumido pelo professor desde há já alguns anos, embora com
avanços e recuos, como iremos verificar mais à frente.

O professor destaca como a escola onde leciona investe nas TIC, quer em recursos digitais
quer na formação dos docentes. O professor faz referência não apenas a quantidade de
recursos informáticos, mas também algo que nos parece relevante e que diz respeito à
utilização regular que os docentes fazem dos recursos TIC (Quando ainda em Portugal se estava
a dar os primeiros passos na informatização das escolas, em que o colégio onde estava a lecionar na
altura tinha acabado de receber o seu primeiro computador com ligação à net e já eu o andava a explorar
para tentar perceber de que forma é poderia ser útil para os alunos, quando, no ano seguinte, entrei para
o Colégio Inglês, onde atualmente leciono, verifico que já havia laboratórios de informática, e o que
realmente me espantou foi observar que a grande maioria dos professores fazia um uso bastante regular
dos recursos informáticos disponíveis.).

Para este professor, o papel dos princípios do MEM encontram-se presentes sempre que
se trata de planificar o processo de ensino e de aprendizagem. O cuidado em pensar e repensar
o modelo parece mostrar que não tende a acomodar-se ao sistema e procura a integração e
articulação dos princípios do MEM com o currículo oficial (Este tema leva-me novamente a pensar
na questão da planificação. Enquanto docente que se enquadra numa visão construtivista do ensino, a
minha maior preocupação no início do ano letivo é o repensar de todo o conjunto de atividades que
promovam os princípios subjacentes ao modelo do MEM.). Assim, o professor parece preocupar-se
em refletir, no início de cada ano letivo, sobre a melhor forma de implementar a sua filosofia
pedagógica.

Uma entusiasmante referência do professor diz respeito a uma formação realizada na sua
escola, na qual participaram vários professores vindos de diferentes contextos educativos, não
só de Portugal, mas de outros países (Foi um mundo novo que se abriu. O meu cérebro fervilhava
de ideias para implementar e desenvolver com os alunos, cruzando sempre com os ideais do MEM.)

No sentido de atribuir lugar às diversas estratégias tecnológicas que emergem em


múltiplas plataformas online, o professor parece refletir sobre a relação que se poderá
estabelecer entre essas novas abordagens e o modelo do MEM. (De que forma algumas estratégias
didáticos atuais, que surgiram com base nas TIC, e estou a pensar por exemplo na Flipped lesson, se
podem integrar no modelo do MEM?). O professor reconhece a importância da adaptação, ou
talvez da atualização do modelo do MEM a novas perspetivas, (Parece-me que este será mais um

121
desfio interessante a refletir, pois torna-se importante adequar o modelo do MEM a novas abordagens
educativas.) nomeadamente as tecnológicas que transportam consigo novas formas de pensar
o ensino. Este reconhecimento parece-nos particularmente importante pois revela a existência
de um certo tom de preocupação face a uma possível inercia do modelo do MEM. Parece-nos
importante destacar o questionamento que o professor realiza face à pertinência da adequação
das TIC à sua integração no modelo do MEM (E é nesta base que tenho procurado compreender de
que forma as TIC se podem articular, ou até que ponto ou limite, será viável a sua integração no modelo
do MEM.). O professor, ao questionar o papel das TIC e a sua articulação com o MEM mostra
que reflete, de forma cautelosa, sobre o sentido e impacto que esta mudança curricular poderá
ter na aprendizagem dos alunos.

Ainda sobre as TIC, o professor parece focar-se um aspeto que nos parece merecer alguma
atenção. Dada as diversas investigações na área no sentido de compreender de que forma as
TIC poderão oferecer um contributo para a aprendizagem, sendo que os resultados esperados
face ao investimento realizado não reflete o que se seria espectável, ou seja, uma melhoria das
aprendizagens e consequentes resultados, o professor destaca numa reflexão a relevância do
conhecimento pedagógico na implementação das TIC no processo de ensino e de
aprendizagem (O que se tem defendido não é que a solução esteja nas TIC, pois não passam de mais
um recurso educativo, mas sim no modelo pedagógico que os professores utilizam, e se identificam, no
seu dia a dia.).

O professor refere a curiosidade que os alunos nutrem pelas tecnologias, podendo este
constituir um ponto de partida para a sua implementação educativa. (Certamente que as TIC
terão um papel importante a desempenhar em todo este processo, nem que seja pelo interesse que os
alunos nutrem pelas tecnologias digitais.).

O professor parece dedicar tempo na preparação da planificação das atividades e na


preparação à volta do conhecimento necessário para utilizar as TIC de forma adequada com
os seus alunos. (Neste âmbito certamente que as TIC terão uma influência de peso no desenvolvimento
da planificação pois é um dos elementos integradores.). O professor questiona, em alguns
parágrafos, qual será o melhor processo a seguir de forma a preparar os seus alunos para uma
utilização responsável das TIC e para a aquisição do modelo pedagógico do MEM. (Parece-me
demasiado exigente para crianças tão novas, com experiências tão dispare com tecnologias digitas,
começar logo de início a trabalhar duas novas áreas que desconhecem. Parece-me mais razoável e
adequado trabalhar em paralelo, mas não de forma integrada, TIC e MEM.). Sobre este assunto, o
professor parece revelar alguma insegurança, pois, as duas vertentes educativas, encontram-
se revestidas de alguma complexidade e requerem, do ponto de vista do professor, um certo

122
cuidado na sua implementação. (Por outro lado, o tema Projeto não é desadequado de todo, pois
numa primeira fase da planificação certamente que terei de planificar um conjunto de aulas de forma a
dotar os alunos das competências digitais necessárias, assim com desenvolver uma outra planificação
que promova a compreensão por parte dos alunos do trabalho do MEM.). O professor, em certo
momento das suas reflexões, faz alusão a três aspetos em simultâneo: TIC, MEM e
planificação. Parece-nos que a ideia principal destacada pelo professor se refere à realização
do trabalho de projeto, um dos módulos de suporte ao modelo do MEM aluindo a uma
preparação prévia dos alunos, no que respeita a competências digitais, para que possam no
futuro realizar os trabalhos de projeto. Neste sentido, o professor parece atribuir destaque à
realização destes projetos suportado pelas tecnologias digitais. Esta preocupação parece
revelar como o professor se empenha em planificar o percurso das aprendizagens dos alunos
de forma refletida, a fim de garantir que a aquisição das competências previstas se realiza de
uma forma consistente.

Do ponto de vista das TIC e da sua articulação com o MEM e com o currículo oficial, o
professor destaca a relevância dos recentes documentos curriculares no sentido em que
parecem oferece maior proximidade com o modelo do MEM. (A articulação e integração das
tecnologias no modelo do MEM é algo que vai ao encontro do que está contemplado atualmente em
vários documentos orientadores como o “Perfil do aluno à saída da escolaridade obrigatória.).

Por outro lado, o professor parece reconhecer a dificuldade que o processo de articulação
entre as TIC e o MEM traz para o processo de ensino e de aprendizagem. (Aliás, com modelo ou
sem modelo do MEM, a integração curricular das TIC já representa um grande desafio para os
professores e para os alunos. A simplificação e clareza é um fator preponderante de integração. O modelo
do MEM, só por si, não é um modelo simples de trabalho, embora a sua concretização, quando realizada
de forma faseada, pensada e adaptada ao contexto da turma, poderá trazer vantagens em termos de
desenvolvimento de competências e mais concretamente aquelas que fazem parte integrante, há já muito
tempo, do modelo do MEM e também mais recentemente do documento orientador Perfil do Aluno.). O
professor refere a vincada separação que existe, a nível curricular, entre as diferentes
disciplinas. Neste sentido, parece reconhecer que o modelo do MEM não é de fácil aquisição
e compreensão por parte dos alunos. Ressalva que o modelo deverá ser introduzido e
apropriado pelos alunos de forma faseada e bem estruturada, permitindo, inclusive, ir
trabalhando e desenvolvendo as competências previstas no Perfil do Aluno. Parecem
destacar-se várias condicionantes que dificultam o processo sendo uma delas a necessidade
de consolidar as aquisições sobre o modelo do MEM e sobre as TIC.

123
O professor, em determinado momento, parece questionar a pertinência de articulação do
uso das TIC como o modelo pedagógico do MEM (Há três dimensões que não forma previstas e
que me parecem importantes estar destacadas: Perfil do Aluno, Aprendizagens Essenciais e TIC. Será
interessante também pensar a possibilidade de articulação destas três dimensões, ou não? (…) Será
sempre possível articular as dimensões TIC, AE e PA, no desenvolvimento da planificação? Ou melhor,
será possível concretizar essa articulação? Esta é uma questão que só poderá ser respondida depois da
concretização. Desta forma, a planificação, obrigatoriamente terá de contemplar as três dimensões.). O
professor reflete sobre a pertinência da integração e articulação das três dimensões referidas
sendo que, tal como refere, só após a concretização das atividades é que se poderá avaliar,
refletir e chegar a alguma conclusão.

Muitos são as dúvidas que o professor enfrenta, proferindo algumas reflexões acerca da
pertinência, em determinadas situações sobre a planificação de atividades recorrendo às TIC
(As TIC têm representado um papel importante na planificação das atividades. Não com a profundidade
e ritmo que desejaria, mas estiveram sempre presentes. Poderei questionar se realmente consegui extrair
das TIC o desejado potencial pedagógico em prol das aprendizagens. Colocando um olhar externo a todo
o processo desenvolvido penso que não. No entanto, tive sempre presente que as TIC seriam um elemento
constante no desenvolvimento das minhas planificações. De acordo com o trabalho desenvolvido ao
longo deste ano, e de acordo com a especificidade da forma de trabalho que referi, poderei questionar se
houve diferenças no envolvimento das crianças nas tarefas propostas com e sem recurso às TIC.). O
professor estabelece algumas reflexões sobre os resultados obtidos do seu empenho na
implementação das TIC com o objetivo de tirar partido do seu potencial pedagógico. Num
tom de dúvida, refere que possivelmente não o terá conseguido. Inclusive, parece focar-se
num aspeto importante que diz respeito ao envolvimento dos alunos na realização de
atividades envolvendo as tecnologias digitais, das quais, tal como parece referir, não terá
conseguido tirado o devido partido.

Do ponto de vistas do professor, a planificação de atividades com recurso às TIC parece


estar condicionada a diversos fatores. Um deles, e talvez o principal, seja a preparação e a
adequação das atividades a realizar às caraterísticas da turma, no sentido da integração das
TIC na sua prática letiva diária com o objetivo pedagógico de promover aprendizagens mais
significativas.

As TIC assumem um papel de destaque, não de forma muito profunda, mas o suficiente
para conseguirmos tirar algumas conclusões. Parece observar-se o esforço do professor na
integração das TIC na prática letiva, tendo o cuidado de fundamentar a sua implementação

124
com base nos princípios do MEM, entendendo as TIC como uma ferramenta pedagógica
facilitadora das aprendizagens dos alunos.

Parece tornar-se patente a visão do professor quando recorre ao modelo do MEM para a
planificação de atividades procurando integrar as TIC. Embora não seja um tema muito
aprofundado e detalhado pelo professor, conseguimos compreender a sua perspetiva geral
sobre o recurso ao modelo do MEM em articulação com as TIC. Outro aspeto que gostaríamos
de realçar diz respeito às reflexões que o professor desenvolve sobre a pertinência da
articulação das TIC com o modelo do MEM.

A escola onde o professor leciona recorre ao programa Google for Education como
plataforma educativa e aos iPads enquanto recurso físico, daí o professor fazer, por várias
vezes, referências à utilização de apps. Destacamos uma reflexão do professor sobre a
aplicações que utiliza e que vai ao encontro do trabalho pedagógico que pretende desenvolver
(As Apps são muito limitativas em termos de desenvolvimento de competências metacognitivas.
Funcionam apenas como um complemento à aprendizagem, não mais do que isso. Não tirando o seu
valor pois há algumas muito bem desenvolvidas e que permitem que os alunos se “entretenham” por
algum tempo.).

O professor não parece centrar o discurso apenas na sua experiência com as tecnologias,
mas também oferece uma visão do que se passa em seu redor. Tal como o professor parece
descrever, depreendemos que a professora de inglês com quem trabalha em pareceria também
faz uso das TIC na sua prática letiva (A professora de Inglês da turma ausentou-se durante dois dias
tendo sido substituída por um professor de Inglês do secundário. Entre as orientações deixadas para a
turma encontrava-se o uso do “Reading Eggs”, uma plataforma educativa interessante, desenvolvida
com base no princípio do Gamification.). No caso concreto, tal como o professor refere, recorre a
uma plataforma educativa que tem como metodologia a Gamification. Este princípio é muito
desafiante para os alunos pois, tal como acontece nos jogos, têm de superar desafios que, caso
obtenham sucesso, se convertem em prémios. O professor tece um comentário, à luz da sua
perspetiva pedagógica, acerca desta metodologia prevista atualmente em muitas plataformas
educativas (O que me despertou o interesse foi verificar no concreto aquilo que dizem alguns estudos
sobre esta forma de ensino, referindo o perigo que o conceito “jogo” representa no sentido de poder
desvirtuar os objetivos de aprendizagem.).

Das diversas plataformas educativas que existem atualmente, o professor destaca como as
mesmas são construídas tendo em vista o professor, enquanto elemento central do processo
de ensino e de aprendizagem, e não o aluno. (Atualmente está claramente direcionada para os

125
alunos, contemplando a vertente orientadora do professor. Ainda pode melhorar, pois, a nível de
recursos, encontra-se um pouco limitada e desatualizada, mas não deixa de ser um grande passo em
frente. Tendo estes recursos disponíveis.).

Pelo descrito, quer parecer-nos que o professor tende a promover a utilização dos recursos
digitais como qualquer outro material educativo que contribua para as aprendizagens dos
alunos. O professor relata uma situação, relativa a um corte de eletricidade, que deixou o
sistema informático da escola inoperacional. Sobre o ocorrido, o professor parece refletir sobre
a dependência das TIC que, em determinadas situações, poderá colocar em causa a prática
letiva (Esta situação deixou-me a pensar na questão da utilização das tecnologias em sala de aula. Foi
uma experiência importante para perceber que não podemos depender exclusivamente das tecnologias
digitais no processo de ensino aprendizagem (…) e, sinceramente, este corte de energia levou-me a
refletir que, por mais importante que os recursos digitais possam ser nos dias de hoje, suportar a
educação nessa base não é de todo possível.). O professor parece aperceber-se de como a
dependência excessiva sobre as tecnologias digitais, em determinadas situações, poderá
constituir uma dificuldade ao processo de ensino e de aprendizagem (Fornecem um impulso e
um dinamismo novo, mas não podem ser apenas um fim em si mesmas (…) antes funcionar de forma
articulada, como um complemento, e não tanto como uma substituição.).

Durante a planificação e preparação das atividades letivas, parece destacar-se a


preocupação com a pegada ecológica, neste caso, mais concretamente com o gasto de papel
(Não seria mais simples entregar aos alunos o plano em papel? Talvez. Mas há vantagens: o princípio
ecológico, devemos cada vez mais procurar a sustentabilidade de recursos e promover isso nas crianças.
É uma responsabilidade importante.). O professor questiona, mais uma vez, a pertinência na
utilização dos recursos TIC em detrimento do recurso “papel”. Nesta observação, o professor
refere-se especificamente ao PIT, o qual representou uma transição importante para os alunos,
pois estavam habituados ao seu formato em papel tendo, progressivamente, transitado para
o formato digital. A questão do professor parece-nos pertinente pois fica a dúvida, sobre o
equilíbrio do processo, em que num dos lados temos a dimensão ecológica e no outro a
dimensão pedagógica. Por outro lado, o professor também reconhece, e enumera, outras
vantagens relativamente à utilização dos recursos digitais disponíveis, pois tem-se
empenhado na sua concretização. Uma das grandes vantagens que as TIC poderão oferecer,
do ponto de vista do professor, diz respeito à disponibilidade e facilidade de acessibilidade
dos trabalhos realizados pelos alunos devido à possibilidade de armazenamento numa cloud.
(Por outro lado, ao colocar o plano online, tanto eu como os alunos, temos a possibilidade de a qualquer
hora, em qualquer momento, e até, em diferente hardware, ter acesso ao plano de trabalho semanal e

126
desta forma ir acompanhado o progresso. Num suporte em papel isso não seria possível.). O professor
refere um aspeto importante e que acaba por constituir um fator relevante sobre a utilização
das tecnologias digitais: a fim da barreira espaço-tempo. O alojamento online faz com que,
quer o espaço físico de sala de aula quer o tempo letivo, permitam a acessibilidade e
disponibilidade permanente de recursos educativos aos alunos e ao professor, em qualquer
lugar, em qualquer momento, e em qualquer suporte.

Ainda sobre as vantagens na utilização das TIC, o professor parece destacar como as
mesmas poderão facilitar o trabalho de feedback aos alunos em tempo real, referindo-se
concretamente ao momento de Conselho de Turma, no qual cada aluno, tendo à sua frente o
PIT em formato digital, faz uma autoavaliação sobre o trabalho, e as aprendizagens
desenvolvidas ao longo da semana. Este feedback é registado no PIT que, no seu formato
digital, o professor poderá ter acesso a qualquer momento. Neste caso, enquanto cada aluno
reflete sobre o seu trabalho o professor, através do seu computador, vai registando no PIT de
cada aluno um comentário ao trabalho desenvolvido. Na linha do que foi dito no parágrafo
anterior, o procedimento de feedback não seria possível se o suporte fosse o papel, sendo que
o professor teria de registar esse feedback num outro momento em que tivesse todos os PIT
em sua posse. (Outra possibilidade que se abriu foi que, durante a Reunião de Conselho da turma, que
acontece à segunda-feira de manhã, na qual os alunos escrevem e partilham com a turma uma pequena
reflexão sobre o trabalho realizado na semana que passou, tenho a possibilidade, à medida que cada aluno
vai comunicando, de aceder ao seu plano através do meu computador e de registar o meu feedback sobre
o seu trabalho. Do ponto de vista do professor, é um tempo enorme que se ganha, pois no início, quando
os alunos ainda realizavam o plano em papel, perdia quase um tempo letivo a escrever o feedback para
cada aluno.). Inevitavelmente que o tempo é uma condicionante importante na planificação de
atividades. O professor parece reconhecer como as TIC podem contribuir de forma positiva
na economia do tempo disponível para o desenvolvimento da planificação e da prática letiva.

Sobre os instrumentos que suportam o modelo, parece verificar-se a tentativa do professor


em substituir outros registos como a Agenda Semanal ou as Listas de Verificação. (Não é só a
agenda que fica disponível, também as listas de verificação estão em formato papel. O seu formato digital
toma sentido quando os alunos estão, por exemplo, a trabalhar durante o Tempo de Estudo Autónomo
e têm as Google Apps ligadas.). O professor parece referir como as mesmas fazem sentido quando
os alunos estão a utilizar os iPads, pois só desta forma é que conseguem aceder aos registos
na sua forma digital. O professor não aprofunda muito esta ideia mas quer parecer-nos que o
seu pensamento vai no sentido de refletir sobre a pertinência da existência dos referidos

127
registos no formato digital, e se não será mais viável, e acessível aos alunos, encontrarem-se
afixados em formato papel.

Encontramos referências do professor aos instrumentos de pilotagem, destacando-se


enquanto materiais de apoio à planificação e concretização da prática letiva, nos quais o
professor parece reconhecer a sua importância, no sentido da apropriação desses materiais
parte dos alunos, pois são eles que vão garantir, numa fase posterior, a monitorização e a
progressiva autonomia na aquisição das aprendizagens. Das descrições do professor, quer
parecer-nos que a reconstrução dos materiais, que suportam o modelo pedagógico do MEM,
para o formato digital se reveste de uma certa complexidade pois, tal como o professor refere,
é necessário um certo cuidado na elaboração, ainda mais, quando se trata da sua
implementação com base nas TIC.

A segurança online é um tema que surge com alguma frequência. O professor refere a
preocupação, relatada pelos órgãos de direção da escola onde leciona, face à utilização de
contas de email por parte dos alunos. (Compreendo o seu receio pois o acesso a uma conta de email
pode-se tornar uma arma perigosa, ainda mais nas mãos de crianças tão novas. Este é um dos grandes
dilemas com que me tenho debatido, em termos de planificação pois é necessário acautelar estes
imprevistos.). Neste caso, parece referir-se a crianças do 3º ano que irão utilizar uma ferramenta
de comunicação e que, se não acautelada a sua utilização de uma forma responsável, poderá
trazer algumas consequências desagradáveis. (Quando me refiro às TIC penso naquilo que os
alunos não têm a consciência no que toca à literacia digital e mais em específico à segurança online.
Penso que seja por aqui que vou começar a planificação.). O professor parece encontrar-se ciente
das condicionantes e da importância de planificar e de prever adequadamente situações no
sentido de minimizar futuros constrangimentos que possam ser causados por questões da
segurança online (Pelo que já tive oportunidade de refletir anteriormente, é muito importante que os
alunos tenham consciência dos perigos que estar online representa, assim como, devem aprender a
realizar uma utilização adequada das ferramentas digitais disponíveis atualmente.).

Em certo momento, o professor descreve uma situação passada na sua escola, não
diretamente com a sua turma de alunos, mas relacionada com alunos do 2.º ciclo. De forma
resumida, a situação decorre de uma utilização desadequada dos iPads. Esta utilização visava
como alvo um aluno concreto da turma em que, com base em fotos desse aluno, grande parte
dos colegas decidiram editar a sua imagem com comentários e figuras menos próprias, na sua
grande parte ofensivas. O professor refere como este acontecimento se pode enquadrar numa
situação de bullying. O professor refere como o desconhecimento dos alunos, e também dos

128
professores, relativamente à literacia digital podem conduzir a situações gravosas como as
descritas (Esta situação mostra claramente a ignorância, quer dos alunos quer dos professores face à
utilização da TIC de forma responsável. Há claramente uma lacuna no que concerne à literacia digital.
E de quem é a responsabilidade?).

O professor destaca o papel transformador das TIC não apenas focado no contexto de sala
de aula, mas numa visão mais abrangente do uso das tecnologias digitais. (Certamente que a
introdução das tecnologias digitais em ambiente educativo nos leva a repensar a forma como está
estruturada a escola. Aliás, não será devido às tecnologias que todo o ensino deverá ser repensado.).

Numa perspetiva positiva sobre o uso das TIC, encontramos uma referência do professor,
num tom de reconhecimento, ao verificar o progresso que um dos seus alunos realizou na
utilização da TIC (Decidi falar nele no Diário por uma razão especial: foi um aluno no qual consegui
ver refletido o meu empenho enquanto promotor de uma visão pedagógica das TIC.).

Num sentido construtivo, o professor faz referência aos documentos curriculares no quais
parecem destacar-se áreas de competência relacionadas com as TIC (Este documento não define
competências TIC em específico, mas contempla áreas de competência como raciocínio e resolução de
problemas, e o pensamento crítico e pensamento criativo para as quais as TIC oferecem um forte
contributo para o desenvolvimento destas competências.). O professor reflete, com alguma
frequência, sobre a importância de se repensar e adequar as estratégias de ensino e de
aprendizagem, com inclusão das TIC, ao recentes documentos curriculares (É dentro deste
panorama global de mudança que importa repensar todo o trabalho que se tenho vindo a realizar. Estas
novas alterações vão-me ajudar a sistematizar um pouco melhor todo o trabalho que tenho realizado com
os alunos ao longo dos anos, adicionando agora um elemento importante que são as TIC. A planificação
de atividades que vão ao encontro das novas orientações deverá estar sob o chapéu das TIC.).

Do ponto de vista pedagógico, destacamos uma referência do professor sobre a direção da


escola relativamente no desenvolvimento da prática docente ao dar total liberdade
pedagógica aos seus docentes (A minha diretora é uma pessoa que nos suporta bastante e nos dá
total liberdade pedagógica.). O professor compara, a sua situação pedagógica atual com outras
escolas onde lecionou. (Ao contrário do que já me aconteceu noutras escolas, não interfere na forma
em como trabalhamos com os alunos, não deixando de ter sempre um olhar atento sobre tudo o que se
passa.). Com alguma frequência o professor parece destacar o forte investimento humano e
material realizado pela escola onde trabalha em prol da implementação das TIC, o que parecer
revelar sensibilidade, por parte dos cargos de direção, para a importância do uso das
tecnologias em contexto educativo.

129
Uma referência do professor diz respeito à construção e utilização de recursos digitas no
processo de ensino e aprendizagem. Em certo momento, num certo tom de crítica, o professor
parecer referir como, da sua experiência educativa, os professores se suportam de uma forma
excessiva na multiplicidade de oferta de recursos educativos digitais na planificação das suas
aulas. A crítica do professor parece seguir no sentido de mostrar que o processo de ensino e
aprendizagem depende mais da adequação de metodologias do que propriamente da
utilização dos recursos, sendo eles digitais ou não (E não tem sido fácil porque estou inserido num
meio onde é tudo muito fácil.). Dado o contexto social da escola onde o professor leciona, refere
como o acesso aos recursos digitais é muito facilitado, levando a que os professores criem uma
certa dependência desses mesmos recursos, deixando para trás aquilo que é a essência do
ensino e as capacidades pedagógicas e didáticas do professor.

Em síntese, o professor reflete sobre a importância das TIC na implementação do modelo


do MEM, destacando a sua relevância na promoção de uma aprendizagem mais significativa
e mais dinâmica. O professor reconhece como as TIC podem facilitar a comunicação entre os
alunos e os professores, o acesso a recursos e a economia do tempo contribuindo para uma
melhor organização e planificação das atividades educativas.

O professor sublinha a necessidade de equilibrar as atividades presenciais e digitais,


dando destaque à importância das discussões coletivas dinamizadas na sala de aula.

A segurança online e o uso adequado das ferramentas digitais são considerados


fundamentais pelo professor a fim de evitar situações de risco.

No contexto do MEM, o professor destaca o papel transformador das TIC e a tentativa de


adaptar alguns instrumentos pedagógicos ao formato digital, realçando a complexidade desta
transição e importância de uma cuidadosa elaboração e implementação.

Do ponto de vista do professor, as TIC são ferramentas valiosas na implementação do


MEM pois potencializam o desenvolvimento de competências e a aquisição de novos
conhecimentos pelos alunos, desde que sejam utilizadas de forma equilibrada e responsável,
com o foco na segurança online e na promoção da literacia digital.

4.2.4 O papel dos alunos e dos professores

Para o professor, os alunos parecem desempenhar um papel face aos desafios que
colocaram relativamente ao processo de ensino e de aprendizagem, em especial, face às
dinâmicas sociais, por vezes conturbada, entre os alunos da turma. Esta exigência parece ter

130
implicação na gestão do tempo destinado à lecionação, alterando qualquer planificação
realizada previamente. Parece um aspeto importante para o professor quando reflete sobre a
importância do envolvimento da turma na planificação das atividades letivas.

A turma que o professor lecionou durante o ano letivo colocou alguns desafios
relacionadas com as competências sociais dos alunos, mais concretamente no que diz respeito
ao controlo das dinâmicas da turma que, por vezes, parecem ser bastantes desafiantes. (Tal
como previ, hoje foi um daqueles dias em que tive a sensação de estar a iniciar um novo grupo. Faltou
praticamente metade da turma e como tal as rotinas não puderam ser reestabelecidas por completo.
Ainda para mais recebi logo de manhã um encarregado de educação o que não me permitiu iniciar o dia
com os alunos e fazer um Conselho logo de manhã, tal como tinha pensado. Assim, iniciaram o dia com
a professora de Inglês. E como se não bastasse iniciaram hoje começaram as aulas de natação que
decorrem logo a seguir à aula de Inglês.).

Em contrapartida, já próximo do final do ano letivo, observamos algumas descrições do


professor relativamente às dinâmicas da turma sobre o progresso efetuado em torno da
aquisição de competências sociais (É verdade que estava à espera de mais colaboração do grupo mas,
fazendo uma retrospetiva até ao início do ano letivo, posso aferir que já realizaram um progresso enorme
em termos de autonomia, mas ainda há muito trabalho a fazer.). Parecem pequenos passos que se
deram, mas que, do ponto de vista do professor, representam um grande avanço. O professor
parece investir grande parte do seu tempo letivo valorizando o papel do aluno na construção
das aprendizagens, com algumas referências explicitas a esta perspetiva (Os alunos devem ter
um papel ativo na sua aprendizagem.).

Em relação à planificação das atividades de ensino e de aprendizagem, encontramos


diversos relatos que nos mostram a preocupação do professor no sentido de sensibilizar e
responsabilizar o aluno pela suas aprendizagens (…por isso, fará todo o sentido que não seja o
professor a desenvolver essa planificação mas sim os alunos, pois é deles que se espera a aquisição de
determinadas competências previstas nos Programas.). Essa responsabilização parece passar por
várias fases. Uma das quais, tal como referido, poderá passar pela possibilidade de dar ao
aluno a responsabilidade de participar, de forma individual ou em grupo, na planificação das
atividades a realizar (Quero com isto dizer que os alunos têm um papel preponderante no que toca à
planificação.). O professor destaca como é importante oferecer aos alunos oportunidades de
participação ativa no seu processo de ensino e de aprendizagem, e de como isso é importante
para a construção de uma aprendizagem com sentido (Ela não me pertence, pertence aos alunos,
e como tal deve ser contruída e reconstruída pelo grupo).

131
O professor parece reconhecer a complexidade inerente ao desenvolvimento das
competências sociais dos alunos (Há todo um processo gradual de construção de
competências sociais que se revelam primordiais para que uma criança adquira, aos poucos,
a consciência do seu processo de aprendizagem.). No sentido de melhorar as dinâmicas da
turma o professor parece desenvolver oportunidades de discussão coletiva, onde cada
elemento tem a possibilidade de contribuir com o seu ponto de vista (Passada a palavra a cada
elemento da turma, foi possível aferir que houve uma divisão de opiniões, onde a grande
parte referiu que gostaram muito das novas rotinas e que gostariam de continuar a trabalhar
daquela forma e outros preferiam as rotinas anteriores.).

O professor parece investir parte do seu tempo a refletir sobre o desenvolvimento das
competências de autonomia e autorregulação das aprendizagens dos seus alunos, pois
reconhece essas competências como fundamentais desenvolver ao longo de toda a
escolaridade, e não apenas no 1.º ciclo do ensino básico. O professor detalha um pouco do
trabalho que faz para promover a autonomia e a autorregulação das aprendizagens dos
alunos. Verificamos que, numa fase inicial, parece ser o professor que estrutura as atividades
que os alunos devem desenvolver num determinado período de tempo que, pelos registos do
professor, depreendemos que tenha uma regularidade diária (Ou seja, em vez de os alunos terem
a autonomia para optar pelas tarefas a realizar, estas tarefas são planificadas por mim.), oferecendo a
oportunidade aos alunos de planificar esse período de tempo, em função das tarefas que têm
de realizar (Todos planificaram a sua semana e alguns deles até conseguiram cumprir a sua
planificação diária, o que não é tarefa fácil para crianças desta idade (…) Este princípio obriga a que os
alunos tenham, obrigatoriamente, de planificar as atividades que vão realizar). O professor parece
valorizar os interesses dos alunos como ponto de partida para as aprendizagens curriculares.
(O mote para aprendizagem deverá partir dos alunos, dos seus saberes.).

O professor menciona, por várias vezes, como as dinâmicas deste grupo lhe têm trazido
alguns constrangimentos relativamente às aprendizagens, e como isso lhe tem levado a
repensar por várias vezes as estratégias a utilizar com o grupo (Porém, esta turma lançou-me um
desafio muito maior devido às dinâmicas sociais do grupo e também à forma de trabalho escolar que já
encontrava muito enraizado na turma.). As dinâmicas sociais entre os alunos parecem requerer
da parte do professor estratégias na construção de dinâmicas educativas que atenuem as
dificuldades que possam surgir ao processo educativo (Recebi este grupo vindo de um primeiro e
segundo ano lecionado colega da minha escola. A sua forma de trabalhar é muito magistral e diretiva.
Podemos questionar: então e as turmas anteriores? Pois, o que se passa é que as turmas anteriores não
apresentavam a heterogeneidade que esta apresenta. De uma forma ou outra sempre existiu, e há de

132
existir, um desequilíbrio na balança no que respeita às competências dos alunos de uma turma.). A
instabilidade de certos alunos na sua relação com os outros parece revelar-se um desafio pois
parece exigir maior atenção da parte do professor, obrigando à implementação de estratégias
que conduzam à integração e aceitação social desses alunos na turma também às
aprendizagens curriculares, onde a família, tal como o professor considera, tem um
importante papel (Neste aspeto está lançado mais um desafio, pois o contexto familiar desempenha
um papel fundamental no desenvolvimento emocional dos alunos.).

O professor parece desafiar-se, numa perspetiva reflexiva e numa lógica de


questionamento, a encontrar soluções estratégicas que conduzam à conexão entre o currículo
prescrito e o currículo da escola, sob a perspetiva da promoção das aprendizagem dos alunos
(No entanto todos sabemos de cor a teoria, os conceitos, os princípios, os valores, e a importância da sua
aplicação no contexto escolar. Mas como? Como começar por desenvolver os princípios subjacentes ao
Perfil do Aluno em contexto? Quantos de nós, por exemplo, planificam o ano escolar com os alunos, ou
melhor, quantos de nós entregam aos alunos a responsabilidade de cada um desenvolver a sua própria
planificação à luz do Currículo? Quantos de nós, entregam aos alunos a responsabilidade do
desenvolvimento de critérios de avaliação e até de classificação? Quantos de nós debate com os alunos e
com a restante comunidade escolar, com frequência, assuntos relativos à vida escolar? E poderíamos
continuar.).

Relativamente aos documentos curriculares o professor parece reconhecer o seu papel


como meio de ligação entre os documentos curriculares e os alunos, a quem cabe a tarefa de
planificar e construir a ponte entre as orientações curriculares definidas pelo Ministério de
Educação e os seus alunos. (Como já referi o professor tem um papel preponderante pois é ele que
desmonta o currículo oficial e realiza as necessárias adaptações para que chegue aos alunos de forma
compreensível. Neste sentido, possivelmente o professor não define um currículo pois não é ele que
define as aprendizagens, mas deve sim adaptar essas aprendizagens ou até moldá-las de forma que se
contextualizem à turma com que trabalha). Por outro lado, o professor parece valorizar a
importância do conhecimento pedagógico para a construção de aprendizagens significativas
(Para mim tem sido um instrumento valioso porque também registo assuntos que me parecem
pertinentes discutir. É neste sentido que o papel do professor se revela de crucial importância, enquanto
detentor de um conhecimento pedagógico e cientifico, que permite orientar no bom caminho os destinos
da turma.). As dúvidas do professor parecem distanciar-se do que é prescrito nos programas
oficiais, e tendem a aproximar-se das necessidades e dos interesses dos alunos, no sentido de
lhes atribuir um papel mais ativo sobre o currículo contribuindo desta forma para um ensino
com mais sentido e também mais contextualizado.

133
O professor parece reconhecer como é importante adequar as estratégias de ensino e de
aprendizagem às caraterísticas da turma (Sempre defendi uma escola que trabalhasse no
sentido das necessidades dos alunos e, para se trabalhar neste sentido, é necessário ouvir os
alunos. Há vinte anos que leciono e nunca tive duas turmas nas quais desenvolvesse o mesmo
trabalho pedagógico. O desenvolvimento das atividades nasce, muitas vezes, de propostas e
necessidades dos alunos.).

Parece verificar-se como o professor se empenha na atribuição de responsabilidades das


aprendizagem aos alunos, em que o professor se constitui como um elemento orientador. O
professor tenta integrar o uso das TIC na sua dimensão pedagógica, enquanto instrumento
não só potenciador de aprendizagens, mas também organizador e estruturador das mesmas.
Parece referir, com alguma preocupação, a falta de literacia digital dos alunos, mais
concretamente no que concerne à segurança online, onde os seus alunos revelam hábitos
regulares de utilização autónoma de algumas redes sociais.

O professor parece investir parte do seu tempo a atualizar os seus conhecimentos, alguns
deles orientados, segundo nos parece, para as questões do currículo (Deparo-me, a certa altura,
com uma referência à forma em como o professor concretiza aquilo que está previsto nos programas e
metas curriculares. Zabalza compara duas formas de ser professor à luz do que é a interpretação dos
programas, em que de um lado temos o professor que se limita a concretizar essas orientações sendo
simplesmente um consumidor de um sem fim materiais já elaborados como fichas, manuais, cd’s, Apps,
etc. e do outro temos o professor que atua enquanto profissional responsável e preocupado em adaptar
essas orientações de forma oferecer um contributo para o desenvolvimento global do aluno, adaptando
todos os materiais existentes e construindo novos matérias de forma a que haja uma adaptação mais
significativa ao contexto escolar no qual se encontra a lecionar.). Pelas descrições, parece-nos como
o professor procura compreender um pouco melhor o seu papel como agente educativo (Nesta
linha, arriscaria a acrescentar um terceiro perfil de professor, aquele que faz um misto dos dois, em que
a sua principal preocupação é seguir o programa oficial mas que aos poucos se apercebe que existe uma
realidade que acompanha os seus alunos e à qual, tanto o professor como a escola não estão a conseguir
acompanhar. Assim, este professor introduz, pontualmente, novas abordagens pedagógicas e didáticas.).

Um dos temas sobre os quais o professor parece refletir em diversos momentos, relaciona-
se com a dimensão social da escola, das relações que se estabelecem entre os diversos atores e
a implicação que estes fatores poderão ter nas aprendizagens dos alunos (“Ou seja, na definição
de objetivos comuns a uma comunidade educativa (…) vim a pensar o quanto é importante o trabalho
de equipa.”). Outras descrições do professor em torno das relações sociais dos alunos parece
relacionar-se com a implementação de comunidades de aprendizagem no sentido da partilha

134
de experiências (Já partilhei com os professores exemplos de sucesso sobre alunos que apresentavam
comportamentos e atitudes bastante complicados e as estratégias que utilizei para alcançar os objetivos
comportamentais desejados nesses alunos.). O professor destaca alguns momentos de partilha de
experiências, em que os reconhece como importantes, tal como acontece nas relações que
estabelecem entre os alunos (Tal como numa turma só é possível modificar alguns comportamentos
quando se trabalha em equipa, numa comunidade de professores, que integram uma escola, também se
passa o mesmo.).

São referidos alguns exemplos sobre o papel do professor no desenvolvimento das


competências de autonomia, onde as mesmas parecem conduzir a uma maior
responsabilização dos alunos pelas suas aprendizagens (Ora o que se passou foi exatamente isso:
pela ausência da professora e também pela falta de orientação do trabalho, quase todos entraram numa
parte da aplicação que lhe permitia jogar em rede com os restantes colegas da turma.).

Relativamente às competências sobre a literacia digital, mais especificamente dos alunos,


o professor parece reconhecer o seu papel no sentido de garantir que as TIC são utilizadas de
forma responsável, no sentido de antever e evitar situações em que os alunos possam utilizar
as potencialidades dos recursos digitais de forma menos adequada (No final, depois de falar com
alguns dos meus colegas, percebi que os alunos tiraram as fotografias numa aula de Apoio ao Estudo,
numa daquelas situações em que “…já terminaste o trabalho pode ir buscar um iPad…”. Ainda assim
não justifica os alunos a atitude dos alunos). Para além dos alunos, os professor parece reconhecer
como a responsabilidade do uso indevido dos recursos tecnológicos também poderá recair
sobre os restantes professores, onde uma planificação mais cuidada, ou até a antecipação de
possíveis constrangimentos e problemas, poderia evitar situações desagradáveis (Os
professores têm uma responsabilidade acrescida nestes casos, quer pelo seu acontecimento quer pela sua
intervenção na resolução.).

O professor parece reconhecer a importância da cooperação entre os docentes e os alunos


na construção cooperativa do processo de ensino e de aprendizagem. (É importante que todos
participem na elaboração das regras e neste caso o professor desempenha um papel muito importante
devendo, sempre que possível, apelar à participação ativa de todos os alunos.). O professor parece
desempenhar um papel fundamental na construção de um ambiente de cooperação entre os
alunos. Procura valorizar a participação dos alunos nas discussões e decisões respeitantes à
vida do grupo (Por isso, o trabalho em equipa é condição fundamental para que se contrua um
currículo que seja passível de concretizar. Sem a compreensão e cooperação de todos torna-se muito
difícil desenvolver um trabalho escolar válido.).

135
O professor tece algumas reflexões onde valoriza da profissão docente, em especial sobre
aqueles que trabalham em escolas inseridas em contextos sociais mais desfavorecidos e
desafiantes do ponto de vista pedagógico (O suor derramado por professores que se recusam a
baixar os braços perante alunos que se encontram em contextos sociais delicados, o empenho diário em
desenvolver estratégias pedagógicas que promovam, acima de tudo, a valorização e integração social dos
jovens, as horas perdidas (ou ganhas...) a intervir junto das famílias, todos os pequenos sucessos
conseguidos à custa de quem acredita numa causa e se recusa simplesmente a seguir o clássico modelo
do, "vais para rua", " ...conheço um bom explicador" ou formar as clássicas turmas de nível, hoje com
nomes pomposos de "Projeto qualquer coisa" (as tais que depois não contabilizam para os exames), por
todos esses professores deveríamos todos ter mais respeito e consideração.).

O professor reflete como, independentemente de todos os desafios que se colocam à


educação, é importante manter entre os professores um espírito de união e de trabalho em
equipa (Consigo ver uma luz ao fundo do túnel, ténue, mas consigo. Uma luz que anuncia novamente
uma mudança para melhor. Mas esta mudança só poderá ser alcançada com o trabalho de todos em
cooperação. Devemos ter orgulho, não de estarmos num pódio, mas sim, do sucesso por mais micro que
seja, que alguém consegue alcançar graças ao nosso empenho e dedicação. Este é o sentido de ser
professor.).

O professor valoriza o seu papel como elemento central na construção e concretização de


estratégias de ensino e de aprendizagem. Verificámos ênfase no tema curricular, onde o
professor se assume como veículo transmissor entre as orientações curriculares promovidas
pelo Ministério da Educação e os seus alunos. O professor parece reconhecer, da sua visão e
experiência, a mudança progressiva das práticas pedagógicas para uma visão mais ativa das
mesmas, começando a atribuir maior destaque ao papel do aluno na construção do processo
de ensino e de aprendizagem.

O professor destaca algumas reflexões sobre o papel da família dos alunos. O professor
parece reconhecer como a estabilidade familiar e um fator que poderá influenciar as
aprendizagens dos alunos (Ao ler o Perfil do Aluno, em especial no que toca aos valores, vem-me à
memória aquelas situações de alunos mais instáveis que quando vamos ao cerne para tentar perceber o
porquê de certos comportamentos e atitudes, ficamos a saber que o motivo de tanta instabilidade vem do
contexto familiar (…) É relativamente fácil para mim, ao fim de vários anos de ensino, perceber que
crianças têm um contexto familiar mais conturbado e quais são aquelas que têm um contexto familiar
saudável. As áreas de competência podem ser trabalhadas no dia a dia escolar com os alunos, mas os
valores representam um desafio acrescido pois entram no campo do desenvolvimento sociomoral da
criança, pois este não se adquire na escola, mas sim no seio familiar.). O professor refere como o

136
trabalho com a turma no sentido do desenvolvimento das competências sociomorais deverá
ser complementado como apoio das famílias dos alunos (Na escola podemos, e devemos, trabalhar
os valores previstos no perfil do aluno mas torna-se um trabalho árduo, e falo por experiência, quando
não existe o apoio da família, onde os alunos tendem a replicar na escola os comportamentos e atitudes
que realizam em casa. É verdade que a escola é uma realidade diferente do contexto familiar mas, por
outro lado, é importante que a familiar trabalhe em colaboração com a escola. Só assim se consegue
contornar e promover um desenvolvimento mais saudável dos alunos, mesmo em casos familiares mais
delicados.).

Em síntese, o professor destaca a importância do papel do docente na comunicação e


colaboração que, ao partilhar experiências, estratégias e recursos, podem conduzir ao
fortalecimento da prática pedagógica e enfrentar de forma mais eficiente os desafios que
surgem no dia a dia escolar. Na perspetiva do professor, o envolvimento ativo dos alunos na
planificação das atividades letivas promove o desenvolvimento de competências sociais e
fomenta a o desenvolvimento da autonomia e a da autorregulação das aprendizagens. O
professor preocupa-se em criar momentos de discussão coletiva e tenta adaptar a estrutura
das atividades de acordo com os interesses e as necessidades dos alunos. Neste sentido, o
papel do aluno é considerado pelo professor como crucial na construção das aprendizagens e
na responsabilização dos mesmos pelo seu progresso. Os alunos são incentivados a participar
nas atividades de planificação contribuindo com os seus pontos de vista e interesses. Do ponto
de vista do professor, este forma de trabalho contribui para o desenvolvimento das
competências sociais dos alunos e para o papel preponderante que desempenham nas
dinâmicas da turma.

4.2.5 Síntese sobre o processo de planificação

Em síntese, gostaríamos de ter observado, de forma mais concreta e detalhada, decisões


ao nível prático do processo de planificação em articulação com os princípios do MEM, sobre
a utilização de ferramentas digitais, com que objetivos educativos, para que aprendizagens,
em que momentos e com que intervenientes. Destacamos na narrativa do professor um
discurso que valoriza o papel do aluno no processo de planificação, evitando delegar essa
responsabilidade apenas para o professor.

Verifica-se o reconhecimento do papel das TIC no processo de planificação de atividades


de ensino e de aprendizagem, centradas em reflexões desenvolvidas pelo professor sobre os
desafios pedagógicos e pouco sobre os desafios didáticos. Desta forma, encontramos no

137
discurso do professor uma preocupação que parece centrar-se, essencialmente, na
implementação e apropriação do modelo do MEM por parte dos alunos, delegando para
segundo plano a aquisição de competências relacionadas com o uso das tecnologias digitais.

Nas descrições do professor, destaca-se o primeiro contacto com a escola onde leciona
como um espaço educativo bem apetrechado tecnologicamente. Refere como os docentes da
escola tiravam partido dos recursos disponíveis revelando bastantes competências na área das
TIC, com o professor a reconhecer esse facto como algo inédito no contexto educativo da
altura. Nesta linha, o professor também parece reconhecer que, para que seja possível o
desenvolvimento de uma planificação, e posterior concretização de atividades que envolvam
as TIC, é necessário que as escolas estejam apetrechadas dos recursos tecnológicos adequados.
Podemos verificar o empenho do professor durante o processo de planificação em adequar as
tecnologias digitais disponíveis na escola onde leciona na tentativa de criar uma experiência
educativa com mais sentido para os alunos, alinhadas com os princípios do MEM. Pelas
reflexões que o professor realiza em torno da planificação das atividades letivas com a
articulação das TIC e do MEM, questiona-se, por algumas vezes, até que ponto será pertinente
integrar as TIC no processo de ensino de aprendizagem em que sentido as mesmas poderão
contribuir para facilitar o processo educativo. Quando se refere especificamente às TIC o
professor centra a sua preocupação na literacia digital dos alunos, principalmente na
segurança online. Para isso, refere a importância de capacitar os alunos de competências que
lhes permitam pesquisar informação de forma segura e resolver de forma autónoma
problemas associados a falhas de ligação à rede ou até de funcionamento de software.

O professor valoriza a formação contínua e a consequente aquisição e atualização de novos


conhecimentos, que considera como fundamentais para o exercício da profissão docente. O
professor faz referência a alguns exemplos do seu empenho em frequentar ações de formação,
ao longo dos anos, com o objetivo de se manter atualizado sobre a evolução das tecnologias
digitais e da sua implementação na escola. Destaca-se, também, tal como referido pelo
professor, o interesse e o investimento da escola onde leciona, na realização de ações de
formação contínua no domínio das TIC. Encontramos, ainda, algumas descrições do professor
sobre uma ação de formação realizada com outros professores do MEM em que descreve o
trabalho pedagógico suportado pelas TIC realizado por esses docentes e como conseguem
canalizar de forma criativa os poucos recursos tecnológicos no processo de ensino de
aprendizagem.

138
O professor reconhece que nem todas as tomadas de decisão em torno da planificação de
atividades tiveram os resultados esperados. Neste sentido, o professor refere a importância
do trabalho em parecerias, pois considera que um olhar externo e crítico ao processo acaba
por ser uma mais-valia pois contribui para a uma melhor compreensão dessas decisões e para
futuras melhorias.

Em síntese, embora com poucas descrições detalhadas sobre o processo de planificação,


verificámos da parte do professor a motivação para uso das tecnologias digitais, no sentido
da sua implementação, de forma refletida, no processo de ensino e de aprendizagem, centrada
em dois aspetos principais: a literacia digital dos alunos e dos professores, e a pertinência da
articulação das TIC com os diferentes módulos que compõem o MEM. Verifica-se, no entanto,
que embora o professor valorize o trabalho pedagógico com inclusão das TIC atribui
prioridade à implementação do modelo do MEM no processo de ensino e de aprendizagem,
colocando as TIC num papel secundário.

4.3 Sobre o processo de concretização

No quadro seguinte, podemos observar de forma mais detalhada a frequência relativa


às unidades de registo registadas no diário de bordo. Organizadas no quadro de forma
descendente a categoria Estratégias é a que emerge com maior destaque relativamente às
restantes.

Quadro 10 - Resultados sobre o processo de concretização visando o uso da TIC

Resultante da análise e reflexão sobre cada uma das categorias na dimensão sobre o
processo de concretização, foi possível encontrar novos temas que enquadrámos em
subcategorias emergentes que permitiram estruturar e compreender com maior profundidade
as unidades de registo categorizadas.

139
Pelas descrições e reflexões do professor, verificamos que a concretização das atividades
letivas é um momento no qual o professor investe muito das suas energias, sendo as mesmas
direcionadas, não apenas na garantia das aprendizagens dos alunos, mas também no
desenvolvimento de competências afetivas.

4.3.1 Ensino e aprendizagem

O professor reflete, com alguma frequência, sobre o modelo pedagógico do MEM, assim
como, os respetivos instrumentos que fazem parte da filosofia desse modelo (Antes de iniciar
uma nova turma no 3º ano, sou eu que desmonto todo o Programa e Metas e as reescrevo com uma
linguagem adequada aos alunos. Estas são afixadas na sala, em jeito de lista de verificação. É a partir
dessa lista que se elaboram as listas de verificação mensal, com a colaboração da turma.). A dimensão
construtivista do modelo pedagógico que implementa, sobressai em diversos relatos descritos
pelo professor (Estas pequenas alterações e discussões com a turma têm surtido efeito, por menores
que sejam, mas surtem efeito). A voz dos alunos na tomada de decisões relativamente ao dia a
dia do grupo é destacada por diversas vezes, em especial, num momento que o professor
designa como Conselho de Turma. Pelo realce com o que é referido, parece-nos um importante
momento de debate de assuntos sobre as dinâmicas sociais dos alunos (Durante os Conselhos
são trazidos à discussão alguns conflitos que surgiram ao longo da semana e que merecem ser discutidos
e refletidos sob o contributo de todos os elementos da turma).

Encontramos descrições que nos parecem indicar como o professor envolve os alunos no
processo de planificação. (Em anos anteriores têm sido os alunos, organizados em grupos de
trabalho, a desenvolver a planificação trimestral e, posteriormente, a mensal.). Encontramos
diversas descrições do professor sobre a forma em como organiza a turma, com especial
predominância para o trabalho a pares (Em pares e num sistema de rotatividade vão
escrevendo aquilo que de mais relevante fizeram durante o dia com base nas
responsabilidades diárias dos alunos.). Quer parecer-nos que o professor revela uma certa
preocupação em manter ativa a interação entre os alunos.

No que concerne à tomada de decisões relativas à participação da turma, parece observar-


se como o professor tem o cuidado de, em momento próprio, dar voz à opinião dos alunos
pois. Esta construção assente numa perspetiva de experiência democrática parece ser
promovida de várias formas, desde as discussões coletivas onde cada um tem a possibilidade
de expressar as suas opiniões até à vertente avaliativa onde cada um tem a possibilidade de
refletir não só sobre as suas aprendizagens, mas também sobre o trabalho desenvolvido pelos

140
pares (Penso que este espírito de cooperação dentro do grupo não é algo que surge de forma espontânea,
mas sim das discussões coletivas das reuniões de conselho que têm conduzido ao desenvolvimento
progressivo das competências sociomorais dos alunos.).

Dentro das dinâmicas implementas pelo professor parece-nos importante destacar um


aspeto que diz respeito à interação professor-aluno. O professor não parece considerar-se um
elemento externo ao grupo, distanciado do mesmo, estabelecendo parecerias rotativas de
interação. (“Em sala de aula, os alunos trabalham em parecerias ou entre pares ou em interação do
professor com os alunos.”).

Outra atividade referida pelo professor diz respeito ao trabalho de aprendizagem assente
em projetos de aprendizagem (O trabalho de aprendizagem em projetos cooperativos, quer
sejam de produção, de investigação ou de intervenção, pode ser considerado, por excelência,
uma estratégia educativa que visa não só o desenvolvimento e aquisição de aprendizagens
mas também de princípios e valores comuns). Estes projetos, segundo o professor,
representam uma estratégia importante enquanto catalisador de aprendizagens onde, mais
uma vez, parece observar-se pelos comentários do professor numa linha educativa assente em
princípios construtivistas (As aprendizagens decorrem da envolvência dos alunos no
processo de aprendizagem. Partindo dos saberes que emergem das suas vivências, é possível
concretizar uma forma de trabalho que se distancie do paradigma da instrução. Assim, vai
emergindo o currículo a partir da responsabilidade atribuída aos alunos na própria gestão
cooperada, reflexiva e crítica das produções realizadas).

Mais uma vez, parece-nos importante referir como o professor destaca o desafio que a sua
turma representa, no que concerne às dinâmicas sociais, quando pretende dinamizar
atividades que conduzam não apenas a aprendizagens, mas que contribuam também para a
aquisição de competências de autonomia (Com os grupos que tive em anos anteriores a sequência
de aprendizagem e de aquisição de competências sociais e de autonomia, seguiu sempre um caminho
mais ou menos linear. Com esta turma não foi bem assim. Por mais que alterasse e adequasse estratégias,
a dependência dos alunos face às orientações dos professores sempre foi muito grande.).

No processo de concretização, emergem de forma mais explicita, referências aos


instrumentos de pilotagem enquanto materiais de apoio ao desenvolvimento da prática letiva,
nos quais o professor parece reconhecer a sua importância e a constante adaptação às
caraterísticas do grupo que leciona. Os instrumentos de pilotagem parecem permitir, de uma
forma refletida juntamente com a turma, a monitorização do progresso da autonomia e das
aprendizagens do grupo (O meu foco tem sido essencialmente nos instrumentos de pilotagem por ser

141
aqueles que mais confusão costumam gerar, porque chega-se a um ponto que começam a ser bastantes
os instrumentos aos quais os alunos devem recorrer.). O professor revela alguma preocupação
sobre a apropriação desses materiais parte dos alunos, pois são eles que parecem garantir,
numa fase posterior, a monitorização e a progressiva autonomia na aquisição das
aprendizagens (O documento norteador e orientador das aprendizagens é a Lista de Verificação.
Assume este nome porque permite ao alunos e ao professor fazer a verificação dos conteúdos a aprender,
assim como, a sua posição em relação às aprendizagens previstas nas Metas.). Neste sentido, parece
destacar-se o investimento do professor na reconstrução e adaptação de instrumentos de
pilotagem à turma com o objetivo de garantir a adequada apropriação e consequente
utilização por parte dos alunos (Tenho por sistema, no primeiro dia de aulas, facilitar aos alunos,
entre outros documentos orientadores, a matriz curricular do 1.º ciclo, reescrita por mim com uma
linguagem mais percetível para os alunos. Desta forma podem ver o que é esperado em termos de
organização da semana de trabalho no 1.º ciclo.). As estratégias pedagógicas parecem assumir, a
certa altura, um misto entre estratégia e dilema pois, embora o professor procure garantir a
apreensão do modelo pedagógico com vista à autonomia das aprendizagens, as dúvidas
também surgem relativamente às estratégias a que recorre para garantir os objetivos referidos
(Mas este é um caminho perigoso, sobre o qual será importante refletir. Perigoso porque, se definir e
orientar em demasia estarei a cair para uma pedagogia demasiado tradicional caindo no ensino
magistral. É exatamente o caminho oposto que devo seguir.).

Parece-nos que o ato de dar voz aos alunos não representa uma tarefa fácil, assim como a
condução de discussões sobre os temas que dizem respeito às dinâmicas do grupo, levando a
que o professor se interrogue sobre a pertinência desses momentos de discussão coletiva
(Foram muitas horas a realizar discussões em grupo, a repensar a Agenda Semanal, a conduzir
discussões que levassem o grupo a pensar sobre as suas dinâmicas, a encontrar soluções coletivas para
os conflitos que vão surgindo… Terão sido horas perdidas?). Neste sentido, é interessante observar
a mudança de estratégias direcionadas para o paradigma da instrução pois, tal como o
professor refere, é o modelo com o qual os alunos melhor se identificam e, por isso, talvez seja
aquele que melhor permita garantir a aquisição das competências e aprendizagens essenciais
à turma (“O que planifiquei fazer, sem querer quebrar de forma radical as competências que já tinham
adquirido ao longo deste ano, foi elaborar um plano semanal com atividades direcionadas”).

Os desafios apresentados pelo grupo que o professor lecionou pareceram conduzir a que
a planificação e, em especial, a concretização das aulas fossem realizadas de forma cuidada
pois, tal como o professor refere, visto ser uma turma que vinha habituada a um ensino mais
diretivo parece observa-se da parte do professor a necessidade de dar continuidade a essa

142
forma de trabalho. Parece verifica-se, no entanto, que a transição para o modelo do MEM foi
realizada de forma bastante ponderada, implementando de forma gradual diferentes
estratégias que garantissem uma apropriação consolidada das rotinas do modelo do MEM
(Procurei simplificar o trabalho dos alunos e de possíveis ruídos que não fossem direcionados para as
aprendizagens.). Parece verificar-se as adequações pedagógicas, realizadas com alguma
frequência, para garantir que a pratica letiva decorra sem grandes percalços e que, acima de
tudo, o grupo vá realizando as devidas aprendizagens (Levou tempo mas parece que ao fim de um
longo processo de avanços e retrocessos, no que toca a método de trabalho diário, conseguimos encontrar
uma forma que permita o envolvimento da turma nas aprendizagens. As diferentes caraterísticas e
ritmos de aprendizagem tornaram, e tornam, a tarefa de planificação das atividades um desafio no qual,
juntamente com a turma, procurei refletir com bastante frequência.).

Em síntese, a concretização de um trabalho pedagógico assente numa perspetiva de


cooperação parece tomar sentido com a envolvência do professor e dos alunos na construção
social das aprendizagens. A concretização deste objetivo parece tomar forma num conjunto
de estruturas organizativas do espaço onde ocorrem as aprendizagens. É nesse espaço que se
promove a participação democrática dos alunos. Como se organizam os elementos é um
aspeto importante que parecer contribuir para as dinâmicas referidas. Esta construção
democrática é promovida de várias formas, desde as discussões coletivas onde cada um tem
o direito de se expressar até à vertente avaliativa onde cada um tem a possibilidade de refletir
não só sobre as suas aprendizagens, mas também sobre o trabalho desenvolvido pelos seus
pares. Podemos assumir que, todo este trabalho organizativo, com destaque na forma em
como se organiza o grupo, visa o desenvolvimento de um espírito de cooperação que poderá
conduzir a aprendizagens mais significativas.

4.3.2 As TIC na prática

O professor destaca como a capacidade de transferência das aprendizagens realizadas


pelos alunos para novos contextos é um aspeto importante do processo de ensino e de
aprendizagem. O professor destaca este facto relacionado com o trabalho que desenvolve com
os seus alunos com recurso às TIC (Outro aspeto interessante que verifiquei esta semana é que
alguns alunos, após o trabalho de escrita realizado na segunda-feira onde aprenderam a realizar ligações
internas entre diferentes slides, transferiram essa aprendizagem para os projetos de Estudo do Meio,
desenvolvendo questionários durante a apresentação, nos quais o slide que tem a pergunta faz ligação
com outros dois indicando se a resposta está correta ou errada.).

143
O professor relata algumas atividades que realiza com os seus alunos, embora com pouco
detalhe. Uma dessas atividades diz respeito à construção a manutenção de um website (Desde
o início do ano que mantemos um site, elaborado por mim e mantido pelos alunos.). Não fica claro o
objetivo da construção do referido website.

Grande parte das referências do professor sobre os uso educativo das TIC relacionam-se,
essencialmente, com adequações estratégicas no que se refere a instrumentos de trabalho
adaptados às necessidade e caraterísticas do grupo, conduzindo, por vezes, a avanços e
retrocessos (…levei tempo a perceber que este grupo ainda não estava preparado para mergulhar numa
forma de trabalho mais autónoma e gerida pelos próprios alunos, mesmo com recurso às TIC. Mesmo
em relação às TIC, a dependência dos alunos fez com que a sua integração não acontecesse de forma tão
fluida como esperado. Estamos no caminho certo.). Destaca-se a iniciativa do professor ao tentar
digitalizar instrumentos de trabalho de uso rotineiro, como livros ou manuais no sentido de
trazer. Quer parecer-nos que com esta iniciativa o professor pretende tirar partido da
interatividade que as TIC permitem (“…que consistiu na realização de um livro em comemoração
dos 80 anos da seção portuguesa. Este livro, destinado aos alunos, pretende ser uma viagem interativa
ao longo da história do colégio. Desta forma, pareceu-me interessante a ideia de desenvolver com os
alunos uma atualização do livro evoluindo para um formato digital, sem perder o conteúdo já
desenvolvido.”).

Ainda que algo superficial, surgem referências no recurso às TIC para o desenvolvimento
do plano de trabalho semanal, o qual parece ser construído recorrendo a algumas ferramentas
digitais (Este plano é realizado recorrendo às Google Apps, o qual é desenvolvido no Sheets, e
posteriormente colocado à disposição dos alunos no Classroom.). Quer parecer-nos, tal como
registado anteriormente pelo professor, que existe a tentativa de digitalização de alguns
instrumentos que suportam o modelo do MEM.

Das estratégias de ensino e de aprendizagem, encontramos referência à aprendizagem


realizada por projetos cooperativos, com o professor a detalhar um pouco como os mesmos
são organizados e com que objetivos (“Dentro de um tema comum, cada um dos alunos realiza o
seu projeto. Poderá parecer pouco pedagógico até em termos de rentabilização de tempo mas para este
grupo é importante que cada um apresente o trabalho que desenvolveu, pois desta forma é possível
sistematizar com mais profundidade os conteúdos que têm de aprender. Em anos anteriores não foi
necessário recorrer uma estratégia deste género. Cada par de trabalho realizava um tema do programa
à escolha que depois preparava e apresentava à turma.”).

144
Destacam-se referências sobre o apoio do colégio prestado ao professores no sentido de
incentivar ao uso educativo das TIC (O colégio, recentemente, desenvolveu um plano de
desenvolvimento tecnológico, dando prioridade à atividade docente. Tem havido um forte
incentivo para que os professores utilizem as TIC em prol da aprendizagem. Foram realizadas
várias ações de formação entre as quais duas Google Summit.).

O professor parece revelar algum cuidado quando pretende implementar uma nova
ferramenta digital (Porque era a primeira vez que iriamos tentar uma versão digital desta
forma de texto, achei por bem fazer a sua construção, passo por passo com os alunos.). No
entanto, são vários os constrangimentos que parece encontrar pelo caminho. Um deles, tal
como relatado com alguma frequência pelo professor, diz respeito ao relacionamento entre os
alunos da turma que leciona conduzindo a que, com alguma frequência, tenha de adaptar e
as estratégias de forma a garantir que as atividades letivas decorrem da melhor forma possível
e que os alunos adquiram as aprendizagens esperadas. Assim, verificamos o cuidado que o
professor tem relativamente à utilização e construção de instrumentos, pois a sua prioridade,
num primeiro momento é a de levar os seus alunos a compreender o funcionamento do
modelo do MEM (…depois de realizada a planificação, imprimo a mesma e afixo numa
parede. Desta forma está rapidamente acessível a qualquer aluno. Também o podem fazer
através dos iPads, mas levaria mais tempo, por dois motivos em especial: embora os alunos
nesta fase já consigam fazer log in de forma autónoma ainda leva um certo tempo entre abrir
as apps e aceder às mesmas. É mais cómodo para os alunos levantarem-se e dirigirem-se ao
painel para consultar a Agenda.).

Gradualmente, o professor parece integra as ferramentas TIC adotadas pela instituição


onde leciona. No que toca aos recursos digitais, o seu foco é dotar os alunos da fluência
necessária tanto na utilização do tablet, mais concretamente na utilização dos iPads, e das apps
que no futuro lhes serão úteis no apoio às suas aprendizagens. Será importante referir que a
sua escola adotou a ferramenta Google Apps for Education, enquanto ecossistema digital, sendo
aquelas que mais utiliza no seu dia a dia (Todos estes registos foram feitos no Excel, os quais, neste
momento, importei para o Google Sheets.). Verifica-se, relativamente às TIC, o gosto que os alunos
nutrem pelo desenvolvimento de uma forma de trabalho que incorpora as tecnologias digitais
como ferramenta para a realização de aprendizagens. Podemos verificar que existe uma certa
complexidade na elaboração destes materiais, o que conduz, tal como o professor refere, a um
certo cuidado na sua construção, ainda mais, quando se trata da sua implementação com base
nas TIC. Alguns destes materiais, como o diário da turma, o qual toma corpo nas reuniões de

145
conselho, permitem o desenvolvimento de um espaço no qual os alunos têm a oportunidade
de se expressar livremente (O Diário da turma é aquele instrumento por definição que melhor
permite trazer à mesa alguns dos assuntos mais relevantes que os alunos acham importante ver
discutidos e resolvidos.).

Em certo momento, o professor estabelece uma comparação entre a escola particular onde
trabalha e as escolas públicas, destacando os recursos, quer materiais quer TIC, de apoio ao
processo de ensino e de aprendizagem (…um dos aspetos que me deixou boquiaberto quando entrei
para este colégio foi verificar que para cada conteúdo do National Currículum, existe um sem fim de
recursos, quer materiais, quer informáticos, que permitem dar suporte às aprendizagens dos alunos.
Existe todo um mercado gigantesco mercado de oferta didática, que não é exclusivo inglês, pois existem
outros países, como França ou Suíça, que desenvolvem recursos educativos para o sistema inglês.).
Nesta linha, queremos destacar a referência face a um material, talvez aquele que é mais
privilegiado no nosso sistema de ensino, que são os manuais escolares. O uso do manual
escolar adquiriu um lugar de destaque no ensino português, levando a que os professores
limitassem as suas práticas pedagógicas e didáticas à utilização do manual. Esta prática, levou
a um forte empobrecimento do processo de ensino e de aprendizagem conduzindo a
resultados muito teóricos e muito pouco práticos (Este foi outro aspeto que me chamou a atenção,
a secção inglesa não utiliza manuais escolares e no secundário os manuais são pertença da escola, os
professores reutilizam os manuais, sendo os alunos responsáveis pela sua boa manutenção ao longo do
ano.).

Encontramos diversas referências a momentos e instrumentos específicos da sintaxe do


MEM. Destacamos o cuidado do professor na construção, adaptação e integração, de forma
progressiva e consistente, do modelo do MEM aos recursos digitais disponíveis no sentido de
garantir a sua apropriação consolidada por parte dos alunos (Numa das reuniões de Conselho
iniciais, onde discutimos a importância da Agenda Semanal, foi interessante ouvir o comentário de um
aluno ao referir: “…é um papel importante porque assim sambemos o que temos de fazer, imaginem que
o professor ou a Mrs. Santos estão doentes e faltam à escola, assim nós sabemos o que temos de fazer…”.
Penso que este aluno focou um dos pontos chave relativo àquilo que pretendo ao elaborar a Agenda
Semanal.). A construção, ou reconstrução dos instrumentos de pilotagem parecem representar
uma atividade importante da prática letiva (Durante a interrupção letiva do Natal aproveitei para
reformular alguns dos registos, nomeadamente a lista de verificação.). Pelos registos do professor,
quer parecer-nos que estes instrumentos de suporte se revelam uma ferramenta de trabalho
importante para o professor e para os alunos, em que os adapta de acordo com as necessidades
pedagógicas da turma. Por outro lado, o professor parece questionar a pertinência da

146
conversão de certos instrumentos para um formato digital, referindo, neste caso, a
importância do mesmo se encontrar visível para o grupo (Estou a pensar, por exemplo, no registo
de presenças pois é importante que esteja sempre visível para toda a turma, a qualquer momento poderá
ser necessário a sua consulta. No entanto, não invalida que se possa em simultâneo fazer um registo
digital do mesmo.).

Outro registo mencionado pelo professor é a Agenda Semanal, entendida como o horário
da turma, a qual contempla os diferentes momentos de trabalho pedagógico suportado pelo
MEM (Esta Agenda Semanal contempla os diferentes momentos de trabalho que fazem parte da sintaxe
do MEM, como o Tempo de Escrita Livre, o Tempo de Revisão de Texto, o Tempo de Apresentação de
Produções, o Tempo de Projeto, os Tempo de Trabalho Coletivo e o Conselho de Cooperação Educativa.).

Outro material que o professor destaca é o Diário da Turma, pois é um instrumento que
permite registar e dar visibilidade aos assuntos que a turma pretende discutir, posteriormente,
nos Conselhos de Turma. O Diário da Turma parece constituir-se como um instrumento
importante de regulação das competências sócios-morais da turma (Por vezes os alunos escrevem
sobre isso no Diário da turma para ser discutido no Conselho.).

O professor destaca o contacto que os alunos têm com as ferramentas digitais, e a sua
utilização ubíqua. (Um aspeto curioso é que praticamente todas estas crianças têm o seu
telemóvel pessoal e fazem uma utilização relativamente livre do equipamento.). Nesta linha,
destacamos outra referência efetuada pelo professor sobre o uso das redes sociais por parte
dos seus alunos. (A aplicação mais popular entre ele chama-se Musica.ly. Esta aplicação
permite a gravação, edição e partilha de vídeos. É semelhante ao Instagram mas concebida
para vídeo. Já na anterior turma que acompanhei esta aplicação era um sucesso, em especial
entre as raparigas.).

Relativamente ao tema da literacia digital, o professor descreve uma situação na qual um


grupo de alunos do 2.º ciclo utilizou os dispositivos móveis de uma forma pouco adequada
(…deparo-me com um conjunto de imagem, muitas delas bastante obscenas, outras nem por isso, que
estavam guardadas na galeria do equipamento. Entre a panóplia de imagens encontravam-se muitas
selfies e imagens editadas com alguns escritos (…) ao fim de passar revista a todos os equipamentos e
observar as fotos uma por uma verifico que há um nome que aparece com bastante frequência
enquadrado em imagens menos próprias, num intuito claro de gozo.). A situação descrita parece ir
ao encontro de uma das sus preocupações relativamente ao uso menos adequado que os
alunos poderiam fazer das ferramentas digitais.

147
Relativamente à implementação das TIC, o professor tecer uma crítica ao projeto Minerva,
mais concretamente em relação ao computador Magalhães, que embora considere um projeto
com potencial educativo, no sentido de dar a possibilidade a todas as crianças de ter o seu PC,
foi um projeto que nunca foi implementado de forma sólida (O Projeto do Magalhães foi
certamente um bom negócio para uma série de entidades, mais uma vez, Às custas da educação, mas a
verdade é que este projeto de a possibilidade a todas a crianças de terem o seu próprio portátil por um
preço bastante reduzido.). O professor refere o empenho, e dificuldades sentidas, junto da sua
escola para implementação do computador Magalhães como ferramenta de trabalho
pedagógico. (Mas a maior dor de cabeça foi a sua utilização em contexto escolar. Perdi conta às
reuniões que tive com o departamento de informática para dar a possibilidade aos Magalhães de uma
turma de interagirem entre si e no final sem sucesso.). Pelas palavras descritas pelo professor,
verificamos que, ao fim de um certo tempo, acabou por desistir da sua implementação, face
aos desafios encontrados. (Pena foi que aos poucos e poucos foi caindo no esquecimento e nunca se
chegou a rentabilizar o potencial educativo que dai se poderia retirar.). O professor acrescenta ainda
o papel dos seus colegas de trabalho pois, segundo refere, parece que não se sentiram
motivados para dar início ao uso do Magalhães (Verdade seja dita que a adesão dos meus colegas
não foi a esperada.).

O professor parece assumir as suas limitações na tentativa de implementação das TIC,


pois considera as tecnologias digitais uma área em constante evolução que obriga a uma
atualização regular dos conhecimentos (Há dois anos tive um gap de recursos pois decidi aventurar-
me nos Chromebooks. Efetuei o pedido mas por azar não havia, e ainda não há, Chromebooks com teclado
português. Mea culpa pois devia ter feito o trabalho de casa e ter-me informado melhor sobre este
equipamento, mas verdade seja dita nunca me passou pela cabeça que a Google não fabricasse estes
portáteis com o teclado adaptado à língua portuguesa.). A falta de conhecimentos na área das TIC
parece ter implicações, como o professor destaca, na implementação dos recursos digitais (Foi
um ano de interregno pois estive à espera de uma resposta da Acer (era quem fabricava os Chromebooks)
na esperança de que os implementassem em Portugal.).

Outro desafio passa não só pelas dificuldades nos aspetos técnicos, mas também humanos.
O professor relata os desafios sentidos para conseguir a aprovação da sua diretora pedagógica
para a importância da implementação das TIC (Dando continuidade à minha reflexão anterior,
todos os anos me debato com a minha diretora para conseguir a sua autorização para que os meus alunos
possam utilizar as aplicações Google.). E, segundo descreve, o processo de implementação dos
recursos digitais não representou um caminho fácil de traçar (E neste momento posso dizer que
estou novamente na estaca zero, pois para já os alunos não têm autorização para utilizar as suas contas

148
de email.). O professor descreve uma passagem no onde relata, com humor, a preocupação
sentida sua diretora da escola relativamente ao uso das contas Gmail por parte dos alunos (No
ano passado, e com uma certa piada, a diretora desabafou a sua preocupação da seguinte forma: “Ó
Ricardo, já imaginou o Marcelo vir aqui bater-me à porta a perguntar qual dos meus alunos é que lhe
enviou um email a perguntar sabe-se lá o quê?”. Mas por mais que lhe diga que as contas ficam restritas
ao domínio do colégio ainda assim, não fica nada descansada. Consigo perceber o seu ponto de vista.).
A implementação das TIC na prática letiva é uma aspeto que parece colocar bastantes desafios
ao professor ao longo dos anos (Como referi na reflexão anterior, este ano estou a passar por duas
situações que me colocam um desafio em termos de organização diária das minhas aulas. Por um lado,
a dificuldade imposta pela direção em começar a utilizar as Google Apps, por outro as caraterísticas da
minha turma.).

Do ponto de vista das alterações curriculares que se verificaram, outra preocupação parece
assolar o professor relativamente à articulação possível entre as TIC, o MEM e as orientações
curriculares (Tendo em vista os princípios orientadores do MEM, as novas orientações curriculares e
as TIC, como é que posso, tendo em conta as caraterísticas deste grupo, promover as competências
esperadas?).

Ao longo das descrições, parece patente o investimento e a motivação do professor na


implementação da TIC no processo de ensino e de aprendizagem, em que, a partir de certo
momento, parecem começar a ter algum efeito educativo. O professor refere a uma formação
realizada sobre as TIC, onde destaca como já fazia uso dos recursos divulgados na formação
que realizou, assim como impacto que a estratégia implementada teve junto dos alunos e das
respetivas famílias. (Cerca de um ano depois de ter dado início ao diário digital da turma, tivemos
novamente um Inset (formação) sobre a utilização das novas tecnologias, mais em concreto sobre as
Google Apps, pois é a plataforma que o colégio utiliza, e nesse momento tive a oportunidade de partilha
aquilo que já vinha a fazer há um ano com os meus alunos, assim como tudo o que de benéfico trouxe
em termos de uma maior aproximação da escola às famílias).

Em síntese, evidencia-se a motivação do professor para o uso pedagógico das TIC, como
facilitadoras do processo de ensino e de aprendizagem. O professor destaca a importância da
transferência de aprendizagens realizadas pelos alunos nas TIC para novas situações e
contextos. Sobre os instrumentos tecnológicos digitais, o professor faz referência à construção
e manutenção de um website, construído em conjunto com os alunos, à tentativa de
digitalização de alguns dos instrumentos de trabalho do MEM, e dá destaque à realização de
Projetos de Aprendizagem com recurso às TIC. O professor destaca o apoio da escola onde
leciona no incentivo ao uso das TIC na atividade docente.

149
No processo de concretização, o professor encontra alguns desafios como a necessidade
constante de adaptação das estratégias de ensino e de aprendizagem às caraterísticas da turma
a fim de garantir as aprendizagens curriculares esperadas. Do ponto de vista do professor, o
tempo é uma condicionante de peso e constitui um fator de preocupação, pois é necessário
tempo para concretizar um trabalho pedagógico que garante que os alunos se familiarizem e
se apropriem de forma consistente do potencial educativo das TIC no sentido de garantir que
as utilizam de forma segura e responsável. No entanto, o professor também se confrontou
com a falta de aprovação da direção da escola para o uso de algumas ferramentas digitais
devido, no ponto de vista do professor, à falta de conhecimento sobre o potencial pedagógico
das TIC.

4.3.3 Objetivos pedagógicos e constrangimentos

Encontramos algumas descrições do professor sobre referências a determinados objetivos


pedagógicos que estabelece para a sua turma. Estes objetivos centralizam-se, essencialmente,
no desenvolvimento de competências sociais e de autonomia (Como referi este grupo tem sido
bastante desafiante e tenho-me focado muito no desenvolvimento das competências sociais e
metacognitivas do grupo, pois trazem vícios que necessitam ser desmontados e reconstruídos.). O
professor parece implementar determinados hábitos de trabalho através da concretização de
uma rotina que permita aos alunos a apropriação do modelo do MEM (O meu grande desafio
este ano tem sido exatamente a apropriação desse trabalho rotineiro para que interiorizem os diferentes
momentos de trabalho que fazem parte do modelo.).

No que se refere às TIC, o professor faz algumas afirmações que nos parecem importantes
sobre a sua perspetiva de articulação das TIC com o modelo do MEM (Se pretendo integrar as
tecnologias no modelo do MEM é importante que a mesma seja implementada com vista à transformação
da aprendizagem, no sentido não da substituição daquilo que já se faz atualmente com lápis e papel mas
no sentindo de trazer o potencial das tecnologias no desenvolvimento de atividades que permitam aos
alunos desenvolver uma aprendizagem mais rica.). Nesta linha, quer parecer-nos que o professor
entende as ferramentas digitais deverão como um instrumento de apoio à aprendizagem do
aluno, e não tanto como uma ferramenta de apoio ao professor (É muito importante que os alunos
compreendam como utilizar estas ferramentas e de que forma é que lhes podem ser úteis na aquisição de
novas competências e novas aprendizagens.). Parece destacar-se, mais uma vez, o cuidado do
professor sobre a aprendizagem dos alunos em torno das TIC e de que forma as mesmas

150
podem contribuir para as aprendizagens dos alunos, numa perspetiva de uso autónomo
evitando o constante apoio do professor.

O conhecimento pedagógico é algo que o professor parece valorizar. Os objetivos que o


professor define não se limitam apenas ao grupo que leciona, mas também a outros mais
abrangentes como partilhar a sua experiência educativa (O nosso objetivo deste convite o foi no
sentido de ajudar as pessoas a perceber que pode haver uma solução diferente, e uma forma diferente de
fazer a escola, que poderá trazer resultados mais significativos para os problemas e dilemas com que nos
confrontamos diariamente enquanto professores.). Este objetivo parece tomar corpo com a
dinamização de ações de formação como intuito de dar a conhecer à restante comunidade
docente a sua perspetiva pedagógica (…convidou o Pascal para durante uma no letivo nos dar uma
formação sobre o que é fazer a escola, o que significa educar, ensinar, aprender nos dias que correm, à
luz das orientações curriculares como o Perfil do Aluno.).

Para o professor, a otimização do tempo disponível parece assumir-se como um objetivo


educativo importante, mais concretamente no que toca às atividades letivas. Pelas descrições
do professor, o horário semanal da turma parece ser bastante preenchido com atividades
letivas. Embora o professor faça referência ao tempo que a turma necessita para o
desenvolvimento de competências sociais, como por exemplo durante os momentos de
Conselho de Turma, este tempo é encarado como útil, pois, pelas caraterísticas do grupo,
depreendemos que estas discussões podem conduzem a resultados positivos (São temas que os
alunos gostam de discutir, mas não podemos cair na tentação de prolongar muito as discussões sob o
perigo de condicionar as aprendizagens de outras disciplinas.). No entanto, parece reconhecer como
o tempo despendido durante momentos de discussão coletiva poderá tem implicação
negativa nas restantes aprendizagens curriculares. Assim, o professor parece sensibilizar os
alunos para a necessidade de estabelecer tempos específicos para os momentos de discussão
coletiva (Parece-me importante definir com os alunos estes momentos de discussão, desta forma eles
próprios compreendem que há um tempo que deve ser cumprido.). Por vezes, estes momentos de
discussão parecem prolongar-se mais do que o previsto pois, de acordo com as caraterísticas
do grupo, parece tornar-se difícil para os alunos chegar a entendimento, com as
aprendizagens da turma a sair penalizadas (“O tempo dispensado na resolução de conflitos e na
planificação das atividades foi demasiado e teve uma grande repercussão no que toca às aprendizagens
do grupo.”).

Pelas descrições do professor sobre as dinâmicas do grupo, a apropriação das


competências necessárias sobre as TIC não parece ter seguido o rumo dentro do tempo

151
esperado (“…levou tempo para que se habituassem a uma utilização regular dos iPads, assim como da
plataforma Google for Education.”). O professor tenta garantir que a apropriação de
competências relacionadas com o uso das TIC seja efetuada de forma consistente, o que
também acabou por consumir algum tempo (“Lá voltei a passar algum tempo a tentar mediar e
clarificar, com muita calma, o que deveria constar no slide introdutório da história, e que depois cada
um dos elementos do grupo, de acordo com a sua ideia, teria a oportunidade desenvolver um dos rumos
que a história pode tomar.”).

O professor descreve um módulo estruturante da pedagogia do MEM chamado de Tempo


de Estudo Autónomo (Uma das grandes potencialidades deste tempo é a possibilidade de os
alunos interagirem entre si, no sentido da partilha de aprendizagens, não só entre os colegas
do mesmo ano, mas entre todos os alunos dos vários anos de escolaridade.). O professor
destaca este tempo como um momento precioso de acompanhamento individual aos alunos.
Neste tempo, que em parte parece ser organizado e gerido pelos alunos, o professor tem a
possibilidade de oferecer um apoio individual a todos os alunos da turma, dentro desse tempo
que se encontra contemplado na Agenda Semanal da turma (…para isso, o Tempo de Estudo
Autónomo reveste-se de um tempo na Agenda Semanal que permite que os alunos, de acordo
com as suas necessidades, vão planificando e desenvolvendo o trabalho necessário às suas
aprendizagens.). Parece haver a valorização e o reconhecimento por parte dos alunos sobre o
uso das tecnologias, pois parecem contribuir para a rentabilização do tempo disponível para
o Estudo Autónomo (Um dos alunos referiu: “…não perdemos tanto tempo a ir buscar e
arrumar os PIT nas capas…”. Eles percebem que o tempo é algo que não se pode desperdiçar,
ainda mais quando trabalhamos um modelo que contempla na agenda semanal atividades
diversificadas.).

Tal como referido em categorias anteriores, a formação contínua de professores parece ser
um aspeto valorizado pela escola onde o professor leciona. O professor refere como o tempo
disponível para a realização de reuniões entre decentes pode ser também rentabilizado para
a realização de atividades de formação contínua. (Sendo a formação contínua de âmbito
obrigatório, a mesma não representaria um problema porque já temos o tempo de terça feira destinado
no nosso horário para reuniões de conselho e formação.).

Como descrito pelo professor, a concretização das atividades letivas não segue, por vezes
a trajetória previamente planificada. O professor parece confrontar-se com algumas
dificuldades face à implementação de rotinas com a turma (E já foi discutido por várias vezes,
mas está a ser difícil, para alguns alunos habituarem-se às novas rotinas.).

152
O professor parece diversificar as experiências de aprendizagem dos alunos (…já fizemos
um pouco de tudo, desde cozinhar, realização de projetos de intervenção (projetos de apoio a
países com determinadas necessidades), passeios pela praia, Museus…).

O professor descreve certos momentos de trabalho com a turma que parecem trazer alguns
desafios acrescidos, nomeadamente em relação ao à autonomia dos alunos (Pedi-lhes que
escrevessem livremente locais, personagens e possíveis problemas que possam surgir, sem se apegarem
a qualquer ideia já definida. Claro que não foi fácil, pois alguns alunos já tinham em mente o que
escrever, mas no decorrer da planificação, lá foram dando ideias soltas.). Sobre a interação do
professor com os alunos, verifica-se com uma certa regularidade descrições do professor sobre
as dificuldades que os alunos apresentam em interagir entre si e que parecem refletir-se,
também, durante as aulas (Novamente o tal grupo que teve dificuldade na gestão das ideias voltou a
entrar em desacordo, onde cada um queria impor a sua ideia.).

Pelas descrições do professor realizadas sobre a sua turma, quer parecer-nos que lhe
trouxe desafios ao nível da necessidade de diferenciação do trabalho (Acho que nunca tive uma
turma com caraterísticas tão heterogéneas. Desde o aluno que revela fragilidades em praticamente todas
as disciplinas, aos alunos mais competentes que solicita com frequência aprendizagens mais avançadas.
O problema é que não são apenas dois alunos com estas caraterísticas, são vários (…) Outro fator
importante, que tem influenciado o trabalho diário, são as dinâmicas sociais entre os alunos).

O professor não descreve como disponibiliza e organiza os materiais na sua sala de aula.
No entanto, reflete sobre este aspeto exemplifica com a importância da criação de um espaço,
ou vários, onde os alunos possam circular de forma livre, independentemente do ano de
escolaridade (Num mundo ideal, estes módulos seriam desenvolvidos num único espaço de
aprendizagem no qual os alunos se pudessem movimentar de forma livre.). Estes espaços, tal como
refere, teriam de estar apetrechados com diferentes recursos ao alcance de todos os alunos dos
diferentes anos de escolaridade do primeiro ciclo, para que todos tivessem livre acesso aos
recursos educativos (Certamente que estes espaços estariam apetrechados com todos os recursos
materiais de forma a facilitar a aprendizagem dos alunos, estrategicamente organizados.).

Em síntese, o professor destaca os desafios que a dificuldade de relacionamento entre os


alunos trouxeram para a gestão e otimização do tempo. Refere a dificuldade na
implementação de rotinas com a turma e a necessidade da diferenciação do trabalho
pedagógico de acordo com as caraterísticas dos alunos. Apesar desses constrangimentos, o
professor procura diversificar as experiências de aprendizagem, com e sem recurso às TIC.

153
4.3.4 Avaliação cooperativa

Relativamente ao processo de avaliação, esta não se torna muito claro como o professor a
assume e realiza com os seus alunos. No entanto, o professor faz algumas descrições pontuais
sobre momentos de avaliação (Importa referir que é durante o Conselho de Turma que se desenvolve
a planificação das atividades a realizar. Faz-se a avaliação da semana que passou e planifica-se a semana
que se inicia.). Um desses momentos parece acontecer durante o Conselho de Turma, durante
o qual se avalia a semana que terminou e se planifica a nova semana.

O professor parece promover a avaliação cooperativa das aprendizagens, através de


discussões e reflexões coletivas sobre as produções que os alunos realizam e para as quais a
turma é convidada a intervir, refletir e contribuir (A partilha da riqueza e autenticidade das suas
produções carecem de uma avaliação crítica coletiva enquanto contributo para a melhoria e tomada de
consciência do trabalho produzido contribuindo desta forma para uma verdadeira avaliação formativa.).
Destaca-se o conceito de avaliação formativa, tal como o professor refere, entendida como
resultado da interação entre os alunos e o professor. (É um desafio muito grande desenvolver uma
avaliação formativa que vá ao encontro das caraterísticas de cada turma. Todos os anos tenho de
repensar a avaliação em conjunto com os alunos. Gosto de ouvir as suas opiniões sobre aquilo que
pensam sobre avaliação. Só assim é possível compreender as suas necessidades e ir adaptando a
avaliação.). O professor parece valorizar as opiniões dos alunos sobre a avaliação no sentido
de a adaptar às necessidades educativas da turma.

O professor parece valorizar a importância das reflexões que os alunos realizam sobre o
trabalho planificado e concretizado ao longo de uma semana. (É neste plano que o aluno planifica
o que pretende trabalhar ao longo da semana no TEA, regista as tarefas que realizou e no final reflete
sobre o trabalho que realizou assim com as aprendizagens e as dúvidas que ainda permanecem.). De
forma mais concreta, o professor descreve como cada aluno partilha com a turma uma reflexão
sobre o trabalho que realizou durante o Tempo de Estudo assim como as aprendizagens que
adquiriu e as dificuldades que sentiu. (No final de uma semana, ou ciclo de trabalho, cada aluno
devera ler a sua reflexão no PIT, de forma a partilhar com o grupo as suas aprendizagens, os
conhecimentos adquiridos e as dúvidas que ainda permanecem.).

Em síntese, o professor parece entender a avaliação numa perspetiva formativa, não como
instrumento que se reduz apenas à medição, mas como instrumento de trabalho dinâmico ao
qual aos recorre com regularidade em conjunto com os seus alunos, com o objetivo de os
responsabilizar para aprendizagens que devem realizar. Embora não fique claro como o
processo de avaliação é posto em prática, destacam-se momentos pontuais como o Conselho

154
de Turma, no qual se avalia a semana que passou e se planifica de forma cooperativa a semana
seguinte. Destaca-se a importância da reflexão coletiva sobre as produções dos alunos que
parece contribuir para a avaliação formativa. O professor valoriza a opinião dos alunos sobre
a avaliação e procura adaptá-la às caraterísticas e necessidades educativas da turma.
Incentiva, ainda, a reflexão individual sobre o trabalho realizado durante o Tempo de Estudo
Autónomo. Do ponto de vista do professor, a avaliação é vista como um instrumento
dinâmico e responsabilizador para as aprendizagens dos alunos.

4.3.5 Síntese sobre o processo de concretização

Do ponto de vista prático, a implementação dos princípios do MEM e do desenvolvimento


de competências relacionadas com as TIC parecem representar um desafio para o professor a
diferentes níveis. Nomeadamente, ao nível da capacidade de decisão da direção da escola, que
por vezes parece impor alguns limites ao trabalho pedagógico em articulação com as TIC; ao
nível da turma, pelos desafios que a necessidade de individualizar e diferenciar o ensino
coloca ao professor; e ao nível curricular, onde o tempo disponível para cumprir os programas
curriculares e as aprendizagens que os alunos devem adquirir também constituem um
desafio. Assim, foi possível constatar os esforços encetados pelo professor no sentido da
adequação pedagógica das TIC, não apenas ao modelo pedagógico do MEM, mas também às
caraterísticas da sua turma. Destacou-se a preocupação em cumprir as aprendizagens
estipuladas nos documentos curriculares, adequando as estratégias às caraterísticas e
necessidades dos seus alunos.

Destacamos o questionamento e reflexão que professor desenvolve quando descreve os


desafios pedagógicos com que se depara duranta a prática letiva. Desde a implementação
educativa das TIC, ao trabalho pedagógico com a turma e à relação pessoal e profissional com
os colegas de trabalho, destacam-se um conjunto de desafios sobre os quais o professor reflete
na tentativa de os compreender e encontrar soluções para as situações com que se depara na
escola. As decisões do professor são concretizadas com cautela e a devida segurança, com o
objetivo de conseguir articular de forma gradual e segura o modelo pedagógico do MEM e as
TIC.

155
4.4 Outras questões relativas ao processo de planificação e de concretização

Podemos observar, no quadro 13, os resultados obtidos em cada uma das categorias da
terceira dimensão. Esta dimensão destaca-se das anteriores pela percentagem parcial de
41,7%, que representa a dimensão de maior peso. Organizadas no quadro de forma
descendente, destacam-se as categorias Reflexões, Desafios, Condicionantes, Valoração e
Sentimentos.

Quadro 11 - Resultados sobre outras questões relativas ao processo de planificação e de concretização

Do processo de planificação e a sua consequente concretização, emergem um conjunto de


outras questões que complementam o referido processo e que iremos descrever nesta
dimensão. As “reflexões” são uma constante na narrativa, transversal a todas as categorias. As
reflexões resultam, na sua essência, de dúvidas e desafios que advêm do quotidiano escolar.
Embora as questões descritas pelo professor se dispersem por diversos temas, elas centram-
se principalmente na prática letiva e no trabalho pedagógico desenvolvido com a sua turma.
No entanto, a escola é um espaço mais abrangente que vai para além do contacto do professor
com os alunos no interior da sala de aula, e ondem ocorrem situações que, de certo modo,
acabam por ter influência na prática educativa. São estas questões, em torno das reflexões
efetuadas sobre outras questões relativas ao processo educativo, que não se encontram ligadas
de forma direta ao processo de planificação e de concretização, que passaremos a apresentar.

4.4.1 O contexto escolar

Durante o processo de planificação e de concretização das aulas, tivemos a oportunidade


de entrar no pensamento de um professor que investe o seu tempo a refletir e a questionar as
decisões que toma, nomeadamente no que concerne a estratégias de ensino e de
aprendizagem. Em certos momentos da prática letiva, o professor parece reconhecer que nem
sempre poderá ter tomado as decisões mais adequadas. (Posso assumir parte da culpa pois devia

156
ter acautelado melhor esta situação e já devia ter reestruturado a organização da lista de verificação.).
Tal como descrito anteriormente, o professor descreve em diversos momentos os desafios
educativos colocados pela turma, concretamente em relação à dificuldade de interação entre
alguns da turma. O professor parece reconhecer como deveria ter dado mais atenção a este
facto (Talvez estivesse mal-habituado pois o grupo que acompanhei os dois anos letivos anteriores
apreendeu com facilidade o modelo.).

O professor reconhece, também, como o investimento feito na concretização gradual das


estratégias inerentes ao modelo pedagógico do MEM acabam por dar, mais tarde ou mais
cedo, os seus resultados. (Terminado o 1º período não posso dizer não tenha havido progresso, até
pelo feedback dos pais que têm manifestado o seu agrado com a metodologia pois conseguem ver nos seus
filhos diferenças em termos de autonomia, confiança, e predisposição para a aprendizagem.). O
professor destaca o reconhecimento da parte dos Encarregados de Educação sobre a
metodologia pedagógica que concretiza com os seus alunos, com os Encarregados de
Educação a reconhecer o interesse dos seus educandos pela aprendizagem.

O professor parece reconhecer como determinados dias que não correm como planificado,
pelas sua descrições, diríamos que esta situação será a norma e não a exceção (É aqui que,
possivelmente, estou a falhar nalgum ponto da planificação.). O professor reflete acerca dos
contratempos que surgem na prática letiva (Tal como previ, hoje foi um daqueles dias em que tive
a sensação de estar a iniciar um novo grupo.), muitas vezes decorrentes da necessidade de intervir
junto das dinâmicas sociais dos alunos. (Enquanto reflexo de uma realidade vivida externamente ao
espaço físico escolar, de forma natural, os alunos tendem importar essa mesma realidade para as suas
relações com o grupo. Sinceramente, tem sido um desafio enorme gerir os conflitos e desentendimentos
entre certos elementos.). O professor parece identificar como causa dos conflitos e
desentendimentos entre os alunos da turma as suas vivencias extraescolares. Parece valorizar
a adequação de estratégias às situações específicas que surgem (Uma situação que se passa entre
dois alunos não se replica na turma do lado, por mais parecida que possas parecer. Os problemas devem
ser resolvidos e discutido no seio do grupo e não há produto pré – feito que consiga competir com isso.).
Os desafios na gestão da turma são alvo de muitas reflexões (Como é que se pode otimizar o
trabalho diário de acordo com as caraterísticas desta turma (…) A minha turma atual tem-me dado
muito que pensar. Arriscaria dizer que nos vinte anos que dou leciono nunca me passou pelas mãos um
grupo com caraterísticas tão peculiares como estar.). Em determinado momento, um sentimento
de desmotivação parece emergir na qual o professor questiona se o investimento pedagógico
e didático concretizado, fundamentado sob os princípios do MEM, terão contribuído para
alcançar os resultados educativos esperados (Ao fim de quase um ano letivo inteiro de trabalho e

157
depois de tão poucos avanços e tantos retrocessos, chego a um ponto em que dou por mim a pensar se
não será melhor regredir com o grupo até perto do ponto de partida e retomar a forma de trabalho a que
estavam habituados em anos anteriores.). No entanto, da continuidade das suas reflexões, parece
reconhecer a importância do trabalho que realiza junto dos seus alunos (Não descurei os meus
princípios pedagógicos (…) Sempre procurei garanti a autonomia das aprendizagens dos alunos, mas
cada turma é uma realidade diferente. E esta é uma prova disso mesmo (…) Sabemos que cada grupo é
um grupo e que cada criança é uma criança.).

Independentemente de todos os desafios com que se depara, professor parece acreditar na


sua posição pedagógica. Defende como uma visão construtivista do ensino poderá ter
implicações na forma como se desenvolve a planificação e, consequentemente, nas atividades
que se vão concretizar (A planificação de um conjunto de aulas que nos posicione numa perspetiva
construtivista do ensino certamente que nos conduzirá a uma nova abordagem na forma em como
pensamos os modos de funcionamento e organização das aulas (…) Os modos de funcionamento e
organização da escola e das aulas. Este tópico relacionase, até certo ponto, com o anterior. Aqui torna-
se importante refletir de forma mais detalhada sobre a prática letiva, o trabalho no terreno.).

Destacam-se algumas referências em relação ao peso do trabalho burocrático escolar que


tem de ser realizado. O professor reflete, num certo tom de frustração, como a sua componente
não letiva, que utiliza para preparação das atividades a desenvolver no tempo letivo, é por
vezes interrompida, condicionando o trabalho o tinha previsto realizar. (Tinha eu acabado de
me sentar à minha secretária, pensando eu que iria rentabilizar o non contact time, para pôr a burocracia
de final de mês em dia, e eis que entra a minha diretora, com um ar algo desesperado, a pedir a minha
ajudar porque precisava que desse uma vista de olhos nos iPads do 2º ciclo.).

A relação com os outros professores da escola onde trabalha é alvo de algumas reflexões
(E, sinceramente, é isto que me vai dando alento diário. Tenho discutido estes pequenos
passos com a minha coordenadora que conhece bem os meus alunos porque lhes dá apoio. A
sua opinião tem sido muito valiosa porque muitas vezes outros olhos vêm aquilo que os
nossos não conseguem ver. No essencial, tem sido o feedback dos alunos e da coordenadora
que me têm dado indicações importantes sobre o que melhorar no dia a dia para otimizar a
vida escolar dos alunos.). O professor parece estabelecer uma relação de proximidade e
confiança profissional com a coordenadora e com quem se sente à vontade para discutir
assuntos educativos, parece valorizar o apoio prestado essencialmente ao nível do trabalho
realizado com a turma (Há dois anos recebemos uma nova coordenadora (as outras acabaram
por “desistir) com uma larga experiência profissional, quer ao nível de coordenação de
agrupamentos e que ao nível da docência.). O professor parece valorizar como um olhar

158
externo pode ser uma ajuda preciosa no sentido da melhoria da prática letiva. Até à data da
entrada da nova coordenadora, o professor refere como realizou um percurso educativo mais
solitário algo (Para mim não é novidade sendo algo que já faço há muito tempo, umas vezes
com mais regularidade, outras menos, dependendo das dinâmicas das turmas. Tenho-o feito
solitariamente.). No sentido da partilha de experiencias, não são só com os colegas de trabalho
que contribuem para a motivação na profissão, o professor parece reconhecer como as
palavras dos Encarregados de Educação, em relação ao trabalho que desenvolve junto dos
seus alunos, é valorizado e reconhecido (Por outro lado, foi interessante verificar a
compreensão dos pais pois, no último encontro que tivemos, agradeceram todo o trabalho
realizado, em especial por terem verificado o gosto que o aluno adquiriu por aprender e por
explorar novos temas.).

O professor descreve um registo sobre a sua diretora pedagógica. (A minha diretora tem
um sentido de humor brilhante. Nos casos que muitas vezes nos parecem mais bicudos
consegue dar sempre um ar da sua graça e brincar um pouco com as situações aligeirando
aquilo que parece ser o fim do mundo.). Nas poucas descrições que o professor desenvolve
sobre a sua diretora, parece referir-se a ela com alguma simpatia. Refere que é uma pessoa
bem-disposta, com a capacidade de dar solução aos problemas que surgem com uma certa
tranquilidade e com sentido de humor. O professor destaca o apoio dado pela direção da
escola onde trabalha (Na altura valeu-me a Diretora que foi sensível a que se passou na
reunião e valorizou o trabalho que realizei.). O apoio e compreensão da direção parece ser um
aspeto que o professor valoriza. O professor parece reconhecer como uma liderança forte
poderá contribuir para a gestão e concretização mais eficaz do currículo (As direções
desempenham um papel muito importante na gestão do currículo no sentido em que
representam a força motriz que permite que todas as orientações definidas nos documentos
escolares, como o Plano curricular de escola, ganhem dimensão no dia a dia escolar.).

O professor reflete e parece reconhecer como o trabalho em equipa é um fator fundamental


para o sucesso do projeto educativo da escola (Voltando à minha reflexão inicial, só mesmo
trabalhando com uma equipa que defenda a mesma linha de pensamento e que tenha um espírito
suficientemente aberto para compreender o que se passa à sua volta e analisar e refletir com cuidado
sobre todo um conjunto de situações que fazem parte e decorrem da atividade letiva é que se conseguirá
levar a bom porto um projeto educativo.). Destaca a necessidade de ter uma mente aberta que
permita a flexibilidade e aceitação de visões e perspetivas diferentes.

159
Tal como descrito durante o capítulo referente à concretização das atividades letivas, o
professor relatou ao longo de alguns parágrafos uma situação que se poderia enquadrar num
caso de cyberbullying (Mas ainda assim não deixei de ficar chocado porque estava perante um caso
claro de bullying. E enquanto ouvia os alunos, mais claro ficava. A diretora foi firme, direta e perentória
com os alunos. No entanto, pareceme que uma situação destas carecia de um outro tipo de intervenção.).
Pelas descrições do professor, foi chamado a intervir no sentido de ajudar a esclarecer a
situação. É interessante verificar como o professor não se sentiu espantado com a situação
descrita, mas sim com a forma com que a sua diretora deu solução ao problema. Teria sido
interessante perceber de forma mais detalhada o ponto de vista do professor face a este
problema e que neste caso parecem envolver as TIC.

Do ponto de vista das alterações curriculares que se verificavam, segundo descrições do


professor, as mesmas parecem apontar no desenvolvimento e concretização de princípios de
base humanista (Mas verdade seja dita que, de há uns três anos a esta data, as coisas têm mudado um
pouco em todo o colégio. Também não poderia ser de outra forma. Com todas orientações que inundam
a escola no sentido da sensibilização e desenvolvimento nos alunos de capacidades de base humanista,
sociais, metacognitivas, de iniciativa, de cooperação…não poderia ser de outra forma.). Nas diversas
descrições do professor, verificamos uma valorização destes princípios em que o professor os
reconhece no modelo pedagógico no qual fundamenta a sua prática letiva (Há muitos anos que
defendo esta visão do ensino e concebo as minhas aulas neste sentido.). Desta forma, o professor
reflete, com uma certa satisfação, sobre uma mudança da escola cada vez mais descentralizada
de conteúdos, a qual começa a compreender a importância do desenvolvimento de outras
dimensões, como por exemplo, de base humanista (Ao fim de tantos anos, começo a ver uma luz
ao fundo do túnel no sentido da construção de uma escola com mais sentido para os alunos.).

O professor faz referência ao tema dos manuais escolares. Parece tecer, num tom de crítica,
a excessiva dependência educativa nos manuais como único recurso para o trabalho
pedagógico e didático (Como não existe este monopólio dos manuais escolares, tal como existe em
Portugal, os poucos manuais do currículo inglês (falando do secundário pois na Primary não existe
mesmo) são desenvolvidos com grande qualidade, alguns deles por universidades como Oxford ou
Cambridge.). O professor compara com a realidade da secção inglesa da sua escola pois o
colégio onde leciona pouco ou nenhum uso faz dos manuais, e os que são utilizados recorrem
a um sistema de reutilização, tendo os alunos de os devolver no final do ano letivo. O
professor destaca, ainda, a qualidade dos manuais utlizados pela secção inglesa da sua escola
(Tenho um filho no secundário da secção inglesa e muitas vezes dou por mim a folhear os seus manuais

160
com grande curiosidade, porque os conteúdos são abordados de forma bastante simples, clara, atual e
contextualizada a fim de despertar o interesse e a curiosidade dos alunos.).

Em síntese, o professor reflete e questiona as decisões pedagógicas que toma em relação à


turma. Reconhece os desafios educacionais sobre a relação conflituosa dos alunos e como este
aspeto condiciona o processo de ensino e de aprendizagem. O professor destaca como a
implementação da metodologia do MEM conduz a resultados positivos no progresso das
aprendizagens e nas competências sociais dos alunos. O professor descreve a interação
positiva que mantém com a coordenação e a direção da escola e valoriza a importância da
liderança e do trabalho em equipa. O professor reflete ainda sobre a necessidade de uma
escola mais humanista, e critica a excessiva dependência dos manuais escolares.

4.4.2 Os desafios do MEM

Encontramos diversos registos do professor sobre o modelo do MEM e a filosofia


construtivista em que se enquadra (Esta visão encerra uma perspetiva construtivista do ensino
onde o aluno é o elemento central de todo o processo de ensino e aprendizagem.). Um dos
aspetos que o professor destaca no modelo é o papel do aluno enquanto elemento central no
processo de ensino e de aprendizagem.

Encontramos alguma descrições do professor sobre os princípios que se encontram


subjacentes ao modelo do MEM. (O desenvolvimento do sentido de um espírito democrático,
participado por todos, promove uma cultura de escola mais transparente, mais aberta,
orientada para aquilo que se pretende que seja o Perfil do Aluno à saída da escolaridade.
obrigatória.).

Em certos momentos, o professor valoriza o modelo do MEM, embora pareça reconhecer


a exigência da sua implementação (Este talvez seja o processo mais exigente, e posteriormente
mais gratificante, para um professor que trabalhe com os seus alunos o modelo um modelo
construtivista.).

Encontramos algumas reflexões do professor sobre o modelo do MEM, que nos mostram,
embora de forma pontual, alguns detalhes do trabalho diário (Amanhã retomo as aulas. Será
importante recomeçar o dia com um Conselho de Turma para revermos a Agenda Semanal (…) Estou
curioso pelo dia de amanhã, segunda-feira, onde no Conselho de Cooperação, iremos fazer um balanço e
uma reflexão sobre o trabalho realizado. Estou curioso para ou vir os seus comentários e qual a sua
decisão relativamente ao trabalho a desenvolver daqui para a frente.). O professor realiza diversas
reflexões sobre alguns módulos do modelo e a sua concretização, em que parece valorizar a

161
implementação das rotinas de trabalho (Estas revisões são muito importantes para este grupo pois
tem ajudado a manter as rotinas do dia a dia.).

Por outro lado, encontramos algumas reflexões do professor sobre as metodologias


tradicionais (Um dos dilemas com os quais me tenho debatido ao longo dos últimos anos
relaciona-se com o facto de as crianças entrarem diretamente para o 3º ano de escolaridade
vindo, até certo ponto, formatadas num sistema tradicional e diretivo de ensino.). Visto o
professor apenas lecionar o 3º e 4º anos, destaca como é importante os alunos trazerem consigo
certas competências, nomeadamente de autonomia (É muito diferente quando os alunos já
trazem estas competências desenvolvidas desde o 1º ano ou até da pré-primária.). E neste
sentido, que professor levanta dúvidas sobre as estratégias de ensino e de aprendizagem a
implementar (Levar os alunos a planificar as suas aprendizagens é algo que não se possa
assumir de ânimo leve.).

Nesta linha, e tal como descrito no processo de planificação e de concretização, o professor


reflete sobre os desafios pedagógicos que a turma lhe coloca, mais uma vez, sobre a
necessidade de os alunos adquirirem competências que lhes permitam a realização de um
trabalho mais autónomo (Como já referi, este ano tem sido um grande desafio pois este grupo tem
muito interiorizado um ensino muito diretivo, onde os alunos estão sempre à espera que seja eu a dizer-
lhes “o que fazer a seguir” (…); “No entanto, comparativamente a outros anos este tem sido
particularmente exigente pelos motivos que já referi.). Estes desafios são colocados a diferentes níveis.
(Este ano tenho um grupo que tem sido bastante exigente no que toca à autonomia e até a capacidade de
tomada de decisões ou de raciocínio. (…) (Este ano tem representado um grande desafio pois o grupo é
muito heterogéneo, existindo uma grande amplitude em termos de competências de autonomia, de
aprendizagem, de cooperação, de sociabilização, enfim, todo um conjunto de variáveis que se revelam
importantes que as crianças adquiram e que aparecem muito ao de leve nos Programas.).

Em certo momento, o professor parece reconhecer como é importante recuar um pouco


para metodologias mais tradicionais no sentido de garantir a progressão e consolidação das
competências que o grupo necessita de adquirir (Depreendo das intervenções aquilo que já
esperava: é difícil quebrar princípios que se encontram enraizados no que respeita à forma de trabalhar
dos alunos e, embora já o suspeitasse, só agora tive a confirmação. Este grupo necessita de um trabalho
mais orientado e direcionado. Percebo que se sintam mais seguros.). No entanto, parece confirmar-
se como os esforços do professor parecem conduzir a resultados positivos (Foi interessante
verificar o progresso do grupo na forma como reflete sobre determinados acontecimentos e nas tomadas
de decisão relativas à vida do grupo. Ainda assim, há um longo caminho a percorrer, pois ainda revela
dificuldade na implementação dessas decisões.). Numa visão mais ambiciosa, o professor descreve,

162
embora com pouco detalhe, uma planificação que parece ter desenvolvido no sentido de
implementar o que parece ser o Momento de Estudo Autónomo articulado entre as diferentes
turmas do 1º ciclo (Para esta planificação fugi um pouco ao que está definido como critérios
orientadores, mas com uma boa justificação. Há já algum tempo que tenho em mente o desenvolvimento
e implementação uma forma cooperada, entre os vários anos de escolaridade do 1.º ciclo, de
implementação do Tempo de Estudo Autónomo.).

Observa-se alguma sensibilidade da parte do professor na compreensão da dificuldade


sentida pelos seus colegas de trabalho para se aventurarem e novas abordagens educativas
(Não são só os alunos que necessitam de desenvolver competências de resiliência e “risk taking”, também
os professores necessitam de se aventurar em novos campos. Na teoria tudo isto parece muito fácil, mas
a sua implementação torna- se elaborada, no sentido em que estamos a lidar com pessoas e como tal há
emoções que necessitam de se ser geridas com delicadeza (…) Acho importante refletir um pouco sobre
esta ideia da integração dos anos de escolaridade pois posso chegar à conclusão que talvez não seja assim
tão viável.). Parece reconhecer o cuidado e sensibilidade necessários quando se pretende
estabelecer novas mudanças (Esta trabalho não poderá ser implementado logo à primeira. Terei de
pensar e planificar uma forma de garantir que todo o processo decorre de forma e sem grandes obstáculos
ou retrocessos.).

Neste sentido, parece reconhecer como se poderá revelar perigoso para o processo de
ensino e de aprendizagem, e do ponto de vista pedagógico, cair num trabalho que se distancie
da diferenciação das aprendizagens que os alunos devem realizar (O trabalho de professor poderá
ser perverso no sentido em que cair na rotina é muito fácil. Desenvolver um conjunto de atividades
arrumadinhas num dossier que servirão ano após ano revela-se tentador. E neste ponto que que me
refiro à área de conforto dos professores.) O professor reflete como será importante os docentes
estarem informados e atualizados sobre o que de mais inovador e efetivo se vai fazendo na
área da educação (Voltando à equipa de docentes, não é possível, nos tempos que correm e de acordo
com as orientações curriculares, impor aos docentes certas formas de trabalho para as quais não estão
sensibilizados. Para isso, será importante esclarecer para os benefícios que certas práticas educativas
podem trazer os alunos).

O professor descreve como certas práticas pedagógicas relativas à modificação de certos


comportamentos e atitudes dos alunos, ainda são efetuadas com recurso a punições (Enquanto
escrevia estas palavras, e voltando um pouco ao início do parágrafo, pensava nas reuniões infindáveis
que já tivemos para discutir o comportamento dos alunos. Ano após ano, discute-se os mesmos
problemas, as mesmas situações e aplicam-se as mesmas medidas, mas com terminologias diferentes:
sanções e castigos.). Parecem destacar-se alguns esforços do professor no sentido de levar os

163
seus colegas a compreender o contributo ativo dos alunos na tomada de decisões (“levar a que
outros professores compreendam que a aprendizagem é construída em conjunto com os alunos, não é
algo que se lhes possa ser imposto, por mais recursos que se tenha, não é tarefa fácil.” “A início os meus
colegas acham muito interessantes as minhas partilhas, mas depois tudo cai novamente no mesmo”).
Nest sentido, o professor refere que por vezes se recorre a produtos externos e que, segundo
avalia, não parecem produzir os resultados esperados (“O colégio já adquiriu, por duas vezes, um
produto para se trabalhar competências sociais dos alunos, com músicas, histórias, regras para se afixar
na sala de aulas, aulas planificadas…tem resolvido alguma coisa?”). O professor relata, com alguma
frustração, a dificuldade sentida na tentativa de contribuir para uma prática letiva com maior
intervenção dos alunos nas decisões relativas ao dia a dia escolar. (“Tenho sentido esta frustração
ao longo dos anos quando proponho novas alternativas para determinados problemas, que são
recorrentes, em qualquer escola, como por exemplo o barulho constante no refeitório, a circulação pelo
espaço do colégio que deve ser feita de forma tranquila, os conflitos nos recreios…entre outros.”).

Sobre as TIC e o MEM encontramos uma reflexão que parece clarificar a perspetiva do
professor relativamente a este tema. Verificamos como o professor centra o seu discurso em
torno do modelo do MEM e as TIC, enquanto denominador comum aos diversos temas sobre
os quais reflete (Será bom não esquecer que esta é uma etapa importante na qual os alunos vão adquirir
as bases de trabalho para que a concretização do modelo pedagógico em articulação com as TIC se
desenvolva posteriormente de forma produtiva.).

Relativamente ao modelo do MEM, uma das condicionantes com que o professor se tem
deparado aos longo dos anos parece relacionar-se com a realização um percurso pedagógico
solitário como resultado, quer parecer-nos, da concretização de um modelo pedagógico pouco
comum que implementa (O que tenho feito ao longo destes últimos anos, antes da entrada da última
coordenadora, foi isolar-me nas minhas convicções educativas.), centrando-se nas suas convicções
educativas (Não ia deixar cair por terra tudo aquilo que construi em que acredito que seja a escola.).
Por esse motivo, alguns constrangimentos surgiram com os seus colegas de trabalho (O desafio
tem sido em duas frentes: individual e coletiva. Individual porque a minha própria forma de trabalhar
com os alunos, há uns anos atrás, foi alvo de conflito com os meus colegas de trabalho.). O professor
descreve uma dessas situações de incompreensão por parte de alguns do seus colegas de
trabalho (O que se passou a seguir foi quase que indiscritível, em que uma das minhas colegas, de 1.º
ciclo, começou por referir que não estava a compreender como é que eu fiz aquele trabalho com os alunos
sem ter partilhado com os restantes colegas, e que não tinha o direito de o ter feito. Argumentei na altura
que o fiz como se de mais um recurso educativo se tratasse, tal como não me passaria pela cabeça
interferir nos manuais que utilizam com os seus alunos (…) Isto ainda me valeu mais umas ofensas à

164
hora de almoço…foi uma situação complicada porque a nossa relação nunca mais foi a mesma.). Nesta
linha, o professor descreve como o desafio de mudar a perspetiva pedagógica dos professores
também se coloca aos cargos de coordenação (Não tem sido fácil para ela pois revelou ser um
verdadeiro braço de ferro quebrar todos os mitos educativos enraizados na mente das minhas colegas.).
No entanto o professor parece reconhecer como o trabalho em equipa é um fator que contribui
para o sucesso educativo dos alunos (É tanto pior quando apenas somos quatro professores de
primeiro ciclo, um por cada ano de escolaridade.).

Encontramos algumas descrições do professor, embora de forma pouco clara, sobre o que
nos parece ser a planificação de uma estrutura educativa a implementar no ciclo de ensino
onde trabalho, com base no modelo do MEM (O maior desafio, e foi essa uma das minha
preocupações, é a tomada de consciência, por parte dos alunos e dos professores, que não conhecem muito
bem o modelo, da estrutura base de funcionamento do TEA.). O professor parece assumir o risco
dessa planificação pois desconhece qual será a recetividade dos seus colegas de trabalho
(Embora parece tudo muito linear há todo um conjunto de dúvidas que se levantam quando se pretende
implementar um trabalho desta natureza. Desenvolvi esta planificação tendo em vista a sua real
implementação e uma das questões que surgiu com maior frequência diz respeito aos recursos humanos,
mais concretamente às minhas colegas de trabalho. Pergunto-me de que forma iriam encarar ou até
aceitar esta forma de trabalho, quando a rotina que impera no nosso 1.º ciclo é ainda uma forma de
trabalho muito espartilhada, onde cada um sabe do seu canto? Certamente que iria quebrar o gelo e iria
mexer com a área de conforto de cada um.).

Sobre os cargos de coordenação, o professor descreve como a entrada de uma nova


coordenadora para o 1.º ciclo para a sua escola. O seu forte investimento em ações de formação
de âmbito pedagógico e didático parece surtir algum efeito (Foi este pequeno passo, que fez uma
diferença gigantesca em termos educativos e que melhorou a nossa relação. Foi verificar que aos poucos
as minhas colegas começaram a perceber que afinal os alunos não são preguiçosos, lentos ou distraídos,
mas que têm determinadas caraterísticas que fazem parte da sua maneira de ser. E que, devido a isso,
não podem ser todos tratados da mesma forma.). Desta forma, professor parece reconhecer o papel
efetivo e decisivo da coordenação na gestão pedagógica, neste caso, do 1º ciclo (É sabido o poder
que os cargos de direção exercem. Uns mais centralizados outros menos. No caso do meu colégio e
diretora já centralizou mais o poder decisivo delegando com mais frequência para coordenadora.). Antes
da entrada da atual coordenadora, e pelos conflitos que aconteceram com as suas colegas, o
professor tem realizado um trabalho mais isolado ao longo dos anos.

Em síntese, o professor destaca o papel do aluno no processo de ensino e de aprendizagem


e os princípios subjacentes ao modelo pedagógico do MEM, valorizando o desenvolvimento

165
das competências de autonomia que decorrem da implementação de rotinas de trabalho. O
professor reconhece a dificuldade de aceitação, por parte dos seus colegas de trabalho, do
modelo pedagógico que concretiza e reconhece a necessidade de estar atualizado sobre
diferentes práticas pedagógicas de forma a manter uma mente aberta face à educação.

4.4.3 A procura de soluções

Parece evidenciar-se a tentativa do professor em compreender os diversos problemas com


que se depara no dia a dia e encontrar soluções adequadas para os mesmos. No trabalho com
as TIC, parece suportar-se nos princípios pedagógicos do MEM como orientadores para as
tomadas de decisão relativamente à sua implementação. Desta forma, parece verificar-se que
o professor não descura a dimensão educativa e pedagógica que as TIC têm para oferecer no
processo educativo.

Encontramos uma reflexão do professor sobre a pertinência da articulação dos módulos


que sustentam o modelo do MEM com as TIC (Pela minha experiência tem sido um trabalho
exigente pois requer repensar o modelo do MEM pois é possível concluir que, por mais que
se tente “informatizar” o modelo, nem todas as vertentes são passiveis de ser informatizadas),
e sobre a forma em que as duas vertentes educativas, MEM e TIC, poderão trabalhar de forma
integrada e articulada (Curioso, penso que ainda que ainda não tinha pensado nesta vertente
de aquisição destas duas competências por parte dos alunos: TIC e MEM. Será possível
trabalhar as duas em conjunto? Será viável introduzir o modelo do MEM aos alunos com base
nas TIC numa fase inicial em que ainda não conhecem nem o trabalho com as TIC nem o
modelo do MEM?). Nestas reflexões, não fica muito claro a que o professor se refere sobre
“informatizar”. No entanto, pela diversas descrições do professor a este respeito, quer
parecer-nos que se poderá referir a uma adaptação dos instrumentos pedagógicos do MEM,
na vertente física, para uma vertente digital. O professor parece ainda questionar-se sobre os
benefícios educativos que a referida conversão poder trazer.

As TIC representam uma área de interesse na qual o professor tem investido grande parte
do seu tempo, procurando a sua integração numa perspetiva pedagógica (O desenvolvimento
de atividades com base nas tecnologias não toma, por muitas vezes, um percurso linear com muitas
vezes o planeamos. Os últimos anos tenho dedicado parte do meu tempo docente a ler e a atualizar os
meus conhecimentos informáticos, tentado perceber o que se anda a fazer por esse mundo fora no que
toca à utilização das TIC em ambiente educativo.).

166
Sobre o MEM e as TIC, o professor descreve um encontro com outros professores do MEM
no qual foi abordado o tema das sob o tema das TIC (Após a sessão plenária os professores
dividiram-se por níveis de escolaridade: pré-escolar, 1.º ciclo, e ensino por disciplinas. Para cada um dos
níveis há um professor que preparou uma comunicação para partilhar com o seu grupo. Esta professora,
preparou uma apresentação sobre a utilização funcional das TIC em contexto de sala de aula.). Embora
o professor não relate com detalhe a sessão em que participou, comenta sobre uma estratégia
usada por uma professora com a qual não parece concordar relativamente ao gasto energético
dos dispositivos tecnológicos (Referiu que deixa projetada a planificação ao longo do dia. Não me
parece que, de um ponto de vista mais ecológico e de poupança de recursos, deixar o projetor ligado o
dia inteiro seja a melhor opção.).

Destacamos as condicionantes encontradas pelo professor ao longo do seu percurso


educativo na tentativa de implementação das TIC no trabalho diário, canalizando energias
com o objetivo da sua implementação pedagógica tendo em vista o seu potencial pedagógico.

Numa formação sobre as TIC em que o professor participou, acerca da apresentação de


uma plataforma educativa, o professor descreve como o dinamizador da formação se centrou
no controlo sobre a gestão da turma (Recordo-me com algum desagrado, da formadora fazer
referência a uma funcionalidade da aplicação do professor que permitia enviar avisos como “silêncio”
ou até desligar remotamente os pc’s dos alunos. A explicação desta funcionalidade foi realizada com
uma pitada de malvadez pois era relevar o poder do professor sobre os alunos.). O professor reflete
como a perspetiva pedagógica de uma plataforma recente ainda se centra no papel do
professor e do poder que tem sobre o aluno.

O professor questiona-se com frequência sobre a melhor de forma de envolver as TIC na


prática letiva (Penso que o meu maior desafio residirá neste ponto, quando tiver de selecionar
um conjunto de atividades e adequar os recursos TIC necessários e adequados ao
desenvolvimento dessas atividades.). A possível integração das TIC com o modelo
pedagógico do MEM é alvo de diversas reflexões e questões da parte do professor (…pois com
o todo o avanço tecnológico que tem acontecido, parece-me importante a sua integração com
o modelo do MEM, mais concretamente com os cinco módulos orientadores do modelo. Há
algumas questões que me coloco com frequência: será pertinente a integração das TIC nos
cinco módulos do modelo? Ou em que módulos será mais viável a sua integração? Será
vantajoso a sua integração? Como desenvolver e concretizar essa integração num grupo que,
ou não conhece de todo o modelo, ou conhece o modelo e não trabalha de forma integrada
com as TIC? Como integrar e adaptar as TIC com sentido dentro do modelo do MEM? Estas

167
são algumas das muitas questões com que me deparo no dia a dia.). Nesta linha, o professor
também parece questionar a relação ou influência entre as TIC e o MEM (Durante a
planificação será necessário acautelar que as TIC se articulam de forma clara com as atividades
a desenvolver. De que forma o MEM influencia o uso das TIC e vice-versa? Qual será a melhor
organização a dar à sala de aula de forma a desenvolver um trabalho pedagógico com suporte
das TIC?).

Dado o investimento do professor na área das TIC, em certo momento parece reconhecer
algumas vantagens que as TIC trouxeram ao processo de ensino e de aprendizagem,
nomeadamente, ao que parece, na avaliação formativa (As tecnologias têm me dado uma grande
ajuda enquanto facilitadoras do desenvolvimento de instrumentos de trabalho. Têm simplificado, e
muito, o feedback que os alunos necessitam relativamente às suas aprendizagens. Quando se trabalha
num espírito de partilha eles próprios manifestam essa necessidade.).

O professor destaca o trabalho em projetos de aprendizagem, pois é uma atividade na qual


os alunos se envolvem com dedicação e interesse, ainda mais quando recorrem às tecnologias
digitais (O Trabalho de Projeto oferece um ponto de partida a utilização das TIC em sala de aula pois,
necessariamente, os alunos terão de realizar pesquisas para aprofundar os seus conhecimentos e a
internet é uma ferramenta que permite aceder a qualquer tipo de informação.).

Em síntese, destaca-se a tentativa do professor em compreender e integrar as TIC no


processo de ensino e de aprendizagem, recorrendo aos princípios do MEM como orientadores
para as tomadas de decisão. O professor questiona-se sobre a viabilidade e os benefícios da
integração da TIC em cada módulo do modelo do MEM, bem como a melhor forma de adaptar
as ferramentas digitais ao modelo do MEM. O professor destaca o papel das TIC,
reconhecendo a sua utilidade no processo de avaliação formativa e também nos projetos de
aprendizagem. Do ponto de vista do professor, a implementação das TIC no modelo do MEM
traz algumas condicionantes, como a pertinência da adaptação e integração de instrumentos
pedagógicos do MEM para o suporte digital, a seleção adequada de atividades e recursos TIC
tendo em vista os objetivos pedagógicos previstos, a organização reorganização do espaço de
sala de aula que permita desenvolver um trabalho pedagógico que suporte a integração das
TIC.

4.4.4 As condicionantes do currículo

Como referido pelo professor, parecem verificar-se alterações curriculares com a


passagem do Programa e Metas Curriculares para as Aprendizagens Essenciais. Encontramos

168
algumas reflexões, em tom de crítica, sobre a falta de coerência e continuidade relativamente
aos documentos curriculares em vigor, encontrando-se as mesmas dependente do governo
que lidera o país em determinado momento (O problema é que, como diz o ditado “cada cabeça sua
sentença” e a cada vez que muda o governo mudam também as políticas educativas. Pela falta de acordo,
temos um Currículo que tem andado um pouco aos trambolhões nestes últimos anos. Não deixando de
ser preocupante todas as alterações que se verificaram após 2013, onde pudemos ver uma verdadeira
revolução curricular no que toca ao nível meso, onde o atual ministro decidiu ignorar todo um conjunto
de orientações internacionais, de investimento realizado na formação dos professores, da aquisição de
recursos e equipamentos para as escolas. Esta mudança curricular saiu bastante cara pois, pela rapidez
com que se alteraram os programas, estas alterações não tiveram tempo de chegar de forma clara ao nível
micro e nano, faltando aos professores tempo de adaptação e de compreensão das mudanças curriculares
efetuadas.). Parece verificar-se como as constantes alterações podem conduzem a um certo caos
educativo, onde de um ano para o outro, tal como o professor descreve, se torna necessário
repensar os programas, sendo que os professores, aqueles que se encontram na linha da frente,
são os que mais sofrem com tais decisões.

O professor refere, ainda, como as alterações curriculares implementadas parecem ter


implicação nas aprendizagens dos alunos (Posso dizer que foi um verdadeiro retrocesso
educativo, aliás, como os resultados PISA bem vieram mostrar. Como já tive a oportunidade
de referir, vivemos atualmente uma nova mudança curricular que traz, a meu ver, uma nova
lufada de ar fresco no toca a Currículo. Parece-me que, finalmente, ao nível macro se começa
a perceber que a escola não é só feita de manuais escolares e de conteúdos. Há alunos, pais e
professores que fazem parte de uma instituição que só faz sentido existir que trabalhar em
cooperação.). O professor destaca como a implementação do novas orientações curriculares
poderão trazer benefícios para o processo de ensino e de aprendizagem.

Em certo momento, o professor elabora uma descrição e reflete sobre o conceito de


currículo decorrente de leituras que realizou. Quer parecer-nos, mais uma vez, que o professor
investe na atualização dos seus conhecimentos pedagógicos e didáticos (Currículo refere-se não
só às aprendizagens esperadas que os alunos adquiram mas também ao caminho que se deve traçar, à
organização, às metodologias para se conseguir alcançar essas aprendizagens. Foi interessante verificar,
pelas minhas leituras, que o conceito de currículo funde-se a longo da hierarquia educativa. Ou seja,
currículo não é só definido pelas entidades centrais mas também pela escola e até pelo próprio professor.
A realidade escolar de cada turma obriga a que o professor se veja incumbido da tarefa de definir o seu
próprio currículo para uma determinada turma.). Quer parecer-nos que o professor aprofunda o
tema no sentido de compreender com maior detalhe o seu papel como profissional educativo.

169
O professor refere, no seu caso particular, os desafios com que se tem deparado no sentido
de articular as referidas alterações curriculares com o modelo do MEM (Atualmente, com a
divulgação do documento Perfil do Aluno para o Sec. XXI, começa a notar-se preocupação pelo
desenvolvimento não só de competências científicas, mas também de todo um conjunto de competências
sociais. Ora, esta sempre foi uma preocupação do MEM, senão o seu foco de orientador. Desenvolver
esta forma de trabalho tem-me exigido uma programação muito cuidada, pois o tempo semanal
disponível, e embora siga à risca os tempos letivos definidos pela Ministério, acaba por ser um pouco
virtual, pois não há semana em que se desenvolvam atividades comuns que quebram as rotinas do
grupo.). As alterações curriculares são sempre alvo de grandes desafios e conduzem a muitas
questões realizadas por parte do professor (Será possível articular as várias áreas de competências
com as TIC? Que atividades planificar que de forma a ir ao encontro de todas as áreas de competência?
Será possível abranger todas as áreas de competência à luz da atual matriz curricular para o 1.º ciclo?
Será possível planificar atividades que promovam o desenvolvimento de mais do que uma área de
competência? Estas são algumas questões que me vão ocorrendo à medida que vou lendo os documentos
orientadores.). Temos verificado nos relatos do professor que o aprofundamento dos
conhecimentos que vai realizando, quer em formações quer por iniciativa própria, conduzem
a novos desafios à sua prática educativa. Estes desafios parecem sair espelhados nas
planificações que realiza (Por tudo isto me parece que, ao contrário das áreas de competência, os
valores representam um desafio maior no que concerne à planificação. Até porque, as áreas de
competência é algo tangível a curto ou médio prazo, com os valores já não se passa o mesmo, pois estamos
a intervir junto do foro emocional da criança e o trajeto para alcançar os objetivos previstos é bastante
maior.).

Assim, para corresponder aos novos desafios que orientações as curriculares colocam aos
docentes, o professor desenvolve algumas reflexões sobre os espaços onde ocorrem as
aprendizagens. (No que refere à organização, vou refletir sobre um tema que penso não ter sido ainda
discutido: "divisões". O conceito à partida parece estranho mas vamos pensar no seguinte: a
organização física do espaço escolar espelha, nos tempos que correm, a mesma estrutura escolar do início
do séc. XX. O espaço de sala de aula é algo que faz sentido à luz da estrutura curricular atual, é verdade,
mas rapidamente deixa de fazer se refletirmos sobre o sentido da escola.). Parece verificar-se, tal como
descrito pelo professor, como a estrutura organizativa da sala de aula se assemelha à do início
do séc. XX, no qual existe um conjunto de secretárias orientadas para um quadro pendurado
numa parede que, nos tempos que correm, é digital e não de giz. No sentido do
desenvolvimento do que é preconizado nas atuais orientações curriculares, o professor parece
destacar a importância da adequação dos espaços. Por outro lado, o professor regista sobre a

170
diversidade de recursos, instrumentos, práticas, que emergem quase que diariamente, como
se de uma moda se tratasse. (Atualmente tenho a sensação vivermos numa era de novas descobertas,
no que toca à Educação. Nada do que se defende atualmente é novo. Já foi pensado, implementado,
testado e investigado. E foi comprovada a sua eficácia pelos melhores avaliadores: os alunos.). O
professor refere, ainda, como este sempre foi o seu modo de trabalhar (Do meu ponto de vista e,
como já referi, estas alterações não se revelam uma novidade, pois foi sempre desta forma que entendi o
ensino, trabalhando de forma articulada tanto com os professores como com os alunos.). Reconhece
como o currículo estará mais centrado no aluno e descentrado dos conteúdos, atendendo às
particularidades de cada contexto educativo (Voltando um pouco ao inicio da minha reflexão, é por
isso que todas estas alterações não me espantam porque sempre trabalhei desta forma. Verdade é que
neste momento se deposita uma maior responsabilidade e confiança na comunidade escolar no que
concerne à contextualização do currículo.).

Na linha de pensamento do explicitado anteriormente, parece-nos pertinente incluir aqui


uma referência sobre um Sábado Pedagógico do MEM, no qual os professor do MEM se
juntam para refletir sobre temas educativos (encontros realizados pelos elementos do MEM para
partilha de experiências) e que revela como, de uma forma geral, a classe docente ainda se
encontra muito dependente do recursos físicos, apresentando alguma dificuldade na transição
para o digital (Um aspeto curioso que mencionou, e do qual já me tinha apercebido, foi que numa
audiência de cerca de 26 professores eu era o único a utilizar o portátil para registar notas, todos os
restantes recorriam ao clássico bloco de notas. Este panorama revela, até certo ponto, a resistência que
existe na integração das tecnologias, não só nas escolas, mas também na própria vida das pessoas.).

Sobre os recursos educativos, o professor destaca a dependência que parece vigorar nas
escolas portuguesas sobre manuais escolares. (Em Portugal, o recurso didático mais reconhecido
entre os docentes são os manuais escolares). O professor realiza uma descrição sobre os recursos
utilizados por um familiar próximo, também docente do 1.º ciclo (A minha avó foi professora
primária e recordo-me claramente de assistir às suas aulas, à forma como preparava lições, as fichas de
avaliação realizadas no gelatinógrafo e, claro está, à forma (in)eficaz com que mantinha a ordem na sala
de aula, quais reguadas democraticamente distribuídas. Era este o currículo dos anos 70/80. Esta esta a
realidade cultural de uma escola, perdida no interior do Alentejo, que não se questionava e onde tudo
corria de forma tranquila, se assim se pode dizer.). É uma descrição do professor que remonta aos
tempos em que a violência física exercida pelos professores sobre os alunos era entendida
como uma metodologia pedagógica efetiva.

O currículo da escola onde o professor leciona é alvo de algumas reflexões do professor.


Tal como descrito pelo professor, parece enquadrar-se numa visão mais tradicional do

171
processo de ensino e de aprendizagem, que parece colocar ao professor diversas dúvidas
sobre a forma de conjugar o currículo da sua escola com o modelo do MEM (Mas isto não
impede que faça a adequada gestão da visão e dos objetivos propostos. Não deixa de ser um desafio a
articulação proposta. Como é que os princípios do MEM se enquadram na visão e objetivos do colégio?
Como é que o currículo oficial português se cruza com a visão e objetivos do Colégio? Qual a melhor
forma concretizar esses objetivos? Qual o papel do Projeto Curricular de Escola à luz da visão e objetivos
do colégio?”; “Que momentos e que aprendizagens se tornam relevantes? Quais as disciplinas a
envolver na planificação? Fará sentido envolver todos os professores das diferentes disciplinas no
processo, ou posso apenas cingir-me às disciplinas por mim lecionadas?).

O professor destaca por diversas vezes o papel do colégio na formação dos professores
para o uso das TIC e tece algumas reflexões sobre este tema (Não me sai da memória, uma das
primeiras vezes que entrei numa das salas de informática, observar dois professores, talvez já perto dos
50 anos, a escrever no teclado do computador com uma velocidade espantosa. Fique muito curioso pois
foi toda uma nova realidade que não estava à espera encontrar, face ao que se passava no nosso país). O
colégio onde o professor leciona tem realizado ao longo dos anos um forte investimento na
implementação e desenvolvimento das TIC, quer em recursos digitais quer na formação dos
docentes (A verdade é que ao longos de todos estes anos o colégio tem realizado um forte investimento
em recursos informáticos, mas curiosamente, e relativamente ao que vi há cerca de 20 anos, observo que
os professores não têm conseguido acompanhar as mudanças que se operam ao nível das TIC.). No
entanto, o professor destaca a fraca adesão dos professores ao uso das TIC
independentemente do apetrechamento tecnológico e da formação desenvolvida.

O professor descreve algumas situações experienciadas onde destaca a dificuldade sentida


por colegas de trabalho na utilização das ferramentas digitais (Foi interessante pois esta
professora manifestou de forma presencial aquilo que tem vindo a ser uma constante nas conclusões dos
estudos realizados relativamente à integração das TIC em educação. Consegui perceber, pela sua
intervenção, que há um certo receio, ou até medo, de avançar para o mundo das TIC onde o medo de
errar é uma constante, encarando as TIC como um “bicho-de-sete-cabeças”.). O professor faz
referência a uma formação que realizou sobre o tema das TIC, na qual uma professora, que
também assistia à formação, descreveu o negro panorama sobre o qual as escolas se encontram
relativamente ao uso das TIC (No final, uma professora que é um elemento de referência no seio do
MEM, focou um aspeto que me deixou algo perplexo: comentou acerca das escolas por onde tem passado
nos últimos anos, onde ainda existem computadores obsoletos que não têm qualquer utilidade, escolas
que ainda não têm ligação à net, ou outras ainda em que, pela falta de recursos TIC os alunos revelam
uma total falta de literacia digital.).

172
O professor reflete sobre outra formação que realizou, onde a comunicadora refere
algumas das dificuldades sentidas na implementação e utilização das TIC (O tema da sua sessão
foi: Utilização de dispositivos móveis em educação digital. A sua apresentação começou de uma forma
interessante ao referir a dificuldade esforçada que sentiu, e ainda sente, na aprendizagem que tem
desenvolvido no que toca às TIC, assim como, todos os seus colegas de escola.) e parecer reconhecer,
especificamente, a falta de conhecimento sobre as ferramentas digitais e a falta das mesmas
na escola onde lecionar (Mais uma vez, esta professora que não deveria ter mais de 30 anos, começou
por referir o seu desconhecimento face às TIC por dois motivos: falta de domínio das ferramentas e falta
de ferramentas digitais na escola onde trabalha. (…) É de louvar o trabalho desta professora pois com
apenas 5 tablets consegue fazer um trabalho bastante interessante com os seus alunos, mas assumindo
sempre a sua limitação no que toca a conhecimentos tecnológicos.). Ainda sobre a formação, o
professor refere com a escola onde a comunicadora leciona os alunos não têm aulas TIC (Neste
colégio os alunos não têm aulas de TIC.). Perante as partilhas da professora sobre as dificuldade
no acesso às TIC, o professor reconhece e valoriza o empenho da professora em dar
continuidade ao trabalho pedagógico empenhando-se e integrar os poucos recursos digitais
disponíveis (Dada as limitações de recursos físicos, tem tentado desenvolver um modelo que permita
o uso das TIC sem que isso prejudique os alunos, tentando que todos tenham as mesmas possibilidade
de acesso.). Nas formações realizadas, o professor reconhece como os contactos estabelecidos
com outros profissionais lhe trouxe novos conhecimentos e também uma motivação acrescida
para o uso das TI (O que mais me agradou nestes encontros interagir com esses profissionais, que
eram professores como eu e que optaram por integrar as equipas de formação da Google, foi perceber que
havia toda uma panóplia de ferramenta digitais que me iriam permitir desenvolver e articular os
princípios construtivistas do MEM com as TIC.).

As competências sobre a literacia digital dos alunos parece ser uma preocupação do
professor e é alvo de algumas reflexões por parte do professor. O professor refere com os
alunos convivem com as tecnologias e revelam facilidade no seu uso (Com esta turma as volta
a repetir-se a mesma situação, mas fico mais surpreso quando os alunos me contam a facilidade com que
utilizam os telemóveis em casa, fazem filmagens e divulgam os conteúdos.). por vezes, com os alunos
a recorrer a aplicações de redes sociais para as quais o professor parece tentar sensibilizar os
seus alunos sobre os cuidados que devem ter (Há cerca de um ano saiu uma notícia sobre uma
série de registos falsos efetuados no Musica.ly com o objetivo de tentar estabelecer contacto com jovens.
Partilhei esta notícia com a turma e foi interessante verificar que parte das raparigas que utilizavam a
app tiveram o cuidado de ativar as definições de segurança assim como começaram a ser mais cuidados
com os conteúdos que colavam online). O professor refere o importante papel dos pais na

173
promoção da literacia digital dos filhos (Apenas uma aluna referiu que os pais tinham falado com
elas sobre os cuidados que deveria ter ao filmar e divulgar os filmes que fazia.). No entanto, o professor
regista como alguns Encarregados de Educação mostram alguma preocupação para os
perigos online mas, por outro, deixam os seus educandos utilizar livremente as redes sociais
(Em contrapartida, outra aluna referiu que fazia os filmes em casa de livremente sem a interferência dos
pais, filmado e divulgando os espaços familiares sem qualquer preocupação em especial.). É nesta linha,
que o professor parece revelar uma certa insegurança relativamente ao uso dos recursos TIC
com a atual turma (Com alguma frequência me pedem para utilizar os iPads mas este grupo ainda
não me inspira muita confiança no que toca à navegação na net.).

Sobre a segurança online dos alunos, como tivemos a oportunidade de descrever


anteriormente, o professor relata com alguma ênfase uma situação em que alunos em que foi
solicitada a sua ajuda na tentativa de resolver um problema que envolveu o uso desadequado
de instrumentos digitais (O que falhou ao longo destes anos para que os alunos assim que têm em seu
poder este instrumento tecnológico lhe dar uma utilização tão desadequada. Nem sequer tomaram
consciência que deixaram as provas no local do crime, acessível a qualquer um.). e que poderia ter
originado algumas situação mais graves e delicadas (Outra variável, e esta foi a aquela que mais
me indignou, foi o facto do bullying ao colega de turma. Por felicidade não passou a Cyber, talvez porque
não lhes tivesse ocorrido. Mais uma vez, acho que este seria um momento de ouro para intervir junto
desta turma e, possivelmente, de todas as turmas. Uma boa questão para pensar, o que fazer perante
uma situação destas, que estratégias adoptar?). Parece destacar, ainda, a importância de trazer
estes assuntos à discussão coletiva, como forma de trazer à consciência dos restantes docentes
a como a utilização desadequada das TIC poderá originar situações que podem pôr em causa
a segurança dos alunos (Parece-me que, numa das muitas malfadadas reuniões de conselho escolar,
um dos pontos de trabalho deveria ser a discussão conjunta do que se passou e de que forma intervir
perante isto. Uma das primeiras questões que deveria ser discutida era: o que falhou? O que justificou
uma atitude destas? Que estratégias, que cuidados, devem ter os professores e os alunos quando utilizam
estes equipamentos? Que intervenção se pode fazer junto da turma e como passar isso à restante
comunidade escolar? Será que estas situações não deveriam estar acauteladas no projeto educativo de
escola?).

Algumas atividades educativas com recurso às tecnologias digitais são descritas pelo
professor. (O jogo consistia numa corrida de 100m em que, cada atleta apenas avança, se responder
corretamente a questões de gramática que vão surgindo. O que foi interessante verificar foi que os
alunos, ou grande parte deles, carregava de forma aleatória nas respostas a fim de fazer o seu atleta
correr mais depressa. Ou seja, o seu foco era ganhar a corrida mesmo sem perceber que as hipóteses de

174
ganhar aumentavam se respondessem corretamente às respostas.). Numa atividade realizada com
recurso às tecnologias, o professor reflete ainda sobre a pertinência do referido jogo e sobre a
sua dimensão pedagógica, que levou a que os alunos atribuíssem maior importância à
dimensão competitiva que o jogo oferecia em detrimento da dimensão educativa (Tal como é
sabido, o jogo e a competição entre alunos depende muito da forma como é trabalhado com o grupo e
como o grupo entende, sendo importante clarificar os objetivos para os quais se trabalha, correndo o
risco de cair na competição apenas pela competição.).

Resultante de um corte geral de eletricidade na escola, o professor parece aperceber-se da


dependência que existe em relação TIC (Sem quadros interativos e projetores a funcionar, sem
ligação à rede, sem possibilidade de utilizar qualquer recurso digital, iPads e computadores também
estavam fora de questão.). Decorrente desta situação, o professor questiona a decisão tomada
pela direção em encerrar a escola e enviar todos os alunos para casa (Fiquei espantadíssimo com
a decisão. Foi tomada com base em que critérios? Será mesmo necessário evacuar uma escola completa
devido a um corte de energia? Será que a escola não tem capacidade de retomar o normal funcionamento,
por umas horas, apenas porque não há energia?). Face a isto, o professor questiona se será mesmo
necessário parar uma escola devido a um corte energético.

O professor compreende como as TIC oferecem o potencial para se mudar o paradigma


educativo, ainda assim, com desafios aos quais é necessário dar uma resposta. O professor,
questiona e reflete, com alguma frequência, sobre o impacto que as TIC podem ter no
paradigma educativo (Só por si, mudança do paradigma da instrução para o paradigma da
aprendizagem ou da comunicação, implica repensar todo um conjunto de novas situações. Aliando a
este facto a implementação as TIC, teremos pela frente um novo desafio. Será que as TIC trarão uma
nova visão a um modelo? De que forma permitem reorganizar o trabalho? Será pertinente a sua
reorganização?”; “Surgem duas questões, ou melhor, dois caminhos: será mais produtivo integrar as
TIC numa forma global com a livre utilização das TIC ou, por outro lado, será mais produtivo definir
orientações ou atividades concretas orientadas para o previsto nos documentos oficiais?). O professor
parece reconhecer como as novas tecnologias digitais não criado o esperado impacto nas
aprendizagem dos alunos (Partindo de uma problemática bem definida que se tem verificado
constante na educação, como o forte investimento no apetrechamento tecnológico e a consequente falta
de resultados na aprendizagem que se coadune com todo esse investimento, resultou na reflexão de um
conjunto de orientações que permitisse rentabilizar o investimento produzido.).

Sobre a direção da escola, o professor refere a dificuldade que parece encontrar no sentido
de levar a direção da sua secção a compreender a importância das tecnologias digitais no
ensino (No entanto, no que toca às tecnologias digitais, tem mantido o “pé atrás” na sua implementação

175
(…) Não deixa de ser curioso, e talvez caricato que ainda hoje, e após tantos anos, tenha de ano após
ano ir falar com a minha diretora para que me seja dada autorização para que os meus alunos tenham
acesso às contas de email (…) Hoje tive novamente outro encontro com a minha diretora pedagógica
para lhe explicar que as contas de Gmail ficam circunscritas ao domínio do colégio, e que os alunos
apenas vão utilizar a sua conta de email apenas para aceder à Escola Virtual com uma password cedida
pela Escola Virtual. Ainda assim não fica tranquila quanto à possibilidade de alguns alunos
conseguirem a pass do Gmail e enviar uma mensagem ao Presidente da República. Nem abordei o tema
da possibilidade de os meus alunos começarem a utilizar as Google Apps, como tenho feito em anos
anteriores. Ainda não percebi porquê mas este ano está particularmente preocupada com as contas
Gmail dos alunos.). O professor refere um conjunto de situações com que se tem deparado e
que, segundo parece, constituem uma dificuldade à integração das TIC nas suas aulas.

O professor descreve algumas situações em as tecnologias digitais parecem ter facilitado


o trabalho pedagógico em torno do modelo do MEM (Neste ponto, as TIC têm representado um
recurso útil no sentido em que permitiram organizar melhor o TEA, como por exemplo, na partilha de
recursos aos alunos. (…) As TIC deram uma grande ajuda pois realizei o plano semanal no Sheets,
ferramenta com a qual os alunos já estão familiarizados (…) A planificação no Sheets trouxe outra
grande vantagem: os alunos com falta de hábitos de organização e que, com alguma frequência, perdiam
os seus PIT, deixaram de o fazer, pois é bastante mais difícil perder um iPad do que uma folha de papel.
Outra vantagem é a de conseguir acompanhar, no meu computador, o progresso de cada um dos alunos
e desta forma, poder dar o devido acompanhamento aos alunos que mais necessitam da minha ajuda.).

Em algumas descrições, o professor remonta ao tempo do computador Magalhães e às


possíveis potencialidades que poderiam trazer ao processo de ensino e de aprendizagem
(Quando os alunos adquiriram os primeiros Magalhães vi neles uma boa possibilidade de desenvolver o
trabalho colaborativo através dos pequenos portáteis, pois traziam uma aplicação para o professor que
permitia a partilha de informação ou ficheiros como os Magalhães que estivessem ligados na mesma
rede). No entanto, o professor refere como não chegou a conseguir implementar os Magalhães
nas suas aulas e tirar o devido partido pedagógico (Frustrantemente nunca conseguimos tirar o
devido partido dos Magalhães.). O professor apresenta uma nota pessoa sobre o Magalhães, que
ainda guarda em pleno funcionamento (Ainda hoje guardo o Magalhães do meu filho mais novo,
que funciona na perfeição com o Windows 7).

Apesar de todas as condicionantes que o professor tem encontrado ao longo dos anos na
implementação das TIC, parece manter-se motivado para a utilização das tecnologias digitais
continuando a valorizar o seu potencial educativo (Tenho pena que esteja a surgir este entrave
pois as Google Apps são ferramentas digitas bastante mais poderosas, em termos educativos, que

176
qualquer outra plataforma pois permitem funcionam de forma flexível e integrada. Tenho de pensar
numa forma de contornar esta situação, pelo menos para já.). O feedback dos alunos parece motivar
o professor para o uso das TIC (Depois de uma breve explicação fui brindado com um “Ah! Que
giro!”. Estas intervenções são sempre motivadoras porque revelam o interesse das crianças pela
novidade e pela descoberta, em especial quando falamos de tecnologias digitais.).

Embora com pouca frequência, encontramos algumas descrições do professor sobre


situações concretas de trabalho com as TIC, em que destaca a motivação dos alunos para o
uso das ferramentas digitais (Os meus alunos estão sedentos de começar a trabalhar com os recursos
digitais. (…) Já lhes disse que vamos começar a utilizar algumas das aplicações da Google. Claro que o
entusiasmo da turma aumentou substancialmente (…) Esta é uma das tarefas preferidas dos alunos.
Tal como referido pela literatura as TIC oferecem um forte estímulo aos alunos. Só o facto de ir ao
computador escrever no teclado, colocar fotografia, mudar cores e templates e toda a interatividade que
o PC permite oferece um grande estímulo aos alunos.). Como já referido, o professor envolve os
alunos na preparação e organização das atividades letivas, também com recurso às TIC (Em
relação às TIC, o comentário foi unânime, todos referiram, e compreendem, a vantagem de fazer os
registos da evolução do trabalho individual no Sheets.). Assim, o professor parece, compreender as
sugestões dos alunos e implementa as decisões tomadas relativamente ao uso de instrumentos
na forma digital (Parece-me que, no que toca às TIC, o assunto é pacífico. Quer os alunos mais
avançados que os que carecem de mais acompanhamento, compreendem como o registo digital do seu
progresso é mais eficiente e simples de realizar.).

Face ao empenho empreendido pelo professor e pelos alunos na implementação das TIC
no processo de ensino e de aprendizagem, o professor parece reconhecer como ao fim de
algum tempo começaram a surgir alguns resultados positivos (No entanto, olhando para trás até
ao início do ano, posso afirmar com segurança que, no que toca a uma utilização autónoma e responsável
das TIC, os alunos evoluíram muito, e acima de tudo continuam motivados.).

Em síntese, o professor destaca como as alterações curriculares podem afetar de forma


positiva ou negativa o processo de ensino e de aprendizagem. Ao refletir sobre os desafios
que surgem da tentativa de articular as orientações curriculares com o modelo pedagógico do
MEM, o professor salienta o papel da escola onde leciona na dinamização e promoção de ações
de formação que permitam aos docentes adquirir as competências necessárias para o uso das
TIC no sentido de as integrar no currículo de cada disciplina.

No entanto, o professor observa ao longo dos anos um decréscimo no uso e na adesão das
tecnologias digitais por parte dos colegas, independentemente do apetrechamento

177
tecnológico e das formações desenvolvidas. Adicionalmente, o professor sublinha a
dependência existente nas escolas em relação aos manuais escolares que, do seu ponto de
vista, não contribui para a construção de um currículo centrado nos alunos e descentrado dos
conteúdos.

Relativamente às TIC, o professor manifesta preocupação com a literacia digital dos


alunos e dos docentes, bem como sobre o papel dos Encarregados de Educação no contributo
para a promoção do uso consciente e responsável das TIC por parte dos discentes. O professor
reflete sobre a possível articulação das TIC com o currículo em vigor, na necessidade de uma
reorganização, e o impacto que poderá ter no processo de ensino e aprendizagem.

Apesar das dificuldades, o professor mantém uma perspetiva motivadora para o uso das
TIC e reconhece o seu potencial educativo.

4.4.5 Síntese sobre outras questões relativas ao processo de planificação e de concretização

Em síntese, a dimensão relativa a “Outras questões que envolvem o processo de planificação”,


ajudou-nos a compreender um pouco melhor a forma de pensar, sentir e agir do professor.

Esta dimensão teve particular importância no sentido em que complementou as


dimensões sobre a planificação e a concretização, contribuindo com um conjunto de questões
que nos ajudaram a compreender melhor as descrições e reflexões do professor, mas que
também atribuíram dinâmica, expressividade e emoção ao diário de bordo.

Ao longo da leitura e análise das descrições do professor, tivemos a oportunidade de


acompanhar um misto de sentimentos descritos pelo professor. Estes sentimentos são o
resultado de todas as vivências que fazem parte do contexto educativo. Os sucessos
alcançados pelos seus alunos, quer sobre o uso das tecnologias digitais, quer pelo contributo
que o modelo do MEM oferece ao processo de ensino e de aprendizagem, são aqueles que
trazem ao professor sentimentos positivos, de satisfação e de motivação. Sentimentos menos
positivos, como frustração e incompreensão resultam, em grande parte, da dificuldade em
gerir as relações conflituosas que surgem entre os alunos da turma, da incompreensão pela
metodologia pedagógica que concretiza e das dificuldades e constrangimentos que resultam
da tentativa de implementação educativa das TIC. Verificamos como o professor tenta manter
uma perspetiva positiva, canalizando os seus esforços em prol das aprendizagens dos alunos
e da concretização do modelo pedagógico que orienta a sua prática.

178
O trabalho pedagógico assume também um valor de destaque. O professor descreve o seu
empenho na concretização dos princípios pedagógicos que orientam as sua prática. Aliás, este
quer parecer-nos que é principal objetivo pedagógico do professor ao querer garantir que os
alunos se apropriam da estrutura de trabalho pedagógico do MEM e que desenvolvem as
competências e valores preconizados pelo modelo, nomeadamente o respeito, a cooperação e
a autonomia. Os resultados advindos da aplicação educativa do modelo do MEM, como o
passar do tempo, tornam-se visíveis nas atitudes e comportamentos dos alunos. O professor
admite que a estrutura pedagógica do MEM é complexa de implementar e que os resultados
no comportamento e atitude dos alunos apenas se refletem a longo prazo.

Sobre as TIC, destacam-se as dificuldades relacionadas com os esforços na tentativa da


sua implementação, por vezes, sem sucesso. A articulação entre as TIC e o MEM suscita
algumas reflexões nas quais o professor pondera a relevância da integração e relação entre os
dois elementos. Destacam-se, ainda, referências relacionadas com as problemáticas que
resultam da falta de competências relacionadas com a literacia digital dos alunos e também
dos docentes da sua escola, com o professor a ser solicitado a intervir para ajudar na solução
desses problemas. Para adquirir os conhecimentos tecnológicos e pedagógicos, o professor
investe parte do seu tempo pessoal no aprofundamento de conhecimentos relacionados com
a educação e com as TIC.

Do ponto de vista do professor, os alunos são aqueles que se encontram mais predispostos
e motivados para o uso das TIC. Contudo, o professor compreende a sua responsabilidade na
implementação das TIC na sala de aula, pois isso pode determinar se serão usadas apenas
como uma ferramenta de entretenimento ou como um recurso pedagógico para promover a
aprendizagem.

Sobre os diferente momentos e rotinas de trabalho em sala de aula, foi a partir das
descrições sobre a elaboração da Agenda Semanal que tivemos conhecimento sobre alguns
desses momentos (“Escrita Criativa”, “Trabalho Curricular Comparticipado”, “Trabalho de
Aprendizagem Curricular por Projetos Cooperativos”), embora a concretização prática dos
mesmos não seja descrita e detalhada pelo professor.

Em síntese, esta dimensão relacionada com outras questões que se destacam durante o
processo de planificação e de concretização de atividades de ensino e de aprendizagem
representou uma parte fundamental das descrições do professor, pois permitiu dar corpo ao
diário de bordo, o qual apresenta não apenas um discurso descritivo, mas, fundamentalmente,
reflexivo sobre a prática educativa.

179
5 Conclusão e considerações finais

Decorrente do problema inicial, no sentido de compreender qual O papel e o lugar das TIC
no processo de ensino e de aprendizagem à luz dos princípios do Movimento da Escola Moderna,
apresentamos no presente capítulo as conclusões que decorrem dos resultados, procurando
responder às questões que orientaram esta investigação. Num segundo momento fazemos
uma reflexão sobre as aplicações e implicações das conclusões a que chegámos, seguindo-se
as limitações do estudo, concluindo com propostas de linhas de trabalho para futuras
investigações.

5.1 Sobre os desafios na organização das aprendizagens com recurso às TIC.

5.1.1 Como se organiza o processo de ensino e de aprendizagem, com recurso às TIC, em


respeito pelos princípios inerentes ao MEM?

Partindo dos resultados apresentados no capítulo anterior, destacamos o empenho de um


professor em incluir as TIC na prática letiva, na tentativa de promover a sua integração no
processo de ensino e de aprendizagem, em especial, com o modelo pedagógico do MEM.
Encontramos alguns registos, embora pontuais, que nos mostram iniciativas, atividades e, na
maior parte, reflexões sobre questões relacionadas com processo de planificação. No entanto,
neste processo é atribuído maior prioridade ao modelo pedagógico do MEM e à sua posterior
concretização, relegando as TIC e o seu contributo pedagógico para segundo plano.

Nesta linha, quer parecer-nos que a planificação e implementação de uma prática


pedagógica que se distancia do paradigma da instrução poderá revestir-se de alguma
complexidade e de alguns desafios no momento de pensar e organizar as atividades letivas
prevendo a integração das TIC e do modelo do MEM.

Destacam-se alguns aspetos que nos revelam alguns desses desafios. A preocupação com
a gestão do currículo parece resultar das dúvidas que se colocam acerca da melhor forma de
integrar os princípios pedagógicos do MEM com o projeto educativo e curricular de escola,
pelo motivo de a perspetiva pedagógica da escola poder prever uma perspetiva diferente
daquela que sustenta o modelo do MEM.

180
No currículo português, de uma forma geral, o professor de 1º ciclo acompanha a sua
turma ao longo de quatro anos, com início no 1º ano e concluindo no 4º ano de escolaridade.
Mas nem sempre assim se verifica. No caso deste estudo, tivemos um professor que apenas
leciona dois anos consecutivos, 3.º e 4.º anos. Este fator parece conduzir a um desafio
acrescido, no momento de pensar as atividades letivas com base no modelo pedagógico do
MEM, pois quando os alunos trazem interiorizado, de anos letivos anteriores, práticas de
trabalho que se aproximam com o modelo instrutivo o desafio parece ser maior pois existe a
dificuldade de modificar e adequar o comportamento dos alunos a uma nova forma de
trabalho pedagógico. Por outro lado, o desafio não se coloca apenas ao nível dos alunos mas
também ano nível do professor, pois este aspeto parece acentuar-se no processo de
planificação suportado pelo modelo do MEM, quando a restante comunidade docente não
partilha da mesma linha pedagógica, destacando-se um sentimento de isolamento face aos
restantes colegas de trabalho. Na necessidade de manter o contacto com outros professor que
partilham entre si os mesmos desafios educativos, a formação contínua parece ser uma forma
de manter a motivação para a planificação e concretização de atividades suportadas pelo
modelo do MEM, nomeadamente, na participação dos Sábados Pedagógicos dinamizados
pelo MEM, que concentra docentes que partilham entre si a mesma filosofia educativa. Assim,
a sintonia pedagógica com os restantes professores parece contribuir para a motivação que
poderá decorrer da empatia que se estabelece em torno da partilha dos mesmos ideais
educativos e que, consequentemente, poderá ter influência no desenho do processo de ensino
e de aprendizagem.

O tempo disponível parece constituir também um desafio na gestão do currículo, que


poderá estar relacionado com o tempo necessário para cumprir os programas que
contemplam as aprendizagens que os alunos devem adquirir ao longo do ano letivo, sobre a
necessidade de capacitar os alunos com as competências necessárias para a concretização do
modelo do MEM, ou ainda sobre a necessidade e importância de capacitar os alunos para o
uso das TIC.

No sentido de contornar alguns dos desafios até aqui descritos e de cumprir com os
objetivos pedagógicos quando se pretende articular o modelo pedagógico do MEM com as
TIC, parece resultar a planificação do processo de ensino e de aprendizagem onde, por um
lado, se pretende que os alunos se apropriem dos princípios que fundamentam o trabalho
pedagógico com o MEM e, por outro, a capacitação dos alunos com competências de literacia
digital. Pelo descrito pelo professor neste estudo, esta forma de pensar o processo de ensino e

181
de aprendizagem, atribuindo especial destaque ao modelo do MEM, visa garantir, de forma
segura e consolidada o desenvolvimento de um trabalho pedagógico assente na construção
cooperativa das aprendizagens e no desenvolvimento das competências de autonomia e, por
outro, na garantia da aquisição, por parte dos alunos de competências para os uso das TIC,
mais concretamente para a utilização segura dos recursos digitais disponíveis.

Seguindo a linha pedagógica do MEM, destacam-se os momentos de Conselho de


Cooperação Educativa, no qual os alunos têm um papel ativo e decisor no momento de
planificar as atividades letivas. Embora não encontremos com o devido detalhe relatos ou
transcrições de momentos de Conselho, apenas algumas descrições e reflexões do professor
sobre os temas discutidos, quer parecer-nos que estes constituem espaços importantes de
discussão, pois poderão contribuir para que os alunos se apropriem, de uma forma prática,
dos princípios sob os quais se orienta o modelo pedagógico no MEM. Neste sentido, parece
verificar-se o papel e contributo ativo dos alunos na gestão do currículo, considerando os seus
saberes e os interesses como ponto de partida para a preparação das atividades letivas.

Para a preparação das atividades letivas, é feita alusão, com uma certa frequência, aos
documentos oficiais que orientam a planificação de atividades letivas. Não encontramos
registos muito detalhados sobre o tema, mas encontramos reflexões sobre a sua relevância
para o processo de planificação de concretização, o que nos parece indicar, mais uma vez,
como estes constituem um elemento importante no momento de preparar e organizar as
atividades letivas.

À luz dos princípios do MEM, embora se reconheça o papel dos documentos curriculares,
os mesmos, até ao presente momento, não foram entendidos como facilitadores do processo
de organização e planificação do processo de ensino e de aprendizagem, mas antes, pela sua
complexidade, como algo que cria dificuldades ao processo dentro de uma perspetiva
construtivista, onde se consideram os saberes e interesses dos alunos como o elemento central
no momento de planificar as atividades, e na medida em que se assume o papel ativo e
participativo do aluno nas tomadas de decisão relativas à preparação e planificação de
atividades. Parece ficar reconhecida a difícil interpretação dos programas oficiais,
considerando-se que deveriam estar mais orientados como uma ferramenta para ser utilizada
pelos alunos e não tanto pelos professores. Desta forma, como a linha curricular do modelo
do MEM pressupõe que os alunos, de forma cooperada, desenvolvam a planificação das
aprendizagens e atividades a realizar, existe a necessidade de o professor proceder à reescrita
do programa, adaptando-o à faixa etária dos seus alunos para que possam apropriar-se dos

182
conteúdos que devem ser aprendidos. Assim, embora não se constate com o devido detalhe
os instrumentos utilizados no momento de organizar e planificar o processo de ensino e de
aprendizagem, as diversas descrições sobre este tema parecem apontar para uma forma de
organização o trabalho pedagógico que se distancia do paradigma da instrução, centrado no
professor, sobre quem recai toda a responsabilidade no momento de pensar as atividades
letivas, para se aproximar do paradigma da aprendizagem, em que os alunos têm um papel
de responsabilidade nas tomadas de decisão relativas à planificação das atividades letivas.

Pelo descrito até aqui, parece evidenciar-se que a organização de um modelo pedagógico
construtivista, como o do MEM, carece de alguns cuidados, e uma certa exigência, no sentido
de garantir a compreensão e apropriação da estrutura de trabalho, por parte dos alunos, e a
consequente concretização. Neste sentido, verifica-se a necessidade e a flexibilidade da parte
do professor relativamente ao desenvolvimento do trabalho pedagógico assente no modelo
do MEM pois, do seu ponto de vista, não descura a possibilidade da adoção de uma postura
mais tradicional no momento de preparar as atividades letivas no sentido de garantir as
aprendizagens dos alunos. Assim, numa primeira fase para apropriação da estrutura
pedagógica do modelo do MEM, é o professor que em Conselho orienta a planificação
semanal das atividades a realizar, orientando os alunos no cumprimento dessa planificação.
Numa segunda fase, quando os alunos já se encontram mais familiarizados com o modelo e
mais autónomos na sua aplicação, o professor passa a responsabilidade da planificação para
cada um dos alunos, orientando-os na seleção e planificação dos conteúdos, em que cada
aluno é livre de planificar e organizar o percurso das suas aprendizagens. Pare reconhecer-se
a exigência, quer para os alunos quer para o professor, desta forma de trabalho pedagógico.
No entanto, a longo prazo, parece valorizar-se as implicações positivas nos alunos na
predisposição para a aprendizagem.

Sobre as TIC, é referido como, pela primeira vez, é contemplado nos documentos
curriculares orientações específicas para o ensino e aprendizagem das TIC. Neste sentido,
parece evidenciar-se a desvalorização, ao longo dos anos, de uma área tão importante como
as TIC.

Sobre o trabalho curricular visando a integração das TIC como o modelo pedagógico do
MEM, encontramos descrições e reflexões em torno do tema, sem transparecer de forma
detalhada e concreta o processo de planificação. Parece reconhecer-se os contributos do
potencial pedagógico das TIC no momento de planificar as atividades, como o
desenvolvimento do raciocínio lógico, a resolução de problemas, o pensamento crítico e o

183
pensamento criativo. No entanto, destacam-se algumas dúvidas sobre a pertinência da
integração das TIC no modelo do MEM. Estas incertezas aparentam resultar de alguma
insegurança no uso das ferramentas digitais por parte dos alunos, o que podem conduzir a
alguns cuidados na sua implementação. Assim, e tal como referido, reforça-se a ideia de se
planificar dois caminhos separados, onde por um lado se garanta a concretização da estrutura
de trabalho pedagógico do MEM e por outro a aquisição de competências relacionadas com o
uso educativo das TIC. Esta opção parece relacionar-se com o reconhecimento da
complexidade educativa imposta pelo modelo do MEM e pelas TIC.

Sobre os resultados que uma tal planificação poderá ter em termos de aprendizagens
efetivas questiona-se se todos os esforços desenvolvidos ao longo dos anos terão, realmente,
surtido algum efeito em termos de aprendizagem.

O professor manifesta o cuidado na escolha de atividades relacionadas com as TIC que se


distanciem do jogo lúdico com a aproximação a atividades que se aproximem dos princípios
do MEM, nomeadamente o desenvolvimento da autonomia das aprendizagens e da
autorregulação das mesmas. Uma das estratégias parece ser a adaptação dos instrumentos de
pilotagem, como por exemplo o PIT ou as Listas de Verificação para uma versão digital,
recorrendo às ferramentas digitais que tem ao dispor. Das vantagens e desvantagens descritas
sobre estra estratégia destaca-se a possibilidade de transpor as barreiras físicas sempre que
for necessário aceder a tais instrumentos, visto os referidos instrumentos se encontrarem
alojados online. De salientar, que estas opções são colocadas à consideração e discussão dos
alunos, para efeitos da planificação da atividades a realizar, durante os momentos de
Conselho de Turma.

Nesta linha, seguindo uma abordagem educativa em que o aluno representa o eixo em
torno do qual gira o processo pedagógico, os materiais de suporte às aprendizagens também
tomam uma configuração diferente daquela assumida numa postura mais tradicional. Nesta
linha, o professor parece posicionar-se no lado do construtor de materiais pedagógicos,
afastando-se do consumidor de materiais já elaborados, como por exemplo, os manuais
escolares e o seu uso regular e sistemático como se verifica no ensino tradicional. Assim, o
professor parece valorizar os recursos tecnológicos digitais em dois sentidos concretos: como
suporte para a conversão dos instrumentos de pilotagem para o formato digital, quando
pertinente, e para a construção de novos materiais de suporte às aprendizagens dos alunos.

O trabalho letivo com a integração das TIC, como temos visto, poderá necessitar da
antecipação de determinadas situações, aliás, tal como é suposto acontecer em qualquer

184
planificação. Para isso, quer parecer-nos que a formação e preparação dos alunos para o uso
das tecnologias, dentro de uma perspetiva educativa das mesmas, poderá trazer posteriores
benefícios para o processo de ensino e de aprendizagem. Assim, destaca-se a preocupação
sobre a literacia digital do alunos. Neste sentido, evidenciam-se dois objetivos definidos pelo
professor: o cuidado no acesso à informação quando os alunos realizam pesquisas online e à
forma como os alunos comunicam e interagem online. Desta forma, o professor manifesta a
preocupação sobre a capacitação digital dos alunos com o objetivo de antecipar possíveis
constrangimentos que possam decorrer do uso das TIC.

Do ponto de vista do professor, a utilização das tecnologias encontra-se, por vezes,


dependente da aprovação da direção da escola que poderá condicionar o seu uso. Assim,
parece confirmar-se como as direções escolares acabam por condicionar a organização de
atividades letivas suportadas pelas tecnologias digitais e que poderá resultar do possível
desconhecimento sobre o potencial educativo das TIC.

Em síntese, ao invés de observarmos, de forma concreta, o processo de planificação do


processo de ensino e de aprendizagem com respeito pelos princípios do MEM com a
integração pedagógica das TIC, encontrámos um conjunto de reflexões realizadas por um
professor que resultam das dúvidas de quem pretende promover, de forma segura e
consistente, aprendizagens significativas. Um dos momentos que contribui para esse objetivo
é o Conselho de Cooperação Educativa pois, para o professor, constitui um momento
centralizador e organizador de todo o processo pedagógico no qual, com o contributo dos
alunos, se discutem e planificam não só as atividades a realizar, mas também aspetos
relacionados com dimensão social da turma. Tal como confirma Niza (2000), o Conselho é o
motor do processo autorregulado das aprendizagens que permite gerir a diversificação da
ação educativa. Assim, tal como confirmado pelos registos do professor no diário, os
momentos de Conselho parecem contribuir para o desenvolvimento de competências
relacionadas com desenvolvimento socio moral dos alunos e da autonomia dos alunos. A este
propósito, lembram Serralha (2007) e Niza (2009), que a planificação de atividades, quer sejam
relativas aos conteúdos a aprender, quer relativos à planificação de projetos ou outras
atividades, são momentos de crucial importância para o desenvolvimento das competências
de autonomia, do valor da cooperação, e que vão no sentido da promoção de uma verdadeira
diferenciação pedagógica. Acrescenta Paulus (2005), para que as crianças se possam
desenvolver como cidadãos a escola deve oferecer a possibilidade de contacto com uma
experiência democrática direta e não delegada. Quer parecer-nos que as decisões tomadas

185
pela turma nos momentos de Conselho representaram o ponto de partida para a organização
e construção cooperada do trabalho pedagógico pois, tal como reforça Niza (2007), no
Conselho cada aluno tem a oportunidade de contribuir para uma perspetiva social da
construção das aprendizagens onde a planificação é construída em coletivo, num momento
específico como resultado de interação e cooperação dentro de uma comunidade de
aprendentes.

A planificação das atividades parece ser suportada por alguns instrumentos pedagógicos.
Entre eles, encontram-se os que pretendem dar a conhecer aos alunos os conteúdos que devem
aprender nas diferentes disciplinas, que na sintaxe do MEM são denominadas como Listas de
Verificação. Pela complexidade dos programas oficiais, e pela dificuldade que os alunos têm
em os compreender, torna-se necessário, do ponto de vista do professor, proceder à sua
reescrita numa linguagem mais acessível aos alunos, de forma a interpretem e compreendam
os conteúdos que necessitam de aprender. Assim, como explicita Santana (1999), as
aprendizagens a realizar, tal como descritas nos programas oficiais, convertem-se em Listas
de Verificação de conteúdos, a partir das quais os alunos, com o apoio do professor,
planificam, monitorizam e avaliam o seu progresso relativamente ao programa a cumprir.

Os documentos curriculares são alvo de diversas reflexões que, do ponto de vista do


professor, constituem um elemento de peso no momento de planificar o processo de ensino e
de aprendizagem. No entanto, os documentos curriculares, parecem ser assumidos como
orientadores do percurso pedagógico e não como ponto de partida para as aprendizagens, tal
como acontece nos modelos tradicionais. Como consideram Porlan & Martin (1992), a
planificação de atividades letivas resulta de um certo trabalho de improvisação decorrente
das propostas de trabalho que estabelecem na sala de aula, onde é assumido como pouco
relevante a construção prévia de esquemas de conhecimentos onde, ao mesmo tempo, a
avaliação do trabalho que decorre da planificação é entendida como um processo coletivo.
Embora com poucas descrições concretas que nos permitissem aferir de forma clara com se
processa a planificação nos momentos de Conselho, com recurso a que instrumentos,
encontramos reflexões do professor que nos permitem compreender a importância do papel
dos alunos no contributo para o processo de ensino e de aprendizagem.

Por outro lado, no sentido de facilitar e de garantir a apropriação, por parte dos alunos,
de um modelo pedagógico como o do MEM, o qual parece revestir-se de um certa
complexidade relativamente à sua estrutura, na perspetiva do professor, poderá existir a
necessidade de se assumir, em certos momentos, uma postura educativa mais tradicional em

186
que a planificação fica a cargo do professor. No entanto, à medida que os alunos vão
adquirindo maior autonomia e domínio sobre a utilização dos instrumentos de pilotagem,
como as Listas de Verificação ou o Plano Individual de Trabalho, passam a participar na
construção coletiva e individual da planificação e que vai ao encontro dos seus interesses. A
este propósito, destaca Gomes (2011) como as Listas de Verificação permitem monitorizar o
progresso das aprendizagens quer de forma individual quer numa perspetiva coletiva.

Relativamente às TIC, estas não parecem assumir um papel de destaque, por três motivos.
O primeiro motivo relaciona-se com a pouca relevância atribuída às TIC, ao nível curricular,
em especial no 1.º ciclo do ensino básico, o que parece contribuir para a fraca adoção a nível
curricular e pedagógico. O segundo motivo prende-se com o papel decisor da direções das
escolas face às TIC, pois poderá constituir um fator de impedimento à sua implementação.
Nesta linha, como confirma Figueiredo (2016), desde a falta de visão dos decisores políticos
até à forte inércia na forma como se encontra organizada a escola, constituem fatores que
condicionam e que influenciam a forma como são implementadas as TIC em contexto
educativo. Como referido, estas condicionantes poderão resultar da falta de conhecimento
sobre o potencial educativo das TIC ou até da pouca valorização pedagógica atribuída às TIC.
O terceiro motivo parece resultar da exigência que requer o domínio técnico e científico das
ferramentas digitais, quer da parte dos alunos quer da parte do professor, para a organização
do processo de ensino e de aprendizagem visando a articulação do MEM e das TIC. Assim,
pelas descrições e reflexões do professor, estes são os motivos pelos quais parece atribuir
pouco destaque pedagógico ao papel das TIC.

Tal com esquematizado na figura 23, advindo das condicionantes observadas durante o
processo de planificação e concretização, parece evidenciar-se a necessidade de planificar um
percurso pedagógico, organizado em três momentos, visando a articulação entre o MEM e as
TIC.

Figura 23 - Processo visando a articulação entre o MEM e as TIC

187
Os três momentos representam um percurso que poderá permitir a integração pedagógica
das TIC. Num dos caminhos pretende-se que os alunos se apropriem do modelo pedagógico
do MEM e, noutro caminho paralelo, pretende-se que adquiram as competências relacionadas
com as TIC, mais especificamente, numa primeira fase, sobre a literacia digital. Num segundo
momento, após os alunos adquirem algum conforto e confiança no uso das tecnologias
digitais e a devida autonomia sobre trabalho com o modelo do MEM, poderá ser possível,
num terceiro momento, iniciar alguma articulação entre as duas vertentes educativas.

Na perspetiva do professor, o desenvolvimento de competências relacionadas com a


literacia digital parece constituir o suporte para o trabalho com as tecnologias digitais em
contexto educativo. Tal como confirma Blamire (2016), a literacia digital é uma competência
fundamental para o uso responsável das TIC, pois, como referem Sousa e Fino (2010), a
abundância de informação e de recursos, onde não existem critérios de seleção ou forma de
verificar a veracidade dos conteúdos disponíveis na rede, podem transformar-se em veículos
de desinformação e de confusão para os utilizadores.

Sobre o potencial pedagógico das TIC, nomeadamente em relação os recursos digitais,


Moita e Queiroz (2007) destacam a ideia de como os professores, ao longo dos anos, se
tornaram reféns de um sistema guiado por manuais escolares, onde a sua função era o de
simples executores de programas oficiais imposto pelos decisores políticos. Na perspetiva do
professor, as escolas ainda se encontram muito dependentes dos manuais escolares como
principal instrumento de apoio à aprendizagem. Nesta linha, quer parecer-nos que a
planificação de atividades que se enquadram numa perspetiva construtivista poderá englobar
a necessidade de reinterpretação dos recursos educativos, para os quais as TIC poderão dar
um contributo válido, procurando tirar, desta forma, partido do seu potencial pedagógico.

Os instrumentos de pilotagem que fazem parte da sintaxe do modelo pedagógico do


MEM, parecem desempenhar um papel importante no suporte à concretização do modelo, em
que a sua conversão para uma versão digital poderá, do ponto de vista do professor, abrir
novas possibilidades educativas, como eliminação do espaço físico da sala aula, pois os
referidos instrumentos passam a estar alojados numa cloud, quebrando, desta forma, barreiras
de espaço e de tempo. Na perspetiva do modelo do MEM, foi possível observar a tentativa
de adaptação do formato físico para o formato digital de alguns instrumentos, nomeadamente
as Listas de Verificação e o Plano Individual de Trabalho. Como observado, estes dois
instrumentos parecem constituir um elemento importante no suporte à planificação de
atividades realizada, como visto anteriormente, nos momentos de Conselho.

188
Assim, e para concluir, relativamente à organização e planificação das atividades em
respeito pelos princípios do MEM em articulação com as TIC, foi possível verificar o papel
atribuído à planificação no processo de ensino e de aprendizagem, sob que princípios
orientadores, com recurso a que instrumentos, que configuração assume, que condicionantes
e preocupações são colocadas durante o processo e quais as estratégias encontradas para
contornar os desafios que surgem durante o processo de planificação. Apesar de algum déficit
de descrições mais detalhadas que nos pudessem ajudar a sermos mais assertivos, pode
concluir-se, em geral, que as TIC não foram assumidas dentro do potencial pedagógico
esperado, enquanto ferramenta educativa, desempenhando, antes, um papel de suporte e de
complemento ao modelo pedagógico do MEM. De facto, o diário não reflete de forma
detalhada os processos e os instrumentos que suportaram a planificação, mas sim, o
pensamento do professor face ao processo de planificação e concretização de atividades
visando o MEM e as TIC, com o MEM a assumir um papel prioritário face às TIC.

5.1.2 Que dinâmicas emergem da tentativa de concretização das TIC num ambiente
educativo de base construtivista?

Na resposta à 1ª questão de investigação foi possível observar como um professor reflete


sobre as decisões que toma durante a planificação e organização de um percurso de ensino e
de aprendizagem que permita a articulação do modelo pedagógico do MEM com as TIC.
Como descrito, o professor parece assumir uma perspetiva pedagógica mais tradicional ao
optar por dois percursos de aprendizagem que garantissem aos alunos a apropriação dos
princípios do MEM e a aquisição de competências na área da TIC. Iremos de seguida tentar
responder à 2ª questão de investigação no sentido de compreender como é que na prática se
verifica a referida planificação.

Nas descrições do professor sobre o processo de concretização encontramos referências a


alguns dos módulos que estruturam e suportam a concretização do modelo pedagógico do
MEM. O Conselho de Cooperação Educativa constitui um momento relevante do modelo
pedagógico do MEM, no qual são tomadas decisões relativas à vida escolar da turma. Este
momento parece ser dinamizado de forma regular em momento próprio a cada semana, onde
são discutidos temas, geralmente, decorrentes dos registos efetuados pelos alunos e pelos
professores no Diário da Turma. É nos momentos de Conselho que se planifica e avaliam as
aprendizagens e o trabalho realizado ao longo da semana anterior e se planifica a semana

189
seguinte. Sobre a avaliação desse processo, embora com poucos registos, é entendida como
sendo eminentemente formativa e é discutida com regularidade em conjunto com os alunos
nos momentos de Conselho. A planificação e a avaliação do trabalho realizado é registado,
por cada aluno, no Plano Individual de Trabalho, no final da semana de trabalho, que depois
é partilhada e discutida com os restantes elementos da turma, onde ser apresentam os
progressos realizados e as dificuldades que ainda persistem nos conteúdos de aprendizagem.
Assim, o PIT é o instrumento que permite a monitorização do progresso das aprendizagens
individuais e coletivas dos alunos e conduz à tomada de consciência sobre a importância da
planificação e da avaliação.

Sobre o Conselho de Cooperação Educativa destaca-se, essencialmente, o seu papel no


desenvolvimento das competências de cooperação. A dificuldade de relacionamento entre os
alunos da turma é uma das dificuldades apontadas pelo professor. Neste sentido, o tempo
despendido pelo professor na mediação de discussões durante os Conselhos permitiram, a
longo prazo, conduzir a resultados positivos no desenvolvimento das competências sociais
dos alunos e a melhor relacionamento entre os alunos com implicações positivas no processo
de ensino e de aprendizagem.

Para além dos módulos que constituem o modelo do MEM existem um conjunto de
instrumentos de pilotagem que contribuem para a organização e monitorização do progresso
das aprendizagens, assumindo um papel importante para a concretização do modelo
pedagógico do MEM. Para a devida apropriação dos referidos instrumentos, existe a
necessidade de reescrita, numa linguagem acessível aos alunos, dos documentos curriculares,
oficiais assim como, a restruturação de alguns dos instrumentos que suportam o modelo do
MEM. A reescrita dos programas curriculares oficiais tomam a forma de Listas de Verificação,
as quais contemplam os conteúdos que os alunos devem aprender ao longo do ano letivo.
Estas listas são posteriormente apresentadas aos alunos a partir das quais, os alunos, em
Conselho, elaboram a planificação. Do ponto de vista prático, o professor parece seguir uma
estratégia em que as diferentes propostas de planificação são apresentadas pelos grupos que
as elaboraram e são posteriormente colocadas à votação pela turma, selecionando, desta
forma, aquelas que melhor se adequam aos interesses da turma.

Foi em torno da construção dos instrumentos de pilotagem que encontrámos as primeiras


referências sobre o papel das TIC, especificamente no apoio à construção e implementação da
Agenda Semanal. A Agenda Semanal é um instrumento que corresponde ao que normalmente
se apelida de “horário da turma”. Verifica-se a primeira tentativa de elaborar a Agenda

190
Semanal numa folha de cálculo, posteriormente apresentada aos alunos para que a possam
analisar e dar os seus contributos sobre possíveis alterações e adaptações. Embora se pareça
valorizar a transição para um formato digital dos instrumento de pilotagem, o professor
reconhece a necessidade de manter a Agenda Semanal afixada numa parede, sob a forma de
papel, pois permite a acessibilidade imediata a todos os alunos. Verifica-se, desta forma, que
o formato tradicional dos instrumentos educativos poderá ter, ainda, vantagens face ao digital
na concretização das atividades letivas. Por outro lado, os alunos reconhecem o contributo
das TIC na simplificação e execução de determinadas tarefas diárias, como por exemplo no
acesso ao PIT na forma digital, que se torna mais prático e requer menos tempo, ao invés de
arquivado no formato de papel no dossier das aprendizagens. Com o passar do tempo, parece
verificar-se como a destreza adquirida pelos alunos na utilização dos recursos tecnológicos
contribui para que o tempo despendido durante o processo de aprendizagem seja
rentabilizado de forma mais útil. No sentido de garantir a devida apropriação das novas
ferramentas e instrumentos digitais, do ponto de vista do professor, existe a necessidade de
se averiguar a recetividade dos alunos face a novas configurações dos referidos instrumentos
e de avaliar a sua viabilidade prática à luz do modelo pedagógico do MEM.

Como previsto no processo de planificação, verifica-se a preocupação com a capacitação


dos alunos na área da literacia digital e sobre o conhecimento técnico necessário para os uso
dos recursos tecnológicos de forma responsável e segura. Uma das plataforma descritas pelo
professor que parece concorrer para a tomada de consciência da segurança online é e
plataforma “SeguraNet”, nomeadamente as tiras de banda desenhada, que conduzem à
realização de fóruns de discussão sobre os temas relacionados com a segurança online. É
referido pelo professor que alguns alunos já utilizam os seus smartphones para aceder e
partilhar conteúdos em algumas redes sociais, embora sem dar grande atenção às questões de
privacidade e de segurança online e com pouca monitorização dos Encarregados de Educação.
A falta de descrições mais detalhadas sobre estas reflexões poder-nos-iam conduzir a uma
compreensão mais profunda das aquisições dos alunos em termos da literacia digital. Do
ponto de vista do professor, os conhecimentos sobre literacia digital é uma competência
importante quando se pretende implementar as TIC em contexto educativo. A falta dessas
competências podem conduzir a que os alunos e os professores utilizem os recursos digitais
de forma menos própria. O desconhecimento face aos perigos que as TIC transportam aliada
a excesso de confiança e de liberdade quando se entregam recursos digitais aos alunos poderá
contribuir para o uso desadequado dos recursos tecnológicos.

191
A prática letiva diária com recurso às tecnologias, orientada numa perspetiva pedagógica
do uso das mesmas, parece constituir fator de interesse e de motivação para o seu uso por
parte dos alunos e do professor. Este facto parece verificar-se sobre o Trabalho de
Aprendizagem Curricular por Projetos Cooperativos. Tal como referido pelo professor, quer
parecer-nos que a realização dos projetos constitui uma atividade de grande interesse para os
alunos, pois os temas realizados parecem partir dos seus interesses e desenvolvidos com
recurso às tecnologias digitais. De acordo com o professor, esta forma de trabalho facilita a
aprendizagem e consolidação de aprendizagens e também de competências na área das TIC,
destacando como ao fim de alguma tempo de trabalho com as ferramentas digitais, os alunos
são capazes de transferir para novos contextos algumas estratégias e competências digitais
adquiridas, como resultado da realização do trabalho de aprendizagem assente em projetos.
Assim, parece evidenciar-se como o recurso às TIC, quando orientadas numa perspetiva
pedagógica, poderá constituir uma motivação para o seu uso e também contribuir para
aquisição de novas aprendizagens e competências na área das TIC.

Por outro lado, para se poder tirar o devido potencial educativo das TIC não basta ter a
motivação e os conhecimentos necessários, sendo também importante ter à disposição os
recursos tecnológicos adequados. Uma escola bem apetrechada ao nível de recursos digitais
e que também investe na formação dos seus professores na aquisição de competências
relacionadas com as TIC poderá contribuir para uma visão pedagógica mais integradora das
tecnologias. No entanto, pode concluir-se que é necessário que os professores invistam na sua
formação, no sentido de acompanhar o progresso tecnológico, e que apliquem nas suas aulas
as aprendizagens adquiridas pois, caso contrário, devido à falta de conhecimentos na área das
TIC, quer da parte dos professores quer da parte dos alunos, corre-se o risco das mesmas
serem pouco rentabilizadas ou até integradas de forma pedagogicamente desadequada

Em síntese, embora não se torne claramente explícito o objetivo concreto de articulação


das TIC com o modelo pedagógico do MEM, na perspetiva do professor, parecem evidenciar-
se algumas vantagens para o processo de ensino e de aprendizagem como resultado da
referida articulação. Dos resultados apresentados, podemos inferir dois objetivos para a
articulação do modelo do MEM com as TIC. Um deles prende-se com o contributo das TIC
para a rentabilização do tempo que é necessário para a concretização de um modelo educativo
de base construtivista, tendo em vista a necessidade de garantir as aprendizagens curriculares
dos alunos ao longo do processo. Outro objetivo relaciona-se com a necessidade de repensar
e reorganizar um contexto de aprendizagem que permita aos alunos, com a devida

192
autonomia, o fácil acesso ao currículo pois, tal como apontam Weill e Joyce (2003) as
tecnologias permitem romper com barreiras de tempo e de espaço contribuindo para uma
nova reconfiguração do que se entende por “escola”. Tal como assinala Costa (2009), as TIC
configuram não apenas novas formas de viver e de trabalhar, mas também novos modos de
ensinar e de aprender.

Especificamente em relação à concretização do modelo pedagógico do MEM, algumas


dificuldades parecem emergir na sua concretização, como é o caso da complexidade que
envolve a concretização do modelo pedagógico do MEM que, de acordo com os princípios
que o estrutura, poderá exigir dos professores e dos alunos o tempo necessário para a sua
apropriação. Referimo-nos, especificamente, em relação aos diferentes módulos e
instrumentos que compõem o modelo e que requerem dos alunos o devido tempo para a sua
apropriação. Esta dificuldade poderá tornar-se acrescida, tal como observado neste estudo,
quando os alunos tomam contacto com o modelo pedagógico a meio de um ciclo de
aprendizagem, transportando consigo, de anos anteriores, metodologias de trabalho
pedagógico diferentes daqueles preconizados pelo modelo do MEM. No entanto, os
resultados observados ao fim de um determinado tempo de trabalho pedagógico suportado
pelo MEM parecem apontar para resultados positivos ao observar-se, essencialmente, como
refere Paulus (2005), uma prática educativa que se distancia do ensino tradicional para se
aproximar de uma forma de ensino e de aprendizagem que entende a escola como espaço de
humanização, centrada num espaço de diálogo cooperativo e construtivo dos saberes.

Sobre as TIC, foi possível encontrar, embora de forma ténue, algumas estratégias que
parecem alinhar-se com o uso das TIC enquanto ferramentas de aprendizagem. De acordo
com o professor, foram visíveis, por exemplo, o interesse e motivação dos alunos para o uso
das TIC quando, ao fim de um certo tempo de prática, interiorizaram algumas das suas
potencialidades educativas e realizaram a transferência dos conhecimentos adquiridos para
outros contextos de trabalho.

De facto, tal como destacam Aviram e Richardson (2005), a aquisição de competências


sobre literacia digital por parte de alunos e professores parece constituir um fator
fundamental quando se pretende implementar um trabalho educativo suportado pelas TIC.
Dado o volume de informação disponível e acessível a todos, a falta de conhecimento sobre
os perigos que envolvem as tecnologias poderão conduzir ao uso menos adequado das
mesmas, sob o risco de reverter o seu potencial pedagógico. Deste modo, e tal com observado
nos resultados apresentados, quer parecer-nos que para se aprender com as TIC será

193
necessário primeiro aprender sobre as TIC. Nesta linha, como reforça Costa (2012), o uso
proficiente e informado das tecnologias digitais poderá conduzir a uma utilização mais
eficiente e responsável das mesmas.

Sobre o papel dos cargos de direção e gestão escolar no contributo para o desenvolvimento
tecnológico das escolas, de acordo com o professor, verificou-se como o desconhecimento
sobre o potencial educativo das TIC poderá constituir um impedimento à sua implementação
pedagógica. Este facto parece alinhar-se com o descrito por Figueiredo (2016) quando destaca
como a falta de visão dos cargos de direção podem ter uma forte implicação no processo de
desenvolvimento das TIC nas escolas.

Assim, segundo as descrições do professor, verificámos momentos da prática letiva que


nos permitiram conhecer de forma mais próxima os desafios que se colocam no processo de
concretização das TIC em contexto educativo, sobre um conjunto de dinâmicas educativas
que se revestem de desafios e de alguma complexidade quando se pretende articular um
modelo pedagógico construtivista, como o do MEM, com o potencial pedagógico das TIC.
Esta complexidade parece resultar, essencialmente, da necessidade de recriar um ambiente
educativo propício à construção de novas aprendizagens, alinhado, como referem Castells e
Cardoso (2005), com os novos desafios e os novos cenários sociais impostos pelas tecnologias
digitais. Foi possível constatar a concretização de um processo de ensino e de aprendizagem
que resultou, essencialmente, de alguma antecipação refletida sobre o processo que conduz a
esta forma de trabalho pedagógico.

No entanto, não nos pareceu ser possível verificar da parte do professor uma utlização
pedagógica inovadora das tecnologias digitais. Na apresentação dos resultados, destaca-se
como o professor delega para segundo plano a perspetiva pedagógica das TIC para atribuir
prioridade à concretização do modelo pedagógico do MEM, embora valorize e perspetive, ao
logo da reflexões desenvolvidas sobre o o processo de ensino e de aprendizagem, a integração
e articulação das TIC e do MEM. A prioridade atribuída ao modelo do MEM resulta, tal como
constatado, do reconhecimento que a complexidade na concretização de um modelo
pedagógico como o do MEM exige, quer para o professor, quer para os alunos.

Para concluir, a concretização de atividades de ensino e de aprendizagem tendo em vista


a articulação do modelo pedagógico do MEM com o potencial pedagógico das TIC revestiu-
se de diversos desafios. Do ponto de vista do professor, estes desafios resultaram da
complexidade do modelo do MEM, da sua apropriação por parte dos alunos e, ainda, dos
constrangimentos e dificuldades que emergem tendo em vista a integração das tecnologias na

194
prática letiva e a sua possível articulação com o modelo do MEM. Dos resultados
apresentados, e à semelhança do verificado durante o processo de planficação, destaca-se a
prioridade atribuida pelo professor ao modelo do MEM. Verifica-se, nas reflexões do
professor, que os desafios que encontra durante o processo de concretização do modelo do
MEM acabam por constituir um fator de alguma preocupação, dada a complexidade do
modelo e a dificuldade da sua aquisição por parte dos alunos. Um dos aspetos que contribui
para essa dificuldade, do ponto de vista do professor, deve-se ao facto dos alunos começarem
a escolaridade num modelo de trabalho pedagógico tradicional e ao fim alguns anos tomarem
contacto com uma estrutura de trabalho pedagogico muito diferente daquela a que estavam
habituados. Quer parecer-nos que este aspeto poderá ser um dos motivos que contribuiu para
que o professor se focasse mais no modelo do MEM e menos no uso das tecnologias.
Relativamente às TIC, o professor procurou, essencialmente, que os alunos adquirisem
competências de ordem técnica que lhes permitisse a utilização proficiente dos recuros
digitais disponíveis e tambem a aquisição de conhecimentos sobre literacia digital a fim de
garantir a navegação segura pela internet sempre que necessário. Verificou-se uma tentativa
de adequar alguns intrumentos físicos que suportam o modelo do MEM para uma forma
digital e que, do ponto de vista do professor, tiveram impacto positivo na rentabilização do
tempo disponível para a execução de determinadas tarefas e atividades. Por outro lado, o
professor refere como essa conversão do formato físico para para o formato digital nem
sempre simplificou o processo de apropriação do modelo do MEM devido à necessidade de
acesso imediato a certos instrumento que, num formato digital, levaria mais tempo. Foi neste
sentido que o trabalho de ensino e de aprendizagem não resultou na articulação pedagógica
do MEM e das TIC, mas resultou antes na tentativa de integração das TIC numa lógica de
complemento do trabalho pedagógico realizado.

Apesar das condicionantes e dos desafios encontrados ao longo de todo o processo, é


possivel constatar descrições do professor que referem o reconhecimento dos Encarregados
de Educação sobre resultados positivos relativamente às competênias aquiridas pelos alunos.
Nomeadamente, no interesse e motivação pela aprendizagem, na autonomia adquirida para
a concretização do trabalho letivo e nas competências de ordem técnica necessárias para o uso
profíquo das tecnologias digitais.

Assim, de acordo com os motivos previamente descritos, não conseguimos estabelecer a


articulação pedagógica esperada entre as TIC e o MEM. Em vez disso, e à semelhança do
previsto no processo de planificação, a concretização de ambas as vertentes educativas

195
ocorreu de forma separada, com uma perspetiva centrada na integração das TIC no modelo
do MEM.

5.1.3 Que outras questões emergem da tentativa do uso pedagógico das TIC?

Como tivemos a oportunidade de constatar, as descrições do professor sobre o processo


de planificação e de concretização, mais do que descrições concretas sobre momentos de
trabalho com a turma, constituíram um discurso eminentemente reflexivo. Parte destas
reflexões resultaram de preocupações, dúvidas e sentimentos com que o professor se deparou
ao longo do processo organização do processo de ensino e de aprendizagem. É sobre estas
questões que nos iremos debruçar a fim de tentar compreender melhor a sua influência sobre
a prática pedagógica.

É possível notar nas reflexões do professor uma preocupação com a gestão do tempo,
principalmente em relação à garantia do desenvolvimento dos princípios subjacentes ao
modelo do MEM. Em particular, as dificuldades de relacionamento entre os alunos da turma
parecem ser uma fonte de preocupação devido ao impacto que têm no decorrer das atividades
letivas. Por essa razão, o professor vê a necessidade de organizar com regularidade Conselhos
de Turma para trazer à discussão coletiva os problemas que surgem e encontrar soluções de
forma colaborativa. Ao longo do tempo, o investimento realizado na mediação das discussões
durante os Conselhos de Turma conduziu a resultados positivos nas dinâmicas da turma,
contribuindo para uma melhor cooperação e relação social entre os alunos. O professor
destaca a importância de tais discussões na promoção do desenvolvimento sociomoral dos
alunos e no contributo para a formação de cidadãos críticos e responsáveis.

De acordo com a perspetiva do professor, a relação pessoal e profissional entre os


professores pode ter implicações positivas e negativas no processo de ensino e de
aprendizagem. A implementação de uma prática pedagógica construtivista, que se distancia
do modelo tradicional, pode ser incompreendida pelos colegas de trabalho. No entanto, o
apoio e reconhecimento do trabalho pedagógico desenvolvido pelos cargos de direção e
coordenação motivam a continuidade desse trabalho.

O professor também destaca o papel dos Encarregados de Educação no processo de ensino


e de aprendizagem. O feedback fornecido por eles é um fator que contribui como motivação
para dar continuidade ao trabalho pedagógica. Além disso, o reconhecimento dos
Encarregados de Educação em relação à concretização do modelo pedagógico do MEM,

196
especialmente na aquisição pelos alunos de competências de autonomia, cooperação,
confiança, motivação e interesse pela aprendizagem, é bastante valorizado pelo professor.

Nessa linha, fica evidente que a implementação de um modelo pedagógico que se


distancie do paradigma da instrução e se aproxime do paradigma da comunicação, como o
modelo pedagógico do MEM, é um processo exigente do ponto de vista educativo. No
entanto, a longo prazo, os resultados produzidos nos alunos parecem ser bastante positivos.

Destaca-se um outro aspeto relacionado ao trabalho pedagógico apoiado pelas TIC, que é
a motivação e a satisfação no uso das tecnologias digitais. O professor destaca que uma escola
bem equipada com recursos educativos digitais é um fator motivador para o trabalho
pedagógico apoiado pelas TIC. No entanto, independentemente da quantidade de recursos
digitais disponíveis na escola, o professor destaca a dificuldade de integrar os recursos
tecnológicos de forma inovadora, complementar ou transformadora no processo de ensino e
de aprendizagem.

Apesar de trabalhar numa escola bem equipada com recursos digitais, o professor constata
que, ao longo dos anos, as mesmas práticas pedagógicas são mantidas, sem que haja inovação
decorrente do uso das TIC no processo de ensino e de aprendizagem.

Do ponto de vista do professor, a formação contínua, quer na área pedagógica quer na


área das TIC, parece desempenhar um papel importante no percurso dos docentes. O gosto
pela educação e pelas TIC conduz à motivação necessária para que o professore dedique parte
do seu tempo pessoal a atualizar os seus conhecimentos pedagógicos. Dadas as caraterísticas
da profissão docente, a formação contínua é uma condição indispensável ao desenvolvimento
de uma educação de qualidade. No entanto, aa experiência do professor, parece verificar-se
como a perspetiva pedagógica para o uso das TIC por vezes abordada nas formações de
professores, nem sempre se enquadra naquele que deveria ser o seu papel transformador,
centrando-se antes nas práticas dos professores e no suporte, por exemplo, à gestão da sala de
aula numa perspetiva instrutiva, ignorando o papel do aluno no processo educativo. Foi a
partir da descrição de algumas formações realizadas pelo professor que se confirma a
realidade educativa de algumas escolas publicas face às TIC, onde é referida a existência de
recursos informáticos desatualizados, e outros até obsoletos e sem qualquer possibilidade de
uso. Verifica-se ainda, o reconhecimento dos próprios professores face ao desconhecimento
técnico da área das TIC e como isso tem implicações na forma como abordam as tecnologias
digitais. Por outro lado, confirma-se a resiliência de alguns professores que, com tão poucos
recursos, continuam a empenhar-se na tentativa de integrar as TIC nas suas aulas.

197
Sobre a articulação do trabalho pedagógico entre o MEM e as TIC, parece observar-se, a
procura de um caminho que garanta, acima de tudo, a sua concretização de forma segura e
consolidada. É a partir deste objetivo que resultam as diversas dúvidas que decorrem da
insegurança de quem se aventura por novos caminhos pedagógicos, na perspetiva de
acompanhar a mudança dos tempos, em concreto ao nível das tecnologias digitais, com o
objetivo de trazer para o espaço educativo experiências de aprendizagem mais significativas
para os alunos e também para os professores.

Do ponto de vista curricular, verifica-se a preocupação relativa às sucessivas alterações


curriculares verificadas ao longo dos anos e que, do ponto de vista do professor, tem
contribuído para alguma instabilidade na prática docente. À data da escrita do diário vigorava
o Programa e Metas Curriculares verificando-se uma transição para novas orientações
curriculares, nomeadamente o Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória e as
Aprendizagens Essenciais. O professor valoriza a referida transição pois considera recentes
orientações mais adequadas e orientadas para o desenvolvimento global do aluno, indo, desta
forma, ao encontro dos princípios que fundamentam o MEM.

Em síntese, pelo que anteriormente foi dito, quer parecer-nos que a tentativa de
planificação e de concretização de um percurso de ensino e de aprendizagem que articule as
TIC com um modelo pedagógico construtivista, como o MEM, poderá constituir um caminho
repleto de desafios. As dúvidas e o questionamento que resultam da insegurança de quem se
aventura por novos caminhos no campo da educação poderá conduzir a que as tomadas de
decisão sobre o trabalho pedagógico sejam realizadas de forma mais sustentada com o
objetivo de conduzir a pequenos mas consistentes sucessos e a uma prática pedagógica com
mais sentido educativo não só para os alunos mas também para os professores.

Consideram Alla e Tomlinson (2002) como a mudança é enervante e nos faz sentir
desconfortáveis. Toda a mudança transporta desafios. Neste estudo evidenciaram-se os
desafios e a insegurança de um professor que se empenha na concretização do modelo do
MEM, o qual resulta de um contrato social e educativo entre alunos e professores, num
processo educativo democrático, livre de imposições e sanções, onde aprendizagem se veicula
através da cooperação, solidariedade e responsabilidade.

Sobre as políticas educativas, tal como assinalam Trindade e Cosme (2010), a falta de
consenso constitui um entrave à construção de uma escola com sentido, que parece resultar
do volume de conteúdos que os alunos devem aprender e do tempo necessário para a sua
aprendizagem. Nesta linha, lembra Freire (1978), como os professores são considerados

198
veículos com a função de entregar aos alunos encomendar ministeriais. Os programas oficiais
constituem um desafio acrescido aos professores, com implicação no processo de ensino e de
aprendizagem, no sentido em que são demasiados extensos dificultando não só a sua
concretização mas também o desenvolvimento de outras atividades letivas. Desta forma,
parece ser necessário a construção de uma planificação pensada e refletida, organizada de
forma cuidada e rigorosa, em especial na gestão dos tempos, para que se consigam trabalhar
todos as dimensões do currículo e que permita dar sentido e continuidade ao trabalho
pedagógico.

Em síntese, observaram-se um conjunto de vivências e de sentimentos experienciados por


um professor que integra na sua prática letiva uma perspetiva pedagógica construtivista e que
procura adaptar novas estratégias de ensino e de aprendizagem para as quais as tecnologias
digitais poderão contribuir de forma positiva. No entanto, à semelhança das questões de
investigação anteriores, relacionadas com o processo de planificação e com o processo de
concretização, não nos foi possível encontrar no professor um pensamento inovador sobre o
uso das tecnologias, mas antes um foco educativo centrado na concretização do modelo
pedagógico do MEM. Desta forma de pensar o ensino, resultaram um conjunto de outras
questões que complementam e influenciam o processo de planificação e de concretização. No
essencial, destacaram-se um conjunto de elementos que contribuíram como motivação para o
professor dar continuidade ao trabalho pedagógico. A expressividade com que o professor
descreveu e refletiu sobre as suas vivências educativas permitiram-nos sentir e compreender
um pouco melhor o seu quotidiano escolar.

5.2 Reflexão pessoal sobre o caminho até efetuado

Cientes das limitações inerentes às investigações de natureza qualitativa, procurámos ao


longo deste trabalho manter o rigor que esta abordagem exige. Assim, no capítulo destinado
à metodologia, tivemos oportunidade de focar alguns dos cuidados que iríamos salvaguardar
no decorrer desta investigação.

Gostaríamos, desta forma, de retomar e tecer algumas considerações que nos parecem
importantes para o presente trabalho antes de nos centrarmos, de forma mais concreta, nos
critérios de qualidade e nos procedimentos adotados.

A metodologia seguida nesta investigação adequou-se à mesma pelo paradigma de


natureza qualitativo em que nos posicionamos. Esta investigação teve caraterísticas peculiares
que lhe atribui, por um lado, simplicidade e humildade nos objetivos propostos, mas, por

199
outro lado, revestiu-se da adequada complexidade e rigor no que toca ao processo
metodológico.

Nesta linha, a nossa posição assume que o máximo que poderemos esperar de uma
investigação de natureza qualitativa são hipóteses de trabalho que se referem a um contexto
social muito particular (Guba, 1983). Por isso, não nos centrámos em semelhanças e
generalizações que possam ocorrer, mas antes na riqueza indutiva e interpretativa que emerge
dos fenómenos observados, neste caso, do contexto educativo.

Guba (1983), relativamente a critérios de qualidade, destaca uma comparação interessante


que nos faz refletir não apenas sobre o paradigma em que nos posicionamos, mas também
sobre a pertinência e rigor de um estudo de investigação. Assim, compara dois princípios: não
importa o que faças, desde que o faças bem em oposição a se não tem interesse não vale a pena fazer
sequer bem. São duas posições que nos levam a pensar sobre o trabalho que realizámos e o
paradigma em que nos posicionamos. Como nos movemos no campo das ciências sociais,
repleta de subjetividade, estamos em crer que, para a compreensão de determinados
fenómenos, o rigor específico de um laboratório não se adequa aos objetivos de investigação
a que nos propomos. No entanto, foi sobre princípios de rigor e adequada relevância que
orientámos o decorrer desta investigação. Arriscaríamos a acrescentar que importa fazer bem
com a apropriada relevância. Ou, nas palavras de Guba (1983), “Parece razoável perseguir o
equilíbrio entre o rigor e a relevância.”

Chegados a esta etapa da investigação temos de nos questionar se os resultados


encontrados são “bons” (M. Miles & Huberman, 1994). Num ponto, diversos autores são
unânimes quando referem que em investigações de natureza qualitativa não é fácil manter
um grau de qualidade satisfatório (Creswell, 2007; Guba, 1983; M. Miles & Huberman, 1994).
Estamos em crer que a investigação desenvolvida, e aqui corporizada, se revestiu do rigor
metodológico adequado à investigação que pretendemos realizar. Desta forma, estamos em
crer que as conclusões a que chegámos oferecem um contributo para o processo de ensino e
de aprendizagem.

Em síntese, procurámos neste trabalho capturar a subjetividade de um diário de bordo


escrito por um professor que trabalha diariamente com um grupo de alunos. Foi nesta
subjetividade que mergulhámos, assumindo o papel do professor que investiga a sua prática,
para compreender a dinâmicas daí resultantes no horizonte da melhoria da prática
pedagógica que exercemos como os nossos alunos.

200
5.2.1 Duplicidade professor-investigador

Como investigador, este trabalho revestiu-se de algumas particularidades que trouxeram


desafios acrescidos. Como diz Amado (2013), “…o trabalho final para ser satisfatório, não
poupa o investigador a alguns sofrimentos e angústias…”. Um desses desafios diz respeito ao
desempenho do papel de professor e ao mesmo tempo de investigador. Separar estes dois
papéis exigiu um processo não só de organização rigorosa, mas também de mentalização
prévia a fim de conseguir separar, com a clareza e a isenção necessárias, o papel de
investigador do papel de professor. Este processo constituiu um verdadeiro desafio pois a
envolvência regular com o processo de ensino e de aprendizagem dificultaram, em certa
medida, essa separação. Assim, e tal como referido no capítulos do enquadramento teórico e
da metodologia, foi importante definir e, acima de tudo, clarificar as fronteiras dentro das
quais iria desempenhar o papel de professor e o papel de investigador. Uma estratégia que se
verificou eficaz na tentativa de realizar uma leitura isenta dos dados, no papel de
investigador, foi o afastamento temporal dos mesmos, realizado de uma forma regular. Esta
opção, em certa medida, ajudou a que o conteúdo do diário caísse no esquecimento para que
mais tarde pudesse olhar para os dados sob uma perspetiva diferente e mais distante. Por
outro lado, o olhar atento do Orientador, enquanto juiz, durante todo o processo foi
fundamental para me ajudar a observar as invisibilidades que, por condicionamento da
profissão, nos escapam quando estamos envolvidos de forma próxima com o contexto no qual
os dados são recolhidos.

Como professor, a escrita regular do diário sobre o dia a dia escolar permitiu-me olhar
para este instrumento como um diálogo no qual partilhamos as dúvidas, as questões, as
frustrações e outros sentimentos que decorrem da vida de um docente. Como considera
Porlán & Martín (1992) o diário é um instrumento útil para descrição, análise e valoração da
realidade escolar. Os acontecimentos descritos no diário tornaram-se intemporais porque
permitiram que fossem revisitados sempre que necessário, a fim de estabelecer uma linha
temporal mais clara em torno dos acontecimentos. A escrita de um diário de bordo, neste caso
sobre educação, foi um processo que consumiu bastante tempo e nem sempre houve suficiente
para o fazer de forma eficaz, acabando, durante o dia, por tirar notas de campo a fim de reter
os acontecimentos que me pareciam relevantes para mais tarde os registar de forma mais
detalhada e refletida no diário de bordo.

Como professor e como investigador, penso que o maior desafio se colocou com o tempo
disponível para realização deste trabalho. Conciliar a vida profissional e familiar com um

201
trabalho de investigação desta natureza constituiu um verdadeiro desafio que só foi possível
ultrapassar com a motivação necessária suportada, por um lado, na crença da construção de
um trabalho que me iria enriquecer como profissional, mas, por outro, na perspetiva de
contribuir para essa causa tão nobre que é a Educação, em particular, em como integrar as
tecnologias digitais no processo de ensino e aprendizagem. Sem dúvida que este longo
caminho trilhado, em especial a escrita do diário, me enriqueceu como docente e me permitiu
adquirir novas ferramentas que me irão no futuro ajudar a analisar a minha prática letiva com
maior rigor.

A escrita do diário de bordo foi, sem dúvida, um momento importante de reflexão que
permitiu compreender com maior detalhe o “como” e o “porquê” de certos acontecimentos.
Neste sentido, entendi a escrita do diário como um confidente, um amigo com o qual podemos
contar, sempre pronto a ouvir os nossos desabafos sobre o dia a dia escolar. Foi um processo
gratificante do qual se conseguiu tirar uma certa satisfação pessoal, não apenas pela relação
de proximidade que se estabelece com a escrita do diário, mas também pelas respostas que o
diário nos vai facultado.

Por último, gostaríamos de destacar o trabalho de toda a comunidade que compõe o MEM,
pelo empenho desenvolvido no sentido da adaptação e adequação das TIC ao seu modelo
pedagógico, mesmo com os escassos recursos disponíveis nas escolas, graças à dinamização
de momentos de partilha de experiências no que diz respeito ao uso educativo das tecnologias
digitais, sem descurar os princípios pedagógicos pelos quais se rege o MEM. Acreditamos que
é através da visão de integração pedagógica das TIC que poderá emergir o potencial
necessário para uma experiência educativa mais enriquecedora.

5.3 Aplicações e implicações das conclusões

Tal como assinalado por diversos autores, independentemente do investimento


tecnológico realizado ao longo dos anos nas escolas, tem-se observado a existência de um
deficit no seu uso decorrente, essencialmente, da falta de preparação dos docentes quer no
campo pedagógico e didático quer no campo dos conhecimentos tecnológicos necessários
para a integração pedagógica das TIC. De certo modo, esta investigação reafirma esta
problemática pois um dos temas abordados no diário destaca especificamente a falta de
formação na área das tecnologias, quer da parte dos professores quer da parte dos alunos.
Alguns autores argumentam, ainda, que o problema poderá residir na formação inicial dos
futuros docentes e, posteriormente, nos processos de formação contínua. Toda esta

202
envolvência tem conduzido a um aproveitamento errático das potencialidades das TIC,
pendendo para o seu uso com base nas metodologias educativas tradicionais. Desta forma, os
diversos estudos na área concluem que fará sentido orientações mais estruturadas que
facultem aos docentes uma visão clara do que poderá ser o uso pedagógico das TIC. Por outro
lado, os autores assinalam como atividades relacionadas com o desenvolvimento de
comunidades de aprendizagem, como por exemplo com a dinamização de fóruns de
discussão em torno das questões pedagógicas e didáticas que envolvem as novas tecnologias,
poderão constituir um catalisador para o uso e integração das TIC com maior sentido
educativo.

Nesta linha, estamos em crer que este trabalho de investigação poderá contribuir para uma
melhor compreensão das questões que envolvem a implementação educativa das TIC e, mais
concretamente, o seu uso de um ponto e vista pedagógico, assim como, esperamos que possa
contribuir para clarificar o processo de planificação e concretização de ensino e de
aprendizagem de base construtivista tendo em vista a articulação com as TIC.

Este trabalho poderá, ainda, contribuir como ponto de partida para novas investigações
na área educativa dentro das perspetivas construtivistas da educação com vista à integração
pedagógica das TIC.

5.4 Limitações do estudo

Nas palavras de Zabalza (1994), “Esta é uma investigação aceitável, mas incompleta”. Este
trabalho enquadrou-se numa realidade concebida por um modelo pedagógico muito
particular, centrado num contexto muito específico. Na perspetiva de contribuir para a
melhoria do processo de ensino e de aprendizagem, e cientes dos desafios que iriamos
enfrentar, enveredámos por este caminho desbravando um terreno pouco explorado,
suportados pela literatura existente e norteados pelo contributo que o nosso trabalho poderia
trazer para a comunidade educativa.

Alguns aspetos que poderiam ajudar a clarificar esta investigação, oferecendo-lhe um


suporte qualitativo mais robusto, seria a recolha de um corpus documental mais variado,
integrando, por exemplo, gravações áudio e vídeo da atividade letiva, produções dos alunos
e do professor e possíveis entrevistas. No entanto, foi nosso propósito desenvolver uma
estrutura metodológica que se aproximasse o mais possível da prática concreta e regular de
um docente que trabalha diariamente com os seus alunos, daí termos optado pela escrita de
um diário de bordo que resultou como instrumento principal para recolha de dados. Assim,

203
estávamos cientes das limitações que o nosso percurso metodológico nos iria impor. Foi com
uma visão pragmática e humilde das opções tomadas que centrámos o nosso estudo em duas
vertentes educativas que nos pareceram basilares: por um lado, um professor que pretende
melhorar a sua prática e que nesse sentido escreve, de forma sistemática, um diário de bordo
no qual regista as suas vivências educativas diárias e, por outro lado, o mesmo professor que
de despe do seu papel de professor para assumir o papel de investigador para que desta forma
de dedique exclusivamente à análise do diário que escreveu. Decorrente deste propósito,
estamos cientes que a escrita do diário de bordo divergiu por temas que, até certo ponto, não
se encontram em linha com o tema inicial da investigação. No entanto, foi na riqueza das
descrições que resultaram da escrita do diário que conseguimos conhecer com maior detalhe
o contexto sob o qual se desenrolou este estudo e compreender os fenómenos que nos
propusemos investigar.

Apesar destas limitações, estamos em crer que um dos principais ganhos deste estudo foi
situar-nos na posição do professor que assume a investigação como estratégia de
desenvolvimento pessoal e profissional.

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