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.Jiftltalid.ade iardim
,~\A;Tropicá\ti}~:-~t·surgimento da
· 'i•':f" contrac'rlJ~hr brasileira
~-v~ ",.· ~ ~f?
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f'. ~:
Chrisfüpher Dunn
FUNDAÇÃO EDITORA DA UNESP
Diretor-Presidente
José Castilho Marques Netq 0
,., ..
Editor-Executivo j;,\1!:JP
Jézio Hernani Bomfim (l~º4i_Í~f~J
i;/\~iti!i;;···'· .:<;t·
Assessor Editoridl!f:•
Antonio Ce1~~~ffeira
Cláudi o Ad#;nf61R.abello Co ,, , ·
Mar(
LJl' j!:::~~¾t,
,JZosário Lo~gõ;'.(M !Shatti
M~t;~{:""'.ff'arnaçáo B{t~Jtt;Sposito
'~:Í4tJ4;~io Fernan,,~o B,9)~gnesi
· •P;ulo Céta~f'.~~t:tê;"Borges
" '~;t;·~.fi~~!,
Ro berto;~ dltf Kraenkel
Sétgi0;,,~ Iêé~te Moera
-~~y- -:::-i~:}it::
$~?~?,·L
··· · '''tires-Assistentes
ill\1~âerson Nobara
/•'t.; ''·7;;~:-'
,,;r;:.c., ·' Arlete Zebber
•ristiane Gradvohl Colas
Christopher Dunn
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A Tr<t!prj)i"a e _o ~ uf:' 4fu e nto
dar~cõrat
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Tradução
Cristina Yamagami
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editora
unesp
© 2008 Editora UNESP
Brutality Garden: Tropícalia and the Emergence pfa
Brazílían Counterculture by Christopher Durih;ff;,t
© 200 1 Universiry ofNorth Carolina Pre~~f .,.
© 2009 da tradução brasileira .,
Brutalidade jardim:
:{~j~/ l;f:;~
.~cália e o s~if~~tifo da conrracultura brasileira/
Christopher Dwm; rraduçáo d:~~::.. fua Yam~ ;~-â~ Paulo: Editora UNESP, 2009.
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276p. . . , .{/,," ·rtt
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;,. '":i)!!fL._·,,~i":y- i)It,",.~'l.Q;:<:r·
Tradução d~l~~t~~ty Garden: !tdR,Í~~ ia and the Emergence of a Brazilian
Counterculture ··· ,· •.,,,. ..~
Contém;i~ ~~ggrafia
Inclui lif~ :iiJafia ,;,i;:,_
ISBN 97g.:S5-7139-93,t}'<tt;~.,,
/P"ffk :ff1·tt;l¾+,, ,.,-
l, -~~calismo (M,9,~rfi~}to musical) - H istória e crítica. 2. Música popular -
·st6ría e crítica. .f'"'·•q traculrura - Brasil - História - Século XX. 4. Brasil -
964-1 985. l{·t ff _: II. Título: A Tropicália e o surgimento da conrraculrura
~•:· .?J~?J-~f #
Editora afiliada:
~JJAC
Asodaciôn de E.ditortales u ru,·ersitarúu•
de Amêtica Latina y el Carlbe
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Assoeiaçào Brasileira de
Edito ras Universitârias
~Uffl-Á~l0
Ilustrações 7
Intróito 9
Agradecimentos ,i'\fftir;:>"
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Abreviaturas _,' ;'}/:fft, --:
Imroduçáoit: ,.,
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C.t\;l?ITUL,-Qi 1
Poesia de exportaçãÂÍi:m~ti-; ~·idade, na
e imernacionalism'i:rmã1}{ultura bra
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"'.:I~APITULO 2
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Participaçt\~Jk.íiit4fl:a pop f o ~P.m tt~iversal 51
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O moment~/AJ ~l~~g~ista 95
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CAJ'.tf:I;JJLÓ
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N~1~~ia adversa: TrogRflii'l ia mira da repressão 145
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"", ' -~ ~ '. ..,. .,;. ···~J\frt~
., ália, contrcl:f !ª e vínculos afro-diaspóricos 187
. {:1~~jf/ ~
CAPÍTULO 6
.aços da Tropicália 217
Bibliografia 247
Discografia 259
Índice remissivo 263
,....
::-e;.\\~
~- .ur
=t~~;~i\J
1mAGi n{ -'~(:. ,. ---',r-;•
~--
Gilberto Gil e Caetano vJfSso, 1968
.i,1i'!i
~"\- -,
68
~:j\\i~-
Tom
·t·'
-~e-,~V'.\;,,·1'9.'68 69
Gilberto Gill::©.s-:M utantes, 1967 87
Cena do filme de GWh~!-t ~cha Terr_//lh~Jranse, 1967 99
-fi•t· ~~¼t:~~,;:l:í-.! _,1~~:'ilf:~·-~-. -·
Cena da produçáÇ:g q<t"t}/Jtda vela, do:l<:;Úf~ Oficina, 1967 103
'~';f; ~/- )~/: ..~ ~~>· ·-·~-~::~~~
,,_... ;,,
1
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tt~;Caetano
....,...,
v;i~q_~,~QfMuranres
_.,,.,.... '11"-''.
e cantor americano
'-~:C.t'Ji;'t·" no Fesrivalff jt~r;acional da Cancáo, 1968 158
;r_; ~...:.1,;,..,_. .l':1:,tl'..-..~ ·-.~?,, ,
t;,i:t"'
~-·.:_· ;.-~·- :..>, ~-r;.,...'·.,l;..,
,:t~'2;<i·Gilbmo Gil se apresenta em Nova Orleans, 1999 234
.~:i~~í:'
IITTRÓITO
~: ;f,.z:::::::~,! ,
pr~sê"'&õmer bem. ,D;, .
nio da decadente, ex artistas da presente
falta de arte politica,
dos politicos sem talento
t~\-
,-if;:;~i!; it;.~,~~f%, que hoje nos martirizam com guerras,
.!',e
j(fn,$
?fir · ;,1i;t'
pela interpi.:,~~\#/l'da arte poética
d •1 A •'· ...,.,c>i,;.,• d
corrupção,
A$f 'étfJJ::,nm o m1 ept~,J)àssa o mafias,
i~f\,,,,,ir,~ brazeiro qt ..,. :. l, muros, manias homofóbicas, patriarcais,
;;~?iJf'revela a a de~Súltl\rizacão tagarelas speculativas, obscuras.
'\:};~·· ,.' ~
10
Brutalidade jardim
11
Christopher Dunn
das rheais éco-agriculruras dia 24, que vamo~'Ocà~K9~ar com "O ~.~~W'
,Borí de Praráo erl.Éros" ,:; '''l~;1,~
necessária á felicidade guerreira
3-a do Terreir2{J.~i'~~~~edra, q-~:Í;1;if~çaria
esforço de guerra virando pomar a terra para a co n\.W,~ b:-·i~h?..".Jafc:n.m Urb~(fa:1i~~
,.
inteira, Brutalidac!et'Ji.ti11~abaú da F~ egtt¼.Ar·
"homosocial" poeta semente plantando , ~;t;, :~~:t?f5 _.;~~l;~::,;.:•
a esmo, Evoe .._ ~::::1-~.t
• -~-
f)'"'·~;.r- •....
.,,_,,.-;f-;, "'~{
t.!"';_ - -~,.-__
Gil,,Ca:~~, GilbercoSáoJ!~fM~.
Chris, amando o próximo, como a sí
Acéii~\a foguei ra no nos~cõracáo !
mesmo tt\~~i<:,. ~·,t•~~....
r., Mo. ' ;;>~
sem cruz, livro de música e letra roceira, :t:otim'~fHumor e Tud~N!i!~ e sempre Mais
vulgata pra luta bruta mundial brazyleira.__,, 1 _:;:i~~;t:: \}li:\!-~/
,;:;~~!'
Í{f.~ l.~
0\
12
As longínquas origens deste livro remontama um' ornemo em 1985, em uma '."li- ..,
ele tinha tocado naq~i~., , noite ter ~ ;i'arêcido relativamente compreensível consi-
derando o meuJf~i~ado conheci";;, - . ,)1o Brasil, aquele álbum me soou ambíguo e
totalmente cq,J,I. · --~:,iSeria uma iJí~~ração patriótica da vida nos trópicos? Ou uma
sátira ferina~~~i~{lt uma apo!_, •·. · . modernização sob o governo militar? Ou um
álbum dç;f :.,:;t~?
l(,<,,,,,
.-;;,,.i"'·•·· , jJ}~. /t~.?~-~-" .:;~
.:.W±l- •
M~~Il~t· ·~:,1~escobil;ij#fê;:~t,disco que tinha ouvido naquela noite era o "álbum-
ma · ,Y"'•~;,;k o""rnovime~;ifftropicalista. Em 1992, tive a oportunidade de entrevistar
al "' ,pÍ~ticipantes,,-}~~yt:!i'B.o movimento - Caetano Veloso, Gilberto Gil e Tom Zé
"·~m progragi'~~fi,tr~!N ational Public Radio dedicado ao 25º aniversário da Tro-
.iN• 1 {a, produzt~::·por··sean Barlow e Ned Sublette para a Afropop Worldwide. Na
~~t~;s""';::foca, eu fazü{:i~i:?graduação em estudos brasileiros na Brown University e percebi
'.1,J.•.-··~:.">;;,,'.;·.- -·,:·r.~:~:"::;., ;::{}.,.
~. 'que a Tropi~Jâ''têria um tema interessante para estudos posteriores. Com a ajuda de
uma 60~?~?4)~:\'&tudos da Fulbright, pude voltar ao Brasil e realizar as pesquisas para
'.-~'~~~t~:·::~?;?J::·
- - - - ---------------------- -
Chriscopher Dunn
minha tese de dourorado, que serviu de base para este livro. Serei eternamente grato
a Nelson Vieira, Luiz Valente e Thomas Skidmore, que constiru.írltgt_minha banca
de avaliação. Também gostaria de agradecer a Anani Dzidzienyo, OP.)~imo Almeida
:,ft ·ir•·:"-·_11 ,
e Neil Lazarus, que tanto enriqueceram a minha experiência i.p.t'tfüçftial na Brown 1,;: , ~.-;t,·. ;... ·
Celso Favaretto, Carla Gallo, Març~lo -(idep:W, Herman,.9~ ~wia, Durval Muniz de
Albuquerque J r., Roberto Schwartt ~J~rlf Buarque 4i } i ~da, Silviano Santiago,
Sérgio Miceli, Renato Ortiz, Eve,ill f ij&1sel e Liv ~g~li~f~bém gostaria de mandar
"aquele abraço" aos meus ~~~6~\t ?,iJBrasil que ,.;~ ê~ityfaram de várias formas, antes
e depois do desenvolvimento â:l'id projero: Pe&o ~,Roberto Amaral, Adilea, Helena
~. ~:,t•-J:- 'i \~· .'{!;,~1::{ •'
e Susana de Castro, De~ ''6:ffVllcanti, _Fern.and~~v'elloso, Edgard Magalhães, Eliana
Stefani, Fátima e Joã:&l~~~ t Teresa e D~_.f !ã:k;i:g'awa, Eulália dos Santos, Ceres San-
ros, Cícero Anconi~, Silvi~····Í--Iumb~.rtQi Ís~f~l Mazza, Vitória Aranha, Paul Healey,
João José Reis, AqB!&lç.o Almeida,'•:h;iµJ<Y~iguez e Fred Coelho.
;~ ~ - -~
Gostaria de agfiilêl:er a vários p,:{fa_t.i'f~dores da cultura brasileira nos Estados Uni-
dos, sobreruoo.•t'!'-,tl),avid George,~aµ.Jfil
:l'ú .~~~
"':'!•':~,· ' ,t~ ;.:. .
Johnson, Robert Stam e Charles A. Perrone.
J. LorandJvfã.~;__;;-f leu uma~~{ pijy{eiras versões do manuscrito e tem sido uma enor-
me fo2r~..§'~i:incentivo e iIJf.Plti~~ desde que comecei a pós-graduação. Meus agrade-
cimer{;ç;··j peciais a Niclt.}9~ibitt, Richard Schuler, Robert Arellano e T. R. Johnson,
"'\ ' ·~. . .·\;::;· .:: ' ,;-'~ ?.\~,\.. ·~:-.::..:·~. .
1~&;~ -~p:i estágfq~~ ~''&,µrro, compartilh aram comigo suas opiniões e percepções
.) blt~ á Tropicália., a müsica popular e a década de 1960. Esses amigos e colegas me-
:~;~\..., '~-~ ..,!.4.:~ ~.;--::.
;;/,:~~~tê~em os crédi~~'~ !âs pontos fortes deste livro, mas não têm nenhuma responsabi-
.~ 1;~,-~-" ~Jidade por s11~,9-t"fiêiências.
J~?:,~ 4
-~;iy.'-~ ,.....--... I; .
14
Brutalidade jardim
e generosidade intelectual. Também sou grato aos meus amigos e colegas do Programa
de Estudos da África e Diáspora Africana. Devo agradecimentos dP,~s)ais a todos os
alunos da Tulane University que têm contestado minhas idéias e m ~,tfil,;'.~ifado de uma.
miríade de formas durante os últimos anos. " !fl~~ffp ·
~{?' '??;~fJ,:
Sinto-me privilegiado pela oportunidade de lecionar e fazetki~i.µhàs pesquisas em
uma universidade com um programa de estudos latino-ame~~~t~e primeira classe.
, :~'... :,. j~ 'tj
15
~;-\,
_;;;:;
---~, ., ,
= ii/~~i•""IZ'
.fli.R-'Vl.flTU.R.fl~ ~%_:-;r-c,;f
a vocalisra Gal Costa, o cantor e compositor Tom Zé e os poetas Torquato Neto e José
Carlos Capinam. O chamado "grupo baiano" migrou para São Pau1it,.-forjou dinâmicas <}~,;'
relações artísticas com vários compositores do cenário musical de Y,.yii~]?i;~âtítla, com desta-
,.-;i ,¾ ·'•M;,
que para Rogério Duprat e a inovadora banda de rock O s Mu~t~~ssa
/•;~i... ·-.e.~-,·
aliança entre
músicos da Bahia - um importante centro de cultura de expr~'Ws~t1 _afro-brasileira - e de
;--1i-_~·•;, ~ .t_'.il
São Paulo - a maior e mais industrializada cidade brasileira% cc%.:1Iprovou ser uma pode-
··~~·T:rs-.,..
rosa combinação e teve um efeito duradouro sobre a IT\~¼fi?tfibpular brasileira e outras
···, ,,;.f',~'"·
_./,~;:- '
1ti1,.i41lirar e seustifPilbs ulrraconservadores nas universidades. Enquanto isso, grupos
~- ~- ~--
f; _ >ff mais radic~Jt~f,posição entraram na clandestinidade e de_ram início a uma lura ar-
~:;,:,ff.flf%;f'. mada coi{fP~f?Jhegime. O governo reagiu aos protestos civis e à incipiente resistência
arma~t-fi~ o Ato Institucional Número 5 (Al-5), que proibiu a oposição política,
expútgif-;tjle fechou temporariamente o Congresso, suspendeu o habeas corpus, sub-
18
Brutalidade jardim
meteu a imprensa à censura e pôs fim aos movimentos de protestg. Dessa forma, a
~,.,....
.,__
tropical do Brasil que, ao longo da históç{~, t~fn sido exaliisJ<f p't;jr gerar uma exube-
.... - ,l,W• ":.~~-~;,·;'~•-•;) ~.f ·:;·.Í••~ ~,:/._);$~\ ,,
A música tropicalista t,i. 1a, em vez . . _," J fua colagem de diversos estilos: novos e an-
tigos, nacionais eyt.<'--,~;~rnacionais.
'•::-W
Er11f:ti.1Jt.
- ••:!
: ~~el, a música tropicalista pode ser entendida !~,t -~u:•
como uma rele:~f.\!:, tradição d.ti~\~tf2â popular brasileira à luz da música pop inter-
nacional e da 41Jti,EiÍnentação d~, gfi~arda. No Brasil, os tropicalistas evocavam compa-
.-~, -,5htemporân ,P:,, .)hnacionalmente famosos, os Beatles, um grupo que
"L "·1/',"· ( ·
,~!~~lk,
f~i. al~' e baixa culufiil'~ ;~ à cultura tradicional e moderna, nacional e internacional. 1
w,~,Jl/'"
1 Na Amédt'll;1~i1a, a urilizaçáo contemporânea do hibridismo se baseia particularmente nas formulações de Nés-
tor García Canêfini em seu livro Culturas híbridas.
19
Christopher Dunn
natureza . ' rica da Tror,k:: · bservando suas alusões freqüentes a emblemas culturais
anac.r1ilS'.\ ; filtrados atr~t·: . "luz branca da ultramodernidade", de forma a transmitir
as,.~~ J ~ J;s do d~@,/ gl~~nto capitalist~ no Brasil (Schwarz, 1978, p.74). Apesar de
·',' . . --~_(«:,,, ... ,;r •,:,;.;. . .. .
,! ,~~'~H~ce~ o imp~)ft~rfit~tpotencial da alegoria tropicalista, ele se incomodava com sua
:; ._ -c:~~nsão a elaqé'~ ,~ ?1.a "idéia atemporal do Brasil" que parecia negar qualquer pocen-
. 1 ..-~.. • • ,. ...:·,.,,,._.,.., ...., •• :~·-.
~~::~; 't;f;
,- ;/ . ...
2 EÍ}~k°~#~os foram posteriormente publicados em um volume de ensaios escritos por vários autores sobre a música
popular e "erudita" no Brasil e no exterior. Ver Augusto de Campos, 1974.
20
Brutalidade jardim
zia um efeito crítico justamente por deixar contradições históricas sem solução, gerando,
dessa forma, uma imagem indeterminada e fragmentada do Brasil, qJ&:wgd~ria então ser
ativada para satirizar a cultura oficial (Favaretto, 1996, p. l 08). Silvi~«~tiàgo criticou
..:_
;. , _ ;;,?,·..;:.::·· .
Schwarz por privilegiar a razão dialética (com base em uma traqJ<âf6~Ji6rica européia
hegeliana-marxista) em detrimento de outras práticas artísticas e, ,,,::1/• .·; ..as fundamentadas
nas especificidades culturais e históricas do Brasil. Santiago nã.( ' .. 1 ~ tentando delinear
um espaço puro de diferenças irredudveis em relação ao q~JJi-i~{, mas sugerir formas
nas quais o Brasil e a América Latina em geral destroem /~.. . de transformação his- q!
tórica elaborados pelos países dominantes (Santiago,,:1.l!~i1~pfr-~13). Heloísa Buarque ,::.<.: {."" { •.••~
A Tropicália passou a ser te<·;, t um cresce ,.,.. -S~rpo literário sobre a cultura
brasileira contemporânea Ef{,9 ,. ' para o p~,? lici;.,g . ~ral. Incluídos nessa categoria
estão livros didáticos d~, · · ~. te~tos de "êã$Á($~\tltédio e livros de luxo fartamente
ilusuados. 3 Na década d;Í fo
1 2 crítico ~ p'~-i'2l1>.'C arlos Calado publicou dois relatos
baseados em meticulq~~t,pesquisas
.f';y ,- :•.·' \•E~~:
scr't~.' 'i A~õpicália - um con centrado na banda
, '-·tJ,:j t'i::
de rock Os Mutantd$.~ .o}butro conqdtlo"â;¾füstória do movimento (Calado, 1995 e
1997). Desde o fi12;µ J;"I~écada de l ~iQ~il;ffropicália tem sido regularmente analisada
·YJ?"'', ·\ ;~~ ···,'.~~Af,.,,.
::- ~iciais de aní[?~' ', ativistas e nas diferenças políticas e conflitos culturais entre
"-\ ,:.:~.,
.._{,.;
3 Exemplos ~l~t
Lima, l 95t0:::~~7;:~, ,·
tipos de livros são, respectivamente, Buarque de H ollanda e Gonçalves 1986; Paiano, 1996 e
4 O exemplo 'iffa1s·famoso dessa lirerarura é O que é isso, companheiro?, de Fernando Gabeira. (1980)
21
Christopher Dunn
eles. Em 1997, Caetano Veloso publicou Verdade tropical, um livro volumoso que
focava sua experiência pessoal com o movimento tropicalista. ªª~iano ofereceu um
relato fascinante da década de 1960, com seus conflitos culcurats;,~;·~~fi'ticos, e da im-
portância perene da Tropicália. Seu livro de memórias provoç.gii,iJl· nova rodada de
discussões na imprensa nacional sobre o valor e a importând~·;t?riopicália e, princi-
><):e:Yiv.. -..., ,:
palmente, como o movimento se relaciona à cultura co11;{êrr1}~prânea.
O corpus de textos em língua inglesa sobre a Trop_i-'€ii~~é~-'f~lativamente pequeno à
.,,,-,:, .~,.,-:,.•.:·
luz de sua centralidade na cultura brasileira contem ~" Com base nas primeiras A~
·,,· _ç,,,.
formulações de Augusto de Campos, o emomusicql<r . etãrd Béhague foi o primeiro
~::: ;~ iJf:~•
22
Brutalidade jardim
23
Christopher Dunn
outras sociedades por todo o mundo, o Brasil também teve o seu movimento de rock,
a Jovem Guarda, de forte apelo para o grande público urbanQA\a.!raído
,,.,,,.,,.~,.
pela "cultura
jovem" difundida globalmente pela indústria cultural norte- .· ~,,;;~tina. Muitos bra-
sileiros associavam o rock ao imperialismo cultural dos Esti,, ~,,.,_, ,'.·'\d·os e defendiam
.~::f''" •:~:::;~·-/!,·
a MPB como a expressão musical mais apropriada da ~,çrri1dade brasileira. Os
+<r•.:J,,.~' ..t,_~'-,?7
jovens baianos eram devotos de João Gilberto, o ino ··· tt ,Jnusical da bossa-nova, ~'!, -
9f!ª~Q_
artistas da esquerda, ;tr condições,
·\\:/::- . ...,rf'//:•tr,: _ .-J"'i.
par~fô''movimento que logo passaria a ser
;•J·".l.
chamado de "tropi~ f · · ;: (Veloso, F~:-~lÍ~1.J , r,Ô5). O filme dramatizava um momento
3
histórico da crise pi;â :fas e inteleç:tuli~ip.rogressistas que viviam sob um regime de
(~~ t·~~
ditadura militar de,direita. Os fil1.11es 't'tt,JB'lauber influenciaram diretamente o "teatro
de guerrilha" dd}f;!t)o Oficina, ~~~~! ~i,Paulo, subseqüentemente identificado com o
movimento tro~-i~~i~ta. Mais ~~~fi\~pos na mesma época em que Gil e Caetano apre-
,,,.. 1;,•"•º'' ,,,,,,'
sentaram s · : \}m universal~;~~q,'1 ~âtro Oficina levou ao palco O rei da vela (1933), a
(.'. .. ··.·i~·-e /.'": ;5-~·•,::Af:,,.,
farsa m q(i .: il~a de Oswal'&~;~f:Andrade sobre a elite brasileira, adaptada para o con-
texto,~ :. " · momentqti~~:~ 6 demonstram as reproduções neste livro, a Tropicália
tarnli~ID•[êlnconn9v ·•,' .,_,·-- i6
nas artes visuais, incluindo capas de discos, pinturas,
ç~# ~9~;{larrais e''í &i\ ™i!ies, a partir do final da década de 1960.
,t\~}.l'}j_.-.:. '"" ' ·..1;;:.-
{t~~,:;'c{~ : história dot~ ºq}e· do movimento sugere o nível do intercâmbio dialógico de
,:1!t10.;;JtÍ~ias entre vá · ',!eras artísticas. Depois de ouvir uma das composições sem título
{t .-::h~ J.~•r·- --
Y~]';~:., , {ile Caetano · ., '"íti\i\ià.l de 1967, o cineasta Luis Carlos Barreto detectou afinidades com
"?i~--~t.-i~~:--
.,,, ..,. uma inst~~j~ichamada Tropicália, do artista visual H élio Oiticica. Apesar da relu-
tância
",s>I-,
J,~~i.~.Jd;
Caetano, ele concordou em utilizar "Trop.icálià' como título para sua
mús· ·· ,,, .e mais tarde se tornou uma importante canção-manifesto do movimento.
"Tropicália" passaria a ser utilizado para nomear o movimento como um
24
Brutalidade jardim
todo, apesar de "Tropicalismo" ter sido mais comumente utilizado durante as décadas
de 1960 e 1970. Caetano distanciava-se da designação "tropicalism~1tJá que o termo
parecia reduzir o movimento a um repertório de clichês sobre "a yJ "~':'.,_h~s trópicos"
e evocava uma remota afiliação ao "luso-tropicalismo", uma teo{J,aS~t.'- 'aptabilidade
colonial portuguesa elaborada por Gilberto Freyre nos anos 40. ,,, ~';g;:o "tropicália'',
por outro lado, parecia sugerir uma atitude cosmopolita eva ., ..,-, i;ta à qual os baia-
nos aspiravam (Veloso, 1997, p.192). Como o movimen, ._ - , da vanguarda eu-
ropéia da década de 1920, o nome "Tropicália'' resiste à __ _ - ão com uma série de
~~?7.~~-,;;t~-' .:.,'i
apresentações,1,,~•-,. 1.r
1 .i . êàlistas em f~, ;~,yá'is de música, clubes noturnos e programas de
< ..,,,..,, ., __,
25
Christopher D unn
nados a um movimento mais amplo, que l½ft 'fl pel~ fim do governo militar.
O capírulo final discute as várias anális'' ;rf Rbmenagens relacionadas à Tropicália
desde a restauração do governo civil, em ~~çt da década de 1980. Ao longo da década ••,; d ·. , , . -
de 1990, a Tropicália recebeu vários tfi.but~'.p úblicos dtg~ {Ç,_o carnaval, tanto no Rio '. J'.,( !,, ' .•) -~·~"'.;.,:')•
a Tropicália, mas que depo~:,l~~o circuitoi:Rº ·ijpl5lico mais amplo para continuar
a desenvolver uma m(JsiG~; :I~~f~ experimemaf
'-"!~'!"~~~.:: -""'
iiffif''
.,
década de 1990, voltou a ganhar
,_'{'.. t~
i1Jl s-i •1 íiao apr~?"~fa. ..~ífía análise canto diacrônica como sincrônica do movimento
.:,•~~{*\: 1
"~•·,' ·,'•t-•(iy
1
_,feJ·h
{,,: "~""i·~.-Vt--~-:; ?i\am como ,.9,,·,'__&
.
_i~iÂ':S -t emáticos ou teóricos da narrativa. No entanto, o texto é estru-
'.;}., ;;,,, curado cn~,~-~picamente de fo rma a apresentar a evolução histórica da Tropicália e
·'-<:,;Jf-'t_~tJ.V a aco~~~W' a trajetória de alguns de seus principais nomes após 1968 e, em vez
de i1191iiít:J.ongas transcrições das letras completas das m úsicas, salientei as frases e os
"'.._~...•:1!';_"1:;:-c
26
Brutalidade jardim
27
·,
,.{4'J.<~~ .- ...
f~f r;..: .:i.•
;~f
m dos aspe4~'s .w i is notáveis i i>t~9vfmento tropicalista foi seu
-~ ;--~
;!:~::~
diálogo cii\ifll:90 com vár~•i:-t~ências da produção literária
.~. --~..:,~k..;.j.-' ...}~
e culturâl;;ijj~ileira do sécü.fe~\~ ' O grupo de jovens cantores
e ~-:0Jii~ i 6res e seusj meJg~utores no cinema, teatro, artes
Ji}\~~~Y:'J~"'i iteratuif~AJ[~';~·= antigas polêmicas em relação à
modiHí.idade ~ à t~d gJíklidade, bem como a dilemas especí-
.17stfifos da prodtiç.~c{~<t"iral sob o regime militar. A Tropicália
interveio em inúm/ '*"~J kbates relat~i;'.·,jfú~ultura popular e à identidade nacional
. . --.;:-:, ,;;-, --~~1t,.;._..,
que, como argup,e;ptou Renato C\~fw1:/Snstituem uma "tradição moderná' em evo-
,,>"f--.·..,tt.1" . ' -..·: ·.:;\ ~~
lução no Brasi_l f.Qttj:z, 1988, p. lij:.;,~ };-.. '
~-.!:: ":\~ ·:;,~; -,·_:;i'::_. • -,-: e
O ponco~l .!.eferência m1 fJ.1~~minence dessa tradição moderna é o Modernis-
mo, um rp,B~:t,ri'{'2mo literárid,f~ ~~'ilcural heterogêneo surgido na década de 1920. O
, r·t : ~,f;,} ~ ~-.-i: ~.r{.: ~
\fi:i;J,Me apenas im,pZii!t& e passivamente consumir a cultura dos países dominantes; passaria
a ser um e~~dor de cultura. Na década de 1930, o espírito de rebelião irreverente
contra aS:;,-éh~y~nçóes literárias tinha se acalmado à proporção que o Modernismo era
---
Christopher Dunn
iR'½;::t,, . ~
~-;'[~~~~ 0 ffi0~i#Dlfffl0 l~Ul{llil-R0
;\~~~); .,Ç~i;: :~~~\f:
Lanca40tformalmente
~ 1>···-~~/·
eJ1á\lf.ey2tfiro
. - ~~ ·*t:~~
de 1922 durante a Semana de Arte Modern:
em São~ J?.l1;i1gto
,,-.., ···:<..-:,
Moder~i~fil~J>
.:t_ ,·- . "!, 't
l~sileiro foi um movimento com importantes mani
festaç&t.
-~"t ••.._ ~.· ,
e ~ várias área§_; a."&?)J,ródução
~i--~ l-· ·-... •
cultural. 1 A chamada "fase heróica" do Moder
nif.hfc1'-{t}•9°22-l 930) ~ii\r41.~~ü principalmente um grupo de escritores, artistas visuais
;,f~~~ihores de?~fPã~Íb., e do Rio de Janeiro. Apesar de ser um grupo heterogênec
J{(~~'t6
.., , . , ...-
e~ termos d~\ à,lores estéticos como de ideologias políticas, os modernistas er
_...,. .l
'\t;,,getal
·A•,·, ,' '"';lf-
eram co.J#j;1:, o
J,1• .;,.- . ~/
ffletidos com a crítica à estética das belles lettres, por sua vez, mai
i{':'';;-(I) 'ldentifi.cad~i?9.~',B parnasianismo, um movimento de origem francesa que exerce
tft.'f -?;;~j'./
· grande inft~êri2Ía sobre a geração anterior de literatos brasileiros. No ataque às cor
~-~yf i~~t~
1 ~~~~i'nismo foi o correspondente brasileiro de movimentos artísticos similares na América Larina, normalme
/,#.f:~~ados de las vanguardias. Na América Latina, o Modernismo denota uma estética do final do século XI
aprà'firoadamente equivalente ao Parnasianismo no Brasil.
30
Brutalidade jardim
31
Christopher Dunn
colonizadores pelo exótico. O primitivismo foi f~(!~ ·... mente uma expressão das
1
fantasias e ansiedades do Ocidente em relação aiJ:i~9~tr . raciais (Torgovnick, 1990, ,\1,:a· .,.;õj" -~~......
p.8). Essas duas tendências vanguardistas surgir~ ?como esboços na prática estética
e não como diretrizes programáticas. N o ~1~s;e:rnismo, tal dicotomia - que não era
mutuamente exclusiva nem necessariam~4t~ ';~rvia de base para todos os escritores
-~\\~<,}.:;_,;:. ..:1c.?'
ff IOO~rt:u1
.., ·;J,~;r~réf t~tt;,~;:·;t,
De todos os mod~ i'§c't\~/:Ó poeta:, rofr'an~~ta, dramaturgo e provocador literário
Oswald de Andraq~tf {f' ' m exercet.CQtm~QI impacto sobre o movimento tropicalis-
ta. Ele foi o autor das aço·~s mais radi~ is ~~,:Modernismo, incluindo dois de seus mais
~
. ,/ ' ';',"i.. ;.o _f,....,
celebrados e ciça,'ttqf
·:-..q.
manifestol?l~glfi.iti'cto em 1924, o "Manifesto da Poesia Pau-
' i>;.;1' ,,~. -~·;-.::.;..,,.,,
32
Brutalidade jardim
do escritor, a escola denota a sociedade letrada, com suas i~sd\Mções formais e re-
•~r~:J, .:f.i.l
cursos tecnológicos, e a floresta acua como uma metáfora :~~Jtfr~''do que foi excluído
ou marginalizado dos centros econômicos, políticos e dr;Í~~jittide poder e prestígio.
O swald denuncia o duplo legado da exploração colorvr . ·.· :/ditsimulaçáo acadêmica
\ ~{ ,,1$· ' - ·:·
representado pelas figuras do proji.teur, com seu desejd;;~~:e dominar a natureza para
fins comerciais, e do doutor, com sua erudição ,, · ' ,r.~lizadora cuja única utilidade é
marcar e reproduzir as distinções sociais. Com ' íêÍoto para esses tipos históricos,
O swald exige mais inventores e engenheiro&,,~Jf&jtp -; oduzir e implantar novas formas
de tecnologia moderna, além de novos arf'tas:)lra criar urnjt~qfsia "ágil e cândidà'
- utilizando o linguajar das ruas br~fíleii~,r:,t~i m arcaís111~fi :;~i,~~ erudição". Contra
quaisquer normas programáticas pari t"'· ~~ilução artís~,~~i,i .: simplesmente exorta o
público a "ver com olhos livres".
1
;"tt' cf,t :{;~~~~tfi:;;
Oswald de Andrade colocou ~ '.'-::.f,:~,,.
f .. .
'.;. .
apopular rl.i ,c{'.,.qtro de sua poesia de exporta-
, :·: ;:;.~:,?
-~~: ,·_
ção: "O carnaval no Rio é o,ric~t:~~ fuento religios~'\ji\aça. Pau-Brasil. Wagner sub-
•;1fa4:~ ~/!;:_\ };?.. _,_ ,\f,j f.-M~
merge ante os cordões deJ3of'· ó. Bárbar~'.~ 4i~f,?/A_ formação étnica rica. Riqueza
:~i:J/:.~,·-~ _;._ ,_ . ·:1/)/;:f(,""•.· . / :X
vegetal. O minério. A coziii ' ,· ,,:· vatapá, o ~ réi:,ê:'.;ã dança" . Como preciosos produtos
\\'oi. ~
ín ,Jo~ foi possív~ -"'" .· ente depois que eles foram exterminados em grande número,
· · ''''graficamen,~1ilç,1;dos ou socialmente marginalizados. Oswald evitava a nostalgia
~;:t~;\ .,?,"".
33
Christopher Dunn
bucólica pelas vítimas da colonização, enfatizando, em vez disso, o papel delas na cria-
ção do Brasil moderno. Sua referência ao vatapá, um prato rracl}fjpnal afro-baiano, sa-
'"1·11:J,t.
fora de lugar naquele exuberante Novo Mundo pro~P:a~~~hte influenciado por cul-
;J~•,,.
turas indígenas e africanas. if '~E:~~,
"iJ}:t. ...:\ ~,;_
No "Manifesto Pau-Brasil", coexistem a flo,~ ~;!;;~:i,~:fêscola, o primitivismo e o
futurismo, o natural e o tecnológico, o local e J-;~;~~op-~lica, o passado e o presente.
Silviano Santiago notou a presença abun~f.~ d;'~onjunçáo "e", por meio da qual
fenômenos contraditórios ou opostos cic~if{to manifesto "contaminam" uns aos
outros (Santiago, 1977, p.6). No horizq~el:possível vislumbrar a sugestão da síntese
·~ ,·:,/, ";1.-~
~
·-).···t'
.:,:',~(2tJ~1!;i
,4'-tf-!:~~
0 (..{SJG.i.iftTl0P0l.fl(,0 "1'7 f.,_:~~•.•·:\••:.:f(o-/i '
4
?_._t~_.;-:~ . »:_.~}i ~
vifo ~~ i.4}';AÍ rri: ~'''-l/;p
.•
O projetg d/Ô~ald foi a.ki,ªJ~ais radicalizado com uma segunda declaração de
princípiosf;f:.~.\~anifesto i\itf8i·ófago", originalmente publicado na Revista de An-
')- . . . . .;:~-....:k-:'
~ _~) ;,•-;•:J.ô=)',,
34
Brutalidade jardim
tugueses.3 Essa foi uma "fatalidade histórica" na qual os tupis "desapareceram objeti-
vamente" para "viver subjetivamente e transformar numa prodigio~\i[orça
. <· ·-·-~
a bondade
do brasileiro e seu grande sentimento de humanidade". O grupo<::,A~J~;:~clamava os
tupis como "a raça transformadora das raças" justamente pela 1falta de resis- ~à1Ji{JJt
tência aos invasores estrangeiros, o que abriu caminho para a>Zi,n~Jf
•. -~,,;._=:.~
de uma nação
pacífica. Segundo o manifesto do grupo Anta, não havia B!tt~t1,2êito racial entre os
brasileiros graças a um substrato inconsciente de "nacion, iiir,,-;}fupi". O grupo Anta
reconhecia a heterogeneidade cultural do Brasil, mas s , \ .'·vf que o "nacionalismo
tupi" poderia ser reduzido a uma "essência do sentiqt-ê\;•;, · i~ ~tável, impermeável à
influência externa. ,''1 -~;j~::
Em um nítido contraste com o manifesto d9;~Ea, o "Manifesto Antropófago" de
Oswald de Andrade propunha a figura de um ,rJfd,{6'.fâesafiador e agressivo, que resiste
. ~/ ,;.., ' ~\ ""{~"
violentamente às incursões coloniais. Para Q~"t~ ; não existia uma "essência" nacio-
nal, mas apenas um processo de apropr~~t;:lc:?~hâmica e r%Í"t¾;fr. de conflitos, ou de
"deglutição" de várias culturas. O ~'$fii{.· ·;/·estrucurac\~l!\~f{;~a série de aforismos
curtos, telegráficos, que se referem'· i~fífftjria do Bras· 1ffi!psofia do Iluminismo, às 1[:
religiões indígenas, à psicologia e L · t,f3pologia. Su:' ~i}Jidade e humor fizeram do
manifesto um dos textos mais
. CO:i{i:_:1~.,-~..
[Ql
7)hados da ltf~'r atJr: brasileira, freqüentemente
\~-~-- ;\ ~: • ,/:.,~~·
citado em letras de músic~: pi~ .. ,.. e epígrafe_s. Qtí~renta anos após sua publicação,
· .''.;\.;: ·'··-;;;,,f·~-.,-_, :., P~-: .•: .\:::.
·,.,,.-~:c,,,.~.•_.,,_ _ _ _
3 Veja Nhen
t!l?~· de Amarelo (Manifesta do Verde-Arnarelismo, ou da Escola da Anta). ln: Teles, 1982, p.361-7.
4 O primejr ' ce indianista de Alencar, O guarani (1857), inspirou uma ópera composta pelo compositor
brasileifuf° Gomes, calorosamente ovacionada na estréia no Teatro Scala em Milão, em 1870.
35
Christopher Dunn
dade nacional Qohnson, 1999, p.204). Para Oswald, a antropofagia servia como uma
importante alegoria para o projeto anticolonialista de absorver ~fürma crítica e seleti-
't,'.'i;;,.
va tecnologias e produtos culturais do exterior. Ele protestava ~S®1êrl.;temente "contra
ft· ··:-;'!.1:~;;t~f.
todos os importadores de consciência enlatada'', apesar de tarnJ,êm:}:p laudir "a idade de
,r:_.:-· :!7,i;(-;)
ouro" do cinema americano moderno. As culturas colonizad~l~~ não deveriam ser sub-
i'í:~p(• '(Jh - -.
despido de seu status tradicional de empré~~ledor e civilizador: "Mas não foram cru- _h), __ ,.,-~
.". ,.
zados que vieram. Foram fugitivos de 1c~~i✓ilização que estamos comendo, porque
somos fones e vingativos como o Ja.~;?t/ ft-~enedito ~~~pbservou que a antropo-
1~,·-. ;},,;, ••tr.-r::!r,, ,,,•.
' "4
pelo colonialismo; e como.t\~rip-i'ã'" para coml:ifü;ec:9 legado desse trauma por meio da
·.• - -',~··~11,:~.- •1;:4:.~\~d!;·
sátira e do humor (Nunerf_t:~~~,!-:.
J .9-9 0, p.15-6).....,., , 1-,,
••~ ...... M:
Oswald introdq~_f~? ~ -~ovo coriJ~pji)~ \;'. bpostos relacionados, mas não com-
/~t~.'~:.~,:~..,:,~:--_
.. ···:.::;-?•-';'-.~-~----: --~ ~
pletamente coextensi\rôs~i:<':.õm a flores.~ é'~íZrscola. Adotando os termos edipianos de
i-"·,•· ~':
totem e tabu de_.-~ i.p.d, Oswald étt~fiê.Y;~Jâ gênese da civilização brasileira como uma
l:{, '•.:"••.;,. . , i· •~~)'
-i
,,,,{f ~C'~m'õ"Ínetáforâ'24J.:wrâl alinhada às mudanças e contingências históricas, a antropo-
-·u,,~)x_ 7" ..;;_r: .
.t,i{igí~ propunha U'H2ª ~~goria do Brasil, uma estratégia retomada pelos tropicalistas no
fi;i~fiíi'al da década'.@~1-960. Na crítica moderna, a alegoria se distingue do símbolo, uma
::t;· ·-s·l ,:·~~,- ·. -~~
.<t ·'\tJ:q;iSmodalidade,"''He1.7f~resentaçáo preferida pelos românticos do século XIX como um ideal
t~')·it~t;i{8
,. '-\,'~~; " .·,'·:,.· •.··:.•~
~- ..·'.
~.::~_.-,--
··.·,.,•.·'~
º • _-";·_,
_.·,:--~·_·-,·.~-.:_\)-
5 O jabt}~¾,~ uin'aespécie de tartaruga do Norte do Brasil que surge corno uma personagem malandra e ardilosa em
co~~,f :. enas.
6 f>i,n,_ ., · · é a designação em cupi para o Brasil e significa "região de palmeiras". Ver Bary, "Oswald de Andrade's
CiÍ:fi ·st Manifesrn", 47, n.28.
36
Brutalidade jardim
estético mais apropriado para representar o universal (i.e., a idéia) e o específico (i.e.,
o objeto) como uma totalidade un ificada. As representações alegóric'Í ~i~pr outro lado,
reconhecem os efeitos do tempo em um processo inevitável de deca,@~P,f i_J~'fragmenta-
ção e perda de significado. Lucia Helena detectou um "comporç~e4.i Jf'~egórico" no
projeto antropofágico devido ao fato de ele desestruturar "a ",~i~K~\;oficial' da cultura
1
brasileira que procura passar uma imagem de unidade na cd' . ~f;\d e nossos elementos
formadores" (Helena, 1985, p.164-5). Em contraste com.~ :,rt'rfsentações românticas :.··~- , .
dos índios como símbolo de coesão e identidade nacio~ :·:;,.:!t~r, iJmais tarde foram reci-
cladas pelo grupo Anta - , o manifesto de Oswald retrit~ótíÍ;idi"<l como uma alegoria do
que se perdeu na violenta imposição da civilização eur~~i{'. O índio deixa de represen-
tar uma "essência" nacional idealizada e imutáve ···· WJ\lquer senso de unidade nacional
pode ser produzido historicamente somente I?:.
,r.:,:A
_.io da prática coletiva, conforme a
i"'
citas sobr .· · :;itgresso linear/ · '?~ttal o mundo colonizado conseguirá, na melhor das
hipótese'
.· .
fluzir
~-t tf}·.;,.
UIJil;&. i ''r'
·",)\~;~ffi"':\~, . '·"':,:f
l inferior da E'.uropa.
O,t.i . · sá'fios dizem''-~;~\ o modelo antropofágico apenas evita o complexo pro-
\k·,~lf./ \7:r.. ~".
bl - · êf~:"dependên~i- ~- _cdíiômica e cultural (Bary, 1991, p.98-9). Roberto Schwarz
.~ft.rtir
tf:,, ..
que a desr'
,.,e.-:~
t:·filosófica dos pares opostos original/derivativo, em termos
4
t' ., ·os, não aju{;~ se nada a resolução desse dilema. Para Schwarz, a antropofa-
)Jt cultural fort~~i. solução imaginária para intelectuais de elite que obscureceu a
'"•'·,-.. ,,:·'·'·p··'·''~rcepção ~ ;iBlií}ses trabalhadoras em relação à alienação social desses intelectuais:
·.--~•-.,:
"Como ná~?:~l:rar que o sujeito da Antropofagia [... ] é o brasileiro em geral, sem es-
pecifica~{~ dasse?" (Schwarz, 1987, p.101). Desse ponto de vista, a antropofagia
37
Christopher Dunn
cultural funciona como uma espécie de ideologia de identidade nacional, que omite
a desigualdade de classes e ignora as diferenças de poder entrei~~~fentros dominantes
e as periferias. ,~,:,:·\· )\
,'-'.~~-.(/ '::•'.'\;'/
=hOO=Jif"i
ffil(U n1 Ím~l, ,: ,, ffl Ú{l(.A
,Rt}:~~l;~·?·
Mário de Andrade foi um prolíficcf µ~qa, romancista, crítico literário, musicólo-
:'"b-· ,~:}~:;i:f /:]~.
go, folclorista, professor e ensaís_~a. ~q~~úo OswalS;:~t~~zia os gestos mais radicais
.,_,:-,,... ' .~.';:\',-_..., ..,;,.J\, ,,N•~~-!~•~•
/ti' ;.,Ji1ri· da busca p~f\S'ânto Graal, a história de Macunaíma termina em um tom pessirnist2
~...f-.:~.i • quan~;~ : ~i brasileiro é devorado por uma sereia em um lago, depois de voltar 1
i;~;:~}~r,:
- .:E~-~,l,i;inâ análise detalhada da versão para o cinema de Macunaíma, ver Johnson, 1984, p.25-34; Stam, 1997
p:ffl~-; e Xavier. 1993, p.139-158.
38
fflz
Brutalidade jardim
gro de mãe índia, mas, depois de se banhar em águas enc~,çi,~@~t fica branco. Muitos
intelectuais da elite consideravam o "branqueamento" é;; cultural um processo "'.:fl;,
necessário e desejado para a modernização do Brasil,i l , }hi{1Macunaíma fica ainda
-'~.r.º .~-/ : . ·;/·
mais irresponsável e mulherengo depois de sua transfo~~ção racial, tornando-se um
"herói sem nenhum caráter", com pouca confi · '°g;ide e virtude.
. -:~: ~1~·;~-
Macunaíma carece de caráter também em , _ Ütro sentido: suas origens são va-
gas e impossíveis de ser reduzidas à nacion~ll~(ti brasileira. A rapsódia de Mário se
baseou em lendas coletadas por um et.qt,5'log~\:ii Jemáo na iêgr,~~ fronteiriça entre o
Brasil e a Venezuela. O vínculo org~lt:o ,~:,cunaíma -'•tj?~JB;asil é, na melhor das
.:'Jv:,.,,., ~. , .'fl
hipóteses, tênue. Nesse sentido, Ma;•;r~: ZJ'/Jª pode ser ~~:~ipletado como uma paródia
.• _.,f.'<-,·~ <=~----- 'i'-~> .
1
de obras de fundação nacional, cqfi1ijf gl'"romances i "·' · ''istas de Alencar O guarani
":;:~:;/~(·' _;:}.': .:,}7~:· ,1:
39
Christopher Dunn
análise de Mário, "muito puros ainda". Em outras palavras, o Brasil existia como en-
tidade política, mas não como unidade cultural coesa. Cabia aos~~fJ.istas e intelectuais
da geração modernista dar expressão a essa "raça" nacional e~.~!'~1;:tê'; supostamente
V ,.,_,- ·-\:.·::'?-."
um híbrido dos elementos citados acima. ;r;."ª 1lt,,~;"-'
Para desenvolver esse projeto, Mário de Andrade exof'.ti~;,~~-,compositores bra-
.·.-~,~* '.:',i_.;. ~<~;!
sileiros a se basear em elementos populares para criar "''iã'"-'i. ~.úsica artística nacional
distinta: "O período atual do Brasil, especialmente , lrrtt é o de nacionalização.
Estamos procurando conformar a produção humari'..i> , · . 's com a realidade nacio-
nal". Para isso, ele tentou estabelecer orientaçóe~rri,J;~:'.~;~{;bdução e a crítica musical
'·Z:' ,-,~: ;,,~.
. v,·-:
visando definir o que era e o que não era autenti~fuente brasileiro. Ele rejeitava a
abordagem reducionista de que a verdadei(~,\~ ~sica brasileira só poderia ter raízes
ct,~·J, • :-;~:_/?.
No entanto, no mesmo en&fti~.:;- efê também d~}nw jêiava a "música da tal chamada
'·¼\Ht :..-;:( f /.;,{ ? ~::~·/ 1\{ .Y'
de universal" como "antinad~~g_filA?:~ "individu~Íita.'Ji"e "desinteressada" e, dessa forma,
'). . ·'-..\ ~?:i -~/.?~~!_;<
inadequada para o proj~,cô\ij,~
"."'i.~,:1:t
1.i Enstrução I}~cioi;iâ1ista. Em sua análise, o critério para
•..:-;-~~.. __.. ,.._. r-;>:-: •l ~t!·
a definição da mús~~ ,l;,'i'~§Jleira deverili¾J~t~~1:-éfamentação social, não filosófica, um
1
"critério de combat?; ~J!t~Ésmascara ' : ;~?1\lrça antinacional e falsificadorà' na cultura
brasileira. Em urn.,;i::1;~tativa de cortsQU,. _t;e padrão de autenticidade, Mário propôs a
:$;~:- -•··-Jf.: :·,,_· "'.,'.:t~~?:~~
esfera na qual ele!,~fi§tia ser prod\tfoidó::~ftO critério histórico atual da música brasileira
é o da manife ~ç{~"-~ usical qu~íi~': · feita por brasileiro ou indivíduo nacionalizado,
reflete as c ' '"àlsticas musi . l". ';i'ifàça. Onde elas estão? Na música popular" .
.,.,, . • ';,f• .- ·•_1:-w l
40
Brucalidade jardim
riações regionais, o Brasil, segundo Mário, era uma "totalidade racial" cujo atributo
mais distintivo era sua música: ''A música popular brasileira é a rri~t~-s:ompleta, mais
totalmente nacional e mais fone criação da nossa raça até agora'' . .{if).t :i:,:::-
José M iguel Wisnik (1983, p.131) observou a tendência d~) ¼iJf'de privilegiar
o folclore rural em sua concepção de música popular. Apesar_:,' · ário reconhecer a
existência de formas urbanas autênticas, ele expressava ce )edade em relação à
música popular brasileira que evidenciava as "deletéria~,~iJJ: 1e·ncias do urbanismo".
:::,·;("'· '0.::.;~•·».~_1,:-,.
Portanto, no estudo do folclore urbano, seria necessá~:'.~j~tlnguir a música "tradi-
cionalmente nacional" da música "influenciada peL"'" . .,,~~;4t1mernacionais" (Mário
' ~.·
de Andrade, 1962, p.166-7). Mário de Andrade e·· l~ros intelectuais modernistas
consideravam as formas emergentes de músis~';t~2.pular urbana meras banalidades
comerciais que impediam o projeto didático .•~~'.:i\tçf~nalismo cultural. Na elaboração
de um projeto cultural nacionalista, dois fel ·, os musica~s eram considerados obs-
táculos: a música popular comercial e ª ;,# r'ús:"i' "imernacist.::. ···:~•vanguarda (Wisnik;
.xx "'..,j
..fi';f~~ ·1rf~:~J:-~.,-Atf ;0/~';1):~,ri, 1
Squeff 1983 p 134) ,;;l ' .. ,u,t,,
' ' . . :tihJ.•?-;f;f~~l~i 'ç,'.·iW>~.:-;.: . -',;'
Mário de Andrade consolidou llI1i;tll:sqJfso de base 111,: 'fib para o nacionalismo mu-
sical. As questões levantadas em se i~;~obre a mú;iÊ'\
. .~=;-
,r;;Jileira foram revistas com fre-
·t~i- ·l-:,~~•tJ;:;t·
qüência em discussões sobre o dr~~; ~ento da ,;s~ brasileira, tanto artística como
' ·,·
,/~:t
;,pt~;Jfl'U{l(.A P •.
(:-~~·~-~i0tt~;;;~1~:r ..
"i'~
-,!~t
·:~-À~ .f 0 P-AR.flDl(,ffl,A ffl.fffl(0
.,
.. .:J.{Jti~~~~~}(~413J-:. ·i~~.:t .\:. ~f
à(t<·;~;/:.'l;~.
::f~m!Thaiiça de um
'.'
rlf~nifesto, a declaração de Mário de Andrade em seu Ensaio
. .,..
su~fç ~('tentralidade tiira~â. na formulação modernista da cultura brasileira. O que ele
...,. " ·-t(·:l~t: .!f,?.<:.:-,;~\:;,":~-
.t;:•: tíq;;.d'ízer com
. ·.,..-.'·'
"n95.s~t'rli1?â', contudo, acaba não sendo esclarecido no texto. Porém, em
..,j /.'i\.,,;,:-: ~-~:-
i}' ' . }"~laboração d~;r{lt16nalismo cultural está implícita a centralidade do híbrido racial e
~il,, . ~~íltural: o mcl,!ç&1\b próprio Mário de Andrade era descendente de europeus, africa-
t'f{ff}t~os e índio .;<,!::J(j\.:~ so que a maioria de seus colegas modernistas pertencia à elite branca
tradicionͼ{ ". ro jovem intelectual da geração modernista, Gilberto Freyre, vinculava
de modÊ\fil~Ha mais explícito a nacionalidade à mestiçagem.
41
Christopher Dunn
elaborou a idéia de que a formaçãCJ IT\W,.tirr; 'tial do Brasil representava um de seus pon-
-'.;-;;-.,., ,:..i~ . 't fí.:-..-1--;·~/:
tos forces e quef~·fi{~~canos, em p~iultír, tinham realizado contribuições indispensá-
·t~-... :. ~,f~ (,~?,~~' f(\': ""-<.
dismo r_~ d~f~,~Eulcura1 nq.J3F!i§# pode ter sido em parte inspirada pelo encontro de
Frey1$,{~.r5ambistas afwf~:l l\ileiros, durante uma visita ao Rio de Janeiro em 1926.
:i•-,u.,-:~-'~..., ,.,r -~-> ,.· ~~_,.
Ele._,_4rpéqln.enta uma _9-Ôl(# 1•!li'emorável de samba, com Pixinguinha, Donga e Patrício
,:·
1
J,~~lftl~o gruf~;.tif{B;a(J..-Os Oito Bat~tas, e membros da elite cultural, incluindo
r...,F't,) ~ .-~;.: e
42
-
Brutalidade jardim
téria-prima" para seus próprios esforços criatiV:2 , ... 'Jª os líderes políticos, o samba era
f•1.:::.~,l:~i;,:.•
particularmente útil como meio de expressar\ eresses de 1,;1m regime nacionalista
e populista emergente. ./,> .. _fJ{:::::~;fj:,
A fase vanguardista do Modernis~f~½.: 1mento do sáihbI{tomo
·'Z\~Q{:i::.-..
modalidade mu- ,_..,_;. t--,>._•?,.,....
sical popular nas cidades ocorreram ~~s . . mos anos ,f4t •'Meira República, um sis-
tema político estabelecido em 1889.'{ · -~is que Do.m ,,t; . 'II foi deposto. O sistema
!,·... . ' .•, ~:.:.-... ( f,i~ - ~
43
Christopher D unn
ritário do Estado Novo, que durou até 1945, quando fir~ foi deposto. 1 1
A revolução nacionalista de 1930 criou novas : · '-_,,f~tthidades profissionais para
artistas e intelectuais comprometidos com o na · ,. o cultural, dando início à
;~~/.
institucionalização do Modernismo (Johnson~,c.: - . p:1:S-9) . Nos anos do governo
Vargas, a onda vanguardista da "fase heróica'' re~\.iâ,fii. medida que os intelectuais mo-
dernistas se envolviam cada vez mais em a(.@ti:Q,f ~es políticas e institucionais. Oswald
de Andrade entrou no Partido Com uniil~tç,w,{-Í931, renunciando ao vanguardismo ·.Si '"' ·1..-:-,,,
~~1'(,;,lf/
'-H.<~'--'-';x1w
,~i;/;~
:f;,étit;)ff't7 re repres~_,.,_, "·\;i•linha de frente de uma tendência geral de contestar o determinis-
11 Getúl_i~Y~~ mais tarde se reinventou como um populista democrata e foi eleito presidente com uma grande
marg ·voros, em 1950. Amargos confliros políticos e escândalos marcaram seu mandara e, em 1954, ele se
sui ·· palácio presidencial .
. te::n o autocrít ico exemplar, veja o prefácio de 1933 de Oswald de Andrade a seu romance exp erimental
.'l>onte Grande, 1990, p.37-39.
44
Brutalidade jardim
exemplo mais famoso d~~e'•";; pgênero foiJJtt... ... )fdo Brasil", de Ary Barroso, um
samba que celebrava a s:;ffftfh: »de e a bel~\i:â'l:\il;al do Brasil. Em
f/-.. >.,
1943, foi popula-
rizado internacionalm~,m:,s_ como a mú~JSf;.:'ti~i'de "Saludos Amigos", o primeiro de-
senho animado latin~ldricano de ~i;;~isney, apresentando o malandro-papagaio
~'.-c·• :, .:_i,.. i. ,.-,'.',• L•r.\
atrair a ~ ' · · tina para o., · •. · ,,dos aliados durante a Segunda Guerra Mundial. O
governo ' o pers_;J:,~~-;l?,~yé':tlimúsica popufar brasileira representava não somente
um veíé · , para ini~;'f' , º:i:b patriotismo no país, mas também uma forma poten-
,5r
cialmf~?~f:eficaz de pro~~arJ4ma imagem nacional positiva no exterior.
k ~l~~ , _ =-
j5;'. .Pl;;'.)~{1-A D·t (, . ,;,0-RlA(A0: D.f (.fl-Rm.fn ffll-R.flnD.fl .fl T0m J0.Qlffi
,'1.tb:ttf}J~ {};;~'";~;sfi·'""
Em 19 •<tswald de Andrade exigiu uma "poesia de exportação", que fosse ao
mesmo t'ê'ffi,~~~raizada nas culturas populares locais e engajada nas tendências inter-
45
Christopher Dunn
rir que o valor estético e social da música popular brasilctti~r{~,~jit' apenas uma função
de sua capacidade de exportação e aprovação interna .·· ·'Na verdade, a aplicação
do argumento de Oswald, como vários outros críti.~p . se contexto, reconhece as
credenciais literárias da música popular brasileira, •ficativa contribuição para a sffiE
articulação da identidade cultural e seu papel cejJf ..... ojeção do discurso nacional
brasileiro na esfera internacional. tf 'i~'.:Jf 'l·,;,•,,_._/.,
,,;;f.{t;;:~•·íi:a bossa-nov , .•.·,,· a elite e para a classe média brasileira - que a perceberam e deh
:r~Jk_Jf;se apropri~)/i rião pode ser superestimada (Mammí, 1992, p.64). É possível até
,.,,,,,\.•dP ,;:;~~;;~11~,
·,,.-,-,.;;,,, ""''ª"'' ..: , ~·\:-,!.
13 Para{µÍ?:?~,pla visão da música popular brasileira e internacionalização, veja a introdução do livro de Perrone ,
Dµ,:~ ,,,., .. " 1.
14, ~-•"··:...,. tí1iranda mais rarde gravou um samba, "Disseram que voltei americanizada" (Luis Peixoto-Vicente Paiva), rn
1'qtl'~f respondia às críticas. Caetano Veloso gravou essa música em seu álbum ao vivo em 1992, Circulado ao vivo.
46
Brutalidade jardim
1980) e o cantor e violonista João ,;,-, < (nascido e .,"' · .. ,; ), que inventou a batida
"''~ .p .,...,;,;', ,·,,
e a vocalização distintivas desse es;;p~t J;i:'.1'n terpretaçáJt4~l 1:958 de João Gilberto para
?'·(:···-• ,,
,;,;. ~--. 'f;_;(: __.-_,,,~ .-~:(. ' ,-,,.
..'·-:_;g~~~}~~,;:@:,.
-15_J_
úl- oi_M
_ e_d_ ''.'.'t\' ª;t!~ ço da bossa-nova. ln: Augusto de Campos, 1974, p.81; Veloso, 1997, p.226.
16 Casrro, ). e . ,. t:f:75. Para relatos sobre a exrensáo do impacto da bossa-nova, ver o capítulo imirulado Vidas. ln:
Homerd.\i~i~J~!o, 1976, p.1 3-62.
47
Christopher Dunn
- incluindo Tom Jobim, João Gilberto, Carlos \f~!fiJ;~áqÍÍen Costa e Sérgio Mendes
- apresentou um show histórico no Carnegie H~J-que consolidou o crescente su-
cesso e presdgio da bossa-nova nos Estadq~Y., Jnidos. Na época, o saxofonista tenor
,, · ·.!••'..?·\:
.z~;;i.fl:-i'.:1'•': longo da dé~da,:~~e 1950, a base institucional mais influente para o desenvol-
Af~f<i;f.:~1'tnento da té~[-~~ocial e cultural era o Instituto Superior de Estudos Brasileiros
à ii;?:~~JÜSEB), cuj,9,itJ~bros eram ideologicamente diversificados, mas em grande parte
~~".<'.{_;t_i;,f-\ comprorru,M~~} com a promoção do desenvolvimento da infra-estrutura e da consciência
... nacioq@}ttii,r,n intelectual do ISEB, Roland Corbisier, argumentou que o Brasil era
";~•~-~
vítin'.lt~g~,- uma "si mação colonial" já que se subordinava aos interesses imperialis-
. -,~; . ,·
ta~~~}Ítacóes
-~-....
}~
dominantes como os Estados Unidos. Corbisier evocou o conceito de
.)
48
Brutalidade jardim
(Corbisier, 1960, p. 78). Corbisier via a relação entre o coloni.~ ct~fcira colônia em
termos da dialética hegeliana entre senhor e escravo.17 Na E&~j~~,~;r·de Hegel, o es-
A~~-· .. .:,
cravo só podia com preender sua realidade como reflexo do(" _;, do senhor e, dessa
forma, era desprovido de representação ou subjetividad~J!i~ ?!~. Ao interpretar essa
relação de forma dialética, Corbisier e seus colegas do rif:· · eriam que a alienação
:-·.,,;, ~ -"~';.t:i:.
cultural poderia ser superada pelo desenvolvimento jl ~1~a 'êfünsciência nacional an-
tiimperialista. " ~i:/f'
O grupo do ISEB se mostrava particularntet+f~----comprometido com a idéia de
uma revolução burguesa nacionalista que d~r· . ;·i~ o poder econômico e político
da elite mercantilista, uma classe latifundiád~Jigàtla às exportações, que perpetuava a
dependência neocolonial do Brasil em rit\çã_~;1 capital Jd{~lniticional. Nelson Wer- lo
neck Sodré, outro intelectual do IS1~,,:a'J ~entou quçj;;:,-;:&fl,,;oluçáo brasileirà' seria
rt~r ,~_;!\(~.o/~t_:}<1
realizada pelo povo, que, de seu pon:~'?'sli!,vista, era u_~ ~\!- :• heterogêneo composto
,:·:""--1'.'.:~"i-:-,_ . 1)'r {·1<, --~~~
17 Para un';;'~i~füsão detalhada sobre a obra de Corbisier e a dialética hegeliana, veja O rriz, 1995, p. 58.
49
Christopher Dunn
50
Brutalidade jardim
-;:eresse particular pela rápida comunicação possibilitada pela mídia.de massa. Décio
:-1gnatari explicou essa idéia em "nova poesia: concreta'' ( 1956): t,;J;~\i\~
cultural não como uma intrusão inde§fjá .i»is como UII)f{~~fõ\fle produzir e disse-
+-~----- ~ jj_t• :;,~,"'Ktr{i4?
minar a produção artística. {;~;:.t&t~tf
Os três principais fomentadores q~:;~9fmento se :s:r,~: a~plamente presentes na f
vida cultural brasileira como poetas (>· ~-:.::~~-~entais,
~•~,-~
cr,..,,,y&i ,t ~~tsicais, teóricos literários e ,, . .
1
tradutores. N os anos 60 e 70, elel'.i:' "'' fundamenr' . . ,-fila a revisão crítica de Oswald
·.. _,.f.i~~·~ ;~.-.:,' :., .
de Andrade. Augusto de C : ··st~,Fum ativ:o aç;~dêrw:co e crítico musical, que produ-
..- ·,. ..l'f'.Tf.~,-x. ,., ~- ~---,-·,~---
ziu numerosos artigos so~~ ·' ica populâP'@/ . fimental. Sua vigorosa promoção e
'.' '" . .. ,,,,:, ''f
defesa da bossa-nova (e mais tai- e da Tr9piçlgla _,geraram importantes reflexões sobre a
relação entre a poesia ental, a rri~si~ ;;J~·ular e a cultura nacional.
n
fl · ,, ···._t·_cn
fl n0v·nf fl J~,-,
j~1/:;,:;,:~:~~;, ,f/(;!:I::tJ,,z
'~ada de 195Ô~~iit~ndências
«:~';,f-n.-
conflitantes
..,
entre o nacionalismo eco-
~-x-•j•;
nômico .,rr;;cf:
~-'~'-ii{\t~?i.,
, ..... trado
·:-.-:.:·r
f~1dfi~;~;i
para o progresso social e a soberania nacional - e
···,:=.::;.::Z:\t ·
o des~~gfvifoerito
• ;;-r • ..,.,,·.;·.:
industri'.íUt- que dependia de grandes investimentos estrangeiros
°i'",
- se ,,.. r~vam cada y, 3'.i'§' difíceis de ser reconciliadas. O efeito colateral negativo,
re,*'lfW~,
?~ f~ das esrra1;{r
t ·.::,..__ '. ;·. ~!;~,,_),,. ' .
. i ~envolvimentistas de Kubitschek (uma crise inflacionária),
J.
en~trou um c1,!ff~s.~ ffaralelo nos debates subseqüentes sobre a bossa-nova. Nacio-
p~itas argum~/ ,. 11 que a bossa-nova era excessivamente dependente da música
·•~~~angeira (~- ;(:'~'fffiiheme do jazz), da mesma forma que a modernização industrial -
~ '
que comay· .,. ,. ande parte com investimentos e- empréstimos estrangeiros. Seu crí-
~t:1:t),___:-r~'.Jr-._
tico mais êlu§Hco, José Ramos Tinhorão, argumentava que a bossa-nova "constituía
51
Christopher Dunn
:~~/!~:·-• I\~}\.\i.~i~~~l
,: ~~;~_·_,,;.,
y
_·,·::
·_,,'.i.~",
• ~-,
-.·',•
~-
. •f,:.h·,•,;,,,•','..,~••
V,~
,..
;/(~~~:i~~ .'
18 ~e,i:\lltti?ca. de Tmhorão em Confi-omo música popular brasileira. Revista Civi!iuçdo Bra.;i/eira, 3, 1965, p.307.
19,Jó-Í:~.~â~os Tinhoráo, Bossa-nova vive um drama: não sabe quem é o pai. Senhor abril-maio, 1963.
20tf:;¾'~yio Veloso, Primeira feira de balanço, 1997, p. l. Esse arrigo foi originalmenre publicado na resenha culmr.
baiana Ânguws.
52
Brutalidade jardim
Como Tinhorão, Augusto de Campos também utilizou metáfg'.·~. · .~P comércio inter-
nacional e da economia global para analisar a bossa-nova, jf~'ijàhegou a conclusões
,.-.-?~·;\~·-:>'- .,,'.S
muito diferentes: "A bossa-nova deu a virada sensacional n ' ·- ·"•?-tka brasileira, fazendo
com que ela passasse, logo mais, de influenciada a influi{s:1, _'.~}a do jazz, conseguin-
~-•,.;:::_-:,7 ' .'.';/ .~; / -.'!~
do que o Brasil passasse a exportar para o mundo pr~llJ'i~l~ aclbados e não mais ma-
téria-prima musical (ritmos exóticos), 'macumba pa;i;t&fistas', segundo a expressão
de Oswald de Andrade" (Campos, 1974, p .143}~i'tt'-Y-\ . i· ' -?1,',1./'
gusto de Cam~~ reapareceria egf 't.1;1~,?-·m úsica do cantor e compositor tropicalista Tom
21
Zé. A ~~&fueça observi;i,~'~e, no início de 1958, "o Brasil só exportava ma-
tk tisana.i ,,L .· :.::igfau mais baixó da capacidade humana". No final do
mes~, . ,,,, 'fasil cinh~ti'.j~;,-um enorme salto adiante: "Com a bossa-nova, expor-
tav .· ,,.(ft fo grau mais ~l,f.º qà capacidade humana''. Como uma hipérbole calculada, a
ci!fi~;1i· "gumenca qtÍ~::~f!ênero teve um papel fundamental, propondo no refrão que
''i ~~~;-nova inv~tf±~i' Brasil". De fato, para o meio social e cultural de Tom Zé, que
~ ·, :· . r
:;~t~'
21 A música d~l'o .,i "Vaia de bêbado não vale" foi gravada em resposta a um incidente ocorrido em outubro de
4
1999 no S,:l /,;,•~f't;i!ben:o foi vaiado por uma platéia da elite durante o show de inauguração do Credicard Hall
em São Paulti:i'''r
53
Christopher Dunn
dio a versão de João Gilberto para "Chega de saudade" com°-,t;\st · . 'pécie de epifania.
Para a geração de artistas e intelectuais que atingiu,.~i:(fj~~~ adulta no final da
década de 1950 e começo da de 1960, a era da bossa-~iJ~~~ -~empre lembrada com
carinho e nostalgia. A bossa-nova ainda é identific, '' '~!§&& os "anos dourados" ou
._;jf
uma época de "inocêncià', especialmente no imag:l ..: ;,~_d a classe média. Ronaldo ;,,.~,
um jornalista publicou este elo ·,·gio: "Ele é,10g! 'de artista brasileiro. Ele é o
·· ( ,~'!'.";·
54
Brutalidade jardim
55
2
.P.fllfl{I.P.fl{.ÍÍ01 fflÚ4 .P0.P
t 0 ~0 ffl UIW11~.fl L ··,~\~};-
::f:,;,,'>. . !'q~:,:w
movimento rropi~ ista se con · 6fi perto do fim de uma
década tum _)r;, marcad:t ~~L,. tensificação do ativismo
de esquetij~~,-- 'l o golpe tnÍ, .f~; ;eacionário de 1964, que vi-
sava/QCtÍ:~~t~ ilugar de qµalqii1i'movimento de transformação
1.:?~-: _ ~:;,tf~~-;' . ~{~: ??~
sqJ;i \N •cal. Disc · · ; ' 11~9J)'.fé o papel que cabia ao artista em
5:;t_J,t;:· t.: ' ,.
l~'í'."'.td·"'
Q,;)1tecnocratas "'4.... ''""•· ",1íiiústria cultural tendiam a considerar as massas «o público",
uJWl designaçá · cava o potencial do grupo como consumidor de cultura. Essas
, . xif finições c ,,. ·t~ salientavam uma tensão dentro da comunidade artística: al~
<
guns artis~ ' sicionavam corno profissionais trabalhando em indústrias culturais
cada vez•~ :.competitivas e outros se definiam, em primeiro lugar, como ativistas
Christopher Dtmn
políticos. Renato Ortiz resumiu essa tensão como "uma dicotomia entre trabalho
cultural e expressão política" (Ortiz, 1988, p.164). .: 0
,,
l.,.:~:i.-,
Essa dicotomia não foi exclusividade do Brasil durante a décl:í:ia,1"de 1960. Néstor
.1r,•.·: ·-~·i;;... '.';r!•
García Canclini descreveu uma espécie de dupla consciênc}~~~§t>f:~ artistas de toda a
América Latina que trabalhavam na indústria cultural na ~ 9cl:tt!-
_.;;'t,~;;:·St·
Estabeleceu-se um confronto entre a lógica so5f1.~litPômica do crescimento
do mercado e a lógica voluntarista do culturgllsii~;:rolítico, particularmen-
te dramático quando produzido dentro ,,~t 'd'.eté@ inado movimento ou
. /~-.i'.·'- 1~r~·tr" ~t t
mesmo entre as mesmas pessoas. As pessd~~~,ê promoviam a racionalidade
expansiva e renovadora do sistema s9.çjoculcural eram as mesmas que que-
l ::~'!-_,,-.;:,_
riam democratizar a produção artí~~!ça·:,~ o mesmo tempo em que levavam
~,-~....
ao extremo as práticas da difere11-,~~fSimbólica - experimentação formal,
ri -tf ··;_•,,_l
a ruptura com o senso comu,w, - i i~Jas buscava~ t~;s /undir com as massas.
. 1· . -,~- ~;-~ ,l}~j~ ·-~}'ft·
(Garcia Canc lill, 19 90 ':J !·8 3~tP.iA~t Ji'-'!~':2(:,,.
:;&.\{f{~*~~ ·· - -~~tt~'ât' ::·('
Duas tensões básicas, freqµ~pi~êibente conv,fg~1)te~, orientaram a obra dos pro-
:,· ,-,:· .:,. ~.;:;,-..~,;-·'·
dutores culturais latino-ary.$tÍ~tfa engajadqf 'có~ à comunicação de massa: entre a
racionalidade do merça9,9:'J i1{~?comprometirtil ô:tt · político e entre a experimentação
"t.• ·:-.:;t;\1-(.. ,.1~ .
formal e O apelo às ni~ as?'J\s mOÜ\'.,aÇp~ ,.profissionais e políticas, é claro, nem sem-
pre eram mutuarrt~fit~{~ clusivas. ¾ ;lt~;~~s artistas, cujas idéias serão discutidas
neste capítulo, pensavam simulté!p~f,!fê' .J •
em progresso na carreira, ativismo político
, ....~)_,J., ~~:<" \•::"1,,::.'..-~- .
nov~if~*º éthos da canção de rádio" (Tatit, 1996, p.83). Esse duplo projeto precisaria
n<;~ ; ;ftnente confrontar outra tensão produzida entre o nacionalismo e o cosmo-
...,.,'.\i.~, ,""'
58
Brutalidade jardim
4
<ULlllM .f -A(j0 ~0ooÕ0miÔ0 D0. ~s
*'E>~ 1%0
,,j;t.,.:'~(~.t )''
Em uma das várias biografias escritas por intelectuai~t· .. .'.;~iros, Luiz Carlos Ma-
: ciel afirmou que a principal crença da juventude d<:,:$,;wt::J ietJfão era "a atribuição à
arte de uma função transformadora da sociedade" (M~~{iif
,,:~ç:~···
I996, p.73). É importante
manter em mente que Maciel entende por "su~y.geração" aquela que se restringe à
•t,t.••:7;.•;:,.•'A'\
sua classe social, formação educacional e, até ~\n cfciponto, localização geográfica. A
'1:·?:.<th""~
geração à qual Maciel se refere inclui esrq4'á~t~f' da classe média urbana e jovens
profissionais, em especial aqueles envol"Y:lpl6 · . '(' "'"produção,· · ~tpral ou no ativismo
político, como músicos, cineastas, ~ a.rri;~Jgbs, atores, , :;/ visuais, educadores,
jornalistas, líderes estudantis e orgiifa~"â~~~s trabalhi~ segmento da popula- ,:(::'·'~ s~·
ção constituía uma minoria na ger · ~\{) _d~tpróprio ,:~as foi uma minoria com ~<::~··:,
acesso desproporcional à mídi ,·
.,. _,
J~: "
•fiica e impl1~~:~t'~utras redes institucionais,
"--~-.:~- .. ·?"•
como universidades, muse~ ,ii ,f\~·~_/; · culturais,e ó?grt<1!públicos. ·
O projeto desenvolvim~d;~til~ou a r:~~ q(l~)iínbíguos. O desenvolvimento da
infra-estrutura e da indú§fifi' ~'.'COnsideráv,Jff~{tRg;~os, movimentos artísticos, como
a bossa-nova e a poesia concreta, conquj~to~t~s;~ecimento internacional e ã nação ga-
;.:ffJ;.~..- --~\- .,:'\. •':•'.~'?.<~•-,,.
nhou uma nova ca.pitj "fl lral, que sim~9~1f, para muitos, o advento da modernidade
no Brasil. Ao mesmo"·t~ifipo, o Brasi,L'&~w,i~ou a ser um.país de grandes disparidades
..•. - _..r:§fj,.:f_,:-,.. . ..i...
Latinc4,~ 'J o exetft . . _ bàno contribuiu para novos projetos culturais enfatizando
'º ,
"' . '"\ ipativà', _q ue -~ij;olveria diretamente as massas. Com base nas categorias
es1iL ; esboça : ,_}!";;Michael Lowy e Robert Sayre, Marcelo Ridenti argumentou
,~:_,<,:,i~::jt, . . .. , :,.:,;_};"
f;íµe}~maioria do~ ~i~~:tas de esquerda no Brasil, durante a década de 1960, adotou o
'-Jtt~·E1•;~¼.:.;'° · )0>.. _ ····,,._ :..-.r
, e~ptrito do «roíQª'ª~pio revolucionário" caracterizado -por uma busca pelas "raízes" na-
Ct . /&(~· '· :~_
p:)~:~\\i-}p
iir«W',,,_, ..&~iônais
.
e um~vi.. . "'radical da modernidade capitalista (Ridenti, 2000, p.5 5-7).
:,:-,, ' ·• ·
59
Christopher Dunn
"as esquerdas". O termo mostra que as forças progressistas no Brasil são divididas
em grupos com freqüência antagônicos e que, além disso, de/~ _g uma forma elas são
relativamente imaginadas como uma força coletiva que tem ~JJh_~rios em comum
e metas similares. Na política da década de 1950, o Par~tdõ~Ji~balhista Brasileiro
(PTB) atuava como uma organização nacionalista e populi{{~_a13iada por uma parce-
··'""" ··,,,:_i:~;..~
la significativa de eleitores da classe trabalhadora. Ape~~-r,,~H~4õ'lícialmente proscrito, o
Partido Comunista Brasileiro (PCB) surgiu como o,;Bir~g-d; dominante de esquerda,
"··-~ it•,.•
com foco nacional, fundaq~,~"ffil~f 962 sob a i id~~:da União Nacional dos Estudantes
(UNE). Estruturado,,,_çm}p~; com base.no~&f imento de Cultura Popular (MCP),
.:~; -...~::_;y..-:..'c- .--. ,~:.t,.
60
--
Brutalidade jardim
mais para as organizações populares radicais, a fim de obter o apoio político delas
kidmore, 1967, p.284-93). •tjJJfj ,
11
Cabe analisar a teoria e a prática do CPC durante esse breve perL ,,,ób o manda-
de Goulart, quando as forças progressistas ganhavam impulso.i.ó ' Ünha como
·ssão aumentar a consciência política por meio de atividades ~~ttÇ,ativas e culturais . ·~· ;;f~,'.
ltadas para as massas, ao mesmo tempo em que buscava -~i:_ ,.:, ina ampla aliança
trabalhadores, camponeses, intelectuais, artistas e na~i,.g ~M~t~ radicais entre os
:,'1.//'·~) "\ -i
· irares. Atuando em várias frentes, o CPC encenava > :~,: rais agitprop (de agi-
, o e propaganda) diante de portões de fábricas e.":~'ij;tW;.;~r~ ~ operários, produzia •:~ X{; ~,.,,; .
(~ kr Ortiz, 1985,.,pq, . ;z observa que o entendimento do CPC em relação ao "nacional-popular" não era coex-
:c·.,• tensivo com a,Í~ -~- ção de Grarnsci em Cadernos do Cárcere, que via a cultura como uma luta por hegemonia e
·. não uma qu ' • '"~,.alienação da expressão nacional "autêntica".
.· 3 Estevam, l~,{ ,,. ,; -Ô-4. Uma ttadução resumida bastante útil da declaração de princípios de Estevam foi publicada
_
• emJohn;dJft~ , 1995, p.58-63.
61
---
Christopher Dunn.
cas, representadas pr~ .ci'" \ ~nte pelos poeta( ?óncretos, apesar de reconhecer que as
vanguardas artísti~ . 'é.f\ ,,mo os pocl?~j;,{~~ ~~fos - produziam arte "desalienada" ou
r~-- ,.,.,1,t{.-::\¾
~\·.~?'".
não conformista, côn :tando a ~êti2áfiburguesa tradicional. Elas não eram con-
• Ç"=;~~. }:,~:..
62
Brutalidade jardim
,. qual "os elementos autênticos d a expressão coletiva são utilizados para atingir uma
rma eficaz de comunicação com o povo [para] esclarecê-lo" (Berlii\~~ 1984, p.35).
abordagem programática e paternalista reduzia as possibilidades.4~,i~&':sso do pro-
<·~,, ;;:t-:½:>·•-
0 do CPC e, conseqüen temente, muitos de seus eventos náof Ónt ?ràm atrair a
nção da classe operária. A maioria dos críticos, incluindo ex4l<tr;:res do CPC, mais
de admitiria que as produções do CPC eram politica.men~ffi~~~as, esteticamente
ógradas e, em alguns casos, condescendentes em relaçáQr,a~t ~rrblico-alvo.4
..~iJ.:-~.1:-~;\~
Apesar dessas limitações, o projeto do CPC foi um exi ~ ~to ousado no ativismo
":":f;c.::('::_:· .:-,._;
'um período de grandes promessas de transfotfna~8'social. Ain_, {fí~si uela década, durante
~. ·;:{_· s~~-;\, ':,; r•·"''i~~-·: . , . ~,
63
Christopher Dunn
situação na llltura brasileira,;1;f!M,t . berro Schwarz mais tarde descreveu nos seguinte5
termos: " · t' da ditadura;;,t{ta:-4if'êita, há uma relativa hegemonia cultural da esquerd.i
;~:;· -.. f;::.'"'.;r · .=::.;.;;// ,,.
no paí~sL . c warz, 1978/ pi~~): E necessário ter em mente que a hegemonia cultural
da es~4~ài se restringii ;lg~~irites de wn meio social urbano relativamente pequeno.
'.·~-?. \~éf.J,; .. '· ·>.· ;~!\,. ?-~
s ~;i:i~s~ istas da.;f~5Jfi{{1JÍ~:·q ivessem ocuJ1ado uma posição hegemónica na sociedadé
,,e;~~~1t~~~tomo urir1:t,tt~:"a resistência ao golpe teria sido mais intensa. 5 O regime tole-
,;~l:'J~à'
1
a cultura d~l.;Rro~;~o, contanto que fosse produzida para um público limitado dé
;;\_I'. f(:i:: itogressistasA~~~ses média e alta. A violência do Estado e a repressão legal tambérr
1
r };'i foram mitigíd~~~or questões de classe social, refletindo o que Anthony Pereira chamot:
. 0!Jf0i~t1~t
i:;;;tJi11t\- ,-
5 Ri- ·· :, \', ·sicou a análise de Schwarz, argumentando que ocesboçou-se a gestação de uma hegemonia alrernativa
.l !)l.,Jii~tr ~hegemonia, que acabou sendo quase rotalmente abon:ada e incorporada desf.guradamente pela orderr
·~íge'iffi '. Ver Ridenti, 1994, p.91-2.
64
Brutalidade jardim
,õtuto Brasileiro de Geografii ;~, Êsrdtística (~!l, · pfuonstram que índices de desen-
wlvimento social não aét5tfi'p~ ararn a mqJ1rrt~ção da indústria de comunicação. 6
• , • <,~ - ·r
65
Christopher Dunn
escrever. Apenas 12,8% de todas as residências baianas tinham água encanada, 22,sc
tinham eletricidade e 36,65% tinham rádios, ao passo que ot mesmos índices para S~
,.. ,::;:; -~i:: ·\
Paulo eram de 58,5%, 80,4% e 80,5%, respectivamente. Em 1~7'0;,,.:pratica.mente a m, .•, ~ •:"t-, .,
oooooooooootfJ;:''t~
0 001D-'ST·t -A .a.Ai'l;., -''';li-ffl0D-'i01D4ID-'
_. :~1~}:•-·;f
Os dados estatísticos citados sá~?/~m~ssivos, sobretudo ao considerar que os :
tistas - que mais tarde articularia.ui"~ ; ~ento tr~.f/i~jsta - nasceram em pequer
cidades da Bahia, no Nord~.t-A:lQ)3:rãfil. Por ter aq_pi}½~-~ maiores plantações de car
de-açúcar da era colonial, 0') 1tti~}ordestino f,9.li~privilegiado cenário de Casa-grm
& senzala, de Gilberto Fr~f~ -"4Ü~ defendia{1:f-::a{çq~preensáo
~--, tt..:·,t~;__..
das relações sociais encr,
1<;i-.-"~•f~· . :; ;
:.;;$\, ·•,~~,- O grupo {ijf ~~icos baianos, que mais tarde lançaria o movimento tropicali
1-tJ'f({}{,,~), mantinha íiti1~,_\culo ambíguo com o Nordeste em relação a como a região era vista
,k %!tt:,t\t0 cidades .qf~lesenvolvidas no Sul. Eles se sensibilizavam com as condições materiais
(1:ttf· quais ~ ~oas eram forçadas a viver e sentiam-se motivados pdo projeto do CPC ,
t:S.:,?.t,
.::~\--~~ .-.. ·t; .. .
-J'J>;iii uma crítica sobre a construção do Nordeste do Brasil no imaginário nacional, ver Albuquerque, 1999.
66
Brutalidade jardim
e- miliar:.·&~f}fflilho de.l rn1. · .~ ifia mulata emtto.dos os sentidos. Meus pais são mulatos
de,. ~fti('?''B~psciênêfü, .it,:\;::tfulrura, puxando pro lado branco. Quer dizer, buscando
a, e ..... j pá.ção da fagiJ.ía f,.:a os filhos através de toda uma padronagem branca da so-
as /.J;i. ' . :dé.9 A fam' ·
.,:-:;.~~:•=}:~:l1·~
·:.t·~;.Gil
ocupava uma posição relativamente confortável na ordem
-~:r•
as ~~<s9~~0-racial pe •'''.'· .; ta e não confrontadora evocada pelo famoso samba de Dorival
~t~~y./ >~
le
8 Veja, por,,, ·,, .º' o relam do próprio Veloso sobre sua formaçáo intelectual na entrevista "Conversa com Caetano
Vdoso". · , to de Campos, 1974, p.201.
9 Ver G ~~'~ il,]omegro 2, n.7, 1979.
67
Christopher Dunn
68
Brutalidade jardim
69
Christopher Dunn
Caymmi, "São Salvador" (1960), que idealizava a Bahia como "a terra do branco mu-
lato/ a terra do preto doutor". José Carlos Capinam (nascido~~ ,1941) é provenient<
da cidade baiana de Esplanada, e Torquato Neto (1944-72) C.f, ~"'\ ¾;~m Teresina, capi•
tal do Piauí, antes de se mudar para Salvador para estuda.ttf ~. . 'versidade da Bahia
Do grupo baiano que mais tarde elaboraria o projeto tr ;<''., . iit;, somente Gal C ost,
(Maria da Graça, nascida em 1945) nasceu e cresceu , ~~dor.
Como a identidade regional representa uma imaç:· • e dimensão do projeto tro
picalista, cabe discutir a especificidade da Bahia· .
,f-:,1,j~',:,1:;~.Y
; 'f}f~lição ao resto da nação, ben ~~-
C0m0 o contexto cultural do Estado durante +-:-~ g,:íím~~Uql?em que esses jovens músico. f1< · ':'·:•. }··
e compositores atingiram a maturidade. Salvi d.~~tia Bahia foi a capital colonial d<
Brasil de 1549 a 1763, quando a Coroa ~~~µguesa transferiu a capital para o Rio d,
../"' 1: ~;]-:;p
Janeiro. Sua economia colonial se base · , jfocipalmente na produção de cana-de
açúcar e dependia de uma enorme f• .,".. _} rabalho composta de escravos africanos
Quando o Brasil conquistou a inqt P;~dfhcia, em \ª}ft,;~ cana-de-açúcar tinha dei
xado de ser o centro da econqffii l~gnal e a Ba.b,{f;&r$~~u em um período de lent,
declínio, tornando-se cada /fiif.fi'· k!' marginali~ ~l:~ ,relação aos centros de pode
político, cultural e de pres~* ô.JÍ~ Sul do
'"'~·.f•:,:jl,;;
longo da primeira metade
:,,··
.Pf~t·;:J1'o
.y ,i v
de
século XX, a Bahia foi lL®' _I'iferia provi~tia~; permanecendo à margem da mo
y/_$··2 •;· ·
dernizaçáo urbana t;,:· · · promoviçla pôf'Vargas. Com a descoberta de reserva
de petróleo na B~i't'l ((:' __ o·~ os Sartt~ i#g_da de 1950, a economia baiana volto1
a se recuperar, con · tiJhdo com <¼(;h r '_i ôfaação e a modernização de Salvador. En
.'c-;i,!··, ·:/
sua maior parc7ti~frR.ntudo, a cid$4~,:~ -wiinuou sendo uma das capitais estaduais mai
pobres do Br~ 1 ,~ij'm marcad t'€}'i-gualdades entre uma elite minoritária, compost
·-r~st-':f:·,:'."'-. • ·, ·
principalmente ête brancos, y.;f!-, .1 - aioria pobre, quase toda negra.
:/;· ~-;: .,.~;~··." -~t,c
A Universidade da Bahia foi fundada em 1946 sob a direção dert 1Ijitf Santos, que ( ~:__ "'\' .(°:°f,·
atuou como reitor até 1961. Um humanista tradicional compróm~ido ,.,.' ·,~.,.-;)·
com o desen-
volvimento nacional e regional, Santos acreditava que a uni L, } de deveria assumir
um papel de liderança na modernização da Bahia, tanto ~ ' ·:.,;:s;'! R'tolvimento urbano-
industrial quanto na "desprovincialização cultural" do ', . ~;~sério, 1995, p.35) .
. i/;\
Para atingir essas metas, o reitor investiu substancialm .· ácé'a de ciências humanas
e recrutou artistas e educadores da Europa e de outr ' "" giões do Brasil para abrir
faculdades de música, teatro, dança e artes visu1~t fl~;t,
Caetano identificou dois eventos emblemáfíifrnsLd~ vibrante vida cultural da uni-
/ .i~~'.~~ :~~. ,:' ~~)}
versidade quando estudou lá, no início da ;J s_?(~:a de 1960. O primeiro foi a ino-
vadora produção de A ópera dos três Bertolt . , ,,,,~t, dirigida por Eros vin,f ns:::H;g·
Martim Gonçalves, recrutado por q,l{fo,t~;J~\os para el,~;.9r~i1um programa teatral
-~~~:\; :-r :-~,;,f~tt~ ··~"'J\J,__
em 1955. A produção foi encenada?il"as ,punas do~ · · ·ae:@astro Alves, um teatro
;):~<,?• -f?ti· ·,
moderno que pegou fogo um dia f~',êúª inaugu~i¼•. ?itffm 1959. Gonçalves trans-
formou a tragédia em uma ocas{"',:; ·v· s~ encenar a{jfB~ dora produção entre os des-
troços sombrios e queima~§ ·ª~~~i'fstruçáo. Q .ou~?i~vento memorável envolveu a
apresentação, por Davi4,]l :,;;~\ .
,· -~t.".,·',l':
1
··.,:•-"=~
J;
música1i~ : ·'tii \:le John Cage para piano adap-
~- ..,;~·.-·,_
,
tado e um rádio, que era t~c ·~:r~sim que:,ffein..fõ'~utor dizia "Rádio Bahia, cidade de
Salvador". A identifi9_-~ ,. diária da es'~ ç.i ~ t:íii-ádio era incluída aleatoriamente na
composição, o que sÍ,.,.
,-:~..r~1.,. .,
kamente S!:~~~Íi\J:t cidade na vanguarda musical interna-
-~-;.-';._",;,(".
'''.i!i/f f 't!it['f!.
10 Para um~hl,~!:iaéulrural de Salvador durante a~ décadas de 1950 e 1960, ver Risério, 1995. Ver também Maciel,
1996, e êa"jJflitln,
1998.
71
Christopher Dunn
1960, Salvador usufnúa uma vida cultural extraordinariamente ativa e produzia alguns
dos artistas e intelectuais mais importantes daquela geração. 11 ._;f \\1r, .
Em 1955, a Universidade da Bahia fundou uma escola d~•.
i,: ·!_.l ~:~~-\;~?tl· .
sob a direção de m~liôà
Hans Joachim Koellreutter. Refugiado da Alemanha nazista...-:ii',~
1,K.ot!liêutter
·.;.•:l,'."t.··
foi para o Rio
de Janeiro em 1937 onde criou o grupo Música Viva, dedi&a~M! técnicas de composição
,:;ft..•, . "\ iet':l
dodecafônica (sistema dos doze tons) de Arnold Scho,ênl5ê.iig. Na Bahia, treinou um
grupo de compositores antes de ceder a posição em }& ~;:~ ~âFErnst Widmer, que fundou
o Grupo de Compositores da Bahia, incumbido d~{~ · ..., :·_ experiências com a música
,_.._~ --.:.~~~-..::.~·/•
dos fundadores do Grupo de Compositores dá ' -~~ =iia enquanto fazia pós-graduação
em música entre 1962 e 1967, antes de se -0,t~~ para São Paulo e direcionar a carreira
·>:t,ri,... t~
para a música popular. Nessa fase, Tom Zêt;~bém estudou com Walter Smetak., um
iconoclasta imigrante suíço que monrifi:;)êq;; oficina na universidade para construir
instrumentos-esculturas com materiª1s .Ío~l (Campos,i;.'i~Q:8, p.85-9).
ir {Ú i:\·~~~, ---..·\~
Caetano Veloso estudava l{flt>sdiak
f;,..1: ' ....\.1··i,....
fia universid;~êié\:~•
..;;.,;"/, ,;.;
circulava no meio teatral,
~
nacionais ef~ ~i r;p_acionais. U.~ i 1~ '.p' rimeiras composições de Caetano Veloso, "Clever
•:.. ,,. . .~<•- ~ l'i--_--•1~-
Boy San1ira'";::;
{,;,t,·t,
s.tígere que Sal~ -:;;~_;.;r,,
çlor 'estava se transformando em uma cidade cosmopolita
com qi.,tgJ6ta. oferecer a.,.~ ?,~ p irante a artista. 12 Na canção, Caetano não considera
~,,H~""'•. .,.(\';''\ ~i ~ •'i~"t,
comf~~~de,
. :1-..- .
·~~
m.·';:,,:,
~ . s,~;.,,-~,.,,.,,
~ ;-.,f õ:f.ti
..
ironia e hUW1or, a localização periférica da Bahia, como
~11~ ;F 1eferên~1i~i'.i ri' filme de Fellini e à música popular norte-americana: "Mes-
'_-fi~ escola de dan~,frlr~g~a e? Centro de Escudos Afro-Orientais (CEAO), dedicado ao estudo de relações hist6ricas
i/ ••\'i:f/: " e concemporâ:R~ eiitl'e a Amca e a Bahia. Mais ou menos na mesma época, o governo do Estado convidou Lina
~t~;~:;_i_:,i_{Ji : ::u~_~l:ifl;;,~ ~~~~ª;ut~:~~~~~i,a lp~ ~áo Paulo, para fundar e dirigir o Museu de Arte Moderna
3
' 12 A músj4 il'
~t,.f',i.,
(:;f~ ~ Boy Samba" nunca foi gravada, mas Veloso a apresentou em um programa da 1V Manchete na
com~~ ~! ~? de seu 5()Q aniversário, em 1992. Para a lerra da música, ver Caetano Veloso completa hoje 50 anos,
Fo{J;l'#..~ Paulo, Ilustrada, 7 ago. I 992. Uma versão ligeiramente diferente foi publicada em Calado , 1997,
p.i 'H 1;:i'9.i
72
Brutalidade jardim
' mo subdesenvolvido/ vou fazendo a 'Dolce Vira' [...] adoro Ray Charles/ ou 'Stella
. by Starlight' / mas o meu inglês / não sai do 'good night"'. O eml:f · supremo da
·• modernidade cultural em "Clever Boy Samba'', contudo, não é esw~gçíf b. Caetano
0
: conclui a canção com um tributo ao baiano João Gilberto, dizertJ~Jt1j~ nio é bossa-
;. __ , . ,, .~1t~-\~ ..,._. .
. nova/ nao esta pra mim . '~i'?f;,ti
Naquela época, a bossa-nova tinha inspirado uma gera eira de novos mú-
; sicos por todo o Brasil. Os jovens baianos se reuniram ªS\ ._,., , 1p10 como um grupo
- -~w+•·~.
;:}::-
'. de artistas dedicados às inovações de João Gilberto. Eàl;\f~P~:tº de 1964, Caetano,
, Gil, Bethânia e Gal participaram do espetáculo mu~f t;f:lds,c:fp~r exemplo, no Teatro
Vila Velha, um palco alternativo em Salvador fundaddt~dr estudantes universitários.
Com o sucesso do show, fizeram uma segunda a ·· .. ração um mês depois, dessa vez
com a participação de Tom Zé. Em novemb,r _rupo produziu outro espetáculo,
o Nova bossa velha, velha bossa-nova, uma rél~ . é: . da tradiç~o da música brasileira à
luz da bossa-nova (Calado, 1997, p.5f-3)Í{~ n;,)~dos os sh: l?'"''• (t epertório se dividia
entre clássicos da bossa-nova, comn_~)~9.: ;%l~ginais e s~ \... , ássicos dos anos 30 e
~!f:'\':;)~{?:,N.-"-,$.~, '.': . '·'"<1~j,_i~:)
40, de compositores como PixinguiQ:'na,,~~oel Rosa ~lit~ ~,.;Bi rroso. Esses espetáculos
·.!:.J•~•·_'•:•~ - . .:. .:,r ·.,, .c,:/'·
;:~~;1:~; , ,,:tf;~~
0 (dJU,t~ 0PIRIA- ~;i il:> ({Mll0 (ULTUI.OL D41 .(Ç~U.(10.0
~~ ) :: ·; ~eir • :~~f Paulo, o teatro musical assumiu um importante papel
~ "êijrúra de prot . -.Mediatamente após o golpe militar. Depois da supressão do
~.iB~''vários de .s~::-:p~iricipais dramaturgos formaram o Grupo Opinião, um fórum
t::
1 41r,/# a anicul~t;·,.,,:~ fdàrnente uma "opinião" em um contexto de repressão política.
· ''t,k'b debate in•~êi}õ\i uma exibição de arte, a mostra Opinião 65, que apresentou o
trabalho .~i?~;êhs artistas esteticamente influenciados pela arte pop, mas definitiva-
1
mente c~ { ·. metidos com a crítica social e política. A primeira produção do grupo,
73
Christopher Dunn
o Show Opinião, foi um musical dirigido por Augusto Boal no Teatro de Arena,
apresentando Nara Leão, reconhecida vocalista da bossa-novãft~,o do Vale, cantor
e compositor do Maranhão, e Zé Keti, sambista das favela?f~t\: @b de Janeiro. O
Show Opinião deu início a uma série de apresentações · :,gl f po~ Boal baseadas
em um formato similar, combinando a música popular -~--- ' \ frativa dramática. Be-
thânia, Gil, Caetano e Tom Zé participaram na prodiiâ- i~ ~Arena conta Bahia, de
., ~e ....,.,
1
1965, apresentando tradições musicais do Nordeste ' . .,,'\§t produções encenadas se
'·'
alinhavam ao interesse da classe média pela músi' ional, principalmente do
sertão, e aos sambas das favelas do Rio de Janei;,5:Zl~~ tr épbca, os estudantes e artistas
·=.:• ~:;
11 de dezembro de 1964, o esê!c!s/o foi adam, ·' · ·: amo a primeira reação cultural
21
de impacto ao golpe militar ef;c a transfq~, · ·,tt2.?·~ l
de Nara Leão, até esse momen-
to uma discreta "musa da b;: ,.. ~~à', na no\rl ,v,qt rda música de protesto, sinalizando
. '.. . . ""i,"%c.:'i·
o esforço consciente dQ.f · '"i~ de esque~~a dei êaiirmar aliança com o povo. Ao unir
o sofisticado grupq;y ":\,::. ,, .,da burgd'ês~,'.!~ l~~ com músicos de origens humildes,
o Opinião buscava r~tôm ~, o espírit ftâ.~·~@PC. O programa do show anunciava: ''A
música popular.,~1.ft:@!J.to mais ex~'i: . ... · q uanto mais tem uma opinião, quando se
alia ao povo na'.i~,g;.i ção de nov, ,_~"2R~1menros e valores necessários para a evolução
social, quan~iimantém vivas ~~:f@~i~ões de unidade e integração nacionais. A música
'<~"'"/''Õ; .}. . :>:X '···Jt-J:~;"t
popular ~-·.•• .· .e ver o P½~1~~;-/ ómo simples consumidor de música; ele é fonte e
razão déi':fuJ ~ict (Buarq4~:~i,t~1.;!-follanda, 1992, p.32; Damasceno, 1996, p.135). Os
·, -:.~-:;,;,;.1.. :.,. •-', :":' - --~-
.,~:•r:~~:s;:{~~.
-1-
3A_ uw_
,-.,;.,,,.,.,Y;,....
) p= ~,? J\;1ais tarde dirigiu dois outros dramas musicais, Arena conta Zumbi, sobre a comunidade de escravos
forag!c,ªi:\~,,.~ século XVII, ou quilombo, liderada pelo herói a&o-brasüeiro Zumbi, e Arena conta Tiradentes, que
ap~ i ~va a história de um fracassado movimento pela independência nacional no final do século XVIII sob a
liderança de Tuadenres. Ver Campos, 1988, e Anderson, 1996.
74
Brutalidade jardim
com as apresentações públicas como uma forma de confrontar o regime, uma voz
em off sarcasticamente questiona sua sinceridade, lembrando seu '1,~ef,_jgree burguês,
--'\_lj -,~\ '1.,
dido), que compara a ave de rapina ao Nordeste do tf.. ;;:Ê lit'i)ficou particularmente
famosa depois que Maria Bethânia foi convidada para''~Jbsfituir Nara Leão em 1965:
tinos mais pobres. Apes~ â'~--;,~1i kção não §t ré .'êrír diretamente ao regime no poder,
ela representava uma .~B~ contundetiry;,'! (R~1:Sreza rural. Como Bethânia é baiana
e tem uma voz poterif~,,_i :l rave, sua UJJi;~fltação tornou-se muito mais eficaz que a
de Nara Leão. A irmã d~-- Caetano g~J õ:~siderada uma rústica cantora tradicional e
não uma suave ~:ibt~
'.-~ , _ A :-:J,' :,,,,,w:
de bossa-~ {; ::~i~ arcarâ' consagrou um novo paradigma para
r ·.. :? ·,·,:•li!'.,~;~
zados secnt , ,,,. te com o fracasso de 64, vivido como um incidente passageiro, um
erro info. :_ib - o e corrigível, uma falência ocasional cuja consciência o rito superava''
75
Christopher Dunn
(Buarque de Hollanda, 1992, p.35). Outro crítico mais tarde descreveu o eventc
como um "rito religioso" no qual estavam o "palco e a platéi~~.r,wandados na mesm,
fé" (Mostaço, 1982, p.77). Ritos alegres e redentores, como.;g~:;J :;;t how Opinião, ali-
viavam a decepção coletiva das platéias progressistas. l:,1;{ . tt ·
Eventos como o Show Opinião costumavam atrair __(!iit\ p~blico social e cultura
urbano algumas vezes chamado de "esquerda festiva''i ~Íp~sto em sua maior parte
1
de jovens estudantes, professores, jornalistas e ou ·· ' :f"-;1:l ~tas. Esse público tambérr
passou a ser conhecido como "geração Paissandu'"i~~, ; ferência ao cinema perto de
1 centro do Rio de Janeiro, um dos principais 9,õ~~i~"'â'e:\~ncontro da esquerda festiva
Em alguns aspectos, esse grupo é comparável "aõ~:ff írculos da nova esquerda surgid.
nos Estados Unidos no início da décad3: Jf&1,},~60. Apesar das enormes diferenças de
contexto, a política de esquerda nos g~1~f1g;tl;es era em grande parte centrada no • , • • > · -~ -
express2, ' · ,::'/# de tanto u_,t~i,JJerdiam o sentido [... ] Era como passar o tempo rod,
enqual1M1 ~-a realidad~-:tf~i},-;,rb das formulas aprendidas na faculdade. É preciso faze
,:.;,_;,):';-.:'.'.:, ,;f -,h;;
al~ x, disa, mas faz~í, __ ".nê? Como fazer? Enquanto a gente não responder a essa
. . . s van;\i ~,.f ·~ti;~pbs masturban~o em mesa de chope: protestando, protes
; ·pt.o testandYJ~'m;
.., da mais" (Castro, 1968). Em 1965, quando o Show Opiniá
tíi:t¾,_ ·..·'a grandes é'~ pttrsiasmadas platéias, o golpe ainda era em grande parte percebid1
,.,;-, j for muitos f~~ il.istas como uma aberração passageira ou até mesmo uma tentativ
desesperai ~âi!l ifupedir a revolução iminente. A história ainda parecia estar do lad,
;~f ~-::~;:-.).
das forçâ$tfii~gressistas. As angustiadas observações de Castro sugerem que três ano
mais f,á ~[}1confusão e a desilusão começavam a se manifestar à medida que o regim
mili.~~f~ tensificava a pressão sobre a sociedade civil.
-:lt}:J~\tr ·.
76
Brutalidade jardim
dências distintas, porém nem sempre mutuamente exclusiv~ ii1vma' orientada para
o samba urbano de raiz e vários gêneros "folclóricos" rur~~:~;:~\itra que acentuava
:.~· ;< •• 'i"
os elementos urbanos e jazzísticos da bossa-nova. Artist~ _,J ~gtõ Carlos Lyra, Sérgio
Ricardo e Geraldo Vandré admiravam a bossa-nova, 'ffii:''"•., iam que seu conteúdo
lírico e formato musical eram distantes demais da viçl,~ .,;· · a e da cultura do povo
brasileiro. Esses músicos desenvolveram novas tencfê, -. f
'\ rfl---
b~eadas em tradições mu-
·
sicais do Brasil rural, especialmente do Nord~Je,,. Devido à constante preocupação
com a injustiça social, a pobreza e a autenti :( _,, €"'cultural, essa tendência musical
,,,, ,,..,t,:'lt,,:
costumava ser chamada de música "nacion,1· · Jfàrticipante". Depois do golpe mili-
tar, essa tendência proporcionou um mod,~l~
;:!t ·, .
-~i;
a músicat:;:_l:~i:Pf?testo.
·./"-":)<,,· .
Outros jovens
intérpretes, como Elis Regina, Jair i~drl ~;§fe Wilson s-:?~6-;t~:' e grupos instrumen-
tais como Tamba Trio e Zimbo Tr(~J'di~~hvolveram Y;1 » ;sa-nova mais jazzística.
1
Juntos, os músicos de protesto eii t~'.,; ~fbossa cont!ft=1im uma "segunda geração"
da bossa-nova. Chico Buarqu~:{Jizl~bllanda sui;fli.i"çBfuo o mais aclamado cantor
e compositor da bossa-noya ii'i i_"'},,, nda geração;t:t-&t composições bem elaboradas
que incluíam tanto o liri;~9-}61hântico "~9. ;. ,,çtltica social. Apesar de ecléticos e
heterogêneos, esses artifi~ttil~am em c~gi,;, ,, ;jcompromisso de defender as tradi-
ções musicais brasileiras . ,.
dos
.
efeitos q~' : f"!:14~ç~$opular importada, em especial o rock
·,, - /\1:J. .•-::';r">!~---
'n' roll. Essas novas " · ções da bo~'á~'ºva evoluíram para formar uma categoria
musiéal conhecida cõ o Moderna .~~ApsPopular Brasileira. No final da década de
1960, essa mús,i~Thp ªssou a ser e ___ ., - :d~ simplesmente como Música Popular Brasi-
leira, ou MPJ~';í(t:ff~jft" /${~
Quan~2,~ia Bethânia f~"_:- _ idada para substituir Nara Leão no Show Opinião,
:<~t••-~:~-~-r\. ~-y: ~
ela foi a~lBJq:;Je Janeiro a ~ hada de Caetano Veloso. Gilberto Gil recebeu o di-
plomf P,~~~hjversid~~"- . ·\• . ia e foi trabalhar em São Paulo para a Gessy Lever. Os
tr~r,•, · ''~arama d.Ç$en-y,qf\rer a carreira artística no Rio de Janeiro e em São Paulo,
~.,-~<~,~ ·-·.:· ·f.l\-:,,, :-rst0
9J:1,;[ ~{fµais tarde fo_ < -,,J cômpanhados pelos colegas músicos de Salvador Gal Costa
•rt:T41n Zé. e pel?,s::~i::t:l~
., ,_ ·_
·1~·;';~\.t,;.·,y
-Torquato Neto e José Carlos Capinam. Esse jovem grupo,
;\i.i~ "-:~
, ~9nliecido cow,i ;_!&.!11Pº baiano", se identificava com os artistas da MPB, apesar de
'itrw{iff ;,~~'ti'"
14 MPB n~oi~i/im{e.5tilo ou gênero de música. É antes uma categoria sociocultural que se refere à música popular
urbana;tfe'Stl~e
. ,·:,;,~_
,
média.
,·
77
Christopher Dunn
cultural e religiosa do Nordeste rur,, , é8iri foco nas {~itJtJildades e injustiças perpe•
tuadas pelos grandes proprie\, ío{~µ:tils. Sua can · \ '.,; fframundo" (Gil-Capinam:
,:~~~. ..- .tYL~~;::-,. (,\ / ·,,,
fez parte da trilha sonora do ffiWfê]}'e mesmo ng ·-- ·_-Geraldo Sarno, que retratav~
as dificuldades de um migr~~-~,~~fdestino emt~~9.,,> aulo. A canção de protesto mai:
1
estridente do álbum, "RoQ.a5
,., t.:;.:~ ;;
iM~~ta enfatic&e~(l"Seu
.,,_ ·:1- .
moço, tenha cuidado/ corr :<-~.
-·'H ..
tem de arranjar_,µ m jeitinho prài':w,y __ ·,·;: maioria das músicas desse LP exalta o povc
,{.t~.i-~:%:;.\:. -. ;;.-t{'.i:-J~.. •~.- -
rural como ag{§, ,.,, ivo da tra11-.~1órfül,~ção histórica.
Enqu~~? GiÍ'r~ia às ne~~iiàlies sociais, Caetano compunha canções em sua maio
ria sobre cW._ ~
1
_ existenciai~/-, _ riência do CPC, o golpe militar e a cultura de proteste
estavaIJi!-i~ ~ipf~tamente a~;,têtdo
álbum. Caetano acreditava que a segunda geração &
bo~~;~;tinha apen ,,, .-· '•,~~êntado slogans políticos a uma versão diluída da bossa-nov:
,,,·, :'º'J à mús1 . . , ,:"~nlãf' do Nordest<Jtrural. Seu primeiro álbum, Domingo (1967)
~ ~~ ~ k
.JiHit1.,_, õt om Gal· .., ,,êra em cercos aspectos uma releirura melancólica da bossa-nov,
;,,J:·;;~ ;p rimeira fasef,C:On;,!;:$Üa ênfase na natureza, no amor, na angústia pessoal e na nostalgi,
·'"f~J1pelo passado. _ ":-,,;, 'J;l~to, Caetano também indicava que sua afirmação da bossa-nov;
ortodoxa ~, }•~· ,:, rdúdio para experimentações mais radicais. Na capa desse álbum el1
afumav~?i1~~~ a inspiração não quer mais viver apenas de nostalgia de tempos e luga
res, aQ~~~~o, quer incorporar essa saudade num projeto de futuro".
,~~~F~ mesa-redonda intitulada "Que caminho seguir na música popular brasi
lei;,a~;~Hfoblicada na Revista Civilização Brasileira, Caetano criticou o que considerav:
. ··•·;':;->
78
Brutalidade jardim
.·. ser uma utilização esteticamente retrógrada da "tradição" musical, em especial o samba,
e na música popular brasileira. Citava o exemplo de João Gilberto con\t;,,~ artista que
_utilizou as "informações da modernidade musical" para renovar a J;,,;.:Q' da música
ibrasileira. Caetano não defendia um retorno estilístico ao som e¼.'. ,,.J ,,.&nõva da pri-
. meira fase, mas um retomo à linha evolutiva da música popula:r1:~~ff~ira: "Se temos
- .,:•$,·•. . ·~~J}'>
.•· wna tradição e queremos fazer algo de novo dentro dela não st '.tE"t'~os de senti-la, mas
· conhecê-la[... ] Só a retomada da linha evolutiva pode no~~i t~~ organicidade para
·• selecionar e ter um julgamento de criação. Dizer que samE; ·,. , ;se faz com frigideira,
;; . ' -(~'i_~ "i
· tamborim e um violão sem sétimas e nonas não resol, · · tQ. :e mà' (Barbosa, 1966,
p.378). Anos mais tarde, Caetano se distanciaria dess/'11~> teleológico e programático
à "evoluçãó' na música popular brasileira (Fons~sj~~;~;:93, p.29). Na época, contudo,
ele invocou a "linha evolutivá' para criticar a .• 'J{bva da segunda geração, porque
considerava folclorista demais (i.e., a música:/t:N~festo) ou pretensiosa demais (i.e., o
jazz-bossa). A intervenção atraiu a atençã~, • -11~~ta concreto.,~ sto de Campos, que
mais tarde escreveu um artigo de jo;~1¾1 _efõ'- J ifido o jove~ tru;q:§i~~ baiano. 15 Conside-
..,:-~:~• _.,..A' !\;":\'":!/!':
"J~o
l
ti.
nha sendo acome!,ipa por conflitos ~~g.?'il'.tias correntes adversárias. Artistas da segunda
~ti,t~!~li? ._ft ··.;_;.tt\~?_'
geração da boss ,, •'" i~se posicioqµ.y~ 'l:omo guardiões da cultura nacional contra ar-
tistas que ehorme sucess8t~ ~ êrcial com o rock 'n' roll abrasileirado, conhecido
·11>~1r,- .• -!i:>..,'y' ~1.-"',:c.',,._
como iê-iê-piêit(~à referência.~~ti~ião do grande sucesso dos Beatles, "She Loves You").
);,,.-.:.;: ";;:!·-.;; ::if:,•. "?;'
15 Augusto ~ ..os, Boa Palavra sobre a música popular. ln: Balanço da bossa, p.59-65. Os artigos de Campos
sobre a w' &pular brasileira durante o final da década de 1960 foram originalmente publicados em O Estado
de São Pá orreio da Manhã.
79
Christopher Dunn
"O fino da bossà' /'qÍfê~Jieçou a ser.\t r~~itido em maio de 1965. Apresentado por
Elis Regina, o pr_~$!ama trazia c~p.yi~~i~$ que cantavam acompanhados pelo Zimbo
Trio ou outros &i{P~?
do jazz-bosf};}1;~)~;fprograma de Elis Regina, mais tarde chamado
simplesmente JJ}tif5
fino", aj,,1,f;~i~}l ,'Íançar várias carreiras, inclusive a de Gilberto
Gil, que n,jl~t-ss, apresentoli:,, ,;;,,,1<;,jU,nho de 1966 para cantar "Eu vim da Bahià', uma
afirmaçi~ 'iil&illtura regi . ;; :t~nhada com a tradição de Dorival Caymmi.17
N,, ;<'"•' . " o período, l '~'t,1,-,,[êo Carlos comandava o próprio programa na TV Record,
o "J:! '., ,
Guar~;,~1~hi~~iJ1,entava estrelas em ascensão do rock brasileiro. A Jovem
_-W~fl':ê~ grupõ'~~JB' competiam pelos primeiros lugares nos índices de audiência
"jffi p.~ ados pelo Irisnrqto' Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (IBOPE). Para o
11
,,_,,; ::: ~:~ ~pero dos
:,.t?'.:.-\*~~!_:: · . ·~~2( e·~~{t:i
1
íti~
àa· MPB, a Jovem Guarda era um fenômeno popular, que atraía
~}:,,"_jjum número, ~Jtwe de fãs entre a classe baixa e a classe média urbanas. A imagem de
·~·-"4tt~;?f.. ~~f:.. ·~•-}'
.1t-:·
l{~
. ·,'.-~'
./~~;;z~t~~:~it:-
16 G~vã.~ originais desse programa foram compiladas na coleção de CDs Elis Regina no Fino da Bossa.
17 M~~~ naquele ano, Gil apresentou o próprio programa, de vida cuna, "Ensaio Geral", na TV Excelsior, em
~ tiê~tativa fracas,~da de concorrer com os programas musicais da TV Record. Ver Calado, 1997, p.100.
··•·"~:, :,
80
Brutalidade jardim
uma rebeldia jovem, porém apolítica, projetada pela Jovem Guarda ~e tornou extrema-
mente útil para gravadoras e outros fabricantes de itens de consum2:;"7q~ebuscaram se
,~s.,{-., v· ' .,
e poucos tinham nível universitário. Em uma análise per ,;; ,·, J·ã ;s distinções de classe
na música popular brasileira, Martha Carvalho observoiiís';. !oberto Carlos se voltou
para o rock depois de fracassar como cantor de bossa-nqflrt~ a~fu-entememe não tinha a
"sofisticação e a educação" da maioria dos cantores dl ~ssa-nova da zona sul do Rio
(Carvalho, 1995, p.167). O grupo da Jovem G ~~t~r,também incluía jovens cantores
e compositores negros como Tim Maia, que ~Hf ;;c~mo cantor do rhythm and blues
./-''~· _<·? i-~:·~
(R&B) e do soul depois de passar um perí~cfu[~~~!:Estados Uaj5Íos no início da década
Lt:{_:'\ ·.f-t:.:/~'-._ -~J~·k~";::
de 1960. Outro artista negro, Jorge ~en;:k qpl conquist9~~~êesso e aprovação com
.~;;:!;./- ·f·:j,:,'t·s~~ -:,· . ,~X- .... ~'1:r<~
suas fusões sui generis de samba, bq~~;:nliy:Fé R&B -, f~ }ipl@ialmente recebido pela
-.:,:.;f ~.-i~;;;:w•~~ ~t·-: -.. .·-.· . ., •-=::~::::~t
bossa-nova de segunda geração, c~,s g~jo a se apr~f4It,tho programa musical de
Elis Regina. Depois de aparecer n<;if:íif?üama da Jq:y~t:gÍiarda, contudo, foi barrado
/< ~';~;;(:.._:~J::-}:~ ,}':rº: •
inféi~?;;~qé
~:{~·..:;;:
um bom .•~~\'ei~:Q:Iplb ._,,.., . ·..s;',l;::-.
das músicas da Jovem Guarda. Parte do apelo da música
.~~tl~'tia expressãQ,êc:.:,~;t,; ~pendência emocional e empolgaçáo que se aproximava das
~~fências mais ~;-;:· idas das bravatas masculinas: "De que vale a minha boa vida
''·pl,ayboy I s~ if t~Jifno meu carro e a solidão me dói?". Conduzida por um órgão e
urna guitarr~~ ir~iJca, a música revela um lado sensível e vulnerável do herói mascu-
,.;-~;:.=.-.
lino, que s~:~tt~{naria a marca registrada das baladas românticas de Roberto. Carlos na
'i1;j,
f.•; h,
81
Christopher Dunn
lançou um novo programa, "Frente única: noitê-"'~iit, ~Íca Popular Brasileirà', apre-
sentado coletivamente por vários convidados, i~d~ do Elis Regina, Geraldo Vandré,
Chico Buarque e Gilberto Gil. Essa "frent~"t.'~~e3." da MPB foi inaugurada com uma
demonstração pública em São Paulo con\fji~;t;;fluência da música pop estrangeira (Ca-
lado, 1997, p. l 07-8). O evento serviu 4fi;~f~
.,.~-~-- -;•,i~/f:{,'
exemplo_ notável de como os termos da
.~;::'!/!\;_.
resistência política tinham sido tranifêri4,p~ para a lut,. k!:Ü1~al. Mas o gesto antiimpe-
..-1(,,-,. '.e:<'.-': , ..,,,,,.. ,. •
rialista imbuído de ideais elev~{;f S~'™m eclipso 'ações mais rasas e comerciais
relativas à concorrência no me . , "' •;·, o entreteni,GXent6':r televisionado. O maior bene~
. .fiJ;:~,;~:.' ' · -fi~· - _);\:-'' o-.:.~.'.j}J,
ficiário do conflito foi Paulo · ' ,. · hado de Carx ·.• '.: iP.proprietário da TV Record, que
lucrava com a rivalidade efi~;:, facçóeÍ{~f."~~ estação. tâuas
A prescrição de G.il' )ft'~ "retom~ a
1
evolutiva'' na música popular bra-
'\/•:,_ -~_d- si;; ;_ ~~:);.
üµ't;
V~~'.{
sileira foi em pa.rwt. .. _ação ao sÕ:iíg+~-ento de um movimento de rock brasileiro
com tamanho apd~"'"k rrífssas. Apes~j,\i;J&<identificar com a bossa-nova e a MPB, ele
era atraído pelê{f~~tm Guardaf~Q:~$iiâ'fu fenômeno pop. Enquanto muitos artistas
~r.,.t· t;.:·':) >'-;., ··-•.:~,-~.--',\:''
,?•:.:~í~f?:~5t~fi-
l 8 As}~ ,semanais do IBOPE incluíram repetidamente sucessos dos Beatles, Rolling Stones, Herb Alpen, Franl
S~ã~ªf,, rry Adriani, The Mamas and the Papas, The Monkees, Johnny Rivers, Lovin' SpoonfuJ, Mitiam Makeba
,;~~)\edaing e Johnny Mathis, ao lado das celebridad.es da música pop brasileira, como Robeno Ca.d os, Agnald<
'J1itit5i:fu, Wilson Simonal e Wanderléa.
82
Brutalidade jardim
&\~,;~~,StN~' -
Na batalha pela exposição na mídia, a MPB recebeu um en~tflle:;t ~pulso de uma
série de festivais de música televisionados que cativaram um grm·"'·,_,µblico de meados
ao final da década de 1960. Os festivais brasileiros eram , ~p_Ífados no festival de
. ".:(,".''l'./·;;{.:f°?.:-·
pós-golpe, os festivais televisionados se tonu't _,,,. .}' meio mai~Jr-i-portante para que os
músicos da MPB promovessem sua múst~ ei;t 'fn alguns ,S~~~{~t egistrassem alguma
, #},. .~~t.'~:; . ,_: ·c-jf/. ~.:~•Y"""1f..;;::\,.
forma de protesto. Para a platéia q """'. · ·J tt"áo vivo ao · ' ~rt'tós e que era formada,
em grande parte, por estudantes de e J~}fuédia e p~~ - Há.is urbanos, os festivais
também proporcionavam oportun' . ;,:·,,d e expresi.i j/~i~·i rências, muitas vezes com
matizes políticos. No estúdio, ~/ltí~!~ª se organizavl !w~orcidas para apoiar os artistas
preferidos. O público dos {~fif~j'.1geralm5.,~ t~(:lie ºijynha à Jovem Guarda e à utili-
zação de instrumentos ~~t:i~,~~ Os festiv!i.ii ;z ,... ··· '"percebidos como um meio para
•~..... ,,i':'.)~;;.-:-~l.i.~?'t~~:.'.. _ ~. '< ._.":t_,? \
a promoção da "autêntica'' mfüica brasileif ~ ~ ,?diada pelas massas e eram também
extremamente lucratiyJ·· · ara as estaçã~ :.J f&tªf~visão, que, durante as transmissões,
registravam regularmf ' · tos índice$,~:l /1liaiência do IBOPE, e para as gravadoras
(especialmente a fMips, uma mul :,;'" "•?;:i0àl holandesa), que produziam compilações
,:12-.::'·'tf.\~· :.. , . _~·•"é• -:t
ct .
·.
de vários volurr.i~ J:12i finalistas _1val. Esses eventos também tiveram uma sig-
nificativa infl ,,:?-', ~iit~obre a for ' ·-J~ MPB, levando à consolidação de fórmulas \ia
para a "m ,.,•.-~\, ê-festival", qü~ . .,jornalista caracterizou como "uma estrutura na
forma df,,.
,~ -·-:;•;,
.'~"ia (um ,, ,,ifit~i~,uido
·\':f:~1+ ' ."','\;·•
por allegro até o clímax final) apoiando-se em
orqu .. pomposas .
~1..
·,1.~:- -:~;-.
eiro festivalftglevrsionado
' ,~.t..~
foi patrocinado pela TV Excelsior do Rio de Ja-
-~j'.-_,,
~~ir~tiffi'
~+--t . :-~'·:t
1965. O e::Jl8J~'.it presentou uma geração de músicos da MPB a um público
, .~;; /·:~~~:!:·-~';:
~ ~dor que ulti,i~,,,~ !iva o restrito circuito universitário, o de clubes noturnos e o
;:~ ... _1d teatros. Elis ·' ~,' foi a grande atração do festival, pois ganhou o primeiro prêmio
i•.'.~!~t~;;~;i/ ,/iil.:·:-.. >-Jt:.
----~:i;'"f
19 FranciSCQ'~ f§WÔ Doria, De vaias, festivais e revoluções, Correio da Manhã, 6 out. 1968. Ver também Miller,
1968, p.236;7>"'
83
Christopher Dunn j
i
l
pela interpretação de ''.Arrastão" (Vinícius de Moraes-Edu Lobo) ,.- uma música sobre l
(Galvão, 1976, ff.\r'f3). Nessa câftijr, à música se torna uma força lúdica para aliviar
}•\;_;., ) ~;<;,/
o peso da .~)éJtçncia: "A miqij·~';g,t;.n te sofrida/ despediu-se da dor/ pra ver a banda
;.~~..,. '-.1. .:"':-·/ ,t;.-:;.r - -•
passar /,..~filnHo coisas 4~1.Jffi:br". Uma simples marcha, "A banda" evocava a sim-
plic~~l~\it uma cidad5:,;~iiR~leira do interior, bucólica e pré-moderna. A banda mar-
1
ch~\ip!a
t\--~,~~~~r
1
ia um ,·,~espaçp
/" /~r..
i9pico no qual_ as pessoas podem sentir por um momento
;;,-f:•: -.•-r~ •
µtii0:- pf~r coletÍ;zyq~,; h_pijãr de ''A banda" não ser uma música de protesto, ela impli-
-:l'~it,cui'ente se ref.~re ~:~ a ordem social opressiva, interrompida pela alegria efêmera
='\1;;0;_~~':-~ . ,._. , • ·'r:·~;~, ·~0'
-,-,,... ,,.aa_ musica pofil1d~
,,,,~::, ·• ~!i;t\f1
20 A T\k ~cêls1or também levou ao ar o pr6prio II Festival de Música Popular Brasileira, cujo vencedor foi Gerald
Vs1;_~t\t~!~Qm um samba lento, "Porra-estandarte" (Vandré-Lona)_
2 h~~)Y~peras do festival, "Esqueça", de Roberto Carlos, concorria com "Strangers in rhe Night", de Frank Sinatr:
Âõ'<fi&iJ do mês, os dois tinham caído consideravelmente na classificação, ao passo que "A bandà' e "Disparada" :
revezavam no primeiro lugar de uma semana a outra. Ver IBOPE, "Gravações mais vendidas", 24-29 out. 1966.
84
Brutalidade jardim
~
,/ Novo. Utilizando a voz narrativa em primeira pessoa de
·-..:\;!:= . -\~
deiro pobre, a música ~ip;, ,{.,
-.'.;-:=:\,.
Recor :r-~·,,,.ttbuiú NCr$ · t '[~ jf'(cerca de US$ 20 mil) em prêmios em dinheiro, além
de o;' · ntribuiçó~ ;9,0s1.i§OVernos estadual e municipal.
eira vista, ij;p~tival de 1967 apenas confirmou a posição de artistas já con-
-~- :i:.';._
"
.. os. Edu Lo ,·.;., A~farília Medalha, dois expoentes populares da MPB, receberam
. •' ....
,;,;• <i!\~'
22 Nessa m~isà.fmf'álnice Nogueira Galvão nota uma "cumplicidade entre o autor e o público", garantindo que a
música fosse'Bêlli recebida pelo público progressista. Ver Galvão, 1976, p.110.
85
Christopher Dunn
sonora de.,~ ~us e o diabo na; ,, ,,,-:! o sol, de Glauber Rocha), foi vítima do segunde
/ ,1(/-j·· ·, 1~-r ., .,.,_· _,/
tipo de ;l ·':,\filcialment~.J &1x;,_$m recebido pela platéia, mas sua música "Beta borr
de boi -i,"•-'' 'b ;e as dificaj,Jl~jde um jogador de futebol) não conseguiu satisfazer a;
exptt ·,, ;1 . Na últimf;fôtít~ do Festival, o público contestou verbalmente a seleçá<
i:~;~~~~ pelo ,j~\ntf ~!f rodada final ..e vaiou o artista quando ele subiu ao palco
:,,,itnp'õssibilitado de·-,â~çsentar sua música devido ao barulho, Sérgio Ricardo reclam,
,-k a platéia ç-õ~ p'ã:lavras condescendentes: "Eu pediria aos que estão aplaudindo •
86
Brutalidade jardim
milhar os crÍticos in ·
1
. ~~,~~ ,,, . t:f~:·
·'@inda mais i(Jijt,tç{fpúblico. Depois de algumas tentativas
. '.~ ;f/' ,~. ,it:t
frustradas de cantar, xclamou: " · ·. ganharam, vocês ganharam! Mas isso é o
A-~
87
Christopher Dunn
1991, p.196). Talvez o incidente também tenha sugerido que não havia mais vacas
sagradas na música popular brasileira. A MPB tinha chegado''i t}lP1- impasse e o mo-
mento pedia novos sons. ··'"f·
0 { 0m UnlV-'lí.fl l-,ftf;t;?,
}((~~:f:;~;1\~<:
Se, por um lado, o Festival de Música de 1967 ,''\~cord reafumou a populari- crlih
dade e o prestígio de músicos da MPB como EdúXifÃh~ ·eÍt'.:hico Buarque, ele também ~"\,; i,.;·< .,,;, ,.
tinha chegado ao primeiro 1~}1~]§fta dos sing~{ ~ Ji êndidos de acordo com o IBOPE,
25
enquanto o vencedor do ~dotliJfl<t<'ponteio", giil~Jçm torno do décimo lugar.
Caetano foi vaiad~~ti~~""~' se apresen ou Bslà. primeira vez nas eliminatórias com
a banda de rock arl;Jl.Ji~~)3~at Boys!-~ ....·., · ··tt'.\eagiu contra a presença de um grupo
...,_..(~:,_·~·· t·,~~'-V;.~.- <t't >-,,
de rock estrangeiro no pfil'co do qu~ 1parijmpava um jovem cantor baiano que tinha
acabado de lan • · ~ u primeiro ff "· .d~Iitl:füsicas de bossa-nova. Na época, a guitarra
-½':~-,.. ..:;.,. ---::-1.
, .5~s;f~
25 Vêy.ftOCOPE, Gravações mais vendidas, 11-16 dez. 1967
88
Brutalidade jardim
Como um flâneur tropical, o narrador meramente usufrui um passeio por uma me-
trópole brasileira, enquanto absorve de forma casual um fluxo de illJ:;~gfnS e sensações
desconexas, presentes em seu ambiente urbano (Aguiar, 1994, p.ls/'!t;~,- ..
O narrador parece despreocupado, andando pela rua "sem le1;ç~ . · documenro
/ nada no bolso ou nas mãos". Ele não se importa com obrigaçõ. ~ dhls, como levar
uma carteira de identidade. Parando na banca de revistas P¾~J'.t i~ ·o Sol, um jornal
cultural, ele vê de relance imagens da estrela do cinema ~i . / fClaudia Cardinale,
cenas de crimes locais, a exploração espacial e a camp W"· errilha de Che Gue-
vara na Bolívia. 26 As imagens dos jornais ficam cada ~'.:;-~·,
~?
Em caras de presidentes
em grandes beijos de amor
em dentes, pernas, bandeiras, bomba
vive "sem livros e sem'fl12íl / sem fo91 ' ;:i;~ 1? telefone/ no coração do Brasil". Desejos
e preocupações · jduais edips ri . ,\luta coletiva, ao passo que a música perde o
significado regê :f/;~ervindo -· \~{?tpara "consolar" (Galvão, 1976, p.112). Nesse
. -:;_-;;.r_:,, - - -
sentido, "i\J~gífâ'.~Iralegrià' de ,. .• , o se assemelhava a algumas músicas de rock da
~~d,:::.
;;',~r ,.,_<:-,,•.. ,-,:'.;· 't:.~i,'; 1
89
Christopher Dunn
passional envolvendo dois rivais, José e Jó~:- 'êHobjeto amoroso dos dois, Juliana. O
conflito vem à tona quando José che~~tV-1~ que e vê o amigo flertando com Juliana
na roda-gigante. À medida que o riµ4.i.o dâ:1hiúsica se i~t~Jp.ca, vocais de chamada e
resposta introduzem uma séri~:p.e j {~;tuts verbais J lt+i~ rque voltam e avançam no
/t ,...;.}.:~-;~\~·: :t ·J \t'.~: .·,~:.-
tempo - e prenunciam o desefilàtê'.,,,,!#i-ngrento da··"_J·ç'l:i'w
ê_i'i.~_;José fixa a atenção no sorvete
de morango e uma rosa verfltt~à ,~~ mãos de J~~i't: "O sorvete e a rosa/ ô, José!/
~-·;; .'•:::_ ,.;;_•.;, -.~-, ·, i..'.':i..;;ir~";•,,
com uma faca. Osr,[:?,l~griistas da d\~ti J~,g~/â:'tia não são representados como figuras
heróicas, mas corrít'ír~t~ comuns l l t ~ de eventos trágicos.
Artistas e cr~FJ~~~-da esquerd~~l}i~~ilista viam os experimentos de Gil e Caetano
com suspeita, q~! ~jo não co~)põi t1Jidade. A utilização de instrumentos elétricos,
a aberta celebr~çlb'.da mídia d? ~sa e as músicas altamente subjetivas e fragmen-
·.-~}•;~-- -. ;-~...::,;;!t,·,; .,.
tárias se,{tit~fiavam das.,i{t~ da MPB. Inspirado na música experimental, na
músic~:p~ptifàr internacio.iJAA
··~,: ::• ' t ·:Y..~~:-:;,
formas musicais brasileiras, o "som universal" dos e"êm
bai~~t,~'f~tava a hibr½dff ~~~b das esferas culturais (Candiní, 1990, p.14). Caetano
e G~}~~~'osicion?,:V~\·,,.'~>,9~:g
"''; • ~-,~-t:l:;'.1' • /:,,
os principaÍ6 defensores de uma estética "pop" no exato
•-;._{ -. ,:~Ti ·,~, . ~
90
Brutalidade jardim
música que consegue se comunicar - dizer o que tem a dizer - de uma forma simples
como um cartaz de rua, um outdoor, um sinal de trânsito, uma hi~,wria em quadri-
nhos. É como se o autor estivesse procurando vender um produto f~:ªI:f ~ endo uma
1
reportagem com texto e fotos. A canção é apresentada de manei[~' 'Í~fõbjetiva que,
em poucos versos e usando recursos musicais e montagens de,/ '" ~:~f~~nsegue dizer
muito mais do que aparentá'.29 Essa utilização do termo "p.~p: ,.'f~~a alinhada com
a utilização de "popular" na língua inglesa para denotar ºJp\à.ç1~ massas e a eficácia
comunicativa, o que implicava uma mudança significat1fJl.ii ~,1relação ao significado
da palavra "popular" como fora empregada no Brasil. · "'i~~ Com o crescimento
das populações urbanas e a expansão da mídia de rri·~ ~il c; ~ cada vez mais difícil ·
reconciliar o "popular" com as associações tradiçiqpais cf'~ folclore rural. E "popular"
i'~~:-~1.-~'"t.~t;;.i
também não podia ser definido unicamente pel'' . é~êssidades de aumentar a consci- -:-•;
ência política como propunha o CPC. Ao e~f · _?'conceito de pop, Gil não negava
o potencial de oposição da cultura PºPl¾~: . " sugeria q\;Í~i~ ,.surgimento de um
mercado nacional para produtos c1Jur~~t;~~~pia com ,~ ;:â,~fiµições idealizadas do
"popular" na cultura brasileira
· -":·,;,;,
'- '":-. .,:n:,,-,f,
.,.>&;,,t,-,, '\;;ti:•: ;,. ·
,,:,;,,,,.,,_
técnicas. Ora, sou baiaij'p , iws a Bahia - ~ folclore. E Salvador é uma cidade grande.
, ,; ;-~.;.;itr~'.;t . -
Lá nao tem apenas acatàJe, mas tan;i.,l?,_~ m1ianchonetes e hot-dogs, como em todas as
-~' ,:\:·:t-:.;:;~i~:;.•
cidades grandes'' · ) ; 11quanto outrp~foiâ:~icos da MPB usavam idéias e temas musicais
._.. _ü:f· ./..=r .· ~--~.~if}~~
do Nordeste B9Pré fi5'hl-a denunci · __.,/ úhdesenvolvimento do Brasil, Caetano e Gil pro-
·-·:!;, :~~-- ,, ·-----~)~1,f .
91
Christopher Dunn
Apesar de ser apenas uma faceta de sua obra, qf{l)~~os continuariam a realizar
experimentações com a poética concreta nas décaq~ :~µ6~~~'tientes.32 Caetano mais tar-
_,.;.;i:.";·,._:•.:· ~;;.1 '"f:;,;'
de afirmou que a poesia concreta ''nos liberou iíi~nação para determinados jogos
formais que talvez não tivéssemos ousado. 1\1;.:t~ .a g;~~e nunca perdeu a consciência de
,A,»;,•--.
92
Brutalidade jardim
ckhausen e Pierre Boulez. Em meados dos anos 60, o Músici t a foi influenciado
·i¾ft·.;;:;~f~~t·
pelos happerzings antimusicais do iconoclasta norte-ameri~ - ·, _· õlí.n Cage. Na mesma
época, o grupo começou a elaborar uma crÍtica à música} ·- uarda e a orbitar ao
redor do campo da música popular.
Em 1967, alguns integrantes do grupo Música No~i'~{)Rogério Duprat, Damiano
Cozzela, Gilberto Mendes e Willy Corrêia de Olivffr~t\participaram de uma entrevista
irreverente com_ o maestro e arranjador Júlio M ,_ ·-. ;/durante a qual proclamaram o
fim da vanguarda musical e o início de uma novâ,,, _:_11Nas palavr~~-de Rogério Duprat, o
compositor se tornaria um "designer sonor ,#}' li,-;ff/:'
1
~oduzíria jf§}Í~Jitrilhas sonoras para
h :J~\tt?•~'
filmes, arranjos de música popular e q · · ·rro tipo de,\~M-5i'iií: para o consumo das
·'•l'-t-.,.,,
·i(\-~.
35 A interpreta~f;i~ cal de ªBeba Coca-Coh" por Mendes é apresentada no CD Suif, bola na rede, um pente de
Istambul e tlç]JJ/[.ic,tiâe Gilberto Mendes.
36 Júlio Med~WM'úsica, não-música, antimúsic", O Estado de São Paulo, Suplemento Literário, 24 abr. 1967
93
Christopher Dunn
,.ij)•
:Yi-....~t4I música pop,~$!·1~,s"''ínovaçóes musicais coincidiram com eventos históricos em outras
~-~~v..-,~•1";·, -~ - d~•,~~_;.•
JJ' ';~~y· áreas da pf,c[~Hs:⺠artística, que enfim convergiram sob o nome de Tropicália.
❖t~z1f)t ./\'·;~~f;/t'
/,,.;;~:}
94
,; ít,,{f\;)J~ <l:Y,, •\:,'
ários meses depoͧ'1qu$ f:Gilberto G:i'fi :l 3âetano Veloso lançaram
-:-t•~.'.t.t~;~, "~:'-1-f',~· ,·/.':·· . -~!'.•~J
o "som universâlr'.i;(lo 'festival de 1;~_-~.6:Zhlia
•~·•'•,,;~'·,-:. -~·..,-;..,_,-~~·<_,,
TV Record, a música
. ..-b..;. .. ..
~.Ji::·
,;-.;.,
tava ao "l ,l/ :'plcalismo",
. :.-:
,t ··,
.,:•,-~~ ,.~'0c;:
ria desenvolvida por Gilberto Freyre nos anos 40
-~t>,·. ~
estrangeiros a fim de criar uma arte, ao mesmo t .) ·:\t:-:i ?cal e cosmopolita. Caetanc
afumou que "a idéia do canibalismo cultural~; ·, ·
·.:i,J· ,,_;..\• ,v.. •;-1)'
'<i~f aos tropicalistas, como um,
luva. Estávamos 'comendo' os Beatles e Jimi Herifl;fix" (Veloso, 1997, p.247).
Oswald de Andrade parecia pairar c~~~ _um fantasma irreverente ao redor de
:';:·_;.,''.,.. ~-'í,f~i~'"'
grande parte da produção cultural brasff(Írê-/ especialmente na música popular, nc
teatro e no cinema no fim da décad,f :ii~)}960. O renovado interesse pela obra de
Oswald de Andrade fazia parte de : .··:, i }J; italização g{fisJgeneralizada da representa-
ção alegórica nas artes brasile;i~às~,,,:_,_, <''?& Oswald,A~f{~fpicalistas reveriam a questác
.,t:'..~~(f~i_".\i?_ --1J~~~·:.
~~~-·;e
sica tropicalista, mas vinh.\ it:' . 'á_ intermite~çe~nte em canções sobre a experiênci:
·"U-,-:?;:~... ·-< /p.;--"!i.X"'
urbana, a violência p9.lífilt~,iJô
-.-,···:1í .,,,,.,-,..:y~~
posicion,µnenftfgeopolítico
:'~Y ~--•·:
do Brasil.
À medida queJ~f~~P~ha-duraJ :,_ :;;'.:~~;i!tlilitares ganhavam ascendência no regi-
me, o poder rede~-f ~lhffiifute para ni~
u,, y~_-''$·sociedade parecia cada vez mais ilusório e
vago. Havia ce;l~r.~\:~ticismo emi.têÁ,i ~~ji:'noçáo de que artistas e intelectuais poderian
/?~"!,.- .' <2r·\_· '·. ·'•.,t~·,' ~.>,
96
Brutalidade jardim
produções marcaram distanciamentos radicais da obra anterior dos dois diretores e sinali-
zaram transformações nos respectivos campos artísticos. De formas d.istjjl!~, anunciaram
as crises políticas e existenciais dos artistas e intelectuais da esquerda o primeiro 4ufiifi~:
período do governo militar, expressando o desencanto com o populj~i{"'if::'5"~:lítico e éultu-
ral do Partido Comunista Brasileiro, do CPC e dos artistas de proi~ ~Qpo;-golpe.
.,.... "1·'if",
Os filmes de Glauber Rocha do início da década de 1960 .sê¾tl:tnHavam com a visão
do CPC de uma "arte popular revolucionárià'. Seu filme,.,4,-c:~' Deus e o diabo na Jl
te"a do sol, retratava a violência e a miséria do interior ._.1:·,; .,";':, :i:;jeste perpetuadas pelo
lati.fündio. Depois de matar um fazendeiro abusivo, l. i'~qfiro pobre e a mulher
se unem a um radical movimento religioso milenarí'Zt! tjü~ ~cabou sendo destruído
pelas autoridades federais com a colaboração da ~ !lê.Católica. Depois do massacre, o
casal encontra um grupo de cangaceiros com osl uifs permanece até ser encontrado
pelos mesmos caçadores de recompensas da 1t •; _:'°federal. A cena final mostra os dois
fugindo pelo sertão, sugerindo a possibil~;d~~1d~
i,,
uma redílíç~"'
,.. r.
,popular, apesar das J ,, •
para uma;,i11yg nçáo prq!~táf~iit 0 turo. O filme representa o populismo como a car-
navali#~~~~:~ ~política'iffili:~~~f~m carismático "homem do povo" manipula as classes
,,:;-,.~---. •· .p ··~~~
97
···· ·- - · ·· ·- · -· - - · · - · · - - - - - - - - - - - - - - -
,
~
'
1.
Christopher Dunn
se juntam às massas para dançar samba e~ t M!.11 gesto inútil de resistência popular.
Enojada com a farsa populista, Sara exot,40~hi líder sindicalista local, Jerônimo, a
1
falar em nome do povo. Quando a n( ., ····:i erde a intensidade, um velho senador
paternalista aborda Jerônimo e o ma,tt'; ê~Çessar seu q/~~ntentamento: "Não tenha
medo, meu filho: Fale! Você é o/ bv~~l:~}~1;, Depois cl~,!\/i{~~; ';egundos de silêncio cons-
.. ,<;/'.;'f.• ii-~:- . / f}).'·;, ' ,,,<..
trangido, Jerônimo balbucia ii1~ijpalavras so~r,J1i~ta de classes e a crise política
do momento, mas conclui co ' ~~f;~issa recol ;~lãção de que "o melhor é esperar
as ordens do presidente". EJ~ t ifdiatamem/ ~b~f~~do por Paulo. Com a mão sobre
a boca de Jerônimo g~a(t,.;~~-lo de fal_ar, PàW'fb olha diretamente para a câmera e
sarcasticamente prC?vJ?\ ot~pectado~~,,:-f.11¼9.~ ' vê o que é o povo? Um imbecil, um
/ff '~~,~- . ,,~_,'\ ~~·t~·•-:.,~,•;/
analfabeto, um despõí ' o! Vocês it xpetl~aram Jerônimo no poder?"
O filme de ~l-ê};ber foi uma;t~ ii~jnre autocrítica direcionada aos artistas de
esquerda adept, ( di noção rom'illt:i~tíµe que a arte seria capaz de instigar e orientar
\'~i:'i:-:;;~;~;.· , .-:~?:'·;•:.
98
Brutalidade jardim
'• ··
:{. -tff
. Z".-1 ...
,"
.~:i f
t~);:~;;?f .._.•.
Terra em transe, de "'Glauber Rosb~?t}~erceu um imediato e profundo impacto
sobre os artistas ;i tJb,lJ,tros camp~i;,ç·i~tano Veloso mais tarde afirmou que "toda
-r~~~JÇ..'..,); ·
•?· . __,..,f ·-·~- r:~~-?t~
-
aq uela coisa dl~J'rô'-píêália se forniij9~'1dentro de mim no dia em que eu vi Terra em
•-:\. .;k?I.:--~.. . .-,?i:ti.-. ~\J}· 1
transe" (Vel~i:)~97, p.123) ,r6;~JP artista que diz ter sido inspirado pelo filme de
Glauber Rl4.,Pii foi José $;e\~@:\:iyr'~inez Corrêa, o Zé Celso, que dirigiu produção de
1
O rei J4t0it;j6!:0 swald: ãl{~'â~ade, no Teatro Oficina no outono de 1967. Depois
.....~·..: ,. --,~~- _. . -!;, -~:/~-
de asi~~§t~_ao filme, Zé11Çel~8'"sentiu que o teatro brasileiro tinha sido deixado para
·· . ,,;,;<.'\. ,,.
99
Christopher Dunn
Teatro de Arena e do Grupo) . ,,, . .:J~ão. Zé Cels :,"_Jitffim entava que o teatro brasileiro
e seu público haviam se tqf:. --~egos por t;;·:~i~istificaçóes" em relação à eficá-
::--
eia do teatro de prot~to~:;;~- atro tem hoje ecessidade de desmistificar, colocar
·;,~}}t:- ~
,:•~1 __ tJ-;
1
este público no se,hl ,/ ·· -d ó original;}~~~ -;çâra com sua miséria, a miséria de seu
pequeno privilégi'~f r@· -~~ custa de ,g ~ 'ãt:,~~ncessóes, de tantos oportunismos, de
tanta castração ~;;fç,calque, e de.:t ~.4 ~itfJiséria de um povo [...] O teatro não pode
ser instrument J:<""''~~ ucação p~l:\;I½lt.:µe transformação de mentalidades na base do
bom-menini~m~: Y única po~j.~YÍ:i'g:ade é exatamente pela deseducação, provocar o
espectadoJ1Jicw--ocar sua iritif~@~éia recalcada, seu sentido de beleza atrofiado, seu
.-. ,-;1-:_f.'Íf·: · ~.,,.,+;/ __;~t ·.. ~---~(>~,;.',.~,_-
sentidqcif~ }l'?ã:t> protegidd f.: ' niH e um esquemas teóricos abstratos e que somente
leva1rit~;:tfiflmcácia''. Selá/' â uçóes do Teatro de Arena tentavam estabelecer um
pmí ;,,, .. ,,s":t comuIJ;l:,,('.: ·t ri~:;paÍco e a platéi'a, o "teatro de guerrilha'' do Teatro Oficina
b'lg- ; :li.cima clê?f · ,__ :~,;provocar o público a confrontar sua própria cumplicidade
, ·, ...,s''
.. as forças rel?iessj:ras.
David Georg,~~~;~rvou que a produção de O rei da vela no Teatro Oficina repre-
-' . , ·, \,.,,.
------~-,•·'.:_;. ti;:;:]t•·
1 Ver Th.~µêtâfi'ff Cruelty e Toe Theater of Cruelty: First Manifesto, de Artaud, em 1heatei: and lts Double, na
an . t:: Amonin Artaud, 1974.
2 Tig;_ .,. os, A guinada de José Celso, Revista Civilização Brasileira, jul. 1968; reproduzido em Arte em Revista.
.',1<":•··~ ·, :-.-.-~~
•-".c.
Pm~á discussão sobre a utilização deArtaud pelo Oficina, veja Silva, 1981, p.160-3'. , . - . _.
·.-:~;: ·\
'\.-.... ' \
100 I.~
Brutalidade jardim
O próprio texto canibalizava Ubu Roi, do dramaturgo francês Alfred Jairy (George,
1992, p. 76-8). A peça. se concentra primariamente em formas de "ba.ii~;~ tropofagia",
descrita no "Manifesto Antropófago" como "os pecados do cateci~Uíl:~:::: i~i inveja, a
usura, a calúnia, o assassinato". A dependência econômica, o imp~iãlij:1 2 estrangeiro
e a cínica preservação dos interesses da classe dominante em ép~_f''" · ·~ ;ise econômica
são os temas centrais do texto. ix .;:
A peça gira ao redor do "rei da velà', um próspero e ~~~sJf~ ~ta, Abelardo, que
se aproveita da crise financeira internacional do início 30 para explorar os Ji~~:'·.·. ·
destituídos. Paralelamente, ele também tem um neg~~w:t~~ ·i~hda de velas, objetos
simbolicamente polivalentes que fazem referência à m~lft:''(i.e., objetos utilizados em
rituais funerários), ao subdesenvolvimento (i.e., fôcí;t,~§ de luz na ausência de eletrici-
dade) e à dominância sexual (i.e., objetos fálic~JJBt~f;~~~ócio igualmente desagradável,
Abelardo II, proclama-se o "primeiro sodaHt1 e aparece no teatro brasileiro" e
,,~\~t .;&i,~" •,i.. :;i.-
expressa suas intenções de, mais cedo ou m,; iis t:;ffàe, assumirr~fiiêgócio:
.ií;:-::,?;J;;:{)ii~:;, i.iif::j{[j1;,
Abelardo I: Pelo que vejo o sõê'iâlij~o nos paí - · ados começa logo
assim... Entrando num acorq;J ;I~~?·~ proprie~~t{f
Abelardo II: De fato ... Esta~~rfi'tim país se1i?(i,ç ; ,nial...
Abelardo I: Onde a g~~t~I½lQ;J"rer idéias,:/mas,,!}ã~ é de ferro.
Abelardo II: Sim. §fw,·~~fb;ar a tradí~gt {~drade, 1991, p.47) .
.,,.1,iê;;J;.t';,tt!{ff J/ '.•,\~):',t
Os "socialistas" poc\~ ,..acolher idéiâ§
·./:><~ \.;;./_.~~' '
~ilt~4t mas flexíveis o suficiente para não
~t~¾:-•: .
ameaçar a "tradição" Jis,t?:J'vilégios da~}~~a]f~ dominantes.
,•..,·';:·:.,~·"' </fi:.t,~-
0 enredo centr . envolve um a~i1wc'iâta
1.:..-, ·-:..:,,x-;M..,
e plantador de café falido, o Coronel
.;• .-~·l•
Belarmino, que ·' ·.>,encia para ~ j -Ífiha, Heloísa de Lesbos, se case com o rei da
-{,,·-::.. ~/;} !l·:·.· ...:-,.:-'í-j~---~~>
101
Christopher Dunn
102
Brutalidade jardim
.,\"<f_. . .t Y,,;:.
Zé Celso brincava ,W .s estereótipQ::i.-''q~ seus contemporâneos buscavam com-
··;:::.,:":~¼:;._ .. ' ~~~·.:y,.,:,. ,·,_.
bater. Revela também tiírtff'leitura da ctiittvra brasileira em sintonia com "o outro lado
',,, '," :-~)!i.~;:~-.~, '~ ·',/?J
da coisa", eclipsad,~'fW,l@;s tentativas fiKrêg~e de projetar uma imagem idílica no Brasil
~-~~~,->,.. /f· ft,·<~-~~;.-,..
e no exterior. qfêitrtlf'Oficina bu "-
-";i-~t\! .
··~ê' apropriar ironicamente dos estereótipos sobre
:_,_
_ ~'Ça e produzi ·-· s versões depois de voltar ao Brasil (George, 1992, p.63).
·-t-i... : '1-, .,._ 'f..!:-
·'•· N~_.c
,.:pi.:·;.,
\~;i;l1r:'..-Yt
eço dos aryii;l~i:-Zé Celso deu início à produção de um filme experimental
•s r
·· ' . ·.,-,.-
,,;::r basêi3:"élo em O rei, .
:;0\~~ }fl
, concluído em 1984, mas nunca distribuído. Na versão cine-
-~:,'{rf .,
-\~f;:™i¼fográfica, a .$~~pêia da peça foi substancialmente alterada, produzindo um filme
estendido e_;;. )~éar que apresentava uma mistura de cenas em palco, imagens de
arquivo e ,%'Bf.e.'§ffitaçóes improvisadas em público.
"r~.~:5•r.fJ/
103
Christopher Dunn
buídos aos espectadores, que, dessa fo;:,; ,x sam a ser envolvidos no consumo an-
tropofágico do ídolo pop. Outra cet~'' a ·._ enta a Vir ··. - :;§0.aria de biquíni, girando
diante das lentes fálicas de t11.W,t\:â_iff~{áe TV. U . ''pt(~p~agem circula pelo teatro
:-oef "<'f!?-;;, . "
gritando obscenidades para a pl~têia'[~ encenaçã'.,,1:,_-~r.t Y~/.;:
2:->,;·;,:,,::;,- :,.da viva acabaria provocando
a ira dos membros de direitat~~i59t:ledade brasi1~lr.~;:Durante uma apresentação no
'-;:~;:<<::/ -'~(- _.;:~-~ -~--t.~;•tf,:{.,_
Teatro Galpão, em São P _- J !ti.}Í'fia organi~~ o Bâramilitar de direita, o Comando
. \!."'."" ,,,";,,. •
de Caça aos Comunis1-f..s <' ,,t invadiu? rdtftr destruiu os adereços e espancou os
atores, alegando qq~-~-J~~a ef~ "imor.aJ.'.~1é l ~JJQ,iirsiva,,. Quando Roda viva foi em tur-
\ ~?~-'.-f:ls-.-;-. ~;:'. ~;:'k t·.· .'.'..·,f>/~>:ft::. :)-..~ --·-
nê para Porto Alegrê~',.S 6l~dos do pr~,pú õ\~ ércico brasileiro invadiram o hotel onde
estavam hospedagp,~ os atores, esp:a!,).2Í~J' o elenco e raptaram um ator e a estrela da
peça, Elizabeth ~; ii~h, que ten~i~Rti;;·tuprar. Depois levaram todos de volta para
São Paulo em urií""ônibus milit~i:''' ,ijeorge, 1992, p.105; Ventura, 1968, p.229-37.
;,,:_,·· ." ~,~:·:.~,,i•....--_~._, '
1
Agradeço :t!;J( ,Ç elso Martti9-i j ; :~~rrêa por ter revelado detalhes importantes sobre
estes acst?ttili'~n tos). <t~~\t::::t,
Q,tl-i///i!iive/a do Teatl ficina foi bem recebido pelos críticos teatrais e teve um
imp'~ ~~:'~t, nifica~!Kº i\~;t ,'_ ' ração do prc,jeto tropicalista. Apesar de Caetano Veloso
rii~it p'tilsro sua·,,~ç~~?k anifesto "Tropicálià' antes de ver a peça, ele reconheceu
,si~ltifit~ fluência erp;J 1m,;i~rrevisca no fim de 1967: "Eu sou o 'Rei da Vela' de Oswald
,-i&i;;;;.;~~:Ândrade pr~~i id; pelo Teatro Oficinà'. 6 Ao ver a peça, Caetano percebeu que
f+\:"'.r:-J 1avia uma ~,9i'i~t~t!;ência de afinidades em várias áreas da produção cultural, o que
,,,,. / '.~, ,de um "movimento" (Veloso, 1997, p.224).
i~\::•
6 Vef:f ~J~s Acuio, Por que canta Caetano Veloso?, M anchete, 16 dez, 1967; reproduzido em Veloso, 1977,
104
Brutalidade jardim
Nem todos os críticos e artistas se entusiasmaram tanto com O rei da. vela. Roberto
Schwarz argumentou, por exemplo, que o teatro agressivo do Ofié1'.cyªt .,..,_,,; . que muitas
vezes envolvia insultos físicos e verbais à platéia, jogava com "o ci. · .,, {;tia cultura
burguesa diante da si mesmà'. As táticas do Oficina acabaram s~:af · 'indo a uma
-J~f..:·;;
"manipulação psicológica" que fechava todas as possibilidades~~~:ii ção política: "A
dessolidarização diante do massacre, a deslealdade criada n "' ·i~r da platéia são
~-.... ~ ...,--:;,//.'.
-
absolutas, e repetem o movimento iniciado pelo palco (Se: ifí}"1978, p.80). Apesar
de Schwarz ter se mantido cético em relação ao espírit , "t:.f;:••_ r das produções do
Opinião e do Arena, ele se mostrava particularment _.: ' , ·d i ~do pelo niilismo do
1
Oficina, que parecia se limitar a desmoralizar a esque;di .tt0
Augusto Boal, o diretor do Teatro de Arena, t~~Ç:91 escreveu uma crítica severa ao
i ~'<~\1>'
Gilberto Gil. No programa do festivà!t ~pJ publicou st '' "iõ "O que você pensa do
,:;}\~.\,:....,;_ -,:~tJ t~".
teatro brasileiro?", no qual analisa . · ' '_.l._?rincipais c9ff~ :4;:; do teatro de esquerda no
Brasil. Ali, ele explicava que a in~-' ifdo evento 1
it~_
çr,tltivar a unidade na dividida
comunidade artística de es · 'ât:rf 6 entanto,;-<:> te~;~,;~cabou se revelando um vigo-
roso ataque ao Teatro O q~ Ii,?o:,;";f? -~ovimeh~~I<:,-- _::-l itlista em geral. Criticava o tropi-
calismo em vários sentidos, ãlêg'a ndo que q,)h oyím ento era "neo-romântico", porque
atacava apenas as ap~~G.~ da sociedi ~~t:11, i~meopático", porque só era capaz de
criticar por meio da ~ L"~ çá.o irônica;;ij:ª- cifonice. Afirmava que a sátira tropicalista
l :.~_-:., f''(~;,.,
~ ' !;.;,t ::,·-'
____0!%;):t~
7 Francis Pá~m§i~ influência de Paco Rabane na música popular brasileira, ou O tropicalismo maior de Charles
Lloyd, Ú/ti,;;fj'H ora-SP, 27 out. 1968.
105
Christopher Dunn
Para esses críticos, a Tropicália não passava de uma imitação de segunda categoria de
modelos existentes nos países dominantes.
Boal conclui que a Tropicália era um movimento equivo,~~i~~,,,@:cpotencialmente
perigoso para os artistas de esquerda devido à "ausência di -;,..,.-,_,~
'1u~!ªtz":
••".."!-,'''"
Ele parecia se
incomodar com a atitude iconoclasta e ambígua dos tro Í~§tas e defendia vigoro-
samente tanto o próprio território, a facção "sempre d: :. . _1,;·~~e incluía o Teatro de
ç.V· ··';Ç:.:.:,·).. ...
Arena como uma visão binária ou "maniqueístà' daJ . ·í,'••-1te da política; além disso,
não tinha paciência para ambigüidades: "Que isto ·'"' · claro: a linha 'sempre de
pé', suas técnicas específicas, o maniqueísmo e a)fíi1#'. ~ ~ -r.'.... tudo isso é válido, atuan-
te e funcional, politicamente correto, para a fre~~Jit;[{ etc. etc. etc. Ninguém deve ter
pudor de exaltar o povo, como parece acoryfê~~rcom certa esquerda envergonhada...
;{1;:J'.. "'..1'.}f·
Maniqueísta foi a ditadura. Contra ela e_..côhiftl 'os seus métodos deve maniqueistica-
mente levantar-se a arte de esquerda m/,... 4;, (Boal, 1979, p.43-4). A postura "po-
liticamente corretà' de Augusto Bo~?' cq,lff~aízes na · · ,~ncia populista do CPC,
tinha pouco em comum com ifã'-,
'4.~~.,-.
,'<·:Iabárquica e «
~··.t~.rtf~
•,2::;1;_·.
dos tropicalistas.
Os músicos tropicalistas tarrioê . ,ancinham 9:ij9gó: com as artes visuais, especial-
mente com o neo-realismo carii;t(f~;9 ~eoconcr ..· ,. ,. ,m:uas correntes distintas no Rio de
Janeiro. O neo-realismo · ,,;·;: :r ?mum muii~ . mesmas características encontradas
na arte pop anglo-amt;J~~t:f~j~iç,áo da :y,-re "~::~,u~tà'
modernista; interesse pela mídia
popular, como o d~~:tAfi:;;,
os qui'. ·· ,:} :·.~:';+'Fotos de jornal; experimentaç,áo, com a
produção de massa; e Fôdf'ii.a vida cotimfui / .·•m comparação com a arte pop metropoli-
tana, contudo, 0§1:P.~::-realistas era.ii~i,ilstêà~jados com a crítica social e política.
Rubens Gerg~,wJt, por exe~ b:R~ii'tüduziu uma série de pinturas, Os desaparecidos
(1965), co~, ,,ase em austeras ,· gtMias em preto•e-branco de pessoas desaparecidas,
suposcame ;., '(;timas da rep.f~.~â'militar pós-golpe. Outras pinturas de Gerchman
do mes · , . ·,;,érí~do se aprªJ~;l~ da iconografia kitsch da cultura popular urbana.
Concf!i" m iss (1965);\(~f,j;~ta uma fila de mulheres usando biquínis com sorrisos
pli,~Jfê~:i J~ iante 4$.,~$ff\~~tb de fotógrafos e espectadores. Diferentemente da série
1
·-<t1:,n'itfonroe, cfi I~,PY Warhol, as concorrentes representando os vários estados
· Íleiros não apijse~tam nenhum glamour ou fama (Coutinho, 1989, p. l O). O rei
, mau gosto Jt~~~}·, de Gerchman, é uma obra em que a multimídia incorpora o
,; rasáo de u~ ':@f~je de futebol local, um coração com as palavras ''Amo-te" rodeadas
de vidro ·. do e urna bandeja laqueada com dois papagaios, uma palmeira e o
Pão dç}~'.çâé~ ao pôr-do-sol (ver imagem 8 do caderno de imagens). A utilização
desse~f _: :S sugeria que o "popular" poderia ser encontrado em meio aos objetos e
. '~·--- ' .,,
enlt5l~ gs aparentemente medíocres das massas urbanas. Sua obra mais famosa da
106
Brutalidade jardim
década de 1960, Lindonéia, foi a inspiração para uma música tropicalista de Caetano
Veloso, que discutiremos a seguir.
O inovador e teórico mais radical das artes visuais brasileiras d~~{('.:'ibs anos 60
foi Hélio Oiticica. 8 No início da década, Oiticica tinha participJd~~? ''movimento
neoconcreto, em que se procurava chamar o espectador para,,~jt~çip,a r ativamente
da criação do sentido da obra. A meta final era abolir a sejiÇi~; entre a arte e a
vida. A questão para ele não era como a realidade era reprC$.~;tlféfii na arte, mas como
os experimentos na arte poderiam ser aplicados à vida. ,~;-~·:,~~ceituação da prática
,,;-~·-,.. ·--~t¼t1\'.': .'.:t'~'
vanguardista não se baseava na inovação estética, Illl§:~~\,,críliçáo do que o crícico
brasileiro Mário Pedrosa chamou de "antiarte ambie~fil:f;' capaz de criar ambienta-
ções e contextos para experimentos comporrame,~i\~~~çoletivos. A arte deveria ser um
"exercício experimental da liberdade", capaz ifi . ';formar as pessoas por meio da
experiência sensorial. 9
ªI .:::~~;'1:':\\s, ,. · >("• :'}"1:tt~'::
Para Oiticica, o artista deveria propor pfJ.ticai;'em vez de -~lát'1q,pjetos artísticos para
,§:\,,-~ ·yfh\ ,r-.,:?~:•i fi-r~1'.i~\::.~. -
a contemplação passiva. No início ~ 'f' ' ,, -~tle 1960, el~Jfâf1'.íou a primeira experi-
mentação com a antiarte ambiental, 5L ,,,,/ · andava º s~Y::gÍ~mento ativo dos espec-
tadores/participantes. Durante esse desenvo,Jy:tir~J relacionamento próximo «f~~,
com membros da escola de samb~'.i i~fugueira, qu'.( ~ 9 t*piraram a explorar as dimen-
sões performáúcas da arte ·:: ~i1~Jfimeir<_> ex,m.eri~~;~~o nessa linha foi a criação dos
parangolés, uma série de,,_;p .] . . ulticoloriáh· . '·.ias camadas para ser vestidas por
participantes ativos que s;·;~-; tiáfiam parte 4;t o .i,- 'de arte em si. A palavra "parangolé"
era uma gíria utilizad~ipg1J3io de Jane.iliõ,~#lt!E<.crever um "acontecimento" espontâ-
neo e repentino que j\~Jli alegria. S~~dâ'as anotações de Oiticica, a utilização de
parangolés reque~::;j,~ ~ipação cor~ ~l!fteta", por pedir que o corpo se movimente,
. _' 1 ,)análise". 10 ljf:~w.êira exibição pública dos parangolés, em 1964,
"que dance, em'!>i-''' 0--;! <· •,:•,t_:·,
107
Christopher Dunn
no de imagens). Ele concebeu esse projeto como uma crítica. à arte pop internacional
e suas manifestações no Brasil, buscando criar uma "nova lingú~~m com elementos
·•:{~'.},
108
Brutalidade jardim
específicas do cinema, do teatro e das artes visuais, respectivamente. Dito isso, é im-
portante reconhecer, mesmo assim, a natureza profundamente diald:gif ,ª da produção
cultural do fim da década de 1960 no Brasil. O próprio Caetano aJ:ir~gti;;várias vezes , :\, " ' ·' ·"·' · •
que Terra em transe e O rei CÚt vela foram eventos cruciais por um "movi- l~t\çt!ffu'
mento que transcendia o âmbito da música popular" (Veloso, f~}JZ~"i'.244).
Mesmo no âmbito mais restrito da música popular, a exH···• ci:- "caetanocêntricà'
tt"-':,1. , ·.,;
de Risério subestima as contribuições dos colegas baian ... ,,.~ê-iís aliados, registradas
em álbuns-solo tropicalistas lançados entre 1968 e 196.}Í:p \., ilberto Gil, Tom Zé,
Os Mutantes, Rogério Duprat, Nara Leão e Gal Cost " . •"'.it~ 2 de Caetano, Maria tµ:fuá
Bethânia, que não participava formalmente do moJi~~~o tropicalista, gravou um
LP ao vivo em 1968 com músicas tropicalistas. Q~Hmo assumiu o papel de porta-voz
~;,·f '"1: \?t~ 0
. '"k,t'.' Ira Guerra ~~$ai na Europa - ambos marcados pela decadência - e defendeu
'"itr"'':-'·. _ ,ª.?~pressão
../;:~~;-•
al :·' }.-_, como particularmente relevante aos dilemas da modernidade. A
'ft~{!~irilliação d_aji,.h;:lí,a é freqüentemente identificada com expressões artísticas de derrota
política olt{rJ ~ ; ; o (Avelar, 1999, p.68-77). Enquanto o símbolo constrói imagens de
totalidadêt:~#i~ca, afirma Benjamin, a alegoria representa a história corno um conjunto
109
Christopher Dunn
ascendendo no ç~ ~.f,2 esquerdo clt j,qÚ~~f'& Vários celebrantes portugueses quase pa-
•.,.;"f..:~· '' ',,:~:--· ·•-~;,,..::.,-~
recem ter sido ;t~j9bs diretamel!ét -·..,i;':~,:,.,,>. ..... \I'"•;
1
la pintura original. No entanto, a pintura de
Rodrigues t?ffibé~ apresenta_.rµ.nffilt~érie de figuras anacrônicas e fora de lugar, de
_.;.:,~t'~·t..,; ¾:~---::•.f~\
diversas teiFfÕf~.lidades hisr9~~ t'classes sociais e culturas. Um banhista branco da
•'L-;.. •;.l~_~c)..1, ,v;,1• ,. -~ e-_;~,-..;
classe m ~a_ia''7âgueia pela pt~~ ôbservando a cerimônia com interesse casual. Ele usa
·•-.;·~.' ~- ~.~; '"··(.'i,:
um çpc~;ât penas, unt::ç~{;~i de dentes e pintura corporal indígena, mas também
us_\·t ~~~i de sol,,.lf~lçã~~J~J:b anho amatdo, sandálias de borracha e uma toalha azul,
~~~Qfici}"iie um /;/ltiitJJ>ifuoderno da praia de Copacabana. Atrás dele, à direita, estão
:-71{.;~*~!f:i- ·.::iJ:·
· ..,.,,\ porta-estan~te ,f'i,,~m passista de escola de samba do Rio de Janeiro. Ao fundo,
- .. ;.+;_,. '""- .:~,;. ,. 1 ••
i.itllit,;p rli iaô (inici~d._-<f)::r@ candomblé está sentado em transe. Na pintura de Meirelles, os
• l;0~t}lndios são i:.~}ft~~ntados como objetos da natureza ou como respeitosos convertidos
(_,·._1:,•-.sf_.;__1!;f: à fé coloni,, il'.~~1. Na pintura de Rodrigues, por outro lado, dois índios brasileiros de
1 •' costas .,R~'.l~~~rimônia confrontam diretamente o observador, como se questionas-
sem ~:'.i ih,tesentação desse momento fundador. Além de dois papagaios caricaturais
e ál~ plantas tropicais, não há outros elementos da natureza. Há apenas um
110
Brutalidade jardim
fundo branco, sugerindo que a nação, no passado e no presente, não tem como ser
apreendida como uma totalidade coerente, mas somente como um ~~l de "tantos
irreconciliáveis Brasis", como observou Luís Fernando Veríssimo (iq~{tgb.es,
F,''J ,.'i·.f-J.' ~)S-,-,_ .
1989,
p.33-5). A soleni.d ade religiosa da primeira missa é satirizada co , e'~:âe humor na
, ·':lif•
carnavalesca alegoria de Rodrigues da história e da cultura bras:_:· •..,:/
A canção-manifesto de Caetano "Tropicália", a primeiri f~i-'de seu primeiro
álbum-solo de 1968 (ver imagem 3 do caderno de im~i~tj~,ir~ o exemplo mais
notável de representação alegórica na música brasileira.~&9.Jt-fq7alegoria nacional, a -,;·~:- ••l:\f,,,.._. ;a_~.,.
ali como centro da ;'· '. rà' (Dunn.,1iti'~~' p.130- 1; Veloso, 1994, p.105). Na
música, Brasília ~.<_lPr~i~~tada COll_l;f,'··;"?~/ ,/'monumento"
J 'J.J"••;{.-.}'.;. ,;,,,, . .v-.-, .
feito de "papel crepom e
pratà', sugerindqi,~fi~:a brilhant -'" rlfüosidade do exterior oculta uma estrutura
•i;~-;~t,:J../1
ii '· ·,tt~ < •
frágil, da mes_ (', forma como a _ nte inauguração da capital futurista eclipsou
;;'amplo de ~~t~~~énvolvimento e desigualdade social.
,:\ !'. )J/. :>! . -· ·
poet~i"~~iano Olavq::~ il~; :~~o compositor Catulo da Paixão Cearense e aos ícones
p9pt2:Ç~fhien Mirand~Y~~)floberto Carlos. A música começa com uma declamação
Yt· --~:Wl: _.-··· ',?:\~,- ..
4.;~r p~~;~iàndo um t - i\'lidador da literatura nacional. Quando o engenheiro de som,
}[j;_ R~ ério Gauss, t~~~~ os microfones para a gravação, o baterista Dirceu improvisou
~/:}'\~-.,, .-,-.(tt-"' "i:,·{~...__ •.,,.,..
-,'·<-
. "si.~t{mna paródia} f ~ de Pero Vaz de Caminha ao rei de Portugal. "Quando Pero Vaz
de Caminhe~::~ fohriu que as terras brasileiras eram férteis e verdejantes, escreveu
. -··Y':.. ·~:;;
uma cartai~ ?ff .i: 'Tudo que nela se planta, tudo cresce e floresce' . E o Gauss da época
111
Christopher Dunn
Cel~~f F~fáretto obserf~:u, ~1~' formas nas quais "Tropicália'' é uma alegoria espe-
~:•\1<t:·- -·-'::.:t- . 'l.i;,,-:7:'
cífi~ =~ i~f óhtexto políff~f,-1:r.asileiro da década de 1960, por meio de referências às
mãõi isij_reita e es,g_,u~ ;ª-,JFifvaretto, 1996, p.65-6). Na terceira estrofe, por exemplo,
ri!;..:..•- ""~~\,,.:- "~-i-''..-;.... ; ..,._'::' ~ :.....
Atsó';%,"a mão direip t~m uma roseira/ que dá flor na primavera" - com "autenticando
,,i:~j;;ifh erna primá~~~~ ~a frase que sugere a manipulação deliberada da natureza para
..,_r:-..: ~1t~Ji'projetar u1Vtf1:~ em de eterno paraíso. A frase subseqüente, contudo, destrói a cena
[f i,1. idílica com;_~~ ª referência incisiva a urubus, um sinal de morte iminente, quando o
,1,\~~:;✓ij}{! interi9-{tt;?N'~rdeste é afligido pela seca: "E no jardim os urubus passeiam / a tard<:
inte~ ;'lffis;µtre os girassóis". A esquerda, enquanto isso, é apresentada como um ban-
ditl~..,~ ~do que tenta de forma disparatada empunhar uma arma usando o pulso.
112
Brutalidade jardim
Essa incapacidade de agir é compensada por um apelo à cultura popular, sugerida pela
frase "mas seu coração / balança um samba de tamborim".
A estrofe final alude diretamente ao cenário da música popular ~~~A~d3s 60. Dife-
"'' ,,,.,,.,,-t,
rentemente das metamúsicas de Chico Buarque e Edu Lobo, quy/el~yé°Ín o valor re-
dentor da música, "Tropicália" satiriza o conflito central da múJÍi~0B~pular pós-1964
.'·?''{6•v· .. '-''V·
entre a segunda geração da bossa-nova e as estrelas de rock dffJ ~tm Guarda:
\~{-~'.~!:~i3?
-,~\~t\~-.\~·¼,f
ift" '•"',(ti
;;.>tth.
.?{'.;;~ -~:11:,,
dt®itãno Veloso (àtpsflr~'fia) e Gilberto Gil nos bastidores em 1968. (Abril Imagens)
O progr?-m,~zje
i-:$;}' televisão de Elis Regina, "O fino da bossà', transmitido nas tardes de
\)t.>.,1,.-.,;f.'
domingO,;i~~'.;fussâ''
·.,·-,,\\.\~'."',.
denotando angústia e depressão utilizada para descrever um estilo
113
Christopher Dunn
vocal melodramático dos anos 50 e a "roça", uma referência ao Brasil rural, sugerem uma
regressão do moderno ao arcaico. Ele também menciona o grari~ ,sucesso de Roberto
Carlos de 1965 e suas roupas personalizadas. A música explode ~~~f1°clünente no último ·
refrão - "Viva a banda-da-da, Carmen Miranda-da-da-dá' -, qu~.~ f:t sucesso de Chico
Buarque no festival de 1966, ''A bandà', à primeira estrela br~Úfk;,~de exportação.
.1.-'0.~;.:;..,. !y
Com a repetição da última sílaba de "Miranda", Cae~ôi'?rnbém evocava o dadaís-
mo, um projeto de vanguarda que buscava expor e, e~4~~ instância, criticar os me-
~ t,,,,,•...:~:J..
canismos sociais, culturais e institucionais envolvido( ~il.irwlução e no consumo de um
objeto reconhecido como "arte". Na década de ~~~ ;p-t(slas pop promoviam ataques
1
similares ao Modernismo tardio, exemplificados pétpf.~xpressionismo abstrato, gerando
representações de objetos e ícones banais da1~ô,g~4ade de massa, como uma lata de sopa
Campbell's e Marilyn Monroe. Caetano .$:&~Jbu que a menção a Carmen Miranda
nessa música "era como Andy Warhol ~f~~d.o a lata de sopa na pinturá' .12
Vários críticos interpretaram a re;~ clag_é~ tropicali~!t"~ t)Ilaterial datado ou banal
como uma forma de paródia enxõlve~~t>J:t~idiculariz4i/ã~pcica,
,.,,.½.,.s.~... -~, ,:'- t _ ·,
similar às práticas mo- ,,:,.. =-_
mantém uma postura neutFâ;\:iilf"télação ao pa~ 45i be acordo com Fredric Jameson, o
pastiche "é neutro, sef11:'W;ftif?(iJ çóes oculta§ da
~·~·-· '.,~:,,. . ._fit
i~&:lia, sem o impulso satírico, sem riso e
~~!-:..;·
sem nenhuma com~,i.i,., - "" -ta-se de ~ :l<1:..wctia lacunar", envolvendo a "canibalização
ql:iy_<i,,t '' ' ·--~,.,:"-;:i i,<;·,
era ~ 1
~ tiche rIJ¼t,~i~s}.?:~kmen Miranda, já que não fazia nenhuma referência mimé-
ff., ~?à';§;J ~ tilo vo~1fo~1~ tivo. A relação com a estética do pastiche pode ser detectada na
,;~..;!fôfnita "neutra", ~r.ira:Jie sarcasmo, na qual Carmen Miranda é evocada como ícone cul-
·.,..,tJ-J •- .....~~;.
_:f:M~ ;ttira1. Observa11(i~iqlte sua primeira exposição à arte pop norte-americana na XIX Bienal
1
;'. '~'\~; i-'='e-Ji.. ~. ~i,1~::-
it ,, , Jffde São PaulqJiftí".1967 "confirmou uma tendência que estávamos explorando no tropica-
~'5!i~i 12 ln:
.~~~~
Jtill:w. Dibbell, Notes on Carmen, Toe Village Voice, 29 ouc. 1991. Ver também Dunn, 1996, p.131 -4 e 1994,
p.l~f-i~
13..}l~j,;i. /p,or exemplo, a discussão de Santiago sobre par6dia e pasticbe na culnua brasileira Permanência do discurso
· d; •J:lâfção no Modernismo. ln: Borheim ct al., 1987, p.140-5.
114
Brutalidade jardim
lismo", Caetano descreve sua relação com Carmen Miranda, uma personalidade que tinha
se tornado um "objeto culturalmente repulsivo" para a geração do músl~ .it,,
. ·~-~
é'.'i'-~~~t:\' .
Você vai botar um objeto que é culturalmente repulsivo e.J! ocf tif aproxima
dele, você o desloca. Mas você começa a ver por que ~ç~1Ílµ aquele, você
começa a entendê-lo, e mostra a beleza que tem, e a tt'k . da relação dele
com os homens, e a tragédia dos homens por cri~~f.> .,;.,r:6 .e o tipo de rela-
ção [...] você começa a amá-lo, entendeu? Tem u:o:é . que é um ponto
zero, aquilo é aquilo simplesmente: PA! tá na::i~'fil:;~ ;rt't'Z'. Então a Carmen
Miranda,- no momento em que eu fiz a cançãJt;:~~'tropicália", estava nesse
ponto zero para mim. Ela tinha deixad2jlétt~r uma mera coisa grotesca,
desagradável, e começava a ser uma c~Jj!;,,\'ft!e .me fascinava, que eu queria
jogar como grotesca mas que já não erf :'·''" ta amável p~ra mim sob muitos
aspectos. Já era recuperada tamb~~
/"',
ni~hele mo111:,~#i~1:t,havia
-::,,A~·.. . t-~. d ·'.'..-'':-·<.,~.\:-
uma recu- ·
peraçãO, uma espécie de salv:,~ gggqiiela coisa ~ :giÔfuento em que ela
:r.'it.-J)t·-~•-.~~.i:-< . -~(.'1!,f.7>
tano, Gil, Tom ~~rga.1 Costa, Qsl~ 11tântes, Rogério Duprat e os poetas Torquato
..,;;;-\~~~',:_::.,·
~";, - -~~;\ )~)\~~
Neto e José G,~ Jps'Capinam. t-{~ ~J~eâo, a antiga "musa'' da bossa-nova e da música
Y.:'i''>-6:'> ... z:;:•~;., -, .. r
115
Christopher Dunn
de Nara Leão, q~ ~~fl um grand~iGl}t~âtF'l ie praia. A. foto de capa era uma alusão visual
à faixa-título d&(ij;!Ji ~, "Panis e;,~i;22íí'sis" (Gil-Caetano), que satirizava as convenções
de uma fal;},~l _b;; uesa trad}1i~~~JiO título da música e do álbum se refere à famosa
afirmaçã_g_~]}9eta dássicoJ üv:'~ ; que expressava seu desdém pelos cidadãos da Roma
antiga, '~ *?dos pela m~Ji/p ~}~çáo calculada de "pão e circo" (Béhague, 1973, p.217).
Na !#~ti :1'hma voz poi ~}fu primeira pessoa tenta, sem sucesso, tirar a família de seu
~t imobilidªfi:@~ ~1 ft4focridade: "Eu quis cantar / minha canção iluminada de sol
~t,;~&Y
-~r-\l:-?:-_.r" ~ '•, ~ ~-~. ,wt\ - /f.!
A"fJfgltei of panos sobrê.1ç,s m astros no ar / soltei os tigres e os leões nos quintais / mas as
. f{irlfsbas da sala i~~Jprtàr /são ocupadas em nascer e morrer". Gravada por Os Mutantes
.};~~;\1)úpóm arranjos,t ·r
:vt;-._ 't_# .1:,;'f.
·'"tis
sonoros de Rogério Duprat, "Panis et circensis" lembra várias mú-
t;~·.. ~s
j0 ·-?tti-t' sicas do Beaij,çs~ ã época, o que não era coincidência (Moehn, 2000, p.61-2).
~~!\, . )f Quanif1J:;J/tdbum tropicalista foi lançado, foi anunciado como uma resposta brasileira
"",/?i'í"' ao Sgt-~ f..;;~f's Lonely Hearts Club Band, dos Beatles (Castro, 1968b). O famoso álbum
. ~~
con,:6~i~~J dos Beatles, de 1967, representou uma grande inovação no rock moderno e
erít~ailhativamente diferente dos trabalhos anteriores da banda. Como uma misrura
116
Brutalidade jardim
cantado em uma mistura de espanhd· 91ffeuguês. Oug; ··. .. ~sicas foram gravadas em
estilos notadamente mais "sérios", ~~,·59/disrancia~?/~~gJtônico. A interpretação de
Caetano para "Coração matemo'~:.: ~to melo :"." :Í.l\Í~º ao amor e à dedicação ma-
terna, era genuína: qualque~;~~f~íS.h,t, ódico resi~uai"':"ep~ndia unicamente de seu posi-
. t.;c(}-
-,,_·f1).\.. • ,:.:.!,'"i:'. t •' ~ . -~~- •.
cionamento como uma J9;y;~~i•~ trela da m~!'..\ :g/A música foi composta e gravada
por Vicente Celestino, ~ J~ br de rádigt~é;' ;\óssa-nova que estrelou vários filmes
populares e melodram;t·,;çs. Dentro di 's;:J,?ft~t do álbum-conceito, com seu arsenal
de estilos passados, a ·•·: , Ê
~fetação de Ç~f;~1pode ser vista mais como um pastiche do
;t~:;'.";.;\:.:~·· ·.-'1•\~·(}.=i;._,
que como uma P~,ádia da balada seq;~W,.?~1hl de Celestino. A última faixa do álbum era
uma interpretaçá,~_Jti.JHino ao S~9i:~õ Bonfim'', o hino oficial da Igreja do Bonfim,
em Salvador. -~Í :~fbp)~stas grl ' -~'.''~'~ ma versão alegre do hino, misturando a tradi-
cional m~!~~J11í'5rocissão co~t· . 'banda de metais e estilizações da bossa-nova.
Tropic"J~it,{&u panÍft f.tfp~tf!;,,,,, ~ apresentava' a outra canção-manifesto do movi-
mentg~f~ ~jcin~ta, "G;Í~Íi ;€ii;~,,, composição de Gilberto Gil e Torquato Neto. O
co~l tIS::~e "geléia ge~r f9t'uma proposta inovadora do poeta e crítico Décio Pig-
natã,_1J~;l:~pós uma disêíi~I~ com o escritor modernista Cassiano Ricardo, que sugeriu
't~? .
..~ poetas cop
·-· ~s:z-:,
• :as
mais cedo ou mais tarde precisariam relativizar seu posi-
,,namento in ... quanto à experimentação formal. Pignatari disse, então, que
: ; geléia gS:~zi i ª5ileira alguém tem de exercer as funções de medula e osso!" 15 Em
'i~\t.~.
-~::~~it.
15 O gmpQ/ 'i~ geral foi citado em Invenção 3 (jun. 1963) e Invenção 5 (dez. 1966-jan. 1967). Ver a discussão
de Velos~sô b grupo em VertÚu!e tropical, p.216.
117
Christopher Dunn
outras palavras, o rigor vanguardista era necessário para dar forma à mistura protéica
da culmra brasileira, transmitida em fragmentos pela mídia de rl~~~~: Torquato Neto
se apropriou da alegoria de forma ambígua, expressando ao mes.r · ·nipo uma crítica
à geléia geral e sua cumplicidade com ela. De todas as mú~\~~ :::i;t) âlbum-conceito,
"Geléia geral" era a que mais se alinhava à postura irônica ~~f~f.ó dia.
. ;<t~•;., ···-:•::·
Gilberto Vasconcellos chamou atenção para a justapo 'ó"J\çntre o "universo tropi-
cal e o universo urbano-industrial" que ocorre em "Ge,t~· 'íi~" (Vasconcellos, 1977,
p.18). Esse par estruturou o "Manifesto Pau-Brasil", :j~;,,. ·_,
';"'"f'\•..-. ~. .,..,.-,
d de Andrade, que ten-
tou reconciliar "a floresta e a escola''. DiferenteIJ+.:; ,;.:;
,,.::e f{Tropicália'', que apresenta
.
música: "Será que o Câmara'~ @ti'M~ vai pens, iq.J ~Ós estamos querendo dizer que
o bumba-meu-boi e iê-iê~iJ '.$'j,~}t mesma dança?,;~~N;,r
-~i-1':,- --;.;,:·~.::.\:.• . .. . ,:/ .~ P-?(
Como o manifes~ç>,c,A~{~ s~ald, "Gé;;~• ' ' ':,?'f" também se apropria do repertório
··<'fff,:i_i{;<~~-;·_~~1~:;. _ . · __,:_.,
simbólico da tradição Iít€r'áltia brasileitf·ªei~?14'.una tentativa de satirizar a pompa da
"altà' cultura. Ess~,Ji~tf? irrev,e rentf 'ti!~', tl~entado com brilhantismo na capa do ál-
bum tropicalista ~ 1,g,.J Gil, de lQ,~~ (f& r imagem 4 do caderno de imagens). Criada
por Rogério !) ar·; ;;•õAntonio QJ~.:i :tjDavid Zingg, a capa do álbum mostrava uma
foto de Gil v :e ,g;com o uni.f<.1t~~-·~ficial da Academia Brasileira de Letras, um grupo
~}•.- . it\ ;'.? . .---~/-/"
de quare~,,,:'. iníÕrtais" eleitefJ1a:m~Jps colegas e, à época, constituído exclusivamente de
home~~?lit~Êbs. Ele está,~t~ ;-óculos pince-nez tais como usou Machado de Assis,
:';;f¾, (:!;_- .. ' ,t~t~·•;.if•
o Pf,}:~éit~Kr _reside!1c~ ,,fi1t,ããemia. Machãdo de Assis era em parte descendente de
~ """'''~ (\s, 'ífi~s sua pciJf~ como a personalidade literária mais consagrada do Brasil
5
118
Brutalidade jardim
: primeira estrofe evoca a figura do poeta oficial que enaltece a beleza natural do Brasil
(Favaretto, 1996, p.94-5). Utilizando um bombardeio de clichês riIM~ltlps que trazem
--·•·!;_~:,'.- ~ -•. ,
. .:;::?~~
A extravagante interpretação de Gil estah~'((}~:,u m distanciamento irônico em re-
lação à celebração patriótica da exuberânc!f tr~pibtl. Trech<?ifli\~(~rios famosos de es-
critores consagrados são parodiados , '.'.õr WJ:, 'éi-?6 texto, in .i . . ~p ;;Canção do Exílio",
de Gonçalves Dias (1843), e "Hin ', ~,p' deira'', de,i~li!'~Bilac, (1906). Rogério
Duprat acrescentou citações musict1Jila~;'.·6pera Il guq~~i-;;~1870), de Carlos Gomes, e
<~d\?,· ---~-.-~- ,;S:';:·;a: ...,<,1;;.::·:-
''Afl the Way', de Frank Sinatra. W pttmêsmo Oswaf~l cl~;Andrade, o padrinho literário
e espiritual da Tropicália, ~PRl:;i,,/ paródia t{ppi~l~~a. A máxima do "Manifesto
'?~· .
'"}~~• f ·/'; :.-t :\•
--<·,l;,
Antropófago" - "a alegr~ é 'Í~1prova dos ri&:~;;~;1,f seguida do verso: "e a tristeza é
teu porto seguro". O ur6i1~S'ttÍ~ atriarcadq:f#t1>'tndorama'' de O swald, esboçado no
manifesto de 1928, é p;§},);!,Ícamente pr<iicl~d15 o "país do futuro", como alusão_ao
.J:j";;'f,,:,.~_
7:L:;. ·~:..;';~?.;,,..,
patriotismo demagó~t ,o. lt ""~tJil!
:·\:t;i?-·
Transitando d9.,,versõ"parnasian . ' ragem verbal modernista, a música apre•
senta um interlá r'· ·,,~damatórioi{tij,.q '·. Gil recita uma série de ditados cotidianos,
clichês e refei,l ·l~~fi cultura p~~f!f, formando um panorama alegórico da vida
"'.'•;:;_yr}i_,,' -:}t/;f . :'•"'·-0::,:;~•:'.""':- _ ·,
Ítr,tloce mula~ ~
um elepê\t~i~watra
maraci[~~., de abril
119
Christopher Dunn
120
Brutalidade jardim
vista, umâ:4pfi~~-â.e arte politicamente eficaz deveria propor ou insinuar uma resolução
121
Christopher Dunn
que tem claras afinidââ €§,~bm os prin9,ípiEt :~e Sartre, recorre às experiências cotidianas
dos alunos para qijç,,e,les possam set4![i~tJjPr e se "situar" na sociedade de classes. Sartre
aponta o papel ~i*ií~ito,
mas co~f~1t~~~do escritor, aplicável aos artistas em geral: "O
escritor só pode ;~t testemunha.._~~\'c.u próprio ser-no-mundo, produzindo um objeto
...-.)~~;.:'-?,. ,?"',. ':--"t."tj.~'f:.~~'- .
ambíguo q~rit:si,gere alusiv~ntei~
..-s- .._;;\.._ s-~t.i
_.,,
A própria evolução de Caetano como artista se
;(.-· .....
baseou ,41:l _~~o de Sartre'"': ' ('..J {ar-no-mundo" . 17 Para um artista da classe média no
Bras~,f~~~b no final gj·~~ .~a de 1960, isso significava um encontro não somente
c~#-~~fef.tessáo ~ t~):'8-iértsmo estudantil e a incipiente atividade de guerrilha, como
J~B~~{eõm a ct.Jnlt,~pdpular nacional e estrangeira. Os tropicalistas produzjram um
·fl':. B~je~o
ambíguoJi qu~J ~çou luz sobre as contradições da modernidade brasileira, mas
c1Jtki;yfüb elaborar~~;\ 'li~
.~-.:;· ·.~·?.:
programa concreto de ação coletiva.
.,;.~ 1 · ·;,~~., •
'I};:tltr
I7 Q.~fil;i,,;"f'996, p.12 1 e 1994, p.10O. Em uma enrrevisra de 1968, Veloso mencionou Questão de Método de Sartre,
8J~3f~n dos poucos textos teóricos que leu quando esrudava. Ver Campos, l 974, p.201.
122
Brutalidade jardim
ser percebida como uma série de "anacronismos" absurdos ou "um verdadeiro abismo
histórico", produzido por "uma junção de diferentes estágios de des~,:y?lvimento ca-
pitalista". Schwarz abre um curioso parêntese a esse respeito, especii · ' ;ht'e revelador:
"Não interessa aqui, para o nosso argumento, a famosa variedady.J?".,~.--/f do país, em
que de fato se encontram religiões africanas, tribos indígenas/~*B-~ adores ocasio-
nalmente vendidos tal como escravos, trabalho a meias e c~p}e~~s industriais". O
crucial para ele é o "caráter sistemático dessa coexistência''.t!â~Íi~z coloca a "varieda-
.,;,·:S,"i•'. ,, ~
de culrural" em segundo plano porque, para ele, isso ap~~ ·.·. resenta diferentes es-
....;,' •:--:.
~-
premissas lógicas. Ele criti9Sé'. z por não d;u- a 'ctêvida atenção à especificidade da
cultura brasileira: "O esse;~::,,.: é p~rceberql!e,i~ 7~~1\s certas posturas radicais carre-
''•':.'-;f",i..,·... ~........~•·:~·,, ,\,_;..., .. , ..._
gamem si tal dose de e~iS~~ smo que, ~p ·~fitébaterem contra o objeto 'brasileiro'
revolucionário, simple.s~~nte porque l\ã9,, §~;l de perto o model.o, minimizam-no, a
;-jf.?'l•r..~/r> :::':/ ·,•';,,(_._..
ponto mesmo de ani'.Q~~ffe o seu Pºf,wpê-íiíll guerreiro" (Santiago, 1977, p.12). En-
quanto Schwari; anali;Ii"i'''~oexistên ,. · "''"'' @~caico com o moderno no Brasil como um
-J.<t+>,; ,. ~t
sintoma da dep~ij-~ ~icia econô~;i~1~. \ un sistema capitalista global, para Santiago
ela é uma mari··v1Jllliferença dii~g.riVt do Brasil em relação aos centros dominantes.
•,;.;,:, i~oncentrar '"';"1iradiçóes da sociedade de classes, Santiago inter-
. '''.rt1r·· relação à sua história de dominação colonial que
": e "~alores culturais na qual a Europa se tornou o mo-
delq~ r ·, ,,"~r~al. O colg.,\'.: ., aÚ~~o
:,.,_:~-Mi- v·
criou uma relação de dependência na qual o Brasil
f<?J?.i 1pforado por s :: ·. \' :atérias-primas, enquanto sua vida cultural se via reduzida
•" ·i,~, pálida ~ .fcJi ·. o pensamento dos países dominantes. Santiago interpreta a
cgJpttização co~~;~ a "operação nardsica" em que "o outro é assimilado à imagem
ViJ:l'.\t)t~etida do s~í:t;~;~~dor, confundido com ela, perdendo portanto a condição única
da sua altt;f° :':t\{':,.Apesar de seus propósitos emancipado nistas, o modelo hegeliano-
,;....
marx.ista,;d ~~iêlogresso dialético não estava isento do etnocentrismo europeu. Segundo
,..,.. ,,,A/
123
Christopher Dunn
Vários anos mais tarde, o próprio Cae · ,<? respondeu às críticas de Schwarz na
música "Love, love, love", do LP Muito\i;;,. 8). Sem contestar a interpretação de
,~·;.-:-,., ·;;;iJi
Schwarz de que a Tropicália era um ,t~q':s~çlo", reconhece com ironia que o Brasil
,i::t... .i}r·
,,, ,
1
... · ·
1
;r;Í~~:~'~
RUID,l 1:1lff :1141ZIL: Tl0PIC.ÁLl41
~lt-:··
\ ,;1: / .;~. "'"
CULTUIA I
124
Brutalidade jardim
, "Sarnpa", no qual reflete sobre suas primeiras impressões,.~ ~ _ } Burante o período tro-
; picalista. A música, incluída no LP Muito, de 1978, '1i~ te um senso de deslum-
bramento em relação a essa imensa e feia cidade J~tt~~trial, tão distante do glamour e
do estilo do Rio ou do charme barroco de Salv t,;J
t;'•
1
125
Christopher Dunn
primeiras músicas tropicalistas de Caetano, que ele compôs morava no Rio <liiü'<l:~
de Janeiro, subvertia a poética da "racionalidade ecológicà:.d~i};\\tsa.:.nova. Em "Pai-
:1'(:-- -ii;;~"l
sagem útil", de seu primeiro álbum-solo (1968) , a tecnol9-_gia ,t,,,..•
·sê transforma em um
substituto para a natureza. O título da música é uma p~~~,\'â~ "Inútil paisagem", de
Tom Jobim, um clássico da bossa-nova que declara, ,f.f~1'n,1~Iancolia e emoção, que a
paisagem natural (i.e., céu, mar, ondas, vento, floriif~\@ o de Janeiro é "inútil" na -~!' ' .t_(" ),.~
os automóveis velozes que "parecem voar" ~;~ 1R1Úsica sugere afinidades com a poética
de vanguarda do futurismo, e sua celebra~ .d ,~luzes da cidade, das máquinas velozes
••H·;. "'.o..
do 2ts::'Blt n /l~:!tr
N e~itp'õ'iiib, a voz de '~~&l&iio cresce melodramática no estilo de Orlando Silva, o
can~~i9ffiântico dos ,w~ :._4 {fe 50 (Campos, 1974, p.168). A lua em "Paisagem útil,,
·;;.:;' \1~:.•.-~ •..., ~'. ."",¼•
g~iiuréta~-Caecariêf!~ :s,9p-:>hma
,,.,:~~--~ . 7 "''..i\ ; ;.t;.- -•r
lua historicamente determinada e alegórica, produzida
_,J;'.pii'~;;< uma empr~:,i J1!:tµtinacional. O logo incandescente da companhia de petróleo
-~\~~, - '•::=..;-L \",:r
126
3. C. :Veloso (1 968) 4. Gilberto Gil (1968)
(cone~itlija Ú~iversal Records) (cortesia da Universal Records)
,:X; ;~;~: }$~
galcosta
...
PHIUPS
~~;•1
"/J;,!~~
18 Outros exe .•· cluem "Dom Quixote", de Os Mutantes (1969), e "Clara", de Veloso (1968). Ver Campos,
1974, p.28 -~ .·. · . ·.·
19 Para a t r ~~~·concretista de Augusto de Campus de "Batmacurnba", veja Perrone, 1985, p.62.
127
Christopher Dunn
1968, pode ser interpretado como u~l ft~ica satírica de suas primeiras impressões
-~ ~;,; ;:..::·~
de São Paulo, especialmente a modet.Jia ?-hl:H:ura capitaLis~1,Ç ravado com duas bandas
da Jovem Guarda, O s Versáte,,if'e
11t<:;
~ -~,dfazóes, e co.
-~;.;,:.'·~
~ ~.fiÍljos dos compositores de
~-.:--. •-$
álbum finalmente fó'r'lá:f.i.~ado em C:Q:;,m ã:1~:ide trinta anos depois, os críticos o recebe-
-'l.~; -t;
ram como um t_ <;~~~ro perdido dJi W~~J~ popular brasileira ou, nas palavras de Pedro
,":::~~, .(,:,}... ,-,.;..;,J ....
Alexandre San~h~s-?t~omo o "lac,lw-·lf tçla Tropicálià', 20 injustamente negligenciado. A
·-:,;1':.~~i~~~.. -~.it··~
capa do álbu_m (vêr imagem ~;J.Í~''~ derno de imagens), que em alguns aspectos lem-
;_;:;-:-;-'>-.... r,,'.y. ~~;:_,;<
de um~~ aerSáo Paulo a:\1t piâcas e outdoors promovendo vendas, descontos, bingo,
cre11t,çss.i J iitais, gasoliq!;jri,i Pes, jornais gratuitos, rifas, shows de strip-tease e até
rotf~ ·4Jf~~-
.~~ - rant~,."~.J-<-.~q~/~~i
ã;'•r _-.__ " -~~--~~-:·
~e 2, pague 3". Uma foto do artista enquadrado em uma
çt1:Jz~ c~févisão apfl'~e tób o anúncio "Grande Liquidação: Tom Z é", num reconhe-
/f\~~·:,_,.1. . ·,~<' :~•~.?
,-l?i~nto irônico~5ge qt,té, como artista pop, também ele era um produto à venda.
.,,Y-<,:-:'.~{t~ O álbum ~ir,
',,'.::•~• • ;, ,#,..
i õn~ebido como uma crítica satírica da indústria cultural com suas
:.,,,,_. • r •.<~'.,
1
·\·;t· ~\t:::;.çt'falsas pro~~~$~:tle felicidade e plenitude para os consumidores urbanos. Em al-
t~i.>_:.,'.:_·•.;_,_,_?_<_J_f { f guns asptf~!g$~~a postura de Toro Zé ecoava a famosa crítica elaborada por Adorno e
,;, Hor~tlfu;~t,;; que argumentavam que a indústria cultural era um sistema padronizado
:f.t~f~,
20~ifm'. lexandre Sanches, Volta ao "Tom Zé,", lado B da Tropicália, Folha de São Paulo, 30 ago. 2000,
128
Brutalidade jardim
129
Christopher Dunn
Esse alerta contra os perigos do crédito fácil é então destruído por um jingle elo-
gioso que funciona como o refrão da música:
11
f '.'idf,;-progresso il1fiustú fil, O céu caiu, por assim dizer, na imanência mundana; deixo
•,· _· ·_
'"-•1•;: -.o: · ;.-. _.;.:, - . -T·
_,,;, ;i~;cd-e evocar a t~ ~ndência celestial. O lendário céu azul, que simboliza o esplendc
1
l
;!,():'A
~rrcJf
~-":.-
"':i~4{,.t1V
;u:1~;!;:~t';,'~:t,::,:i~::i:::~:;;;,;;~~s;,!~::::ºJ::~:
que ~~~Ji~em
if-•~_é.J..*)~~.!;'
pela atenção do consumidor no espaço urbano: os outdoors apreser
j'._·,;" -' i, . ... , ....
tan_E!l f:tirnás aeromoças, o "sorriso engarrafado" que pode ser requentado para usar,
},;?,f i?gpular e a revista de tablóides, relatando "os pecados da vedete".
130
Brutalidade jardim
,:<:~~:;:Y~::~.
Arte e cçfµfêr,fo. Caetano Veloso apresenta um fogão de brinquedo, 1968.
Q. Ferreira da Silva/Abril Imagens)
131
Christopher Dunn
balhadores urbanos, rujo poder de negociação foi gravemente r~~4~;J5clo regime militar.
•" 1 ) ·:..~•,;."':. ."·''
denili.ação do Brasil. Tom Zé, afirmou que os tropi~ :;:~ uma paixão pelo parque
industrial", já que isso era tão importante para o dese~_kplvimento da nação (Dunn, 1994,
p.118). A música termina com urna mistura d~~m,baria e afirmação nacional, celebrando
os produtos de exportação que são "made, mad~i•'Jiâde
'i.-:.;,._ ., 1,,,..,
/ made in Brazil". Como na maioria
das músicas tropicalistas, há tanto crítica. co$i.t;~µmplicidade com o objeto da sátira.
A requintada "Baby'', de Caetano, F)3de.:iê?vista comq}iiif!'JfPmplemento de "Parque
industrial". Enquanto Tom Zé rilf fu.!~ !téf fé cega redentores da produção n~i'.P~~/~
industrial, Caetano ironiza o coiis~~Jijesenfreado,.d; ~â 'âsse média urbana. Utilizando
. ....•,':-:;•~.. '/f·';~{z.Ji{. ~\
gírias da juventude da época, ~i1~,/
'< ,, ,,.
-p arodia anúffui<?S
~,. .,.,." ''':.
\~publicitários, criando uma lista
de todos os itens de que uma;.~ ,f of~'precisà, Pt,i.~~i ffeliz e bem-sucedida na sociedade
de consumo: piscina, ffiêfg%iat l'gasolina, sorve'tf;"fuúsicas de Roberto Carlos e Chico
·\:-'~) \:;~ }t,J .,ic.__ t/~
Buarque ("Caroliná't e,"~~ente, aul~,,.;~-.,.i.~-,.....f4d
,'"t':',,7; ·::~~ ·-,. ' -~'?~,/.,. .~'
.nglês, a chave para o sucesso e o rito de ·,'á..,
Não fica claro se t }w.~ ca. está que~_ipnando de forma crítica ou afirmando o valor desses
produtos. A !5:?_sí~~f interprera~ \ f&çai de Gal Costa sugere wn certo grau de satisfa-
ção. A últint'.{ i&ttpfe afirma: ~i~j9,·l tí, comigo vai tudo azul / contigo vai tudo em paz /
vivemos ~l~~6ffior cidade Jlfk,~~ érica do Sul". Caetano disse que se referia ao Rio de
Janeirçf~iiâtmorou por{;? - ' :)hpo, antes de se mudar para São Paulo (Garcia, 1993).
Coni&~ri do o cljgia:,;~ .J~fffiitos políticos no Rio de Janeiro, a alegre celebração da
ci~ã~,j ~bígua. ~'.B&tj,'.~,:~ :~ente pode ser interpretada como uma música "alienada''
1
f'!itfJ/:,:,, .. . ,,ft~J:J'
~asil urbano na ditadura, mas também pode ser vista com uma
•
i~.{t~;!fii?l ,J/-~{;,:f
2 1 JoscP.li,.~~pbservou que Cubatáo foi projetada como urna "rona de segurança nacional" em 1968 (o mesmo ano
nç,J ~f J>âi:que industrial" foi gravada), o que restringiu ainda mais os direitos políticos dos moradores da cidade.
Ver l1itgêr l995, p.281
132
Brutalidade jardim
. . ..:~· :J.;~ ~
\~~~:~~'fi!?~-
Aniscas brasileiros parcicip~If isseaca dos q~m}yfil em junho de 1968. Na
primeira fileira, da esquerg,g pi,~J
·<~> ',".~•-·.
ireica: Edu
. .' ~~
L6'B~!1'f
cala N andi, Chico Buarque,
~~'}t.
Arduíno Colassanci, Re_nar~:~oighi,
}.<~···t /i-,~.... .., ·-t1:~-: .
Zé ~~§<?!M;iJ't'inez
·•-·::tAJ~·,,. . ....~,~--·
Corrêa, um estudante não
identificado, Caetano Véíõ";sõf)Nana Cay~f'l{í;~~ilberco Gil e Paulo Autran. Os car-
ir:./ 1,::;
cazes expressam soli4~~t~dade ao mo(h,R,~\Q;f.ê"scudancil e denunciam a censura e a
repress~;-_:(tamilton Co - ti;, : ••• ência JB, Jornal do Brasil)
'"({'1'¼1/l'·· ·. ·.,
,t}'.;:Jf,~
1
·,.• • •;.Í(-ÁLI-A .f V10L.fíl(I-A P0LÍTl(-A
:·/ib i }t, /lência e rep* . \})oficial nas cidades brasileiras no fim da década de 1960. Em
:;t,, ~rço de l 967~Ít41~ha dura militar assumiu o controle do governo sob a liderança
";'It;{'Bs; um nov9:fi,p1f~ij~ence, Artur da Costa e Silva. Era desfeita a tênue aliança entre
políticos d~i~t~nservadores e a liderança militar, enquanto setores mais radicais da
oposiçãd1t íi;~,P.;·ificavam a campanha contra o regime. No início de 1968, estudantes
133
Christopher Dunn
os cortes no orçamento para a educação. Durante uma maq,ifi ··~o em março, uIT
jovem estudante levou um tiro da polícia rcilitar e
. 'T '·•..i:,,;;i
uma nov~ moq_eú:;ip,~9\rotando
onda de protestos contra o governo que foram violentatn~tê' Ji,:,.._,.._.
reprimidos. Mais ot ·••,•_ ·'1.
menos na mesma época, metalúrgicos realizaram gr~i é~~l i { Contagem; uma cidad<
de Minas Gerais, e Osasco, um subúrbio industrial."'ÀG\~lãi/Paulo. ·
No final de junho de 1968, vários setores da s~~ta,, civil - incluindo estudantes
-;:l;;r. - "l< ~~ ~
Nandi, Renato Borghi (do Teatro O~~)i~Paulo Autran (ator do Cinema Novo) e : - ~-'!:,;· {',.',
escritora Clarice Lispector. A passçà:ta õea'rreu sem 4#ffi.-ç,:çp.tes, mas o governo reagi,
• ~·~· ~;¾'.: ~-~~- ..-'-"'/',,
J?~}};:ilã um rnovini~~Jde guerrilha rural. Das quase três dúzias de organizações armada
,t/ fJ..':.P:J} contudo, (~1.11• ria ficava em áreas urbanas e envolvia poucos artistas e intelectuai
~;~_f_;_:_,:',·_.',.·~, •.J: _:f} O surgi~ el ~ de um movimento de oposição armada marcou um distanciament
• .., do ~tj~-s,í~p simbólico associado ao CPC e ao protesto cultural pós-golpe, no qu
,-.--~.....
134
Brutalidade jardim
lucionária (VPR), afirmou que o movimento de guerrilha surgiu "sem artistas, poetas,
críticos, romancistas, teatrólogos, dançarinos, terapeutas, escritor-ê~f">Para sustentar
essa visão, Ridenti demonstrou que artistas da esquerda constituí ...; ,. 'Jtlbs de 1o/o do
movimento de guerrilha (Polari, 1982, p.123; Ridenti, 1994, P::ff};lhiÂfP ·
O líder mais proeminente da guerrilha, Carlos Marighell · ·-· p{bro da Ação Li-
bertadora Nacional (ALN), argumentou que o movimen ., errilha era a van-
guarda da transformação revolucionária. Para esse fim, ~ ,:" · izaçóes guerrilheiras
'<-:'::,'.~--~r:;,,:.- ~l..-1;;,.
assaltavam bancos para financiar suas operações, atacavlµ ~s-t~pais para roubar armas
'?:\;~~~~:f .i~•--·
e munição e bombardeavam alojamentos do exércy ·· ')n sijilações militares norte-
~; ·;'.~-~-:/
americanas. A operação mais famosa envolveu a ALN ~4·Movimento Revolucionário
8 (MR-8), que seqüestrou o embaixador dos ~ 9-os Unidos, Charles Elbrick, em
,_.,. r.';' .. :,:;1_i/): 1
22 Gabeira, !~,,--~'-,:135. Na adaptação de Bruno Barreto para o cinema, um dos personagens alega que essa referên-
cia enigp#ttiçfli',-Jd.e scr detectada "se você toe.ar esse disco ao contrário". Para evidências sobre o impacto da música
entre d"f'~ ,i'~eiros políticos, ver Ridenti, 2000, p.281.
135
Christopher Dunn
1968, Canto Geral, mas Polari estava mais interessado na atitude de contracultura da
Tropicália, que parecia prometer novas formas de integrar pdlLl~ca, ~!':-,·r.•
comportamento
individual e prática artística. ,;ll'.'{i.;~;.. :~;
Várias músicas do álbum-conceito Tropicália, ou panis:~.et 4r?t~cis aludiam a um
"·--- ....,.,., .
contexto geral de violência política nas áreas urbanas. A fli~.de abertura, "Miserere
.,·:tt11;. 'kt/
nobis,, (Gil-Capinam), critica os mecanismos ideológt~6sª'j ~coercivos que sustentan1
as estrutura de desigualdade no Brasil. A música co.~:Ç$~té'õ m acordes solenes de um
órgão de igreja, abruptamente interrompidos peloi .Iri~ iuma campainha de bicide-
·-t4,~~~:·· -~1'!'
ta, seguido do de uma guitarra elétrica. Gil ent~~~~yfifse~fitúrgica do título em latim,
que venera o caráter nobre da pobreza, mas d~p~J:a subverte, questionando a pro-
messa de redenção futura: "É no sempre ssf~.f~? iaiá". Expressando impaciência com
a fatalista aceitação da pobreza, a músic/ê~gç"fgualdade t,'i,,~ . ,. ,,
aqui e agora. Considerando
a cumplicidade histórica da Igreja vis~çlõ1t,~anter o status quo no Brasil, a institui-
-~~~-. ,J.~ .,;;..":' ..' ( :. ;.,":._ •
moderadas. Alguns de seus i~~ros induíaw. 'i ~$h antes líderes da oposição, com
• -~?_.·.,,..... '· r. ..
;, destaque para Dom Héldet;;~ P.fià.ra, arcebisj~,9-,Ç,;-!O linda e Recife, e Dom Paulo Eva-
risto Arns, arcebispo,<j.~·''g~]~Í~o, que mais ~~f?de organizaria um pungente relatório
~~~,- •·.')'.•-: - ••"• l> 'J'.
"Miserere nobis" podê' ser interp9i i d4:'.ê ômo uma denúncia da complacência, espi-
ritual ou polítiq;ilpJ?-nte da inju'~~?~ ~Yom de irreverência e desafio se intensifica na
última estrofe: ~l D.Jtamemos vmh~~ rl'b linho da mesa, molhada de vinho e mancha-
da de sangµ,(. Ô;(: ~rso alud~/~.:~ ~iubstanciaçáo, na qual o vinho simbolicamente se
/r~1:i, ~-~\- :t{ •-~:'l-if.';.,
transforT,~~Jangue de C,> ~'st$~ás também insinua um clima de violência. Mais para
o final ·4 :J!lúsica, Gil fo~~~ z~Jlaba a sílaba, as palavras "Brasil-fuzil-canhão", uma men-
-t. ·.:.,. •. ...-1:J:f:.-
s:. ,~~w~· " 4
·
sag _,.,·~s;fcêptível para;Qilv~res atentos, mas sutil o suficiente para evitar a censura.
·:,:-J ,y~..,;-..,(J
~~;,~~- .,.,t.i ~tra mJ~f:? i_t~~}Jf>um-conceito tropicalista, "Enquanto seu lobo não vem"
x{i'¾ i~tâ.nc?Veloso c;i] {¾,â' visão aterrorizante e surrealista do Rio de Janeiro baseada fü
.{f;,,.f:ibüla de "Chap~µzirlho Vermelho". Começando com um convite de amor para "pas•
· -~:.;; • :-.,.___ ,"1':,~~--
.,l~f'fi1t1.. se:ar na flore~~ f ~dnúsica continua fazendo referências sutis a manifestações nas ruas <
~t ·1;;~ -l-'~':~.,~~- ~\:-..
A::."' ··d&;ffi} movimentq),;ctê\iú.errilha rural: "Vamos passear nos Estados Unidos do Brasil / vamo:
~L_::,'.'.,_,',.·,. J> passear .~ri~idos". Esse convite pode ser interpretado como uma alusão ao êxodc
!_ •.•
11&,J.:ii~'.
-· ::
.,; ~;;~~¼!},
23'~,rigi;n.ahnente publicado em 1985 pela.Arquidiocese de São Paulo como Brasil: nunca mais, o relatório foi subse
qüenfémente traduzido nos Estados Unidos com o título Torture in Brazil.
136
•
Brutalidade jardim
de líderes estudantis e guerrilhas urbanas das cidades para evitar que fossem presos e
para organizar centros rurais, transferindo bolsões de resistência re,~4l~ionária para o
interior.24 Na passagem final, as referências ao contexto político de· i:.!· ~;;,, <f ser oblíquas:
"Vamos por debaixo das ruas/ debaixo das bombas, das bandeira.&J i· -~'"'" J' o das botas".
A presença de bombas, bandeiras e botas sugere claramente a a_,< · / .,d~J'de guerrilha e a
..,~'!"'-·· . ·,i/';,·
repressão oficial. Enquanto Caetano canta essas palavras, Ga!~
~fit~~ i-epeádamente com ·:?·;'}:~; J~J·
voz distante "os clarins da banda militar", reforçando a p~ · írqáIHa ordem oficial.
O contexco de conflitos políticos e culturais é mais vt~. J ado em "Divino mara-
vilhoso", um rock composto por Caetano e Gil. Gal1~i~.mt~rpretou essa música no
:.::r i=
:i.:- ·:->:J~
festival de música da TV Record em 1968 e a apresentoüt~ seu primeiro álbum-solo de
1969 (ver imagem 5 do caderno de imagens). N ~~*~ica, ela adota a espécie de interpre-
tação teatral ópica de vocalistas none-americarli;i:ç;go Janis Joplin ou Grace Slick, da
banda Jefferson Airplane. Mais para o final ~ ' - . ··: os tropicalistas adotaram esse título
A,.• i_ ;1 _.,,\.1f''t,.·,·.
como nome de seu programa na TV Tupff " ., . ' o maravilJ.ió~};,,p:pressava dramatica-
.,_.,: _ ~;!.•?':. . ..:~_,. _,._..:.;, ,·. -.. , ...
mente o clima do final da década de ;! 9~9r!ijttêloi, ao mes .. F .:._ po, um período empol-
'?-';'.k:,;,r:-,_:,_;;.::,:-Ai;_.-",
gante de experimentação e de severâ;répr,j #o política,,"- êhodos os versos começam
com o alerta "Atenção!", levando aif~~s,"Tudo é PJ:.d~ 'tudo é divino maravilhoso".
•:::,-;;.:.i-~ __(,,";.' ;,'.'.-t(· •·,,f :-
A segunda estrofe incita o ouvin't~:;,{;ptestar "atençá,B~:- l?.~ o refrão" da música enquanto
sugere ser necessário refletit;~é'.f ~~[ crítica so~_re s~~ ;,~ignificado. Nesse sentido, trata-se
.vr~.- .-.:.:, '... - ~. ., /::,:,-;; ;~f/
de outra metamúsica sq~~S,,<?';iR,? sicionamelÍ~;,g,~1~sta, o papel da recepção e a impor-
.,, \ -:---:.-/;~\-·~IS<';'•i,.-/ l\,,:' _ ;;•~'.fY•";~J-;:.-
tância da interpretação abéffxC
A música ~\bçfü chama atenção para a "palavra de or-
dem" e o "samba-exal~~ p", sugerindo),'
f!t· A\\ '
;l'trfi1'~ à ortodoxia esquerdista, por um lado,
'·
e ao patriotismo co~~f;'fjtlor, por OUfff¼", trofe final alude ao perigo muito concreto
de conflito ann3::c}9 entre militares · · M~sde oposição:
/j,: taf:;p
aten ·,,,. ., p âfâ as janelas à<ltt:Jô
;;', ::i,J
at . ·. 6 pisar no mangue a.ar~~~~/
. para º,\~;r ~eo chão
,·\'-;;;.~ rência às ",j~~ ·do alto" não é direta, mas é possível especular que seja
..-:::.r.::~:·-~::i ~-•f· ·;;• ., .
137
Christopher Dunn
e.i!~t~9F
. '•~ -~r.
(Faviét~:Yif996, p.92);t}}if ft~ de ter desaparecido "na preguiça, no progresso, nas pa-
••
J~:t\~{{~cesso'' ,,BfL '
--,:~~:·: ,• \1,;{;.:•_(•:.~ ~'-}t~?
:;~fi~que ela tenha se perdido no mundo de fantasia da cultura
-· -~~-
:à, ·,ffi~si 1No entari' J9S termos jurídicos que a descrevem na música - solteira, cor
/4/~;. --e. _ - 'a - são den6~-:ições utilizadas no censo e em boletins policiais, apontando que
;{6:0~/t;;i;: ê~etano tampi t\}ifMe ter interpretado a obra de Gerchman de modo mais literal. De
fi~~- . .: /!.~-~ ·_X7~.~f.~;~~">t},,
\{~/g~fqualquer fo ' "'â;''iFinúsica retratava a experiência de uma mulher urbana marginalizada,
concentrà""! ,-_, · sua existência solitária e na falta de opções na vida.25
, néia de Veloso apresenta uma notável semelhança com a Macabéia, a migrante nordestina pouco instruída,
nista do romance A hora da estrela, de Clarice Lispector (1977)
138
Brutalidade jardim
despedaçados, atropelados
cachorros mortos nas ruas
os policiais vigiando
o sol batendo nas frutas, sangrando
ai, meu amor
a solidão vai me matar de dor
llffl D0
.nf0fffi0:
•. ,,:~ .~~~!'
mesmo daqueles que não estavam~ ~ente engaj~~ps,» as lutas da oposição.
139
Christopher Dunn
na economia informal que é preso por furto. -i~~;;_J.§'ngôs e convolutos versos que
~~.- 1 ,.,;~\' '.J..~."'
lembram a rápida declamação da embolada dó ~~f,tão nordestino, o homem preso
protesta para o policial, lembrando-o de qll0e·~t~?º e corrupção são comuns em todas
as classes. Só os pobres são estigmatiza~~!:il:fllis transgressões, enquanto os ricos e
poderosos muitas vezes são recompens~à§~i}~~mo sugere a quarta estrofe:
J~f ê.J:);r;;. i 5:tt;;,,,
Sei que quem rouba ~ i~~m~;~fl'~ i/;ii'.~J}:,:'·t
.d l ~i. kõ""'"-:r
aos dez, promovi o a a(;µ:,áb ' \Jj _. ,:~;.,r..a:;; -
~-,•:~
,.ié .:.~5{)~J\., ·::,,·
se rouba cem, já passoJ:.t~~~-~(5uror ~:( -·,:;~
\~ .-.-,;;~ ;~ "..'-;_-7\';_,•·-it,\
(
e dez mil, é figura n~ 1Ô'Í~«r:· :é°/ <;~;e,,'
''Ili ·• ·,r;;~. J!r?
e se rouba oite~taf~ l~; fés... '!-'3}•..;,w
·f'.it;:~ ·,r-'.f . .'.JS;-. ¾. ,,,...}0'
Nesse ponto, 18\\~~hsere um igi~fi(~g instrumental pop, incluindo um grupo ....~.• · '1'
nista nordestin~( E~ta irônica j~ ~ P~{ção de estilos musicais prepara o terreno para
•,(,,,·i ' -:,..;-~- \"' {~-: ._:•': ' /1'
o verso inacabad&f' 1
\t;;.,
xt:*' ª;; . ·H,;{[til;/~
é_~liip_fofu.acia in teqg:aêt&p.al
-\i"i-f-., • • ,,____ -\~~~-,-.
,d 1··,l,,p,a v1zmhançatJ~J>Utras transas
~it: ~:, , . ~t:i~;i '*t:~
f:/tQ.ü ~5!0 todi~)!~çã~!{na época a população do Brasil era de cerca de 80 milhões)
~:-· ·· •.·,.~\ ;.i ; :; · 'i•;.' ••,;~;)!
140
Brutalidade jardim
Argentina que foi perseguido e morto pelo exército bolJi inp'1967. O regime brasi-
:·,~: '
leiro proibiu a circulação de seu nome na mídia de massa:ai.- "Soy loco por tí, América",
ele é simplesmente referido como "el hombre mt\f~i:--:.A canção tem afinidades com a
música de protesto ao exprimir a esperança rederi%,ij~~il~ que a visão de Guevara poderia
-,.:? 'l:-.;,1;<
irônica (Sant'Anna, 1986, p.30). No poema "Canto do regr~~ç á 'p átrià' (1925), por
exemplo, Oswald de Andrade substituiu "palmeiras" po~;.tl' .. ~es" (o maior e mais
famoso quilombo da História do Brasil), uma referêncJ~,~9ttt:rri' histórico de opressão e '.'1-'t,:";. .~~
142
Brutalidade jardim
143
4
fUI 101.fl IDV.flí.fl:~(;G[ I:'.;; .Pl(jLII ···: }0.:f,
A detr&í:-·~\~'- . / '
'-'-•
.de Ricardo contra o "universo" da mídia de massa lembra a análise
da Escofi"/•~ 1:F rankfurt da "indústria cultural" como um sistema que degrada a arte,
Christopher Dunn
risco que correm? Sabem que podem g:íNfarfmuito dinheiro com isso?". A provoca-
ção de Duprat fica sem resposta, maif~ug%l~' que os trqpfêàl,istas estavam cientes das
~:..f.'~ '..),'{~.: , d;~ ,~:}~;t ~;-,;_.__ .
implicações de se envolver co~/}.í' !~J!.s ,sttia cultural.,;~~êliéntendimento se reflete em
suas composições, que muitas ~~ ~ ~~$~apropriava~~~k~técnicas formais da mídia de
massa, orientadas para a com~ ~ ~ rápida. 1[. ijt~;;~•
&sa visão da arte e do coih ": 1t{~ria efeitos ~~iil~mente dramáticos à medida que
..._':;:~. "··i:.:,y~·.:~•
os tropicalistas desenvol ~ ~ a imag~ pJ.ibli9:J:, para o consumo de massa. Sob a dire-
....;.::i . r,,. ·:;,•.-" ,;;t-,..
ção de André Midan~-~~,~ ~ f1dora PhilipM ?~p§St(\<riormente Polygram) buscava conquistar
um público jovem, e ~..TIÊpicilia era p(Õh ~~ente comercializável como wna novidade
. ~-~J ~':;:~... ...~,t•
transgressoicL2 ~ ç~9 diria mais M9,$_qt!ê'{i Tropicália "era um modo de criar uma ima-
gem pública seni ~J~ mesmo ~ \Ç!Ídcô dessa imagem e sabendo que aquilo implicava
a criação de,,~ ,il_imagem púb1\~ ;frÍ ~~ nte, de cerr.a forma, explicitava os mecanismos de
marketin&_.eif.t~~ciava o asP#â ~j rforcadoria' da condição do músico popular."3
. ~i"':"-}\ · .·•.-". ...
OutrQ1ít .Qiifunto de am.~iggi,dades era fruto da irônica reciclagem feira pelos tro-
·•.:.::t--~~·
• J - ~. . ~t~i:}<;!~•-:.. -~-:·
picaltltás?ge"materiais
~·-.¼>
,•t',(_"•·
dãt;iifqs~
'
estereotipados e "popularescos" na cultura brasileira.
".,l'_,,'>r, <6.
Em .. lõmJÍáração .~-0.
.(~-?:~~-,--<-<,,.~~,.,
p:-é:°i /'sifk dade e o "bom gosto" de seus colegas pós-bossa-nova
. i--~~----,. ~-,,,.
,f;i,f i!4?-r
\t~j!jtªi!F
,·.,.:'•;::;·,·. tr: •~'
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~.:::
,~_-~.•.~.;'__ ~.'.~.\.~M.•~; ~.-
'.:,~,-.;_',:_,.
.::·: ·~.-, ...
146
Brutalidade jardim
irônica de estilos datados e valores retrógrados. Com a revitalização valores sociais Rºs
conservadores sob o governo militar, esses gestos serviam para critit~i,~1:patriotismo
.;~,. .(•'
ao vivo, algumas televisionadas, que sempre chamavam ~..át~qçãg;da mídia. Com efeito,
.é,,\:r jf;\•~:!..'.'.•: _
as inovações musicais dos tropicalistas geraram menof ,Çõ'\tt:ro\Íêrsia do que suas apre-
sentações extravagantes dessa nova estética. Enquanto o'tfêÍiival de 1967 da 1V Record
proporcionara um meio para a inovação formal wfti~ç,-poética, a participação tropica-
lista em um festival de 1968 provocou polêmt_~ib1tre
.,..,:/'f--)'1:;.!.::.,
o público. Na ocasião, Caetano
e Gil estavam mais preocupados com o efeifll;.t
r·~~J.·• ,--~ .~l,
~ iformático ;_..q,9,,.,que
•~j,;,;;•!".,..
com a qualidade
da música. O objetivo não era ganhar ,g f~~~~~:~· conquis~ ~~r!tisos da crítica, como
no ano anterior, mas sim questionar{g,.,j~t~iônamento ~ôtiçfti.vais como plataforma
de defesa das tradições brasileiras. O sJestiY.fils
... "h'v.'•,,._ -,, "
de músiqã~:â'ê.H9'6 8, as apresentações em
'! ·:>• ~---~,
!C) ~
~IT~C4lJl 011(-AL
JJi~/, cT~Jr <"'f·
/;' ":t~:.i.~;;- :i!,[/1/Jq;:,_;. <
147
Christopher Dunn
No verão de 1968, a Tropicália tinha se tornado uma espécie de moda no Rio de Ja-
neiro e em São Paulo. Jovens jornalistas como Ruy Casuo e Luiz {]tt{?s Maciel, do Cor-
reio da Manhã, e Nelson Motta, do Última Hora (Rio), produz\~~~~ série contínua
de artigos e resenhas apoiando os tropicalistas, concenuando_:!(P~m,êipalmente na reci-
clagem irônica de estereótipos banais da vida nos uópicos !">'fâii~iros. Morta deu início
..j;,\'·... ~ ii.· ~.
a uma "cruzada tropicalistà' a favor do incipiente movim~ tôtl_tJropondo "assumir com- ~--:--~ J;'li.~.
pletamente tudo que a vida dos trópicos pode dar, se, t Ê&ínceitos de ordem estética,
. '.t
sem cogitar de cafonice ou mau gosto, apenas vivendQ)tJ:,~!Jdfücalidade e o novo universo
que ela encerra ainda desconhecido."4 Ele imagi.Q'.~ú\\;;i:f~sta de inauguração no Co-
... -•$ ~-·
por Motta era ao mesmo tê'm ~.antiquada e ü[~oderna. Para as mulheres, turquesa,
.'t: ~'.,e..::;~'). •.:::·~-;" .,•,..--,,-;,,:-.,•.,
laranja, maravilha e vêef.~,~.!--}ltelo seri:im ,'IJf co-r~.$ da moda, com anáguas e cabelos com
"litros de laquê".
I
~:éJ;,;MtJto
da mús1~ \~i~"',füt~mendava o sentimental samba-canção
-·, .f!,t-tç~~•; ,#}r: . r.~:l_~,..t
pre-bossa-nova e os sucessos de CarII!,<'{Il Miranda.
Motta tam~ ::~ boçou uml '~fü~Íõfu tropicalista", que consistia em ditados era-
·~ % ~ ·~~
é tudo .{\ .m~e,-Jâ. coisà', '~e~ ?derna é para enganar os trouxas" e "No meu tempc
não }?;.~ t%:t? isto". Ruy ~:i~§É[~\;posteriormente acrescentou mais aforismos sob o tírulc
"P~#:é:iq\ me ufano ~~Wi f]f"país", uma referência à famosa cartilha para o primeirc
~~J:;:~ ~ta por:'.~ ~fisô,::;é ~lso, Por que me ufano do meu país, um panfleto patriot:
~,.: . ,. ·.r~...... ~ ',··~~~.::.
,,.~::'.~;j~~e núli~~~:~~
5~%~~licado em 190f'(8l<ldmore, 1993, p.100). Satirizando os bordões reacionários d<
1f1fensores, ele escreveu: "No Brasil não existe racismo, aqui os negro
,;1t •-;~ifr!i conhecem s.~ ~J~~l' e ''As Forças Armadas são unidas e a perfeita tranqüilidade reina po
t~ :
<,-",;;·?- '';;.;-...)!';_.\;" .. i -~-~,;,:.~_:-:
-:;;··I[..;• toda a nf.'.~~;_: Esses valores e crenças retrógrados eram expressos como um espetácul,
·,\{l~;lt1 grotessg:~~:lhbdemização conservadora.
.~;:;: ~~-
4,;,~ ~ Motta., A cruzada tropicalista, Última Hora-Rio, 5 fcv. 1968. Morta traça comentários sobre seu irôni<
>· artigo em Noites tropicais, p.169-70.
',.
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r- 148
L
Brutalidade jardim
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impd~~:tlfa para rod~-:s~ :,gêhte que ganha dinheiro criticando as estruturas que eles
p~pri~s\iesconhec~1,1ii\ha muito cantor de protesto morrendo de fome".6 Chacri-
tt:t:~fr" ,1,:~t·
5 Vale lembrar quê'.~,,swàlct de Andrade e Tarsila do Amaral também cultivaram um relacionamento com o popular
circo do palh~J.'fí~im nos anos 20. Veja Silviano Santiago, Caetano Veloso enquanto superastro. ln: Uma lite-
ratura nos ,r1P(~k.""p~·149.
6 Anamaria C~st!í'l)fff, Chacrinha, verdade ou mito que buzina o século XX, Correio da Manhã, 29 ago. 1968.
149
Christopher Dunn
nha se considerava o pai espiritual do movimento, que ajudou a lançar em seu show na
televisão. Na mesma entrevista, declarou: "Eu sou psicodélico hti~gte anos e posso me
considerar o primeiro tropicalista participante". Seu programai,a~~::. ú ih enorme sucesso
f, ~-\:~4•;. .. .
entre a classe trabalhadora justamente por seu hwnor Éle promovia wn carn~vhl;i~:
"antiestilo" que celebrava o mau gosto, o que ofendia a s~p'~t\ !U~hide daqueles que bus-
cavam expressar representações mais nobres da culturai~fi!~i~a. Os tropicalistas con-
sideravam Chacrinha interessante porque ele recria~,~)P.,:~ ~c~so grotesco e a irreverência
do carnaval em seus programas (Favaretto, 1996, p{\JJ~ ~l;
~""·•i· .,~·-,r •·i , .•
1
levando a iniciar uma carreir.; :~i '~ q~ geralmen1!".~ i~~?m undo termina: o circo".7 En
.~....~•i;,;"'_'; ~-.. ~~. "7':!'~
outras palavras, Caetano ~o4j~~f erder prestfgfcyl f-hual e ser reduzido à aucoparódia
A participação de Cae~tii ~~,,§' programa d~}:ÇJi~crinha provavelmente ajudou a au
mentar sua populafffli~~fdta do meiq., uni;,~;;itário instruído da classe média, o
'1{'~:~\ ..; . •,\··,. t~fi,,. · ;~;:,:
150
Brutalidade jardim
do rádio da era pré-bossa-nova, como Linda Batista, Araci de Almeida, Emilinha Borba, ·
Vicente Celestino e Luiz Gonzaga. Capinam e Torquato Neto imagit t ~ um coro de
'··>',f
convidados incluindo turistas norte-americanos, voluntários do Co , · ;,. ~az, poUticos
nacionais e membros da Academia Brasileira de Letras. Uma pr94't :. '~ci elaborada
obviamente teria sido impossível; a própria lista para o elenco e~~;!}yid~ntemente uma
t
piada. O roteiro foi pré-censurado pela Rhodia e pela TV .· ' g\~cias uma produção
,."':;.:
ator de comédia negro Grande Otelo, acabou indo ao ar ew :·; ~i~bro de 1968 (Calado,
~.,1~tf;....,-.,.,'-Y• .,v.,~
nosso reg~SJJPlítico é_,!IDJ1t9J?./', f'ais perfeitos da história. Aqui vigora uma perfeita
demoq~ti~~i<rêi;'Calllpctâ,ít~Í~Íbre, encontramos uma plebe que não tem complexos
eco.,. > ·,\,99~ dia com ~&!11,bi?'~ macumbas. Sua ventura de habitar em tão bela terra.
~ ,@~~~Si{!Jldios são os ,~il?r~s mesmo, maravilhosos tarzás do grande José de Alencar,
· · - ~~ num paraj&~}~festre" (ibidem, p.301). Durante as canções mais patrióticas,
Ei º 5,~, ~~bros do
:,~.\t~f~
.(... j mtar
.~ftilt d~veriam levantar placares com slogans motivadores do regime
~_,. como,,;,~~~!.fllº
«r.. <:. ....
re e orguIho" e "Sem ordem nao
com r:, - h'a progresso" . Ohumor
cáustico dq,iª?~µ-~; além de sua truncada produção para a televisão, dependia da uti-
lização dª t::-~-'-i;l~âra
-f{~t:~~·
para ridicularizar o discurso nacionalista conservador.
151
Christopher Dunn
t
I'
Apesar de nem sempre de forma explícita, os tropicalistas também parodiavam o
"luso-tropicalismo,,, uma teoria proposta por Gilberto Freyre, O:{~guiteto da tese da
"democracia racial,,. Articulada pela primeira vez na década de l,Q,i,Ô~t ~teoria de Freyre
·ü.P•>.r::,·-:;-"-'.a:,
afumava que o "mundo ponuguês,,, incluindo a metrópole e~fõ'PJ !Jf b Brasil e as colô-
nias na África e Ásia, deveria ser visto como uma "rotalidad•@:!);.~d~f;opical,,, na qual as
diferenças entre colonizador e colonizado foram transcenq{tiãs/ ·~s antagonismos raciais
:::...,.'!e: ....."~
imaginá.f.ft. nlt>' há como sã~e.i.: tomo ele teria respondido. Apesar de o projeto inte-
•:--::;:.,:~-- - ~--·· ...l,,.v
lectuaj;:iâ.t;fteyre estar I\ii~t~::_i;hstante do circo da Tropicália, transmitida pela mídia
de rfi~~j'.t_ relação._eQ~ -~tii'.1.ois "tropicalismos,, distintos provocou comentários dos
._.f~~--. ·. ~~;tt;.~ -<:.s~-:-'; .: -:. .\;"'=-2·
q ffit~§·· verhdos nâ"ltm?>ría intelectual brasileira.
,.}::~:\~1 ' ~:{~~L /1,~~~
_;{J}'\,Kf/?, K análise mais c;o.niPf(tâÁ-o luso-rropicalismo pode ser encontrada em O luso e o trópico (1961), traduzido para o
, %e,,. ll inglês no meswd;~~:$J?ara wna breve discussão dessa teoria, veja o capículo "Brazil as a European Civilizaúon in
,;01> ':~ ·•~;, the Tropics", 'ffi:}Freyr~, New Wor!d in the Tropics.
Í,', )t I OD entro de~ ,~ ~{!:partir do momento em que o grupo baiano lançou o movimento tropicalista em São Paulo, foi
'',•J~~;;J? criado um;w~w.{llento paralelo liderado pelos poetas Jomard Muniz de Brito e Celso Marconi Gil e Veloso assina-
.,.,.,, ram llll).f.p:í~Íf~to "Porque somos e não somos tropicalistas", escrito pelo grupo pernambucano cm abril de 1968,
deo~?i'<J.p "o marasmo cuJrural da províncià' e a "menopausa intelectual" dos "antigos professores". Os rropi-
caJ.i.sci$:,clo·Recife
,;;.,.-ef;:,.......~. . . .•':.' '-
criticavam em parúcular os conservadores defensores do folclore tradicional nordestino, como o
drâ:nt~o e romancista.Ariano Suassu.na. Ver Jomard Muniz de Britto, Bordel Brasilírico Bordel, p.79-80,
152
Brutalidade jardim
O poeta e intelectual Mário Chamie talvez tenha sido o primeiro crítico a argu-
mentar em favor da elaboração de uma distinção radical entre o "tr<?lltpi.lismo" (com
·~"'>;á~/
as repercussões da obra de Freyre) e o movimento emergente da Tr~. J~álià. Ele com-
parava o caráter atemporal e harmonioso do modelo de Freyre, rias relações c;çih .. ;,
sociais nas plantações coloniais, à visão dinâmica e contraditót~ id,9 •:B~asil elaborada ' ..,..,.. . ·, ;.~i--"
"só admite a provisoriedade sincrônica" de um mundo e( ' "'·>''1* ante fluxo, devido ao
incessante bombardeio de informações disseminado§ít· . jIDa de massa. 11 Com a
utilização de uma hipérbole calculada, o poeta con~i~f~~ "écio Pignatari resumiu as
diferenças entre o modelo de Freyre e o emergen~l~?vimento cultural em um debate
polêmico com estudantes da Universidade de "'rs:i~',pitlo
•.
em 1968: "O nosso tropica- •;;1•·~
din~
artistas da classe média vissem a sq_~iêc( '.' · .· rasileira " .,:\ ., ·à', eles sem dúvida
articulavam uma visão mais ~,'lá nacional .
.t Pl0111D(if,
-•t_•rn;~\. ~_..;,<t· .
~01111:__0 !\:.~',~-t~~ tt D.f 19{,8
._.-9 ;_
São Paulo,;~~ itido pela 1f':i~ f~ord. Em 1968, eles ganharam notoriedade no Fes-
tival In~e;{j _hal da 0 •;;~:ÍC), patrocinado pela TV Globo no Rio de Janeiro.
,:..: '•
Iaj,i { · ::erri1{1966 c~dí<x,mn análogo brasileiro ao festival de música de San Remo,
~t~x1~J.i~,. . ..;,;_;.
da l~JJà;'~íS FIC era u~çon;(;urso nacional para selecionar uma música brasileira para
çp' _··_i&r em uma · ·"j ~tição internacional com cantores pop convidados do ex-
f~!:i~ft) Durante s,i;'.~-:
Bis primeiros anos, o FIC era eclipsado pelo festival da TV
. R~ ord, apesari~é'.Pbr servido de trampolim para artistas emergentes como Milton
,"tweí-"' , "$+4/! .
11 Veja Má'riél~le~;iµn ie, O trópico entrópico de Tropicália, O Estado de São Paulo, Suplemento literário, 4 abr. 1968.
153
Christopher Dunn
~~\V.:F
Gilberto Gil partiu para uma nova Ji™1,a, mais na base do sensorial e da
emoção do momento, da invençáo.{flç ~iÍ"~erivou para uma linha mais afri-
cana, mais identificada com a ,:.,,; música negra internacional, mas
não está. sendo entendido nel'IJ:i'pe
:'>·•· ..
.7{1blico neQ.jt;RP! mim ...Agora na base
. ~,... .,,_,. ,_~ -; ·:'
do grito desordenado, ex,µbot~::Q:Ú' busque a Jriit\~f}aêle e a desordem, não
consegue agredir ningm~Ihiz ·· _,,~onsegue e_g.f{ ~~r"hinguém, não consegue
·-1 ,,, ;;":~':.".~;.::·:::-:.:'-". ' ·,.
-~-4fjt~k--. :\ t .•x
Motta se ref~f~ âf~ ma compo~;~-Ç~)1trtírica, ''A falência do café, ou a luta da latà',
lançada como l~tftf B do single ' tio de ordem" em 1968. 13 Em sintonia com o
espírito de~j~~d de Andril~: ;, O rei da vela, a música satiriza a decadência dos
barões d,. '1f~?<:1:~ São Paukit~i~~rbada pela introdução do café instantâneo enlatado.
' ...~~;'•~.
•·.
Mott~):\-· · \iava a sátira ~â!~iÍ~tocracia latifundiária, mas ficou perplexo com sua tran-
·..·;,~- . 1;_}· rY· < .-~~;;}
. ,f ·~;com uma bªqJ~!;;j,~~uma calota de automóvel, Gil de barba, bigodes e cabelo black
ti ~:~. J rower grita2~l~:;~~~vras em desordem, não havia música, não havia ritmo, era tudo
,,,.,.•,.,'<''''''"'" '~t~
12 Neh; "·" :'' ua, Para onde vai Gilberto Gil?, Última Hora-Rio, 14 out. 1968.
13 Am, . . mgies foram apresentados como faixas-bônus no álbum de 1968 de Gü incluído na coleçáo remasceri-
i.â'ifit;J#¾pio Geral, lançada em 1998.
'"·•:"',:-.
154
Brutalidade jardim
_,;~~;:~t~.i.k?·
Gilberf-õ?~J
•,":i t:.-. . · ,;,
apresenta "Questão de ordem" nas eliminatórias do Festival
Ir;t{\?lJ*ional da Canção de 1968 (Cristiano Mascaro/Abril Imagens)
,~jJtti{{/ .,
155
Christopher Dunn
de Jimi Hendrix, cuja influ J5tde ser º1:1: ;,<" ] ~ "Questão de ordem". A letra A
critica o conceito de "ordem:,~ {f~rma com~~ 13ijl;vra é utilizada pelo regime e pela
esquerda ortodoxa: ''Njcô}i!fiirando palr;1vrd~1, rordem / para os companheiros que
esperam nas ruas/ J?~fi1> ''!.tão inteir~}fi'' ..z,itie do amor". Claramente influenciada
pelos slogans con~i!l .filiais do Pr~w~it?~iM undo ("faça amor, não faça guerra''), a
música defende,. HlID.ª política infep~i~jg:rl'kl de anarquia. Gil se coloca corno o "co-
mandante" qu~~j~) o povo "e~fd~:~ do amor".
Ainda fi?:~S importante fokt,,} iíf~entação da música de Gil no TUCA durante a
1
rodada eli4li.JticSria do FI~ "' '''~"0;tL• ·a uma túnica parecida com um dashiki da África
.::,,, Í:;;.?/' -'•l"':.:\~' i{·! ;
roupa. P ' i[~? Eu não quero ser aferido pelas minhas letras, minha música, muito
· ..•.,:-
' ·· 'ftfcica, O sentido de vanguarda do grupo baiano, Correio da Manhã, 24 out. 1968.
' do autor com Gilberto Gil, 23 maio 1995.
156
Brutalidade jardim
menos pelas minhas roupas. O arranjo é como a roupa, a apresentação é uma parte
integrante do espetáculo, o espetáculo é o espetáculo". 16 Como muit~ ;~trelas do rock
norte-americano e britânico de sua geração, os tropicalistas sabiam qx, ·½hiiÍ>s, roupas e
cenografia distintivos ou excêntricos eram elementos-chave na pro~if~9¾\ie no consumo
0
deles, Guilherme Araújo, foi em gt~t1i,::p arte resp<:>t\~ri: pela criação do estilo de
' \iblica. 17 ~ fi' . ,:,~;:;_sões teatrais das apresenta-
roupas dos tropicalistas e sua im~~~i:p
ções musicais foram deseny:Ç>l-vifl.i }~ ais extens;une . l ypelos Mutantes, que usavam
«-::::.,~ '(J.:/:~1 ·:.~ , d7J;.
roupas temáticas especí9.~ ', . "}uas apr~~J~fs° nos festivais. Quando tocaram
"Dom Quixote" (basead~'fi . l o do esp~h~fi:i2Ie rvances) no festival de 1968 da TV
Record, os irmãos Bap\¼~Jff.:_se vestiram
• ,• / '/ '·' 4't~(_~~;
@m'.61~Jfu Quixote e Sancho Pança e Rita Lee
. ,/<P,$.;~%,-.,:
estava de Dulcme1a. êL. ,,:-t <ri}
t-.{~,.i: :.l . ~~-;;~!, '-':
Também foi significativo o fato g~J}ftJJntroduzir publicamente um discurso sobre
a negritude em r~J~~i.à sua músi9:lilÍ:Q~) beta e crítico Affonso Romano de Sant'Anna
sugeriu uma r~JJs-J§';~ihiilar em u~~tigo escrito para o jornal do Brasil, ao dizer que "o
tropicalismo;,rri~ssibilidades jJ}\;,$;ger alguns dos ideais de negritude, na exata medida
:~t '\i'~t:~ ·•'é.~ -·:4 :;~.:-~- -
em que co'' '.~~ •'a miscigfn' _,,.~..tt@pical como um fator positivo". 18 Ao utilizar o termo
"negn~;'. $~r'Anna ·~~?' ,>,Ejt especificamente ao movimento literário e cultural da
Áfri~ Il f • ifona e do G~iQ~t bessa forma, é bastante curioso que tenha associado "ne-
gij; ,.;<•)~~lk ~m "miscig ., ·.~.,,: ·~~opical", considerando que o termo, apesar de contestado,
t ~,i'" ' .
· t~;\!r!(t)i!fu'1Gil escá falando ~;1yai,~ e festiv;tis,fornal da Tarde, 28 set. 1968; reproduzido em Gil, Gilberto Gil, p.33-5.
· "•,<::17 Para uma dis ,, •.,;;,,,,:,~ijb're a influência de Guilherme Araújo sobre o estilo tropicalista, veja Silviano Santiago,
Caetano Vel · to superastro. ln: Uma literatura nos trópicos, p.143-7.
18 Sant'Anna,,
.·">,.
· mo! Tropicalismo! Abre as asas sobre nós, jornal do Brasil, 2 mar. 1968; reproduzido em sua
coleção dê' , ,,,, , Música popular e moderna poesia brasileira, p.88-96.
157
Christopher Dunn
'¾."PII ,;;:::;';J;,;;,t
19 Vei~;J~i;,discussão de Nick Nesbitt sobr_e o neologismo "negritude" em Appiah e Gates, Africana, p. 1404-8.
20,~-t$t~~·;ições em estúdio e ao vivo de "E proibido proibir" são apresentadas na coleção Caetano Veloso: Single!
(1999):·
158
Brutalidade jardim
em primeira pessoa na voz de Dom Sebastião, o rei adolescente de Portugal, que morreu em
1578 combatendo os mouros nos desertos da África do Norte: "'Speraif~ no areal e na
hora adversa". Depois de cair "na hora adversà', o rei faz uma proclama ,; ·· ·,e/\ '/ ca de retor-
..1,:1 :.·
que veio ao ~~ "'êõ&fi sua band ' ·rô'tk, The Sounds, e decidiu ficar no Brasil. Na
qualidade "'"~,isico envolvi,~:}§_iifi as contraculcuras norte-americana e brasileira
no fun d · . · ade 1Q6Q.,i·Kl?il ttbran proporcionou uma interessante análise com-
parati~it ~,-~: ®.i.s cont~1~t~;,~~Í:~urais: "Muita gente se sente agredida por nós, mas o
-;iNtt ~ ~ ;:s· ·-:~~f}tA
que;~fõltfce com Ca~~t11°'::i éonteceu nos Estados Unidos com Bob Dylan. No dia
.. ..:·• -/ ".<:-, -,•f.:.·:. ,.,
'·""'·'J3ob Dylan r ··, "'•' . com as tradições musicais - inclusive canções de protesto
· a grita g_~tãlA
=:;,~,\,,.
1á;,.
. ·.
Da mesma forma como Dylan provocou a ira de puristas e
. ·,v:·
,;s'lw
21 Veja Luiz ~ ;. ... ciel, "É proibido proibir", Correio do Manhã, li out. 1968.
22 Veja O 'Ip.pdi:'e:.,ptt>ibido dos tropicalistas, Veja, 23 out. 1968. Nesse breve perfil de Danduran, ele é identificado
-•·'l--: · .,.-··' ';:;"",;,
erroneameiitê'êõmo "Johony Grass".
159
Christopher Dunn
160
Brutalidade jardim
ainda mais o apoio da plãtéia. "Cam· :'.)fo" expressava um novo nível de militância
na música brasil(é;{i\lf protesto. ,At., \}}ta não incluía os tradicionais apelos ao "dia
que virá' da t@iH~b futura; a;i~Jâlia dos verbos era no tempo presente e o tom
era de urgê_ ''"~,:,; música in~,., · -
~,b público a se unir em uma marcha coletiva "se-
guindo a Y i,,,. Vandré co~~idji~ à resistência armada: "Vem, vamos embora / que
esper , _,.. . _;~i ~ber / q~t
:. ·•,i;;'.:~~,faz a hora / não espera acontecer". Declarando que
"Pe~9t ~~pos há ÍOIT\~,. em;_gf~des plantações", a música ridicularizava aqueles que
P~li~rffe~~ de pass~,i~í;~ "indecisos cordões", acreditando em "flores vencendo
~tç:~fião". As pas,fjlit~~~;imbólicas de protesto e o flower power foram inúteis diante
dc;~}~rças arma4~ 11fi última estrofe denunciava os jovens soldados utilizados para
' '., ,,.;}t&~lt .t,;;;;i\~;·;~~t:'i'
·-~~'!'•
- - - -,{? -} \.
""o
23 Para um~_. · .... do discurso de Caetano no TUCA em 1968, veja Fonseca, Caetano, p.91-2.
24 Essa aprêi~:ãt'.:iijb ao vivo de "Camínhando" é apresentada na compilação GeraÍLÚJ Vandré: 20 Preferidas.
161
Christopher Dunn
,1:~·~:;> .· .,,
A platéia no esrúdi01J~l;f±ttt1:~ Gal Cos{f e~i,s ua apresentação de "Divino
. ·,.,~•,i~•;-:~\-l -·~,~{:1~,f~jfr'
i}'""':lti ~ityii·
reprimir as demqr1"'s trações, afir1}1ili:i · . ~e "nos quartéis lhes ensinam a antiga lição/
de morrer pelaff , e viver se~}t~ç/~"
-:,~. --f~~-,....;,.•'f::.J.· __;,.t:~ ··~..zr 1
\.
Quando foi '~'rftinciado o eri~ttro lugar para "Sabiá", a platéia explodiu em pro-
testo, per. \Z".4flo, acertad , ?f;fi~,3'..que o júri havia sucumbido às pressões políticas.
O júrij~:C ":I)onatelo Q:·, '\ o chefe da Divisão Cultural do ltamaraty, que mais
25
tard$:(J~,f;:à. imprensa "'. '.::: ;iminhando" era uma perigosa música de esquerda. A
crí tfia
..._~,- -,.. ..,r;..-
. .._
·,,:... ,- ~...
41:FVandréJ ~l~SÍJ»,,1fi ·militar era particularmente perturbadora para os oficiais,
·, ·.•,;'.-/ \:: ,.,.. -.6{\~r.. i l~-- '{x,':~~~,i-~
..i,-
1r2?t~~;tt:
,':'" ·,:~~'')i,
25 .)(;j-.i\:(serie de artigos em Correio da Manhã, lo our. 1968.
26'i'A\i~~1Halfoun, Caminhando com Vandré, Última Hora-Rio, 5 out. 1968.
162
Brutalidade jardim
rido para garantir que a música não vencesse o Festival. Depois, policiais confiscaram
o sing/,e de "Caminhando" e as estações de rádio foram proibidas -4f;,transmiti-la. A
música de Vandré acabou se tornando um hino popular de oposiç,1;::~~.cyiocrática ao
)/~·V:/<::/"'._:,
governo militar 27 .o/ ./ / '),;:e ·
. i;;~ f/.{':;jj~~:
Logo após as finais nacionais do III FIC, um artigo de autoriát!:at}ôn'iina foi publica-
do no Jornal do Brasil elogiando o secretário de Turismo de ~fi· . ~6'[ ra. Denunciando
"a imaturidade de uma parcela atuante do público que insiste ~~~ir{~ar a manifestação
artística como ato político de engajamento ideológico", observava que o festi-
val era importante "não só pelo seu conteúdo culturaj;~i;§:J:õ"':~ e ele representa como
divulgação do Estado e do país, como também pela dpfiJhidade que oferece ao povo
carioca de congregar-se numa festa de alto nível ~m..,rorno de valores autênticos saídos
das mais diversas camadas sociais, numa confratiiíl1~ção que repele qualquer modali-
dade de preconceito".28 O artigo revela comqg~~!~~!ridades locais percebiam o festival
0
de música. O ID FIC era, acima de tudo, ~J1:i cldSÍ;uário intelâ~jgnal da cultura brasi-
~ ~
leira. Como a vitória brasileira na Co~ dôéf~jEÍ'rido de 197Qf j~ja para mascarar o fato
d- •~
~:, ..,. ~.'.f-" ' ", .• -.. -,,., . · •;-
>,~oooooooot,/ ~'.(;:q
um liSTIV4ltt
,:.:_:'''<-.~i (,f,;.-._•.•
1
•" flÚ{IOl ffl'êl>IOILIST.fl
_.\,
. "'~i ,¾\~~~fjJ~}t;t:'f
Apesar de em grande it,tf
sitropicaliscwtétêi1 se ausentado do III FIC, eles domi-
naram o festival de mt.ifi!: de 1968 da.i;;' i> ,: - t~rd, mesmo sem a participação de Ca-
etano e Gil. Esse even,1(;··~ ~Í~sionado t~ ;~fitl\tnhou o surgimento ·de Gal Costa e Tom
:~~~~f;~;_~;~t}' ;~~~(J,t., .
Zé como personalidade.ftropicalistas,.!JJ;â'rrt-{dia. E também revdou a extensão da inter-
venção tropicali ·:t:fi,tf ultura naci. -~~·.·7::~ bs termos de Pierre Bourdieu, os tropicalistas
tinham trans(g~ã~gt«o campo ~ '-:R i~dução cultural", mais especificamente o campo
da música R~ ~r'brasileira. ."\~: y
.\,~· . . i,::~t,;_ :
1ill1cia dos tropicalistas era particularmente evidente
:}~~-
entre artist~:;-1,i~s joven11- c · · ly e os Kantikus, vencedores do Festival Universitá-
.- .,.,,,,:<,·,... ~>./0: ,. ' ..,..1..
:t;:rfNSão Paúlõt~Wº
-;;~.. '·r,1Ti!:~
iê-iê-iê "Que bacana'', com a efusiva letra "Chego em
casa~ sapatos pr9::t~ tor~/ 6 na cama num salto-que bacana!/ Ponho um disco do
C~ /Veloso, leio/ · -té gostoso----que bacana!". Os críticos do festival da TV Re-
j~~;,;[)i: .,.,s
;;;;·,\\;;}![\',
,.à;} .,.,:it;:~\\J-
·, ·'iJ.7 Mais de uma,,~â:(f~ passaria antes de "Caminhando", de Vandré, ser apresentada a uma grande platéia. Em
1979, a can,ç ·..,:·• · .. mpositora Simone apresentou a música nos importantes eventos culturais do processo de
abertura p,p ,· . ,.•
28 Veja notii~1~a, Música e política, jornal do Brasil, 1<> out. 1968.
163
Chriscopher Dunn
:~t't·
t"fl ;" ) ~\
Rita Lee, de Os Mutantes,;\Je~iz~ (no cenrr9fe a,i tlSmpositor e arranjador Júlio Me-
daglia no festival de __ m~i';~":~é 1968 da~ RWÉifd (Paulo Salomão/Abril Imagens)
JÍ!'Zí,!~,"r, "~l::ilt
cord reclamaram que a ~~oria d?J paj%'i_c iahtes estava tentando imitar os tropicalistas.
Vários críticos lajr{'ci~aram a amp11i/i.iríÜ'@l'fão de estilos performáticos típicos da ópera,
~fi, '.\i \':;<~ '-:.'A~.J-1,,- :,
instrumentos el~tfttiBs, efeitos esp:'$.i?-itf extravagantes roupas multicoloridas com base
~-,·· "-
na estética .ff{)pi_calista (Bourd_~ ,t i}Y93, p.30-1).
,-~ .1./.• } . ,.s,:,,-,:. ,··.r.--
_,,~~i:t~çilistas men_~ p~fdfam o incidente com elogios ambíguos a Chico Buarque. Tom
[t'{;t.:t/,é, por exemªli;:â'isse com ironia: "Eu respeito o Chico. Quero dizer, tenho que
i? ·-t-;;•,;~!W respeitá-lq/~ri'~, ele é meu avô". 3º Por sua vez, Caetano negou qualquer conflito
~l;;~;.v
1
':&c¾~Yf°'
29 }:1,if~J.'Zr&
Buarque, :\'em coda loucura é genial, nem toda lucidez é velha, Última Hora-Rio, 30 nov. 1968.
30 \ieW•:€WHaifoun, O YOYÔ, Úlrima Hora-R:i.o, 30 nov. 1968.
164
Brutalidade jardim
entre ele e Chico, mas observou que "enquanto ele fala de supernostalgia, eu falo de
super-realidade".31 ·'rt{;it>
O festival de 1968 da TV Record foi uma espécie de evento d~/,l~~ento para
Gal Costa, que realizou uma eletrizante apresentação do rock "QJ~i1':tiriaravilhoso".
Antes desse festival, ela era conhecida principalmente por sua cola ;,;,%. com Caetano çã~
Veloso no disco Domingo e sua sublime interpretação de "B~'t;" . . ó' álbum-conceito
tropicalista. Era devota da bossa-nova de João Gilberto, , ··· 1iPocasião do festival,
:.,!!
no fim de 1968, também tinha se tornado uma ávidas:_ ... is Joplin e Aretha
Franklin.32 No festival da TV Record, adotou a persorjii{ i~)JJ;cif audaciosa estrela do
·.-:f. _..;;( . "}:·;;~--
rock. Vestida com uma elaborada túnica psicodélica 'ê~tada com espelhos, ela se
pavoneava pelo palco, tocando para a platéia e({);~J:ltuando cada refrão com gritos
/-}( j, \ ' - ~ \ ) : ~
a plenos pulmões. A platéia do estúdio do Te~t(~taI''a ramount reagiu com aplausos ..,~!.~.'<.., ~;~•;,•
no maravilhoso" ter obtido apenas o,:tê''c_ .,,_ ·,1rlgar, Gal C'~}ffi'~~ iu do festival como a
diva da Tropicália, um modelo para Jif/ n$;:·.
. .;~"5l/
toras. cJ%1~::.~filw:
·1:;~t-\
!:!:~,;:·
Record com "São São Paulqf,;J 1í\w!,~J~o em seu arim~fr6 álbum-solo, de 1968. A mú-
· ,t:--J... ·;"-;;'~.:.,;, . ,.-,·~- ·.•i:t-~
inspirados com tanta (riq,µência pela ~tq~ .·. ·:•ão São Paulo, quanta dor / São São
Paulo, meu amor". A , 4;i!a
começa qii\:l{iii"a série de paradoxos sobre os habitantes
'\-":t~t:Y.if::< . '~;!,ff ~;.• ,.
urbanos que "se agrjdem' cortesmen'.t ~;1::'~'~}amando com todo ódio", na "aglomerada
solidão" da ci~!!'" ,~;;,.;
são Q~; ::~Hhões de habi :es
.,. -.,)_~?~ · ,, ..,__·~ t::,1.J"~t;•
agl a solidao ;:e!{:'::.::>, ,-,é,,,,
ffi,bt+ll1· '-<~kaminé~f;~~;_;;~f
..;,: -.,.t. dos a prest~ : o ,,;:-,;:-
,;2,tfi1~lj ôrém, comj!~::,J'l. ::;-~~eito
,. '6r2, ,•.,./,:te carrego t;J;Q'ftl~l'f
/:,tf~' ' :'l~•~fb-::1'
1
·.,-.... \.
peito
\\bttJ /;/,;;;,:ri,,,
31 Veja Caetano qi1g a· música útil, Correio da Manhá, 27 ser. 1968. Nos anos subseqüentes, Veloso negou veemen-
temente quaÃQW;.t;ity,;ilidade entre os tropicalistas e Chico Buarque, observando que a polêmica se devia em grande
pane ao ss;p~ "'•·'tfismo da mídia. Veja Veloso, Verdade tropica~ p.230-5.
32 Veja Norci'!i.-<}t. Rego, Já falo com as pessoas, Última Hora-SP, 12 dez. 1968,
165
Christopher Dunn
Ele retrata São Paulo como uma antiutopia ultramoderna onde "crescem flores de
concreto / céu aberto ninguém vê". Em sintonia com a oniprese~~ do sensacionalismo
. ...';·•-->~. .
da mídia de massa, uma estrofe adota o tom de uma manche~t ::,4 é ~ blóide, relatando
o aumento dramático da prostituição no centro de São Pa~p(if{&doras invacüram /
todo o centro da cidade / armadas de rouge e batom". Trectt~t;,ef~ música foram censu-
,.....,. ••. · ·~t...:.=
rados, incluindo os versos "em Brasília é veraneio / e!I\1 ~lt5;,f âulo é só trabalhar", por
,.-,, };_.
terem sido interpretados como crítica à inaptidão d~~1µtõti.aades federais em Brasília.
O fato de esses versos inócuos terem sido censura . · "Divino maravilhoso'', "4.~ to
que apresentava uma crítica muito mais punge~flir{1l~~Íp~ vada para o festival sugere a
natureza arbitrária da censura durante o regime ~fár.
O outro sucesso de Tom Zé no festiv~t;;d.5;.,1968 da 1V Record foi "2001 ", que
retoma o filme de ficção científica de Start}~..'Kubrick, 2001: Uma odisséia no espaço,
,1;'<:J._ ·•-~t-).'
lançado no início daquele ano. Essa f~n~ '.i.ª:'futurista foi composta como uma moda
de viola, uma forma musical tradicwn:U\
,::,~ .".
1[ São Pauloi- ~ l., com interlúdios de rock
.-~-~ .,,.;.:,:r
pesado. Os Mutantes apresenq}'fã:m,J ~ :sica com G;.f.B~t,~9 'Gil no acordeão e Liminha
•.?•·"', _.,t,--.\' ··•:-; ~~,: ~-
i.i· na viola caipira para criar um -~~i~ ~l u ral. Rita ~if:i,.~~va um teremim, de fabricação
caseira, para produzir um st ~ ~t:rtji:Sterioso c~_rf(~,_, c, jl que costumam ser ouvidos em
filmes clássicos de ficção ~ <;:~ Êa (Calado,J}[9~?~' p.244). 33 Diversamente do filme 4'•,::f~':.f·
'\' ',i\
. :1~,:r·.'...;._7 ·5
/e;.; Como ~l ~~;uta do filme de Kubrick que é transportado a outra dimensão ondt
{~;{,_;;" simultan~ fe vivencia a ptópria mone e seu nascimento em um ciclo sem fim, Tom Z..
,, ,:f;~~,, "
3~Ji~~fc:I'Theremin, um imigrante russo nos Estados Unidos, inventou esse instrumento, muito utilizado nos ano
6õ~pe1Ós Beach Boys no sucesso "Good Vibrations".
166
Brutalidade jardim
baiana e estrangeira. Se a música parece uma viagem futurista e dtji;r~~~· vale notar
que paradoxos similares de espaço, tempo e identidade são ençf,ii irj; Á[ôs na cultura
·-=/tl::rr _..•!•;
popular nordestina, que sempre fundamentou a obra do artista " .·.•· n, 1994, p.113).
Tom Zé integrou a fantasia do espaço-idade na própria con,~;Ji1.~içl~
_-~ :r·.~
~ircular de tempo
e em sua própria identidade complexa. . 1,;::rttf·
O evento de 1968 da TV Record voltou a confirmar{J .·... . ::: onia tropicalista nos
festivais televisionados após o desastre do III FIC. .~~ ti~l f;Jfo, o festival também
marcou o início do fim dos festivais de música televiii~uiãdos, que foram tão impor-
tantes para o desenvolvimento e a divulgação d~:M~J~ durante a segunda metade dos
anos 60. Diferentemente dos festivais anterior /rc ''•:•p~nto de 1968 da TV Record foi
submetido à interferência dos censores do g{J.. ;~i.34 Devido ao clima de reprçssão,
muitos músicos que haviam conquistado ª Il.:r:6.sos do p~pirct~;i esses eventos televi-
sionados deixaram o país e os festivajJ ctç . "êa entrararn.,'Ê ·') :cadência. A estrutura
/,ht0 / i.V . ·<,::~,.-;;{.__.
de um concurso musical, no qual cõ'rtt.1;..; " . ores sub~ zj.~~hias obras para ser apre-
sentadas e avaliadas por um júri . ~cialistas, P'½' 'da ve:z mais obsoleta a al-
guns artistas e críticos. Hélio Oit!i~L . v; çou uma ~ JllR?-raçáo com o mundo das artes
1
visuais, observando que osi;(eStiY,~;{tâ e música ) ão' s~fu.o os salões de arte moderna e
-~.,;:?,, -· ,-'_.'~;-:• · -0.~·i .:~_;;:"..
as bienais: velhas estrun1,e,~:qt1~,se tornam·:'ê;~ . .~~,mais acadêmicas e sufocam quais-
quer inovações". 35 A decl~!~J'1do agente .ç!:ó . ôpicalistas, Guilherme Araújo, talve:z
tenha sido mais adeq};!:~t a: "Os festhi !J>. :.;;i l~m muito desgaste. Primeiro porque
não foram recebidosltQÜ)!~ o que são,,,~fv@3ttfade: programas de Tv. Foram recebidos
como competiçãgl ,d~.t:z brigas. N,_..: ,:;{:~ de as pessoas estavam lá para ganhar o seu
dinheiro" (Tinh!K
:r-,
Jt
1981, p. 1
,_:;.r -~·
~~f~;.,., ·'.berro G il, por sua vez, observou: "Não gosto
--~--·· --:..•~-:1::.}"
dos festivais.,,l fi~ flria que exis.. ' ,üina coisa mais livre no Brasil, uma grande feira
de músicatcl.~1!.Í ugar grand~(; .. Jr~re, cada um cantando o que quisesse - como os
festivai~.. ~~ti~ de N ~~ fQi~li~;it:stados Unidos. Muito sanduíche e Coca-C olà'.
36
Os fe '"tf~1d2'sWoodst~t .. pi
Ilha de Wight de 1969 poderiam ter servido de mo-
delf-3\, ,,;,., ~/ um festival;;~ R_mQ, ~se, mas na época a ditadura militar tinha entrado em
~:\!1;;iJir{iÍfmais repres~yi'i~füamais teria permitido um encontro de jovens a céu aberto.
'.1{:iNi.fi) .;;;~i,fS'4.1~·
j;,,, )f,r~Jil
:~t~tki~~¼"-.;">'.;r·__ __
'·34 Veja Censur , ' Ka parceria, Última Hora-Rio, 15 nov. 1968.
35 H élio OitjS~i"'©Z$entido de vanguard a do grup o baiano, Correio da Manhã, 24 out. 1968. Este ensaio importante
foi p ub~ ·•· ' •·,Carlos Basualdo, Tropicália: uma revolução na cultura brasileira, p .245-254.
36 Veja artlg imo Tropicália quer cantar ao ar livre, Última Hora-SP, 10 nov. 1968.
167
Christopher Dunn
·~:};,~::?~tfY ~: iÁ,"
Tropicalistas se aprt se~&~fi%:em seu prograAf~:'.n 'á TV Tupi, ((Divino maravilhoso",
no"·,~ ?-fã?1968 (f-a..ul\ ~,ajõmáo/Abril Imagens)
,.,1',,1~ii~::,;~~1{i1;, .~;: ~\~t;~; 1f
;1?;;,~.. '~~-
º ;,?(.
Festival Int9~nã~ional da Car(?~~:H~t·TV Globo prosseguiu até o início da década
de 1970, junt~~ o FestivaLWn_i~~}sitário amador transmitido pela TV Tupi, mai
os anos d9}1,l:!*µos dos festivai:ii}f;;;i.ísica já tinham chegado ao fim. 37
-/i~{ti :,l~!;~'~
.;,?it<t/'2 0tr(f~{ -11.APP-fnlnG{ T~0PIC.ALl~TA{
,f:_;:z(, ,,,,,t:~i:N'
tfi¾-t~0:,)'h época, qn e e&ãerano estavam se tornando mais famosos por seu espetáculc
_,,~_z1~;ri:ifformárico 4~~~#~or suas composições. O conceito de happening ("aconcecimen-
~~;:~":j~: {~"], fund~iijijr"\ia produção cultural nos Estados Unidos na época, foi adotadc
~~//:; :'' pel~:: ;~e~~f:lsileiros para descrever seus próprios experimentos. Os rropicalim
3:~~~rw;J~ informações sobre os festiYaiS do início dos anos 70, veja Ana Maria Bahiana, A linha evolutiva prosse
g!i'é~'il'ínúsica dos universirários. l n: Bahiana er ai., Anos 70.
168
Brutalidade jardim
foram um dos primeiros defensores dos happenings espontâneos envolvendo uma in-
teração polêmica com a platéia. A provocativa apresentação de "É ~lfilibido proibir",
por Caetano, e a reação enfurecida da platéia talvez tenham con~li~la:~,,o primeiro
happening envolvendo a MPB. J'.,:f .,:·:J:t ·
Enquanto a TV Globo e os órgãos oficiais produziam o HÍÍ~JÇ: ros tropicalistas
encenavam um evento alternativo no Sucata, um clube nqiffi:~"~ o Rio de Janeiro.
Os shows no Sucata, realizados nas duas primeiras semanas.â~~ti~ubro de 1968, mar;...
caram o primeiro confronto aberto dos tropicalistas coi .~kµ,toridades oficiais. Até
então, as críticas irônicas à cultura e à sociedade br .
j ,{ :it ; .;,
11
' em grande parte \~ am
passado despercebidas pelos censores. Conforme relá't;Q>$ da imprensa, os shows no
Sucata eram espetáculos caóticos realizados toda~t~§<"noites, envolvendo um alto nível
de participação da platéia. Durante um deles, .,-.,;, Gil apresentava "Batmacum- ;;hro
ba" com Os Mutantes, uma mulher embriagá , .:·.,,levantou e começou a chamá-lo de
bicha. Logo Gil e os outros vocalistas co~'êç~iffi a cantar :'. ,. · ' •.t§l'-cha, bi-bi-cha-chá'
ao ritmo da música, neutralizando,;;ffe'' c9,q il tbtramento ~. '" ., o e incorporando-o à
apresentação. 38 Enquanto Gil canii~lfiif1tmacumb~' · ti:f\ti:ma outra noite, Jimmy
. ,,';'.)..!, ~ -.'
Cliff, que tinha vindo ao Rio de J' l_fp'' para reprs,s . J ª Jamaica nas finais do III
FIC, subiu ao palco para canti'.lt~'.. :f~·~Ie. 39 Trat ,i>• s~ :de um importante momento
'}:,f\\~~)- . -~r~-~1
precursor de todo o traba\b,9 ·~.w,.Jf reggae qu~ G' · ia na década de 1970 e do en-
•;.:.-r \~. ·. ~~-':~:v~.. .-~, ·.
volvimenro de Cliff com.a mtisica brasileirlt'k~,, ·
Nos últimos estágio; ;)â ~;h\iiimento, a,;;~~(itopicalista manifestou a tendência de
afirmar a marginalida_,9Jt.~ocial como po.~~ri~Isit'ação a uma sociedade desigual e mili-
tarizada. Representa' l iJ voráveis d~:i~~ ~ ginal" que se recusa a se submeter ao com-
portamento sociaj_nor~ ativo cons · , ,t;:,it)wna longa tradição na música brasileira. A
figura do malart, ff ~ diloso que _~ · . if sistema (ou pelo menos se desvia dele) é um
-~0< ·•/5~
)/...-4/Y . J? ,:~
elemento rra ·" iôrlâl dos sambâs\~ ~ · ·e o início da década de 1930. Obras pós-tropi-
calistas suk::t,. , >:;fites, de l 9~sf~~àw;i~
o filme O bandido da luz vermelha, de Rogério
SganzeriJ;~~i:~f{oul-sarn~ :'
:{f\,\·... . "i,.,i;.~.y:~;;;.... -,:~f}~~~t.·_ '
-J~:i!~
Ben "Charles anjo 45" prestavam homenagem a
'{/:/i
foras::lài l~jivi'Vé::ndo às ~ p.s da sociedade.
,, ~~ ação da m~al:tdlde era particularmente central na obra de H élio Oiticica,
9µ~;~õ-r ou por um . · •na favela da Mangueira e trabalhou em estreito contato com
l r, ~osa escola ~ :::~ ba. Ele era amigo de Cara-de-Cavalo, um bandido citado com
tj;~qüência com~ti '.~ çimeira vítima do notório Esquadrão da Morre, um grupo de po-
,,,,. ,/tt.},f;i}p' '
- - --·~h;:·;!!~ti-
38 Veja Suc;.~çi}i1i:,:J Mi'.ga noite de loucuras, Última Hora-Rio, 11 out . 1968.
39 Veja as ~â~':iiliônimas, Comentarista da Jamaica e Bastidores, Últim,1. Hora-Rw, I 4 out. 1968.
169
Christopher Dunn
bandeira era um "protesto contra uma mentalidade brasil~§ ~{\~.f tem no Esquadrão da
Morte seu fiel representate e que trata o marginal como ~~tf~
...... ..
~-~'."4º _,,_ _ ~
não gostou da bandeira de Oiticica. O agente q§i .,., .PS?;Carlos Mello, denunciou a
bandeira, observando que a inscrição deveria se/ Jµi ~da para "seja estudioso, seja um
herói". Essas objeções autoritárias e condey:'i~éIJ.as à obra de Oiticica eram ridículas,
em vista do fato de que a mesma bandei~~~~~,ritacabado de ser exibida em uma expo-
sição pública patrocinada pelo governqf~pt1,stado. Guilherme Araújo provavelmente
•''\, ~.'-):-,i~~~ ,. -~·~
estava certo quando mais tard<:,, dif~~ p! ii' a impre~1f"~~1~ o agente e seus colegas
denunciaram a bandeira paral ií:w{ç&sfonar as se~ ~~ ,-,que os acompanhavam".41
,:-,~t,.-~~~ ;_•_\'V . ~~.(~~,.
Bravatas masculinas à parte, o 2'6'ihp;9h amento q~$\ij{K-re também deve ser entendido
{~~'~r~(;.... ·••.. r1 -~~.';' ·-'i_~:JI
no contexto de uma repressãe:<?~ vez mais ~tt <lt~_~ por parte do governo.
Os tropicalistas cede~\~ 1-í ;.~ tgência do de remover a bandeira, mas Cae- ~t~Ie"
tano denunciou o censoíitdurâ:hte o show.e foi Ím.ediatamente acusado de "desacato à
~~J\., . , if/•·~··· •· i.J~ túi
autoridade". PosteJJ~rif.í't~te Caetan6tsJtlffe~~ u a assinar um documento prometen-
' -~-~\·,;•,l~-,~•l'J!.\--j. '-1 ·<J?,~;n,,"
do não fazer discursos·Titi'provisados/3.ur~ 1~ ,r~
é:e os shows e seu contrato com o Sucata
foi abruptame.11:.~~'.-y~celado. MM~8J#<fef\im locutor de rádio de São Paulo, Randal
Juliano, entrou\~m;,~ ntato COII}}~f!~foridades, alegando que os tropicalistas haviam
parodiado q_,p.in; ,~adonal nqt~\J?'ta, em uma interpretação com guitarras elétricas.
-::l;•..-~:'f\- J ,_~ :7,{:"-~-:._.,,,
Apesar df ~~~Jno ter neg~4#t~.p êo rrência dessa paródia, as autoridades militares pa-
:'J't -,_~·-,}· -~·•·: -\~~ ,~ ,,~-
reciam ,t f.. iJevado
,_._,..ri,.-•
a acusaç?d:a,;_-$, ••
ério e começaram a monitorar os eventos tropicalistas .
"1•'1r- _ '_ ., ~:
.t{~ /~113:J;:
t~\f:~,;1tt/
.,·''.__.·.:-~.::·~
. ... ','
.;~·:.;_.·:·~_::_•'..,:._._:· _;;. ,{1
40 Veja SÍ.wv/d.-l'é:aetano pára mesmo, Última H ora-Rio, 17 out. 1968.
41 Vcji ~~Jjp:targinal, seja herói, Última Hora-Rio, l 7 out. 1968.
42_1;~ :d!)dÍmentos foram encontrad os nos arquivos do D epartamento de Ordem. Pol.ítica e Social (DOPS) do Estado
dtsíí:&,iPaulo. Veja Armando Antenore, O tropicalismo no cá.ccere, Folha de São Paulo, Mais!, 2 nov. 1997.
170
Brutalidade jardim
dia afetuosa da bossa-nova da pr~ 5-k~$ ~ração, cit_~c:Í9[fi sicos como "A felicidade",
"Lobo bobo", "Desafinado" e ~ ~®'i;:gã de saudad~'I,; hf.·música refletia as profundas
:{',.. . ~;.~~.,, {:.:.:>~ \~f!§~>
transformações políticas e .<;~ .,•~~-
~ ~-:~, 1··~ ocorridas desde X':;,
J958, quando João Gilberto gra-
·--;:!.-~
vou "Chega de saudade;·-,:.•·t~}·~t1.~
~•e, l~...--; ...., u o movifil~tl~f;clâ-hossa-nova.
-,,-....-,_~/ ,
Ela fazia referência à
ligação dualista da bossa-~~itf~bm o ot~in~ft~cional e a inovação musical "desafi-
nada" em relação à ~ convenciofi'ã,~i~:fml~a da era da bossa-nova como um ale-
gre carnaval para a n~~Ei1,(~ ue chegoU;{~? '[ iH' com o golpe militar de 1964, marcando
oinício de um~;Bff l?~gada "Qua~'f~tl{~·de Cinzas":
:'> '\~t~;:i' ,.;f~?~i;~_:••<
eu VO~~_çepois
•· -;:;-;;,~,,
...:~~:~},-l -,
,~:V.-
quâ!rtàtitêffa de cinzas rífõ'.f~~ís
.s~';~;*Í~ dissq~t~fcis;,~:~i;-/·
1.frftf ~lntegraram ao sd$-:.pós imbecis
!ji;, :·-~1(' :,t;z- .eft~~-:- ~~-~
J;.:>;t~ -final da mús~ l i-aetano entoava repetidamente "chega de saudade". Na can-
f.~~> i~B;âe Tom Jobi~ !ê~ rucius de Moraes, essa frase se refere à separação de dois aman-
:\,.,. _ __J~- Na músid [~i,Çaetano, ela funcionava como uma renúncia literal da nostalgia
'·\'~itfuelancólica;J j-@(füiciava a busca de novos rumos criativos. Quando Caetano a apre-
'!'{:~.
sentou enf'.1Q,lvino maravilhoso", exclamou "chega de saudade!" ao final da música e
·,f .,.;.-. ~
anuncidut.· ~4:tp úblico: "Vamos mostrar o trabalho que temos feito. Uma tentativa de
171
Christopher Dunn
~ Dl;JÍ:~1'í'c~UI
q,:~•iw
Paulo, começou a escrever cartas de p~~Yi~w à TV Tupi e o show foi cancelado.
11•í~jfA0
;V
, ~~;{{
.f"fVé)j Chega de saudade yê, Última H ora-Rio, 30 out. 1968.
172
Brutalidade jardim
niosa do Brasil. Ramon Casas Vilarino revelou vários arquivos do DOPS relativos à
prisão de Caetano que o descreviam como "marginado [sic] viciad6J~ drogas", uma
descrição que era falsa, mas provavelmente de acordo com as pew~;~ii~s oficiais da
imagem de hippie do artista. Esses documentos também indi~ ;j~f''as· agentes do
'-:' ..... '''. , ~~'
DOPS acreditavam que Caetano havia planejado incorporar ,;~\% :M;Iino Internacional
Comunistà' à música "Tropicália" para o programa de telev~r: "'"!ida, paixão e bana-
na do rropícalismo" (Vilarino, 1999, p.88). Como a de~~~ãfã e Randal Juliano ao
show no Sucata, muitas dessas alegações se baseavam e ,, ,,,,.,.;, es, mas proporcionam
evidências convincentes de que os militares viam gs\ 1c;l istas como subversivos
-;,:-_,
cido em 67, durou um aó;t ,;t?tí}Éles não sabt 9;que era tropicalismo, se era
. ~::4:--::~t:\ . "·&/· ~1.
z(;;~/ .,.
l~":.
173
Christopher Dunn
5;::i~!wi' ~::::~:;::::'º
º\,:~fw
Paúlinho da '(Jgl¼7:tt: Zé Keti
ii,\(tffeatro Teatro Copacabana
cit
44 Vale expli
;;+t1· referências: Dom Helder e Dom Sigaud representavam as facções progressista e conservadora
da Igreja ,~ t .· . no Brasil; Rogério Duprat foi o principal arranjador tropicalista, e o Maestro Carioca foi um
arranjad:iá,Ê'ê ''Ifâff de banda em produções no estilo de cabaré; Kosygin foi wn burocrata soviético da era de Brezh-
, ·-:~Çavakauti apresentava programas de variedades na TV que aspiravam ao "bom gosto", em contraste
~bículos populares do Chacrinha; Zé Keti foi um sambista induído no programa musical "Opinião" e
o ·. pacabana era conhecido como um teatro "burguês" no Rio.
174
Brutalidade jardim
apresentava frases de pêffó'h ,, ades com dg~tio Duarte (um instigador do grupo
baiano), o escritor exRsrimental José;,~ •J/b de Paula, os cartunistas Ziraldo e Ja-
guar, os cineastas Gl(~bij1Rocha e Rq< ~ Sganzerla, o ator Renato Borghi, os poetas
':tf/{§~:~-i ~f~ i:,:,.?;? ··.
concretos, bem corno ·o·· grupo baiap.O"',:~ : f:Caetano, Gil, Torquato Neto e José Carlos
Capinam. Trac~y~g-~t ao mesmo ,F. :f''i,ij,:;J;t ie um resumo da Tropicália para as massas e
_:··.:· ·•JiV~~--,:}(" . ::3 _·
do canto do .çisrí:ê;·<fo movimen-': .. . 't
:lt1}5?~~~-'. ~--~-· . :~l~
Em re,e~f!?'.êlto, a promajg ,,,.' do Al-5 e o subseqüente desfecho do movimento
tropicalis~ r ·: eciam 7~r
.,.- ._, . ---~1,;,_. •·,
~~ç~âl
"=~"-•''...
--~ir:,!,;_,.-,:~ -
o fim dos anos 60 como um período cultural no
.......
Brasil.iiiAt~êN:là tinha êõi~J:,çââo com experimentações radicais e otimistas na mobi-
::t"<'í\I,:--~ -,~-' ~'>-"j._Jf~'
ÜZq, .:[ õ\j'9lítica e no ,tRvi~tJlº cultural, impulsionadas por um governo populista de
· a. E acabot1Jt;~., a consolidação de um autoritarismo linha-dura, a margi-
{{~'ft, /i 41,"}j;'\..
. ''<: 45 Para mais de~&~õ:bre o AI-5, veja Alves, State and Opposítion in Military Brazih p.95-6, e Skidmore, Politics of
Military . · ,:azih p.81-3.
46 Marisa AJ '~llma, Marginália: ane e cultura na idade da pedrada, O Cruzeiro, 14 dez. 1968. Esse artigo foi
reprod .:+:e;, , ' livro de Lima publicado em 1966, de mesmo título.
175
Christopher Dunn
chumbo" ou simplesmente "o sufoco", expressões que descrev~ ,,~ '-t,lima restritivo
vivenciado pelos opositores do governo militar. Nesse período,1 a destruição do gf~tri'ti'
movimento de guerrilha numa operação que dependia subst~ çj.J'rii:e nte da utilização
-~i.~:;~t~ .... :(:t•. --~
de tortura, além do exílio forçado de professores, jorn~~ -e ·artistas da esquerda. ,\f~ .. :}f•
No governo de Emílio Garrastazu Médici, que assum~j 1 1ji t-ê'1idência em outubro de ,1'
4
1969, o governo autoritário atingiu seu auge no Bra$ir'• i&~y:,
.,:4~
~
:~~~r:·;~·
~ ~--f
r: t2;' ·-'().,
l~i.RMl-11(0.({ J,:f.l:@.Pl(-ALIST.flf
.,~i:,;~(1r;;:,::-:i:
Caetano e Gil ficaram presos duranté ~oif rmeses no Rio de Janeiro e depois con-
denados a prisão domiciliar em Salvad.8t. ~1ês
de poder~fü*cl~xar o país. Nas vésperas
de embarcar, receberam permi$.~â~,cRt
? ~·--·
ãf{~resentar .:iit~
t:;,,:,,, ...
lbo~ ao vivo em Salvador,
.:.l.t'-'; ~"(" ~'~
't
rsj/"'~~ ···~tt: · ;~-- • 'i/:::,.i
chegava ao fim com a prisão ~d1~1:ê~~ artistas, 11J;~{t ~}r,rJ€stética e suas estratégias conti-
nuaram a orientar e fund~~ f '<i' ' produçáo <\~J~-~ l no Brasil. Em 1969, Gal Costa
f lançou seu primeiro áll:i,:~ ~~~~'com algu~J de ~?t s sucessos do período tropicalista e
"'
i
composições de Jarq~it~ I ~ e Jorge B~ 11t is?:;_fiados do Rio, e das estrelas da Jovem
Guarda, Roberto Carlos e ··Erasmo Cáflos:~:ver imagem 5 do caderno de imagens).
•' • ~;J"~:: · n~~.:
l~t~Bà.
·~: .-:.. ..,.,~,.::~.'
176
Brutalidade jardim
o poeta Gil / que negra é a soma de todas as ç:·_ / você crioula é colorida por natu-
reza". A celebração da beleza da mulher negfr;~~~;J~rge Ben -~··ª afirmação do orgulho
racial relacionado à nobre-za africana anteoliav~ 'um dos te;qfiill}pminantes na música
j i:ç-, ::t}~';-l~'I;..;:?~'. tt::~}t'!.<~ '
afro-brasileira da década seguinte. Cfjri~f;~êtfuio observq~;.,-"J'órge Ben não era apenas
··;._:f.•.f,:\'-q'..i'•·~--'t/,;; . V>':<~:~ ~
'\~f
l{--:';o,.· '":/;'.f.,:~ , -:S:..-:
mergulhar em rock pro~~¼i~~:i década dé~t ~~.~&}8.f u melhor trabalho foi registrado nos
.-. •.,.~,/;~~)>.?'~-'~~-b - . ,,,, : ~"-1-i~~:.
três álbuns gravados entre 196'8' e 1970. -~;''tno:·ji banda que acompanhava Gil e Cae-
tano, Os Mutantes reB!~ ~ taram um có~~ .{e-chave do lubrido som tropicalista. Em
1969, foram convida~ ~:,~~~articipar dq;il:, uêfite festival do Midem em Paris, onde foram
calorosamente r ~f~id~t como um,f Jf~i1~! de rock vanguardista no mesmo nível dos
1
Beatles (Calad9,f)Jt~~~ p.165). De,y &l~lSão Paulo, Os Mutantes assinaram um lucrativo
'\;:?~!(§-'-;'
l{i_.-:;· :-:(j,\\ -~<:.-f._~r·
contrato para~ àr 'quatro coll}êfbf~~ de televisão da Shell para o mercado brasileiro. Os
comerciais ·1 '':'-~ ig~tavam brevi$" ) i~os narrativos baseados em músicas d'Os Mutantes,
como ~'N"• •<i~'ante nqt\J,,W~~~~~Ío vá se perder por aí" e "Dom Quixote", uma música
que y~t'.~id~"l rerada pdl8§~~~ores no festival de 1968 da TV Record (ibidem, p.174).
Errt;l,~G9Êeles tambémf ~ iparam de um musical, "Planeta dos Mutantes", escrito com
,,:,· · '''~\\;,,.ppino de f, .._, tordo romance experimental Panamérica. Os Mutantes sur-
/j.k '~ corno a ha4.i 'Wl.rock mais aclamada do Brasil, atingindo sucesso tanto de crítica
:f~~~l{i!:~ mo comerciatt · :ira Lee sair da banda, em 1972, para seguir carreira-solo.
47 Veloso ~ f.~~8ue ele e G il admiravam profundamente a música de Jorge Ben, com referências específicas à música
1
"Se manck"'ffi5''álbum de 1967, O Bidú. Veja Verdade tropical p.197.
177
Christopher Dunn
O álbum de 1969 pode ser considerado a leitt.Ír:j:)pêssoal que Caetano fez da expe-
riência tropicalista por apresentar a espécie qjiti~~~aposições lu'bridas típicas do movi-
mento em sua fase coletiva, mas sem a pre.C?~Íp,içi~ geral de alegorizar a modernidade
•1:"-';:-~•; ;-,. . -,;,
de compor uma "~,~t> singela, bra,.iêi1~para uma mulher: "Eu vou fazer um iê-iê-iê ro-
mântico / U~)MJ~ic;;;;_putador S~Q;~;gilntal". O verso seguinte, contudo, parodia o gênero
--~~(-•!;;,.;.\:-:-- ~':o ' • -:~<-;;-~; ..
das bala~ ii-~ ~ticas quandf il ;i~zfnarrativa anuncia que sua canção de amor é "para
:..?.;, . ,.,,,-..•:.,:,,,., __.;,.-_.,._, ;,._.?,,,
gravar ~~sêô. voador" d~,"fo~à que sua paixão possa brilhar "como um objeto não
iden~êi-~fr ;-rio céu notur,i~l~~t~ ª cidade provinciana. Nesse ponto, o ritmo se acelera
e a .~~t~~~ amor;f .:,:"":;i~t~e perde em meio aos urros de uma guitarra elétrica distor-
.1 ..-~-!:!;):_"'.> ''r ,-. ,;- .•
. .,.,...••. , .;,\. •
q~'',i~ ~refftío final te ·:,::~a ·com a repetição de "como um objeto não identificado", um
1/i~g que ao mesm~gfefi1~~ transmite a distância e a ambigüidade de seu amor, bem como
1
178
Brutalidade jardim
uma bossa romântica bastante orquestrada apresentada em seu terceiro álbum. Como
resultado do incidente no festival de 1968 da TV Record, no qual o;G llif ~postamente
vaiou sua música, Chico Buarque na época tinha se distanciado d$1~,jpi~stas. Os
.-.} ·-;.! :'/,--:;;•
Íw,:i,é;\
11
•
R~~§i' "~
,>¾8 Veja En~? tfü:ÍÍÓ;~ co Buarque, O Pasquim 16 (9- 15 ouc. 1970).
49 Maciel pubJ!.ç ó'~;.çssa correspondência em seu livro Geração em transe, p.223-41.
50 O texto _dl.:fc!:í~~ sobre a polêmica em relação à sua interpretação de "Carolina", "Nossa Carolina em Londres
Secenta",V~ ~,-chegou a ser publicado em O Pasquím por medo de o artigo também ser mal interpretado. Ele foi
publicado p~~t~riormente em Alegria, alegria, de Veloso, e em Geração em transe, de Maciel.
179
Christopher Dunn
Quando estava em prisão domiciliar em 1969 ele também gravou um álbum, apre-
sentando várias músicas compostas na prisão. Como o álbum p~~~9picalísta de Ca-
·,\lf!f '-
etano, o disco de 1969 de Gil foi mais tarde orquestrado com~~ ~Jbs de Rogério
Duprat, apresentando o mesmo grupo de músicos de rock. Ür(~hJ~\ontinua repre-
sentando sua mais audaciosa incursão no rhythm and blues, W~}(.9~k psicodélico e na
.~,~~t}t,;. !,.::;/·
sido violentado na base de minha condição existen~iM~ meu corpo--e me ver privado
da liberdade de ação e do movimento, do domíí~ ~pleno pe espaço-tempo, de vontade
;l"'r (-:,~r ~
e de arbítrio, talvez tenha me levado a sonha?;&~m ' substitutos e a, inconscientemente, ,.,,: ' ..~ .,.._ ',. - ~~
pensar nas extensões mentais e físicas do h'i~ib::~·.,, (Gil, 19_96, p.103). Em uma dessas
1•,,,,. -.(•ffl; ,\~ J\•••J,-':~
~<'.d~-a
.f_,.:;..! '. _d.
180
Brutalidade jardim
similar a um slogan, repetido várias vezes ao longo da composição, que expressa uma
contradição fundamental na cultura e na civilização no sentido ilú~1;nildo, universa-
lista (i.e., nas artes e humanidades): "a cultura/ a civilização/ el~ilY,~;_! \ ianem / ou
não". Nos versos seguintes, Gil propõe um entendimento da cu_ltiliJ~~Í fu~ as práticas
comuns da vida cotidiana. Ele cita aspectos da vida na Bahia cq~~;l;);~~r
,~...
papo e tomar ~ . . ' •, '
licor de jenipapo com os amigos nas festas de São Joáo, co ; _, :r;~ coentro e deixando
o cabelo crescer "como a juba de um leão". O projeto t~J~~ta tinha chegado ao
fun e Gil estava começando a explorar temas de identi \! :Jt:~~soal.
. -~_/{j /
Rogérj~,r~gaite mais tard'ê ,,., )\'i-eveu o contexto brasileiro na época: "Na visão eli-
tista d)t rifiqí.l~via ~~,~~;â~ pseudonadonalismo purista, que era aquela idéia de
noss_ _- . \t riÔ'Úlo, nossó'~~ba autêntico, tudo isso como se fosse uma forma estagna-
. ~~> .. .
da;. , ,' Hfstinada a llill'.a?r& esso de transformação... O momento internacional na era
'-''.~:-:..:._-:-'.•: __,:,.\if,;i.., ~, i '!é• .
181
1
;
Christopher Dunn
4f· (J':~~/ tle televisão -~pfi1~,-qual os guardas da prisão cumprimentavam Gil quando ele estava
'>{~;'?½'éf preso nof~?i~fde 1969 (Gil, 1996, p.110). Tratava-se de uma exuberante expressão
de aleg{;~i t'âriTíte do desespero provocado pela repressão militar. Ele dedicou a música
a Dç,fi'ihliCaymmi, João Gilberto e Caetano Veloso, três compositores e músicos baia-
1•..1•i... il';. .
182
Brutalidade jardim
do governo considerou a música atraente e útil apesar do fª'jff ~ Gil ser persona non •.. ... ,,,.J,
;e/1i~;j{t J~i,;.j,,,'f,
'''53 Em uma ca9;~t:~O-·tle novembro de 1967, o diretor do museu, Ricardo Cravo Albim, escreveu ao governador
Francisco ·..- \ ,ç e Lima dizendo que a premiação poderia representar um "verdadeiro ovo de Colombo em ter-
mos de B!!1? __ ''dê, repercussáo popular e originalidade". Essa carta pode ser encontrada nos arquivos d.o Museu
da ImagifüiX ·:~-Som no Rio de Janeiro.
183
Christopher Dunn
os brasileiros, mas pelo menos podiam siht# ;rsem medo g~J-ê~n§ura e da prisão.
O argumento de que a dom~ç~9~p;~rialista e ojf6~no militar escravizavam
; ~ : . l,.. ~•-{1ts.~ t,•?~:~,::<, .
todos os brasileiros, ind.ependentrtne.~yê de raça, _füi; ~~Stentadó por artistas e inte-
:·/,t;r ~-..r .· .(~ ❖~• -:
lecruais de esquerda durante a dt~ldg. 'd e I 960. Ain r,pq.b.çáo de I 965 de Arena conta
Zumbi, pelo Teatro de Arena/ ~~f {t~~mplo, aleg§f!~ a resistência ao governo mili-
~ -~: \•,.' ",,< -:;;.\';-'1,,.:f:i_,t
tar com base na históri~~-&•~~bi, o líder -~erói/ ~·-de uma comunidade de escravos
·--4;'- ~,- ' ...... ',.\.
"'-~4:xl' ,.t~~iib
•, ......
54 Gil, ~ ~1~{{,:ii;_Aceiro = Receito, O Pasquim 16 (9-15 out.1970); reproduzido em Gil, Gilberto Gil, p.43-6.
55 Velt f lf~-?i'ii:' de Arruda Campos, Zumbi, nradentes, p.74-6. A produção apmentava atores brancos cantando
bossas:Íáfut>as populares de Edu Lobo, como "Upa neguinho" e "Tempo de guerra",
184
Brutalidade jardim
ram cada vcr. mais ~~s;W~i;las irônicas ~f •. ,,~ções televisionadas e pelos "eventos"
,.:,,•f••-i-.'_V:"'•;·.•':'"., ,-?:.-;-:,- ,,·:
185
itt:{f:.;'ifi;tt >-
orno projeto col~t~v~.~ ;, Tropicáli~:}~l\~i~ôti. ao fim em dezembro
de 1968, mas hj~g~,;_;_ artistas emergentes identificados 9;,\RI
com uma cor -·,. · '~ t,? iós-tropical{iti'.jaa MPB. Para o grupo baiano
:· ··,;'):,,'~ .:tf;
e seus ali~ .:·Rio e),,.:.em.-.São Jaulo, a experiência tropicalista
>5;t , ·· fk ~\?'
contm,,µ_qúií'~rientando stf\; · · · tde modo difuso e não sistemático.
,,>\::~,~1-~-/~r~,.:t;,j ·J?, ·.-:- ~.,,.-.
Com o Ató'' lh.stitucional '"' ero 5 e a intransigência do governo
militar, o contexto c4Jt;t1.r~ e político ~ftü;-{it'UtHTu.mente alterado. Apesar do contexto
de repressão e censuJi/: ~:J ossível arg~~Íillfr
.,._.,,,,., ,.,,,.,-,:,i,,.
que a música popular brasileira foi a
área mais resisten,J...da produção cµ~J}J:~.hY.Os artistas incluídos na segunda onda da
., ' ~1' .-; r_j,'' '·0:t··
seu" ::" ·~ €':g a Esquinà' :f5't~ jlziram impressionantes fusões de jazz contemporâneo,
roe . ·• ';&a, nueva can~ión~il~~ino-americana e estilos musicais tradicionais de Minas
G,~:tiiit \Ü ma nova g€ff~' de "cantores universitários", como Ivan Lins, Luiz Gonza-
~t.;. -~i>,1;~ ,;;.•;':;?.!; .• . ~;,·>.:.
:!j.'
\L
-----,;~...·-~...~·~x0~
1 Ana MariiWall'i~ta, A 'linha evoluáva' prossegue: A música dos universitários. ln: Bahiana et al. Anos 70, p.25-39,
Christopher Dunn
exílio, em 1972, Gilberto Gil e Caetano Veloso consolidaram sua posição como artis-
tas populares e intelectuais. Tom Zé, cuja produção pós-tropicaki.~Ja discutiremos no
Capítulo 6, continuou compondo e gravando, mas permaneceu 1 ':-tii.'a.:.t,:gem da MPB,
.\~\;:,:_;.;;; ,
de MPB Elis Regina gravou um dueto c~ i-B.;_çantor de soul Tim Maia, que antes se
aliava à Jovem Guarda. O uso de instr-i:únetltõs elétricos ~,til<,>,,arranjos musicais típicos
/)).' :~. . ,}~~ "''':'t~·"
do rock parou de provocar granq~ '--co,# itplérsias. A t~rnou ao mesmo tempo ~Jm~~<
menos controversa e mais heterâ~~ife~~ l,â medida 9,'&f ,:~ ,;~t,tistas se dedicavam a proje-
. ·.t•t,J ._~_:-;. • ½.,r1·~.
tos individuais com menos ansJ~~aj? ';q uanto à q{~"~; ~.: do nacionalismo cultural.
No início da década de ~~t';f¾experiêncfj\ ;,~icalista também foi o principal
ponto de referência pa.i,:,..i!:'.• J•~~~ ~:d a classe rnédi~/fttbana
-.........;t•G!: •::; .":"'.\.
que se identificavam com a
incipiente contracult{!ra:{.qR Bràsil. Ape~,a f.àf~\çptkados por não articular uma oposi-
/";.:;~A.. ~ ,~-. ~J;:f.S;i"'·"'~':;.t\,..
" :'.i,i'-~.... ,.:,
mas, convergindo, êin algwis c~~p}f qmi novos movimentos sociais e culturais. Gil e
Caetano maiÍ~ ~ram um di~!gk~~ârticularmente produtivo com as contraculturas
musicais ;~!!.? ~Í'.5f~ ileiras, qu~i~i'{t~naram sua principal fonte de inspiração cultural e
polítiCjf~&r ãnos seguin t~t )í:~i periência tropicalista. 2
J"!;rt;, "'t:.'i{'.:'~~' ~
;;;,t•;e;~~~-- . f~-'SJAS-: .fl (0ITTiSTA{.fl0 410 li(,lffli
(;t'i~; ~~:~-~ . 1'i5~rf};}F
.ç-1,1 \tjJ~rr/· Com o es~J:5'êlé~imento de uma censura mais ampla e a ascensão da facção linha-
rt. _A; dura dos ~ ~' o agitado contexto cultural dos anos 60 deu lugar ao que alguns
.\5).W,itf ,.., iyl:~ú;it)(i>
1
2 Veja_,;
.... ,,., ~
,.:,
s ão de Armstrong sobre a Tropicália e a múska afro-brasileira em Third World Literary Fortunes,
p.20'5;;:.1:ÃzY
188
Brutalidade jardim
críticos descreveram como um vazio cultural, no início da década de 1970. Após a pro-
mulgação do AI-5, em dezembro de 1968, o regime militar intensifid:;q\J; OS esforços de
silenciar a oposição e monitorar atentamente a produção cultural. f\1aj~Jlltrinta filmes ., ,, -~,...,;~•.·-;,,.t.
e quase uma centena de peças de teatro foram proibidos entre li?9•:{tl97i. A música
popular também foi um alvo para os censores que interditavarti~ ; .. 'f..'~:-- . .i~i'-tf
almente centenas
de músicas desde o início dos anos 70. Antes de gravar, 3
eram obrigadosqf ~ cas
a submeter suas composições ao Serviço de Censura Fe~!tlPât~ obter aprovação. A
censura intervinha no processo criativo de alguns compd~tsi~~1:forçando-os a elaborar
e:•vl:i e - -~-
uma linguagem poética cada vez mais sutil e ambígua ~~ij',j prés'sar a vida cotidiana sob
~,( ~li :,;' -'i\
o regime militar. Como a.firmou José Miguel Wisnik, atf:Rúsica popular se desenvolveu
i,~~
para se tornar uma "rede de recados" transitandg::.:.~~}l:.~ os artistas e o público, muitas
vea:.s submetido ao radar dos censores (Wisnik/1'.kt..B~ana, 1980, p.8).
O mestre da crítica política e do duplo foi Chico Buarque, a estrela dos
festivais de meados de 1960. Com exce~ o· <f~l tun breve ,eili~do de exílio italiano
de 1969 a 1970, Chico permanecei''ns/ )~ ;t ãfil e rapid~~t"f··;e
•..;,;.'~:~:f.'!.".: ~~-••
consolidou como
_r~•.,,.
grande~ '~q4.a:l¼eguindô'l~tfdas músicas de protesto dos anos 60, essa canção fala
;>..:--;,,:••C ~ ... • -~•;,,";-
~k~)
4
~:•;~!~~,"'
'•' L'.'3'A crise da cul~tt':iiille}í-a, Virão, 5 jul. 1971. Para uma análise da censura e da música popular brasileira no início
dos anos 70,..ve~Moby, Sinalfechado, p.127-43.
4 Veja a enrr~J k ~'@:.:Chico Buarque com Tarik de Souza em Viia, 15 ser. 1971. Essa entrevista foi reprodu'lida em
Souza, Rl/ftM2"tâi:rtos,
~T
p.61-8,
189
Christopher Dunn
~
çf:}; (.AR(~)J,0 ªIU0
,(;;i:"',i~~,
Sob o r~ij~~.fj;Médici, o f&Õ,fí:(Ydeológico e de coerção dos militares atingiu o
l};:~~i
ápice. Ent;i_ij?Jts e 1974, a/'Wtt~.~~·mia do Brasil cresceu em média 11 %, com a aju-
.... . _·-...:,<::,..,):.:, _,;-::"'::,t...... · ..,<:
da da d;iâmiHêa expansã<i.J1ijctllf.strial, agrícola e de exportação de minérios, também
''-'" IJ;•·:·; '! ,. '.~
190
Brutalidade jardim
cias concretas para milhares de brasileiros que foram e~ J:";rt~ país ou optaram pelo :i~º
exílio voluntário, para evitar a prisão e a intirnidaç~c:f~;J isf~Jf exilados estavam políti-
cos da oposição, líderes estudantis, ex-guerrilheiroi ~:;4:~dêrnicos proeminentes, escri-
tores e artistas. Vários dos artistas mais impor:~ ff.S identificados com o movimento ~ . 'ti. ' <,,;:·~ .-;•
Oiticica dividiu seu tewr,éft~tre o Rio e'•~ ~~¼trk, onde continuou a trabalhar com
f,---~?w·:··~·J .-~~...; ..., ,. , -:::•\>
arte experimental e amtíênt~:· ···::··tt'f!> ~t
Em 1970, mui~::: 4 f-5 maiores esttel~
:r{i:--.,~,.r,::, / .
1;drt MPB, que haviam se tornado famosas ~;i,..
na década de 196~,jJJitavarn viv~ :. '!R:p exterior por razões tanto políticas corno
profissionais. As coridições de era , r-;~?~tpara os artistas brasileiros eram precárias, já
·.//';.,:_;.. ,; J.1,.,.
) que a indústri~',.-i::;\
.°Sf;~ri_9gráfica
•- .....-•-:;;
nacj;·:
_
,,.,_J 'ê"mostrava cada vez mais dominada por artistas
11· -~~9 ;:-.
>,
)f
",;;:;;::;;, ~J~;
e
ff5 P~4 uma análise da.t1l:f@~fla Copa de 1970 no conrexro do regime Médici, ver Giberro Agostinho e Francisco
i\~Yík(r,;rulos T. da Silva.i · · ''''jj~ morrer.
l- § ;P~steriormente, . a década, Gilberto Gil viria a parodiar o slogan patriótico em "O seu amor", uma sim-
e ,,. ,Jl;"t ples evocação ~o afetiva ("o seu amor/ ame-o e deixe-o livre para amar"), apresentada no álbum Doces
lo if;{,':;tf-: Bárbaros. iy,;.,
la 7 Em 1970.A e todos os discos fabricados no Bra5il apresentavam artistas estrangeiros e rnuiros outros eram
versões r.,b ' de suces.ms internacionais. Veja As duas invasões da música brasileira, V.ga, 11 mar. 1970. Veja
rambé@r , ·daAutran, O Estado e ,o músico popular. ln: Bahiana et al., Anos 70, p.94.
191
Christopher Dwm
posteriormente foram seguidos por Edu Lobo, o organista Walt~p;: · ~derley, o acor-
deonista e arranjador Sivuca, o percussionista Airto Moreira :j}Vct;~,1~-ta·Flora Purim.
Outros artistas da bossa-nova, como João Gilberto, Carlos 1-Y.~ f Leni Andrade, mo-
raram no México por um tempo, ao passo que Vinicius di M ~ta~ e Dori Caymmi se
mudaram para o Uruguai. Chico Buarque morou e t~~~i~'.fem Roma por mais de
um ano, participando de uma turnê pela Itália com !~q.~~Í~? e a cantora e dançarina
afro-americana Josephine Baker. Outros músicos ,t ~/?tw:tofçados a sair do Brasü por
razões políticas. Geraldo Vandré, autor do famoso ~ífo de protesto "Caminhando",
seguiu a trajetória de muitos exilados da esq~ ,i:,ga, fugindo primeiro para o Chile
.,. :if~ -~,):..;.,;..::
socialista de Allende e depois para a Europ~{q4~ do Allende foi deposto e morto por
. ~-~~;~'G, :'l 'ló • ,,
sem sucesso, forçá-lo a c~ni~ f ~ma músi~,;.em afrôio à Rodovia Transamazônica, um A,~ t . .._ : ..~~ ._•. ~,
~-':J-'!1;•:.
:"";:-,: :•+~:,!)1-J '
Apesar dessas ~ ~rf*isitas, o ex#fr 'â ~JCaerano em Londres foi extremamente an-
gustiado, esp~çi~ ~ ·~~te no . pri~~~ i no. Ele enviava comunicados periódicos que
1 ;--,.:..-· ✓t'\~J _ ~-!~~ -~rt<.r! ~·
eram publi.g f~2ii 'ª revista CJ_,J lif,~/tn. Muitos desses textos se referiam a experiências
cotidianas~t,"swinging L?,if.cr~f
e descreviam o cenário musical local, como o fa-
0
,;.i 1
:.,fi%t.l~ porque o d,~_rtseguiu. Gilberto Gil e eu enviamos de Londres aquele abraço para
);:f. .•. ".~
J:, .àt esses caras. ~âó;ijhuito merecido porque agora sabemos que não era tão difícil assim
~t{{Mi~11f -il:if(:\;t;Ji'.
.,i,,~7\\~
;·: ..,...:'"',i\{: ~-(";,:";;
8 Essa.~ ~!~ relatórios foram reproduzidos em 1977 na primeira compilação de textos de Veloso, Alegria, alegria.
192
Brutalidade jardim
nos aniquilar. Mas virão outros. Nós estamos mortos. Ele está mais vivo do que nós"
(Veloso, 1977, p.49). Caetano explicou que a última frase foi uma:ri farência indireta
a Carlos Marighella, o líder guerrilheiro assassinado pelas forças de ·•'.•,t>:fmça logo de-
pois que os baianos chegaram a Londres. A capa de uma revista "aà.presentava :t/ ;,
a foto do cadáver de Marighella ao lado das fotos de Gil e Caef 't. · .no exílio (Veloso,
1997, p.427). ;J} ~ j~:f
Várias músicas do primeiro LP de Caetano no exílio,.;FQffi(f)'In the Hot Sun of a
Christmas Day" (Sob o sol quente de um dia de Natal);}t rii'i t~~ aludiam à atmosfera
repressiva no Brasil, no Natal do ano em que ele fq.ji::' ,,:,J 'Ívfachine gun / in the
~t?' ·;~- 2:}1.:,~:
hot sun of a Christmas day / they killed someone elsét J!-'f the hot sun of a Christmas
day" (Metralhadora / sob o sol quente de um dJ;i;;d,ç, Natal / eles mataram uma outra
pessoa/ sob o sol quente de um dia de Natal). '~~,w1'tienovas composições em inglês,
-,,;•,:~~ .-.,\4,";;',:;
Caetano gravou uma longa e melancólica tj·' 1 de ''Asa branca" (1947), o clássico
baião de Luiz Gonzaga e Humberto Teiteir~J:q_~e narra a;:;f fifttria de um migrante
rural forçado a deixar a amada dur ;tit "'' J:f' terrível se ,-:;;\{'iit,,Ú1terior do Nordeste.
O narrador promete voltar assim ' ;/'i ff erde dos ofü.g,R,·, ,j: amada se espalhar pelo
-.: ·_!::r;;: :~<.'t=•'·' - -; /.,_',~·.i},
193
--------
Christopher Dunn
de recusa e alienação de Gil foram registradas em uma música escrita com Jorge Mautner
chamada "Babylon'', um termo utilizado pelos rastafáris para , _ otar um local de
exílio fora da terra natal africana: "When I first carne to Babyloµ, _~ t~lt so lonely / I
;/']~-},~~{;,___ -..:"
felt so lonely and people carne along to mistreat me / calling, rifÍ~;~·Ç?1línany names in
~i•.l· '':::-v.,...;j';:
the street" (Quando cheguei pela primeira vez à Babilônia ~1,~~'tf tão sozinho/ me
senti tão sozinho e as pessoas vieram me destratar / me xi~:Íf\~~ftle tantos nomes nas
ruas). Por sua vez, Caetano se tornou o primeiro artis~ B'r,~~tl~iro a fazer referências
/'f~r"}~~
explícitas ao reggae na música "Nine out of Ten'' (1'-J:§.' vé~~ --p.
\~\~·-·. ~.;~~:
cada dez), incluída em ).~
Trama (1972): "I walk down Portobello Road to th, 'Jig Jõf reggae/ I'm alive" (Eu
caminho pela Portobello Road ao som do reggae ~ "<,,/ti ;i~o"). Apesar de ambos os /f'
artistas ainda registrarem maior afinidade mUJ>}S~ e;~ o folk-rock anglo-americano,
sua condição de exilados políticos provenien .}''''d€stimpaís periférico em contato com
imigrantes caribenhos abriu novas perspe~;f '" ~bm base na diáspora africana que eles
exploraram posteriormente, na déca~tl~;IÓ. ,t(~;'P
(0L.fl~RS:1i .P.flllffllKtW0{
, ,:;;~e;~ 't'½fi'
Em Londres, Caeta.n,t;\d ~~Jrj_féio a novos_~xp .. entos musicais que radicalizaram
. :1::-0~, ":.~:,~~l:i' • . ·,- -~~•~:.t
ainda mais a estética çl~ c'$~em da TróJti . -~th segundo álbum gravado em Lon-
dres, Transa, apresei:t!tti}'€;ifuposiçóes J?l'Í ·s em inglês contendo breves citações
da história da músic-a brasileira. TmnsJ;
:l.1(f:{(b~--
fó:1,idG. um "mosaico de referências" sem uma
.. if:/f,h·-·_--~t::-:·,,..-.:.--
única pitada de ~~s~jbamento i:Hriêl\>t{Chaves, 2000, p.74-5). A primeira faixa,
"'"":-1<·:,:c~..- · ·fi::.;r:X..,,_
"You Don't Know Mê" (Você nãµ,,roê{~çmhece), citava músicas dos anos 60, incluindo
, 'Jf'·'; .,,p}:;,:,.c. . '
"Maria Moit~tiLx,ra-Moraes),,11
-~~-~':, _.. "_·~-
'? _ ,. (Lobo-Guerra) e "Saudosismo", composta pelo
. :-~-· .,,_.· ·-:>
próprio Ç~\.i:;iii{fEm "It's a/:Ê~J2g~Way'' (É um longo caminho - uma homenagem
>:-Af,Ji....,, ,.;··~--:- · >.:.:❖t~-:,;,
a "Long:~lWinding RQáéU. Õs Beatles), Caetano citava músicas de sua infância,
., ·>t. ·-:~}ki': .....~ t/; .,,
indum')·~,.
\t,9.;, ~íX lenda..;çp ~~~~~~Jt
""-J:,:·.--~.. . ,.f.~,.-.....
de Dorival Ca.ymmi. Ao utilizar a técnica da colagem,
.••.-j ·,.\:- ·-;,
\w,i~:e::;.:;~,.p.2~~•~:::::,~=t~a~:i;t:e~:~::i~~!:F=~~º~~:~:P~~
--:·1~• ' ·,
mente .él.. ·· _e mercantilista e do clero, Gregório de Matos acabou sendo exilado para
a col@h;i, p ;~guesa de Angola, de onde vinham os escravos e um local conveniente
~,,,.....
194
Brutalidade jardim
para enviar excomungados e críticos. Em ''A cidade da Bahia", Matos lamenta sar-
casticamente a corrupção e a decadência da capital baiana sob o ~ ,!);.p:ole de colonos
avarentos e comerciantes portugueses. O soneto alegoriza a Bahi~tfffrh.q/uma cidade
em ruínas após o declínio da indústria do açúcar. ~- :,t
;_·,
tfv ·
•)~)/·
195
Christopher Dunn
cita um cântico litúrgico católico à Virgem Maria, seguido de lY.?,Jr f~ferência a urna
"bandeira branca enfiada em pau forte", símbolo comum em ~éif~~~'\ de candomblé.
:'~-~ ts,.w
No final da música, as camadas de ritmos são velozes e abmí.~-~t~,
- :,:.-
lembrando a at-
mosfera de um candomblé, quando os devotos começamj ,r,-ê'~tclf em transe e receber
~1- ~
os orixás. "Triste Bahia'', de Caetano, representa o qu~ .Rôb.,ert Stam chamou de "es-
,111, i.
tética do palimpsesto", um conjunto em camadas dc;!:(;â~h~ culrurais superpostos ou
~,;;""Í.;._- -~- =-~· ·~·
justapostos de diferentes épocas e locais (Stam, 19t;l1::,[~1']ftÍ~ pesar de começar com o
lamento de Gregório de Matos pela Bahia, a músi~~~ifé aetano sugere a possibilidade
de recuperação por meio das expressivas cultW,:i¾, afro-brasileiras.
Caetano radicalizou ainda mais seus exp_;~¾~~ntos com a estética de colagem e
palimpsesto em Araçá azul, seu prirneiro,J:ljl?~~exílio, de 1972. O araçá é urna fruta
tropical que Caetano colhia na infâng:;r~ Jtrf ~ão existe.q)/&zyªçás azuis. A música traz
1t•..,_ ~~~ -t· -r: ,:r~;-·
memórias de um passado que n~~~a ~fatju, ou de ~ ipâ'.i~o obscuro e desconheci-
,;:/$ .~\,,:·:~•-· .,li , ·'.\~''>+ •·. _ .. O:•,
1
do. Na comovente e bela faixa-tírof&'; G,àetano ide~tlfiçâ':~ ~araçá azul com um "sonho-
segredo" e com um "brinque4,? ~rtQ f fato, a deu a Caetano carta branca P?Ifir~
para "brincar" no estúdio e ~lfi¾.-fu álbum p~~gtnente pessoal e críptico. Araçá
. · ·-~~~-lte\,. ~-\--;t:~,~:;tt~-
azul foi seu álbum mais.i~ l ~ êntal e se provo1fffiacessível a todos, com exceção dos
·.,.-.,.f-!. "~'-·'•r.·;r .f;..• ~~,,
mental co~_rrlf j~1~o apelo po~ ( nie ironicamente comenta em uma música: "Des- .
tino faço.i•~~ô"'p êço / tenho •qsiêô ao avesso / botei todos os fracassos / nas paradas
de suc~ça1;}I~.-raçá azul erfffe'iJs uma renúncia ao seu entusiasmo da juventude pela -
ind~g~,i ~ltural e:,,p iª-'iS!-)Hffe/afirmação de seu contínuo interesse pela exploração do .
·~r'o-.. --.,"i..:J, ·- 1
~w.;~. ~:- ·l;,, ~> 1· •
196
Brutalidade jardim
convidou Edith Oüveira, uma mulher de sua cidade natal, para cantar e tocar percus-
são com uma faca em um prato de porcelana. "11~r;!}t ,
A estética da colagem é mais bem demonstrada em "SugarcaJ},itf!,â'~ Forever",
uma alusão óbvia a "Strawberry Fields Forever", dos Beatles, 9~1l~~t'.Alternando
10
sa-nova, que, por sua vez, é interrompida pelo retornol~ samba-de-roda. A música
não pode ser consumida passivamente; ela nun9flffe~!:WÍte que o ouvinte se acomode.
Em vez disso, ela convida à reflexão sobre as e conexões entre a experimen- ~iP~~;;
tação de vanguarda, a música popular tradiciõ' ,. '+formas contemporâneas urbanas,
como o rock e a bossa-nova. ~·l"'.:.
poéticp,#?\~·~ us'icais da Tr • : ' ia, interrompidos pelo regime militar. Nele, Caetano
:>;-t/Ç/."}-i:, ' •.,,
acen:~;iviitãs produtiv~ r;lcUS$ posiçóes exploradas pela primeira vez em 1968 entre a
111:~ ~i *) hpular e o_ef¾1~tímentalismo de vanguarda, o arcaico e o ultramoderno; o
,;S'
z
r~xJio
'·'"'
urbano. ~b
,,. .;,..
1
~iiifanto, tendo em. mente que os tropicalistas também estavam
l. e11i plvidos na pé'' .· -..,- o da "música pop" para o consumo de massa, Araçá azul quase
':;i;~~€N~ga a cons ...i'i'f.;t i-i1ma anomalia na obra de Caetano. Sua obra subseqüente, embora
l ,.J te comercial, foi mais facilmente assimilada pelo mercado da música
197
Christopher Dunn
"bacanas" e os "carecas". Apesar de Caeta$íci '?Moso gostar de dizer que era careta (em ,_-1. ' , ,.':/ r'-' ·-~
~g.i~a'éh}u.íra brasileirâ,~)3 irucio dos anos 70. Vários tropicalistas surgiram como impor-
·i,'4R_t~l'ícones cul~s qo cenário da contracultura. O compositor Torquato Neto, por
::f;)~êfiiplo, transJ.tl~ ;gfu meio a produtores e diretores de cinema que se posicionavam
.~...... ,:-.f ~Jl;....,._.·'•· ~:,
ál· 't/r:t1pôntra os co~raaôs diretores do Cinema Novo. Antes de cometer suicídio, em 1972,
'.ti;,,,,. ,Ji~ ele mant:,:7lf~ coluna regular na edição do Rio do jornal Última Hora, chamada
,,,_,,,i,-Y "Geléia ,g~i~f~
fo título de sua mais famosa composição tropicalista. Com Waly Salomão
e Hélii{ffifi.cica, Torquato Neto organizou o Navilauca, uma coletânea de poemas, prosa
e artt ~~ ~s, apresentando os principais proponentes da contraculrura brasileira.
198
Brutalidade jardim
Gal Costa passou a ser foco da atenção da mídia, surgindo como a mais importan-
te voz da contracultura brasileira. Seus álbuns desse período mantivet:~ a tendência
tropicalista, apresentando uma mistura de interpretações de clássi5,ot I~iinúsica bra-
-· .. .,,~i.,.~-
sileira no estilo do hard rock, blues, samba e bossa-nova. Em ~..-l:~6@;i,
lYi
f la começou a
. ,,:,._.
trabalhar com Waly Salomão e Jards Macalé, que foram inter!.1~J~res do grupo tro-
picalista. Salomão e Macalé compuseram "Vapor barato", 4..~ ;fqn~ da contracultura
~.i.,":-i:--~·i'·'
gravado por Gal Costa em seu álbum ao vivo de 1971, (ji,l:J4.l;_iifâl, A todo vapor. Uma
'~t.. ~•;... .'>~--
elétricos, o rock conduzido P~.: :,: ~ f~fas e a boss~~~?~• o grupo exerceu um grande
impacto na música pop b~ ~ -:i_'::qçpartir da déqida g~ 1970. Por um tempo, o grupo
morou junto em wna,,t;o!ri~id;de
'·?i\:~.::!.'.:¼-~:.,
alteitfà'iit 4~(t~ i-rural no Rio de Janeiro, fun-
·~.•.1:·.;:~-:,.-,
.:1 't
rock 'n' roll i9:~~~tilo de Elvis R f~lt~-y com formas musicais do Nordeste, como o baião
..... ·..... ·i::•'l'-'?. :f•;,t" "l~;::.. "·
\ ~~6 feita por O~ t:inó. O próprio Caetano afirmou anos depois que "tudo o que não
~- ,;:.... _--~~~---,
,.
;-1_,
'•ii~• ~i~l·
. ,l -ra americand.·\~ i)Raul Seixas era baiano", sugerindo que sua trajetória ·musical do
10 McGoi$9,~~;f~anha, Brazilian Sound, p.130. Para uma história dos Novos Baianos, veja Luiz Galvão, A nos 70:
Novos &iâ'fwt
199
Christopher Dunn
Nordeste do Brasil aos Estados Unidos não passou pelo Rio nem por São Paulo, os
centros tradicionais de influência cultural (Veloso, 1997, p.49). 1?;c.h,., . ~·, 'i •; ·-1..
homossexualidade. Com uma voz aguda ~êJé!Ji~>r alto, Ney Matogrosso se apresenta-
.:,.,• •-~ .ç .-"
va no palco com um estilo provocativ~ i've1~ao com po~~âst!9upas, totalmente ma-
quiado e enfeitado com plumas (:,llévi~lif ~OOO, p.2~~i§1f\;;Matogrosso conquistou
1~r. .,. (· .( '':.)\:/~>- . .
proeminência nacional aproxima-a·~ Jte na mesl1},;,k;{!5&êa em que Caetano Veloso
lançou seu primeiro álbum exp : · Araçá ,, -•" texto de capa anuncia que çpi~, ~
:j
Araçá azul é "um disco para e1ª-tt'fi'J
,,r~:~•.~·-·
' .':6s", um ter#i~ ~~;,~
~ bíguo que convencionalmente ,•;.~-~<·~·
os dois dei~Ji#rt"i'f laro que nã~~:P,; ·am nenhuma intenção de liderar um movimento
'•~>
·i• (~I'°•~-<" , 1r.':;,_~
,., 1-','~:~,~l~:~>
- - - -..._· .0::;:~~r
11 Mesmo a · . :f'mon e, em 1989, Raul Seixas continuou a atrair jovens brasileiros de todas as classes sociais na
qualidaq;ç,~~$tW ícone do não-confonnismo e da rebeldia. Veja André Barcinski, O general do exército de malu-
cos, !i«{{,)f WSiÚJ Paulo, 16 ago. 1999.
12 Caetàrió~n'J;templo do caetanismo, Vqa, 1 jan. 1972.
200
Brutalidade jardim
ele assumisse um papel de liderança cultural e política. Em uma entrevista, ele disse:
"Teve um momento em minha vida em que eu achei que tinha of:Ír-Jigi,ções políticas
com a sociedade, no sentido de contribuir o mais intensamente po ,·;, /,; a as trans-
formações desejadas. E, de uma certa forma, eu ainda penso ass~ âa faço assim, e".·.
só que eu tive desilusões muito grandes, eu aprendi que a gel], êÍfi\9 pode tanto, não
pode. A gente pode outras coisas, mas não necessariamente, .· ·) ormar o mundo da
..·
noite pro dia" (Gil, 1982, p.161). .,.,,
Foi Gil quem demonstrou mais interesse pessoal p~Í~:, · Jrito e o estilo de vida
da contracultura. Ele seguia uma dieta macrobióti -, ,.,, . ert~~a a platéia com refe-
rências a suas buscas espirituais. O primeiro álbum pbt'~'xílio de Gil, Expresso 2222,
foi o que melhor expressou a mistura de desi\j "' · _J;mlítica e libertação pessoal dos
-·-,.,;..,_
;'.·. ·,r
participantes do universo concracultural brasij, '•í'\ 1:;A música "Oriente", composta em
Ibiz.a, Espanha, um santuário da contracultJi quanto els .-~ nda estava no exílio, é
um bom exemplo da obra de Gil no ,iní , ~ anos 70. ~,!;~~;e
meditativa música
~-.<ff: };~\S!f~\!~ t
evoca o som de uma raga indiana, " · 6 com o co ·.•· '~ ê:~YSe oriente rapaz / pela
constelação do Cruzeiro do Sul". A,,5~~pr:~sáo "se orie~tê!ftf / bígua, sugerindo que a
autodescoberta ou a orientação pe~i;~:;i)~de ser en.9ifil:t-~ l no Oriente. Durante esse
•
período, a juventude da contrat~~tyt'
•,';¾•·. '-ih!f.,
e m rodo o ijs::i~énte
\:;K,.t f,;~l~-:;
1
era atraída por religiões e
filosofias orientais. Gil ob w'ó\i~i'íé a refe~ên~ja aqtÇruzeiro do Sul, um símbolo na-
cional incluído na ban4.~i 'J J~ileira, foi .-:~,- q:, ' :'i~são de "saudade do Hemisfério
,.,··;i,--it \Jt;:Jf< 4t 0'·\~ •'
Sul" (Gil, 1996, p.127). A riiê'nçáo ao m.~l ,,, empo lembra o lar e atua como um
guia celeste para ouq,~ :i 9ntos do gldtq~:~~\hit~J
Nos Estados Uni§~~,,,;,i~ movimenrjt ~6~traculturais foram submetidos a várias in-
terpretações co~f~t~-: 1heodore1 ·•,:i'JJt; argumentou que a contracultura foi produ-
zida pelos "filbJi""",fF~•.'i,:%
,if\1;t ecnocracia'.'.-
,1-,,Y
í?uilj:,Ja,leração
~.-:.,,... --.."'.;\.•
excepcionalmente afluente que atingiu
a maturida~~?lij~?f~~ada de 192~":âtt;~te a luta pelos direitos civis e os protestos contra
a Guerra < 'ihã. Para Ros~,L d: . maior importância da contracultura foi sua recusa
·.•. •
201
Christopher Dunn
rizaçáo coletiva que caracterizou os movimentos dêéprotesto dos anos 60. Por esse
motivo, os observadores criticavam o fenôrtj,~(f;Çomo uma forma de escapismo não
politizado. Em uma análise da "geração_,~~:: :~ ~:5", por exemplo, Luciano Martins
".,1,, ''"·-.
argumentou que a contracultura brasileif '!:f1-"uma expr~~~áo de alienação produzida
pelo autoritarismo" (Martins, 197?, lfffl4);;'· * · álises m~ i-·- Ji\)~ráveis da contraculcura,
4-.:~,-, ,•..;~:.~-,,,,.. Y-~":. · .' :,•,:<:_? ·\~-:~,
contudo, apontavam para a re~j~tçgyÍf ':~f cultura inS:r).1;µêitfoalizada, à racionalidade
:;)'.~r::J:-;•.:J"'\'• '•...-;,?: ••.. C •,;:,;i~T~? ''
.i:~
_,1~&0(.(í Úll-1110(
,/:t:'&i:'" 1
<1:.~":J--~f
AÔ'
;\\t;t( efensores 4:r:~ritraculcura que se sentiam alienados do discurso patriótico do "mi-
lagre ec01',Q:
-~~~::,·-:.;:":;.::v:J,--;.>,_
?1 alardeado pelo regime militar. No início da década de 1970, mui-
tos deles;'.~ ,,,,,,, ,_,r,;, para a Bahia, que consideravam um local privilegiado para prazeres
telúri~J~~" . ' dicos, longe da vida alucinada do Rio e de São Paulo. Caetano lembra
{:~·/':;. '' ?:.::~;
que '°Sfil'viidor - com seu carnaval elétrico e libertário, com suas praias desertas e suas
202
Brutalidade jardim
praias citadinas, com sua arquitetura colonial e seus cultos afro-brasileiros - tornou-se
a cidade preferida dos desbundados" (Veloso, 1997, p.469). DepOi~t~,ç; voltar do exí-
lio, Caetano e Gil logo surgiram como personalidades do carnavajt,t í~Jb. Em 1972,
Caetano se apresentou no próprio trio elétrico chamado Caet~ ~t,;~ palco móvel
no formato de um.a espaçonave. Ele compôs vários frevos J}g;Y.&'s.ftfOCados pelos trios
elétricos. No ano seguinte, Gil entrou no afoxé Filhos de ,K'i'''t"í) um grupo fundado
por estivadores negros e que na ocasião estava quase d~f~ (I,\C . _:ido. Ele compôs uma
homenagem popular ao afoxé, intitulada "Filhos de d{~ · ,;f, que invoca todos os
orixás para assistir ao desfile do grupo no carnaval C;_:, ,}'\ ;;~9dfp.146). A participação
de Gil nos Filhos de Gandhi estimulou a revitalizaçãtNio grupo, que se tornou um
símbolo consagrado do carnaval baiano.
1
~tt.:J~It;%t'
Nessa época, Antonio Risério notou u A .,.,Í'~Fª recíproca de discursos, práticas
e estilos entre a contracultura em grande pfu,Ê · ·rmada pel.~,classe média e a juven-
_,.. . ''"' , <rt-•·.,, ...
rude negra da classe baixa da Bahia ( "' rii •1981, p.2_ 'f' M'&uve o ressurgimento
1
das músicas pop celebrando a culrif.;~é .,;:j;>';:B;asileira, e <..·._
_ ·ial o candomblé, uma
corrente religiosa temática desenv~Jf i~;;J ~r Dorival,:;~ ~~~li desde o final dos anos
30.13 A confluência dos pontos d ',. ~~~ntracultqRJ~l~1Jlfo-diaspóricos foi enfatizada
em 1976, quando Gil, Caet~ "º•' · : ·'t :osta e M~i~,;J,ethânia embarcaram em uma
turnê nacional para prom~;y_ éft®,);tPoces Bárba,rps, 4W, álbum duplo reunindo o grupo
baiano original que se <;!-'MJ?:> -~~ em Sal~i~2~rii1964. Doces Bárbaros sintetizava a
cosmologia do candombll1~o · a astrolog~~ ~$~ prática espiritual que ganhou popu-
laridade no Brasil nosíâinos
.'.;".}~; · v.;t~)\
70. f?-•': ~t1,,,. <iç;t;;,P!
_. ,;,~~~it~~}·
Comparando-sel~Jfárbaros qm:,invlãi'í-am Roma, o grupo baiano decidiu "con-
quistar" as cap1t ~o -Brasil, an~i~1â8' na faixa-título de Caetano: "Com amor no
·-~/; -·1~·$-:J..
transiit'lt
~~- •.z~:t("::.' ·;.
, ·· canções / âr@xés, .;~'/
astronaves, aves, cordões". Evocando as divindades io-
ru~(':~~ttandomblé, Q~orikás, os Doces Bárbaros propunham uma insurgência com a
•)!:'•~-Jt--, -.:!' :
,:q;jtit~'tia "espada g_. . . ", da '"bênção de Olorum" e do "raio de Yansâ'. Uma outra
\~~- -:;·~ _<nt:--~,,~.,~\""iJ;
\~ ;~ ifca popular ,~ 'IDlfom, "São João, Xangô Menino", celebra o sincretismo religioso
---~";~~!!~ .J, The Expansion ofBlack Religion in White Society: Brazilian Popular Music and the Legitimacy
Trabalho apresentado no 20th Congress of rhe Latin American Srudies Association, Guadalajara,
203
Christopher Dunn
na Bahia, no qual cada orixá é identificado com um santo católico específico. O que
começou como uma reação estratégica à perseguição oficial e à supt~J.~ão da religião
africana no Brasil cresceu até se transformar em uma nova religião ~,i4i~pórica com
um panteão próprio de divindades africanas, católicas e indígen~:f~'.;;_1i iiú.sica, Caeta- .t,. ·". "<1:r.~-~
no e Gil faziam referência ao festival de inverno de São João, ~ §~Çii,do a Xangô, orixá
do fogo e do trovão. Durante a turnê, os Doces Bárbaros at!t~f~~~~am várias outras
músicas celebrando o candomblé, não incluídas no álbu.m .Í'ht~; Bárbaros, entre elas
_~:,•,~_,~,;::-~
"Oração para Mãe Menininhà' (1972), o tributo de D t~:t·','.i t, aymmi à mais famosa
mãe-de-santo de candomblé do século, e ''As ayabás:( · J;rlfó-Gil), baseada nos rit-
mos sagrados dos orixás do sexo feminino. Apesar d; fiif ·· um dos quatro baianos ter
sido criado nas tradições religiosas afro-brasileir.f l ~~-s passaram a se envolver cada vez
mais com o candomblé durante os anos 70. , -~ittfk,··< ;j,' _ "-'·'•
Enquanto as músicas dos Doces BárbJ'''º ;radas acima tinham a Bahia como
principal ponto de referência, "Chuck B~~ ;,> '.ds Forever~f ~~-~ il, uma outra alusão
ao sucesso dos Beatles, esboçava as{f6,g~}~~~1~rodiasp ' · ._ a música popular. Em
certo sentido, a música é uma cod1im~:,~ "SugarcaJ};~tiJ~l~ Forever". No estilo do
rock 'n' roll dos anos 50, essa cançitJâ~~~evia ~r~·f~:r..· ,,._-;.:
em t~_ rií..9.$~Íticos a gênese transnacio-
;'.->_/· '•V<_'~ -::~ ~
nal do rock na África, na Améd~aJ~:j tina e nos Eifü1d4\S Unidos. No Brasil, como no
resto do mundo, o rock co§:t~:J~r:~isto corno do~~\i o cultural da juventude branca
· \ [,;-;. ~:·! ~Y _:.,.. F·:\, \Jf
das classes operária e .111.,~. • ·--:; ' pm o surgr · \ _:;ie Elvis Presley como a primeira es-
trela internacional do r~~ke -l ~bseqüent,~·'im(â§áo inglesa, as origens afrod.iaspóricas
., ~'i;:c;.r._ _f ..\
do rock 'n' roll foram,:f-.,,.2~:tll,g rande parr~?mi,:ttfmlzadas. Na música de Gil, Chuck Berry,
'\1i~ ·,· ~,-, ,,._..,1·.
tornar as:~~ do rock moderno. Nesse mito, os Doces Bárbaros surgem como os
quatro .. ., iros do "após-calipso", um inteligente trocadilho para se referir ao ritmo
204
Brutalidade jardim
205
Christopher Dunn
dos estilos estrangeiros sobre a música popular brasileira. Como o rock, experimentar
drogas era fundamental para as práticas e os discursos da contractJi\,;l;,l:ra internacional
que muitos brasileiros estavam absorvendo. .,,,")t;-
{0RJ.IUICUL~W~IL~ f
,r1.;:i~t1!;
Concentrando-se primariamente no Atlântico Nort;'' "Vi'f 9fono, Paul Gilroy enfa-
tiwu o papel da música popular na gênese e no des~~~~-i; ,,. mif
nro de uma "contracul-
tura da modernidade" do Atlântico Negro, posici~~{~i simultaneamente dentro do
legado do Iluminismo no Ocidente e contra e~~et{S:gado (Gilroy, 1993, p.74-5). Gil-
roy enfatiza o fluxo dialógico e multidireciorlit~
.' ,...,r,,;.
qê"
,._::_,.•
t ~ltura no mundo afro-atlântico e
menciona a música popular como um veí._, _--~ª· .,, "'ave para essas trocas transnacionais.
Junto com Cuba, a Jamaica e os Estadol Uri}~ôs, o Brasitf6i~(~ dos mais importan-
-~ ;\L"i,, :::-< ,:E,~".\.,. .. "-.;':·
sica so ' .,,;,;,,J µmes que exploravam o estereótipo dos negros e as celebridades afro-
ameri~t~:: dos esportes exerceram um grande impacto sobre a juvenmde africana
206
Brutalidade jardim
e diaspórica, gerando expressões que muitas vezes divergiam das culturas nacionais
sancionadas pelo governo (veja Joseph, 1998; Diawara, 1998). Jovég:§_,afro-brasileiros
··•·"f..' t
se apropriaram desses produtos e ícones culmrais para contestar ,. · ':cl i:ifação nacio-
nalista de brasilidade, que tendia a minimizar a discriminação i;il ~· '!: aldade racial
.;>;-· ·.•.• ?''
exaltando a identidade mestiça. Culturas transnacionais, di~lm;icas, muitas vezes
foram utilizadas para criticar as tradicionais noções rnod(:i.i-fí~t}~,rde identidade na-
cional. Quando a juvenmde afro-brasileira urbana com5f&,~ ~1ibntestar abertamente
a hegemonia racial na década de 1970, ela muitas vez~t;~:~~t:f eu a outras formas de
música diaspórica como o veículo mais eficaz de afi_gd' 'f~Ief,i~~ial.
Em meados da década de 1970, um movimerii: vtural apelidado de "Black
Rio" ou "Black Soul" surgiu nos bairros da d · . perária na zona norte do Rio de
Janeiro. Inspirado diretamente pelo movirnl . __ h. consciência negra nos Estados
Unidos e seus estilos musicais, visuais e d½~~i~4_rio, o movimento foi rapidamente
reproduzido em outras capitais brasileir _'.; ci~b São Pau1:2t~il~J<> Horizonte e Salva-
. .,., · -: :J-:r ,Y/:··-;::-- . 'f·
207
Christopher Dunn
música soul dizendo tratar-se de uma mera importação insidiosa dos discursos cultu-
rais e políticos afro-americanos irrelevantes para a «democracia racial" ..... ....
no Brasil (veja
. ~ ~ -:,
Turner, 1985, p.79; Hanchard, 1994, p.115). Alguns ativistas afr9_;;:2lã~i!,eiros, incluin-
do sambistas, criticavam o movimento pela falta de autentici<4}d~J yJtural. Negros da
~;;: .•,/tfr
classe média também expressavam certa ansiedade em relação i ~~•tnovimento, temendo
a intensificação de tensões sociais. Esquerdistas cradicion.#"s::h ?B~avam o Black Soul
,.']o. ,.,,
para um fenômeno local conhecido com~tJ i1apkitude baianà' (Risério, 1981, p.23).
Entre 1974 e 1980, novas organizações,: f e ~ 1val conhe~~~;j omo blocos afro, entre
eles Ilê Aiyê, Malê Debalê, Olodwtt·e Mu:i~nza, forarq i~ ~~~ para protestar contra a
"'~.-. ~,~-l~ ·,;.... ;,;_, :..~. ~-~
v~,i ,t~fil:~1-Mêgro Unilí~ ~8:'füsse que Gil deu um grande impulso à organização ao se
i ;~ê'.ntar em evenJ~s ~ Úocinados pelo MNU, quando outros artistas se recusavam .
;'/Í;'~;.,. •f,·t.iêr o mesmo,tt~~ndo
•t!" ,',... -~,-.
ser associados a um movimento percebido como radical e .
/(tf· :,1'!::/f\t'sagregador ,(f~êlp. e Buarque de Holanda, 1980, p.210). Apesar de outros artistas •
~~~:,z$Ír' ,,s;}~~\'
16 H á umi ~çl té~ li'' bibliografia sobre o carnaval afro-baiano. Para um relato do surgimento do movimento, veja
Risério,1 ~ vai ijexá. Vários arógos sobre o movimento na década de 1990 podem ser encontrados em Sansonc
e S3):J!,Q~t:/{Hmos em trânsito. Para um bom histórico sobre o movimento, com excelentes focos, veja G uerreiro, A
tra.,;,à''111/i!'i?imbores. •
208
Brutalidade jardim
ú'°e~~:
MIOV{nTflRD0 0 1~ ~;;·P
Sob a pressão de setores moderados da sociedade ~f: regime militar deu início a
um período de distensão desde meados até o final da d · 'da de 1970. Novas possibili-
··(>•.
dades e necessidades vieram à tona com o surgugf'rltG!;9e movimentos sociais e políticos
independentes representando negros, mulher~;;~'.$'~ trabalhadores. Esse período tam-
bém marcou o ressurgimento de controvérs,_
?.~; ,,.;_,~~~-½-..
!~ ,f~,licas
entre .. ' ios setores da oposição.
·:,).,;A'· ,;:,; ,,..✓;' .;. ·\\• .
Muitas dessas discussões referentes ªº~Pª · i 'ârtistas e iq.f · ,':fü.is, à eficácia social e
política da arte e à relação entre pro4!i~~~~,: ~@rurais, ind~{ir,f~·:da mídia e o Estado já
vinham sendo ensaiadas desde a dé9# '·a fJf960. A pe . /'"'. ;.:~dque para a polêmica mais
:;//.-!. ~'/ ·-· t· ' ' :";.·
acalorada foi uma entrevista cone · ".§em agosto ;d:e''\1~18 pelo cineasta Carlos Die-
gues, que denunciou o fantasm/â~;p~trulhas ided{~g';i~s" para denunciar seus críticos
da esquerda ortodoxa. Os {~Jii~t'f'revistas tr~d,.icio;~s e alternativos imediatamente
1
começaram a solicitar 01f ,:.· ~i>f '• intelec~ Ít~{~;f~i§'~as. Dois professores universitários
·,-:t::'•./ ., .-
><..i. l~ .,~.lf?>
209
Christopher Dunn
homo~ocial como uma extensão do amor filial pelo pai: "Eu passei muito tempo apren-
dendo a beijar / outros homens como beijo o meu pai". Posteriomigli~ ,gravou "Super-
homem (A canção)" (1979), na qual declarava sua "porção mulher";ttB!m o~s de confessar
que no p~do acreditava que "ser homem bastaria", ele prod~ i ~ l '\ 1tinha porção
mulher / que até então se resguardara / é a porção melhor / qg~{i~ ··. p em mim agora / é
que me faz viver". Caetano foi ainda mais explícito ao aprestjlt iijmia persona andrógina
;~'.:~;_.;_;.·n-r.
no palco e em público, e suas letras ocasionalmente indru~ i :ffesejo homoerótico. Uma
~.. ~-.:X.¼-:,;;~
de suas músicas mais famosas, "Menino do Rid' (1979);lA-. ',: da a um jovem surfista
·,,.r• ..~";;..- •
do Rio com um "coração de eterno flerte". A música ç~i~\ ,~a cõhl. a declaração: "Quando
eu te vejo / eu desejo o teu desejo". Esses preâmbulos liõffioeróticos eram ambíguos por-
que os dois artistas eram casados, insistiam em §f (~;w,ar como heterossexuais e também
;:;->'.~'- ··,:~-.'
compuseram várias canções de amor para m~~J~y;:N o entanto, a ambigüidade sexual de
suas músicas e apresentações (especialment&'f.i, ('i ~ Caetano) g>ntribuiu de forma difusa
•"';?/ t,,;').:_:•:;, ~tl(-i:~,;'.-,
para uma crítica da masculinidade tradidtfnal j,íõ Brasil. ,.t•· "'i&:i:t~
~.:f:,,,. t·;f...... r-:r:_q ,/,;..i/k;:. ·
Gil e Caetano participaram d,,Nfox~ ;f níais decisiv;(fqo1Írovimenco •;~'[-;1• ~-
de afirmação
"'.-:~': ~~i;_~•-=i:'!'•t;',( •
Em 1977, fizeram parte de uma(~faie~ ção de 169:i~m-:-~ ~ntantes enviados para o Se-
gundo Festival Mundial de 1ft~i~t~ê'c ltura Negr~.k~~rsTAC), um importante evento
internacional envolvendo/ Z5•l~4.$és. Com UJ.P. grande grupo de artistas visuais, cine-
~,~.;4,_ .... · -.:li.. -l\! -~- ·>
astas e professores unif.~~l~:fs, a delegã~~l it ~ileira incluiu uma mãe-de-santo do
candomblé, Olga de Alaketô; o grupo d§'datj'ça da Universidade Federal da Bahia e
o saxofonista Paulq:~~_1,1ra. 17 Sob l i ~ tP? ~ iíl dos Ministérios de Relações Exteriores
:: ,-.~ '<
~"1'"'",
;1, ,i, ·•-.:.
e da Educação, a -~~Il-tlípaçáo
·-
oficii, dtiI'Brasil nesse evento cultural internacional
,,,,,i,;.
foi repleta de ~ igüidades e co.,dif.~i?ões. A participação no FESTAC atendeu aos
_r.r· ;;_~ .• . ~ ~~- . ~-·.t~
interesses dq,,g,t t ~/ ho brasileir~:ft'â9~ibso por se beneficiar dos vínculos históricos e
culturais .c6~,/ ,. . "':.\~~:1~,
Ãfrica Ocid,i,&t àL'é:ríticos veementes das relações raciais no Brasil,
,.;.";.:~f:t.,'!·~ ··~•..:·
como o.ifi{1jil;'
,;,.'1.: :,I',
~ativista Aliá[~t]do
...? ,.-r
Nascimento, foram excluídos da delegação oficial
1 r'•i
1
brasilf-v.Íi: :~:~ o entatiw) B',(ǧti~al também deu ímpeto à aproximação afrodiaspórica
~6"t9tihi/"
0
dct ;i I ~ lf::h~'f uúsica Depois do festival, Gil e Caetano gravaram álbuns ins-
pJ~â1em suas ex1fêJ;jêfibas na África Ocidental e nos novos movimentos culturais
-ç:.tãfr-0-brasile1ros
~:~~. ---~·~;· . . -~=•ri: .~.-;7\-./
-,:,-,·~,~'
210
Brutalidade jardim
cas alegres e dançantes como "Odarà', wn termo iorubá -~}fthente utilizado por
praticantes do candomblé significando "bom" ou "positivJi:.~N\ música de Caetano,
"odarà' significa wn estado de êxtase atingido pela q~~s;?beixe eu dançar / pro •-,/yc_ e.-,:)>.••-;,
meu corpo ficar odara / minha cara / minha cuca,_j ê:r.J8#rà'. Essa utilização do
., -f..·'"·~l-,--... f.t,
termo "odarà' deve muito à perspectiva contracult:'tÍf@'frbmântica que normalmente
associava a cultura negra à liberação corporal --~-- à e-~ ftria coletiva. Por outro lado,
,•5~i,::.:.:~...
músicas corno "Odarà' colocavam a cultura aftõ-'Bi:âSileira no centro da modernidade
<<!?:~:.\ "
brasileira em vez de lhe atribuir um papel,i~~~~ oderno como detentora da pureza
...... ,;>~;,'.-'.,;~,
cultural. Caetano promoveu o álbum cqp;í:\.~~ -série de ª.Rf~ ,~ntaçóes com a Banda
f '.=' ·:"··'.,. }'_~- -,, .·;,;".';·'"1
Black Rio chamada "Bicho Baile Si1?f.w\~:.:J 1centivava ~{P~-$~8b a dançar, o que era
incomum em shows de MPB. -1i,::iri5:;t.:~ .'t.¾;}l . '
Em outra música dançante do %~4fll~JfGenre", C~t~2 ~~lebra a força vital dos hu-
manos lutando para sobreviver, g~ j~f sfazer as n~lf5si!ã.tles do corpo e atingir a pleni-
tude espiritual, mesmo nas cirf~il~ncias mais ad-V-et~~i•A convincente simplicidade de
,s ,'•• ,'{.t;.~~'l'j.,_
afirmações como "gente é p~ 6?ilhfú, não pw, Jl!l-)rreride fome" dividiu os críticos. Versos
h
como esses provocavamftí~ ,~fw ização Pºf ,r~~:aos céticos eªº mesmo tempo eram
utilizados como slogans de crítica soei,µ pf4}iacl:ç,s nos muros da cidade. Bicho também
incluiu os sucessos i~ ozinho", '.f .
·--: _~-,/~"f'.;-
':fi,:,.>;:.~·.«:'"-··..·.. ·.:·•.-......,.·.•C~...
,i;;~:/'''--~~{~~t
fúrJ{$'
------
19 Nirlando ~--
' .
aiunos? Baianaves?, lstoÉ, 10 ago. 1977.
20 Reyniva(dJ>\l};ijtÓ~ Caetano desabafa: sou da patrulha Odara. E daí? A Tarde, 2 mar. 1979. Veja também Ridenti,
Em busca dõ pÍi;o brasileiro, p.220.
211
Christopher Dunn
No mesmo ano, Gil produziu &favela, uma brilhante e extensa reflexão sobre a
África e os afro-brasileiros, dentro de uma perspectiva diaspóric/~-~remporânea. A ••. ~'l.
escolas de samba e:,~"6& de dança. t ;~~{f}S'foclama uma das estrofes finais, a música
:;:~. i-,.; ·,~"' ":',t;J:.·:~
llê Aiyê, de,;}'9{.:;".),.{ ''Que bloc8i tê~?", uma rebelde confirmação do "mundo negro"
diante d~~'.~f~~~mceiro raci*~1~ilturando o humor sardônico com a política racial, a
....,.'t.... .,•,1· . ......( .·.·\ ' ,:_,,,;,.:(_. .
com freqifência pela imprensa baiana por suas incisivas críticas contra o racismo em
212
Brutalidade jardim
(~~'.~
. _,]:;,.,''~st -.~·
Cercado de fãs locais, Gr!bt?f6"Gil (à e§,çtu4pa) ·éa mãe-de-santo do candomblé
5
(no centro) recebem J~,;i;~liff (à dir;j\&}i;&::1eroporto de Salvador, 1980. Gil
e Cliff vestem a fantasia de ~arnava.h~o•:~!9g~·-afro Ilê Aiyê e seguram o tecido do
it~i':lt:/ afoxé B.J .. Tarde) ;r'tÃ
:~~';;,·,,}'i .' .~,;;;r
j{'(r,> ;, ,:,t!tt1;;;f
Salvador. Out.r~l;,sc[í'nposições jjê"lit1favela salientavam os vínculos culturais histó-
-::-~· A_,\•,'(°1"' ~!--&""....,... M
ricos e cont~p_orâneos
~,. ·:-.,,,'f_:,.\
emre, -, i:>~ . ica Ocidental e o Brasil, especialmente a Bahia.
:':f}.1'",r:,t·,•
~t, gfsco
~)..'._;.t- >~ ·•/
de afirrpl~~tfkacial impunha algumas dificuldades a cercos setores da classe
~.·.-:;,f~11.-. ,)'-Ji
••r.:~.::•,,Kdominante \i.a%fütíra. Dois anos mais tarde, em uma entrevista para o ]ornegro, Gil
0
213
Christopher Dunn
"negro" e "black", respectivamente: "Ainda teve a imprensa que caiu de pau em cima
por causa da aàtude do disco que era black e eles na época estavam'tô,~?s contra black,
não contra o negro, mas contra o black, a consciência que vem : t~i~:1 /i'nternacional
e está ligada a tudo e não é uma coisa brasileira só".21 Em tHD para a Vqa,
Tarik de Souza rotulou o esforço de Gil de "rebobagem" e d.~sôt~veu o álbum como
.;i;t.•,•),
'~º
l'.,.;r
uma imitação da música soul com "letras confusas".22 Ele s~!üf~;~u particularmente
-t,:C'\,:~"r-;• 1v-'
irado com o fato de Gil ter "reduzido ao mero soul" a c~~piê'á composição da bossa-
:;/t ·. i--f,;;~ '- •
nova de Tom Jobim "Samba do avião". Outros críticos[f{~J~IT}1rizaram a nova estética
,.,.. ,,,;...l~ti,J·>Y •::'. .:-~ .,.
os rastafáris jamaicanos 4ef1:::·~ ;~ ppies ,~r,geiri~; que eram perseguidos por fumar
maconha (Gil, 1996, ,R-.,t ~l?~Mas tamoê~:/Ji:lJ'ãta de uma balada de luto pelas vÍti-
mas do governo autoritário ·? ruma canç~~~-déJsperança, incentivando os brasileiros a
.,1~f• ".~/i~OO'ti,uanto Gil ~~Ói~'.fi:udo, tudo, tudo vai dar pé", urna tradução literal de "everything ·
~;l.. ,_:,}is gonna be :il1½ tÍght", de Bob Marley. O efeito geral da música é situar as aspirações ·
'''A,'ii''" ,ii!\l.~f
21 Veja:G"µ~~-•Gil,Jomegro 2, n.7 (1979).
22 Tarik de Sâka, Rebobagem, Veja, 20 jul. 1977; reproduzido em Souza, Rostos e gostos, p.227-8.
214
Brutalidade jardim
cia do governo militar como em "e · ·,~êle nunca mais". No refrão onomatopéico,
o aquecimento ef~/.v'
uro da pi >: "~gerem o surgimento das forças de oposição:
"Pipoca ali aq,1Jt /p1p~ca além (â~iifl~itece a manhã/ tudo mudou". Apesar de cri-
ticados coqtf ·, ':'fi~ncia por
·--~-:r.: ·,:· ·J,
qf.
~·"politizados", os tropicalistas inspiraram vários
<\ .-.i~}
movime~t<J' ,.,,_;:'"ais e ~~ fqtâ!~J}lie começavam a pipocar para contestar o autorita-
• .Jt;,~ •rf}f€••,;
e -,;;:\f:t\{t -'·~r~-.,
nsrno Jló"ó t asu·+ '""'· . .
~~¼,;, r . '"'\\J
215
6 ~:tt\:;,,
Tll{0S" ~ Tl~lfiiLMI ..,.;-.;,~.,:.
Jií):,X;·;fh,
o longo dos ari'8l7QXf 80, os tro , · permaneceram extrema-
mente sensív~;i!;, ,fg'ntínuas tr,.. :r: ções e inovações na música
·.tp~~:- :-'rr á·y,: ··-·.:t
brasileira e•~i€rtlikional. Seus,iBriroeiros experimentos com instru-
ment 'i; t · ;'?!~ e con1 o ,~ock:~;~pararam o terreno para uma ex-
plgiJ>~. -,> rock brasil~~.;Jª1)'§lêcada de 1980. Sua apropriação do
•;,,;:.::•.•··::-{,''.:-·-· 1.;•,i, .· . . ··\;,.):•:?·:
reggãe:lmto, soul,juj~ fófinas musicais afro-baianas contribuíram
para vários movimente_s,J;r1usicais afro~ta$i'l~ãt"õ1 nesse mesmo período. Os tropicalistas
também contribuír~ ;j;; lificativame .· ·~-~~ a dissolução das hierarquias culturais pro-
duzindo música B~ª o consumo d~i~ ",. ,. o mesmo tempo em que utilizavam técnicas
literárias e mus•f:':•;:,;,i'r.~ tes associaq~ft,g'"ãfubito da arte erudita. Eles desenvolveram uma
,a;.:.
:-1 --..;'.~':. : t~~~;. \,.-:1.::i'·
proposta par~}~ p 'dução culru,/~li;~f:'p rida, gerando uma tradição própria na música po-
pular br~#ii"~)l\íburante a d~~~;~; 1990, os tropicalistas sustentaram uma ampla pre-
.·. ,·f
1nacionalt,.c . .,. . •t-f.:;cl~ a produzir músicas inovadoras e muitas vezes foram
•',;{:; .
d;;-g imo
.
~ i1" ., ~., ~~ante influência para artistas emergentes. Gil e Caetano,
-· ~·
elIJt~ ;., · ar, ex:ercer~ "urtpa enorme influência na música popular brasileira, que excede
,~ · · ,,~, pularidade errl;k~~os de vendas de discos. Os anos 90 também testemunharam a
,,K:; 1\~~ação do intti~~e público e crítica por Tom Zé, o mais radical inovador do grupo
1!,,,,. _,,,i ~;icalista, qué'l ~~~~ por muitos anos à margem da MPB. Seu extraordinário retorno ar-
. ·tf;,i;>tístico e prq~i(ij~ colocou em primeiro plano dimensões da Tropicália antes ignoradas.
Os prq-~~~as e necessidades da produção cultural no Brasil sem dúvida mudaram
desde a:f~r~~ Tropicália. No final do século, havia consideravelmente menos ansie-
Christopher Dunn
218
Brutalidade jardim
ela no verso final da música, parafraseando Bol f ~: "Some may like a sofc Brazilian
singer / but I have given up ali attempts at p~ff~d!~; (Alguns p, l ~,gostar de um suave
'.;t;.; t :•.' ,.·- . ~-~.; .
219
Christopher Dunn
de Jorge Ben Jor dentro de nós". No fim, não há resolução ou redenção, apenas "di-
versas harmonias bonitas possíveis sem juízo final". {~j>:-,
Apesar de menos explícitas~as músicas de Gil compostas na d~~J~\t~ 1990 também
retomaram e atualizaram as abordagens tropicalistas à ootura;,~~'.~~ijh-a.-Como Caeta-
no, ele produziu muitas críticas sociais ao racismo, à pobreza~i·~ t~~/tupçáo e à destruição
ambiental apesar de sua postura tender a ser mais otimisti~' .-r~lação à vida contem-
porânea. Sua música "Parabolicamarâ', de seu álblllll11, é~'.\1991, Parabolicamará, por
exemplo, celebra a expansão mundial dos meios de o8Ji{';;•·· ção de massa como uma
força de unificação global: "Hoje mundo é muito gt· .;: , órque terra é pequena / do
tamanho da antena / parabólica". O título da móÍl,~;~ ·um neologismo que se refere a ··>~"'-··
fisticado website documentandtf;! uJf ·atividades · .· ·s, sua obra e conversas com
:;x't~,~f }t .--r~, , -rr
importantes intelectuais brªw~it:õ:.f Em uma;lrriús;.çâ do álbum Quanta (1997), ele
1
comparou a internet ~ja :, ,,~h\i:\'t dos pesca_d o;~ '#i6rdestinos. A jangada cibernética
-~~-~?-:. . .:·- J. -,1·..-.,·
conduz seu oriki (a a!fJ~õf· sagrada dei~~Ji]J.p tla.de iorubá pessoal, ou orixá) através
de uma maré de in~fÍ ·, s para ch$gitlJ;p m computador em Taipei. Na estrofe
final dessa música,..,,ç;hamada "Pelé:!iJin,t ~~ffe\ ele cita "Pelo telefone", uma música de
.J/"i:.'hZ~lD·,,. - ~:l~t:~~--. ,,'-';t-,<)i,,
1917 considerad , ~f;i.meiro sam~t grá~p,do. Como em muitas de suas canções tropi-
,1: _._.-.. ·-- ~·-:.,· ,.,._!~~,!
220
Brutalidade jardim
.::\:-:(.:'°'
O álbum apre~eii;: ya uma mist4lt'd1ê~novas composições e releituras inovadoras
1
de conteúdos da;~ ;A' de 1960 ª8~Y;. · os 90. Gil homenageou uma de suas princi-
pais fomes de;/ · ·.. ção, Jimi ij ~ "-~t gravando uma versão de "Wait until Tomor-
,, f:1f}-t-:fW.:f~. . ·.: fji · ? \:tt' _, " . / .
,, row . Caetª~P 'q'~oso recomq_p
-,,;"'1{:t.~:~/f' ,):};... ~:.~~
l:t
. ~,,;.;,
içao , de Gil, uma musica que fala sobre crescer
em Salv'\~~\lJP,'ÉJ'S{;;~nos 50}Jt~j}t> ··lmente apresentada no álbum Realce, de Gil. Eles
3
)s
tambéJ#~)~~i;rraram a II},}1-Si;~~~tro-baiana contemporânea, com uma nova interpre-
w
raçã~:.:,tt1:fJ~ssa gence;y1;,\~\-~16 co afro Olodum. Várias músicas novas eram tributos
o
.a
.,;(e\i'.' ',
~,ffi~ e movimen~~'.[gps quais a Tropicália se baseou. O samba-enredo "Cinema
"'=?;,)'-;"f., ,..,.,_ i/.:.õ;:' '. ,;._.. ,.:~.-.: .
,t\r'Nov&lI!i'conra a hisk.. '• dó cinema brasileiro dos clássicos dos anos 30, corno Ganga
\,\?; /jl1~· :_:~~}t<. )"'>~:
,._,1t?/é,, ··, de H umhM,t~,)vfauro, às superproduções da Embrafilme da década de 1970,
,m ....ü·-1"t: .}.. ·.''. - ···•~'f'J?~...::~~~~t
do Cinern~. ::·; . ,} na década de 1960 e seu impacto sobre outras áreas da cultura
·•:•..,.q,.-;,.,.:>.
brasileira. ü~'fifs faixas retomavam o diálogo com as vanguardas musical e poética de
22 1
Christopher Dunn
São Paulo, corno no poema concreto musicado de Gil ("Dadà') e na colagem sonora
de fragmentos de cantores de rádio brasileiros do século XX, es~fu~dos digitalmente
de forma aleatória ("Rap popcreto"). Uma homenagem mais »~?~:i~i!ié apresentada
em "Baião atemporal", de Gil, um baião nordestino que coqJji i .Witória de "um da ,.::,.,. \-~·i-:.t.•
família Santanà, (uma referência à familia estendida de Tom;zí),1 que deixa a pequena
. :">'~. r·~•i
,)!;~~ port~tt-J~;:~i
J~t_'~Jif? nem o traç<t 4o $:pbrado
,~éi:tf;:t:,, nem a lerf ' ,;Fantástico" ~dt
,r.if, iJ.t, J:!~
,,._,"-"·t''.,r
;!-!l~i
nem o.tfü ide Paul Simon
j';.,~·r~ . ., ·1.'. ,{.· "\~,
(~1:;f_:,_._,_._;_..·f_
'._({f; ningtiJ~~j.ninguém é cidadão
~ .;;\;;;f{~:t,i{:it
El~~-fàz{~eferência à majestosa mansão colonial que abriga um museu dedicado ·
à vid'fü{:~ii -~~bra de Jorge Amado, o mais consagrado novelista da Bahia; à equipe de .
222
Brutalidade jardim
ginal, ele altera o ponto de referência geog~ c . Pense noJi'âl~.reze pelo Haiti / o
Haiti é aqui/ o Haiti não é aqui". A ?\~J;~
~ ff;p
com o~,:::,,, ' _:·;~ggae, dois idiomas
musicais associados ao protesto raci ·,- ?fç~'ta
ainda maj§;;;~~fadigma afrodiaspórico
,,,;::"~-- -:·.)~;{ .;_,? t --,::1{~;
que estrutura a música (Brownin ' ,S, p.4). Cop{~;,,''ª""1ptincipal faixa do álbum,
"Haiti" estabelece o tom do trab '_ ,... tlo, que at .,f ' ';~
; ~projeto tropicalista à luz
• ~~~- 1
de outros avanços na músi~ e6:tt½!l.,à
. tbrasileira. ,. .
J~à~::,:~
fAZ.fnD~\c:Jé<.fCrA{ .; , x;,.t!ADl{0.f~: 10m z.t:
"
\;p'···õ1\\ .,i(
Talvez o fenÔIIJf po mais notáve ,,, -·r?4t\~.italização tropicalista na década de 1990
,.'.tv-3:'~<.~?
tenha sido a r~btj~o profissi~ \ ê Tom Zé. Após o movimento tropicalista,
.;~;~~ ·--~~-,~~;.:·' .;t-~~ .•·
Tom Zé conti4,,~Q~··compondo e.·gt~:1f:~ndo, mas sua trajetória foi marcadamente dife-
rente da do~•;;,;, .•,:,g t baianos. ~~lã~da de 1970, enquanto Gil, Caetano, Gal Costa
e Maria -~j <' ,,., ,. usufr~~{~:ii ~Êesso comercial e a aprovação da crítica, Tom Zé
caiu em i
: './j?,!_{}~.-.. .
;ftlade. DiF€f~!l,t~~ente
---•,<"•
dos outros baianos, ele ficou em São Paulo,
per~;mf~êndo à mar~é~ . d'.i indústria da MPB e do cenário da contracultura, ba-
se1,. ·" .,",~fincipalme~ .,, .; ·o de Janeiro. Na imprensa brasileira, foi descrito corno
~
,:t{;, ufiitsi~ttante
' 6µ
naveg,1?
0
. 'esponsável por várias opções erradas que comprometeram
!%L suª ~;carreira profiijl~_~ l.2 Tom Zé desenvolveu as implicações mais experimentais da
·,-;:.;~~;~~~~~·:~?sY~- ~· .-
----,j,:_,:1i~1. .,
2 Veja Rodrigó:Jiêi~:b, Errante navegante, Jornal de Brasília, 23 jan. 1991.
223
Christopher Dunn
224
Brutalidade jardim
~ it~os 40, disse ~.q.~;"f'fóm Zé em um documentário que ele "representa uma nova
(4:~
ij{ de pen::~~*i{:l"~ múcsica), cujas características ain<l'1 não compreendemos".
7
225
Christopher Dunn
Talvez mais que qualquer outro músico brasileiro, Tom Zé realizou uma significativa
contribuição para dissolver as barreiras entre a música erudita e PC!J?:;~ar.
Tal qual o instrumentalista brasileiro H ermeto Pascoal, Ton:t { 6:um inventor
de sons que experimentou incansavelmente e muitas vezes de (Çiir-
r.,_,
_)ídica com uma
;;, :.a,.::f~·
ampla variedade de materiais naturais e mecânicos da vida cb'.i j~ruí;,. Recorrendo ao
que aprendeu na Universidade da Bahia com o músico e tf~êi\~Ói suíço Walter Sme-
,.~·',i";;.:J,, '·~ ~-.; .
do que mais tarde viria a ser chamado de sampler: i p,.volvia uma série de gravações
de diferentes freqüências de rádio conectada,'$'.f~:,;~m painel de botões. Cada botão
-;.-i' -~;-~(--
acessava uma gravação diferente, permitindo:q~F o~instrumentalista produzisse breves
,tl°'t~·-".''-;..•. '~'\·
explosões de sons aleatórios de várias grafâ;çõ~~-
.. .. Outros músicos tocavam eletrodo- ..,: ';.
da década de 1990. Quando t~.q {~tvoltou a r~ iz~ turnês nessa época, ele dedicou
: ,,;;), ;;.1;:·· ~,:~~'{;,,;
parte de seus shows a es~~ - ~ 1~ lfo.entos SOIJ-Oro·s: c:ôm ferramentas elétricas. Usando
~",:~. . -~• fr° . ..;-; ,;:.
um capacete, pesadas,r:\ ij~~~f couro, ócij.,R Í~~~;:pfoceção e uma capa de chuva, criava
no palco uma atmosterf "ct~•.-oficina q1.1:$f"'aprêsentava a invenção musical como um
"trabalho especial~§!.,~(,
.\·,vl •..',·•..•_{
similar a <µiajJ&s~,~·u tra forma de construção .
~t;:,-.,
,'.:?~~s'1bem exemplilí,~~o pelo rock "Jimmy, rende-se" (1970), que, em português, soa
4t,- }'-:<
r-'f-
'S-t~
:,ç--. ..
·:;)_
mo " ]llill
· • ii•ity,,;;r~
Hw:ic.trfX/
-~
. Outros versos, como " Bob dica, diga", " Biliy Rolleyflex,, e "Jams
.
'·. ,~{} Chopp", se âJftí:~tmavam dos equivalentes fonéticos Bob Dylan, Billy Holiday e Janis
·,.,_,ff;;'¼?'' Joplin. Q ,~~~r -irônico da música dependia da transformação desses nomes de consa-
grados ~ ~ norte-americanos, pronunciados de forma conscientemente "errada'', em
expr~ _b"anais e itens de consumo da vida cotidiana no Brasil.
226
Brutalidade jardim
ou alienação da cultura brasileira. Em uma música de sçii, '· ftmeiro álbum, "Quero
sambar meu bem", ele considerava o samba como uma fk,p; ·"'' prazer, mas também
rejeitava seu status de objeto mumificado de conte~f%~~-ó -~ ~lancólica para os tra-
dicionalistas musicais: \:: -~H;1r
quero sambar também
mas eu não quero
andar na fossa
cultivando tradição embals~da.,.,
,~Yr?:F•;x:,: <~ • -> .é
Em outras composições, Tom ~ -: ~uif}â a formas,, · ,. ~~s a tradição foi construída
ou "inventada'' no processo de (,{-@.~6nacionalHfÍ~o~,i~~is rica e vibrante que a tra-
dição musical brasileira po~_a ,~i~~'.~Í~também i.pspJ&ctffn.a reverência exagerada e uma
t.:.~rr. '·:.f[-:f{i:/:º-'.r _)?}. :5yr~
timidez que, em última i,nst~çia/ impede á?íf!:~\4'ç~.ó'. Um de seus shows de 1971, por
,rt~Jd;;~,"''_k·_. :'~>~
_ ·_'' ·(:-:·??::_º''."'" _--...._•,
exemplo, foi provocativâ.ffiêfti~fintitulado 1;\C6-ii1/ quantos quilos de medo se faz uma
tradição?", um verso -~·~ ',:núsica «Sr. <¾i~;~i~~;t}:iA implicação dessa crítica é multifa-
)·•.- :';. •:.<-<~-•--. ,,. ,x.::,.
também às convençõe's' '~ ciais manii,4?fp:~lo ((senhor cidadão", descrito por Marilena
;1-: > -,. ' .;~,~:~-~:J;;,,...:,.
Chauí como o fwfg~ês conserv~,\,!,_:q ffe "conserva a cidadania como privilégio de
classe" (Cha, ._'1~13i~, p.33). A:í~{i{íl:à à tradição é direcionada especificamente aos
músicos bf ·· 'tos em "Co~· · <trrde Épico", no disco Todos os olhos. Na música,
i · --· .:.··-~ ,~J'. ~
Tom Zé új,9:Yl ,e humqr Pi:tti/ipi'nafrar o compositor brasileiro que faz tudo - falar,
parece,çyt~~;:''l tttir, ch'J ?itt~;~rf~~ar e amar - "tão sério". As tradições musicais cris-
t ~e~t;p~lo tempo ~~eç;~%_ pairar sobre os compositores brasileiros como frágeis
f. ' ·:::a.s do passadÇ · .- ·,orno se algum pesadelo / estivesse ameaçando / os nossos
,Ril~sos I comi ~~f~ de roda''.
,_ ,J-;; Seria um en:~1:l,p.tudo, concluir que Tom Zé buscava uma total ruptura com o
~ -7 ,?,;-, ··~ -~
227
Christopher Dunn
leiro do samba paulistano, uma forma que costumava documentar a paisagem urbana
sombria e nublada da cidade de São Paulo. Como em seu sucesso·•'â.i)968 "São São
Paulo", a composição também foi uma homenagem à sua cidade.~~J~ pção. A letra
antropomorfiza três famosas vias do centro de São Paulo, repres1
.i:•i:. "'- i%J.;
como três sfti;it-as
mulheres com personalidades distintas. As mulheres incorpâf.~Rl as características
desses locais. A Augusta era uma rua de lojas elegantes, enqf!~ i -~' Avenida Angélica
-\~-·~ .,.::.:=.
abrigava muitos consultórios médicos. Na música de Tq;p .~é)~a primeira "gastava o
{;P.1fi
,,~.•~;,~-ti 1~••
meu dinheiro com roupas importadas" ao passo que "andava com a roupa
cheirando a consultório médico" e sempre cancel~,~~~ }gnflntros. Como o nome
sugere, só a Consolação lhe dava algum conforto n ~#lidão urbana de São Paulo.
Tom Zé desenvolveu ainda mais sua peculiar re!e'iWJª da tradição da música brasileira
em um álbum de 1975, sugestivamente intit~~~-8~Êstudando o samba. Nele explorou
várias formas de samba, incluindo as formail'i ~1i;, e urbanas de São Paulo, samba-de-
1
roda, samba-canção, maxixe e bossa-no,:(it -~~
,:.-'!
fuesmo tempô1~,
_.;:":i.~::.
p que introduzia ele-
..,,_: •..., ;;:1,.:·,:
:- . ~- ?...~
Tç'Ji::~
utilizou um~gra~e variedade de fontes musicais, incluindo formas nordesti-
"· .. . ~-r,~
i;fl~~êômo a emb.!?Iir?Jfuê/o baião, além de reggae, rock e funk.
A~¼,· ;:~;.:; ;jJbiferentemitf-:"iÍas músicas anteriores, nas quais a "tradição" era evocada como
}J,:.'t ', ·{ .•~·.
t~., jim transtorrt~1;~ gerava conformismo, as músicas desse álbum abordam a "tradi-
: 1::1-_.t~:ir1/t~?r ..·~.'..1. _\f:~.~
··i-:-i,~.i · ção" comgi~ "liiterlocutor em constante diálogo com a inovação. Em "Tatuaram.há'',
um neol~gi~l10 que combina "samba" com "tatuagem", ele começa com a exortação
"·f,.,.
.'-r.• .•
cantat'fiheii'inglês "to expose the hips of cradition / to the burning iron of ads" (expor .
228
Brutalidade jardim
229
Christopher Dunn
ve Flaubert, Alfred Nobel, Jorge Lui~il3oigês, os poet~ ·~'ê ~~cretos de São Paulo,
Tchaikovsky, Rirnsky-Korsakov, ~~~.~JJ~:~~ Renascí~tfói;i~·a liano, pagode, músi-
·-:;.~~!i,~~··-~" :,('!:;.. ~-~"' '.fn
ca caipira, acordeonistas nordestJf~~s_,JJGilberto 9 j!.:;;t;;Ç~l'êtano Veloso. Na faixa de
abertura, "Gene", ele chegou a 'if~;u"
alguns ~f~~!;,SÍ'e "Escolinha de robô", urna
de suas próprias músicas do i-f'iíq{ç,'\ ::ios anos 70f.A.o.J inal de sua declaração que soa
como um manifesto, el~l5t~t o
. b · d ,, •-::,, · :Jf
v~},1:{'·t,.,:;,
.,_ ••{.-";-+_.•,.•,
d~.f ra
,;:;t. '~~- _-,.1
fin:
compositores e o início da "era
'
i~t
do p lag1com ma or k~ ..,,,,. ,~"'º· "-~c:,,.,.,,t;~,t;.?'
•<, •
)Y[t;".•·· .. Atsegura rnilot4::,lfiN que o mulato baião / (tá se blacktaiando) / smoka-se todo /
·.:,.?-:-;:'.~" -1:,t·,t:·J,ff
,;1,::~'.~t%:-
9 Com~~~ do auror com Tom Zé, 4 nov. 1998.
230
Brutalidade jardim
utilizados na versão gravada. De ~tgf<lg com o tex;.tctr;, ç.j'.Çàpa, cada faixa é "um tipo
· -~i;:~· :.~1
~~"_;·,;;'.'. . :•"J<:' -..::::.~-.,\
de outra música ou estilo;··'81r;('.3~' buscava qijt in':í~ío a uma cadeia intertexrual colabo-
rativa de citações mu~½ffi~~i:1º .. J\ii~::~f,~1,;l'
Antes mesmo de i~Y# fogos .de a ·.·· '•:ar;?timúsica de Tom Zé já era citada ou sam-
1
pled por músicos W?S Ê;f;dos Unid.,, ,.· ., •·,o após o lançamento de Fabrication Defect,
várias de suas c•' '.t;•\?~içóes foram,;g(':\:Yt8;s por importantes personalidades do cenário
musical exper/~ ~rti!l, como J?~~iM2Íntire, da banda Tortoise, Sean Lennon e Yuka
Honda, d~J~{~~'b Mato, e ct!~:f'!:i~h
Llamas. O álbum remixado Postmodern Platos
(1999) s '· ·.· ~-• ou pai:. · •:: fite adequado ao projeto de Tom Zé, que promovia
4
a estéf .:,i}'ff a;fA;:~~ligico~bi ·. ._,.9,r '. Essa colaboração coincidiu com a moda tropicalista
do rish década de ilt99Q~;~s Estados Unidos.
't'.{i7t1 ;/t;~i:ii~f ,,
,,,
~t~}:1~·~1i~f}}
~:s~~
10 Pa ra uma, ;: o mais extensa de Jogos de armar, de Tom Zé, veja meu artigo Tom Zé põe dinamite nos pés do
século, {J*'; ti ·de São PauÚJ, 25 fev. 2001.
231
Christopher Dunn
final dos anos 80, aTropicália era um,-~ WdaJ9:~ improváve.\)R~~\,:er sucesso intemacio-
.-:-~: :;:·'· !f.., ,..._.,_;,,t,;,. 11l~ b:~<;',h·
nal já que muitas vezes não seguia :_.,..., ~tió•iipos dos p4,i~:(Môminantes em rdação a
1
como a música popular de outros P.~ ~~p,everia soar;.{~ ({f? pkália era um movimento
,,,.,,... ,,,_,, ·~ ,,.,. (11
experiência tropicali~~'4~~
·;.:~~·: \:,i!
anos 60 nú'h~J&f
.;~,..,, ~.•1·,(~..
funa referência para ouvintes estrangeiros,
como a bossa-nova f~h1?fora os fãs int(tiJld bhais de Tom Jobim e João Gilberto.
Essa situaçã_st-:;~ udou na décaqt \9;;: 1,':í-990. Em 1989, o selo Luaka Bop, de David
.._..;_-: _~;(.• ·• _ . .·IV ·-~/ -..r
Byrne, lanço~, ~effff}i tropical, º'~ ~i~t~p'Inpilação de música popular brasileira que fez
muito suceJ~~,eresentando C., i~~0, Gil e Gal Costa e contendo um texto de capa que
descrevi'.'!1~;,:~ ~;i~ento tropi~t~~- O lançamento em 1990 do álbum Tom Zé: Massive
Hits, ~ ~pela Ln4~.~'~P't~Pi ~vocou uma mudança em como a música brasileira era
.~~~-,, ·• ~~:-S,-;r:,.-c ~-~ •" .,:,._ ,..:
Jf' ·:·world music, apd/W:_'ttitser premiada nessa categoria pela revista Billboard. A música de
·¾;,i,,,, .<iffom Zé sug~fi{ ~~~ s afinidades com a música experimental de Nova York. O próprio
'•·"'" i.;;::;;i
11 Chris·ri~~gJ~unn, Gringos amames do Brasil, Revista Bravo, agosto, 2007.
232
Brutalidade jardim
David Byrne declarou sua irmandade anística com o ex-tropicalista. O texto de capa da
compilação subseqüente de Tom Zé também o apresentava como l.J.tii'f~c;t,erano do mo-
vimento tropicalista. Em 1991, Caetano Veloso publicou um longo,~r · ,, _}qio New York
.:·..-.:<. >f• .
.J~
.5)}!~- .• .::t/~f.
12 Veja, por exempf~.,Julian Dibbell, A Br -~sic, Spin, jul. 1989, e Notes on Carmen, 7he Vil/age ¼ice, 29 out.
1991; Chri~-, · àn, A Naáon of; ... ;tls, 'lhe Beat 10, n.4 (1991); e meus artigos lt's Forbidden to Forbid,
''- · 1993, e TakingJ;liêiftçi,~ from the Cannibals, Rhythm Music Magazine 3, n.9 (1994). Encon-
trei ap~, ;,-. .•.·. . crência ~'E:i? _,,. ·· ''~ff~acional da Tropicália no ano de sua ocorrência. A ediçáo de julho de
1968 ~ •t~~- ·b\irânica Wo:/-fil ;;'gf;.,. ~ apresentou um artigo de capa sobre o movimento intitulado Tropicália:
rãzilian Wave! ·•1';,f
13 V~' das americanas , ~flitam a música uopicalista anos antes de o movimento atrair tanta atenção da
,.:_:.'.! " "~
•.:.,.-,' .J aa~~esrsa~otabdeoms ll.1!
.:um : esde o final dos anos 80, a Birthday, banda de art-rock de Boston, já tinha gra-
'
... -. •. "' e nonsense de "2001 ",masque nunca foi lançada comercialmente. O grupo de
,1J?, i'.t_i~~)\ngeles Tarer T9 ' .. ntou uma versão de "Baonacumbà' no álbum de 1988, Alien Sleestacks from Brazil.
J\;' _:~ Cobain, da~, -. \Wirvana, se tornou fã de Os Mutantes depois de obter alguns de seus discos durante uma
'íNt\. .,,.,;Viagem ao Brasa êffi{l®~':
<:'..:{!*t1:i l A Polygram !:JÀ~ }~,na coleção de cinco discos incluindo álbW1S tropicalistas de Veloso, Gil, Gal Costa e Os
Mutantes, a)é _o álbum-conceito coletivo de 1968. A gravadora Omplatten relançou os três primeiros discos de
Os Mutant' ·... 999, a gravadora Luaka Bop também lançou uma compilação de Os Mutantes, Everything is
Possible!,.,_,Q;p,@.Jeiro da série World Psychedelíc Classícs. No mesmo ano, a Hip-O Records (um selo da Universal)
produziu ;1@1\~~leção, Tropicália Essentials.
233
Christopher Dunn
Tortoise, adoram esses discos; elas fal,é!_m .,121,êles em entrevistas para os fás". 15 Os
..(''·, ,. f:~~ •':'· .. ~1~1-"
tropicalistas foram ª•,,,.•" ·... os como pit~~'
, ._, ,, ·.~--.{·.•
fes de grupos dos países dominantes em
busca de uma estétic1:B'ã ·a da na apr6~fiªçã6 irônica, na justaposição e na reciclagem
de material data,4~1t~ diversas fo11:r~~~~ii~icos e críticos expressavam um sentimento
--~, ,r.: _•.!<
•- · ----~·..-_:?· -__ '·•··
de "finalment~, ;ili~Jiçar" o tipqii~t~~úsica recombinante e híbrida desenvolvida no
1
Brasil, mais ;f , .in~a anos atrá - .-- - ,'r~picália se tornou a última encarnação da "poesia
,'.J~ .\;}'.·:' .
de expor/~ de Oswald d -..;.,.,; fade.
T: _ ·;;:f,;;; :e,lhoreitii~~!~~~,rd o tipo de canibalização irônica típica da Tropicália
pod~~is\~r'bu~idos nos di~~is d'Os Mutantes. O som da banda se inspirava indiscri-
mi~i~~me em rR •·• _SÍÉodélico, blues-rock, iê-iê-iê, os Beatles, bossa-nova, pop
·,:::~'."\'..;\ . ·••i:'./ ;~~f..>~· :",-:.$;:,
.tià'.'ffü.es e italiano,,c l, :-r latina e uma série de formas brasileiras. Em muitas de suas
1(~~;F /J~\
15 Ben Racliff, FlÍ,),m fií-'fu.il, the Echoes of a Modernist Revolt, New York Times, 17 maio de 1998. Para uma análise
mais exrens_$idil.9picália incluindo uma discografia anotada, veja Ben Ratliff, The Primer: Tropicália and Beyond,
·,r .,.
The Wiry1::A~j:~Ji1n. 1999) .
16 Gerald Mill~'tá.ci, Tropicália, Agora!, New York Times Magazine, 25 abr. 1999.
234
Brutalidade jardim
músicas, eles brincavam de forma divertida com "erros de tradução" estranhos e en-
.,
graçados do pop metropolitano, transmitindo afeição e um irôn:1~~;Qistanciamento
...~,t"i: . -.·-~
em relação ao rock anglo-americano (Harvey, 2001). Um dos icq · '~i:as pop mais
aclamados da década de 1990, Beck expressou surpresa após <>,p~i :...· ~ primeira vez
Os Mutantes, com suas misturas baseadas na seleção e combirf ':~i?iÍ~e fora praticada
pela banda trinta anos antes da estética de colagem do próg_p ,,~ eck. 17 Em 1998, ele
lançou um álbum intitulado Mutations, apresentando '\}'.lird.o rádio "Tropicália'', ?.: ;
/t':J \ ~.-•.
um samba que lembra "Aquele abraço", de Gil, e os so~;\~·z,·,.;,;, '~as de Jorge Ben do iní-
cio dos anos 70. A letra da música também sugeria %tlli~~aY filegórica de "Tropicália''
(1968), de Caetano, mas de um ponto de vista decist ~ente dominante. "Tropicá-
lia'' de Beck é contada na perspectiva de um expji'tift.fil!o desencantado, vivendo em um
><\w,• •.1.;._~> •
lugar que "reeks of tropical charros ... where t,àntí's~s snore and decay'' (fede a encantos
tropicais... onde os turistas roncam e se de~( .. . . · m).
,y.. -1~f~:;;f?
A onda tropicalista nos Estados Unifõs a.tingiu o ápic .. -~e rão de 1999. Várias
JS·. ?.::t~. .:.-.:~~:!' /{~~J;• ~-.-
revistas convencionais e especiali~p ~ .t~ifii~êntaram ar~'ç> .· bre o movimento e as
atividades dos principais participdWt~(:~bm Zé, C.~~;73:AVeloso e Gilberto Gil se
apresentaram em vários locais no i. ~ )los Unido"~-' -· 1Jiatraíram grandes platéias e
foram citados em resenhas alta~ •· ., Íogiosas e~tçyjst~ ,;.-.,,.., ,,~
·-.;•.
de música e para o público
geral. Caetano Veloso viaJ~lY. -~~_,fft:rnê com urpa b~fiãa de doze pessoas com material
do disco gravado em e..,; ,çv4i1,J},li;~oe o ál~ fij~t;ivo Prenda minha. Gilberto Gil e
sua banda apresentar~,
1
~iTutJls do CD cití~I~Y
/:l~- ,.:'IP
âe 1997, Quanta, e do álbum ao vivo,
Quanta Live. Enqu~J~ri~so, Tom Zé::s'e., ' íéiihtava em várias cidades norte-america-
nas com a banda To'l~2Jjj; um grupqi:::" ental de Chicago.
No verão de 20?.0: '~ grupo Po~i~i~tit (um projeto paralelo de Mac McCaughan,
-~1 k) lançou u~~!ffl~izded play (EP) de músicas brasileiras, De mel
da banda Supe-.. . ·< •.;-- -"'-:.'" • :•r. -~\:{,''''
clássicos ..-,.. '/>.Jfàno Veloso.; "' ~.~ghan explicou no texto de capa que se inspirou a
gravar.~tti\[\'r~-tas pori\t:.1t1f~~êFgia, a emoção e as melodias puras concebidas pelos
artistaí''õ'~irtls são un'ilitj.ifinente empolgantes". O disco foi bem recebido pelos
en · · !,~ da Tropicá!it n~s·Estados Unidos. Um crítico musical expressou na inter-
i~.t~'··-iS:::-._,, ,'.ema alegria;':~p~
~~f- .:}~---• . -~~t<,_,
ntemente com uma pitada de ironia: ''Ainda bem que existe
\ ··-~.,~-•,:if.
:gl,~balizaçáo. ij~"; 'dcil'fcioso novo EP da Portastatic, Mac McCaughan se inspira na
·-•r~:J,:.:~
IjfVª onda da Tf~Ji~~ia brasileira do final dos anos 60, que, na época, se inspirava nos
~'!;-? ~-'~i;;z~;!~'.:·
17 Jackso~.;@i~~~% oogaloo with Beck, Pulse/ 188 (dez. 1999), p.81; Eric Gladstone, Música, Mutato, Muto, Mu-
tante, M'.úiãtii/ Rtrygun 63 (jan. 1999), p.42-9.
235
Christopher Dunn
movimentos acid e pop dos Estados Unidos e da Inglaterra. E agora, t rinta anos mais
tarde, garotos universitários conseguem interpretar as letras com a ajudru,q_e ferramen-
tas de tradução on-line em um cibercafé, enquanto comem rosquinh , © s críticos 1.'?~
brasileiros acompanharam com interesse a onda da Tropicália queiras dos epif ,_,,
Estados Unidos e da Europa. Escrevendo para a Folha de São Patff,i)~' %ij~;~ano Vianna
,.:{:,/J:",,., , i>i',
cautelosamente afirmou que «o lugar da cultura brasileira no ~ õH:'~~rto das nações' já
sofreu um pequeno, mas decisivo, deslocamento com o tal/ -·;fõ t8.o tropicalismo." 19
1
Após conversar sobre a tendência com um observador no _,r, --,.ricano, Vianna con-
cluiu que a Tropicália não foi recebida no exterior coq1~ :4wa·ct~riosidade exótica da
.,.t, .;!:;, :.;_::'~:
world music. Na verdade, o movimento foi "saudado qui&i!f'c omo se fosse uma escola
de vanguarda dentro da já longa história do roc~ij~1.4a música pop internacional".
.,>i-. ·•¼:,,o
No entanto, a interpretação dos países dominagJ:êi~ ,·-.::-.,
relação à Tropicália como um ---_;-·• ;:):_,
movimento precursor da estética musical pós#'° .'erna global muitas vezes ignora a
intenção crucial do movimento e seu impa,~'t"o J~il3rasil.
gs:I~:''.;:'ifr
à forma na qual os artistas se utiii"zam de i~i ênçfàs locais e internacionais, novas tec-
nologias de produção e,'(~ ~~irnismos de
:~:t
âr(~:16\!~
:~,i., ~-::~.\;i;f~,.
mídia em qualquer dado momento
histórico. Referindo-sêr :t.. StO vangu~J,~â'l:j_ue concluiu formalmente o movimen-
to no final de 196§:!': ,9m Zé prosseg1tj ~:si~~o se pode imitar as coisas do tropicalismo,
elas já se esvazi~,i/ ' ,:JDunn, 19?jf~t1p:_i~:~XO). Qualquer revitalização formal do "som
universal" do n'~gl. d~década dç.i'~J,:~~ --i'nevitavelmente seria sobrecarregada com um
' ~~:;:L~"-: _..:,; ..
kitsch nost~ :..' ?. ti.
. Nos últimos12
·. ,--~:--f
-· os, contudo, a experiência tropicalista tem sido
\{
18 Veja a rese,. _ ~ent DiCrescenzo sobre De mel, de melão na revista on-line Pitchfork (pitchforkrnedia.com),
19 H ermano Vi : A epifania tropicalista, Folha de São Paufn, M ais!, 19 set. 1999-
236
Brutalidade jardim
exibida durante seis semanas pela TV Globo. Escrita por Gilberto Braga, Anos rebeldes
foi a primeira telenovela a dramatizar os conflitos políticos e cul~ ~- sob o governo
militar desde o golpe em 1964 até 1979, quando a Lei da Anistia p~,f~!Í&'.b retorno dos
exilados políticos. Vários episódios abordavam o clima de opress~ _:é ~j~68, mostrando ~. ,.: .,; > . •••.•
p.193). Anos rebeldes também apreslii""°' _;ijb s jovens da,,,Gti~J~hiédia brasileira os debates
u:~ft~ ;\~f;,.?. "'o ;:{t~
políticos e culturais que haviam e ,.,.' gàâo a geraçã.~i~;§~b.s pais. Muitos jovens mani-
~~ . ',t: ,-i•f:./:-:~ t
·r :""5~~·;/
20 Veloso"lii •-_-.de inchúu essa m úsica em seu álbUIIl ao vivo, Prenda minha (1998).
·::,.
237
Christopher Dunn
parque", de Gil, e o sucesso de 1969 de Gal, "Meu nome é Gal". Caetano retribuiu o
gesto vários anos mais tarde em uma música de seu álbum Livro (1'.\ ~Z), que procla-
" • , ., .• ,, ,.-::;rr
mava que a Mangueira e onde o Rio e mais baiano . A:t:l:5-,:.·
ll .,tt i •0f. . .
O bloco afro Olodum, de Salvador, também celebrou a TropiçIUii,,~'ºseü legado no
----~·:·- -(~,~:->
carnaval baiano de 1994. Combinando crítica social com um"'à J~p pop, o Olodum
· -i/ <;:,-, '.)• {?~·-'
ganhou fama nacional e internacional no final dos anos 80\t rnf~io dos anos 90 com
suas fusões percussivas de samba, reggae e outros ritmo~r ~'p~~~ribenhos. Nos anos
80, o grupo surgiu como um importante defensor da a ff'' ·, cultural e da política ;:p
negra. No início dos anos 90, o Olodum alterou s~t,' at{f acrescentando instru-
mentos elétricos à sua bateria, em uma tentativa d~· ·c~~orrer com o mercado pop
local. O grupo continuou a apresentar e gravarJJ~~icas de protesto político e racial,
.f-..-: '-~ft;'~ât
mas também expandiu seus temas. Apesar de "· .e parte das músicas da década de
1980 se referir às histórias e aos heróis das 1~:t egras no Brasil e na África, o sucesso
de 1994, ''Alegria geral" (uma alusão a "i)~gríf;1~ egrià' e é:lJ êJ'ij~ia geral"), proclama-
...-. - 1r:~~1~, -~·-tr _,.;~~::~"i:- "\'
va abertamente: "Olodum tá hippi~tt Q!ili:t:ün
;-r,';t- ' . ,;(:~3.':':J:\:i-1',:·,
tá pop / ~Jôtli4m
..,_(~:;:~)•j-: .
tá reggae/ Olodum
tá rock/ Olodum pirou de vez'. ,.~H~fif
música d9,1r~i?mo álbum, O movimento,
-· ·.<:'~: t;-:;~~ . ---.i;J - ~ :}?.' . . ;<:)
u"' , ,
,_.t;'.i(.,_";._ ··::;.;..';-:.-'-;.~.-
238
Brutalidade jardim
versos artisC¾~Íi ~ àfuados que ir "' '-:x§tÍrgir no cenário nacional na década de 1990 de-
monstr~ 'iê ,",."19'àfinidades cf < ) '.p,rojeto tropicalista. A música popular brasileira dos
anos 9Q,'Fii!ffir!cada Pi!t "f!Qfi~fí11zação de algumas práticas musicais de origem exóge-
i~:,~ó~k, o reggi~;~ :f;P e o funk) e pelo surgimento de novos híbridos combi-
4~ Baby Consuelo, ·• .;:,:-·Sta dos Novos Baianos e uma eterna favorita do carnaval baiano, observou que "o tropi-
ti{~f;f'calismo é a rait( ,, que se vê hoje no carnaval de Salvador". Veja Christiane Gonzalez, Tropicalistas derrubam
axé mu.sic e 'Í-, Folha de São Paulo, 24 fev. 1998.
23 fusa grav , ~ icália: 30 anos, apresentou Batmacumba, interpretada pelo Ilê Aiyê, Domingo 1UJ parque, inter-
pretada: ,a,.. . gareth M enezes, e Alegria, akgria, interpretada por Daniela Mercury.
24Amemô'' · 1ebraçáo da Tropicália, A Tarde, 25 fev. 1998.
239
Christopher Dunn
nando gêneros de fontes nacionais e internacionais. Isso não representa uma novidade,
já que a apropriação de esúlos estrangeiros tem sido fundamental ·-'p.._Ata a gênese da
música popular brasileira desde o século XIX. Como demonstrou C ~ii,h~Magaldi, a
novidade reside na forma como esses novos esúlos musicais se posi_ç ;i~fti~ em relação
,., ~~.. 1"!'.3.~~
às noções essencialistas de "cultura nacional". Segundo Magaldi;tft :,,prasilidade deixou
.·.{,'t•'"-', •_;.. ~:~·
de exercer um papel central na produção e no consumo da J,nfis-i,ça' popular e formas
musicais exógenas foram "uúlizadas e reinterpretadas no ce9-JJ;Í~ :!J~ileiro para articular
as identidades sociais e étnicas locais" (Magaldi, 1999, P-~l QJ?%fêneros como o rock,
o rap e o reggae foram "abrasileirados" de forma a ser.t iti~çiki&s como um repenório
mais amplo de práticas reconhecidas e aceitas como b;~ Jrii';as.
Grande parte da música popular produzida l~Jc'<1b.~,·
.,:·t
.apresenta marcas da Tropicália e
da musicalidade da contracultura do início da él&adi"de
1
1970. Músicas desse período
, •f~•~i\~ ..( •:~~,-J
foram reinterpretadas por artistas como M.~ i)ãtMonte, Daúde e Andrea Marquee.
. !~ , JC ,·• •
piorada pela primeira ve:z pelos ;~ ,~ ~iOOistas. Carlit .?,f:,Brown, a cosmopolita estrela
pop da Bahia, desenvolve1;11.~ .;;çsf'érica decisivanif'Hte híbrida, inspirada em várias
'/i_. ·- -·~:.· ·.:.•I -S .:.:~~
formas musicais do No_~~~~· ' '"-4? Brasil, bi~~~'1?:m.9--'ó reggae, o funk e a música dan-
çante tecno. Outro J. ovem co pop bahfuo/~
ftJ ~
Jiliucas Santtana, fez uma homenagem
explícita aos tropicalJ~!~ em seu álbtllr}-,._~t -~ sfréia, EletroBenDodô. O disco começa
·?-~·- -~:'t',};, _. . -~~\'~,i
com uma amostra dlitil}ô.e "TropicáJ,if /ffê" Caetano, com sobreposições de guitarra
elétrica distorcida<e uci';; amba toc~4,~}\:pandeiro.
••..--::\l ;;;L,, ;;J:.., -!•t,1;t;\,
240
Brutalidade jardim
incluiu samplings de discos tropicalistas, vocais de Gilberto Gil e uma versão do hino
pós-tropicalista de Jorge Mautner, de meados da década de 1970, "~iir~çacu atôrrúco",
que fundia o ritmo maracatu com música dançante d.rum and bass~t!J-,r,:,_;?,\
·!); :-, ~.•,<
Hermano Vianna se referiu à música de Chico Science &,;:~ aç~ Zumbi como
J ....i\t,-,
liderança de Zumbi, seu maior guerr~~'fb::q!gro. A ban$;1 '~ ipt6u uma forma democrá-
-~~~-~-:... ·.~ ·' •·n,:.·~ ~-\"1
mesma geraçá? ~9fW5tados Uni~~~t,~::.a\1 Europa. Chico César sugeriu que os cro-
J: j. ,_.•.
• .'.~> ~.. -f~,1 • _ · ~:.:,·'
picalistas se v~1eràm aos int~/~~. éomerciais e deixaram de produzir novidades.
1
Falando pariit~wf
,~"1,. . .).•.·
público not~t~; . ;~,., ,
ricano no Festival de Jazz de Nova Orleans, ele
•~<t>
anista.c~ft ';(½l ê!ósta virm?tima·senhora que se dedica a cantar bossa-nova. Até Tom
Zé, q[?i;t &eu durante ~ osfip.~ semi-anonimato, virou um darling da mídia brasileira
depó~ le receber a. b'W4A't> de David Byrne. O tropicalismo já virou stablishment,
i,§r ~~"'f/Parte do sisciif ~{is Considerando o fato de que Chico César também usufruiu
\~. u~ sucesso cori~1i~fivel como artista pop tanto no Brasil como no exterior, esse
'q,1,\li,t!";:~
25 Veja Carl!J,S,J)iid'ó, Chico César esquenrn. debate sobre Tropicália, CliqueMusic (diquemusic.com.br), 5 maio
2000. , ' '~'l-ilif'
241
Christopher Dunn
ressentimento parece mal colocado, especialmente em relação a Tom Zé, que ainda
permanece à margem da música popular no Brasil. 4-~~r~.,:,
A publicação da autobiografia de Caetano Veloso, Verdade ~ · ·''· t/ em 1997,
li . ,·· .
provocou ou tra rodada de discussões em relação ao moviment_o; ': ~-,· legado e sua
relevância contemporânea. A Folha de São Paulo dedicou U!Jl,f {~~-~ ~"inteira no ca-
,:f:'1!'.'.•:>, ':·.
derno dominical de artes ao movimento tropicalista e à int~ pf~?J-ção de Caetano. A
maioria dos críticos considerou a biografia uma grande s~~i5fBliiçáo às intermináveis
discussões em relação à modernidade no Brasil, sua ide.à,
,...
¼
s\1•.
~â~ nacional, música po- :~•i· .:- :-; ~
sileira.~,Nl/~do,
tl~-t~J:-. •\-....~::!;-
tat+~R ~~õ
- -"":.-•.:3/~ ._,.~
como Gil apoiaram publicamente o então presidente
do l?t:~ifFêrnáhdo
:::t~:--:.,.\~-~.~.. .
Henriqut·•.'Cardoso (FHC), um ex-sociólogo reconhecido por seus es-
tu~ :# ;;t eoria da d~J>if 9-êfiba e que se tornou defensor do liberalismo de livre mercado.
_,...,_,_--;-,. "(·~i1.,..-,;. 4• -1',., :,J~
/fin;~ a entrevi~ ;:; ;/·elogiou a dupla tropicalista por suas qualidades "universais" e
~ft.. , :.,~ cterizou Chi<(~: Buarque, que manteve o leal apoio da oposição de esquerda, corno um
";í,i!;;,J!litY.~ sta
'-·.,e,,._
"conv~g,!~irda "elite tradicional".
-:-·. --1}~--~~i:'
27
- - -'","'/;~"':"',:~;~}§l; ·
26 G ilben~,,Visçódédlos, Sem mentira não se vive, Folha de São Paulo, Mais!, 2 nov. 1997.
27 Veja SiK&Íidiíde Reveladora, Revista Época 14 (24 ago. 1998). How to Organize a M ovnnent, p.109.
242
Brutalidade jardim
sua situação atual não é resultado da modernização c?t~~~f~t! ª sob o governo mi-
litar nem da transição neoliberal conduzida por Collqf~? ''~HC: Como muitos outros
artistas da MPB, Caetano certamente se beneficiou dJ l Ípansáo institucional da in-
dústria cultural desde a década de 1960, mas el~;f ~/m expressou sistematicamente
Js.-...:,;. '
críticas incisivas à sociedade brasileira conte11;,g9,]~ea.
Caetano é sem dúvida um artista consa{i~~.:j b Brasil e, W~º diz Sovik, a Tropi-
-.;;.;;i. ••,-\• ;_ '.'lo-•~--~
realizado pela revista brasileira IstoE.;tt onttii'.~c{ Chico Buatqwt foi eleito "O Brasileiro
·-·•;7:.:{'f:.f~----yei --~-~- . -~:t }._
,
do Século" no mundo da música, pqf ~~5Júri de críti9pft1iP1Úsicos. 28 Foi seguido de
Tom Jobim, Vinicius de Moraes e Nascime.ql of·ª f irincipais articuladores da ~ti'iç!)
Tropicália, Caetano Veloso e Gill5'~}l~~t il, foram eiiJJ,g~)i.·espectivamente em quinto e
g-...,. '\1tj_':f• ·--~•..
----~:'.~;!~~
28 Veja ediçáÕ ~pl6i~ de lstoÉ, O brasileiro do século: música, mar. 1999.
243
Christopher Dunn
e seu término em 1968, com a Tropicália. Em sua análise do cinema, Isrnail Xavier
caracteriwu a produção cultural do final dos anos 60 no Brasil coni~';'.l\J'!la "situação
de fronteirà' marcando o "estágio final" do Modernismo e o lirajà';;\:J~t ,condiçáo
4
j'F cõ11f á "tradição nt .. . ·tiíà ' da cultura brasileira, demonstrando largo conhecimento da
~i~~~~ fuica popul~{ ~l~eira, desde os anos dourados do rádio nas décadas de 1930 e 1940
1
1
_
•. ~:<~\!..... ... \.f:z:1...... _·;\,..r, --~,
,
,., até o lúp hoe_,éôntemporâneo de São Paulo; da tradição do samba à onda do rock da
~·•~ ~:~:ít: ..
década d~Vl'.~BO; da bossa-nova ao pop contempodneo afro-baiano. Apesar de teorizar
,;, ,.~.&- ·,;."·,
a praticaf e'1~ântropofagià' da cultura internacional, a Tropicália e seu legado não pode-
244
Brutalidade jardim
um mito. Acho que Freyre foi muito impo~ t~tpara a elab_oração do nosso melhor
mito como nação, o mito da democra~ia r~ iar:~~Para muit~,~~~\t~stas afro-brasileiros e
~ricos das relações raciais, essa afir~t~~gfo-Vâ~elrnente ~ gênua, se não perigosa. SQ
~f
E possível argumentar que esse é o piÕ'r'.''ini;l :, justamen~ ,~,l~gli~r
:1:ê-X '·•~-...
cúmplice na manuten- •'-!•_.... . --~1>~{: ~
245
Brutalidade jardim
II-RU0~-Afffl
P~l0D1(0S"
Bondinho (Rio de Janeiro)
• ~ • • .,;;;{!:~),.,.:
Correio da Manha (Rio de Janerro).;y "'"J;i:0,
i;~t~- . lf
O Estado de São Pau/,a ';W!f%l'
Folha de São Pau/,a
Jornal da Bahia (Salvad~J,_\:'i:0,.
Jornal da Tarde (São Pafil~Ilt
Jornai de Brasília (13, <1s íli;f§
Jornal do Brasil (Rio/ C'' '~ dro)
The New York Times,, ·: a York) .1,.f•'1•( /:
'Cruzeiro
Imprensa
lstoÉ
Manchete
·•.·" 'e New York Times Magazine
Pulse
Raygun
Rhythm Music Magazine
Spin
Veja
Vtsáo
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