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.Jiftltalid.ade iardim
,~\A;Tropicá\ti}~:-~t·surgimento da
· 'i•':f" contrac'rlJ~hr brasileira
~-v~ ",.· ~ ~f?
;t ' f:·~,~;::--..·'
f'. ~:
Chrisfüpher Dunn
FUNDAÇÃO EDITORA DA UNESP

Presidente do Conselho Curador


Herman Voorwald

Diretor-Presidente
José Castilho Marques Netq 0
,., ..

Editor-Executivo j;,\1!:JP
Jézio Hernani Bomfim (l~º4i_Í~f~J
i;/\~iti!i;;···'· .:<;t·
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Antonio Ce1~~~ffeira

Conselho Ed}fí . Acadêmico


á~.:)~--
. . j\:~·.., ,,,),',

Cláudi o Ad#;nf61R.abello Co ,, , ·

Mar(
LJl' j!:::~~¾t,
,JZosário Lo~gõ;'.(M !Shatti
M~t;~{:""'.ff'arnaçáo B{t~Jtt;Sposito
'~:Í4tJ4;~io Fernan,,~o B,9)~gnesi
· •P;ulo Céta~f'.~~t:tê;"Borges
" '~;t;·~.fi~~!,
Ro berto;~ dltf Kraenkel
Sétgi0;,,~ Iêé~te Moera
-~~y- -:::-i~:}it::
$~?~?,·L
··· · '''tires-Assistentes
ill\1~âerson Nobara
/•'t.; ''·7;;~:-'
,,;r;:.c., ·' Arlete Zebber
•ristiane Gradvohl Colas
Christopher Dunn

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A Tr<t!prj)i"a e _o ~ uf:' 4fu e nto
dar~cõrat
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ra eu Itu11·--;tâ}rbra
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Tradução
Cristina Yamagami

~
editora
unesp
© 2008 Editora UNESP
Brutality Garden: Tropícalia and the Emergence pfa
Brazílían Counterculture by Christopher Durih;ff;,t
© 200 1 Universiry ofNorth Carolina Pre~~f .,.
© 2009 da tradução brasileira .,

Direitos de publicação reservado,§r~;~,,


Fu ndação Editora da UNESP
~1:~:,>•,-'?fJ
., !
(~tür,t,1
.,

Praça da Se, 108 _;f(;:,1;,,,, ·.fr.,.·


01001-900 - São Paul ·>' ui';;;:~
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feu@edirn~4?~~~~P-br
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CIP - Brasil. , J açáo na fonte


Sindicato N acio;i,.J"d~ J.Êditores de k;iyt,qs, RJ

::::~ Christopher, 1964-

Brutalidade jardim:
:{~j~/ l;f:;~
.~cália e o s~if~~tifo da conrracultura brasileira/
Christopher Dwm; rraduçáo d:~~::.. fua Yam~ ;~-â~ Paulo: Editora UNESP, 2009.
. il
276p. . . , .{/,," ·rtt
,~\f , . ?.--t'.·i;~....,..tr.;.
"!<t,;:>
;,. '":i)!!fL._·,,~i":y- i)It,",.~'l.Q;:<:r·
Tradução d~l~~t~~ty Garden: !tdR,Í~~ ia and the Emergence of a Brazilian
Counterculture ··· ,· •.,,,. ..~
Contém;i~ ~~ggrafia
Inclui lif~ :iiJafia ,;,i;:,_
ISBN 97g.:S5-7139-93,t}'<tt;~.,,
/P"ffk :ff1·tt;l¾+,, ,.,-
l, -~~calismo (M,9,~rfi~}to musical) - H istória e crítica. 2. Música popular -
·st6ría e crítica. .f'"'·•q traculrura - Brasil - História - Século XX. 4. Brasil -
964-1 985. l{·t ff _: II. Título: A Tropicália e o surgimento da conrraculrura
~•:· .?J~?J-~f #

CDD: 7Q CDU: 7.01


4:;::..~;·,,.;_~. .

Editora afiliada:

~JJAC
Asodaciôn de E.ditortales u ru,·ersitarúu•
de Amêtica Latina y el Carlbe
l •• I
Assoeiaçào Brasileira de
Edito ras Universitârias
~Uffl-Á~l0

Ilustrações 7
Intróito 9
Agradecimentos ,i'\fftir;:>"
1
Abreviaturas _,' ;'}/:fft, --:
Imroduçáoit: ,.,
--~-.•
,
·}?r _;:i•-~~,.
:_i~:•:_
C.t\;l?ITUL,-Qi 1
Poesia de exportaçãÂÍi:m~ti-; ~·idade, na
e imernacionalism'i:rmã1}{ultura bra
,]!i__lit:{,::,i' '
"'.:I~APITULO 2
: .,-fn~ -. >:rt
Participaçt\~Jk.íiit4fl:a pop f o ~P.m tt~iversal 51
¾f",~\, CAPÍTU;,i:;',!
O moment~/AJ ~l~~g~ista 95
;/'i\ii,i-t,; ,•·
CAJ'.tf:I;JJLÓ
' ~,.y., ,·;.·\
4
N~1~~ia adversa: TrogRflii'l ia mira da repressão 145
' ·.•·;:t?1![t]i;i;;,, ,,.
'f,,".
/~~lf,
'*i~.r
--v,.~ '"ITULO
n
__ •··.., -
A_ 5
"", ' -~ ~ '. ..,. .,;. ···~J\frt~
., ália, contrcl:f !ª e vínculos afro-diaspóricos 187
. {:1~~jf/ ~
CAPÍTULO 6
.aços da Tropicália 217

Bibliografia 247
Discografia 259
Índice remissivo 263
,....
::-e;.\\~
~- .ur

=t~~;~i\J
1mAGi n{ -'~(:. ,. ---',r-;•

~--
Gilberto Gil e Caetano vJfSso, 1968
.i,1i'!i
~"\- -,

68
~:j\\i~-
Tom
·t·'
-~e-,~V'.\;,,·1'9.'68 69
Gilberto Gill::©.s-:M utantes, 1967 87
Cena do filme de GWh~!-t ~cha Terr_//lh~Jranse, 1967 99
-fi•t· ~~¼t:~~,;:l:í-.! _,1~~:'ilf:~·-~-. -·
Cena da produçáÇ:g q<t"t}/Jtda vela, do:l<:;Úf~ Oficina, 1967 103
'~';f; ~/- )~/: ..~ ~~>· ·-·~-~::~~~

Caetmo.VtI6so e Gilb~t;f~il; 1968 113


~f-à )t~<' -~~ . :t;:=-~--.:}i'
Caetano Ve}q,~ó;';~pfésenra um,f6gã8,9i:fé brinquedo, 1968 131
v,,t~i(~~,:;_. . -t~>;;\~iJJr
Artistas llifit},~i&~S parriciparp de'}i"âsseara de protesco, 1968 133
:4~~-- ·•.c.;-c;i~ ,,,~ . ~
çt. ::~~:
Caetano VeJ,J?,f5.l,§t1J., programa ·· ,, ,J.: J·ip'resemado pelo Chacrinha, 1968 149
. ,.. ~~~;J~~·:;" . :,,. '- ~~•··,..
Gilberto Gil éãrnando no Fêstiv;rI Internacional da Cancáo, 1968 155
. -~ ,>t~- ':?r\,..-~-~-:{ ·,' .,

,,_... ;,,
1
i"'
tt~;Caetano
....,...,
v;i~q_~,~QfMuranres
_.,,.,.... '11"-''.
e cantor americano
'-~:C.t'Ji;'t·" no Fesrivalff jt~r;acional da Cancáo, 1968 158
;r_; ~...:.1,;,..,_. .l':1:,tl'..-..~ ·-.~?,, ,

~ÍJ:osta e púb,ij{g;_põ'"'Festival de Música da TV Record, 1968 162


Ri~~ t:t 'fom Zé e H~ti~h,í;daglia no Festival de Música da TV Record, 1968 1
.;>i~ -- . . -r.~t~· ./-:~:1-ri:fj.-:,;,t' ,.-,
.:S~ ~t_topicalisras se àpf~sl,Aram no programa de TV "Divino maravilhoso", 1968 11
'~,?J-~t,~::·.-JJ'.-:• __ .l~·(:.:~_:·:, "•r-:~ii-> #

~~).:~:$t~~) -:·t%~}íB~r~~ Gil e Jimmy Cliff em Salvador, 1980 213


·.~:·l ~1 ~ ~~~ , . -~t::.~.,
_.;.,t{~';}~k,, Caetano V~9s0 f<:iilberro Gil em Nova York na rurnê do Tropicália duo, 1994 2~
·~::_s,t~~ J '".t:/Jt. •✓-.;

J!:f:~~;;~,f; Tom Zé -~ 1~~1:.:Herndon da banda Torcoise se apresentam em Chicago, 1999 .,

t;,i:t"'
~-·.:_· ;.-~·- :..>, ~-r;.,...'·.,l;..,
,:t~'2;<i·Gilbmo Gil se apresenta em Nova Orleans, 1999 234

.~:i~~í:'
IITTRÓITO

LIVRO CARAMANCHÃO DO JARDIM ente orgânicas


;Í\tente phoderosas,
A brutalidade da delicadência das deliícias ,,i' '\ias nos movimentos livres da vida,
Diaspóricas tecnizadas q floriram na .,,_·if~~/ ·· tes, semp . xamânicas,
1
etherna flor tropicália no jardim
; ,;~'\i
:i~ Q\;t;eu phodeJ,kt.e ·'ieracivo
ª:(t.:~~:·•.,:a?;'~~~' .1-}:<;./(~ :. .
amurado brutamelmente do mum-,<?c.,Vfé;;,-:¾\i empre re-c#§.l,tÍ\Í'dJ
começando a ruir em 1967. ';;};~f)"'..&W potenciajh?t~4-~;;~a cyberevolução
··,,T vem libé'iia ·f\ o mundo com seu deus
Se você ler este livro, -,.: o Dn}:fa?~,,: o··o 1° nome de Dionisios,
::fl/21}~;:
vai sacar que a democratiz<.1;ç~t · · ;tJfft deus d8sJf~mo hoje imperando,
,' .,.,.,~•. ' ,,
do mundo se faz por sí '~'<·· '·~\i?l:F '• ÍCáJnente misturando Música,
se cai o Bloqueio de Cu': . ,. ,<;.i,,• ·êri, Poética Pragmática,
Os Muros de Gaza, México, :l e itú destino determinado na Tragédia
os recentes da FavelqJi~J:üo, -1//??);a~ diasporas que viram em sua
~ .~ ~t~
M orro x C 1 a e .d d :'{ ·.:;;~t
"-t.·. /s<·
"'.\•,•.<"· ': .,·,..{·,:! ..•
..,,,2:·f'-. X:m1scmenagçao,
~. . . ,., •
mistura,
1
Favela x Classe Médii?s.:: entredevoramento, antropofagía:
Tudo q separa, Komédia y Orgya.
o amante x ~
Chris Dunn produziu
pode-se P~Ii~~l~r ~~
r.."' i•'· ,:,'-:~_-

como n4.{i.i'"'N'fto livre ~, urna obra de percepção política do mundo,

~: ;f,.z:::::::~,! ,
pr~sê"'&õmer bem. ,D;, .
nio da decadente, ex artistas da presente
falta de arte politica,
dos politicos sem talento
t~\-
,-if;:;~i!; it;.~,~~f%, que hoje nos martirizam com guerras,

.!',e
j(fn,$
?fir · ;,1i;t'
pela interpi.:,~~\#/l'da arte poética
d •1 A •'· ...,.,c>i,;.,• d
corrupção,
A$f 'étfJJ::,nm o m1 ept~,J)àssa o mafias,
i~f\,,,,,ir,~ brazeiro qt ..,. :. l, muros, manias homofóbicas, patriarcais,
;;~?iJf'revela a a de~Súltl\rizacão tagarelas speculativas, obscuras.
'\:};~·· ,.' ~

q veio v i '""~'t} Percepção sim, pela política do poder


com a p_~~;.!fi:1 do exemplo humano potencializado nas rodas das
das cultu~~s"'arcaicas. macumbas
Christopher Dunn

Reafirmo, dytirambicas, o contrário dos "istas''


quer dizer, na Roda Viva de tudo q é Junfamentalistas ':
I •
musica: tropícakapitalistas i)(;f!f;,;,.,.,,
que dá a Política, a Poesia, guerreiros dessa gueni.tt~;?iiplice
do paradoxal e contraditória antenados e enraizad&,$t,:êfu rizomas
como Eros, inpirando como em Homero flutuantes, ___&J{':."i;,i:'f/
sem distinguir, da vontade de p'.~ti(r de roda vid~::-~.
canção popular, teat(r)o, cinema, arre morre-vida~--- "'Q;*,; /;'Zf\:::::;~lf
chamada plástica drástica, envolvemo, na felicide gtr~reira hom ~- ' ' ·.'.::,. :·1t"·
tirando quadro da parede
vestindo pra dançar,
sim pra sobretudo: Dançar!
;g::ªJij~!!::~;gi;,t,)W'
em á:\roit~IHe novo, no f ·.., ")ô cinema
Desta matéria misturada p~l ~5.~J1fia vi~a dot;~j~ciiils e
no fim do ultimo milíênio, . : s da vida,
n?',<_9:/t:?;i..~} ,á\Jsi'
.... .;.;·:;;:''!/,'
já nascida, crecida, ,:f~,rrí'ó'sociais, com9 escreveu Chris
nos modernistas antropofagos ;v;~~;~.,;Ji~ mapa da !J6~~l:Política
dos anos 20, !1,tlff-/ 't i\~ada Etherrii ¾'.Murante Tropicália.
Chris saca a deflagracáo de um movimc;:.~fo ]:~'. É -~ livro f,µndidor, só,com parável
.".? ~!/~E\-.:: ' ao 'Mani
1
que no final do século, · Comunista" de Marx.
.:-:.~/:~~_,\-'l·\::;}i·' ~:;:; ,. ·:~
misturado como os Cantos de !--fAmef~, ·,:_. •Se qui ~m{t gtenar-se com a fala desta
- ~ - .,.i.;;.. ·i;~~

sem saber se éra música-cinem;~:;;~~?-tro lingu~.,,_ 'ê1ho Brasil veio do retorno


-ação poltica, ciientifica, po~§tf pJsa, aqtJ; ·~~~i,
erudita, popular, landita, n~~1 -·~u a.Ô• (y or not Tupy
estrangeira, antiga modeÉ: ·· · t~ª1t · ro traz essaCosmogonía.Podes Crer.
ou brasileira, · ~W •JtE;
1

veio á tona, ,_. a··ê ~écia ainda desligada


comeu de tudo que -~~ltt do oferec:J,SfififJ ,,,_.J:fcte sua própria mirolorgya,
e fez o eterno retorno ao primitivq1,;,;:;~l1tli,;1l a orcodoxía
mas tecnizando-o, ·'' não deixou ainda cair a fixa anrropofágia
manifestando-se sincronicamen~: :'.j/,,,'' pra que os gregos retornem á nutrição
sem prévia combinacáo, de sua mitologia paga
neste movimento da nq~,a · __ a mais rica de rodos os tempos,
politico balançando oiJ~fidn{(~hamada mãe de todas as poliíticas, inspiradas em
1
Tropicalia. ' 'ii{:;i_~t1:I Éros.
Nós nas ondas aéres e terrestres da
Veio a Contra Revo • o AI 5, o Tropicália vamos Dionisios e Bacantes
todo Homerico si f~,jraou, foi pro5 pra lá em 2010,
submarino ficotfi~&to1fâ a arte mais fluida nas pedras esculpidas que estão a nos chamar,
na tecnologi~ ', · ~ ~ unciativa a Internet, no Teat(r)o de Cura, de Epidauros
a música, ;r l .-: ,~t~;h,;. de 12.000 lugares, em transmissão pela
.·,-~·~r:~:-:-..
q assobia a nova r~volução: Internet comer em MirolO rgya diante
a pop dos chamados "tropicalistas': do mundo,

10
Brutalidade jardim

essas pedras brutalidades Chris da Justiça Justa d~"~gô Advogado


dormindo em Jardins carregados dos golpeados ··''.:~1''"*Y
de arquibancadas sertanejas de flores. á esquerda e á direita
Tudo isso aprendi com Chris, fez a coisa bem feit:i?
ao saber que na arte sons, letras, te-at()ii~,i .rutalidade nem
está a política desta mudança de Eras de Éros percebía ;Ff:Hi{;\f',,. ~,"
plantou Jardt \tU.itÍ&so, Tropicalia
"bananas negras Cosmogon' ·
sob palmeiras livro oiti5i ' 'ancháo
os poetas de meu país são negros estufa abri -~-- .,;, .b todo arco da manifestação
brtlfOS de abrtlfOS desterrados que de toda di1fpora multidão
assobiam de)~f&t;eiros
brutalidade jardim ~' '1ii'>~):~~e explodindo férteis no Globo,
,,;,j(:· .
aclimatação /J. . s
um carnaval de verdade, /2' ' J~ftais de cod~l1t;wrtais tropicálias
hospitaleira amizade,
brutalidade Jardim
Martírio Secular da Terra
r~:f::::t:'i(t~"'
sintoniti~âr~~;~s percursos
Hospitaleira Inimizade dos ,mµsí~iffüscursos
Jardim Brutalidade"OA .:·½':;_;;,,•. sobre?td.~]Caetanos Gils TomZés,
7 "'1;:,;;:tf,.
Serafim PONTE GRANIJf!f[;f:;,r.dJf b~ian~j
Chris Pagão i~t:~},,'"' · ;.Çtclos os santos ou diabólicos anos,
riosI..·eats cine-cyber-musos-pemambucanos
negão lourão
de Tulane New OrL ~.
t~ .,. J'iócas parangolés afro funk americanos
'\.it;~t:}10 Indio que virá e acabou vindo
Oswald de Andrade·.:
·• Evo na Agripina PãnAmérica descaindo
da foto do Poeta na ·, ocidade ·"" .
na mudança da Éra q se vê
olhos azues, nasjq'gi(• ~if~Yfiãs
1~a testa, nas .>,-,;..-,,·'.•:1.'-1:,
_,_._l •;,.;··. "'•····
Cuba-Libre Obama Lula China India Caetê
foi buscar na.·. ê'Í~clfu mal nav .. · · r§:$'
do pais brq · _ nésia, d3:;, terceira dentição da antropofagía
1
sem precisão de utopia, religião ou ideologia
dos mo11;;~,og
-.·~-·• -:,,.. ,
d~auto ajuda, ··t:t .,!,1.,.••, ática
.,'<
n:tscimemo de poder como Maysa, só ser
o Jardiro êfn(::.,._encon~~-. ,,..ÔYlffiento
seu ~Íi~~~fâi'~ unive;;•lf½:1~s~imento
Chris Sagitário
e a~i~it~r:hou até ~ºl5f q;,~~mpo
Wisnik concreto, delicado Roberto Piva
Sffi~,.Hor chamada ~~-~fp, dita daninha,
,\,·, :" --:~ndo como it?-i~rÚÍvadindo a vai ler
;{c:J,.f· rp: "quinha "' · ,, vai ser comido no uzynauzona de SamPã
tt r!t' al'd
·'i'.,.!f.," ,,.Jutut 1 a d e •... •<- •.,,,.
dos placadores de Oficinas de Florestas Fãs
t de agora em diante também de Chris Dunn
' :Jt::r~arce da perl,i1~i~: da vida em cada idade
Oxímarag:~i~,@lando magnífica no cú do guerreiro da felicidade
mundo,:3!~\11~;if~- · na brutalidade,
dos Trópicos do Corpo mais fecundo no fim do "ismo"

11
Christopher Dunn

do reducion"ismo", José Celso Martinez Corrêa .{:{;,},:•.,.


'.:-:-~ ... ,_..,
do tropicapitapitalísmo 13:40 3 de junho 2009-06-03 n%~!!ttlas
assassinos da industria de guerra 3 Fogueiras : 1-a dos namorad()_S -~~-'-
de anjinhos q vendem o "barato" da terra em Santo Antonio 13, (Caci~o/l~~r faz ;fiTXi~i:.~_._':_-~.__·}_·
40 anos de ethernidade,) ki.\'.:Jl:"~ •,, ~
marechais da inutil batalha do narco na do Natal na Terra do .. H~\\hi~1ério Sul na ng,~~"t.:·. .if
•:'l':,~~-:,:•.._.~ .. ""f ~";_..~ .-:.:•,
incendiarios do jardim o mais belo e arcaico 2-a mais !"ria noire do âi\i?cf~ que nasce Xa1'~~t"i;;
no globo hoje contra-culturas Menino Erios Cupí--f:t,;,.~••i~' ;i,,
~ ? ..,.!: ~,>.!'.~~:•
.f> ,_..,_·~,,,;;•.:·
.~~ :'':"P'

das rheais éco-agriculruras dia 24, que vamo~'Ocà~K9~ar com "O ~.~~W'
,Borí de Praráo erl.Éros" ,:; '''l~;1,~
necessária á felicidade guerreira
3-a do Terreir2{J.~i'~~~~edra, q-~:Í;1;if~çaria
esforço de guerra virando pomar a terra para a co n\.W,~ b:-·i~h?..".Jafc:n.m Urb~(fa:1i~~
,.
inteira, Brutalidac!et'Ji.ti11~abaú da F~ egtt¼.Ar·
"homosocial" poeta semente plantando , ~;t;, :~~:t?f5 _.;~~l;~::,;.:•
a esmo, Evoe .._ ~::::1-~.t
• -~-
f)'"'·~;.r- •....
.,,_,,.-;f-;, "'~{
t.!"';_ - -~,.-__

Gil,,Ca:~~, GilbercoSáoJ!~fM~.
Chris, amando o próximo, como a sí
Acéii~\a foguei ra no nos~cõracáo !
mesmo tt\~~i<:,. ~·,t•~~....
r., Mo. ' ;;>~

sem cruz, livro de música e letra roceira, :t:otim'~fHumor e Tud~N!i!~ e sempre Mais
vulgata pra luta bruta mundial brazyleira.__,, 1 _:;:i~~;t:: \}li:\!-~/

,;:;~~!'
Í{f.~ l.~
0\

12
As longínquas origens deste livro remontama um' ornemo em 1985, em uma '."li- ..,

visita à casa de Peter Blasenheim, meu profe ,. História Latino-Americana no


=···-J.~. ",.,,
t~r
.
Colorado College. Tínhamos passado a n~i;~;:J~êptando as músicas brasileiras pre-
.~~, ··-~·:,:{,''.~';"; ,,_

feridas dele, reunidas ao longo de várias ,xíigç,d'f'de pesqui~i,;incluindo as sublimes


/l:i-:•· . __, ~_-;.- ?~•J.f.'?.ii\·... .
destilações da bossa-nova composta~_:;pot{i~~;~ Gilberto, ~2~:tlêê~sos do jazz-bossa de
0

Elis Regina, os plangentes sambas ,,,:-··..,,;~ gg·Buarque, àsJJ~~ldas românticas de Ro-


berto Carlos e várias canções de Pl,}?;E~~~Q'.}~a década .,. ,.
-:,;-•·· ,,:';;t,' '-- ::-,(l:,_. - ,-r:.',/
Na época, eu mal sabia '~~'ff:
falar espanhol, muito menos po_rt~~,Ç,ffe'; a maravil~o§.i:Cef'Sonora língua que ouvi pela
primeira vez naqueles discos ~,r{1~ ~Íi;ado Spring~l~iilxonei-me pelo som da língua
combinado com a música '~Ii ', · ;scinaqe c~ as~~plicações que ele me dava sobre
cada canção. Em determ;~~:§!.J~1:{Ilomento;··~}i,~l~~tolheu o disco Tropicália, ou panis
·· -.._.•:f~-?fr~r; .-f:.t~ ---s:rt~~
et circencis, um estranho "álbum conçeitt,iij" ii'l 968, época em que o Brasil entrava
·. ~§ . \.!'r:;:~.;:::;t://:':
na fase mais repressi;"ltl~Jgoverno mílJ!\F:\';~pêsar de a maioria dos outros discos que
~;ti•·; :.:f>.-; :·-~~~- .>,,_;. (,S.;.~

ele tinha tocado naq~i~., , noite ter ~ ;i'arêcido relativamente compreensível consi-
derando o meuJf~i~ado conheci";;, - . ,)1o Brasil, aquele álbum me soou ambíguo e
totalmente cq,J,I. · --~:,iSeria uma iJí~~ração patriótica da vida nos trópicos? Ou uma
sátira ferina~~~i~{lt uma apo!_, •·. · . modernização sob o governo militar? Ou um
álbum dç;f :.,:;t~?
l(,<,,,,,
.-;;,,.i"'·•·· , jJ}~. /t~.?~-~-" .:;~
.:.W±l- •
M~~Il~t· ·~:,1~escobil;ij#fê;:~t,disco que tinha ouvido naquela noite era o "álbum-
ma · ,Y"'•~;,;k o""rnovime~;ifftropicalista. Em 1992, tive a oportunidade de entrevistar
al "' ,pÍ~ticipantes,,-}~~yt:!i'B.o movimento - Caetano Veloso, Gilberto Gil e Tom Zé
"·~m progragi'~~fi,tr~!N ational Public Radio dedicado ao 25º aniversário da Tro-
.iN• 1 {a, produzt~::·por··sean Barlow e Ned Sublette para a Afropop Worldwide. Na
~~t~;s""';::foca, eu fazü{:i~i:?graduação em estudos brasileiros na Brown University e percebi
'.1,J.•.-··~:.">;;,,'.;·.- -·,:·r.~:~:"::;., ;::{}.,.
~. 'que a Tropi~Jâ''têria um tema interessante para estudos posteriores. Com a ajuda de
uma 60~?~?4)~:\'&tudos da Fulbright, pude voltar ao Brasil e realizar as pesquisas para
'.-~'~~~t~:·::~?;?J::·
- - - - ---------------------- -

Chriscopher Dunn

minha tese de dourorado, que serviu de base para este livro. Serei eternamente grato
a Nelson Vieira, Luiz Valente e Thomas Skidmore, que constiru.írltgt_minha banca
de avaliação. Também gostaria de agradecer a Anani Dzidzienyo, OP.)~imo Almeida
:,ft ·ir•·:"-·_11 ,
e Neil Lazarus, que tanto enriqueceram a minha experiência i.p.t'tfüçftial na Brown 1,;: , ~.-;t,·. ;... ·

Universicy. •:~{{i:•._ ·s.-'


Gostaria de expressar minha profunda gratidão a todos,ptâf+is~as brasileiros que
generosamente compartilharam comigo suas visões e qI?,j~i\i( incluindo Caetano
.~J~ \:.f~,; .
Veloso, Gilberto Gil, José Celso Martinez Corrêa, A:;,µg~tt: de Campos, Rogério
Duarte, Gilberto Mendes, Julio Medaglia e WalY,:1~içiÍ~,f Meus mais profundos
agradecimentos a Tom Zé e Neusa Martins, que for~ ·1particularmente atenciosos e
generosos.
i...l
:=r:2-irt·.
,•,\t~ ...; . ; .....

o Brasil, tive o privilégio de conhecer:~9ttisadores cujo trabalho tem apro-


fundado meu conhecimento da Tropicáli:i~_:p~
r .. ~•• ''•
raria de agradecer a Carlos Calado, • l~

Celso Favaretto, Carla Gallo, Març~lo -(idep:W, Herman,.9~ ~wia, Durval Muniz de
Albuquerque J r., Roberto Schwartt ~J~rlf Buarque 4i } i ~da, Silviano Santiago,
Sérgio Miceli, Renato Ortiz, Eve,ill f ij&1sel e Liv ~g~li~f~bém gostaria de mandar
"aquele abraço" aos meus ~~~6~\t ?,iJBrasil que ,.;~ ê~ityfaram de várias formas, antes
e depois do desenvolvimento â:l'id projero: Pe&o ~,Roberto Amaral, Adilea, Helena
~. ~:,t•-J:- 'i \~· .'{!;,~1::{ •'
e Susana de Castro, De~ ''6:ffVllcanti, _Fern.and~~v'elloso, Edgard Magalhães, Eliana
Stefani, Fátima e Joã:&l~~~ t Teresa e D~_.f !ã:k;i:g'awa, Eulália dos Santos, Ceres San-
ros, Cícero Anconi~, Silvi~····Í--Iumb~.rtQi Ís~f~l Mazza, Vitória Aranha, Paul Healey,
João José Reis, AqB!&lç.o Almeida,'•:h;iµJ<Y~iguez e Fred Coelho.
;~ ~ - -~
Gostaria de agfiilêl:er a vários p,:{fa_t.i'f~dores da cultura brasileira nos Estados Uni-
dos, sobreruoo.•t'!'-,tl),avid George,~aµ.Jfil
:l'ú .~~~
"':'!•':~,· ' ,t~ ;.:. .
Johnson, Robert Stam e Charles A. Perrone.
J. LorandJvfã.~;__;;-f leu uma~~{ pijy{eiras versões do manuscrito e tem sido uma enor-
me fo2r~..§'~i:incentivo e iIJf.Plti~~ desde que comecei a pós-graduação. Meus agrade-
cimer{;ç;··j peciais a Niclt.}9~ibitt, Richard Schuler, Robert Arellano e T. R. Johnson,
"'\ ' ·~. . .·\;::;· .:: ' ,;-'~ ?.\~,\.. ·~:-.::..:·~. .
1~&;~ -~p:i estágfq~~ ~''&,µrro, compartilh aram comigo suas opiniões e percepções
.) blt~ á Tropicália., a müsica popular e a década de 1960. Esses amigos e colegas me-
:~;~\..., '~-~ ..,!.4.:~ ~.;--::.
;;/,:~~~tê~em os crédi~~'~ !âs pontos fortes deste livro, mas não têm nenhuma responsabi-
.~ 1;~,-~-" ~Jidade por s11~,9-t"fiêiências.
J~?:,~ 4
-~;iy.'-~ ,.....--... I; .

'.t~-~-:--~. --~--Jf: Dur~J~\::~!;, úfrimos anos, a Tulane University me proporcionou um ambiente


." extrem_~ s'g.~~>propício e estimulante para o desenvolvim~nto deste projeto. Gostaria
de aw}~~~~-;,'.~meus colegas do Departamento de Espanhol e Português. Sou particu-
lat;.~~s2graco a meu amigo e colega Idelber Avelar. Ele estudou o "luto" em suas pes-
qui~;~::~ as também tem me lembrado da importância da alegria com grande afeição

14
Brutalidade jardim

e generosidade intelectual. Também sou grato aos meus amigos e colegas do Programa
de Estudos da África e Diáspora Africana. Devo agradecimentos dP,~s)ais a todos os
alunos da Tulane University que têm contestado minhas idéias e m ~,tfil,;'.~ifado de uma.
miríade de formas durante os últimos anos. " !fl~~ffp ·
~{?' '??;~fJ,:
Sinto-me privilegiado pela oportunidade de lecionar e fazetki~i.µhàs pesquisas em
uma universidade com um programa de estudos latino-ame~~~t~e primeira classe.
, :~'... :,. j~ 'tj

Gostaria de agradecer ao Roger Thayer Stone Center for1i,:Ít:1rti«Âmerican Studies da


Tulane University e a seu diretor, Thomas Reese, pelos::C em apoio à produção
~sr~r,~•',: .- . '
deste livro. Guillermo Nanez e Paul Bary realizarall¼/tí~iti!plêndido trabalho no de-
senvolvimento da secáo
., brasileira da Biblioteca Latiri'd*,:~•::,,
Adriericana da Tulane Univer-
sity e foram extremamente solícitos na pesqui~ i-!i~ materiais relevantes. Hortensia
Calvo e Sean Knowlton deram continuidade ai"" -.~Wtbalho. T ive o enorme prazer de
dirigir o programa de Estudos Brasileiros c~l 'J1thony Pereira, que leu uma versão
do manuscrito deste livro e me ofereceu §iti~, . ', ugestóes. :fi;ft'l,tt,;;31.
Gostaria de agradecer a Rubens ~ f hç!~jfi, Glauco ~j~~rg~~s e Hélio Eichbauer
pela gentileza de autorizar a repro:ii1{çi~J üe suas ob.fi1~::~'© Brasil, também recebi
' :-·:t::..e· ,._,,~,"- . -::~?

grande assistência dos arquivistas ,q c;~fvos fotogr~~9~JJna Vidotti, Bias Arrudão,


0>'=' _~'J:1,-· :·-!'li_;; •1~;\:~t·~.:1·
Marcos Massolini e Fabiana Do( . , õ, da Abril Im ag~ps, e Luiz Fernando Brilhante
..{:f._..~tr- ·-t:,•ttg,,~/.:
e Tatiana Constant, da Ag~p.0~1;:--JJ?j,fÀgradeço tambêrffa César e Cláudio Oiticica, do
-<_;~~:2-1 ··-,-:-:~/J-t.f . :-:~h /tix
Projeto Hélio Oiticica, ~ Alêf~,,Baltazar, datij.;9,}y~1;sf;il"Records, no Rio de Janeiro. Sou
especialmente grato aJéi1~10Mi:~. Gutierrei;A1lii;'zebber da Editora da UNESP pela
oportunidade de pub!~s;;i,r este livro n~;, . •/• ii"
Este livro é dedici!l~,,~is meus pais,;i' ,., •·~. e Gwenn Dunn, que sempre mostraram
um grande interesse ;~1t~eu rrab .1., .- ,' , mbém gostaria de agradecer à minha irmã,
Susan Dunn. Pi():~,
gostaria i;/ ,"'· · ar beijos grandes para meus filhos, Luango,
Isa, e Joaquin.J ,e'Jfá?f minha espWs~, adee.
'·,:1'iI~t(, .,.,,,\i'i'

15
~;-\,
_;;;:;
---~, ., ,

= ii/~~i•""IZ'
.fli.R-'Vl.flTU.R.fl~ ~%_:-;r-c,;f

AI-5 Ato Institucional Número· 5~,l:E.


J;;l5
CPC Centro Popular de Cá:ftt:it:~
.t&~z.~:-, ~
DOPS Departamento de.;~ r~m Política e Social
fl·.-~g.fi:-' .•:•:;~>~
>:,'-. · \ •

FIC Festival InternaJ~í'o nif da Canç~çi('·- ~1;~,


.·\ti,,.. ?;;:~~&-:\~r•,~~\;'. ;;:~~}r~'i::~
IBGE Instituto ~~sil.~~r
ui
de Geogrirk:.t Estatística
- ,•.~ ?l ~:!.:},f-:-. '"'·::-;."'

IBOPE Instituto J~:<~jJêi~o de Opitii,~fPública e Estatística


l¼,~•. ;:}'' .~'if·· 'i.71)?,--
ISEB Instit~tt¼'í gperio r de Es~ejl}s Brasileiros
.. _ -tt+-~ .\r·· ·
MNU Mõ~lpÍ~h~o NegfR, l/pifa~do
MPB it~'~s~ti, Popular i1;-lií;;::
~-~' s.<1->;~~~•·,·i~;}
TBC .)f.ltfeatro Brasilê'iiió1Eê~Comédia
~~- s~) ,!!:)~ ~~~:.tr~~--
TU CA "~*:,;,Téatro da l).tli~rsidade Católica
;t:J.t•.~,.,.,~~., ~:~
União N,á~p}ifil dos Estudantes
lnT~0DU(Ã0

Todo complexo cultural tem formas específipi~"pe consagração e adulação de suas


/:?· ''i·t:fb.,-
celebridades artÍsticas . Para o cantor e composq:ç·r,,Brasileiro C aetano Veloso, talvez o
,·'\''.·. · <;.:,1?\t
momento supremo de sua canonização PºR~ft~JEí~'ôficial tenha ocorrido no dia 20 de
fevereiro de 1998, diante de uma multiq4,;b d~ $!'mil foliões.-:i{f.;,;ç;~rnaval em Salvador,
:?.}~;_ _:;j ,. ~t:-::_t:
Bahia, enquanto ele se apresentava ~ih t(~ f~fo elétrico ..,<? -~,;- o início da década de
<•·'•.• <''li;',, ·'' "W•' "
1970, ele tem se apresentado rodclsz ltios como c,9;,;...., ~ o em trios elétricos na
..,,. ,i ....,,. :····

manhã da Quarta-Feira de Cinza~NW'tri.''~;ntar suas ~~- . s, que se incorporaram ao


repertório do carnaval da Bahia,1;,ks'~!it1!r1:J' ~:~~; /J: ·
Naquela ocasião, contuJ;io}J~i~rffno estava lá p'l1!?teceber o título de Doutor Ho-
,";Q}\~_-. ··-r!0J:~~'P,;,/ .!~~( -_:? ;:
noris Causa pela Univeqtda:'~ ,._Fêêleral da B~,,,:, ,,;,,_ ,~,t~'grandiosidade de sua obra e sua
renomada sabedoria" (S2H-fvii~e, 1998) ..:~ Ô'~;~ado, a universidade havia concedi-
do o rítulo a artistas ~:~itfºs famosos ~ºJ!.:'jt~,-4;:tmancista Jorge Amado, o compositor
1
Do rival Caymmi e : " .,.,.~ sta GlauberJi.2-l'&n,a, mas aquela era a primeira vez em que o
} .'.::<tt 7:'.;,\~
título era conferido na -'rua, durant~Jj"cã.:!;llaval. Para Felippe Serpa, o então reitor da
universidade, aqi•·•·,.Joi um gesrqt?i~~tk:rático: "Queremos a inserção da universidade
na sociedad~ f,3-r·iss·o optamos-~iRi:ltbmenagear Caetano na rua, junto com o povo
que está P)~: _' . · o carnaval". -,,:;;~ de alguns resmungas editoriais reclamando que
a cerimôiiia
:<:~~:P(:~.
.. ... y-..
}iz,
a univers ·
.::.~:t¼>· :-;
recer ridícula, o evento foi um sucesso de relações
públisf~;1,~irâNfi:Hnstirul~J( éi.i agraciado convidado, um artista que esteve na van-
"'ç µ;ical e da tf:!{1-S~~j~ação cultural desde o final da década de 1960. Como a
,flia no carna.i~f~:\l~~~iria, Caetano é um artista que usufrui popularidade entre
~~;,-,: . · sas, bem e.e;'- · 'aprovação crítica dos intelectuais.
Atf/ "k'W·· 'S"é/
rs i;;,' Caetano co ,,;;,. · pu notoriedade nacional junto com Gilberto Gil, seu amigo eco-
\';~'J~.:\t('I~ga da Uniyct~;\ztde da Bahia, como uma proeminente personalidade da Tropicália,
um moviq}s_fi~'ft., cllltural de curta duração, mas de grande impacto, que se consolidou
em 196a:t;~?rrabalharam
<',.;:::-_(~{{/
em colaboração com outros artistas de Salvador, incluindo
Christopher Dunn

a vocalisra Gal Costa, o cantor e compositor Tom Zé e os poetas Torquato Neto e José
Carlos Capinam. O chamado "grupo baiano" migrou para São Pau1it,.-forjou dinâmicas <}~,;'

relações artísticas com vários compositores do cenário musical de Y,.yii~]?i;~âtítla, com desta-
,.-;i ,¾ ·'•M;,
que para Rogério Duprat e a inovadora banda de rock O s Mu~t~~ssa
/•;~i... ·-.e.~-,·
aliança entre
músicos da Bahia - um importante centro de cultura de expr~'Ws~t1 _afro-brasileira - e de
;--1i-_~·•;, ~ .t_'.il
São Paulo - a maior e mais industrializada cidade brasileira% cc%.:1Iprovou ser uma pode-
··~~·T:rs-.,..
rosa combinação e teve um efeito duradouro sobre a IT\~¼fi?tfibpular brasileira e outras
···, ,,;.f',~'"·

expressões artísticas. Apesar de a Tropicália ter se con~ljqtll;~ como um "movimento"


,,. - ·i.;,:t•;.,~-~- -~~~

apenas no âmbito da música popular, ela constitui~Ji~\f~ômeno cultural que também


encontrou expressões no cinema, teatro, artes visu~fl~:ti~erarura. O impulso dialógico
por trás da Tropicália viria a gerar um extraorsIJ;íiã~~ florescimento da inovação artística
·t/J< "', !t·

durante um período de confüros políticos ~j:_liftu:rais no Brasil.


(.~~>::.,..,~ r

O ano de 1968 teve ressonância histõtigàç;éspecial para várias nações ao redor do


mundo. Não há dúvida de que event0;~lig~lfi~ativos oc_qf~it1Jn em 1968 - como em
qualquer outro ano - , mas, em ~ g~}8i1!xros naciq,~{?âq~ele ano foi o marco de
\!·~::.;·,t.'.t:':~;t,,.iF; -:'t~~I

uma geração. Nos Estados Unid,?,~;·· t ~~8 marcoui:vtnzf;1'5mento decisivo da mobili-


zação popular contra a Guerra;j~\fi~mã, com ,,f:.~J~~~:protestos estudantis contra a
guerra, os assassinatos de ~fr~jiff'Gther King~\J;tobert Kennedy e o surgimento
do movimento Black Pq}:v_é"r~r~_i(França, traQalha,a ~~es e estudantes maoístas forjaram
.:i:,·'\. ··.,· . r:~~"' r:::-t
uma breve, mas, n(?,;:,~m_ ;~~ifracassada a1'i~l;;ç~tÍtra
•>-tyf ~) t:·v••··r·••-'."- •'/~--~ ..:'•:>:.~::.;•:
o governo gaullisca pós-guerra .
1
Os soviéticos invadira;:;t·~'<'1\:hecoslov~4Ih{~;,' l olocando um fim às aspirações demo-
i• ·~ 'L "?-f

cráticas e de liber~~~o política ~ :~61vlfuento da Primavera de Praga. Na Cidade


do México, prot~~i;ylstudantis ç~l~~•@;ô alto nível de desemprego e a repressão de
dissidentes P9MJ!CO;-~hegaram r,,9-:,~~:"ti,uando centenas de manifestantes desarmados
foram mas~~~íi4,.~s por tropa§fti~ii$~!~cito e da polícia.
i':'!r- ~"'f4'"' ·•-~_i,.., "'·i-;t'

A den~~3:~e simbólica .,1{;Jk~(58 foi particularmente evidente no Brasil, especial-


mente fi,'it~~)tf'tistas, imel~tit{~#'.s, estudantes, trabalhadores, políticos civis e ativistas
•:•:.~.;i ·.'7•~- ;,,~_..•~-,,;.:.~~-.

que";l'óR~ham ª'ttre,g~~'Ínilitar de direita no poder a partir de 1964. Em 1968,


awi'f6i1r$~{~Íes da s~~f~c.t,~d ~ civil se uniram na oposição ao regime. Trabalhadores da
··;(~·?-<.• t)(' ·: ""l

.:f.~g-~ti'ria em São_F~-!1lci~re Minas Gerais realizaram as primeiras greves desde o início


tJi~4i"Joverno m~,H&it ~ktudances de esquerda se envolviam em conflitos com a polícia
1

_./,~;:- '
1ti1,.i41lirar e seustifPilbs ulrraconservadores nas universidades. Enquanto isso, grupos
~- ~- ~--
f; _ >ff mais radic~Jt~f,posição entraram na clandestinidade e de_ram início a uma lura ar-
~:;,:,ff.flf%;f'. mada coi{fP~f?Jhegime. O governo reagiu aos protestos civis e à incipiente resistência
arma~t-fi~ o Ato Institucional Número 5 (Al-5), que proibiu a oposição política,
expútgif-;tjle fechou temporariamente o Congresso, suspendeu o habeas corpus, sub-

18
Brutalidade jardim

meteu a imprensa à censura e pôs fim aos movimentos de protestg. Dessa forma, a
~,.,....
.,__

oposiçáo ao regime só poderia ser expressa por meio de movimentos'"í:S'~J::~éos de resis-


tência armada, que acabavam sendo rapidamente liquidados. A gq ã'j:l.o/,,4t e atingiu a
idade adulta naq uela época seria subseqüentemente chamada q~;"~l~fção do AI-5",
uma referência emblemática ao decreto draconiano que deuj;i'.~1q;:a um período de
ftl·,•~;:;.:·;::~. -
intensa repressáo (Martins, 1979). }:¼ .::~{~
-~~ ·\:~~1f?l~-
0 s conflitos culturais também atingiram a máxima sí êey~~ê:ência em 1968, prin-
,:, t ' .?'.)&,
cipalmente em um contexto urbano e de classe média ,,,.. ,~~unha ao governo mi-
litar. Artistas e intelectuais começaram a reavaliar os,f :·:1 , ,;ci'ÍP'd e projetos políticos e
culturais do passado e buscavam transformar o Brasil ;fJ.uma nação igualitária, justa
e economicamente soberana. A Tropicália foi taJ!,'fg;\~;tp.a crítica desses defeitos quanto
uma celebração exuberante, apesar de muitas,,, ''í1l,1;";:\jrónica, da cultura brasileira e suas
contínuas permutações. Como o nome sug~~Ít/. · ovimento..J~zia referência ao clima
~fi",,_}• ··•,,:-;'?•1/." .:;1:•~'-<./ (s'(\: ,

tropical do Brasil que, ao longo da históç{~, t~fn sido exaliisJ<f p't;jr gerar uma exube-
.... - ,l,W• ":.~~-~;,·;'~•-•;) ~.f ·:;·.Í••~ ~,:/._);$~\ ,,

rante abundância, ou deplorado poiff!mffl;ilf ô desenvoh/~~,ç_â íb econômico na linha


'f:,,._~:~-:-;:J>:·., :\:~; . -,~.-_:=.. . ~ ·,x,,~'.t'-:i.•
das sociedades de climas temperad9~~ Q.,'·rropicalistijf;;, (@põ sitadamente evocavam
;~#(\~~--- .-~-- ~,-1,~. -~:-;

imagens estereotipadas d o Brasil d ~wblum paraÍSC?,rfrdm€ri só para subvertê-las com


referências incisivas à violênciaJf à miséria,r;~ -~t, A justaposição de plenitude '•i;_~'.~1r~
tropical e repressão do Est " . '~ '.:\~~ bem s,int~~izaq.g/evidenciada pela expressão que
dá rítulo a este livro, "Bri;t\: .
.. ·.·,.;.,:::,;:;\j\?tt
jardim",
li,.{ ·•,~~"!'i;\,;
:",~i~~ ·f&~iâ:t:8; empréstimo de uma importante
canção tropicalista analisada riô' Capítulo Jt •::e;"
;-Af) ,;~t 1o~-✓i-i'
As manifestações !]id~1$f@is da Tropi8ilt~,:g~Ó"propunham um novo estilo ou gênero.
'.;.,'k' -,~; :J; -·•-· --..~:,.·_•-:-r.

A música tropicalista t,i. 1a, em vez . . _," J fua colagem de diversos estilos: novos e an-
tigos, nacionais eyt.<'--,~;~rnacionais.
'•::-W
Er11f:ti.1Jt.
- ••:!
: ~~el, a música tropicalista pode ser entendida !~,t -~u:•

como uma rele:~f.\!:, tradição d.ti~\~tf2â popular brasileira à luz da música pop inter-
nacional e da 41Jti,EiÍnentação d~, gfi~arda. No Brasil, os tropicalistas evocavam compa-
.-~, -,5htemporân ,P:,, .)hnacionalmente famosos, os Beatles, um grupo que
"L "·1/',"· ( ·

,,. música.;~ .·. fueio do diálog~ entre a música artística e as tradições


.·-~-{'-.(\,
·f!·Os tropiaIDt~ _,_·. ·. ,
contribuíram decisivamente para o desgaste das bar-
reir éfê a música ettl~it~!para um público restrito de patronos da elite, e a música
... - ·- ~;,·(•:;•:·t-• ~l~•·?: /->,;,.
RfJp:~;µ::para
::,;_~~-~~.
o púbJi?~(g-êral.
. ·pi:
A Tropicália foi um caso exemplar de hibridismo cultural
_'. ~-;,}:i_ ,_.,-~ - ,

_,q]> 4~ /~ê.smantelou ~1git'Btomia responsável pelas distinções formais entre a produção da

,~!~~lk,
f~i. al~' e baixa culufiil'~ ;~ à cultura tradicional e moderna, nacional e internacional. 1
w,~,Jl/'"
1 Na Amédt'll;1~i1a, a urilizaçáo contemporânea do hibridismo se baseia particularmente nas formulações de Nés-
tor García Canêfini em seu livro Culturas híbridas.

19
Christopher Dunn

Em um nível discursivo, os tropicalistas propunham ampla c;rítica à modernidade


brasileira, que contestava construções dominantes da cultura;:r~ 91t?,nal. Em vez de
exaltar o povo como agente de uma transformação revolucion '.: ...'fri.úsicas tendiam
a se concentrar nos desejos e frustrações cotidianos das pe,~ ó~ \:~~uns que viviam
nas cidades. Em última instância, os tropicalistas daria,..,, -~j · -~ to a atitudes, estilos
e discursos da contracultura emergente no que se refei . ça, sexo, sexualidade e
liberdade pessoal. Essas questões vinham ganhando ··· '-dv;~ mais destaque em mo-
vimentos da contraculrura nos Estados Unidos e~~~~:;. as foram manifestadas de
1
forma distinta no Brasil durante o período do g~'' ' • •• ririlitar.
Como em qualquer prática cultural de contes't~ç'ão, a importância da Tropicália
não se baseia unicamente nos artistas. Con+$:k~~RUonstrou Pierre Bourdieu, a "produ-
~i:t~~~ ~ ·~-'
çáo simbólicá' (i.e., a produção de valor ,r.iB1Shjncado) da arte depende de uma ampla
variedade de agentes, incluindo agent<;:,~ii;;,tJjitos, prod1.1;~ 9res, críticos e consumidores
,,_1"!•1t\;-,.-,: ·'!c:c·: *.s>-.:>:;,s;~~-
1
(Bourdieu, 1993. p.37). Uma COQsiqÂrá~Í'literatura · ,w· ilíttica e acadêmica sobre a
fi'_;t· ·'1J)-._;~-_t,.,. '.~t'
Tropicália foi elaborada no Brt i :rf$,:i'últimos tdn;~1~1'f Críticos culturais na im-
prensa de São Paulo e do Rio d~J'.f!.ll~j]b publicav~ :'~té'rimeiros artigos sobre o movi-
mento. O poeta concreto e te,i~~1A.ugusto de::::;C : ~ ~6s escreveu uma série de artigos
-.\r~- - ·y :, ~.1,~~. ~1?· :r 2
entusiastas elogiando Cae,1fff<l!J,i SGil pelas críd'~l:~P~b nacionalismo musical. Desde o
início, vários jornalistf~td'€rtft1.Rstrararr1:_
\",,~·/ -..
aptl!io aca.;~movimento, apesar de outros críticos
J~t.;-~~- ·.4..-; _.. - _,✓ 1

expressarem ansie ' ·'"'\.,,_relação ao !tª'i}iifuo da Tropicália pela instrumentação


.- , ,._ .,b~ . ," ,;,,.~, - ·dA,

elétrica, pelo rock anglo-"a~erica~o e j}la .~jtposição na mídia de massa.


Em 1970, o ;~'ff~& literário 1~§'~hwarz publicou um ensaio divisor de águas R~~i§
sobre a cultura e~~Np.,ólítica brasilei:'t~h.ç;?ri'.i '~mporânea, que se tornou uma referência nm-
damental P~f~quisadores ~uj~\fffites da Tropicália (Schwarz, 1978, p.61-91). Tra-
balhando:,i flJfi#llçáo de c;~ /.. .
àrxista, Schwarz foi o primeiro crítico a apontar a
....,!•·· : ··. _,.

natureza . ' rica da Tror,k:: · bservando suas alusões freqüentes a emblemas culturais
anac.r1ilS'.\ ; filtrados atr~t·: . "luz branca da ultramodernidade", de forma a transmitir
as,.~~ J ~ J;s do d~@,/ gl~~nto capitalist~ no Brasil (Schwarz, 1978, p.74). Apesar de
·',' . . --~_(«:,,, ... ,;r •,:,;.;. . .. .
,! ,~~'~H~ce~ o imp~)ft~rfit~tpotencial da alegoria tropicalista, ele se incomodava com sua
:; ._ -c:~~nsão a elaqé'~ ,~ ?1.a "idéia atemporal do Brasil" que parecia negar qualquer pocen-
. 1 ..-~.. • • ,. ...:·,.,,,._.,.., ...., •• :~·-.

;fjt";,1J5~iaÍ de transfQ\;i!~i@•·dialética (Schwarz, 1978, p.78). Vários outros críticos voltaram a


',ti',Jji:;,'i nalisar a q1f,. ; ~'ffa alegoria na Tropicália durante a década de 1970, mas com diferentes
conclusões~; . ' Favaretto, por exemplo, argumentou que a alegoria tropicalista produ-

~~::~; 't;f;
,- ;/ . ...
2 EÍ}~k°~#~os foram posteriormente publicados em um volume de ensaios escritos por vários autores sobre a música
popular e "erudita" no Brasil e no exterior. Ver Augusto de Campos, 1974.

20
Brutalidade jardim

zia um efeito crítico justamente por deixar contradições históricas sem solução, gerando,
dessa forma, uma imagem indeterminada e fragmentada do Brasil, qJ&:wgd~ria então ser
ativada para satirizar a cultura oficial (Favaretto, 1996, p. l 08). Silvi~«~tiàgo criticou
..:_
;. , _ ;;,?,·..;:.::·· .
Schwarz por privilegiar a razão dialética (com base em uma traqJ<âf6~Ji6rica européia
hegeliana-marxista) em detrimento de outras práticas artísticas e, ,,,::1/• .·; ..as fundamentadas
nas especificidades culturais e históricas do Brasil. Santiago nã.( ' .. 1 ~ tentando delinear
um espaço puro de diferenças irredudveis em relação ao q~JJi-i~{, mas sugerir formas
nas quais o Brasil e a América Latina em geral destroem /~.. . de transformação his- q!
tórica elaborados pelos países dominantes (Santiago,,:1.l!~i1~pfr-~13). Heloísa Buarque ,::.<.: {."" { •.••~

de Hollanda contribuiu com a crítica ao posicioname~i~~tle Schwarz em sua descrição


da política cultural durante a década de 1960 e i~~lR,.~a de 1970, alegando que a Tro-
picália propunha uma "nova linguagem crítica''.~~1,j~~usava a argumentação redentora
de esquerdistas mais ortodoxos, porém intervir ... .••.· ·retamente em atitudes e comporta-
,'.~:- ft.r,.-{\ :-~""·,.;;)~;,,.
memos individuais, abrindo assim o camirt,f:i'o Ii:ffefa práticas ,S / isêtwsos da contracultura
~·-P"!..i- ·~>h.,,.~:·-1Jtt .;.~r·
(Buarque de Hollanda, 1992). Os pró,jt1q~",#t4stas também,,:_~;. , ' uíram para os debates
\\~;~~/if \:·~;~:~;;·;: ·•-~,~~~t~/ ;,

sobre a Tropicália com a publicação crd~"pf ' rios volu~is,{!f'ê6letâneas de entrevistas e


1
artigos d.a mídia impressa popular e,;,# '1.: ~ground (VeJ~~<;~i97, e Gil, 1982) .
. ....../ .'."· _:;:it,.•:· . .,,_i·,-:;•.•··

A Tropicália passou a ser te<·;, t um cresce ,.,.. -S~rpo literário sobre a cultura
brasileira contemporânea Ef{,9 ,. ' para o p~,? lici;.,g . ~ral. Incluídos nessa categoria
estão livros didáticos d~, · · ~. te~tos de "êã$Á($~\tltédio e livros de luxo fartamente
ilusuados. 3 Na década d;Í fo
1 2 crítico ~ p'~-i'2l1>.'C arlos Calado publicou dois relatos

baseados em meticulq~~t,pesquisas
.f';y ,- :•.·' \•E~~:
scr't~.' 'i A~õpicália - um con centrado na banda
, '-·tJ,:j t'i::
de rock Os Mutantd$.~ .o}butro conqdtlo"â;¾füstória do movimento (Calado, 1995 e
1997). Desde o fi12;µ J;"I~écada de l ~iQ~il;ffropicália tem sido regularmente analisada
·YJ?"'', ·\ ;~~ ···,'.~~Af,.,,.

na imprensa na2"" 1• • A onda d~i\ s!~ffração cresceu consideravelmente em 1992-


1993, quand~~~- ~o e Gil cà~6~aram o SOQaniversário e gravaram Tropicália
1
2, um álbq~ \;; ~~;reinterpret~,f :'.' _·;imento no contexto contemporâneo.
'* A~ , .
Uma.._ "' •-· Jg\·
~f :tie
-.,
textQ§, m~b,'f1'âlistas
·"':f~{F\~;~ i:~lf} í:'
sobre â década de 1960 no Brasil também
comr.l ~. · i~'os contíâti~ ~;,debates sobre a experiência tropicalista. A maioria dos
pri~~JiS§r:.relatos foi e~ritajp~r ex-guerrilheiros urbanos e tendia a ignorar os deba-
t~\~;,~;}}ttrais. 4 Relat ·1::- ,. •,:;: eqüentes se concentraram de forma mais ampla nas crises
.,:., ',\~ ✓-.. '..:,.;·

::- ~iciais de aní[?~' ', ativistas e nas diferenças políticas e conflitos culturais entre
"-\ ,:.:~.,

.._{,.;

3 Exemplos ~l~t
Lima, l 95t0:::~~7;:~, ,·
tipos de livros são, respectivamente, Buarque de H ollanda e Gonçalves 1986; Paiano, 1996 e

4 O exemplo 'iffa1s·famoso dessa lirerarura é O que é isso, companheiro?, de Fernando Gabeira. (1980)

21
Christopher Dunn

eles. Em 1997, Caetano Veloso publicou Verdade tropical, um livro volumoso que
focava sua experiência pessoal com o movimento tropicalista. ªª~iano ofereceu um
relato fascinante da década de 1960, com seus conflitos culcurats;,~;·~~fi'ticos, e da im-
portância perene da Tropicália. Seu livro de memórias provoç.gii,iJl· nova rodada de
discussões na imprensa nacional sobre o valor e a importând~·;t?riopicália e, princi-
><):e:Yiv.. -..., ,:
palmente, como o movimento se relaciona à cultura co11;{êrr1}~prânea.
O corpus de textos em língua inglesa sobre a Trop_i-'€ii~~é~-'f~lativamente pequeno à
.,,,-,:, .~,.,-:,.•.:·
luz de sua centralidade na cultura brasileira contem ~" Com base nas primeiras A~

·,,· _ç,,,.
formulações de Augusto de Campos, o emomusicql<r . etãrd Béhague foi o primeiro
~::: ;~ iJf:~•

a apresentar a música tropicalista ao público acadêâ..\i~o norte-americano. Situando o


movimento no contexto da música popular b~~l~:j_ra pós-bossa-nova sob o governo mi-
litar, Béhague argumentou que a Tropicáli~:f~i::tefeito de "liberar a música brasileira
de um sistema fechado de preconceitos <if}~IJ; condições de liberdade de pesquisa e
experimentação" (Béh~aue, 1973; 198íl/ p.ilm. No pri111iif\H~vro acadêmico publicado
-,1_ ·"-,~~- , _
J'<··i· ;~'.•.,":',:t;.:. . .....:,.,
nos Estados Unidos sobre a múst{? pg~êtl:fü- brasileira,.,Jffí~s Perrone explorou a poé-
tica tropicalista de Caetano e GU:~~fi~do atençã.<tf.~[{'i "paródia refinada, a alegoria
.,., )'?·f.-; · ,"?. ,.t. é;lr· ·fJ~~.;

sociocultural e a experimemaç!~:.~1~rutural" p~git\tfJJ~as pelos dois artistas (Perrone,


1989). Em alguns aspectos,,c#ij,~~rde Perrone có.&~i~,mema o estudo de RandalJohnson
sobre o Cinema Novo ~tt{ ~b
de 1:~vi1:-Ge~ii~ sobre o teatro moderno brasileiro,
discutindo como a lrnei~lª
se mani~~i tnesses dois campos artísticos. 5 Na esteira
da nova onda de inter;;s~;;pGla Tropic.Wl ;{9.~l:Srasil e no exterior, o periódico Studies in
Latin American P_PP,·t/if!!-t Culture del\S.SJ~uãi~ edição inteira ap movimento em 2000.
;.; (, 9'...._ .... .,._..~.".. ·~

Para avaliar pt~1t~ente a imB~Í,C~i~)a da Tropicália, é necessário primeiro exami-


nar os moviW,~ntos literários ej'1'#i· -::-fétit>menos musicais precedentes que contribuíram
·,1~"\•,-.-;,
•'.·, ••.r,:~tf.,:,,.. f :s1

para o q ui, Ji~~§i'siderava a ::yiil\~iJi~acional". O primeiro capítulo deste livro analisa


o Mod~~~~fõ: um movi~~l~}fü)Iterário e cultural que teve início na década de 1920.
Duas._:f°êrtW§rthas básicas,~~~f~~taram a geração modernista, uma voltada à experimen-
,1..i;.p :, :f:f ,. - -~-J~:..---. \..•
ta_~~g2fit~il;ia for~~,.JH~Rllâda nas vanguádas européias e a outra interessada na arti-
~jip~·dô"que se corts~~ravam elementos distintivos do Brasil. Aqui me concentrarei
r;~~~Ôis imporr~i~5'€:ritores modernistas, Oswald de Andrade e Mário de Andrade,
~;r:}\,~}ÍJ~ esboçararp·~ik'ôJ~os para a renovação das artes e das letras brasileiras que viriam
ir -·,·~
.st, ~'ffrtt,ft ter um im~Êtt1prolongado sobre as gerações subseqüentes. 6 O trabalho pioneiro

"i11~' " *:'.iri•


5 Johni~n'tJ!,284; George, 1992. Ourras referências sobre o cinema brasileiro incluem um volume editado por John-
son ~~~ i, 1995; Stam, 1997; e Xavier, 1993.
6 ü'~~~,i:kAndrade e Mário de Andrade não eram parentes. Para fins de clareza, refiro-me a eles pelos nomes
complêtós ou prenomes.

22
Brutalidade jardim

de Mário em musicologia é particularmente relevante para este livro, pois constituiu


uma expressão fundamental do nacionalismo musical que viria ai '_ · _enciar profun-
damente as gerações seguintes de compositores e críticos. Oswald_A,;~~{d:11:hecido por
suas interpretações humorísticas e irônicas da história e da cul,J~'f.. /t't}isileiras, mais
notoriamente expressas em dois manifestos. No "Manifesto 1·:; _;~sil" (1924), ele t1
exortava os colegas a criar uma "poesia de exportação", q1&if ii~ ~eria subserviente p
às correntes literárias dos países dominantes, mas també "' ~0i{s ignoraria. Oswald 8
radicalizou ainda mais seu projeto no "Manifesto Antró\[ -,, . ,,a• "(1928), que desen-
volveu um modelo para "devorar" de maneira crítica,4cs"~iwif,tfações culturais vindas
do exterior. A antropofagia viria a ser uma influent~;c 6t€3~troversa metáfora para ar-
tistas e críticos das gerações seguintes. Quarent:f:'ã~J;ti>mais tarde, Caetano diria que a
Tropicália foi uma forma de "neo-antropofagi~:1~'l?i1,pêrtinente ao contexto cultural da
década de 1960 (Campos, 1974, p.207). l ·',;'. . -,
As energias de vanguarda do Moder~fsll\~1b rasileiro s,~f 8'.I~§.1param nos anos 30
:ti:., ._, ?? ,}'.•~J';}.1,- . . ,-·i·, : l

e 40, durante o governo nacionalift1i',' J2,gpú!ista e, em J]tifii~, instância, autoritário


·~\;f:..., ,..:f:\:.~ii:~:-/// ., .,. -~. sx~~r-
d e Getúlio Vargas. A poesia em ve"i's'~s]J~es, a pros~.:. :_:ê'fimental e os manifestos
provocativos dos anos 20 deram l~gJ'_itf'omances e a histórias sociais orien- {ftJ~.tP
tadas principalmente pela "des~plrttt>;/~ pela doc,KPe~;;çáo da cultura brasileira. De
· :;~( ::-~-:e: --:1~f-~:~.~\.?
especial importância foi a mit~il6 de um PcJ;radi~!Yía mestiço, que exaltava o hibri-
dismo cultural e racial c.R !P~l~J~;damentt \ti&~ ~ ~t denridade nacional unificada. E,
em outros países das A~.;;Irff~i:a música ~;~l'ir exerceria um papel central na "in-
-::!-'>),'", ~/J'.

vençáo", divulgação ~ef?t,í,,~jeçáo inter~i.Si9~iiifa cultura nacional. Carmen Miranda


exerceu um papel iml,p;~te nesse p ,.,;t~~ê' e, posteriormente, os tropicalistas iriam
,J/i.~t;·f·~ ~ . '
se referir a ela cotp unia afetuosa iPR.P} .,fA parte final do capítulo analisa o esqueci-
,.5f4/\1?·~.-,: :{,';y ,.;,;-:~.'!·~~:-....

menta a que fo~pjit~legadas essa,t~~!!§'tâ\: outras celebridades do rádio e o surgimento


de uma esté~é' -s~~~'iriopolita et -
·,·:,t~~ionalista no final da década de 1950, em um
período uff, .·.,, uanto às gê tivas de modernização democrática e desenvolvi-
mento ndifh.r.~íl. No âm.bi:tg,t4Jiffiúsica popula1:, a refinada sofisticação da bossa-nova
, ):··~<t, -,,~,i~\;;~::?~.-- ••li\i'}}/\'. ·..;J~~;.,t
foi em,''té~,rroo do penêfüI:~11 . .
~:it~- ..•. -io dos ano~l?_O,t1i6~ens artistas que aspiravam a ampliar a consciência po-
liti~ :"'êf«s classes de tlitb:ítlhadores urbanos e rurais estavam cada vez mais insatisfeitos
(-":;:•: ' '···.'" -~/ ::;,,, ;_~· ' \;0;;.. . ':-.'.,',:.?'

;tt' ~,i,'~ semimen~ ~'i1ri*-introspectivo do início da bossa-nova. O Capítulo 2 discute


~]\, a,;~rírica popul~t~l:pacionalisra da bossa-nova e o desenvolvimento de uma cultura
·t\'i~);q:;j~ pro resto ,µi~~~ -~pós o golpe de 1964. N aquela época, artistas identificados com
a eclética _.g ··J},i qri~ da pós-bossa-nova, que mais tarde viria a ser chamada de MPB
(Música{P;~~l~ Brasileira), em geral se opunham ao governo militar. Como muitas

23
Christopher Dunn

outras sociedades por todo o mundo, o Brasil também teve o seu movimento de rock,
a Jovem Guarda, de forte apelo para o grande público urbanQA\a.!raído
,,.,,,.,,.~,.
pela "cultura
jovem" difundida globalmente pela indústria cultural norte- .· ~,,;;~tina. Muitos bra-
sileiros associavam o rock ao imperialismo cultural dos Esti,, ~,,.,_, ,'.·'\d·os e defendiam
.~::f''" •:~:::;~·-/!,·
a MPB como a expressão musical mais apropriada da ~,çrri1dade brasileira. Os
+<r•.:J,,.~' ..t,_~'-,?7

jovens baianos eram devotos de João Gilberto, o ino ··· tt ,Jnusical da bossa-nova, ~'!, -

mas se sentiam cada vez mais frustrados com uma _,co


;jf.i)l}\.·,_
, idade artística que definia
as prioridades estéticas segundo as necessidades d: alismo cultural. Por isso,
Gil e Caetano desenvolveram o que chamaram fiféNl;.,.,. 1Jiniversal", apresentado pela
primeira vez durante um festival de música tradl~i~a~ pela televisão em 1967.
Esse evento costuma ser considerado o tt.lH:Pento inaugural do movimento tropi-
.. --· ",\J;.:r:..:,
calista paralelamente às suas manifestaçõe · ,:,c::Ínema, teatro, artes visuais e literatura.
O Capítulo 3 começa com uma anális,5tf i:i incipais produções culturais de outras
~-,~<1 ,.,;~· -t º" " -

áreas que convergiram com o projeq:i}mq'si~al do grup~.f~~po e seus aliados em São


-~:~~:. ,:•.,"~ · , •.~·"i.'i•,- --•<f ~

Paulo. De particular importâr\~1'à çffl1'.1!Ífilme de Gt,4µ~t-~)locha de 1967, Terra em


transe, um divisor de águas d ·~. -· !i hiento do , _"':::kffi:}l Novo no Brasil, propondo
uma alegoria para o colapso , tapiulismo e ,a{~ fJL são do governo autoritário no
Brasil. Caetano observou <t\!.,. s;filme repre,pt?M~~m "momento traumático" para
···t;;~.hr::.., "/"?.',i ;,''::4:~ --<-_,

9f!ª~Q_
artistas da esquerda, ;tr condições,
·\\:/::- . ...,rf'//:•tr,: _ .-J"'i.
par~fô''movimento que logo passaria a ser
;•J·".l.
chamado de "tropi~ f · · ;: (Veloso, F~:-~lÍ~1.J , r,Ô5). O filme dramatizava um momento
3
histórico da crise pi;â :fas e inteleç:tuli~ip.rogressistas que viviam sob um regime de
(~~ t·~~
ditadura militar de,direita. Os fil1.11es 't'tt,JB'lauber influenciaram diretamente o "teatro
de guerrilha" dd}f;!t)o Oficina, ~~~~! ~i,Paulo, subseqüentemente identificado com o
movimento tro~-i~~i~ta. Mais ~~~fi\~pos na mesma época em que Gil e Caetano apre-
,,,.. 1;,•"•º'' ,,,,,,'
sentaram s · : \}m universal~;~~q,'1 ~âtro Oficina levou ao palco O rei da vela (1933), a
(.'. .. ··.·i~·-e /.'": ;5-~·•,::Af:,,.,
farsa m q(i .: il~a de Oswal'&~;~f:Andrade sobre a elite brasileira, adaptada para o con-
texto,~ :. " · momentqti~~:~ 6 demonstram as reproduções neste livro, a Tropicália
tarnli~ID•[êlnconn9v ·•,' .,_,·-- i6
nas artes visuais, incluindo capas de discos, pinturas,
ç~# ~9~;{larrais e''í &i\ ™i!ies, a partir do final da década de 1960.
,t\~}.l'}j_.-.:. '"" ' ·..1;;:.-
{t~~,:;'c{~ : história dot~ ºq}e· do movimento sugere o nível do intercâmbio dialógico de
,:1!t10.;;JtÍ~ias entre vá · ',!eras artísticas. Depois de ouvir uma das composições sem título
{t .-::h~ J.~•r·- --
Y~]';~:., , {ile Caetano · ., '"íti\i\ià.l de 1967, o cineasta Luis Carlos Barreto detectou afinidades com
"?i~--~t.-i~~:--

.,,, ..,. uma inst~~j~ichamada Tropicália, do artista visual H élio Oiticica. Apesar da relu-
tância
",s>I-,
J,~~i.~.Jd;
Caetano, ele concordou em utilizar "Trop.icálià' como título para sua
mús· ·· ,,, .e mais tarde se tornou uma importante canção-manifesto do movimento.
"Tropicália" passaria a ser utilizado para nomear o movimento como um

24
Brutalidade jardim

todo, apesar de "Tropicalismo" ter sido mais comumente utilizado durante as décadas
de 1960 e 1970. Caetano distanciava-se da designação "tropicalism~1tJá que o termo
parecia reduzir o movimento a um repertório de clichês sobre "a yJ "~':'.,_h~s trópicos"
e evocava uma remota afiliação ao "luso-tropicalismo", uma teo{J,aS~t.'- 'aptabilidade
colonial portuguesa elaborada por Gilberto Freyre nos anos 40. ,,, ~';g;:o "tropicália'',
por outro lado, parecia sugerir uma atitude cosmopolita eva ., ..,-, i;ta à qual os baia-
nos aspiravam (Veloso, 1997, p.192). Como o movimen, ._ - , da vanguarda eu-
ropéia da década de 1920, o nome "Tropicália'' resiste à __ _ - ão com uma série de
~~?7.~~-,;;t~-' .:.,'i

"-ismos" . Na época do movimento, um crítico argume~~;Jft'.í~Jifdesignação Tropicália


era melhor, já que "todo -ismo é um programa extensii~;1J;~regado de princípios e de
normas, e toda -álía é um compósito cruzado d~1~ ~1Ilentos díspares e heterogêneos"
(Chamie, 1968). Apesar de haver algum mérito)~,;é)p ltlização do termo "tropicalismo"
para se referir ao movimento como um toda,jf~~;~posição à instalação de Oiticica e à
canção de Caetano), optei por utilizar "T~$iüc'~í~;' ou "mov·"'·,~w tropicalista'', com
exceção de citações diretas nas quais,l~Fi:e>~ft,91lfM"mo" foi o( · "~nte utilizado.
O restante do Capírulo 3 é ded\~iâ~:} exploraçã,g1;;,,,,,, ,· i'os temas e estratégias
de representação, extensivamente t!~~f&Ividos por ~~tJJde ações individuais e de
um "álbum-conceito" coletivo tl~pr~Ista de 196 - · uestão da alegoria nacional é
analisada em duas cançóes::}llª ~Jf~j}~s, "Tropic?,lia e· Geléia geral". Essa discussão é
"i~r,L _ " 1,: / ;t/{·;· . :f./;__ --~/$;
seguida de seções relacio,u,adà'°lt;~ representa~; :;migração urbana, cultura de massa,
violência política e margiI\!M~ide do Tercçiii~~ -~do nas músicas tropicalistas.
Apesar de os censqf~:<-em grande rrj~e.4 ii~1j gt orarem as composições tropicalistas,
~i,~:;.::;, ;J/;.'f;'':: '
<;,.:...;;:}.f,

as apresentações púb$.Jf~j)~ e seus progi n"ênjes levantavam suspeitas entre os agentes


do regime, que se in~ófu~davam q!,ffi~&ãiiitititude cáustica e irreverente em relação à
:,.:.· ' . ·. '·%•t :/~~:~·~:,
autoridade. O :} - o 4 se cozy~~rittií nos conflitos e controvérsias ao redor das
.•. ..1-,,:1· ..tt"'\•-~,'\:'1:.z:_..

apresentações,1,,~•-,. 1.r
1 .i . êàlistas em f~, ;~,yá'is de música, clubes noturnos e programas de
< ..,,,..,, ., __,

televisão. ~~gç~pós a prom1tf


.· ·.:/f ·•\1{/, --.,: -::•, · ~-..:'"
~f
do AI-5 , em dezembro de 1968, Caetano e Gil
foram prêlgst ~>ém segu;i,1 ;ij!i8s em Londres-. O capítulo também analisa as breves
~fo.~~y·,_.r,.,.. -~:V\•· ''<,'.~.?:§'"
"rever -?,f:têlo movt' _ .§ -'representadas pelas composições tropicalistas de 1969,
" :r~s:.·

apÓifi,,,, 'J1clusáo for~ d~tmovimento. De particular importância são as composi-


çft ··· · \,ntrevistas deI~ÍÍl}e~o Gil, sugerindo uma orientação para a política cultural
ii> {~gp,~,i que passai:j/t;sttr fundamental em sua produção musical na década seguinte.
f;í ;;·'.A pós a pro~Jgição do AI-5, muitos artistas brasileiros famosos emigraram para
i ~t.?,,. ' ,.:•/>' · .- . . _·,!,;;.- , < ~~/· .
·\~:i¾f,;,;tf exterior, t~\fQJ~or razões políticas como profissionais. Apesar de a maioria dos
relatos do,&; :-,fJ- ..trn~mo tropicalista terminar no final da década de 1960 ou começo
da de 1S!:t;' ª~f;i;;f~ndi minha análise até 1979, quando o regime militar aprovou uma
~-,,:.1>:

25
Christopher D unn

anistia que permitia o retorno dos exilados políticos. O Capítulo 5 acompanha a


trajetória artística dos tropicalistas após a conclusão formal ® movimento. Gil e
C aetano passaram dois anos e meio na Inglaterra, onde parcici~;i"tl¾t<lo vibrante pa-
norama contracultural da "swinging London", orbitando ao reâ~f~ cenário m usical
-,~ ·,.,; ,J',,
do rock, interagindo com a comunidade de imigrantes cati ~:ilí-Ss e absorvendo os
estilos afro-d.iaspóricos emergentes, como o reggae. Ao .yôlti 'fí~ Brasil, os líderes do
movimento tropicalista foram celebrados como ícon~ ) rt.,::;{lbvimento contracultural
brasileiro. No final da década de 1970, Gil e Caetaniftth.mlm se tornaram defensores
dos emergentes movimentos culturais afro-brasit~i1:l tâ_f ~/Éiados ao soul, ao reggae e
1
ao carnaval afro-baiano em Salvador. Esses fenôrrl~di' era~, em vários níveis, relacio- . \:·-,"."":,

nados a um movimento mais amplo, que l½ft 'fl pel~ fim do governo militar.
O capírulo final discute as várias anális'' ;rf Rbmenagens relacionadas à Tropicália
desde a restauração do governo civil, em ~~çt da década de 1980. Ao longo da década ••,; d ·. , , . -

de 1990, a Tropicália recebeu vários tfi.but~'.p úblicos dtg~ {Ç,_o carnaval, tanto no Rio '. J'.,( !,, ' .•) -~·~"'.;.,:')•

como na Bahia. Em 1992, Cae~@,tm l ǵ'.Íproduzirar;1{üliJ:í.-álbum intitulado Tropicália


,f;"*::'fij. .... '.-:""t;\ . ·"~.,; ;"!·.:._

2, que comemorava o moviment ír i •t êj~tava atuali~Â~(interesses políticos e estéticos.


O capítulo salienta a obra de~Jtrtn,:Í é, um artisÍ,( q'ij~ teve sua carreira lançada com
't~ ..~ J-·';\ ..,_ :-•-_-::d;,_,\:•}

a Tropicália, mas que depo~:,l~~o circuitoi:Rº ·ijpl5lico mais amplo para continuar
a desenvolver uma m(JsiG~; :I~~f~ experimemaf
'-"!~'!"~~~.:: -""'
iiffif''
.,
década de 1990, voltou a ganhar
,_'{'.. t~

visibilidade com o ~~,~J~iô:W~'


intern~i<;1~,>q'. ,di'uma compilação de sua obra desde a
década de 1970 e clõi~;"'ifl~Úns inovad9fê's"~~irêsencando novo material. Junco com os
outros tropicalis::~twJ om Zé encq,p~f~½?i }$vos públicos fora do Brasil, especialmente
após uma breve:,~,p ct}ii tropicalistaJ Íd~?~ tados Unidos e na Europa no final dos anos
90. Atraídos pel~:,êt{g~ica irônica t~lp pastiche descentralizado da Tropicália, cantores
~:.:~~\;, ·, .~...!:i/tJX:-- ~1

e composit~~f jpternaciona~ :l~tamaram atenção para o movimento e suas principais


personalg}:~êfê sfb movime~?--.- tr'bpicalisca cem tido um prolongado impacto sobre a
prod~~p"~~~Pmúsica
':/' ,
poapf.~J&'
•-'• ...,
Brasil. Discutirei o impacto desse legado sobre alguns ·:· "'

artisr~-...•f-~~c_;icempor~~•..$;,- gi~ffuancêm afinWades com o projeto tropicalista.


-~¼\,-;. ....,, ... ,.·~.,.;-

i1Jl s-i •1 íiao apr~?"~fa. ..~ífía análise canto diacrônica como sincrônica do movimento
.:,•~~{*\: 1
"~•·,' ·,'•t-•(iy
1

c;~~j.ft&:~icalista. Os ~t,_pí~Jfôs 4 e 5 se concentram exclusivamente na produção cultural


·l .,
.,,,,.,i,/ttõpicalista em"·?}.·~~ - Em cada um deles, analiso questões importantes que funcio-
J.lol..... _,,t ~•• , ' "·,..'i•.••

_,feJ·h
{,,: "~""i·~.-Vt--~-:; ?i\am como ,.9,,·,'__&
.
_i~iÂ':S -t emáticos ou teóricos da narrativa. No entanto, o texto é estru-
'.;}., ;;,,, curado cn~,~-~picamente de fo rma a apresentar a evolução histórica da Tropicália e
·'-<:,;Jf-'t_~tJ.V a aco~~~W' a trajetória de alguns de seus principais nomes após 1968 e, em vez
de i1191iiít:J.ongas transcrições das letras completas das m úsicas, salientei as frases e os
"'.._~...•:1!';_"1:;:-c

ver~~j ;)?;iiticularmente relevantes aos argumentos e observações.


• ·1,,··

26
Brutalidade jardim

Mais de trinta anos após o surgimento da Tropicália, a maioria de seus principais


participantes continua produzindo em suas respectivas áreas. Os m~ç:os tropicalistas
são particularmente ativos e influentes, tendo consolidado o que,\~tb:fnsidera, em
}~-•----_·?~
muitos aspectos, um modelo dominante da música popular no BrJ~~1iflf\rerdade, seria
difícil encontrar músicos populares de outros contextos nacioná"J( ,, ~:,~ma influência
- ;,s'/~·
tão duradoura. A importância da obra dos tropicalistas se es . ''âlém do campo da
música popular, e provocou um impacto também em outra~... e produção artística.
Robert Stam afirmou que a música popular tem tido :i;,_ esso do que qualquer
outra área da cultura brasileira na elaboração de SÍ9't: ;liYJ§Ü#tiltaneamente locais e
cosmopolitas, populares e experimentais, agradáveis f .. icas. Desse ponto de vista,
a música brasileira "tem sido o ramo menos coloni-~do e mais africanizado da cultura
"é~~-' -~~:r.i.,;;?,,i?
popular brasileira, além de ser a mais bem-suc~gâ''~m sua disseminação não apenas
no Brasil, mas também ao redor do mundo"JfS ~--i!f.'1997, p.361-3). Essa combinação
específica de qualidades e pontos fortes 11s4:~1 a popular ~~;t,lfira contemporânea
::t~-. /;-,.- -:,<~t:). -_ ~~~-:
tem muito a dever ao projeto tropi~i~}ist~''~í~,'ili' legado arlit1~~:r
tt .,'\:{f~t:t

27
·,

P0-'{1-A D-' -'XP • .ff{-A0:


MODERNIDADE, N~@~pNALIDADE E
INTERNACIONALISMO ~ ~;~ ULTURA BRASILEIRA

,.{4'J.<~~ .- ...
f~f r;..: .:i.•
;~f
m dos aspe4~'s .w i is notáveis i i>t~9vfmento tropicalista foi seu
-~ ;--~
;!:~::~
diálogo cii\ifll:90 com vár~•i:-t~ências da produção literária
.~. --~..:,~k..;.j.-' ...}~
e culturâl;;ijj~ileira do sécü.fe~\~ ' O grupo de jovens cantores
e ~-:0Jii~ i 6res e seusj meJg~utores no cinema, teatro, artes
Ji}\~~~Y:'J~"'i iteratuif~AJ[~';~·= antigas polêmicas em relação à
modiHí.idade ~ à t~d gJíklidade, bem como a dilemas especí-
.17stfifos da prodtiç.~c{~&ltt"iral sob o regime militar. A Tropicália
interveio em inúm/ '*"~J kbates relat~i;'.·,jfú~ultura popular e à identidade nacional
. . --.;:-:, ,;;-, --~~1t,.;._..,
que, como argup,e;ptou Renato C\~fw1:/Snstituem uma "tradição moderná' em evo-
,,>"f--.·..,tt.1" . ' -..·: ·.:;\ ~~
lução no Brasi_l f.Qttj:z, 1988, p. lij:.;,~ };-.. '
~-.!:: ":\~ ·:;,~; -,·_:;i'::_. • -,-: e
O ponco~l .!.eferência m1 fJ.1~~minence dessa tradição moderna é o Modernis-
mo, um rp,B~:t,ri'{'2mo literárid,f~ ~~'ilcural heterogêneo surgido na década de 1920. O
, r·t : ~,f;,} ~ ~-.-i: ~.r{.: ~

Moderqís'fflg;:f~uniu ~gstji.~~ i ~grande parte cÓmprometidos com a renovação estéti-


: ~;ftX: -~ . ~<l~""t~... · -~~.,~~ ~. _. !'J,<·
Ca d~§J~tê~?e lêhas brasifo%~ 0e com a articulação de uma cultura nacional ao mesmo
l,\i:1:/ ~j:t...~ . .

terri~~::~óriginal" (i.~:!~fpr'1zada nas culturas populares do Brasil) e "moderná' (i.e.,


~ú}0p'â:se nas tend~n~}ai:~literárias contemporâneas internacionais) . A síntese da ori-
:•,;..-~ -rt ..;f;/f~"~~"/~~.
.,, gjn,iiâ.ade nativaz:~.;Hir'têcnica cosmopolita criaria, como propôs O swald de Andrade,
:l:
·f
4.q~~ "poesia dei~ft&;rtação", capaz de causar impacto internacional. O Brasil deixaria
',!·-"'.- . .-~·•~'.•'-" .;.:. .... ':',··

\fi:i;J,Me apenas im,pZii!t& e passivamente consumir a cultura dos países dominantes; passaria
a ser um e~~dor de cultura. Na década de 1930, o espírito de rebelião irreverente
contra aS:;,-éh~y~nçóes literárias tinha se acalmado à proporção que o Modernismo era
---

Christopher Dunn

institucionalizado sob a égide de um regime político emergente nacionalista e popu-


lista. Durante esse período, artistas e intelectuais proeminenté\J:mscaram explicar a
~·•t5> ~
originalidade da civilização brasileira por meio de seu hibr~!;!lgW,Ó':~'racial e cultural,
..... ,,;Jr:,,J;':,

estabelecendo, dessa forma, um paradigma para uma idenr,y;l14f~'acional mestiça.


Ao longo do século XX, a música popular brasileira 1 o veículo mais im- têi .~id~
portante de afirmação dessa identidade nacional me~ft~!:~it ;rito no Brasil corno no
exterior. Já em meados da década de 1920, vários intelectuais modernistas qJ;Jíi?fsFJ
.~.t;:,;~.~xi~
consideravam a música popular um dos principai~~?f,~Jt<5t~ptes da autêntica expressão
•,••· --~ ~i..~}·:{' .1:'.~'
nacional e uma fonte de inspiração para a músiq:â~~tfJ~ti~â. Estimuladas pela expansão
do rádio nos centros urbanos, músicas de orii~ttsfkfricanas - com destaque para o
samba - se popularizavam entre brasileir?-#~~.,!odas as raças e classes. O samba viria
a ser proclamado a "música nacional" d_g;~it~ff e exerceria um papel fundamental na
projeção da cultura brasileira no exte1J~fj{!Nos anos 50, ele também serviria de base
para a bossa-nova, um estilo novo fhe ;'.fS~essava as .~Plt~ções cosmopolitas da elite
- -~-<-~ ......, , .•.>. .;::''"''· . ,..

cultural do Brasil durante a /j{se,.fq~t;,~ odernizaçã,QKêfü;&ocrática e desenvolvimento


"'-~ç;t".-~;,,.1-;:_-- , '"'"'-~f=
,~ -
industrial. Esse período de ?!{fni!"1º e autoc~p:%~\fa: nacional durou pouco, ma~
produziu realizações culmraJi't~J):1.douras, coai~:l :·~ ssa-nova, demonstrando que urr:
país "periférico" era cap;z~ij~,:~fóduzir uma
• • • . •:Jt-,· •'
';g
~ia de exportação" e receber aplauso!
-- 9.-
mternac1onais. ,2};-.: '-0~;~r ,

iR'½;::t,, . ~
~-;'[~~~~ 0 ffi0~i#Dlfffl0 l~Ul{llil-R0
;\~~~); .,Ç~i;: :~~~\f:
Lanca40tformalmente
~ 1>···-~~/·
eJ1á\lf.ey2tfiro
. - ~~ ·*t:~~
de 1922 durante a Semana de Arte Modern:
em São~ J?.l1;i1gto
,,-.., ···:<..-:,
Moder~i~fil~J>
.:t_ ,·- . "!, 't
l~sileiro foi um movimento com importantes mani
festaç&t.
-~"t ••.._ ~.· ,
e ~ várias área§_; a."&?)J,ródução
~i--~ l-· ·-... •
cultural. 1 A chamada "fase heróica" do Moder
nif.hfc1'-{t}•9°22-l 930) ~ii\r41.~~ü principalmente um grupo de escritores, artistas visuais
;,f~~~ihores de?~fPã~Íb., e do Rio de Janeiro. Apesar de ser um grupo heterogênec
J{(~~'t6
.., , . , ...-
e~ termos d~\ à,lores estéticos como de ideologias políticas, os modernistas er
_...,. .l

'\t;,,getal
·A•,·, ,' '"';lf-
eram co.J#j;1:, o
J,1• .;,.- . ~/
ffletidos com a crítica à estética das belles lettres, por sua vez, mai
i{':'';;-(I) 'ldentifi.cad~i?9.~',B parnasianismo, um movimento de origem francesa que exerce
tft.'f -?;;~j'./
· grande inft~êri2Ía sobre a geração anterior de literatos brasileiros. No ataque às cor

~-~yf i~~t~
1 ~~~~i'nismo foi o correspondente brasileiro de movimentos artísticos similares na América Larina, normalme
/,#.f:~~ados de las vanguardias. Na América Latina, o Modernismo denota uma estética do final do século XI
aprà'firoadamente equivalente ao Parnasianismo no Brasil.

30
Brutalidade jardim

venções literárias e artísticas, os modernistas se apropriaram de práticas e técnicas de


vanguarda vindas de movimentos europeus como o futurismo, o cu6:i%;füO, o surrealis-
mo e o dadaísmo. Ao mesmo tempo, denunciavam a imitação acrítJ:v:t:4~',fbrmas pro-
venientes dos países dominantes e a utilização do português con,;if{~~it Ainda mais
do que outros movimentos latino-americanos de vanguarda, o _.C:'"-, ,~~ismo brasileiro
~~t. ,·
se interessava em primeiro lugar pela articulação de um proj~fô'·1J~ nacionalismo cul-
tural. O Modernismo sinalizava transformações na vida c _ ,, 'rlft~olítica
.. e econômica .

brasileira que acabaram culminando na Revolução Naci · Populista de 1930.


A Semana de Arte Moderna de São Paulo coinci ... ,. . ~,!Jl .~t'c entenário da procla-
mação da independência política do Brasil em relação"~-~ J'~ugal e foi articulada como
um evento para anunciar a independência cultlli-~trl~ nação. Apesar de as atividades
literárias e artísticas de vanguarda terem sido r{ .
.-,,z -
ao longo de vários anos antes ··at
do evento, a Semana de Arte Moderna mare.1jfqr'ql;µiomento no qual diversos intelec-
;~:-::-.,,, A ~~;·,\ ;\.
mais se reuniram para elaborar e desenvo .,•,r u)fi':projeto cul,~fiál;1,n.acional. Personali-
dades tradicionais e emergentes das < -- ri..,.·:,firias e artísf '.tf;tr{:i~
São Paulo e do Rio
de Janeiro participaram da Semana -.{~!{Moderna, ~J;t:t;: . · s os escritores Mário de
Andrade, Oswald de Andrade, Me11i;'. ,<; Picchia e:Jf: i~f
· algado; os pintores Anita
Malfatti e Emilio Di Calvancanti;:;.d:ff'.ê6mpositor BÍeit@r Villa-Lobos.
'" --~~~tt\>;. ,.-:;,i:tiit~=·
Em meados da década d~i •.·· fModernis11:o h~j !â se fragmentado em subgrupos
independentes, muitas v~~es<~~!agônicos. -~~ · ,,;;Bosi identificou duas orientações
~-'::il~~;<:.'-:,t;.- ··;f ~.• ; ~,;.

dos movimentos de vangúâ'ti:f~tfuropeus e"l1tl ·ados no Modernismo brasileiro: o


imperativo "futurista'' .~\'~xperimentaç~ç,.,,,. _ . , a celebração da tecnologia e da ex-
periência urbana; e J{~j;~fbordagem _;}~i!ifi~\ivista" com ênfase na cultura popular.
Os modernistas se dividiam, segunqfa?b130$i, entre uma abordagem futurista visando
ti_{" '' \.·;,;~'<Ú,0
a acompanhar a ·. ,§'midade e .· -~- - Iiéntaçáo primitivista para expressar "as raízes
brasileiras" (B ~70, p.385- , js1 dicotomia pode ser compreendida, em um
nível, por sao entre ,., , ,; ~rações simultaneamente locais e cosmopolitas
dos mode-rijtfF-~: brasil( ~i; t)(,~f~;::fiotar que essét dicotomia muitas vezes subestimava
..;;1'.\I": ,..•":.,s i (;~, .. ',.,:;.~ .i:<. """r,~.íí\.1/
a mod~~i-H,~d.êtfaquilo e
:4t-1:~1t-·:. ·.
~qid.o como "primitivo" e ignorava o descompasso histó-
· ·s-1,~,
ricoJ;q'üijo visto com~\-,;_'fu,çprista'' .
.,·(tt 1.%':_ · guardismo'j~~®-acional, a urbanidade e a industrialização constituíam os
p,i •' iJ' da tendênsíf\?f~rista. Um interesse renovado pela experiência colonial, os
~fÍ. mi/l:p~ de bases · '"·· ·. ais, os vernáculos lingüísticos e as práticas culturais do povo,
"'t-1J;~lt1p~cialmem&t~~;i,g]:.r~-brasileiros e os indígenas, orientava os interesses primitivistas.
Ao interpr ,.., _ . "primitivo" no quadro de referências da poética vanguardista, os
modernisf iscavam delinear tanto a especificidade como a universalidade da cu!-

31
Christopher Dunn

rura brasileira. A produção artística igualmente autóctone e cosmopolita poderia ser


prontamente "exportável" como intervenção original na cena -f~f_rnacional.
No Brasil, como na América Latina em geral, contextos e,)Jllrifd'.ses locais media-
vam essas duas tendências. O entusiasmo pelo futurismo fraQi hi{ç}flano, por exemplo,
,:°:\~ \~::·lV
já havia enfraquecido em 1922, quando o Modernismo foft(wmalmente
,r:"l:..._. '!...,_,,:.;~:.;,)
apresentado.
Mais carde naquela década, os modernistas brasileiros ç#fifx~m viriam a expressar opi-
niões conflitantes em relacáo
.)
à moda primitivista, .,/:rr,r::
n~,,,....gtiW'âetectavam o fascínio dos t ·•

colonizadores pelo exótico. O primitivismo foi f~(!~ ·... mente uma expressão das
1
fantasias e ansiedades do Ocidente em relação aiJ:i~9~tr . raciais (Torgovnick, 1990, ,\1,:a· .,.;õj" -~~......

p.8). Essas duas tendências vanguardistas surgir~ ?como esboços na prática estética
e não como diretrizes programáticas. N o ~1~s;e:rnismo, tal dicotomia - que não era
mutuamente exclusiva nem necessariam~4t~ ';~rvia de base para todos os escritores
-~\\~<,}.:;_,;:. ..:1c.?'

e artistas da geração modernista - prqVÍ~~U-, no entanto, uma tensão dominante na


produção artística brasileira e nos d?~arlt.tt'ulrurais ª<?!1ijlti9 do século XX.
.:2!:,;.'<)~(;;:~,;l: Ç,;t,:~~r-·

ff IOO~rt:u1
.., ·;J,~;r~réf t~tt;,~;:·;t,
De todos os mod~ i'§c't\~/:Ó poeta:, rofr'an~~ta, dramaturgo e provocador literário
Oswald de Andraq~tf {f' ' m exercet.CQtm~QI impacto sobre o movimento tropicalis-
ta. Ele foi o autor das aço·~s mais radi~ is ~~,:Modernismo, incluindo dois de seus mais
~
. ,/ ' ';',"i.. ;.o _f,....,

celebrados e ciça,'ttqf
·:-..q.
manifestol?l~glfi.iti'cto em 1924, o "Manifesto da Poesia Pau-
' i>;.;1' ,,~. -~·;-.::.;..,,.,,

Brasil" exigia ct~a.J 1


jpoesia de Ç."fr.óit:tçáo", influenciada pelas vanguardas literárias
-• • é·;>;;1,
internacioI).a-i,s,, e também pel<l}~fifexto cultural do Brasil. Como primeiro produto
.rc/ ·1;'fi" , ..:·\~ '<~~;.t
de extra~iit~t\B:'}.~à exporta~1f1i~f5ihacional no início do domínio colonial português,
o pau-n'~ j_i"'constituía u,mtí~etáfora sugestiva para um projeto cultural "nativo" in-
~ ,.. . '. ·,· ..,.,._;..
~ :i~"·.,:44<•·:· .
flu~_i(t i'~Ô por tendêndf~"',,iJiternacionais contemporâneas. Alguns críticos argumen-
·.•:,::.e.•·1 "{~- :-• '<;,;.<..-:;,_""
••J,.

r.~rnlfi\~lte a noç~,!d:e:~f~poesia de exportação,, com base na metáfora do pau-brasil


,,ik~,;;,~-'}.. . ,!'~\}\- -~..~[;..•,. ~~
,;~I(Ei'iiiis réàfirmava o'rf4:pel histórico do Brasil como exportador de matérias-primas aos
,~ it<'¼
.;~~~,s_ÓiOnizadores ( 1t':·· , por exemplo, Johnson, 1987, p.46). No entanto, há uma dose de
:tt:~':1:)r~nia na me.e'? , :'::~Bo pau-brasil, já que o manifesto se refere, em última insrância,
A}'';c t}}t~~}'à subversã~~I1Êgado colonial europeu ao mesmo tempo em que se fomentava uma
~tlk~~?Jf{ cultura bij~ít~ra moderna, com influências tecnológicas. Depois de uma visita a Pari~
em 19Jt!ftJõ,swald de Andrade voltou para São Paulo com o "Manifesto Futurista"
(1 9~ ~ Felippo Tomaso Marinetti, uma defesa da destruição radical da arte e dt
idietiJ~ões do passado e a elaboração de um novo projeto exaltando a velocidade {

32
Brutalidade jardim

a tecnologia. N o "Manifesto Pau-Brasil", Oswald propunha que o futurismo servisse


para "acenar o relógio imperial da literatura nacional" e que era o '~<'?l?ento de "ser
••~• ; ,w,'}.,

regional e puro em sua época".2 <:::f::,,


O "Manifesto Pau-Brasil", de Oswald de Andrade, se estrutur,a1~~f:i~'.âor· da tensão
1
binária entre "a floresta e a escolà' na gênese da cultura brasileifj '.,.:Q ~ c:; onto de vista
;c..~';}(:v;,..,,
1 · :~~..:~.'

do escritor, a escola denota a sociedade letrada, com suas i~sd\Mções formais e re-
•~r~:J, .:f.i.l
cursos tecnológicos, e a floresta acua como uma metáfora :~~Jtfr~''do que foi excluído
ou marginalizado dos centros econômicos, políticos e dr;Í~~jittide poder e prestígio.
O swald denuncia o duplo legado da exploração colorvr . ·.· :/ditsimulaçáo acadêmica
\ ~{ ,,1$· ' - ·:·
representado pelas figuras do proji.teur, com seu desejd;;~~:e dominar a natureza para
fins comerciais, e do doutor, com sua erudição ,, · ' ,r.~lizadora cuja única utilidade é
marcar e reproduzir as distinções sociais. Com ' íêÍoto para esses tipos históricos,
O swald exige mais inventores e engenheiro&,,~Jf&jtp -; oduzir e implantar novas formas
de tecnologia moderna, além de novos arf'tas:)lra criar urnjt~qfsia "ágil e cândidà'
- utilizando o linguajar das ruas br~fíleii~,r:,t~i m arcaís111~fi :;~i,~~ erudição". Contra
quaisquer normas programáticas pari t"'· ~~ilução artís~,~~i,i .: simplesmente exorta o
público a "ver com olhos livres".
1
;"tt' cf,t :{;~~~~tfi:;;
Oswald de Andrade colocou ~ '.'-::.f,:~,,.
f .. .
'.;. .
apopular rl.i ,c{'.,.qtro de sua poesia de exporta-
, :·: ;:;.~:,?
-~~: ,·_

ção: "O carnaval no Rio é o,ric~t:~~ fuento religios~'\ji\aça. Pau-Brasil. Wagner sub-
•;1fa4:~ ~/!;:_\ };?.. _,_ ,\f,j f.-M~
merge ante os cordões deJ3of'· ó. Bárbar~'.~ 4i~f,?/A_ formação étnica rica. Riqueza
:~i:J/:.~,·-~ _;._ ,_ . ·:1/)/;:f(,""•.· . / :X

vegetal. O minério. A coziii ' ,· ,,:· vatapá, o ~ réi:,ê:'.;ã dança" . Como preciosos produtos
\\'oi. ~

do patrimônio nacion~?c.t~ práticas cu¾,tqráf~:lwtais - a culinária e a dança - são co-


1
locadas lado a lado ccti:~ ifuínério, o qi ;~:~:;~ esplendor botânico do Brasil. Durante
·,. ,~·,r».:i-~/1-·: .::::~t'f.~.
o carnaval, os blocos e 'cordões cheg~'-'0â;{;,edipsar as óperas de Wagner, epítome da
alta cultura euro $ Onsumida iil~,} trce local. Essas manifestações populares, que
ofuscam a culJ a: l~ortada
.. ~-f,~ ~--: :'•.
do's:}kil~~~ dominantes com uma exaltação insurgente,
. '•>\ ~;,:i·\ '-

são aclama ' '·,o emblema§:' ·,. ãcionalidade.


,..~,-~ '.•::/ ' .,. t >"f
Implí "l'.;.,_,_, -• .
~'fsa formi,µaç;_ii;}:istd<ra
-i',:..,,. ·'E:._J~·( . f::i .....,.)~tt~:
a celebração da diversidade racial e cultural, que
propo~#5tr~ya'ºi s con diçõ'e:s}~Çf~Ssárias ao surgimento de uma cultura original distin-
ta n. ,· ·. · i~os. Com p~§.itq-~i1', artistas e escritores românticos de meados do século
~ }~~-": ,,.~:.{exikavam
z.Jr~
o índi~,i .t1lisileiro como símbolo da nacionalidade, um tema literário
--. \ ;~~-.. -~---.:,;,·
·· a muitas l}'.pVia~}i.ações das Américas. Na maioria dos casos, a celebração dos
·.:::-. :,:;-<

ín ,Jo~ foi possív~ -"'" .· ente depois que eles foram exterminados em grande número,
· · ''''graficamen,~1ilç,1;dos ou socialmente marginalizados. Oswald evitava a nostalgia
~;:t~;\ .,?,"".

e, M anifesto da Poesia Pau-Brasil. I_n: Teles, 1982, p.326-31.

33
Christopher Dunn

bucólica pelas vítimas da colonização, enfatizando, em vez disso, o papel delas na cria-
ção do Brasil moderno. Sua referência ao vatapá, um prato rracl}fjpnal afro-baiano, sa-
'"1·11:J,t.

lientava a importância dos afro-brasileiros na formação da cult_~fâ?t\~fional. Em uma


crítica à euro.filia nas letras brasileiras, satirizava Rui Barbo~~/;i\}fa'moso diplomata
e acadêmico branco da Bahia, rotulando-o de "uma car,.§.l~- "t}J?senegâmbia". Para
Oswald de Andrade, a formalidade conservadora de B_ ~t:&,•J!~1Jarecia
~~ ~
absolutamente ..(l

fora de lugar naquele exuberante Novo Mundo pro~P:a~~~hte influenciado por cul-
;J~•,,.
turas indígenas e africanas. if '~E:~~,
"iJ}:t. ...:\ ~,;_
No "Manifesto Pau-Brasil", coexistem a flo,~ ~;!;;~:i,~:fêscola, o primitivismo e o
futurismo, o natural e o tecnológico, o local e J-;~;~~op-~lica, o passado e o presente.
Silviano Santiago notou a presença abun~f.~ d;'~onjunçáo "e", por meio da qual
fenômenos contraditórios ou opostos cic~if{to manifesto "contaminam" uns aos
outros (Santiago, 1977, p.6). No horizq~el:possível vislumbrar a sugestão da síntese
·~ ,·:,/, ";1.-~

em que as qualidades afetivas do p~vo ij,f~sileiro se fw:14:tiiriam com a racionalidade


:"i..~ :- ·~ ·--.:~-:/:~;~
moderna: "Um misro de 'dor~"e ne~:Jfúe o bicho ~ ~p~'gá' e equações". A tensão
~-i' Ó., ;·, '{"';f11,, ~~~\"\ •l~~,,t°

entre os dois extremos nunca'',~fí~~~-'~ atingir un;.~,J~lúção dialética, gerando uma


poética de lúdica contradiçã,ef::g),'~~anifesco n('t'~tta;il" evoca uma multiplicidade
.-·,, .. ~J} .,_._ . ¾~,••-t\i-.1._~:·'.,,

de referências culturais qu_~~p'f~,in~te a sínces~tfuc4tif 1t.t•


capaz de servir de base para uma
o-ngff:
\:.•.'•:T•,,'(, ~,'(1,",.,

"poesia de exporraçá0c" ·•lt1/f;i/


·'jt~~,-·,.,.~::ft:.: l..
, /,·.,',J.,·_,·_.,:-:':__:·,.,••,:-,,._:·.··:··,~-~- f~
.)k
•. •·=·:'.·,.·.·.••

~
·-).···t'

.:,:',~(2tJ~1!;i

,4'-tf-!:~~
0 (..{SJG.i.iftTl0P0l.fl(,0 "1'7 f.,_:~~•.•·:\••:.:f(o-/i '
4

?_._t~_.;-:~ . »:_.~}i ~
vifo ~~ i.4}';AÍ rri: ~'''-l/;p
.•
O projetg d/Ô~ald foi a.ki,ªJ~ais radicalizado com uma segunda declaração de
princípiosf;f:.~.\~anifesto i\itf8i·ófago", originalmente publicado na Revista de An-
')- . . . . .;:~-....:k-:'
~ _~) ;,•-;•:J.ô=)',,

tropofagJiJ,, étn7 ]928 (Teleff~tl2,~2, p.353-60). Um grupo de simpatizantes se reuniu


ao ~~~~Ô' Oswald, if}:~i,â~ a segunda mulher dele, Tarsila do Amaral, que deu
e~~tl~~?,:visual \ ~~1~i:,g\~fifgia em suas ~nturas surrealistas tropicais. Naquele ponto,
,,,~fNi!~~êr-tiísmo tirlfiit~~ fragmentado em vários projetos e movimentos concorrentes.
,:j~:t~~'.:~ interação mais ·:ç 6~bativa envolveu o grupo antropofágico e o movimento ul-
.....~~:.1~ '. <;~·: ~"
itfü{:~?i'anacionalis,:a.11~;.~rde-amarelismo, mais tarde constituído como Anta, liderado por
.l-) {jj\-if)F'Menotti d1t'I"í~ hia, Cassiano Ricardo e Plínio Salgado. Originalmente articulado
tlt,_. .
,·',""_i_·_,;-_// como rea;t~l$dtica ao "Manifeste Pau-Brasil", o projeto nacionalista se baseava na
histórJfl!~i.ca dos brasileiros nativos pré-coloniais. Em seu manifesto de 1929, o grupc
·'i,[:,,
An~~~~fava
-7~f,,.'-) ...i~}
os índios tupis, forçados, por um grupo rival (os tapuias), a descer de
pl~1afttv
,., ...,.
continental para o litoral "para serem absorvidos" pelos colonizadores por-

34
Brutalidade jardim

tugueses.3 Essa foi uma "fatalidade histórica" na qual os tupis "desapareceram objeti-
vamente" para "viver subjetivamente e transformar numa prodigio~\i[orça
. <· ·-·-~
a bondade
do brasileiro e seu grande sentimento de humanidade". O grupo<::,A~J~;:~clamava os
tupis como "a raça transformadora das raças" justamente pela 1falta de resis- ~à1Ji{JJt
tência aos invasores estrangeiros, o que abriu caminho para a>Zi,n~Jf
•. -~,,;._=:.~
de uma nação
pacífica. Segundo o manifesto do grupo Anta, não havia B!tt~t1,2êito racial entre os
brasileiros graças a um substrato inconsciente de "nacion, iiir,,-;}fupi". O grupo Anta
reconhecia a heterogeneidade cultural do Brasil, mas s , \ .'·vf que o "nacionalismo
tupi" poderia ser reduzido a uma "essência do sentiqt-ê\;•;, · i~ ~tável, impermeável à
influência externa. ,''1 -~;j~::
Em um nítido contraste com o manifesto d9;~Ea, o "Manifesto Antropófago" de
Oswald de Andrade propunha a figura de um ,rJfd,{6'.fâesafiador e agressivo, que resiste
. ~/ ,;.., ' ~\ ""{~"
violentamente às incursões coloniais. Para Q~"t~ ; não existia uma "essência" nacio-
nal, mas apenas um processo de apropr~~t;:lc:?~hâmica e r%Í"t¾;fr. de conflitos, ou de
"deglutição" de várias culturas. O ~'$fii{.· ·;/·estrucurac\~l!\~f{;~a série de aforismos
curtos, telegráficos, que se referem'· i~fífftjria do Bras· 1ffi!psofia do Iluminismo, às 1[:
religiões indígenas, à psicologia e L · t,f3pologia. Su:' ~i}Jidade e humor fizeram do
manifesto um dos textos mais
. CO:i{i:_:1~.,-~..
[Ql
7)hados da ltf~'r atJr: brasileira, freqüentemente
\~-~-- ;\ ~: • ,/:.,~~·
citado em letras de músic~: pi~ .. ,.. e epígrafe_s. Qtí~renta anos após sua publicação,
· .''.;\.;: ·'··-;;;,,f·~-.,-_, :., P~-: .•: .\:::.

acabaria sendo um textq_,fuí½glm·ental pa~'i~lf: -:itfêalistas.


Enquanto o "Manifái't~\:~~-Brasil" s~i;f , "'possibilidade de síntese - por mais
incompacível ou contr,¼ i,~ória- entre t~ fl~~jtfe a escolà', o "Manifesto Antropófago"
refutava a fusão harr-;t· .,: sa entre os ., . '• ~~os cosmopolitas e os nativos. A metáfora
orientadora para o ~ ~~ff;sto de O~'"'···· .. i o nativo brasileiro antropófago, a ancítese
., .' ,-; "\ ~~,;-_~C..f:ú'.~ -~ . .
do bom selvage · .' ~tado com -9 · · gfa pelos indianistas românticos do século XIX,
como José d~i~ffPtÍi;, e posteri ,.: 'e
pelos modernistas do Anta. Em um aforismo,
Oswald s · ,,y.,, a invenção;;t f~
do índio subserviente, "figurando nas óperas de
Alencar, { . · e bons,,~e9ttfi~il:tbs portugueses".4 A idéia foi inspirada nos tupinam-
""· ),"-:U·r-..--~· ·. •:f1it<~..
bás e ,, ~ grupos ·1n,\gênas do litoral que canibalizavam em rituais os inimigos
JlS ··para absor:y1~r s~~! poderes físicos e espirituais. Tratava-se de uma metáfora
.ta para intele:~~\,.<l; elite brasileira simpáticos às tendências literárias européias
mo tempg;:~ ii;~~~ também buscava sua autonomia cultural ancorada na reali-

·,.,,.-~:c,,,.~.•_.,,_ _ _ _
3 Veja Nhen
t!l?~· de Amarelo (Manifesta do Verde-Arnarelismo, ou da Escola da Anta). ln: Teles, 1982, p.361-7.
4 O primejr ' ce indianista de Alencar, O guarani (1857), inspirou uma ópera composta pelo compositor
brasileifuf° Gomes, calorosamente ovacionada na estréia no Teatro Scala em Milão, em 1870.

35
Christopher Dunn

dade nacional Qohnson, 1999, p.204). Para Oswald, a antropofagia servia como uma
importante alegoria para o projeto anticolonialista de absorver ~fürma crítica e seleti-
't,'.'i;;,.
va tecnologias e produtos culturais do exterior. Ele protestava ~S®1êrl.;temente "contra
ft· ··:-;'!.1:~;;t~f.
todos os importadores de consciência enlatada'', apesar de tarnJ,êm:}:p laudir "a idade de
,r:_.:-· :!7,i;(-;)

ouro" do cinema americano moderno. As culturas colonizad~l~~ não deveriam ser sub-
i'í:~p(• '(Jh - -.

missamente imitadas nem xenofobicameme rejeitadas, ~~i~~plesmente "devoradas",


visando elaborar um projeto cultural autônomo no B.t;?-.~fif;,iR%?
Em seu manifesto, Oswald inverteu a relação q( {?i~.Fdência, observando que a
descrição do bom selvagem, elaborada no século-~,~ Í,'pÕjíl½ontaigne, inspirou o dis-
T- _.:;/ ., ~-;...~~~.. -.
curso do Iluminismo referente ao direito natural: ~tS.~ nós, a Europa não teria sequer
a sua pobre Declaração dos Direitos do 'f-\~ %l?"· O projeto colonial português foi
;'.~(t Pi.f.l•~'•

despido de seu status tradicional de empré~~ledor e civilizador: "Mas não foram cru- _h), __ ,.,-~
.". ,.

zados que vieram. Foram fugitivos de 1c~~i✓ilização que estamos comendo, porque
somos fones e vingativos como o Ja.~;?t/ ft-~enedito ~~~pbservou que a antropo-
1~,·-. ;},,;, ••tr.-r::!r,, ,,,•.
' "4

fagia cultural atua simultanea{ljfh~.~~~-Oi'7 diversos r~gi,'st~: como metáfora orgânica


que liga a antropologia ritual di~':tt!f\@os --·~ .,
brasileirg~}btsca
~- ._..,J.,..,.,r.;r
modernista de autonomia
intelectual em relação à Eurq:p~:'\l5hlo diagnósi!f9;j e uma sociedade traumatizada
·~·.,/, ~-- .:r~~: ,.,_'Jt. ·0~~~

pelo colonialismo; e como.t\~rip-i'ã'" para coml:ifü;ec:9 legado desse trauma por meio da
·.• - -',~··~11,:~.- •1;:4:.~\~d!;·
sátira e do humor (Nunerf_t:~~~,!-:.
J .9-9 0, p.15-6).....,., , 1-,,
••~ ...... M:

Oswald introdq~_f~? ~ -~ovo coriJ~pji)~ \;'. bpostos relacionados, mas não com-
/~t~.'~:.~,:~..,:,~:--_
.. ···:.::;-?•-';'-.~-~----: --~ ~
pletamente coextensi\rôs~i:<':.õm a flores.~ é'~íZrscola. Adotando os termos edipianos de
i-"·,•· ~':
totem e tabu de_.-~ i.p.d, Oswald étt~fiê.Y;~Jâ gênese da civilização brasileira como uma
l:{, '•.:"••.;,. . , i· •~~)'

luta para subver.~{:;,.i ~egado colo.Rl'ta:&catolicismo e o poder patriarcal para restaurar


um utópico ,"mat;Í;rcado de ~~ ?érfamà' .6 No entanto, o manifesto não era um ape-
.-~.•..:-1.•,-,... -~~.t·\, -✓~-"·

lo nostálgi!fu}~oyretorno de.~J\l'.~Jfrâsil pré-moderno, não contaminado pelo contato


~-,·l_.,,\io....,~~:
;._f<-:. :1:• ~r ...._+i,"{J".1,·.1

coloniaJ:i~-t'e§'tauração d,&:~~.ttíarcado seria consumada pelo "bárbaro tecnizado",


que ,1~t1~s instrume~Í~1~~; modernidade para estabelecer uma sociedade social e
psicci~fta.mente}i~iii~
-~;.,-·•·.. , ':."'~·:;):.:;_, "'•.C~:~•:,~· . -~.r,
uma cosmofogia "primitiva".
0

-i
,,,,{f ~C'~m'õ"Ínetáforâ'24J.:wrâl alinhada às mudanças e contingências históricas, a antropo-
-·u,,~)x_ 7" ..;;_r: .

.t,i{igí~ propunha U'H2ª ~~goria do Brasil, uma estratégia retomada pelos tropicalistas no
fi;i~fiíi'al da década'.@~1-960. Na crítica moderna, a alegoria se distingue do símbolo, uma
::t;· ·-s·l ,:·~~,- ·. -~~
.<t ·'\tJ:q;iSmodalidade,"''He1.7f~resentaçáo preferida pelos românticos do século XIX como um ideal

t~')·it~t;i{8
,. '-\,'~~; " .·,'·:,.· •.··:.•~
~- ..·'.
~.::~_.-,--
··.·,.,•.·'~
º • _-";·_,
_.·,:--~·_·-,·.~-.:_\)-

5 O jabt}~¾,~ uin'aespécie de tartaruga do Norte do Brasil que surge corno uma personagem malandra e ardilosa em
co~~,f :. enas.
6 f>i,n,_ ., · · é a designação em cupi para o Brasil e significa "região de palmeiras". Ver Bary, "Oswald de Andrade's
CiÍ:fi ·st Manifesrn", 47, n.28.

36
Brutalidade jardim

estético mais apropriado para representar o universal (i.e., a idéia) e o específico (i.e.,
o objeto) como uma totalidade un ificada. As representações alegóric'Í ~i~pr outro lado,
reconhecem os efeitos do tempo em um processo inevitável de deca,@~P,f i_J~'fragmenta-
ção e perda de significado. Lucia Helena detectou um "comporç~e4.i Jf'~egórico" no
projeto antropofágico devido ao fato de ele desestruturar "a ",~i~K~\;oficial' da cultura
1
brasileira que procura passar uma imagem de unidade na cd' . ~f;\d e nossos elementos
formadores" (Helena, 1985, p.164-5). Em contraste com.~ :,rt'rfsentações românticas :.··~- , .

dos índios como símbolo de coesão e identidade nacio~ :·:;,.:!t~r, iJmais tarde foram reci-
cladas pelo grupo Anta - , o manifesto de Oswald retrit~ótíÍ;idi"<l como uma alegoria do
que se perdeu na violenta imposição da civilização eur~~i{'. O índio deixa de represen-
tar uma "essência" nacional idealizada e imutáve ···· WJ\lquer senso de unidade nacional
pode ser produzido historicamente somente I?:.
,r.:,:A
_.io da prática coletiva, conforme a
i"'

primeira linha do manifesto: "Só a Antropéf.(·" _J?nos une. Sgcialmente. Economica-


=~i>- ~~\?::.'_/ -<~~·-?~:'_7
mente. Filosoficamente". Em outras palav:is, 9§"'brasileiros _
q")õ'sá;~ definidos por quem
são em termos essenciais, mas pelo/~~ ":':ê~fu ao longq.~;;;ít ·, tória, o que, segundo :,ft••!•,;--·,';1 :,.:,, .,. .. ..

Oswald, consiste em "digerir" um le.gff -~,:lJ variedade ~ ;~~ruias.


A antropofagia cultural de Os . ~e Andrade,,,,p· J6u um amplo debate entre
os críticos, especialmente a pardÍ1.ii§,. hal da décadit~t~tl960, quando artistas e acadê-
micos elaboraram uma retj,~:$,'Si~";J d'a obra. U do;:r;ntos centrais de muitas dessas
t~::-~ ·'..;•~~·:1·' ·\'lo :, :. :\ );;

discussões é a formação.,/i~-,f~{ura nacion~·-· ··,ração a culturas da Europa coloni-


zadora e, posteriormen·~~C:( â~f:%stados U@!1tl~~:~um desses posicionamentos críticos
celebra o projeto antrg;f>~fágico comciiJ1Jil~frura radical em relação à dependência
cultural dos modeldiitJiortados, q;i~~d"§tf em vez disso, "uma relação dialógica e
dialética com o ~~t1e;~-; i" , nas pal,fj;\\),;?àe Haroldo de Campos (1986, p.44) . Desse
ponto de vista, :f"·tY:
d subverte ., ,;';, . Jt~s opostos eurocêntricos (i.e., civilização ver-
sus barbárie,'~ º ,- er~o versus p, :•' ·:, :v~, original versus cópia) e suas premissas implí-
'., ·,~-· ,., . ,.· .• .;,,,: .,!;.~.

citas sobr .· · :;itgresso linear/ · '?~ttal o mundo colonizado conseguirá, na melhor das
hipótese'
.· .
fluzir
~-t tf}·.;,.
UIJil;&. i ''r'
·",)\~;~ffi"':\~, . '·"':,:f
l inferior da E'.uropa.
O,t.i . · sá'fios dizem''-~;~\ o modelo antropofágico apenas evita o complexo pro-
\k·,~lf./ \7:r.. ~".
bl - · êf~:"dependên~i- ~- _cdíiômica e cultural (Bary, 1991, p.98-9). Roberto Schwarz
.~ft.rtir
tf:,, ..
que a desr'
,.,e.-:~
t:·filosófica dos pares opostos original/derivativo, em termos
4

t' ., ·os, não aju{;~ se nada a resolução desse dilema. Para Schwarz, a antropofa-
)Jt cultural fort~~i. solução imaginária para intelectuais de elite que obscureceu a
'"•'·,-.. ,,:·'·'·p··'·''~rcepção ~ ;iBlií}ses trabalhadoras em relação à alienação social desses intelectuais:
·.--~•-.,:
"Como ná~?:~l:rar que o sujeito da Antropofagia [... ] é o brasileiro em geral, sem es-
pecifica~{~ dasse?" (Schwarz, 1987, p.101). Desse ponto de vista, a antropofagia

37
Christopher Dunn

cultural funciona como uma espécie de ideologia de identidade nacional, que omite
a desigualdade de classes e ignora as diferenças de poder entrei~~~fentros dominantes
e as periferias. ,~,:,:·\· )\
,'-'.~~-.(/ '::•'.'\;'/

O "Manifesto Antropófago", de Oswald de Andrade, c9.ij"1¼tttsendo um dos tex-


0

tos mais provocativos e sugestivos da literatura brasileira'.i}!"}::ó i'i.tínua reciclagem da


,•:_:,;..:,1-;., '''<)f°??
metáfora antropofágica sugere que ela continua sendoiãrntmodelo viável, apesar de
dificilmente livre de controvérsias, para a conciliaçã;.R~Ji:1~i~resses locais e cosmopo-
~·,:.,.\;r:.,_~ ,•, ...

liras na produção cultural brasileira. ,{t 'lj\J:~~

=hOO=Jif"i
ffil(U n1 Ím~l, ,: ,, ffl Ú{l(.A
,Rt}:~~l;~·?·
Mário de Andrade foi um prolíficcf µ~qa, romancista, crítico literário, musicólo-
:'"b-· ,~:}~:;i:f /:]~.
go, folclorista, professor e ensaís_~a. ~q~~úo OswalS;:~t~~zia os gestos mais radicais
.,_,:-,,... ' .~.';:\',-_..., ..,;,.J\, ,,N•~~-!~•~•

do Modernismo, Mário é rec:r!1hS~f1~':pelo papel.,:t fr'ii;# por trás da canonização e


da institucionalização do progfili:l~Jhodernista:.~~'[fü.bito -~r
internacional, Mário de
Andrade é mais conhecido ~if~)~~-
.-;·'11- -. - ,.-.,.... .

autor da:<'.): ~.-~{


".:<'

. ~ª" em prosa experimental Ma-


cunaíma: um herói sem neh'ib1//Jli'aráter
, <ri.;;.~•\/-:.
(192i,i,,;,1•~\';;,-.i;
t ~mo •.
demonstrou Gilda de Mello e
1
Souza (Mello e Souz•ªi,~l'.§'.J:; } p.10-6. Ve_§: tafl1gé'm Reily, 1994, p.71-2). Macunaíma
é uma colagem d,$.\~i~Í~ cançóes, '"rt~:~!~1,~:c·~xtos de origens indígenas, africanas,
portuguesas e brasileirâs:<·Como em fbaJâpsódia, eles constituem urna série de frag-
mentos narrarix~S,i;~,~seados em t1h1;;giftititpio ou tema unificador. Apesar de Mário ter
permanecido a~i~o do grupqi:~P~?M'pofágico, Macunaíma foi aclamado pelo grupo
como um~Al&~ª antropofági~:~ ~lNtção em prosa. Quarenta anos mais tarde, a obra
também, ~1:,/á, J:êinterpretaqft·t~-m'1ilme por Joaquim Pedro de Andrade, considerado
uma i~9!•~~te expressJt}t"?,\t nema tropicalista. 7 A obra conta a história de um
ma!~:ã,~;;;p reguiçoso õl;.1ifí$ti~oso, nascido na Floresta Amazônica. O enredo central
e,p,,r6'~{ expedt@~JÍé!~~1hnaíma para tecuperar seu muiraquitá, um amuleto sagra-
,~tª.B~~pr~Sgntativo~dg\~,lf;'vínculos afetivos e culturais com suas tradições, das mãos dê
~k!tµrtt1nonstruoso~ilã~:burguês em São Paulo. Diferentemente das lendas medievais ar-
·.,·J.:.:.~ . ~.;..:-~"--;-~l
,tSí~:\\;?.ii~/úrianas nas.s\:í@"stüm herói normalmente aprofunda seu autoconhecimento ao longe
.,,'., . ·Y,4: .,,.t,· ~,--. \\,~~--
.

/ti' ;.,Ji1ri· da busca p~f\S'ânto Graal, a história de Macunaíma termina em um tom pessirnist2
~...f-.:~.i • quan~;~ : ~i brasileiro é devorado por uma sereia em um lago, depois de voltar 1

i;~;:~}~r,:
- .:E~-~,l,i;inâ análise detalhada da versão para o cinema de Macunaíma, ver Johnson, 1984, p.25-34; Stam, 1997
p:ffl~-; e Xavier. 1993, p.139-158.

38

fflz
Brutalidade jardim

mata com o amuleto. A preguiça, a malandragem, a ganância e o fascínio ingênuo de


.\lfacunaíma pela metrópole moderna contribuem para seu fim, aleg~fizando
---;-:;.;,;-·N··
a busca
frustrada do Brasil pela autonomia cultural naquela época (Ver M~t~,§ Sbuza, 1979,
p.74-5). Como no "Manifesto Antropófago" de Oswald, a cu_~Jj/f~1i)~·sileira, repre-
sentada na figura de Macunaíma, não constitui uma totalidaâ1!';~2erente. Ele é um
personagem alegórico sem identidade racial ou cultural fixa'tf!'M12~~aíma nasceu ne- "!;~,-- .. ~ :,:

gro de mãe índia, mas, depois de se banhar em águas enc~,çi,~@~t fica branco. Muitos
intelectuais da elite consideravam o "branqueamento" é;; cultural um processo "'.:fl;,
necessário e desejado para a modernização do Brasil,i l , }hi{1Macunaíma fica ainda
-'~.r.º .~-/ : . ·;/·
mais irresponsável e mulherengo depois de sua transfo~~ção racial, tornando-se um
"herói sem nenhum caráter", com pouca confi · '°g;ide e virtude.
. -:~: ~1~·;~-
Macunaíma carece de caráter também em , _ Ütro sentido: suas origens são va-
gas e impossíveis de ser reduzidas à nacion~ll~(ti brasileira. A rapsódia de Mário se
baseou em lendas coletadas por um et.qt,5'log~\:ii Jemáo na iêgr,~~ fronteiriça entre o
Brasil e a Venezuela. O vínculo org~lt:o ,~:,cunaíma -'•tj?~JB;asil é, na melhor das
.:'Jv:,.,,., ~. , .'fl

hipóteses, tênue. Nesse sentido, Ma;•;r~: ZJ'/Jª pode ser ~~:~ipletado como uma paródia
.• _.,f.'<-,·~ <=~----- 'i'-~> .
1
de obras de fundação nacional, cqfi1ijf gl'"romances i "·' · ''istas de Alencar O guarani
":;:~:;/~(·' _;:}.': .:,}7~:· ,1:

(1857) e lracema (1865), que -~~ifâ\âfu encontrq{_m,1Jicos entre índios e coloniza-


._ -~:-;f:i;':t-~i ·1::;fi)j~(~
dores portugueses visandqi;l:'flt~:~~f'as ori~en\~ª ri,!ponalidade brasileira. O caráter
formativo da história é ªip,dâ½qiais prejudr~,4 · :,:ique os eventos foram contados ao
narrador, anônimo e p~-~26;~~~fio de crédtti:'-" . . um papagaio que escutou a história
r{.- -'~?
de Macunaíma antes., · ,morrer (Un~};!;i:94, p.146-7). Ao jogar com a falta de
'../~v · ·;:_ --:.;:~:'.;'t...

"carát:er" do herói, e:ft,,.;,,•:\icamente ~.}!'p-V~í:~ noções de identidade e originalidade.


A representa\~~ eÍ15,~rada por,;/;;"',. , ; de Andrade de uma identidade brasileira
-~-~.,,,,,..,_ ?••r
polimorfa e malt a'~linida
--~ -
em M ~:~ ~
' . ma contrasta acentuadamente com os interes-
·~

ses nacional~~/~f6gramáticos ,-,AYolvidos em suas análises musicais. Ele abre seu


'' º' ,·;,, . 'lo.'
Ensaio sof&.5~::i?fhüsica brasil .-.• ., ·mbém publicado em 1928, com uma afirmação
notável: i~~,tçffi1
pouc91ê,~,êAs:i:l;tística brasileira viveu divorciada da nossa entidade
raciaj,jj~~Ji~iRta mes~6t~GJ~ceder. A nação brasileira é anterior à nossa raçá'. 8 Se,
erq,lJ/zliwnaíma, a idéj,i3-_d~Ú~ma "raçà' brasileira unitária e estável se confunde pelas
-• ~,&~?!;:--_~- '"•J-~\\~--~' . ..2 .
çf))m.§tlmtes mutacóéi1.ltl:6}h.erói, no Ensaio ela denota uma identidade fixa e essencial.
Af._ ..,,_.:~/.r~1 .) _-;:.~,---.,· ·ts>.· 'f-:'

~~~,~tordo com .· 1l'fi·€i~!,a nacionalidade precedeu a formação de uma "raça brasileirà'


~;ilicada. Em . ·:::s de identidade cultural, durante o primeiro século de soberania
~/l~cíonal, ni~~i~~i~m brasileiros, mas apenas índios, negros e europeus, todos, na
<<;;;: ij;;:}•
---,.:.,...,
8 Mário d~(: · de, 1928. Essa ciração e ciraçóes subseqüentes são das páginas 13 a 29 da primeira seção do livro.

39
Christopher Dunn

análise de Mário, "muito puros ainda". Em outras palavras, o Brasil existia como en-
tidade política, mas não como unidade cultural coesa. Cabia aos~~fJ.istas e intelectuais
da geração modernista dar expressão a essa "raça" nacional e~.~!'~1;:tê'; supostamente
V ,.,_,- ·-\:.·::'?-."
um híbrido dos elementos citados acima. ;r;."ª 1lt,,~;"-'
Para desenvolver esse projeto, Mário de Andrade exof'.ti~;,~~-,compositores bra-
.·.-~,~* '.:',i_.;. ~<~;!
sileiros a se basear em elementos populares para criar "''iã'"-'i. ~.úsica artística nacional
distinta: "O período atual do Brasil, especialmente , lrrtt é o de nacionalização.
Estamos procurando conformar a produção humari'..i> , · . 's com a realidade nacio-
nal". Para isso, ele tentou estabelecer orientaçóe~rri,J;~:'.~;~{;bdução e a crítica musical
'·Z:' ,-,~: ;,,~.
. v,·-:

visando definir o que era e o que não era autenti~fuente brasileiro. Ele rejeitava a
abordagem reducionista de que a verdadei(~,\~ ~sica brasileira só poderia ter raízes
ct,~·J, • :-;~:_/?.

nas expressões musicais da ameríndia e t ." · , protestava contra visitantes europeus


. ':'""~
-; -~-
em busca de um "exotismo divertido" ~q~~1~ compraziam escutando um "batuque
quente", enquanto depreciavam a rn/di~~f como me.r,f~%ijsica italiana", portanto,
não autenticamente brasileira. ~lê_,.q~J~Já:~pensameql~i'ifé,~cionista, segundo Mário
ú:€.0 :-t},t.:-/:;,--;-;·1 ( · '~-t-?{?,,;,..._
de Andrade, empobrecia a músiéi3Dr,$$ileira. .,:rf t''f',,;<•\~i'
,,.,:;,.·::· .: .· ·-f~•t ' ",;}?-~: .~/'ti ..

No entanto, no mesmo en&fti~.:;- efê também d~}nw jêiava a "música da tal chamada
'·¼\Ht :..-;:( f /.;,{ ? ~::~·/ 1\{ .Y'
de universal" como "antinad~~g_filA?:~ "individu~Íita.'Ji"e "desinteressada" e, dessa forma,
'). . ·'-..\ ~?:i -~/.?~~!_;<
inadequada para o proj~,cô\ij,~
"."'i.~,:1:t
1.i Enstrução I}~cioi;iâ1ista. Em sua análise, o critério para
•..:-;-~~.. __.. ,.._. r-;>:-: •l ~t!·
a definição da mús~~ ,l;,'i'~§Jleira deverili¾J~t~~1:-éfamentação social, não filosófica, um
1
"critério de combat?; ~J!t~Ésmascara ' : ;~?1\lrça antinacional e falsificadorà' na cultura
brasileira. Em urn.,;i::1;~tativa de cortsQU,. _t;e padrão de autenticidade, Mário propôs a
:$;~:- -•··-Jf.: :·,,_· "'.,'.:t~~?:~~
esfera na qual ele!,~fi§tia ser prod\tfoidó::~ftO critério histórico atual da música brasileira
é o da manife ~ç{~"-~ usical qu~íi~': · feita por brasileiro ou indivíduo nacionalizado,
reflete as c ' '"àlsticas musi . l". ';i'ifàça. Onde elas estão? Na música popular" .
.,.,, . • ';,f• .- ·•_1:-w l

A idét;f{~,e utilizar con~{ j{opulares na composição da música artística não era


uma R.~~Rlil radical. N#f1tn~- da década de 1920, quando Mário de Andrade escre-
veu ilstsJgsaio, ºrf,9 ·· i5ilfÍ tinha sido 1dotado como prática comum pelos com-
I?,g;1t- ,~~<.':;ffioderni;~~J~;AA;rAméricas em geral.9No Brasil, o consagrado compositor
Atl {~t'frõr Villa-Lobo'.~li~·; pesquisando a música popular para suas composições desde
;;;:f;'.1' \~; ,''fb.ício da déc~:jJ~ê 191 O. A novidade do Ensaio está em exprimir suas intenções
;~k;i:tJâeológicas .t · máricas que fazem com que o texto pareça um manifesto musical
. . ~â;-~.
(Reily, 19 · · }W4).A outra característica notável desse texto é sua constante menção
a uma ,'{iÍ~iMt:~'10mogênea, cujos limites coincidem com os da nação. Apesar das va-
,. 't?;ft
9 pa'}\Nttit'ttaso análogo de utilização da música popular pela elite em Cuba, ver Moore,1997.

40
Brucalidade jardim

riações regionais, o Brasil, segundo Mário, era uma "totalidade racial" cujo atributo
mais distintivo era sua música: ''A música popular brasileira é a rri~t~-s:ompleta, mais
totalmente nacional e mais fone criação da nossa raça até agora'' . .{if).t :i:,:::-
José M iguel Wisnik (1983, p.131) observou a tendência d~) ¼iJf'de privilegiar
o folclore rural em sua concepção de música popular. Apesar_:,' · ário reconhecer a
existência de formas urbanas autênticas, ele expressava ce )edade em relação à
música popular brasileira que evidenciava as "deletéria~,~iJJ: 1e·ncias do urbanismo".
:::,·;("'· '0.::.;~•·».~_1,:-,.
Portanto, no estudo do folclore urbano, seria necessá~:'.~j~tlnguir a música "tradi-
cionalmente nacional" da música "influenciada peL"'" . .,,~~;4t1mernacionais" (Mário
' ~.·
de Andrade, 1962, p.166-7). Mário de Andrade e·· l~ros intelectuais modernistas
consideravam as formas emergentes de músis~';t~2.pular urbana meras banalidades
comerciais que impediam o projeto didático .•~~'.:i\tçf~nalismo cultural. Na elaboração
de um projeto cultural nacionalista, dois fel ·, os musica~s eram considerados obs-
táculos: a música popular comercial e ª ;,# r'ús:"i' "imernacist.::. ···:~•vanguarda (Wisnik;
.xx "'..,j
..fi';f~~ ·1rf~:~J:-~.,-Atf ;0/~';1):~,ri, 1
Squeff 1983 p 134) ,;;l ' .. ,u,t,,
' ' . . :tihJ.•?-;f;f~~l~i 'ç,'.·iW>~.:-;.: . -',;'
Mário de Andrade consolidou llI1i;tll:sqJfso de base 111,: 'fib para o nacionalismo mu-
sical. As questões levantadas em se i~;~obre a mú;iÊ'\
. .~=;-
,r;;Jileira foram revistas com fre-
·t~i- ·l-:,~~•tJ;:;t·
qüência em discussões sobre o dr~~; ~ento da ,;s~ brasileira, tanto artística como
' ·,·

popular, durante o século .~ l bito da giúsiq;· artística, abordagens nacionalistas


continuariam dominant~~.,-,~~~7x_~i~ décadàf . >'\ ..
,-.-;.':.::·tO~-:f:~ '<~:·,,.'.'J '•-~.:, . :,,. . ..
,ü~ surgimento, na década de 1940,
de compositores associadôs''ã'if';'grupo Mús~k , _ 'ã, que realizavam experimentos com a
,• ]':, ,:,... ,t ::::t

técnica dodecafônica,~i~ffendiam o intêrJll.i~Íi:ltilfilismo musical. Nas décadas seguintes, as


·"" ··t ·, .· """''.' C·

polêmicas ao redor d~; ·. '. nalismo e ~f?éJJ1inopolitanismo na música artística encontra-


riam curiosos par,ª'1Êlos ~·~ discussó~~:,"'::. · ntes à música popular.

,/~:t
;,pt~;Jfl'U{l(.A P •.
(:-~~·~-~i0tt~;;;~1~:r ..
"i'~
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·:~-À~ .f 0 P-AR.flDl(,ffl,A ffl.fffl(0
.,
.. .:J.{Jti~~~~~}(~413J-:. ·i~~.:t .\:. ~f
à(t<·;~;/:.'l;~.
::f~m!Thaiiça de um
'.'
rlf~nifesto, a declaração de Mário de Andrade em seu Ensaio
. .,..
su~fç ~('tentralidade tiira~â. na formulação modernista da cultura brasileira. O que ele
...,. " ·-t(·:l~t: .!f,?.<:.:-,;~\:;,":~-
.t;:•: tíq;;.d'ízer com
. ·.,..-.'·'
"n95.s~t'rli1?â', contudo, acaba não sendo esclarecido no texto. Porém, em
..,j /.'i\.,,;,:-: ~-~:-

i}' ' . }"~laboração d~;r{lt16nalismo cultural está implícita a centralidade do híbrido racial e
~il,, . ~~íltural: o mcl,!ç&1\b próprio Mário de Andrade era descendente de europeus, africa-
t'f{ff}t~os e índio .;<,!::J(j\.:~ so que a maioria de seus colegas modernistas pertencia à elite branca
tradicionͼ{ ". ro jovem intelectual da geração modernista, Gilberto Freyre, vinculava
de modÊ\fil~Ha mais explícito a nacionalidade à mestiçagem.

41
Christopher Dunn

Freyre ocupava uma pos1çao distinta no Modernismo br~.~ileiro. Ele vinha do


Nordeste do Brasil, uma região econômica e politicamente rti~it.:alizada que era
considerada o cadinho colonial da civilização brasileira. Seu PS.ff'i1~Mfe mais influente
livro, Casa-grande & senzala, publicado em 1933, é em gr~ tf~i;if'~e dedicado às cir-
cunstâncias e conseqüências do contato inter-racial cultu_~'t'."'i ~ial e sexual, principal-
,_;p.'·,(.\~t-
mente entre os colonizadores portugueses e os escravos;jfriêiµios. Freyre argumentou
que os vínculos íntimos entre a casa-grande e a senz~~~..; ~·~~andes plantações de cana
do período colonial no Nordeste constituíram as l?,_ás~.Jit~ a civilização brasileira em
geral. Apesar de reconhecer a natureza coercivai~}Bjpl~âf~ezes sádica desses relacio-
namentos, ele também indicou que envolviam .·.{ ! \ .;,
a af~1~áo sincera e a reciprocidade que
terminariam gerando uma sociedade raci?:!;,t lt{!}turalmente miscigenada. Em última
instância, Freyre se interessava princip~~~,.,., . ·:2-•·•;·.,
pela confirmação da centralidade dos
afro-brasileiros na formação de umaJ·f,".•
ç,uit#,;fti.acional
..,~:(:~:;;..~:
fl\e~tiça.
.. {)f;.~~~~'f:...

Na época, a celebração de Ull}iBr@.'l.~ estiço repre?~ç.;l i3ctàun ponto de vista ousado


1\,:, _,,.;.:/~'.-:f .. 1 :,: ~"'::::"

e relativamente progressista. M~}i~~i-eleccuais da dil!ti/i"baseavarn nas teorias racistas


de determinismo biológico qu~r§.itu~~ os afric~5~)).fbase de uma hierarquia racial.
Alguns estudiosos se afügiarp ~ t~--~ s efeicos sµ.17:o~ttiw~nte degenerativos da misturara-
......... ~~.~.. .i)_I 1

cial. Outros acreditavam 51,~lf~~istura racial ~~t4f6ucos levaria ao "embranquecimen-


to"do Brasil. 10 De tdâ~\:1-tiiâb', a Pº[?.Hlªi º afi~-brasileira era, em geral, considerada
um impedimento ?tft,~J~ização e aó".J~~St~Io. Contra esse pessimismo racial, Freyre
Je.,.·_·· .:·,• · ~;. - ·:,.,,,..._\;

elaborou a idéia de que a formaçãCJ IT\W,.tirr; 'tial do Brasil representava um de seus pon-
-'.;-;;-.,., ,:..i~ . 't fí.:-..-1--;·~/:
tos forces e quef~·fi{~~canos, em p~iultír, tinham realizado contribuições indispensá-
·t~-... :. ~,f~ (,~?,~~' f(\': ""-<.

veis ao desenvofviíhénto de umaS:8'iyilizi ção tropical peculiar.


Hermq.At'±~v'ianna sugerig::'q ~;d 'visão exuberante de Freyre em relação ao hibri-
1
t.,, -;..i. !'•,: .,:::_,,.,....... ,.,

dismo r_~ d~f~,~Eulcura1 nq.J3F!i§# pode ter sido em parte inspirada pelo encontro de
Frey1$,{~.r5ambistas afwf~:l l\ileiros, durante uma visita ao Rio de Janeiro em 1926.
:i•-,u.,-:~-'~..., ,.,r -~-> ,.· ~~_,.
Ele._,_4rpéqln.enta uma _9-Ôl(# 1•!li'emorável de samba, com Pixinguinha, Donga e Patrício

,:·
1
J,~~lftl~o gruf~;.tif{B;a(J..-Os Oito Bat~tas, e membros da elite cultural, incluindo
r...,F't,) ~ .-~;.: e

3;~l-'.ç_t;yr'& e Villa-L9bos~~'-:t\eyre posteriormente escreveu um artigo entusiasmado, exal-


ái!~i~1do os mú~½~g~~,elgros por revelar "o grande Brasil que cresce meio tapado pelo
{[ -1f)Brasil oficiaJ;;~.}isriço e ridículo de mulatos a quererem ser helenos" (Vianna, 1995,
'~'-~ t\,4•' ;"""f..::Í~;,. ·i{.._ ~--~t;(~~
{i_{ ' .1~"''?· p.27). O -~,~rg.\memo do samba urbano como um estilo distinto coincidiu aproxima-
.~~· ,\~fi ·f~-{~~1~~i·::f~:
·,.:;}t}í.€-i;.:' damenJ-SJtqffeas primeiras transmissões de rádio no Rio de Janeiro. Pelo rádio, artista.e
,. branc&.23Jk~ Francisco Alves e Carmen Miranda popularizaram sambas estilizados é
1\; ;~[;~,1~;
10 Para uma descrição da ideologia racial da elite no Brasil, ver Skidmore, 1993.

42

-
Brutalidade jardim

orquestrados. Enquanto isso, as escolas de samba surgiam em bairros da classe baixa e


favelas no Rio de Janeiro e rapidamente se tornavam a força domin'i~t~,no carnaval.
O utrora estigmatizado e até mesmo sujeito à repressão oficial, o ~i~,~t~bano aos
poucos se consagrou como a expressão musical mais exemplar d· ';'i~!J''
Segundo Vianna, esse processo dependia em grande parts,~f ,,, ·1wediadores trans-
culturais", nos quais se incluíam músicos, intelectuais e polí.ttº'·•,::ttie variadas origens
sociais. Na opinião de alguns compositores e músicos, . ., - ~,~·~?são do samba os be-
neficiou com um significativo prestígio em suas com~,~·l!'.)~8!f1ii~ também fora delas,
além de lhes ter proporcionado oportunidades de ga,~~t,clirt·H'~ iro. Para intelectuais
e artistas modernisras, o samba poderia ser adotado Zâ~o uma vibrante expressão
popular que validava o projeto cultural nacionalJ;,_f~t:'~fles e lhes proporcionava a "ma- _ .• •,•;:•··

téria-prima" para seus próprios esforços criatiV:2 , ... 'Jª os líderes políticos, o samba era
f•1.:::.~,l:~i;,:.•
particularmente útil como meio de expressar\ eresses de 1,;1m regime nacionalista
e populista emergente. ./,> .. _fJ{:::::~;fj:,
A fase vanguardista do Modernis~f~½.: 1mento do sáihbI{tomo
·'Z\~Q{:i::.-..
modalidade mu- ,_..,_;. t--,>._•?,.,....

sical popular nas cidades ocorreram ~~s . . mos anos ,f4t •'Meira República, um sis-
tema político estabelecido em 1889.'{ · -~is que Do.m ,,t; . 'II foi deposto. O sistema
!,·... . ' .•, ~:.:.-... ( f,i~ - ~

político descentralizado que se cd~~, _, êfou durante~~J,giji'iheira República favoreceu os


~ ·>· ,:;.j,~'.?':.~ '-'-~:.i;:!?.n·'
interesses de uma pequena M;,,p{j1'~t,f~conoipicarpent;f poderosa - elite de produtores
de café do Estado de S~~tg
~<~\-.=;!'\:
.,,~/\.. e seus alii!".•: •·, , •:..<~:
"':..;·,igã;quicos
..
em outros estados, com
destaque para Minas Gerais. ma classe ~iai;:'.ií' tbana nascente e alguns setores mi-
litares se mostravam ,~<i~'i,:yez mais irri!t~i§f~tôl com os acordos políticos favoráveis
aos interesses agrário~~~,1, , , nais. O fiq,11t,41/íâécada de 191 O e o início da década de
1920 testemunha~ uma onda de ,&J• -~,ae trabalhadores nas cidades e uma série de
rebeliões militar&l; itairadas por t,ey)t~~;i~/~eformistas e nacionalistas do exército brasi-
leiro. Em 193~~;:;R"~;-governado?(B~tJÜo
-~·. ,.,. ..
Grande do Sul Getúlio Vargas liderou u~a
· ·: ·_ ,

última reb~tf.f~~~Jttenentes q / :<"''.iseguiu derrubar o debilitado governo republicano


de Wash· ,:z!tt()~uís. "~:3*J:'€:t:i;!'':?f~ .,
C\fi.~g~ 1l nationalista~pê{ijµlista de Vargas buscou centralizar a autoridade federal,
inceth;tA:õvos grupos ~"çiàiis urbanos ao processo político, desenvolver a base indus-
- : .'><-.~:r1:'f ~1~::..- ~-••rh_
t,. 1~fhação e fo~:~, " :~Qm senso de coesão social. A chamada Revolução de 1930
f.tf':J., ,,;'plificou o qú'~:,,'·,' msci chamou de "revolução passiva", por ter sido executada
\~;;ih,",ijóma, com R.?:~~(parcicipação popular (ver Coutinho, 1988, p.108-10), mas pro-
,~,-;<'\'fuoveu transf9Yfii'~'óes radicais, instituindo direitos básicos para os trabalhadores e
firmando aÍ,f~i:}S populistas com trabalhadores urbanos. Como promoção oficial da
:, . . . ~-') . '

brasilidaéfêtp<êjb regime, atuou para mitigar tensões e conflitos baseados em diferenças

43
Christopher D unn

sociais, raciais, étnicas e regionais. O regime nacionalista-populista de Vargas também


precisava administrar o ambiente político beligerante do inícicf~~ _década de 1930, no
··'.\}/ ,.,:;,

qual comunistas, integralistas fascistas e constitucionalistas lilJ-~t!,i~t competiam pelo


.:-:-t .,)? \{~:,'.-~- .
poder. Diante do fantasma do caos político e da fragment · ·"b{i1#10nal,
, -, :-;~'
Vargas e seus ":··

aliados militares aboliram os partidos políticos em 19 37 .,~ ,)tuíram o regime auco-


,. ._~,;.;.v- "ft.'·

ritário do Estado Novo, que durou até 1945, quando fir~ foi deposto. 1 1
A revolução nacionalista de 1930 criou novas : · '-_,,f~tthidades profissionais para
artistas e intelectuais comprometidos com o na · ,. o cultural, dando início à
;~~/.
institucionalização do Modernismo (Johnson~,c.: - . p:1:S-9) . Nos anos do governo
Vargas, a onda vanguardista da "fase heróica'' re~\.iâ,fii. medida que os intelectuais mo-
dernistas se envolviam cada vez mais em a(.@ti:Q,f ~es políticas e institucionais. Oswald
de Andrade entrou no Partido Com uniil~tç,w,{-Í931, renunciando ao vanguardismo ·.Si '"' ·1..-:-,,,

da antropofagia e alegan do ser um "e./{ . _,; e-ferro da Revolução proletária" . 12 Plí-


nio Salgado, do grupo Ant a, surgiq_~ oq{61íder dos ,ls,, , · ') istas. M ário de Andrade
ajudou a fundar uma instituif~6.2!{fê~lnada pelo,-r;;:;-~r&tio para promover a cultura
brasileira e preservar o patrim6~1~,~~ cional. Hei,,t~~t 'í:i-Lobos regeu enormes corais
cívicos organizados para ena;f
i.t,:;,-,
10
ei"; nação pqJ~~i~'ida música (ver Wisnik; Squeff,
, ~,:· ,Y1f · ·c,-..:>~~-•-
1983, p.179-90). Após a ,l~ ~;'ementação dt}É-&r~ado N ovo, vários intelectuais mo-
dernistas foram trab~g_i~~'.'à?:: ;Jf a máquirF d~~~pi;paganda do governo ou servir nos
'·-~,._}:~ ; ,.J:f- ~~./:, ~~\

corpos diplomáti~*~it: :}::~f\ . '""'\ftl ·


1
o movimento qulli~via começ,tü C"lncipalmente como um projeto artístico
se estendeu a OlJ · campos da·, i:§?ih\íti' intelectual na década de 1930. Uma nova
geração de hist&t~> ;õres e cienti~it~tc§~fais, incluindo Gilberto Freyre, Sérgio Buarque
~-,/f'fJ::;'I . ':;:-:,;;:~~-;~,
de Holland,~,.,e Caio Prado Ji, ,,:,.9'f\~ífenvolveu-se na "redescoberta do Brasil" (Mora,
1977, p.~,~'º\ W Esses inte "' - ,~lri se interessavam principalmente pela vida social,
econôaj;ft/'e 'tultural du~~~t~1} /período colonial e o significado desse legado para a
·• · ·,"11Ê'~asileira mit' . · · ~ Essa nova geração de acadêmicos estudou em parti-
. 1/i'<-•..,y-t

t(f;tact~ ~ij , ., _ _;ç$t?ltural da escrâ vidão e da economia das plantações sobre


1
acao nac10na ;s;;,;t-..,
0!~k"' \.\ ,"r~descobetf.-~ d-,; ~;,,,Brasil" demandava novas definições de identidade nacional.

~~1'(,;,lf/
'-H.<~'--'-';x1w
,~i;/;~
:f;,étit;)ff't7 re repres~_,.,_, "·\;i•linha de frente de uma tendência geral de contestar o determinis-

11 Getúl_i~Y~~ mais tarde se reinventou como um populista democrata e foi eleito presidente com uma grande
marg ·voros, em 1950. Amargos confliros políticos e escândalos marcaram seu mandara e, em 1954, ele se
sui ·· palácio presidencial .
. te::n o autocrít ico exemplar, veja o prefácio de 1933 de Oswald de Andrade a seu romance exp erimental
.'l>onte Grande, 1990, p.37-39.

44
Brutalidade jardim

mo biológico, com suas implicações racistas, e celebrar a inigualável cultura mestiça


do Brasil. Durante esse período, as práticas culturais - antes difam~'~? - dos negros
urbanos pobres foram legitimadas como expressões autênticas de na,ç;jg:~°hlidade. Dife-
renças raciais e sociais foram agrupadas em um conceito unificadç:tf~fjtlura nacional
. ·.~{:'i' :~~~f•
baseado na mestiçagem. Renato Ortiz resumiu o processo no§'i1:~~~intes termos: "A
.,f.·:? ;:'.~-,. ··.;</
ideologia da mestiçagem estava aprisionada nas ambigüidadts"'8'a,~, teorias racistas. Ao
ser elaborada pôde difundir-se socialmente e se t0rnar sens .Jt~rfm, celebrado ritual-
mente nas relações do cotidiano, ou nos grandes even~; "9 o carnaval e o fute- l
bol. O que era mestiço torna-se nacional" (Ortiz, 19,?:qi{~~\Ji(~. articulação de uma
nacionalidade mestiça coincidiu com a construção à~ffi~to como categoria social e
política. N o Estado Novo, esse processo implico~'i?:,t½,f,lstitucionalização do trabalhador
urbano por meio de sindicatos controlados pél~i~ttdo, e a apropriação simbólica
1
de culturas de expressão popular como em~if ,.::;~ da nacionalidade. Nos anos 30, a
confluência de mestiçagem e populismo ~~ci1~Jlista gerou ti'fü,~'D,OVOparadigma para
. . .:..;, . lJ;i. ,_ . ,.-.}?> .;/j! fi{".~- ..,_:· 1

a cultura bras1le1ra ,,;,,, ,,.,:;,.<..;,· '·"" •·t,,,r,.


· .i~~-.. !,1; ~;-~.::\,· . t)li~~l~~:: ;. ~-. ~(tp
Durante o autoritário Estado Nôv'ó rJ:.?"..,' argas, m4,fj~9l'
_/J:;, .,··· -::~':.::\ .
~ komposirores de samba
se mobilizaram para enaltecer um"'' ,<ô
••.?-'-:
trabalhado
)t
. .:"nida. Temas de harmonia º'r -;"!

racial e exuberância natural er~:: ;,~tialmente q~~~ag?, os em canções associadas a


' ·':·J;';(~_1-'.i- <r:\~·t·<;"~i-;t"> 1

um subgênero conhecido c9Jn·· . ··" ba-exaltação", q~tenaltecia a nação brasileira. O


·"'.",;.{~: ·-::;. J·.;~ y ,;.

exemplo mais famoso d~~e'•";; pgênero foiJJtt... ... )fdo Brasil", de Ary Barroso, um
samba que celebrava a s:;ffftfh: »de e a bel~\i:â'l:\il;al do Brasil. Em
f/-.. >.,
1943, foi popula-
rizado internacionalm~,m:,s_ como a mú~JSf;.:'ti~i'de "Saludos Amigos", o primeiro de-
senho animado latin~ldricano de ~i;;~isney, apresentando o malandro-papagaio
~'.-c·• :, .:_i,.. i. ,.-,'.',• L•r.\

brasileiro Zé Cari~ca aóº·"público nori;;~~ricano. Sob a égide da "política da boa vizi-


1
nhança'', esse dq,b2fmimado fe~;;,r~\tl:e uma tentativa norte-americana de fomentar
. •. ~...... ,;'1"-., .-·~ ..,~ ' ,;,. •' :.,. ~·--,-,,·

a solidariedaqi;i,?àirBifnericana vi'S~~4p1ctesenvolver mercados lucrativos de exportação e


•?'~ ·, ·. . .;:,.. ·t){é~

atrair a ~ ' · · tina para o., · •. · ,,dos aliados durante a Segunda Guerra Mundial. O
governo ' o pers_;J:,~~-;l?,~yé':tlimúsica popufar brasileira representava não somente
um veíé · , para ini~;'f' , º:i:b patriotismo no país, mas também uma forma poten-

,5r
cialmf~?~f:eficaz de pro~~arJ4ma imagem nacional positiva no exterior.

k ~l~~ , _ =-
j5;'. .Pl;;'.)~{1-A D·t (, . ,;,0-RlA(A0: D.f (.fl-Rm.fn ffll-R.flnD.fl .fl T0m J0.Qlffi
,'1.tb:ttf}J~ {};;~'";~;sfi·'""
Em 19 •<tswald de Andrade exigiu uma "poesia de exportação", que fosse ao
mesmo t'ê'ffi,~~~raizada nas culturas populares locais e engajada nas tendências inter-

45
Christopher Dunn

nacionais modernas. Apesar de Oswald estar se referindo especificamente à produção


literária, esse clamor também pode ser interpretado como umJt,§inédoque para todas
as formas de produção cultural. A música popular se destac -,:~~*~o~;no a forma mais
exemplar de "poesia de exportação" do Brasil no século XJÇ:.
."{,,:,.
l~~'rhão significa suge-
~'ii"J'>!.!,

rir que o valor estético e social da música popular brasilctti~r{~,~jit' apenas uma função
de sua capacidade de exportação e aprovação interna .·· ·'Na verdade, a aplicação
do argumento de Oswald, como vários outros críti.~p . se contexto, reconhece as
credenciais literárias da música popular brasileira, •ficativa contribuição para a sffiE
articulação da identidade cultural e seu papel cejJf ..... ojeção do discurso nacional
brasileiro na esfera internacional. tf 'i~'.:Jf 'l·,;,•,,_._/.,

Apesar de não ter sido a primeira artist3:iR;!±~ representou o Brasil a se apresentar no


exterior e a conquistar reconhecimento,·i&',~~?±íacional, Carmen Miranda foi a pri-
;•. . ·s;_.~'..:t:~,.
meira artista a ter uma repercussão dlftia!;~y'ra. Tendo iniciado a carreira no rádio e
no cinema como cantora de samb~s,~~f:15,~hos estiliza,~iJoi contratada para ir aos
Estados Unidos apresentar-sei~, Bt&~g;,iilay em l tarde se tornou a mulher 93~l~t~,;r~
mais bem paga de Hollyvmodi ~I . , ao seu dinA ..\ft~\~~;~ilo performático, vocabulá-
rio gestual exuberante e figu •. ~·~~Úavagante. ~ ,:, _.. b.antes, os acessórios compostos
de vários tipos de frutas e,;~i: : é gandãs erf ·sti"ffizações das vestimentas utilizadas
pelas baianas. ApeS8_f;_d.~,;ii-'1t1àscido em Poitligfil, ela incorporou simbolicamente a
imagem de um B~;~,~Ê:~ç~'t'iÍ6. .kf: ,y,~~tt1.}f
1
Carmen Mirandlíf . ' orada no Jà:r ·mas também foi fonte de constrangimento
para alguns bra~Jt~tros porque ~::1:,1,j!f«rJ~lla hollywoodiana tipificava a natureza desi-
gual dos fluxo4'fçtl~~rais entre 9:iB'fà)ii} e os Estados Unidos. Quando voltou ao Ric
de Janeiro p~r;;'\ \~'a breve v!,~t~;,~t)~;W- 1940, Carmen Miranda foi friamente recebida
1
pelo púb }~?is sofistica!il :: ~Üê considerava seu estilo "americanizado" demais. '

Apesa~1~~-.,Ê5áfhien M iran{'.f~,~s1~í'~e tornado o mais famoso produto cultural brasileirc


no ~~~}~r; seu repert :, ·,~i.Jtestilo de apresentação figuravam como anacrônicos é
,~~-· •·.y.-.-.~;. :~~ :~_::.. _,-J•
est' Iff>ados d~?1,,.· __f~:;fblhos de muitos músicos e críticos culturais. No ano dé
~' ~ ~:-~ _-;:,::;"
ofit, 1955·;· .s~~-nova, um novo estilo musical, estava pronta para surgi1
·1: . ·.- . ~na sul do J3..io d~?)aneiro, predominantemente de classe média. A importânci;,
¾{:j,};... ~ ·t,/: -~~:-:f

,,;;f.{t;;:~•·íi:a bossa-nov , .•.·,,· a elite e para a classe média brasileira - que a perceberam e deh
:r~Jk_Jf;se apropri~)/i rião pode ser superestimada (Mammí, 1992, p.64). É possível até
,.,,,,,\.•dP ,;:;~~;;~11~,
·,,.-,-,.;;,,, ""''ª"'' ..: , ~·\:-,!.
13 Para{µÍ?:?~,pla visão da música popular brasileira e internacionalização, veja a introdução do livro de Perrone ,
Dµ,:~ ,,,., .. " 1.
14, ~-•"··:...,. tí1iranda mais rarde gravou um samba, "Disseram que voltei americanizada" (Luis Peixoto-Vicente Paiva), rn
1'qtl'~f respondia às críticas. Caetano Veloso gravou essa música em seu álbum ao vivo em 1992, Circulado ao vivo.

46
Brutalidade jardim

:nesmo argumentar que a bossa-nova foi o primeiro movimento musical a produzir a


cultura brasileira "de exportação" que Oswald de Andrade havia im,,~inado.
·-~•ff;} -,:>::.
Os artistas que criaram a bossa-nova não se interessavam partic fi'i~te pelos te-
mas do nacionalismo e da autenticidade que haviam definido as,pf · .i· des culturais
dos anos 30 e 40. Eram todos ávidos apreciadores dos vocalistasi{{~~~ê~'! mericanos, em
,··- .-.~~};,_~.~
especial Frank Sinaua, Billy Eckstine e Sarah Vaughn, e d9;t~t+stas de jazz da costa
oeste dos Estados Unidos, como Cher Baker, Sran Ger:z;,,.f I~fê,tÍY Mulligan, além de
.Yiiles D avis. A bossa-nova é muitas vezes consideradaf~fi]t~\~piples fusão de samba
com jazz, apesar de m uitos observadores também t ·,,:s1i;ê~~~\arado a influência de
,.w • ,.,t

cantores sentimentais brasileiros do passado, comtf ,~;,,~, 10 Reis e Orlando Silva. 15


-. ~-;';.::•

Comparada com o samba-canção - um estilo v9,,?,~Lmelodramático influenciado pelo


bolero cubano - , a bossa-nova apresentava urri,i~§tifõ vocal sofisticado e contido, no
qual as palavras eram quase sussurradas. A ½J,. "~iàa bossa-nova envolveu dezenas de
jovens músicos, mas as personalidades m~;,~iifAtfr1adas fora5;1f;5;rli!.ç 9mpositor e pianista
; ~,~ ,:-.... -.:•--:.;: ·"',,;;·,;_;?

Antônio Carlos Jobim (1 927-1994}2Jo .,.-~··•


p€f~ti~ diplomar_,_ >\ f;™çfos
\-,~:-
de Moraes (1913- . . .. .,·,.

1980) e o cantor e violonista João ,;,-, < (nascido e .,"' · .. ,; ), que inventou a batida
"''~ .p .,...,;,;', ,·,,
e a vocalização distintivas desse es;;p~t J;i:'.1'n terpretaçáJt4~l 1:958 de João Gilberto para
?'·(:···-• ,,
,;,;. ~--. 'f;_;(: __.-_,,,~ .-~:(. ' ,-,,.

a composição de Jobim-Morae~/~@ij~â de saudasJ.f' 'ii,;-!í-cou o início do movimento


·-~t1~~t"\· _
.. \.r><-·.""" -:i~r
e provocou um enorme i!Qp .· p'''~pbre a música p~ffetilar brasileira. Em sua história
do movimento da bossa-ri&\?h
,;':. • '. . ~1:y;;.-. .
·.'Y Castrq}.§.~. if~fa,i:,~lt canção como "um minuto e 59 ~f ). ' . ~.,-

segundos que mudarariÍ'~i-tr~l4)' 6 ~'}h.lii;::::'·'


As letras da bossa-nova da p rimeJ:1;:a i ir 958- 1962) se concentravam na vida
subjetiva, privada e iJf~ual, ao pas;l~q:;r;;~ferências à esfera pública (i.e., festivais
~t/ ft:~_.:f ?- JS./~?~ . .
populares, conflitos sóêrãis e crises p,2,Irti"~~s) se faziam quase completamente ausentes.
Essas canções nclw~µ1ente apre~si;t ~if~m alto grau de integração lírica e musical no
qual os imer~sêt ~stenciais di; ;ffgfa
ou protagonista imaginário correspondem à
lógica har , t{tt:s.•~., da compos,t· · .,,,,,,,/ 'avid Treece caracterizou essa tendência das com-
, i~inicialdaJ;l :<'6va como u01a forma de "racionalidade ecológica'',
:J~~"agonistl~t, ,i ~_J:{âmbiente natural "convergem na direção de um equi-
. ãq:~~;compreensão" (Treece, 1997, p.7). Esse efeito estético é
ey:l,"', :_::iado em "D 51â~" (Tom Jobim-Newton Mendonça) e foi adotado como
i J espécie _d; ; rf;.:ro musical da bossa-nova. Na composição, as discórdias

..'·-:_;g~~~}~~,;:@:,.
-15_J_
úl- oi_M
_ e_d_ ''.'.'t\' ª;t!~ ço da bossa-nova. ln: Augusto de Campos, 1974, p.81; Veloso, 1997, p.226.
16 Casrro, ). e . ,. t:f:75. Para relatos sobre a exrensáo do impacto da bossa-nova, ver o capítulo imirulado Vidas. ln:
Homerd.\i~i~J~!o, 1976, p.1 3-62.

47
Christopher Dunn

entre dois amantes encontram sua correspondência musical em acordes dissonantes.


A fonte do conflito é então transferida para o âmbito da polêmi~.musical, quando a
. .-::.~-:(;;\

amante classifica o comportamento do protagonista como "an:5WJ.i si~", o que o leva


a pedir compreensão: "Isso é bossa-nova / isso é muito natusát''.J~:i~;.:-c
No final da década de 1950 e início da de 1960, os ' :~i~~-s da bossa-nova se
beneficiaram do apoio oficial dos governos de Juscelino{°Ftti~i~
;.:--·. -~·•;.,
i~hek e seus sucessores,
Jânio Quadros e João Goulart. O Iramarary pagou aq;tB Í~l~~s e hospedagem da pri-
~,,.1.,.."··r:t!..~:.::.
meira incursão da bossa-nova aos Estados Unidos,fi rri'~f~p2. Um grupo de músicos
v:s-.:i 1;?,f :i,
1

- incluindo Tom Jobim, João Gilberto, Carlos \f~!fiJ;~áqÍÍen Costa e Sérgio Mendes
- apresentou um show histórico no Carnegie H~J-que consolidou o crescente su-
cesso e presdgio da bossa-nova nos Estadq~Y., Jnidos. Na época, o saxofonista tenor
,, · ·.!••'..?·\:

Stan Getz e o violonista Charlie Byrd jf1\.,¼i;fu popularizado a bossa-nova com o


álbum jazz Samba. Tom Jobim, João e Stan Getz mais tarde gravaram Getzl G~!iP.
Gilberto, apresentando uma versão e5fÍ., in'.tí~~ de "Garo,_#ll:~)panemà', que, em 1964,
se manteve nas listas de suces~gs'' 9:µ~~iíi vários m,~~lfr{&y.~zenas de composições da
1·\.(..,.. 1~.f.i•J~i_•.~ "'J":;i").~"':-a,._ •

bossa-nova, com destaque parir"fil'~ap.çóes de Tq_w,,--,J.õffi-tm, foram canonizadas como


estandartes do jazz. Com o ~~jê~_f6 da boss~.:4,~;i:tfk música popular brasileira foi
'--,;,;!}'(~ . _-,,.;;; #~:f,.~ ---~~:'..~

recebida no exterior primoP.4.f~filente como ~a.ixpressáo relacionada ao jazz.


' <b·1~~\$t> ·.::;.;d&,.~-"::,;f!,1'
O movimento da J?ess'àr~fva pode ser,_~onst~trado uma expressão cultural do que
Thomas Skidmore,'\(Ji6i;i. rti 64-7) ch~~~f.t\td~ "anos de confiançá'. O estilo surgiu
.... ,'.·~· .'':l:..:- 1;+.)°'.,°:'._ ·~;:y~ •.

durante o governo dé-:j"hlÊelino Kub,ii.tcH'ê:k,,(1956-1960), que prometeu "cinqüenta


anos [de progre~l.em cinco" é;~?}i~~!monstrar isso, promoveu a construção de
• Brasília, uma c~,JEJ futurista e,,-\~{ó'í5z1:la localizada no Planalto Central. O governo
<PtJ.:'.> 1,,i'L,-"··

seguia uma_.Ji,olítÍca de nacio~ j§.hltl desenvolvimentista, abrindo urna nova fase de


-~e1,-;4\,':.i. }t-···~:.;;11:.,._,_
substirui.\ ãij;k~~f importaç~~(~jf~"atrair investimentos internacionais e locais de ca-
pital, p~gi;_nõ~{~ a moderní~:ç,~o-'da infra-estrutura e reduzir as desigualdades sociais e
~:,_;,:l"tt... . •1:~1, . •. ;?}--~•
regiqffi&s,J Skidmore, 1~~;f;i RJ 64-70)
... ~i;i\ie reto&!l~~~;;~~~i-nova, cabe ~nalisar resumidamente as importantes ten-
,.,j~ti11;t"ltelectu;iftJ!~t~'f~rias relacionadas à ideologia desenvolvimentisca no Brasil.
;_~.t;,:~-~·~,, i\ -f-'.Ir

.z~;;i.fl:-i'.:1'•': longo da dé~da,:~~e 1950, a base institucional mais influente para o desenvol-
Af~f<i;f.:~1'tnento da té~[-~~ocial e cultural era o Instituto Superior de Estudos Brasileiros
à ii;?:~~JÜSEB), cuj,9,itJ~bros eram ideologicamente diversificados, mas em grande parte
~~".<'.{_;t_i;,f-\ comprorru,M~~} com a promoção do desenvolvimento da infra-estrutura e da consciência
... nacioq@}ttii,r,n intelectual do ISEB, Roland Corbisier, argumentou que o Brasil era
";~•~-~

vítin'.lt~g~,- uma "si mação colonial" já que se subordinava aos interesses imperialis-
. -,~; . ,·

ta~~~}Ítacóes
-~-....
}~
dominantes como os Estados Unidos. Corbisier evocou o conceito de
.)

48
Brutalidade jardim

"alienação" para descrever a falta de consciência histórica necessária para o desenvol-


vimento de uma cultura nacional autônoma. Segundo ele, "em úY~M~ontexto social
globalmente alienado, a cultura está inevitavelmente condenadaJà!Jt; :; &\enticidade"
, ;;:: ·i:-' ,,..,,?'~t:tf.•

(Corbisier, 1960, p. 78). Corbisier via a relação entre o coloni.~ ct~fcira colônia em
termos da dialética hegeliana entre senhor e escravo.17 Na E&~j~~,~;r·de Hegel, o es-
A~~-· .. .:,
cravo só podia com preender sua realidade como reflexo do(" _;, do senhor e, dessa
forma, era desprovido de representação ou subjetividad~J!i~ ?!~. Ao interpretar essa
relação de forma dialética, Corbisier e seus colegas do rif:· · eriam que a alienação
:-·.,,;, ~ -"~';.t:i:.
cultural poderia ser superada pelo desenvolvimento jl ~1~a 'êfünsciência nacional an-
tiimperialista. " ~i:/f'
O grupo do ISEB se mostrava particularntet+f~----comprometido com a idéia de
uma revolução burguesa nacionalista que d~r· . ;·i~ o poder econômico e político
da elite mercantilista, uma classe latifundiád~Jigàtla às exportações, que perpetuava a
dependência neocolonial do Brasil em rit\çã_~;1 capital Jd{~lniticional. Nelson Wer- lo
neck Sodré, outro intelectual do IS1~,,:a'J ~entou quçj;;:,-;:&fl,,;oluçáo brasileirà' seria
rt~r ,~_;!\(~.o/~t_:}<1
realizada pelo povo, que, de seu pon:~'?'sli!,vista, era u_~ ~\!- :• heterogêneo composto
,:·:""--1'.'.:~"i-:-,_ . 1)'r {·1<, --~~~

do proletariado urbano e de campf_...,.,.-~§, além dos ~'~~ ~ tiprogressistas e nacionalistas


da burguesia (Sodré, 1963, p.2, .,, ,. grupo do Í~:fl?: inrerpretava dialeticamente o
dilema do Brasil, mas selIJf}~ ·_. · e análise d,~ cl;ij~;· que se esperaria de uma pers-
f :"),~~ ' .. .... ·'({.,,;_ '.J:-:;•.;
pectiva histórica dessa f¼~fµt'&~ . Essa crítfê "' __..,, · _.· perialista levava em consideração
os interesses confütant~;,;'g2fPêtos diversgtgrµ~os que teoricamente constituíam o
povo. No início da q~fe!,~
de 1960, &;I§~t~ d's~:ia criticado por subestimar o conflito
de classes, mas os prf(i~~Ís conceito . '"'.. 'J!~1tprojeto, como a "consciência nacional" e
a "alienação", cog~tLn~·;;i~ releva11:t,~§:; ; i~a projetos culturais mais radicais, que serão
:(i~::={f~~,- _ _. -~;r ·,~
1;_h~,t&
discutidos no ,,. · ~tio 2 . ,[{~:~+-. .,.,
.{:/1· . -'i.~:: ..-;-:\( ,:.->ff: ?
1

Em mui~~,;,aspecros, a exp .--. · · ~;-_., ··suprema da ideologia desenvolvimentista foi a


"f'.~l-~·\t°-. _-. · ,i,:,;

construçá~~~t,Bfasília, proj : elo urbanista Lúcio Costa e pelo arquiteto Oscar


Nieme~t~l ti:_ousadz1 J~fi~Jtiro
à alta arqúitetura modernista, Brasília sinalizava
o ad; · ''·tô\\.- e ·á'm furuiéft&~ista para o Brasil. Brasília era mais do que um mero
sím.W? d~;;,â a moderni -·· ão.~ ; · nova capital da nação era considerada uma forma de
~·,1:J?·.½·;'.(·. _ _Ji ,, \

.tP-â~§fêif:mar a sacie · .. _·· atingir a modernidade. Brasília integraria a vasta extensão


~·~t --~f! .:-'f?r-;:. .~·-t \\
,.f;t\' t ~fj;fôrial do país;~'.~"êftornaria um "pólo de desenvolvimento" para a nação (Holston,
ut\ lí~'s9, p.18) C~~t~t"N iemeyer eram politicamente progressistas (o último pertencia
~:\\,_~"'· _,,,t:~~'5- -~~ ··«;t,_ .,,.., 0'. • , .

º¾\:f~:j'6 Partido Ç#~Ú'.~~ista


~-t\{;,;. .
Brasileiro) e procuraram construir uma cidade que produzisse
~,;s,- . .

17 Para un';;'~i~füsão detalhada sobre a obra de Corbisier e a dialética hegeliana, veja O rriz, 1995, p. 58.

49
Christopher Dunn

igualdade e harmonia, projetando áreas residenciais padronizadas nas quais pessoas


de diversas classes sociais pudessem interagir. N o início da c'f , • . ução, Kubitschek
proclamou: "Deste Planalto Central, desta solidão que em b,; ' 1transformará em
·*
cérebro das mais altas decisões nacionais, lanço os olhos m11ii ''avez sobre o ama-
nhã do meu país e antevejo esta alvorada, com fé inq~;i~:i\~tá~el e uma confiança
sem limites no seu grande destino". O plano-piloto d«Í ú~:o Costa para a cidade se
1
assemelhava a um aeroplano: dois setores residenc~lÍ?f~~fi~~ipais eram divididos em
asas, os órgãos burocráticos governamentais form~~4~';'tpselagem e a Praça dos Três
Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) se,Jij~i;;¾rf na ponta da fuselagem. O
Brasil, pelo que parecia, estava pronto para decolfr.J
A arquitetura modernista de Brasília a :&%~grava claras afinidades com os poetas
concretos, membros da vanguarda litesi,l .,.,· -~~rgente de São Paulo. Em 1958, eles
publicaram um manifesto literário na~- :,>;;.1 ·'do movim~nto, a Noigandres, intitulado
"Plano-piloto da poesia concreta," ,
tf:\~:~-
etr u~á referênci<:1,;,ªli~~~ao plano-piloto de Lúcio
;t\?-~il/::?· t:-:•··~'\\ >-·,.,
Costa para Brasília. Os milita{\Í,~~,;,;9'~;pb'esia concre~ ~-/X'.t:í:'gusto de Campos, Haroldo
~;,·:·,,:?~:(f~ · · r~_·:·?: .: . .·~-é~:-: ~~~-
de Campos e Décio Pignatari •:-t{~fia.m-se no y#râ:&;Ç'â'~ uma tradição experimental
elaborada por Stéphane M ·-.r:, Ezra Pousr_i,J{t~i~_Mes Joyce e e. e. cummings. N o
âmbito literário nacionalI "','sl~ concreta f;l?tiiP'~mava uma crÍtica aos poetas asso-
ciados à Geração de fi~f5)Qii'h'~ reaç~? 111,0Pª f;;siana à utilização do verso livre, aos
coloquialismos e à;;t~mf
popular 1Y~It2i~~'ão modernista anterior (Perrone, 1996,
p.18). Na esfera int~;';ia:2fonal, a pq(tia'.;26ncreta foi articulada como a vanguarda
de meados do .~,~~ proveniedfb;;ki~t{{tfil:a nação periférica. N ão havia necessidade
;;;:'-' ·°';.:C.?, y :~_· ·'·;~9,:;}--,
de "acertar o reiqgi~~' da literatui•_;J·.,....,.
t nà~fonal .
para se manter atualizado em relação às
. países dominag~i::,:~ 'vanguarda de São Paulo estava na linha de frente
da expert . t ão formal 1~á~r;rnto, constituía uma forma de "poesia de exporta-
ção". N~,;~~-; que se seg_ , ~~ poesia concreta ainda atrairia discípulos do mundo
ime,X .~ff também ~ftjyq~ària críticas incisivas de observadores brasileiros que a
1
J
c~if!~(Íram fo.t'~ :.,::· ., .~;:- ~ais e impermeável às "exigências nacionais" de países
· · 'ê!senvolvidos co'râ~-o Brasil (Gullar, 1969, p.35).
·, projeto 4,f:t2p ~ 'a concreta foi urna intervenção crítica, teórica e estética rnul-
f} "' 1lÍimension:~t;f%rr,{~'assou por diversas fases. Utilizando uma linguagem livre da sin-
.;r.,, . .,.f,t1 _'>l "fj _f.i
··Jt?~,f,l':'taxe convetí~j,on , , os poetas concretos propunham a utilização de "palavras-coisas"
~·-._. -...~...,.
funcion~-gt~°f' transmitissem instantaneamente o significado. Eles buscavam criar
um "p;~~ffii4iroduto" que, diferentemente da poesia lírica, pudesse ser um "objeto
. ,.~--
útir1tz~~~}:1tilizar as tecnologias de comunicação da sociedade industrial, por exemplo
·.!· ' <~· -., · .,-;,·.~

imlgfifis de propagandas, tencionavam revolucionar a linguagem poética. Tinham um

50
Brutalidade jardim

-;:eresse particular pela rápida comunicação possibilitada pela mídia.de massa. Décio
:-1gnatari explicou essa idéia em "nova poesia: concreta'' ( 1956): t,;J;~\i\~

arte geral da linguagem. propaganda, imprensa, rádio, J: levi'siõ, cinema.


'":··:._,_¾· ..,..,
uma arte popular .,~, •it>•

a importância do olho na comunicação mais ráp~d(~Sct-Y' e os anúncios


luminosos até as histórias em quadrinhos. a nece · ·'·do movimento. a ,;,

estrutura dinâmica. o ideograma como idéia bási ·


tt'~i~(r;\:
O diálogo dos poetas concretos com as artes visuai/liiiu novas possibilidades se-
·/rtt4
mânticas fora do âmbito da expressão discursiv ;-·>:,:~etafórica. Ao vincular a experi-
mentação de vanguarda aos avanços da mídia..,.ds;,,, · sa, os poetas concretos tentaram
reestruturar a relação entre a arte "erudita" Ji?!ilte"popular~;(~',,Eles viam a indústria
. ·k;-:•:i,.s:' .•'"f.l~!>=~.;:JP._·~-., .

cultural não como uma intrusão inde§fjá .i»is como UII)f{~~fõ\fle produzir e disse-
+-~----- ~ jj_t• :;,~,"'Ktr{i4?
minar a produção artística. {;~;:.t&t~tf
Os três principais fomentadores q~:;~9fmento se :s:r,~: a~plamente presentes na f
vida cultural brasileira como poetas (>· ~-:.::~~-~entais,
~•~,-~
cr,..,,,y&i ,t ~~tsicais, teóricos literários e ,, . .
1
tradutores. N os anos 60 e 70, elel'.i:' "'' fundamenr' . . ,-fila a revisão crítica de Oswald
·.. _,.f.i~~·~ ;~.-.:,' :., .
de Andrade. Augusto de C : ··st~,Fum ativ:o aç;~dêrw:co e crítico musical, que produ-
..- ·,. ..l'f'.Tf.~,-x. ,., ~- ~---,-·,~---
ziu numerosos artigos so~~ ·' ica populâP'@/ . fimental. Sua vigorosa promoção e
'.' '" . .. ,,,,:, ''f
defesa da bossa-nova (e mais tai- e da Tr9piçlgla _,geraram importantes reflexões sobre a
relação entre a poesia ental, a rri~si~ ;;J~·ular e a cultura nacional.

n
fl · ,, ···._t·_cn
fl n0v·nf fl J~,-,

j~1/:;,:;,:~:~~;, ,f/(;!:I::tJ,,z
'~ada de 195Ô~~iit~ndências
«:~';,f-n.-
conflitantes
..,
entre o nacionalismo eco-
~-x-•j•;

nômico .,rr;;cf:
~-'~'-ii{\t~?i.,
, ..... trado
·:-.-:.:·r
f~1dfi~;~;i
para o progresso social e a soberania nacional - e
···,:=.::;.::Z:\t ·
o des~~gfvifoerito
• ;;-r • ..,.,,·.;·.:
industri'.íUt- que dependia de grandes investimentos estrangeiros
°i'",

- se ,,.. r~vam cada y, 3'.i'§' difíceis de ser reconciliadas. O efeito colateral negativo,
re,*'lfW~,
?~ f~ das esrra1;{r
t ·.::,..__ '. ;·. ~!;~,,_),,. ' .
. i ~envolvimentistas de Kubitschek (uma crise inflacionária),
J.
en~trou um c1,!ff~s.~ ffaralelo nos debates subseqüentes sobre a bossa-nova. Nacio-
p~itas argum~/ ,. 11 que a bossa-nova era excessivamente dependente da música
·•~~~angeira (~- ;(:'~'fffiiheme do jazz), da mesma forma que a modernização industrial -
~ '

que comay· .,. ,. ande parte com investimentos e- empréstimos estrangeiros. Seu crí-
~t:1:t),___:-r~'.Jr-._

tico mais êlu§Hco, José Ramos Tinhorão, argumentava que a bossa-nova "constituía

51
Christopher Dunn

um novo exemplo (não conscienremenre desejado) de alienação das elites brasileiras,


sujeitas às ilusões do rápido processo de desenvolvimento corrf~~ .e no pagamento de
royalties à tecnologia estrangeira" (Tinhorão, 1969, p.37-8) ..~~js~Jponto de vista, a .-:~ .f,':'V·:,".•

bossa-nova não passava de um novo ripo de jazz que espelhí:l'1~~f;laçóes econômicas


desiguais entre a periferia e o centro. A bossa-nova era l:gf&t~i;~ssáo musical na qual
"a matéria-prima era brasileira e a forma, norte-ameri{f]~f 'ir
Segundo Tinhorão, a burguesia e a classe médi1/é~~1~ residentes na zona sul do
Rio de Janeiro se alienaram da classe operária predo~p~{sfllente negra que morava nas
".'-. ,,J:,. . · --~ .
favelas do morro e na zona norte da cidade. A diSfâÍ~ia
·';,' ::/! ?:·'·:· ..
·s6élal levou ao desenvolvimento
de um comexto jovem e de classe média desvinc~~b do samba, a tradição musical dos
pobres urbanos. Para Tinhorão, a nova m~~;_çie Tom Jobim, João Gilberto e outros .r. ...., 41,,_ ·

representava uma traição à tradição, náo.)lrti~_inovação


:··-'t:f·~"(-~ '. ,,
criativa ou um comentário ba-
seado na tradição. Ele denunciava a "in~lffe~ftlade dos jovens, desvinculados dos segredos
da percussão popular, de sentir na p:i$'pri~tie1e os imp_1~l~\)filO ritmo negro" (Tinhorão,
~;t;.~? -:·tr,1t:l/· -~'~::(:'.,~---,. )
1991, p.244). Ames da bossa-rt~~~ú9,l~'iitistas da cla..\S,f~êêüa mantinham o contato com
a música popular das favelas P~i~KfoJ1der os "segr,~~;,a t ritmo negro". o distanciamen-
/;i '{4:: .".'f-!}t~\~.( .-;:.,, .

to desse veículo de aucemici<fj,9.~,~s desenca.mi~~para o mundo estrangeiro do jazz.


Em um artigo, Tinhoráo d~~fei~ essa transglks$~t, como uma crise familiar: "Filha dé
,. ..f'.~:,..:' ·-._t>:ff' ·--,•ttlid
aventuras secretas de-~árt~émo com a ,Túsi3 americana - que é, inegavelmente, su~
':::-t-i:-f .;;::.-. -t-~·-. '-~:'"
mãe-, a bossa-noy-{1!,::Rf?,~~t~ se refere a"'i?t~!~~il.de, vive até hoje o mesmo drama de tanta:
crianças de Copacaba{tà>8'bairro em:(rêie ~á'§ceu: não sabe quem é seu pai".19
,..,..., •,~~·- ".'.t

Tinhorão cl]:--Bg~µ a um posiê~~n~~nto estagnado e até mesmo paternalista err


'.A}.;i. -~! "' Vf;(_,,.-;,,,_

relação à músf~:pópular bras):lfü~à.''"'Êle lamentava o fluxo contínuo da cultura d,


massa con.~W:Rlid~ pela dasse;:~9d.f}f mas se encorajava com o fato de os pobres comi-
nuare~J~~i~Í>s valentes___t~¼iõ~·s da autenticidade cultural: "Enquanto isso, o povo
cranqü~.,;pa sua perm~~~Ht~_;gi.rnidade cultural, estabelecida pelo semi-analfabetismo
,._.'9·'~· ._, •:~~ ;~~-':-;-~tt·_ .
e sgfiM\Jf1eterminad~ p:e~~.]óbreza e pela falta de perspectivas de ascensão, continua :
tÇ.f¾&t-'\~\~fantar ~~i.-t~~êf os seus sambas de carnaval, malhando no bumbo em se1
:!~~1%J?8foso'°'compassc? 1t1" (Tinhoráo, 1991, p.245). Em meados da década de 1960
'~~,i~}Js crícicas so\ga:i bossa-nova viriam a provocar uma irônica réplica de Caetanc
.1tfiti;:;&!;·ve10s0: "A j,!,!Ígf~~~lo livro de artigos histéricos do sr. José Ramos Tinhorão [... ] só ;
~~--~-- . :;:h .-,.,e~·-1i:..~ .,:-:{f~:-
/.,J!-' ":fif-i"" preservaçá"~-:fÍo!.':fualfabecismo asseguraria a possibilidade de fazer música no Brasil".2
<J""- ••_'., ·.• -.;.; , . ,
<

:~~/!~:·-• I\~}\.\i.~i~~~l
,: ~~;~_·_,,;.,
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·_,,'.i.~",
• ~-,
-.·',•
~-
. •f,:.h·,•,;,,,•','..,~••
V,~
,..
;/(~~~:i~~ .'
18 ~e,i:\lltti?ca. de Tmhorão em Confi-omo música popular brasileira. Revista Civi!iuçdo Bra.;i/eira, 3, 1965, p.307.
19,Jó-Í:~.~â~os Tinhoráo, Bossa-nova vive um drama: não sabe quem é o pai. Senhor abril-maio, 1963.
20tf:;¾'~yio Veloso, Primeira feira de balanço, 1997, p. l. Esse arrigo foi originalmenre publicado na resenha culmr.
baiana Ânguws.

52
Brutalidade jardim

A crítica nacionalista da bossa-nova estava longe de ser hegemônica. O novo estilo


.sufruía o sucesso popular, e a elite cultural o recebeu de braços àW~rws como uma
expressão da modernidade cultural. Os primeiros entusiastas da b~gs~t-~,~'ª incluíram
tf .::;,-! . :;:-r::f· .
os poetas e compositores concretos associados à vanguarda ffiJ.i!,Si~'
. ...
.tHe São Paulo. .. . ,

Como Tinhorão, Augusto de Campos também utilizou metáfg'.·~. · .~P comércio inter-
nacional e da economia global para analisar a bossa-nova, jf~'ijàhegou a conclusões
,.-.-?~·;\~·-:>'- .,,'.S
muito diferentes: "A bossa-nova deu a virada sensacional n ' ·- ·"•?-tka brasileira, fazendo
com que ela passasse, logo mais, de influenciada a influi{s:1, _'.~}a do jazz, conseguin-
~-•,.;:::_-:,7 ' .'.';/ .~; / -.'!~
do que o Brasil passasse a exportar para o mundo pr~llJ'i~l~ aclbados e não mais ma-
téria-prima musical (ritmos exóticos), 'macumba pa;i;t&fistas', segundo a expressão
de Oswald de Andrade" (Campos, 1974, p .143}~i'tt'-Y-\ . i· ' -?1,',1./'

D e acordo com a "teoria da dependência'_'.;'_,... ~ises pobres sofrem de uma des-


vantagem estrutural em relação às nações dei~~f,1vidas (ver Çardoso e Faletto, 1970,
p.25-30). O Brasil dependia das nações · '> R!lfueiro Mu!J/t<"i;;f~~ra fornecimento de
capital, tecnologia e "produtos acab;Í~6$,~'.,i ,. '1ÊÍ~indo ma /
~:~;1...,,,_
:\J~r~~;t~i~, -·.v...-;;~~.,
flb industrial e bens de
consumo. Em troca, o país só podiá''.y eg,ijr "matéri3:~{í/ft:{qí~s" (produtos agrícolas e
·,;-5~;.:_;:,it ·, (•.'' ,\:;: ":,._').":·
recursos minerais), sujeiras às vici~[·,· " ;çs do m erc~çl&ij~érnacional. Como o preço
das matérias-primas subia em uil:~~;;:, ocidade me1J9r,1gue o dos produtos acabados,
1
o Brasil inevitavelmeme s~~Jli';~~i!â o para r1::i s, d~;;~r de participar do comércio
internacional. Em termq~.< ' \ . _
ai;, a depe1i'tl~g~'ã'fifuplicava que o Brasil consumiria
:l,tif~ ;~i~\)f, :'v ..:t:t::F::.i'>.,

produtos culturais "acabados {te., refinaq~s e ,çõmplexos) do exterior, mas exporta-


ria "matérias-primas" ,s~,f JFªis (i.e., ex%ti~_ts31~;,~itorescas) para o consumo dos países
dominantes. Augusrd::,4e:,}Éampos
,.•..,_/~,_,
ex , . · bossa-nova por produzir um "produto ~'i ."' 't:
acabado" tanto para consumo local ,ffe9ID · hternacional.
./~JJ~~:.-. . . /f•""':'i ..i~\~.
Quarenta ai;;i<fE~
?-,:-.·· ''?"
·t;:,.
o advent~li:t~t:~és'sa-nova, a análise desenvolvimentista de Au-
✓-~: ·-:•• . -•. ~

gusto de Cam~~ reapareceria egf 't.1;1~,?-·m úsica do cantor e compositor tropicalista Tom
21
Zé. A ~~&fueça observi;i,~'~e, no início de 1958, "o Brasil só exportava ma-
tk tisana.i ,,L .· :.::igfau mais baixó da capacidade humana". No final do
mes~, . ,,,, 'fasil cinh~ti'.j~;,-um enorme salto adiante: "Com a bossa-nova, expor-
tav .· ,,.(ft fo grau mais ~l,f.º qà capacidade humana''. Como uma hipérbole calculada, a
ci!fi~;1i· "gumenca qtÍ~::~f!ênero teve um papel fundamental, propondo no refrão que
''i ~~~;-nova inv~tf±~i' Brasil". De fato, para o meio social e cultural de Tom Zé, que
~ ·, :· . r

:;~t~'
21 A música d~l'o .,i "Vaia de bêbado não vale" foi gravada em resposta a um incidente ocorrido em outubro de
4
1999 no S,:l /,;,•~f't;i!ben:o foi vaiado por uma platéia da elite durante o show de inauguração do Credicard Hall
em São Paulti:i'''r

53
Christopher Dunn

começou a amadurecer no final da década de 1950, o advento da bossa-nova teve um


enorme impacto. Muitos artistas que conquistaram reconhecimêill;(Lnacional nos anos
60, com destaque para os tropicalistas, lembram a primeira vez S,~il~Melêmviram
.. -~~-· .
pelo rá- ·.: ( · ;; . .., ~-

dio a versão de João Gilberto para "Chega de saudade" com°-,t;\st · . 'pécie de epifania.
Para a geração de artistas e intelectuais que atingiu,.~i:(fj~~~ adulta no final da
década de 1950 e começo da de 1960, a era da bossa-~iJ~~~ -~empre lembrada com
carinho e nostalgia. A bossa-nova ainda é identific, '' '~!§&& os "anos dourados" ou
._;jf
uma época de "inocêncià', especialmente no imag:l ..: ;,~_d a classe média. Ronaldo ;,,.~,

Bôscoli, compositor de vários clássicos da bossa-i{· · 'aJli'tarde iria se referir à época


''
da bossa-nova como "um grande feriado nacion • astro, 1990, p.273). A associa-
ção do movimento com uma época de de~6ét-í:½F,ia, prosperidade e orgulho nacional
se tornou mais pronunciada nas década~,,i~!%i:P'tes à repressão política sob o governo
militar. A bossa-nova também passou al:íf~~blizar o pré:~tígio cultural da música po-
pular brasileira no contexto internaif~n:f!t:'
Após a mcftti: 1(:e Tom Jobim, em 1994,
. -·\E( . ·:•-(·~ - .

um jornalista publicou este elo ·,·gio: "Ele é,10g! 'de artista brasileiro. Ele é o
·· ( ,~'!'.";·

Borges, o Picasso, o Beethoven-~-):·~...-,r~-,- · ·./. ..., ossa supr,Ã~,yfilgança.


.-:! .}-?(/:
Na música popular, a
22
Espanha, a Argentina, a Alerri~ff~;;nunca tivei~~¾tfÍi'Tom Jobim".
Em um artigo publicad · "\(r-f;w York n,A.~/" .i ;etano Veloso contou a história de
·t •~... :,, ~;\ ::/Y.?~'-
um show beneficente ,~g,j~~egie H11 ei 19~~' em prol de uma ação ambiental na
23
Floresta Amazônica,),fi:-Q.rl(~,participaçãE:!i~~~Í:tô~ John, Sting e Tom Jobim. Antes da
~,·-,.;..t;:-{;;~.._,-.h?J-;i. ., _ ,;·;;·.::l~.
apresentação, corriam .rüffiores de qu~f·q4~ndo Tom Jobim e sua banda começassem
a cocar "Garota "}Ranemà', Elé~~.i~hít1Ifubiria ao palco travestido de Carmen Mi-
randa. Por respé1;!,tit:'~)obim, o p _.;;;. ,,:;1jfarentemente foi cancelado por temor de que
o público n9ir,;~-~~ricano se ,t!~~Jia identidade que relacionava Jobim e Miranda,
'. ..!;;>',1-:~t:.',· ;} ··,:;:. -.·-,':9.;.

sem com~i~t~{~h as signi~~ft~i:diferenças entre eles. Para os brasileiros cosmopoli-


tas, a b ,' · :-p.ova era uma {õf$1kada expressão musical merecedora de respeito inter-
nacii);,1-' _. o·passo que ciJ.11'"· - -,· Miranda evocava um exotismo vulgar que se curvava
ª~J~i~
f 1
" .,:::;ipos dt!~~ríi¼t,:;,.~; -ade "latinà'. Para Caetano, a simples idéia dessa atuação
-~Slj?,fd,visàâa naquelg;~~p.texto específico era altamente sugestiva porque indicava a
Aii?I~inça de C n 4M iranda pairando como um fantasma ao redor dos músicos
24
i/1':J\tf t1 sileiros, se,;,,., . '~ e se apresentavam no exterior. Ele não estava sugerindo que a
'-$;'.~lr~àl (<t~,;1;;,~,i~f

22 Triste é ytJ-: ,, om Jobim, Veja, 14 dez. 1994, p.116-25.


. ,,, a:•
23 Ver ~ ~jps'oj'.;:~ men M irandadada, Folha de São Paulo, 22 out. 1991, resumido e traduzido para o inglês com o
úmlp_ · ature and Conqueror, Pride and Shame, New York Times, 20 out. 1991. Uma craduçáo complera do
an\, _: ai foi reproduzida em Perrone e Dunn , 2001 .
24 V.,~'?;~qmemário de Veloso sobre Carmen Miranda em Dunn, The Tropicalist Rebellion, p.131 -5. A mesma entre-
visrn fol' publicada originalmente em português, Caetano Veloso: Tropicalismo Revisitado, na revista Brasil/Brazil.

54
Brutalidade jardim

música brasileira contemporânea se pareça com os sambas de Carm~n Miranda, nem


que os estrangeiros necessariamente pensam nela quando ouvem a 'Mi!í~jca
.-.: 4,.,:
brasileira.
Em vez disso, ele buscava apontar caminhos nos quais a diversidad_~;/' · ;fk.l. brasileira
muitas vezes foi empobrecida e transformada em estereótipos pa,..g~~i~pti.~umo estran-
geiro. No encanto, foi justamente a iconografia vulgar de Car™:~~i~ iranda que, mais
tarde, iria inspirar os irreverentes ataques d e Caetano, noi,6i}menco tropicalista,
contra a civilidade e o decoro musical. jWe:',,,;,,:-.,,_?;,>·
A prescrição de Oswald de Andrade para que se pro&l ·\~t}~ma "poesia de expor-
tação" brasileira foi consumada com mais sucesso naJ _ dJf~úsica popular. Ficou
claro, porém, que o prestígio cultural internacional nã&'f~unciava necessariamente a
modernização econômica e social. Ao mesmo t;i;m}~\em que a bossa-nova alcançava
sucesso popular e de crítica no exterior, os artj$,.~ ):> Brasil estavam, mais uma vez, se
voltando para as contradições sociais do p~~ic~ ~iit~riia tentati~i:fe mobilizar as massas
a service de uansformacóes revolucionárifs. iit·· ,·t;;•·' !';o:tt-
, , r~J::~;:::i;:i~;'.~11?· ~t,·w~~,~t
~~\:;i:r:·

55
2
.P.fllfl{I.P.fl{.ÍÍ01 fflÚ4 .P0.P
t 0 ~0 ffl UIW11~.fl L ··,~\~};-

::f:,;,,'>. . !'q~:,:w
movimento rropi~ ista se con · 6fi perto do fim de uma
década tum _)r;, marcad:t ~~L,. tensificação do ativismo
de esquetij~~,-- 'l o golpe tnÍ, .f~; ;eacionário de 1964, que vi-
sava/QCtÍ:~~t~ ilugar de qµalqii1i'movimento de transformação
1.:?~-: _ ~:;,tf~~-;' . ~{~: ??~
sqJ;i \N •cal. Disc · · ; ' 11~9J)'.fé o papel que cabia ao artista em
5:;t_J,t;:· t.: ' ,.

rdâça ;·moviment:.f!s .- icos e sociais progressistas orienta-


ram grande parte da P&:~qpção culturaltaµr:~êfêsse período. Os anos 60 também tes-
:;:'{..,.," 1:-::-?~., -,u~K~. .
temunharam a consdl~~~!o de uma w,l!útt~fa cultural nacional que buscava atingir
os mercados de copsumô~ principal, . : as áreas urbanas. Com o golpe militar, o
Estado investiu ttlt,;J<,'ticativament . ' nologias da mídia de massa, tentando exer-
,,-.. - •?-// ~·
cer infl.uênci~ii. ·<S~ica sobre e' . território nacional.
'•·:;.f-~::lr._:., . ..,.. :}/
Essas tqt,~ {di'füações pro ..· , ., \ . percepçóes e definições conflitantes em relação
'•·"' '\i'l . ; .. é
às "massas~~flil;focieda9:ç b,!àl:tl~Iftf. Ativistas pd'líticos e culturais da esquerda muitas
~-.;';~-:.;J_·~- . ' "t'.1/~õ'~~~/ ·:,.: ·,~t·,
·jdt~fun essa rfi~~{iá.explorada e oprimida como "o povo", uma designa-
ção ,,,,_.,, · · onâncias r.a.mo p;?pulistas como revolucionárias baseada na convicção de
q~~i}~ :tffhassas repres~~;t ,-~ agentes potenciais de transformação social. Por outro
-"e -li-
·'?,t-,~-~ ;'-:,=-:-s
"'"''':·,-~ .

l~'í'."'.td·"'
Q,;)1tecnocratas "'4.... ''""•· ",1íiiústria cultural tendiam a considerar as massas «o público",
uJWl designaçá · cava o potencial do grupo como consumidor de cultura. Essas
, . xif finições c ,,. ·t~ salientavam uma tensão dentro da comunidade artística: al~
<
guns artis~ ' sicionavam corno profissionais trabalhando em indústrias culturais
cada vez•~ :.competitivas e outros se definiam, em primeiro lugar, como ativistas
Christopher Dtmn

políticos. Renato Ortiz resumiu essa tensão como "uma dicotomia entre trabalho
cultural e expressão política" (Ortiz, 1988, p.164). .: 0
,,
l.,.:~:i.-,
Essa dicotomia não foi exclusividade do Brasil durante a décl:í:ia,1"de 1960. Néstor
.1r,•.·: ·-~·i;;... '.';r!•
García Canclini descreveu uma espécie de dupla consciênc}~~~§t>f:~ artistas de toda a
América Latina que trabalhavam na indústria cultural na ~ 9cl:tt!-
_.;;'t,~;;:·St·
Estabeleceu-se um confronto entre a lógica so5f1.~litPômica do crescimento
do mercado e a lógica voluntarista do culturgllsii~;:rolítico, particularmen-
te dramático quando produzido dentro ,,~t 'd'.eté@ inado movimento ou
. /~-.i'.·'- 1~r~·tr" ~t t
mesmo entre as mesmas pessoas. As pessd~~~,ê promoviam a racionalidade
expansiva e renovadora do sistema s9.çjoculcural eram as mesmas que que-
l ::~'!-_,,-.;:,_
riam democratizar a produção artí~~!ça·:,~ o mesmo tempo em que levavam
~,-~....
ao extremo as práticas da difere11-,~~fSimbólica - experimentação formal,
ri -tf ··;_•,,_l

a ruptura com o senso comu,w, - i i~Jas buscava~ t~;s /undir com as massas.
. 1· . -,~- ~;-~ ,l}~j~ ·-~}'ft·
(Garcia Canc lill, 19 90 ':J !·8 3~tP.iA~t Ji'-'!~':2(:,,.
:;&.\{f{~*~~ ·· - -~~tt~'ât' ::·('
Duas tensões básicas, freqµ~pi~êibente conv,fg~1)te~, orientaram a obra dos pro-
:,· ,-,:· .:,. ~.;:;,-..~,;-·'·
dutores culturais latino-ary.$tÍ~tfa engajadqf 'có~ à comunicação de massa: entre a
racionalidade do merça9,9:'J i1{~?comprometirtil ô:tt · político e entre a experimentação
"t.• ·:-.:;t;\1-(.. ,.1~ .

formal e O apelo às ni~ as?'J\s mOÜ\'.,aÇp~ ,.profissionais e políticas, é claro, nem sem-
pre eram mutuarrt~fit~{~ clusivas. ¾ ;lt~;~~s artistas, cujas idéias serão discutidas
neste capítulo, pensavam simulté!p~f,!fê' .J •
em progresso na carreira, ativismo político
, ....~)_,J., ~~:<" \•::"1,,::.'..-~- .

e inovação for~ fil':'~fvs músi.cos ~p,i~wlstas foram únicos, contudo, ao explicitar as


tendências conHt'fcili~es da par~i2fp~~á; voltada aos interesses cívicos, do sucesso pro-
fissional e /. ,~;'5;~;icperimental~tfi~I~ ~ético em um mercado emergente para a música
' iL:!'.).; ~;;').~•:.:.,1.:t
pop. Es?~t $âfb foi fundamJ~n.1:~ também para a abordagem estética da música popu-
:i..~~~~- ···~~j;,.
lar brM.l lêit~ promovida,p't}os:tropicalistas. O músico e crítico Luiz Tatit demonstrou
~~- ~4.,;~3·;\ ··~· rr: ,.~}~-l~~
quei~~~9;é 1967,,e t~f~;J\Ç,táetano Velo~ tinha um projeto duplo, comprometido
0
. -,.,:·"i't,..._ _•. ,,... :,.•.'•-• °';,?",..-

st'fuultfilí~entêl~tn ii'riovação estética radical e com o legado dos grandes cantores


.-),?!.. .-c;:~.f: -~ ,...,.::;í.ft\.
. ._i~~ 1!jdio da pré-\?..?ssa,;)1ôva, como Orlando Silva e Nelson Gonçalves, que se incluem
,,.:,:2~}citi;e as prim~IiJ;;Í~bridades da mídia moderna no Brasil. De acordo com Tatit,
~.,· ti~~:;#caetano tit~;~;i r·; um lado, "um projeto explícito e ruidoso comprometido com a
4
··k ._:'·' ruptura ~~~di.~~cralização de padrões coercitivos que imperavam na MPB da época
'ffj{}'f:ff~f e, por_,'A~~;; ~·f un projeto "implícito e em tom mais paciente que buscava reaver, na
,;(:l'. , .~...~ ..

nov~if~*º éthos da canção de rádio" (Tatit, 1996, p.83). Esse duplo projeto precisaria
n<;~ ; ;ftnente confrontar outra tensão produzida entre o nacionalismo e o cosmo-
...,.,'.\i.~, ,""'

58
Brutalidade jardim

politismo na cultura brasileira. Em uma tentativa de sintetizar essas tendências confli-


tantes e muitas vt':LeS contraditórias, Caetano Veloso e Gilberto Gil .}:?.[Opuseram o que
0

chamaram de "som universal", que representou o prelúdio da Tropi~lli:fã.,,,c.


. --~>'

4
<ULlllM .f -A(j0 ~0ooÕ0miÔ0 D0. ~s
*'E>~ 1%0
,,j;t.,.:'~(~.t )''
Em uma das várias biografias escritas por intelectuai~t· .. .'.;~iros, Luiz Carlos Ma-
: ciel afirmou que a principal crença da juventude d<:,:$,;wt::J ietJfão era "a atribuição à
arte de uma função transformadora da sociedade" (M~~{iif
,,:~ç:~···
I996, p.73). É importante
manter em mente que Maciel entende por "su~y.geração" aquela que se restringe à
•t,t.••:7;.•;:,.•'A'\
sua classe social, formação educacional e, até ~\n cfciponto, localização geográfica. A
'1:·?:.<th""~

geração à qual Maciel se refere inclui esrq4'á~t~f' da classe média urbana e jovens
profissionais, em especial aqueles envol"Y:lpl6 · . '(' "'"produção,· · ~tpral ou no ativismo
político, como músicos, cineastas, ~ a.rri;~Jgbs, atores, , :;/ visuais, educadores,
jornalistas, líderes estudantis e orgiifa~"â~~~s trabalhi~ segmento da popula- ,:(::'·'~ s~·
ção constituía uma minoria na ger · ~\{) _d~tpróprio ,:~as foi uma minoria com ~<::~··:,
acesso desproporcional à mídi ,·
.,. _,
J~: "
•fiica e impl1~~:~t'~utras redes institucionais,
"--~-.:~- .. ·?"•
como universidades, muse~ ,ii ,f\~·~_/; · culturais,e ó?grt<1!públicos. ·
O projeto desenvolvim~d;~til~ou a r:~~ q(l~)iínbíguos. O desenvolvimento da
infra-estrutura e da indú§fifi' ~'.'COnsideráv,Jff~{tRg;~os, movimentos artísticos, como
a bossa-nova e a poesia concreta, conquj~to~t~s;~ecimento internacional e ã nação ga-
;.:ffJ;.~..- --~\- .,:'\. •':•'.~'?.<~•-,,.
nhou uma nova ca.pitj "fl lral, que sim~9~1f, para muitos, o advento da modernidade
no Brasil. Ao mesmo"·t~ifipo, o Brasi,L'&~w,i~ou a ser um.país de grandes disparidades
..•. - _..r:§fj,.:f_,:-,.. . ..i...

regionais e desi~ ~çles sociais. ~ :'.f>rfçj_ridades modernizadoras, características do go-


:.. . \ ;l ttf..:,~:r•'iL.-..
vemo Kubitsç~ •-~·-palideci~(' · '' ~ ez. mais diante de .exigências de transformações
soc1aJ.S mai§;:' _·das.A Revçl~:?~.',,.,_':" ubana de 1959, com seus objetivos nacionalistas e
socialis~f•'.: "'>f• ou prof:un . ~,- A'_:J t~tistas e int.lectuais progressistas em toda a América

Latinc4,~ 'J o exetft . . _ bàno contribuiu para novos projetos culturais enfatizando
'º ,

"' . '"\ ipativà', _q ue -~ij;olveria diretamente as massas. Com base nas categorias
es1iL ; esboça : ,_}!";;Michael Lowy e Robert Sayre, Marcelo Ridenti argumentou
,~:_,<,:,i~::jt, . . .. , :,.:,;_};"
f;íµe}~maioria do~ ~i~~:tas de esquerda no Brasil, durante a década de 1960, adotou o
'-Jtt~·E1•;~¼.:.;'° · )0>.. _ ····,,._ :..-.r
, e~ptrito do «roíQª'ª~pio revolucionário" caracterizado -por uma busca pelas "raízes" na-
Ct . /&(~· '· :~_
p:)~:~\\i-}p
iir«W',,,_, ..&~iônais
.
e um~vi.. . "'radical da modernidade capitalista (Ridenti, 2000, p.5 5-7).
:,:-,, ' ·• ·

No Br~ I!i'g~quela época, costumava-se referir coletivamente aos partidos políticos


de esquç!'·i":c'.::'ó.Ü;.progressistas, aos movimentos sociais e aos grupos culturais como
.. ,,·<,

59
Christopher Dunn

"as esquerdas". O termo mostra que as forças progressistas no Brasil são divididas
em grupos com freqüência antagônicos e que, além disso, de/~ _g uma forma elas são
relativamente imaginadas como uma força coletiva que tem ~JJh_~rios em comum
e metas similares. Na política da década de 1950, o Par~tdõ~Ji~balhista Brasileiro
(PTB) atuava como uma organização nacionalista e populi{{~_a13iada por uma parce-
··'""" ··,,,:_i:~;..~
la significativa de eleitores da classe trabalhadora. Ape~~-r,,~H~4õ'lícialmente proscrito, o
Partido Comunista Brasileiro (PCB) surgiu como o,;Bir~g-d; dominante de esquerda,
"··-~ it•,.•

defendendo uma revolução burguesa nacionalista~'.JiÍ-~ iJ-!m cauteloso primeiro pas-


'-P •,o,:::· •~;
so na direção de transformações mais radicais. b,;iytF<l~vários
,-~ \:;/·1(',. ,.,, ·
partidos de esquerda ,1;'Í"1

menores, como o Partido Socialista Brasileiro (PS~jf.~


··::.:..~-
o Partido Comunista do Brasil
(PC do B), diversas organizações progres~~:Wffi.._ não-partidárias, incluindo sindicatos
de trabalhadores, ligas camponesas, grupõ\~lú5ficos progressistas e o movimento es-
tudantil, atuavam na política local, reg,jbl~/t
.. .• ·<> .,...
nacional. 1
Os primeiros anos da década p;y,eci~ acenar c~ ?#Qla grande promessa para
aqueles que desejavam a transfitm ~'ªtvffeogressista ~ tJ.<,,~Íidade brasileira ou estavam
ativamente envolvidos em terifâ't1:'tf~,de
, ..,,
transformtfih.Na
;•.-)•· ;,, linha de frente dessa luta
estava o Centro Popular de Jii.iltjp { (CPC), u, i.-':t ganização cultural de esquerda
..~-·....e,. 'J "';., .::· ~-~~:"J-.

com foco nacional, fundaq~,~"ffil~f 962 sob a i id~~:da União Nacional dos Estudantes
(UNE). Estruturado,,,_çm}p~; com base.no~&f imento de Cultura Popular (MCP),
.:~; -...~::_;y..-:..'c- .--. ,~:.t,.

um programa de ajf~nê't'~ção patro~~é!:fl9.1J,flõ governo de Pernambuco, utilizava os


,{:.;:j: ''i:"".. :·:::'> ;l •:;.,~-1~~-.',I:~;.-.,.
métodos do renomáâ'õi~ôcador br~ ileí'm,\Paulo Freire. Artistas proeminentes parti-
ciparam do CPÇ~r~~tre eles o d~~tl},.&\1~gB' Oduvaldo Vianna Filho, o cineasta Carlos
Diegues, o poei :}~reira Gulla5_._t 61~); ·úsicos Carlos Lyra, Sérgio Ricardo e Geraldo
Vandré. Como ~s ,..i eóricos doJSÊB:; os líderes intelectuais do CPC denunciavam a
dependênÍf:!~9 Brasil em i~!!i~t/:o capital estrangeiro e defendiam uma política
econôrw'.€a'~iii!tfs nacionali~,~,,'.'~t iticavam a ampla presença e distribuição de produ-
tos ~~ de naçõegi,g:~;,~\rolvidas, particularmente dos Estados Unidos, como
um~~~a da ~ t~!1éW~'1'-~t>Ütica. Em ge»al, os ativistas do CPC se viam como uma
ii,' Y,,.1 • r1-l>1!. ;,. -~~- -;

~~àà: culrurâl~ .e,~Ftica capaz de conduzir as massas rurais e urbanas em direçáo


,;Jrl?~olução soct~t Q,} :PC foi fundado durante o governo de João Goulart, um de-
4$Jt1~;--t~nsor dos d~ t~ flos trabalhadores e, por isso, alvo de profunda desconfiança po1
1~-~ ' ·•~t1t ..,·, .' ·:'.\. . ·'
i( \k.._·:1ç~Parte dos lf~:i~jx:onservadores civis e militares. Durante o mandato de Goulart, o
~ ;,, momentef;,fü~~§rico parecia se inclinar para a esquerda e o presidente se voltava cada
't1:*.\\t::f" .,, ··-~
~~:~¾
~1/;
1 P3:1:f ~ma::'ffiscussão detalhada da esquerda no Brasil na década de 1960, ver Ridemi, 1994, p.25-9, e Skidmore
-1967~.224-8.

60

--
Brutalidade jardim

mais para as organizações populares radicais, a fim de obter o apoio político delas
kidmore, 1967, p.284-93). •tjJJfj ,
11
Cabe analisar a teoria e a prática do CPC durante esse breve perL ,,,ób o manda-
de Goulart, quando as forças progressistas ganhavam impulso.i.ó ' Ünha como
·ssão aumentar a consciência política por meio de atividades ~~ttÇ,ativas e culturais . ·~· ;;f~,'.

ltadas para as massas, ao mesmo tempo em que buscava -~i:_ ,.:, ina ampla aliança
trabalhadores, camponeses, intelectuais, artistas e na~i,.g ~M~t~ radicais entre os
:,'1.//'·~) "\ -i
· irares. Atuando em várias frentes, o CPC encenava > :~,: rais agitprop (de agi-
, o e propaganda) diante de portões de fábricas e.":~'ij;tW;.;~r~ ~ operários, produzia •:~ X{; ~,.,,; .

es e discos, além de publicar livros pedagógicos paríí~~õnsumo popular. O projeto


CPC se baseava na idéia de que a revolução_J'ii ~:•Rºderia ser atingida apenas por
,;is~:.,- ~-,~;r
eio de ativismo sindical e política eleitoral::·" · l Fánsformaçóes sociais e políticas
poderiam ser a conseqüência de uma mu '. · _._;evolucionária na mentalidade do
.,.'.:._, t t:•\;{' 1
;.:;\o/~.,..
vo, e a cultura popular seria o veículo p~a ei~-à:'luta. Wal , ·' ·•· \ ;~ vão caracterizou o
erimento do CPC como um "ens-âlô · sociali i · :à~ '}:c ~tura", que buscava
ontar o palco para uma transform ·-;,,,- ") al coletiva.f , 1994, p.186). Contra
•' ,--~•-. .;;,,.:~ ~i~:·
concepções folclóricas da cultur', •'qpúlar com~,.PÍ,'.,~( atemporais tradicionais
e deveriam ser preservadas e I)'(~J · / as, o CPQ ~l_a,g~;ou a concepção/a proposta
_-·. ..,".-:' {~~:i~,, ·::-:1.;,~~{~.J:"
0

que a cultura popular pq,eri~/~i;~''u m agente"paraJumentar a consciência e resistir


·,rt:~~.;- ~:'.'li.~': · . ~--, li:: =~?fl~
s efeitos alienantes do ,+rr1 ·~ ·· ismo cultt6:~,i}~-ÇÔrrendo ao programa cultural do
s
rPartido Comunista Br~il: rr , artistas e ..,._\~i(!~tuais do CPC defendiam um para-
.gma nacional-popu!~ fª a produçãq)j;;:\,", "\il com base na convicção de que só o
·
~popular" era autenti 't:·~-:*t;r.r~'
.-,. .-te nacional;~
·:\~}~\\.
,'?:?
A definição de ,:popular" passOI!:J~Jf~rli:im interesse central para artistas e intelec-
~ .. ]t-J..·.j,'~~~-' f ~,..- -.:-i;,:r:~
,:ruais do CPC. Ufu}i:1,.i~s principais,;tt~9i~ê6s, Carlos Estevam, distinguia três categorias
rais de cul ,J::~'tftfr
elitista o_~(f arre do povo, arre popular e arre popular ·'tíar:
,ttvoluciongl,,~t , "arte do p~ .,enotava que as práticas culturais eram organica-
-~,.-;;_ _ ..\.·l -t:- ~ _.,,,t,
mente ligâ~ ;l vida m~~f~~ !~ t,tl'i ana das comfmidades, como a música folclórica, as
·'ltf. >. . -.~F!-,~~,:.~,__ - :.:~~i~ ~~:~: -, ....\~·:·

dan~,~tr~ çió'fi1á.is, o arêt~s~êb e a religião popular. Do ponto de vista de Estevam,


.a ar_. , ~;ip"ovo nunca ~ i~é!;'"de uma "tentativa tosca e desajeitada de exprimir fatos
i · ,::·: l,sem "outra .~ ~ 'ique não a de satisfazer necessidades lúdicas e de ornamento" .
.i{:::},~;;{;;i·

(~ kr Ortiz, 1985,.,pq, . ;z observa que o entendimento do CPC em relação ao "nacional-popular" não era coex-
:c·.,• tensivo com a,Í~ -~- ção de Grarnsci em Cadernos do Cárcere, que via a cultura como uma luta por hegemonia e
·. não uma qu ' • '"~,.alienação da expressão nacional "autêntica".
.· 3 Estevam, l~,{ ,,. ,; -Ô-4. Uma ttadução resumida bastante útil da declaração de princípios de Estevam foi publicada
_
• emJohn;dJft~ , 1995, p.58-63.

61
---
Christopher Dunn.

Ele desdenhava igualmente a arte popular, criada e distribuída por profissionais da


indústria cultural, como a música de rádio, novelas e filmes ~~,7ados em romances,
aventuras e comédias leves. Estevam rejeitava a arte popula._ç,1~w,d) uma "distração",
uma forma de entretenimento "escapistà' para as massas. t~< '~-~i':'0 -
Segundo Estevam, essas duas categorias de expressãoi:,aft!,í~~~:,
_f,;,;_.... ,...,.. ,--: _
;
em última instância,
não eram verdadeiramente populares, como ele sugere/t ffi:~;~ a máxima: "Fora da arte
política não há arte popular" üohnson; Starn, 1995, · · ~:~j:~:Õe acordo com essa análise,
"popular" não se refere à cultura produzida pelo . . '~{':,as sim à cultura voltada ao
_
.... ., ,._ ··& '· >U-
ativismo social e poütico. A única manifestação;Jf~t~ icàf/de cultura popular era a arte
popular revolucionária capaz de mobilizar as m~§~t&tevam acreditava que as massas
brasileiras eram incapazes de produzir arte;)pqpµlar revolucionária por serem política.e
_'!';(:, ·- 1;,::f:,?
culturalmente alienadas da realidade nac:{C>q~~' Uma vanguarda revolucionária de inte-
lecru.ais era necessária para desenvolver:(;il{;J ~);~ientização das massas e incitá-las à ação.
A orientação neoleninista do CPC p/6 o'i j:i;t ir sérias li11Jf~~~s por se basear em critérios
paternalistas e ernocêntricos nqftj4~.:~: --1eff ;re à categq,/tti·:~ ó/ 'popular". A premissa básica
·;\:-:4:.c,:~:-:;f:/:~Tu~:: ·,_ ·
de que a cultura popular devedlfsh ,,g erada por 4~~;, íte cultural "esclarecidà' e depois
levada às massas contradizia l}tqp~ias
pretenf . ,,. }Jnocráticas do CPC.
Em seu programa part ~;!, PC, Estevard;i ~ pém criticava as vanguardas arrísti-
:".: ✓';.,'
•• , • •'. · • :;•,-.,.~,,.,.~:,,;,

cas, representadas pr~ .ci'" \ ~nte pelos poeta( ?óncretos, apesar de reconhecer que as
vanguardas artísti~ . 'é.f\ ,,mo os pocl?~j;,{~~ ~~fos - produziam arte "desalienada" ou
r~-- ,.,.,1,t{.-::\¾
~\·.~?'".

não conformista, côn :tando a ~êti2áfiburguesa tradicional. Elas não eram con-
• Ç"=;~~. }:,~:..

sideradas revolM,'§1f(!}árias porqti1( f .~'(;ff~ nseguiam se comunicar com o público em


geral. Nessa p •·_·. 'Jiíva, os arti,~~ -,1iilí.pre devem privilegiar a comuni~yáo antes da
experimens~~o f~rmal; caso .jPiÍ~lo, as massas nunca serão capazes de compreendei
suas obr~ fif 'y#ia comuni~!:tl}Ii,.d õ CPC se fez mais presente em "Cadernos do povo":
:!/~ · ·:~';.·
r:.5~'\•\; ~?..·..; ·, '-:.·i:•
uma sél~,,dê"' livretos did.áfr~~ que incluiu uma antologia em três volumes de poesia
eng~ ··:tR'titulada Vi<{ . ,,.. __,·''rua.Defendendo a necessidade de uma poesia cenrrad:3
~R~l; ,,~{~do, os,.~ ,f,Sjlõf;;,:r:, :;-.ados ao cpe; se posicionavam contra os poetas concretos,
. ,~i:,r~gt{átda literáriãI~B~nante no Brasil (Perrone, 1996, p.75). Para os poetas con-
•~ii,.s.:r8ihs, a experintítpta;ção formal com a sintaxe não verbal e a nova mídia não excluíam
' ='l-){~~:.:,.,, .'::~~----... ',.'';j'<\..
·tecomunicaçáêtj#iê!rinassa, ao passo que, para os poetas do CPC, a comunicação com
o povo er -li~êJt ariamente baseada na clareza discursiva.
Valo11 _ ·· ricos similares orientaram a produção do LP O povo canta, que evitava e
senti~ ~Íifjismo e a sofisticação musical da bossa-nova para dar lugar a canções popu·
lare&i!~~ ~.:, simples, que abordavam a experiência do povo trabalhador. O texto de cap~
dói:(1t RàMirma que as canções representam uma "nova experiência em música popular"

62
Brutalidade jardim

,. qual "os elementos autênticos d a expressão coletiva são utilizados para atingir uma
rma eficaz de comunicação com o povo [para] esclarecê-lo" (Berlii\~~ 1984, p.35).
abordagem programática e paternalista reduzia as possibilidades.4~,i~&':sso do pro-
<·~,, ;;:t-:½:>·•-
0 do CPC e, conseqüen temente, muitos de seus eventos náof Ónt ?ràm atrair a
nção da classe operária. A maioria dos críticos, incluindo ex4l<tr;:res do CPC, mais
de admitiria que as produções do CPC eram politica.men~ffi~~~as, esteticamente
ógradas e, em alguns casos, condescendentes em relaçáQr,a~t ~rrblico-alvo.4
..~iJ.:-~.1:-~;\~
Apesar dessas limitações, o projeto do CPC foi um exi ~ ~to ousado no ativismo
":":f;c.::('::_:· .:-,._;

tural, pois levantou importantes questões quanto ao .f ~f~l~g_oS;\.f utelectuais na transfor-


ção da sociedade, à eficácia da arte na mobilização polítftxrJê ao valor da experimentação
anal. Em grande parte, não se tratava merament~dG.,\!:1llª iniciativa demagógica, mas de
esforço coordenado para superar barreiras só&~. ~rproduzir coletivamente uma arte
. litizada. Alguns observadores se lembram afll9:~ente do início dos anos 60 como ;;,·,, ...1, .

'um período de grandes promessas de transfotfna~8'social. Ain_, {fí~si uela década, durante
~. ·;:{_· s~~-;\, ':,; r•·"''i~~-·: . , . ~,

-o auge da repressão militar, Roberto ~~~~~]'é lembraria~ç!~ "~vnto pré-revolucionário


:descompartimentava a consciência nà:â ilii~J~ enchia os .Íijfl}j{JY
:de reforma agrária, agita-
"'~,~-. ~-:•'.~-~1 ,,p. . ~-_:J.J't.'

; çáo camponesa, movimento operári {P ~~~nalizaçáo ,1~~.ptesas americanas etc. Q .país


:· estava irreconhecivelmente inteli~ f¾t~t~:ttSchwarz, l~Z,~ttP·69). O país podia ter ficado
-
mais "inteligente" em ~,q. -3; :-..4J·
al~ _&m.ct:ôt
mas não~--..se apf~entava
. :. ~
suficientemente mobili-
·. udo para apoiar o gove1n;g,.~~an e resisciti~~ ·!f; ;_.; _{~'nte a um golpe militar da direita.
e~i,•.i•i}."'•'-1:p,. p ·;..-;. ·· ·
. O s conspiradores militar~ ··qti.€iãtionaram ~ 1 ,_::}imento armado contra o governo no
dia 112 de abril de 19'1.~~~ntraram pcitt~ J e~i~tincia popular..O golpe levou a um regi-
me militar autorit.ári&~ ,Jlf:J c.capitalista,,i~arótiído o fim do experimento democrático do
1
Brasil entre 1945 ,~.,.\964'. Acu1rura q~p,?,píllismo de esquerda, contudo, moscr~u-se mais
resistente do q{!~;g ls~ ema polítiq:,f lQ1_
4tíal surgiu. AB energias utópicas do experimento
,-,.•,- • •1.t:t~ _<,11• ~~,·Ê · l-:,,;_:-1,~-•-
do CPC fo~ {~ ridas para fíú,.y~··?írenas.

Nc;l;~. '" ,tt~[ti~


m~t\~AIZ.fl(i0 t (~n{.(IV.f1D01.fl .( 110DU{i0 (ULTUIIL
,;/i:~~~l°?ti· . .,,~t.: {,;·, !
,;~Jf,~'ag e d e ser ~ 1wirb hiato na luta popular pelo poder poÜtico, golpe militar
1:~~.. ~{f;_ ,;1:~r:•;.,::~:::1.w~·-
º
aê::sft'1964 deu iníqg "â3üm prolongado período de governo autoritário. O s Estados
.., } ~hidos atuar~ ~ ~º o mais importante aliado estrangeiro do regime, reconhecendo
,t~:í}l' ,{~ii1ti~f.'.1·
_4 _0 _dr_a_ro_a~->,..,..
•.: l~i~~do V lll11Ila Filho, por exemplo, criticou as pretensões românticas dos eventos de conscienrização
e exigiu rriiufíró\:nplexidade estética nas produções que buscavam anair as massas. Veja Damasceno, 1996, p.106-8.

63
Christopher Dunn

imediatamente sua legitimidade e ajudando o novo governo a assegurar empréstimos


com o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial. A&~_smo tempo, o novo
governo militar do general Humberto Castelo Branco imp "::i :{'medidas austeras

elaboradas para controlar a inflação e atrair investimento~tf'x Sob os governos s.


civis precedentes, a modernização era em grande parte c<'iif~pida como um processo
de duas frentes: o desenvolvimento da infra-estrum _,,r'!!~;--~; ansformaçáo social. O
regime militar buscava uma política de modern~,-~. g:c;ervadora dependente de
investimentos estrangeiros, que intensificava a pri'_ uprimia a última.
Com o golpe militar, valores sociais e culturai~::,~ s,if;{eacionários ganharam ascen-
dência. Demonstrações públicas iniciais de apoi~,~~f~ · · ·tares sugeriam wna reafirmação
do patriotismo raso, do catolicismo tradiciq#ííttJie valores familiares patriarcais e de um
vigoroso anticomunismo. As ações mais p{: para o regime que sucederam de ime- ._,t~
diato ao golpe foram a supressão da esq~~~~t;dical e a desmobilização dos movimentos
sociais e culrurais populares nas dda4iis e ij&6mpo. P ., · _J:as e intelectuais progressis-
tas, uma das mais sérias conseqii}~ii.~<fl?golpe foi a/ .. _
~i}~., "'~;i~·~:!{tt;;-:::. ·::~.:~..
da UNE e do CPC. En-
:.,.J:
'çáo
quanto isso, movimentos de tral5'fil'fí~qBres e camp -''\foram rapidamente suprimidos e
seus líderes, detidos, tormracl1JJ~1/:Uguns tados. O regime deu início a uma c:a1gs;JJ§,, ·
série de remoções no servi, ··- ·-•:s• "i:o, nas força!l:~rQ1,3.das e em cargos eleitos, mas, ao mes-
mo tempo, tentava · t~~ 1 á fachada ~~ goJiffZ~ democrático, permitindo, em 1966,
. ' . ---~,:;, ~- ".,if;; );'.\'~~
a formação de doi~1.:~, ,- ~"'" s políticof\:~~~;x~1l,Aliança Nacional Renovadora (ARENA),
pró-governo, e a op~~Y?i5~l) Movime®ó. [;)ifiliocrático Brasileiro (MDB).
· Durante os J.t
eiros anos di1'~if,;;, . ·Bi militar houve relativa liberdade artística e a
culmra de pro~,t;Q"· ·oresceu no,~j •';írl~pais centros urbanos. Isso levou a uma curiosa
,._. -J/? ?:: ~•-.

situação na llltura brasileira,;1;f!M,t . berro Schwarz mais tarde descreveu nos seguinte5
termos: " · t' da ditadura;;,t{ta:-4if'êita, há uma relativa hegemonia cultural da esquerd.i
;~:;· -.. f;::.'"'.;r · .=::.;.;;// ,,.
no paí~sL . c warz, 1978/ pi~~): E necessário ter em mente que a hegemonia cultural
da es~4~ài se restringii ;lg~~irites de wn meio social urbano relativamente pequeno.
'.·~-?. \~éf.J,; .. '· ·>.· ;~!\,. ?-~
s ~;i:i~s~ istas da.;f~5Jfi{{1JÍ~:·q ivessem ocuJ1ado uma posição hegemónica na sociedadé
,,e;~~~1t~~~tomo urir1:t,tt~:"a resistência ao golpe teria sido mais intensa. 5 O regime tole-
,;~l:'J~à'
1
a cultura d~l.;Rro~;~o, contanto que fosse produzida para um público limitado dé
;;\_I'. f(:i:: itogressistasA~~~ses média e alta. A violência do Estado e a repressão legal tambérr
1

r };'i foram mitigíd~~~or questões de classe social, refletindo o que Anthony Pereira chamot:
. 0!Jf0i~t1~t
i:;;;tJi11t\- ,-
5 Ri- ·· :, \', ·sicou a análise de Schwarz, argumentando que ocesboçou-se a gestação de uma hegemonia alrernativa
.l !)l.,Jii~tr ~hegemonia, que acabou sendo quase rotalmente abon:ada e incorporada desf.guradamente pela orderr
·~íge'iffi '. Ver Ridenti, 1994, p.91-2.

64
Brutalidade jardim

"elitismo liberal" do regime militar (Pereira, 1998, p.55). Enquanto o experimento


CPC buscava minimizar as diferenças culturais entre os intelectu~f.~?gressistas e os
alhadores, o período pós-golpe foi caractermdo por ti.ma consp{ç ·\;,sfparação das
es sociais. A cultura de protesto, durante esse período, foi pro<J.~i; . i·incipalmen-
para um público relativamente pequeno, mas bastante conecta4~~. <;:6In a mídia.
. .,,:,-:-:::i,,._;~'

O governo de Castelo Branco promovia um retorno aos,,s#'Ífl~iês sociais arcaicos e


.::;:::,, .;.~
nservadores, embora também se comprometesse com a tµ_ç>~~Í~ção capitalista sob
'· orientação dos tecnocratas. As autoridades militares inJiifii}~~yam o setor privado a
' ':>;•· • J;/ h ·

, envolver a indústria das comunicações, mas a subme.tJj:i&q-it ontrole do Estado. A


ansão e modemmção das redes de comunicação, );?.;. e~te o rádio e a televisão, Jt , ,
ram parte de uma iniciativa mais ampla para a;i~ ~!r a "integração nacional" e o con-
le ideológico sobre a sociedade civil, uma es ''' gi!tcodificada na Lei de Segurança
dona!, de 1967 (Ortiz, 1988, p.114-5). ; pi:idades militares consideravam as
es de comunicação de massa uma ferraIIJ,$d: . : ,S~ncial par~fb.:'~f~tar o patriotismo e
' mmover o apoio ao regime. Sob a é~fde .~i,F~~ime milit~ :i% T;'\i'~ apoio financeiro e
' nico do conglomerado de mídia ~~.ti~ Time-Life,._,,"~~, . _ va estação de televisão,
, TV Globo, foi lançada em 1965 ..:~~t~--~
fffuial da déc ,,~~ ,:,:rt. Globo tinha se tornado a
' ::..~::':- -.~ -~·'.i _j;<:, -

aior estação de televisão do Br~ ifê~ir1meira a ll1;tfnta,.ç, uma rede nacional.


·-.:.:_~~-/t,.. -~,:,.~.. -. ' . J:~::•
Os avanços sociais não açomR.Ü'rti'âram a moderni~ção tecnocrática. Dados do lns-
_:{r;, '·.• -'Xi\~~~~/;:{~ .:,-. :> ·,i,

,õtuto Brasileiro de Geografii ;~, Êsrdtística (~!l, · pfuonstram que índices de desen-
wlvimento social não aét5tfi'p~ ararn a mqJ1rrt~ção da indústria de comunicação. 6
• , • <,~ - ·r

. s dados do IBGE sugerem .-.;,•:.:~~~>~;-.


avanços re,l,3.tiJi1t~te :ii;.::·, • ::..-~..,-.-~·
t~;.1
modestos no nível de alfabetização
.
e infra-estrutura (i.e.;;fi2~ i a água en~:h~;:,;. ·: __ } :'tº(S~
i ~-e
-\>.;,;-:
eletricidade), além de um aumento .

-significativo no núm~ttf',{ãe residênc!.M.-f~tw1 eletrodomésticos culturais, como rádios


•e televisores. O 11':.~St'Jefü de estaçõ~ ~~êi14ídio cresceu rapidamente na década de 1950
.· (um aumento_,ª ~~~~e 225%) ,P,l it~êsacelerar consideravelmente nos anos 60 (um
•· aumento dç7,_ w,r,·;., · , e 37%). Dyíi~ft~ década de 1960, o número de estações de tele-
. visão aum~Í( .- e 15 B:rrªFiJ;>-, ,J~e representa.250%. Durante o mesmo período, o
número&~~:}f . ., os de ~ Í.(:,:· "''\'fios lares brasileiros cresceu exponencialmente. Segundo
uma/~ti, .'.:.(~J:,;~~~~lva, havia 45 ·,;'{;\.,
m.'f -;~:[
-'ões de televisores no Brasil em 1970 contra os meros 78
mitim:{,i;<f.::Q'~~~-..
;"~·1
958 (Matto,~;;.
·f. •.
;;,,J ,,§2, p.32). O processo de modernização evidenciou nítidas
.,,,~{~'-'!-~¾\;; ~f .
.

. ~Im( trias regionajsS


_> '"'..:..<.~;J;'-:·:~·{:r .fr
~g'.fijUe
, -:.r ~
se refere ao desenvolvimento humano, à infra-estrutura e
.· à t~ênologia. E ·. ,.0, a taxa de alfabetização da Bahia permaneceu um pouco acima
l>t . ~frt
t;;:,:·.t. . .~-40%, ao ,~~:fh.
R,
.
;~SJ.Üe mais de 75% da população do Estado de São Paulo sabia ler e
~-.~;"
- - - - .· .''14}
6 Os dados {Qt,. -.--~;_
.:.,,,,;,,_.) etados do Sétimo e Oitavo Censos Gerais de 1960 e 1970, conduzidos pelo IBGE.
', .·.

65
Christopher Dunn

escrever. Apenas 12,8% de todas as residências baianas tinham água encanada, 22,sc
tinham eletricidade e 36,65% tinham rádios, ao passo que ot mesmos índices para S~
,.. ,::;:; -~i:: ·\
Paulo eram de 58,5%, 80,4% e 80,5%, respectivamente. Em 1~7'0;,,.:pratica.mente a m, .•, ~ •:"t-, .,

tade de todas as residências paulistas tinha televisores, conpiii"#,~has 3,3% na Bahia.


infra-estrutura do Brasil se desenvolvia rapidamente, m~\~ fdhna desigual. O regin
abandonou a doutrina do desenvolvimentismo, com ~~;qir~tesse pelo prógresso soei:
e adotou um programa de modernização conservaqf?_i~;qJ~ privilegiava a concentraçi
,-.!~-,;~>~ ~
de capital e os avanços tecnológicos (Ianni, 1994/ 4">.lJl).

oooooooooootfJ;:''t~
0 001D-'ST·t -A .a.Ai'l;., -''';li-ffl0D-'i01D4ID-'
_. :~1~}:•-·;f
Os dados estatísticos citados sá~?/~m~ssivos, sobretudo ao considerar que os :
tistas - que mais tarde articularia.ui"~ ; ~ento tr~.f/i~jsta - nasceram em pequer
cidades da Bahia, no Nord~.t-A:lQ)3:rãfil. Por ter aq_pi}½~-~ maiores plantações de car
de-açúcar da era colonial, 0') 1tti~}ordestino f,9.li~privilegiado cenário de Casa-grm
& senzala, de Gilberto Fr~f~ -"4Ü~ defendia{1:f-::a{çq~preensáo
~--, tt..:·,t~;__..
das relações sociais encr,
1<;i-.-"~•f~· . :; ;

casa-grande e a senzala,q$.f~-'1irn modeloi~t~:histórico para a cultura e a socieda


brasileiras. Os ffiOfld~~»as cidades µrod~'t:is costumavam perceber o sertão COJ
um fim de muRHR~,~~ p~brecido/f~~r.~ ~:-4f / fanáticos religiosos messiânicos, bandic
sem lei, coronéis,infpfãcáveis e ~ ~fuse de camponeses miseravelmente explorad
i"-- •
Na década d~fiJ:-2
. JO, vários esêti,t.9)k~;riiodernistas com interesses regionalistas e soô
;~y:- ··~#~ -~~~<--
realistas repr,4§,eniàram o Nordêst6 :rural como um local de nostalgia por um mun
,i·i,''f'..~;,;(~' "-t{'/,-5,{·.-_.
patrimoaj~ perdido para a~ctêhlizaçáo e a urbanização, ou como um local de abj
:,;'\;;::t-'tr, J/ ·"it.Y.::~ "'
pobr~ {~'tnjustiça levarn:lià,re~olta social. Artistas e intelectuais progressistas do iní
_":t.t, :[;;,:,,::::·:r .-1 ~ ,.~·:t;;.,...
dos ,i~i,~s·'6ó - especialrli~ ~~faqueles filiados ao CPC e às ligas de camponeses - evo
Vf.U~i-;N ordeste rur~(ra~ô um símbolo dos problemas sociais endêmicos do Bras
. ,'-~ ,J~paridask§_
\:~t·~~t·~·
,.,~ ~:·~-,/sia
~~~~fs;,½Jém de um local de autênticas culturas populares que po
'"-~'.•{;.-;..:~. ••:·, ,:-.~r 1

",,,/,r,•;fi~ 'sér úteis pãrti~w,i•projeto cultural nacional-popular antiimperialista.7


~J\ ,-.,-~·3'1"': . ,-1~.

:.;;$\, ·•,~~,- O grupo {ijf ~~icos baianos, que mais tarde lançaria o movimento tropicali
1-tJ'f({}{,,~), mantinha íiti1~,_\culo ambíguo com o Nordeste em relação a como a região era vista
,k %!tt:,t\t0 cidades .qf~lesenvolvidas no Sul. Eles se sensibilizavam com as condições materiais
(1:ttf· quais ~ ~oas eram forçadas a viver e sentiam-se motivados pdo projeto do CPC ,

t:S.:,?.t,
.::~\--~~ .-.. ·t; .. .
-J'J>;iii uma crítica sobre a construção do Nordeste do Brasil no imaginário nacional, ver Albuquerque, 1999.

66
Brutalidade jardim

% tros movimentos sociais e culturais progressistas. Cosmopolitas, liam revistas do Rio


ão , Janeiro, acompanhavam o cinema nacional e internacional, esctt~~:i-m as rádios e se
te- inspiravam na bossa-nova, Enfim, também estavam ansiosos para , ~~;cipar da "mo-
A . dernidade" e suas várias manifestações no Brasil.8 Depois de se - :( .~'..':f.~- para o Sul do t:dK~,., •.'
1e país em meados dos anos 60, ocasionalmente expressavam irr". · ,..~r2~m as percepçóes
tl, estereotipadas do Nordeste como uma região uniformeme~~"~tf~ e empobrecida.
lo Os futuros tropicalistas vinham de diversos conte.x1;e_s1~,gfts e culturais. Tom Zé
(nascido em 1936) descreveu Irará, sua cidade natal n _:<:i>~'.t~It·· da Bahia, como uma ci-
·,,
d.ade «pré-Gutemberg", já que lá a troca de informaçj' , smissão de conhecimen-
to dependiam primariamente da comunicação orfil.f(,Jpai
,.,._,..,.:,
·t inha uma loja de tecidos
em que Tom Zé. passava o tempo aprendendo ~m, .as conversas entre os clientes locais:
"O balcão da loja do meu pai foi a universtr'.d~ftiais sofisticada qué já freqüentei"
r- (Dunn, 1994, p.l 16-8). Caetano Veloso (1,f'''I», · ''em 1942) e sua irmã Maria Bethânia
as (nascida em 1946) cresceram em uma ~ / ,':;ti tla classe m,~~,.baixa em Santo Amaro
a- da Purificação, na região litorân~ 1co~9iâa como Baiano, ao redor da RJtê~~~;;~
ie
1
Bahia de Todos os Santos. Ao co1f ' .
~<'.{~/
evocação
.f •'If;.'h.;.t_::;··t•
.a
Zé faz de Irará, Caetano 9M~ll~~
a descreve sua pequena cidade na . ·•·, ·. tnô um lugar ind~'.~s jovens ouviam bossa-nova,
:,.,~. ./f; _.f . ,;, ~,1 ·; ;;~f//f
le rock 'n' roll norte-americano .,~ ''" .·: timos bolerql d9:Cuba e do México. Era possível
i~.-v,.. .. -.,~I'!>-=-:. . ;.-.<e::'

lO se manter arualizado com as,Jêndências do ciné111~P:!francês e italiano. Como diz em


·.'.JF.. ··:..f:.\;'~L:."~;;
::>S sua biografia, Santo ~ aif~1,pâi~éia ofer . .JfciÍmente de rudo para o adolescente
IS. Caetano Veloso; "Ali á:tf&~~tf o sexo ge1!ci,.t ·· · Lastrada, me apaixonei pela primeira
u- vez (...) li Clarice ~i;~pector e - o \9i4,~;i'i l~{ffeiais importante - ouvi João Gilberto"
lo (Veloso, 1997, p.zi'1''•··,~ berto Gil (~. '" ··•..·.··'"em 1942) é de uma família negra relativa-
ta mente privilegiad~· ·, tfiasse médi~ ',(B~1P;~ era médico) e passou a infância na pequena
10 cidade rural <;tl)j¼1,çu antes d~;'t:t~~.ffi'.\rdar para Salvador, capital do Estado da Bahia,
a- no início q~~ ~ f so, para es~•.;,..filt Na década de 1970, já envolvido no movimento
e da conss!!ii:~tJ}negra, Gil g .,.. ii f ku nos seguintes termos para o ]ornegro sua vida fa-
,;_~/ .~.:.r.,,(;,:., 'í•''i. .- .,....,,.;, .. •

e- miliar:.·&~f}fflilho de.l rn1. · .~ ifia mulata emtto.dos os sentidos. Meus pais são mulatos
de,. ~fti('?''B~psciênêfü, .it,:\;::tfulrura, puxando pro lado branco. Quer dizer, buscando
a, e ..... j pá.ção da fagiJ.ía f,.:a os filhos através de toda uma padronagem branca da so-
as /.J;i. ' . :dé.9 A fam' ·
.,:-:;.~~:•=}:~:l1·~
·:.t·~;.Gil
ocupava uma posição relativamente confortável na ordem
-~:r•
as ~~<s9~~0-racial pe •'''.'· .; ta e não confrontadora evocada pelo famoso samba de Dorival
~t~~y./ >~

le

8 Veja, por,,, ·,, .º' o relam do próprio Veloso sobre sua formaçáo intelectual na entrevista "Conversa com Caetano
Vdoso". · , to de Campos, 1974, p.201.
9 Ver G ~~'~ il,]omegro 2, n.7, 1979.

67
Christopher Dunn

Gilbe.F,,t~:-;,, :.:(acima) e Caetano Veloso, 1968. (Paulo Salomão/Abril Imagens)


,:.,~~,.

68
Brutalidade jardim

69
Christopher Dunn

Caymmi, "São Salvador" (1960), que idealizava a Bahia como "a terra do branco mu-
lato/ a terra do preto doutor". José Carlos Capinam (nascido~~ ,1941) é provenient<
da cidade baiana de Esplanada, e Torquato Neto (1944-72) C.f, ~"'\ ¾;~m Teresina, capi•
tal do Piauí, antes de se mudar para Salvador para estuda.ttf ~. . 'versidade da Bahia
Do grupo baiano que mais tarde elaboraria o projeto tr ;<''., . iit;, somente Gal C ost,
(Maria da Graça, nascida em 1945) nasceu e cresceu , ~~dor.
Como a identidade regional representa uma imaç:· • e dimensão do projeto tro
picalista, cabe discutir a especificidade da Bahia· .
,f-:,1,j~',:,1:;~.Y
; 'f}f~lição ao resto da nação, ben ~~-

C0m0 o contexto cultural do Estado durante +-:-~ g,:íím~~Uql?em que esses jovens músico. f1< · ':'·:•. }··

e compositores atingiram a maturidade. Salvi d.~~tia Bahia foi a capital colonial d<
Brasil de 1549 a 1763, quando a Coroa ~~~µguesa transferiu a capital para o Rio d,
../"' 1: ~;]-:;p
Janeiro. Sua economia colonial se base · , jfocipalmente na produção de cana-de
açúcar e dependia de uma enorme f• .,".. _} rabalho composta de escravos africanos
Quando o Brasil conquistou a inqt P;~dfhcia, em \ª}ft,;~ cana-de-açúcar tinha dei
xado de ser o centro da econqffii l~gnal e a Ba.b,{f;&r$~~u em um período de lent,
declínio, tornando-se cada /fiif.fi'· k!' marginali~ ~l:~ ,relação aos centros de pode
político, cultural e de pres~* ô.JÍ~ Sul do
'"'~·.f•:,:jl,;;
longo da primeira metade
:,,··
.Pf~t·;:J1'o
.y ,i v
de
século XX, a Bahia foi lL®' _I'iferia provi~tia~; permanecendo à margem da mo
y/_$··2 •;· ·
dernizaçáo urbana t;,:· · · promoviçla pôf'Vargas. Com a descoberta de reserva
de petróleo na B~i't'l ((:' __ o·~ os Sartt~ i#g_da de 1950, a economia baiana volto1
a se recuperar, con · tiJhdo com <¼(;h r '_i ôfaação e a modernização de Salvador. En
.'c-;i,!··, ·:/

sua maior parc7ti~frR.ntudo, a cid$4~,:~ -wiinuou sendo uma das capitais estaduais mai
pobres do Br~ 1 ,~ij'm marcad t'€}'i-gualdades entre uma elite minoritária, compost
·-r~st-':f:·,:'."'-. • ·, ·
principalmente ête brancos, y.;f!-, .1 - aioria pobre, quase toda negra.
:/;· ~-;: .,.~;~··." -~t,c

No i . J rio nacionaj~~; ·âfila é vista de forma contraditória, Entre os moradore


do Su,Mifll à esenvolvid~~fr~-- . ieótipos racistas muitas vezes representam os baiano
co1,tfa ·:?'.;; ,. ·çosos e mlf~~;-:de lidar com as demandas da vida moderna. Ao mesm,
te~f)t~~'Bahia 4,.r,0-t;,;~p~fu como o lo&l de fundação da civilização tropiral brasileir
,· 1 i8~:~ ~ c o; '~~~J?!&i de arquitetura colonial, praias maravilhosas e cultura popula
.h:;; "· herante. .Aqp:ia d~,.tudo, a Bahia é considerada o epicentro da vida cultural afro
'<~if:1~~:;~ . ·;~{{k. _,..~:-··
··'\:'~t asileira, ondg;~ifgiram o candomblé, a capoeira e o samba. A vida cultural da Bahfa
particul~ ~t~{h~ capital do Estado, ganhou reconhecimento nacional e internacion:i
com os ,' '·"t~ osos romances de Jorge Amado, as aquarelas e esculturas de Carybé,
foto~ ~ . i ''Pierre Verger e os sambas e modinhas de Dorival Caymmi. Dezenas d
~~~>-~_ ....~;-
suc~ ~hdo rádio das décadas de 1930 e 1940, de Dorival Caymmi, Ary Barroso, entr
·-?1>:_-_··},:_.;~ .~ :
oíl~W:*t' éxaltavam a beleza natural, as delícias culinárias e os poderes místicos da Bahia
70
Brutalidade jardim

À medida que a Bahia entrava em um período de modernização industrial, Salva-


dor desenvolvia um dinâmico cenário cultural, orbitando ao redors;âa universidade
local e produzindo o que Antonio Risério chamou de uma "avant-gi~t
;.,:, \"-.' •-:-~1..'.
i'ia Bahia'' .10 <

A Universidade da Bahia foi fundada em 1946 sob a direção dert 1Ijitf Santos, que ( ~:__ "'\' .(°:°f,·

atuou como reitor até 1961. Um humanista tradicional compróm~ido ,.,.' ·,~.,.-;)·
com o desen-
volvimento nacional e regional, Santos acreditava que a uni L, } de deveria assumir
um papel de liderança na modernização da Bahia, tanto ~ ' ·:.,;:s;'! R'tolvimento urbano-
industrial quanto na "desprovincialização cultural" do ', . ~;~sério, 1995, p.35) .
. i/;\
Para atingir essas metas, o reitor investiu substancialm .· ácé'a de ciências humanas
e recrutou artistas e educadores da Europa e de outr ' "" giões do Brasil para abrir
faculdades de música, teatro, dança e artes visu1~t fl~;t,
Caetano identificou dois eventos emblemáfíifrnsLd~ vibrante vida cultural da uni-
/ .i~~'.~~ :~~. ,:' ~~)}
versidade quando estudou lá, no início da ;J s_?(~:a de 1960. O primeiro foi a ino-
vadora produção de A ópera dos três Bertolt . , ,,,,~t, dirigida por Eros vin,f ns:::H;g·
Martim Gonçalves, recrutado por q,l{fo,t~;J~\os para el,~;.9r~i1um programa teatral
-~~~:\; :-r :-~,;,f~tt~ ··~"'J\J,__
em 1955. A produção foi encenada?il"as ,punas do~ · · ·ae:@astro Alves, um teatro
;):~<,?• -f?ti· ·,

moderno que pegou fogo um dia f~',êúª inaugu~i¼•. ?itffm 1959. Gonçalves trans-
formou a tragédia em uma ocas{"',:; ·v· s~ encenar a{jfB~ dora produção entre os des-
troços sombrios e queima~§ ·ª~~~i'fstruçáo. Q .ou~?i~vento memorável envolveu a
apresentação, por Davi4,]l :,;;~\ .
,· -~t.".,·',l':
1

··.,:•-"=~
J;
música1i~ : ·'tii \:le John Cage para piano adap-
~- ..,;~·.-·,_
,

tado e um rádio, que era t~c ·~:r~sim que:,ffein..fõ'~utor dizia "Rádio Bahia, cidade de
Salvador". A identifi9_-~ ,. diária da es'~ ç.i ~ t:íii-ádio era incluída aleatoriamente na
composição, o que sÍ,.,.
,-:~..r~1.,. .,
kamente S!:~~~Íi\J:t cidade na vanguarda musical interna-
-~-;.-';._",;,(".

cional (Veloso, 12~7, p39-60). .,Ji{h~:t,,e;:Wt


Esses event?si{~tbilitaram o ~~~;l~~imento de inovadoras faculdades de teatro e
!;t.., --~--'.'f.:.'!>~....1·= -~'-_
;_-..:_, ,.,._~%·:
música na Un%;\{~rs}ciàde da Bah:i.i;;'.~ )heados dos anos 50. Essas instituições reuniram
e trein~j · ·"iil artistas quef,~t~ente seriam importantes personalidades da vida
cultural b'''' ._]., :,a. Váriq§JU#~~§:~ê.Gonçalves, ifor exemplo, mais tarde dirigiam filmes
~-. ·-..-:.1>.·'·_
·'':·>.\ ;,,•,:

do e· "-ai( ~b. Glaub~i_i-;;~ çha (1938-81), nascido em Vitória da Conquista, no sul


da ... . ;}f-!t ornou-se ~ ,~ ~rtante personalidade nos círculos do teatro e do cinema
~.ftl!;sifitdor no fim ~ !tti~da de 1950. Em 1957, fundou a revista cultural Mapa, com
.,·, .· :t,;)/-~ .;J:_;:. .;:,, ·;..;{(_.,
. .. _·,•bwçóes de Jj;~tf.;\G baldo Ribeiro e Sonia Coutinho, que mais tarde viriam a ser
à, aqwroados escri~~s~e ficção. Em resumo, durante a década de 1950 e início da de

'''.i!i/f f 't!it['f!.
10 Para um~hl,~!:iaéulrural de Salvador durante a~ décadas de 1950 e 1960, ver Risério, 1995. Ver também Maciel,
1996, e êa"jJflitln,
1998.

71
Christopher Dunn

1960, Salvador usufnúa uma vida cultural extraordinariamente ativa e produzia alguns
dos artistas e intelectuais mais importantes daquela geração. 11 ._;f \\1r, .
Em 1955, a Universidade da Bahia fundou uma escola d~•.
i,: ·!_.l ~:~~-\;~?tl· .
sob a direção de m~liôà
Hans Joachim Koellreutter. Refugiado da Alemanha nazista...-:ii',~
1,K.ot!liêutter
·.;.•:l,'."t.··
foi para o Rio
de Janeiro em 1937 onde criou o grupo Música Viva, dedi&a~M! técnicas de composição
,:;ft..•, . "\ iet':l
dodecafônica (sistema dos doze tons) de Arnold Scho,ênl5ê.iig. Na Bahia, treinou um
grupo de compositores antes de ceder a posição em }& ~;:~ ~âFErnst Widmer, que fundou
o Grupo de Compositores da Bahia, incumbido d~{~ · ..., :·_ experiências com a música
,_.._~ --.:.~~~-..::.~·/•

de vanguarda e formas locais afro-brasileiras (AP.V ·•;;'I'Q$3, p. 163-4). Tom Zé foi um


-·~ {:,

dos fundadores do Grupo de Compositores dá ' -~~ =iia enquanto fazia pós-graduação
em música entre 1962 e 1967, antes de se -0,t~~ para São Paulo e direcionar a carreira
·>:t,ri,... t~

para a música popular. Nessa fase, Tom Zêt;~bém estudou com Walter Smetak., um
iconoclasta imigrante suíço que monrifi:;)êq;; oficina na universidade para construir
instrumentos-esculturas com materiª1s .Ío~l (Campos,i;.'i~Q:8, p.85-9).
ir {Ú i:\·~~~, ---..·\~
Caetano Veloso estudava l{flt>sdiak
f;,..1: ' ....\.1··i,....
fia universid;~êié\:~•
..;;.,;"/, ,;.;
circulava no meio teatral,
~

acompanhado da irmã, Maria1jefü~ia. Gilbertq!~f~~ dava Administraçáo de Em-


presas e cantava bossa-nova (!ljhi'bifE ~e festas. passou a ser conhecido local-
-'~·>:f.-; . _~{•
fJ~:té
.l :,. -~..,r~-~
mente como cantor de bqit { @:isãtíricas des~i~ g~ê se apresentou em 1960 em um
show de talentos locai~, ~
il?,~i}~a para o suces;~t;;,'{ransmitido pela TV Itapuá, a única
estação de televisá~:,~?:~,f àd~r na ép~f,ff:;~ !ti~rodiou o programa com uma música
chamada "Rampa;pátá:til}fracasso", t,tJllá;'~.êferência bem-humorada à rampa que dá
acesso ao palácio,Rr~sidencial em~B,f!~Mt ,~(ver Dunn, 1994, p.112) .
. /:,~· .,:~:~'!, .. ..,.... ~~!</'} ..

Em compar~ o.Wom a regiá?,~~céff~o-sul do Brasil, mais industrializada, a Bahia


era pobre e "arr;]'íH~", mas
.,:,\•, .
n&.;.f;;fjfJ\~--
:~,Jg~a
completamente isolada dos avanços culturais
~ y

nacionais ef~ ~i r;p_acionais. U.~ i 1~ '.p' rimeiras composições de Caetano Veloso, "Clever
•:.. ,,. . .~<•- ~ l'i--_--•1~-

Boy San1ira'";::;
{,;,t,·t,
s.tígere que Sal~ -:;;~_;.;r,,
çlor 'estava se transformando em uma cidade cosmopolita
com qi.,tgJ6ta. oferecer a.,.~ ?,~ p irante a artista. 12 Na canção, Caetano não considera
~,,H~""'•. .,.(\';''\ ~i ~ •'i~"t,
comf~~~de,
. :1-..- .
·~~
m.·';:,,:,
~ . s,~;.,,-~,.,,.,,
~ ;-.,f õ:f.ti
..
ironia e hUW1or, a localização periférica da Bahia, como
~11~ ;F 1eferên~1i~i'.i ri' filme de Fellini e à música popular norte-americana: "Mes-

-ti!~;; '.~{f;, , /\:>-, .,r;t·


;-l};;,;.J·f.{0 u tras importan~Jfi§,V,tuições
.- ,~_.,... ,1,~f'~...__ ' -( ~--._·-.
acadêmicas e públicas foram estabelecidas duranre esse período, incluindo uma
~L ,t

'_-fi~ escola de dan~,frlr~g~a e? Centro de Escudos Afro-Orientais (CEAO), dedicado ao estudo de relações hist6ricas
i/ ••\'i:f/: " e concemporâ:R~ eiitl'e a Amca e a Bahia. Mais ou menos na mesma época, o governo do Estado convidou Lina
~t~;~:;_i_:,i_{Ji : ::u~_~l:ifl;;,~ ~~~~ª;ut~:~~~~~i,a lp~ ~áo Paulo, para fundar e dirigir o Museu de Arte Moderna
3
' 12 A músj4 il'
~t,.f',i.,
(:;f~ ~ Boy Samba" nunca foi gravada, mas Veloso a apresentou em um programa da 1V Manchete na
com~~ ~! ~? de seu 5()Q aniversário, em 1992. Para a lerra da música, ver Caetano Veloso completa hoje 50 anos,
Fo{J;l'#..~ Paulo, Ilustrada, 7 ago. I 992. Uma versão ligeiramente diferente foi publicada em Calado , 1997,
p.i 'H 1;:i'9.i

72
Brutalidade jardim

' mo subdesenvolvido/ vou fazendo a 'Dolce Vira' [...] adoro Ray Charles/ ou 'Stella
. by Starlight' / mas o meu inglês / não sai do 'good night"'. O eml:f · supremo da
·• modernidade cultural em "Clever Boy Samba'', contudo, não é esw~gçíf b. Caetano
0

: conclui a canção com um tributo ao baiano João Gilberto, dizertJ~Jt1j~ nio é bossa-
;. __ , . ,, .~1t~-\~ ..,._. .
. nova/ nao esta pra mim . '~i'?f;,ti
Naquela época, a bossa-nova tinha inspirado uma gera eira de novos mú-
; sicos por todo o Brasil. Os jovens baianos se reuniram ªS\ ._,., , 1p10 como um grupo
- -~w+•·~.
;:}::-
'. de artistas dedicados às inovações de João Gilberto. Eàl;\f~P~:tº de 1964, Caetano,
, Gil, Bethânia e Gal participaram do espetáculo mu~f t;f:lds,c:fp~r exemplo, no Teatro
Vila Velha, um palco alternativo em Salvador fundaddt~dr estudantes universitários.
Com o sucesso do show, fizeram uma segunda a ·· .. ração um mês depois, dessa vez
com a participação de Tom Zé. Em novemb,r _rupo produziu outro espetáculo,
o Nova bossa velha, velha bossa-nova, uma rél~ . é: . da tradiç~o da música brasileira à
luz da bossa-nova (Calado, 1997, p.5f-3)Í{~ n;,)~dos os sh: l?'"''• (t epertório se dividia
entre clássicos da bossa-nova, comn_~)~9.: ;%l~ginais e s~ \... , ássicos dos anos 30 e
~!f:'\':;)~{?:,N.-"-,$.~, '.': . '·'"<1~j,_i~:)
40, de compositores como PixinguiQ:'na,,~~oel Rosa ~lit~ ~,.;Bi rroso. Esses espetáculos
·.!:.J•~•·_'•:•~ - . .:. .:,r ·.,, .c,:/'·

, lançaram a carreira profissional do;jg~RO de artis~? ~~~êÍidando-o na liderança do


cenário musical local. O crítico'"; ~ : ·~g
Carlos cJI B;s,ffb exultou: "Pela primeira vez
houvera contato direto do ' .i.WêiJ,._q '\~1blico co1:0:. caiÍtP;es e músicos que criavan1 um
estilo novo, ao sabor da;~i·~ ' ,verdade, ., •· ;'\::: '"';~gnado de baianidade [...] havia
o aspecto cênico, a correção da ilumin;;içãq_lr"ô jtfe-en-scene, tudo conjugado para dar
uma impressão de cq~~to,
,;;.;p </,f:
fruto d&l':--''-:~. "'>-::·,:::,,:\,·
~4f~ado
.
trabalho de equipe" (Coqueijo,
1964, p.6-7). Vários 1~~/~ mais tard~4$Màti~Bethânia foi convidada para participar
de um importa11JJ:,,~ve~~o culturaL ?,;?~f36 de Janeiro e os planos para outros shows
foram suspens9 /" "" • nidament~P . , ::,;;

;:~~;1:~; , ,,:tf;~~
0 (dJU,t~ 0PIRIA- ~;i il:> ({Mll0 (ULTUI.OL D41 .(Ç~U.(10.0
~~ ) :: ·; ~eir • :~~f Paulo, o teatro musical assumiu um importante papel
~ "êijrúra de prot . -.Mediatamente após o golpe militar. Depois da supressão do
~.iB~''vários de .s~::-:p~iricipais dramaturgos formaram o Grupo Opinião, um fórum
t::
1 41r,/# a anicul~t;·,.,,:~ fdàrnente uma "opinião" em um contexto de repressão política.
· ''t,k'b debate in•~êi}õ\i uma exibição de arte, a mostra Opinião 65, que apresentou o
trabalho .~i?~;êhs artistas esteticamente influenciados pela arte pop, mas definitiva-
1
mente c~ { ·. metidos com a crítica social e política. A primeira produção do grupo,

73
Christopher Dunn

o Show Opinião, foi um musical dirigido por Augusto Boal no Teatro de Arena,
apresentando Nara Leão, reconhecida vocalista da bossa-novãft~,o do Vale, cantor
e compositor do Maranhão, e Zé Keti, sambista das favela?f~t\: @b de Janeiro. O
Show Opinião deu início a uma série de apresentações · :,gl f po~ Boal baseadas
em um formato similar, combinando a música popular -~--- ' \ frativa dramática. Be-
thânia, Gil, Caetano e Tom Zé participaram na prodiiâ- i~ ~Arena conta Bahia, de
., ~e ....,.,
1
1965, apresentando tradições musicais do Nordeste ' . .,,'\§t produções encenadas se
'·'
alinhavam ao interesse da classe média pela músi' ional, principalmente do
sertão, e aos sambas das favelas do Rio de Janei;,5:Zl~~ tr épbca, os estudantes e artistas
·=.:• ~:;

da classe média do Rio se reuniam no centro da dtmêle, no Zicartola, bar-restaurante


do Cartola - venerado sambista da cham~#fi.tl;cçlha-Guarda - e de sua esposa, Zica.
J(s'\, ··'.•:,
Com a supressão do CPC, artistas e atiy· \f11,'ii-t;buscavam, dessa forma, manter o con-
tato com a cultura popular da classe op-::, -à. .
-l•?r; ~:-,~ i<~~f~\-·,:-.
O Show Opinião foi estrutur?-d~io ~~- br das nar:f "'°'i v~;,pessoais dos artistas e de
suas opiniões sobre a cultura e,;-::;ç::{:,;--;.:/':l~f-
i .r,PQ~lf~1fho ~'-·1: ,.:t
Brasil ci~J
·
·.•porâneo. Na estréia, no dia
l.ôf~.:"~-

11 de dezembro de 1964, o esê!c!s/o foi adam, ·' · ·: amo a primeira reação cultural
21
de impacto ao golpe militar ef;c a transfq~, · ·,tt2.?·~ l
de Nara Leão, até esse momen-
to uma discreta "musa da b;: ,.. ~~à', na no\rl ,v,qt rda música de protesto, sinalizando
. '.. . . ""i,"%c.:'i·
o esforço consciente dQ.f · '"i~ de esque~~a dei êaiirmar aliança com o povo. Ao unir
o sofisticado grupq;y ":\,::. ,, .,da burgd'ês~,'.!~ l~~ com músicos de origens humildes,
o Opinião buscava r~tôm ~, o espírit ftâ.~·~@PC. O programa do show anunciava: ''A
música popular.,~1.ft:@!J.to mais ex~'i: . ... · q uanto mais tem uma opinião, quando se
alia ao povo na'.i~,g;.i ção de nov, ,_~"2R~1menros e valores necessários para a evolução
social, quan~iimantém vivas ~~:f@~i~ões de unidade e integração nacionais. A música
'<~"'"/''Õ; .}. . :>:X '···Jt-J:~;"t
popular ~-·.•• .· .e ver o P½~1~~;-/ ómo simples consumidor de música; ele é fonte e
razão déi':fuJ ~ict (Buarq4~:~i,t~1.;!-follanda, 1992, p.32; Damasceno, 1996, p.135). Os
·, -:.~-:;,;,;.1.. :.,. •-', :":' - --~-

p rot~óti!itãs do Opíniti..$':/l{tn. representados como a voz popular da nação, colocan-


./~,t -_ !/t5 ··•· ·::.;(}_:-}i' 1

d? \~~}tament~:z:f?:ÍS~~ffieiro plano a•unidade do povo contra o regime militar,


,., .· ~B\empo ~~!~~}; ignorava as diferenças entre as classes (Damasceno, 1996,
\ -~.
..~ ·/.:~ . •. . . ·.
~\t!B:T'~-6). Em um p'~nt~?do roteiro do show, as desconfortáveis diferenças sociais - que
Ã, · •· · ,:,"/~:.";.t~.;: _.;~\:;;>..'.,,._,--:&,t,,
.J~i:?f~§;êparavam OSj~~~~áS·da classe média de seu público-alvo, as massas -vêm à tona. De-
~;:::. t-:··; ~4?·-~t•.J ·-<:.
• ~I;tf;t1pois, quandq;l~'ãrâ Leão explica com fervor seu recém-descoberto comprometimento
1

.,~:•r:~~:s;:{~~.
-1-
3A_ uw_
,-.,;.,,,.,.,Y;,....
) p= ~,? J\;1ais tarde dirigiu dois outros dramas musicais, Arena conta Zumbi, sobre a comunidade de escravos
forag!c,ªi:\~,,.~ século XVII, ou quilombo, liderada pelo herói a&o-brasüeiro Zumbi, e Arena conta Tiradentes, que
ap~ i ~va a história de um fracassado movimento pela independência nacional no final do século XVIII sob a
liderança de Tuadenres. Ver Campos, 1988, e Anderson, 1996.

74
Brutalidade jardim

com as apresentações públicas como uma forma de confrontar o regime, uma voz
em off sarcasticamente questiona sua sinceridade, lembrando seu '1,~ef,_jgree burguês,
--'\_lj -,~\ '1.,

sua residência em Copacabana e seus vínculos com a bossa-nova. /' .,,Nigüídades e


complexidades do momento são rapidamente solucionadas, co~ttl ,,._.- ,,
, ~l
.
quàndo Nara . , .,.,',/,,. ,

Leão começa a cantar "Marcha da quarta-feira de cinzas" (C:~f-4fX;Lyra-Vinicius de


Moraes), um hino anti-regime que proclama a necessidade;,{ ·va de cantar (Da-
~ . -::;:-;l\:-/ ~'.~~
masceno, 1996, p.131-2). J,1{;;;;,,. · º·
A música mais aclamada do Show Opinião foi "Car~ ~4-;,,:àg~p
?.:r:-~,.,-:.
do Vale - José Can- e•,~,

dido), que compara a ave de rapina ao Nordeste do tf.. ;;:Ê lit'i)ficou particularmente
famosa depois que Maria Bethânia foi convidada para''~Jbsfituir Nara Leão em 1965:

Carcará, pega., mata e come


Carcará não vai morrer de fome
Carcará, mais coragem do que hont,'ein ___ __{i:lt_\,i;li
/r-11 - ,;,.:•]!;;,,f .sJfH~t~ttré·.·
A ave de rapina serve de metáfof}tp~ÂJos campo~s:§Ji[çôrdestinos que precisam
lutar constantemente para sobrevi · - ·;, gt~~rtão. N~oi., ~~j!guindo lá sobreviver, são
forçados a migrar para as cidade&*'s, 'i'tt~erpretaçãol "' _j ; ~hânia, incluída em seu pri-
meiro LP, Maria Bethânia (~:26-~lili t~na em ~ c~.~-s~~ndo dramático com uma de-
clamação indignada das pi r,2ê~fag~~s de mi~ ,')~fci~çados a sair dos estados nordes-
-:::,,{.., _.v·.•,,-:'.••~•.-· _.:·. · .,• ·. - 'lo,

tinos mais pobres. Apes~ â'~--;,~1i kção não §t ré .'êrír diretamente ao regime no poder,
ela representava uma .~B~ contundetiry;,'! (R~1:Sreza rural. Como Bethânia é baiana
e tem uma voz poterif~,,_i :l rave, sua UJJi;~fltação tornou-se muito mais eficaz que a
de Nara Leão. A irmã d~-- Caetano g~J õ:~siderada uma rústica cantora tradicional e
não uma suave ~:ibt~
'.-~ , _ A :-:J,' :,,,,,w:
de bossa-~ {; ::~i~ arcarâ' consagrou um novo paradigma para
r ·.. :? ·,·,:•li!'.,~;~

a música de t?,;f.~t~ib, mas depdi$½\ii:r\;,'fornaria um fardo quando Bethânia optou por


seguir novQ§J\'wi~ss artísticos,,:; '6, 1997, p.74).
Vários/~~;~s obseg~r,~".;: ?·i o
Show Opfniáo dnha limitações políticas e esté-
ticas,._ '!?~pJigéntava 1õi\~~1fco representações romantizadas, celebrando o povo
eng~_,:::.~ ' i~a,- luta revoltl~~o~~ia, ao mesmo tempo em que ignorava a verdadeira crise
V./:~r.";Ít/ - . '*:~,-'-;. .
~--

dii1WJfttta progressis(ifi!i j~loísa Buarque de Hollanda oferece uma reveladora reflexão


- -. ,-,.'.'.;{ sobre o sh,* ~i{l~ mbro-me de ter assistido ao show de pé várias vezes, arre-
'.fri::;1_ P!~~ de emo~1if~,ça. Era um rito coletivo, um programa festivo, uma ação entre
· '\tl{[1sà'ínigos. A pl~ft~~;lc;:chava com o palco. Um encontro ritual, todos em 'casa', sintoni-
. ,. ~~t ~-- .,.
~

zados secnt , ,,,. te com o fracasso de 64, vivido como um incidente passageiro, um
erro info. :_ib - o e corrigível, uma falência ocasional cuja consciência o rito superava''

75
Christopher Dunn

(Buarque de Hollanda, 1992, p.35). Outro crítico mais tarde descreveu o eventc
como um "rito religioso" no qual estavam o "palco e a platéi~~.r,wandados na mesm,
fé" (Mostaço, 1982, p.77). Ritos alegres e redentores, como.;g~:;J :;;t how Opinião, ali-
viavam a decepção coletiva das platéias progressistas. l:,1;{ . tt ·
Eventos como o Show Opinião costumavam atrair __(!iit\ p~blico social e cultura
urbano algumas vezes chamado de "esquerda festiva''i ~Íp~sto em sua maior parte
1
de jovens estudantes, professores, jornalistas e ou ·· ' :f"-;1:l ~tas. Esse público tambérr
passou a ser conhecido como "geração Paissandu'"i~~, ; ferência ao cinema perto de
1 centro do Rio de Janeiro, um dos principais 9,õ~~i~"'â'e:\~ncontro da esquerda festiva
Em alguns aspectos, esse grupo é comparável "aõ~:ff írculos da nova esquerda surgid.
nos Estados Unidos no início da décad3: Jf&1,},~60. Apesar das enormes diferenças de
contexto, a política de esquerda nos g~1~f1g;tl;es era em grande parte centrada no • , • • > · -~ -

jovens e extremamente crítíca em ref·, . ,' organizações esquerdistas tradicionais


i-.,,._ -~\ ' , \ . ···,

No Brasil, muitos ativistas pós-19:tJ4 r9h1peram co. . Il?irtido Comunista Brasilei


ro, percebido como cautelosri ~~J ,,,rt'trfi1sta demai . 'p,15i~ida pelo regime militar, ;
-?t•t?:-f/· - . <t:--;
jovem esquerda se voltou parit;,6 · .. ''testo simb,Q;l,i~2,. pifr meio de eventos culturais. J
esquerda festiva era sintom<iiJ ;'.J~
crises pqJJt\ti ·:'' : existenciais de um setor jovem 1
relativamente privilegiad@li~,, ,/'
~-· --~-~t\~~\:
,j'..
~Ji~--~JS·
it
No fim da déca~ _"' _ ;': ''da que o .feginJ:f' militar se mostrava cada vez mais ar
raigado e represst ' 11>_,.se~timentb~~;:~~ ;tia substituiu o otimismo redentor d,
.,,, meados dos anos..60. JiH í 968, Ruyfi€ as.,,.,._ ,· publicou um longo texto autocrítico sobr,
r
~-
.,.~
a "geração Pai,j~~u" no CorlJi~tff/fM anhá: "O que me faz ter certeza da agoni
dessa geração ,,:,_ Ji svaziament . Js'.§~ús mitos. Aqueles papos intermináveis depoi
'. ~- . ~. ..

do filme, _qge, varavam ma . s, acabaram se convertendo numa meia dúzia d


,·é•,'-' ·'?<~·J,'.,.". .

express2, ' · ,::'/# de tanto u_,t~i,JJerdiam o sentido [... ] Era como passar o tempo rod,
enqual1M1 ~-a realidad~-:tf~i},-;,rb das formulas aprendidas na faculdade. É preciso faze
,:.;,_;,):';-.:'.'.:, ,;f -,h;;

al~ x, disa, mas faz~í, __ ".nê? Como fazer? Enquanto a gente não responder a essa
. . . s van;\i ~,.f ·~ti;~pbs masturban~o em mesa de chope: protestando, protes
; ·pt.o testandYJ~'m;
.., da mais" (Castro, 1968). Em 1965, quando o Show Opiniá
tíi:t¾,_ ·..·'a grandes é'~ pttrsiasmadas platéias, o golpe ainda era em grande parte percebid1
,.,;-, j for muitos f~~ il.istas como uma aberração passageira ou até mesmo uma tentativ
desesperai ~âi!l ifupedir a revolução iminente. A história ainda parecia estar do lad,
;~f ~-::~;:-.).
das forçâ$tfii~gressistas. As angustiadas observações de Castro sugerem que três ano
mais f,á ~[}1confusão e a desilusão começavam a se manifestar à medida que o regim
mili.~~f~ tensificava a pressão sobre a sociedade civil.
-:lt}:J~\tr ·.

76
Brutalidade jardim

No início da década de 1960, os artistas da bossa-nova desen {,,,.y_

dências distintas, porém nem sempre mutuamente exclusiv~ ii1vma' orientada para
o samba urbano de raiz e vários gêneros "folclóricos" rur~~:~;:~\itra que acentuava
:.~· ;< •• 'i"

os elementos urbanos e jazzísticos da bossa-nova. Artist~ _,J ~gtõ Carlos Lyra, Sérgio
Ricardo e Geraldo Vandré admiravam a bossa-nova, 'ffii:''"•., iam que seu conteúdo
lírico e formato musical eram distantes demais da viçl,~ .,;· · a e da cultura do povo
brasileiro. Esses músicos desenvolveram novas tencfê, -. f
'\ rfl---
b~eadas em tradições mu-
·
sicais do Brasil rural, especialmente do Nord~Je,,. Devido à constante preocupação
com a injustiça social, a pobreza e a autenti :( _,, €"'cultural, essa tendência musical
,,,, ,,..,t,:'lt,,:
costumava ser chamada de música "nacion,1· · Jfàrticipante". Depois do golpe mili-
tar, essa tendência proporcionou um mod,~l~
;:!t ·, .
-~i;
a músicat:;:_l:~i:Pf?testo.
·./"-":)<,,· .
Outros jovens
intérpretes, como Elis Regina, Jair i~drl ~;§fe Wilson s-:?~6-;t~:' e grupos instrumen-
tais como Tamba Trio e Zimbo Tr(~J'di~~hvolveram Y;1 » ;sa-nova mais jazzística.
1

Juntos, os músicos de protesto eii t~'.,; ~fbossa cont!ft=1im uma "segunda geração"
da bossa-nova. Chico Buarqu~:{Jizl~bllanda sui;fli.i"çBfuo o mais aclamado cantor
e compositor da bossa-noya ii'i i_"'},,, nda geração;t:t-&t composições bem elaboradas
que incluíam tanto o liri;~9-}61hântico "~9. ;. ,,çtltica social. Apesar de ecléticos e
heterogêneos, esses artifi~ttil~am em c~gi,;, ,, ;jcompromisso de defender as tradi-
ções musicais brasileiras . ,.
dos
.
efeitos q~' : f"!:14~ç~$opular importada, em especial o rock
·,, - /\1:J. .•-::';r">!~---

'n' roll. Essas novas " · ções da bo~'á~'ºva evoluíram para formar uma categoria
musiéal conhecida cõ o Moderna .~~ApsPopular Brasileira. No final da década de
1960, essa mús,i~Thp ªssou a ser e ___ ., - :d~ simplesmente como Música Popular Brasi-
leira, ou MPJ~';í(t:ff~jft" /${~
Quan~2,~ia Bethânia f~"_:- _ idada para substituir Nara Leão no Show Opinião,
:<~t••-~:~-~-r\. ~-y: ~

ela foi a~lBJq:;Je Janeiro a ~ hada de Caetano Veloso. Gilberto Gil recebeu o di-
plomf P,~~~hjversid~~"- . ·\• . ia e foi trabalhar em São Paulo para a Gessy Lever. Os
tr~r,•, · ''~arama d.Ç$en-y,qf\rer a carreira artística no Rio de Janeiro e em São Paulo,
~.,-~<~,~ ·-·.:· ·f.l\-:,,, :-rst0
9J:1,;[ ~{fµais tarde fo_ < -,,J cômpanhados pelos colegas músicos de Salvador Gal Costa
•rt:T41n Zé. e pel?,s::~i::t:l~
., ,_ ·_
·1~·;';~\.t,;.·,y
-Torquato Neto e José Carlos Capinam. Esse jovem grupo,
;\i.i~ "-:~
, ~9nliecido cow,i ;_!&.!11Pº baiano", se identificava com os artistas da MPB, apesar de

'itrw{iff ;,~~'ti'"
14 MPB n~oi~i/im{e.5tilo ou gênero de música. É antes uma categoria sociocultural que se refere à música popular
urbana;tfe'Stl~e
. ,·:,;,~_
,
média.

77
Christopher Dunn

Caetano Veloso e Gal Costa se mostrarem menos entusiasmados com as estilizações


do jazz-bossa e a música de protesto. Outros membros do gníJ?@_ baiano tinham mais
afinidade com a música de protesto socialmente orientada. G.u ;·,a ~pinam e Tom Zé
tinham participado das produções musicais e dramáticas em Salvador e eles ~i :~' ~~'
trabalhavam com formas musicais e temas líricos do sert~ 1,y::: -6;;,rque havia se tornado
-. ,.,. , ... ··,,;/\tl
uma prática-padrão na cultura de protesto. {;;J/-'".,i~t · ·
Do grupo baiano, Gilberto Gil era o mais env,~l~a'0it om a música de protesto
~-:,)::{~':(•' ,
e com as tradições regionais nordestinas. Tendo ~f~i · · o no interior da Bahia, sua
"'!•--!~

primeira influência musical foi Luiz Gonzaga:-i~l·?;\, ,)itantor, compositor e sanfo-


nista que conquistou fama no Brasil inteiro n6s=f~s 40 e 50 com o baião. Em uma
entrevista em 1968, Gil disse considerar z~9,~zaga "o primeiro porta-voz da cultura
marginalizada do Nordeste" (ver Augusc&r!tt~):ibpos, 1974, p.191; Gil, 1982, p.25).
·•.·. . .i<-..,-,:,:

O primeiro LP de Gil, lançado em f'.~~~1i)ípresentava canções sobre a vida social.


~,.r,. "'.,'t; "':::~''

cultural e religiosa do Nordeste rur,, , é8iri foco nas {~itJtJildades e injustiças perpe•
tuadas pelos grandes proprie\, ío{~µ:tils. Sua can · \ '.,; fframundo" (Gil-Capinam:
,:~~~. ..- .tYL~~;::-,. (,\ / ·,,,
fez parte da trilha sonora do ffiWfê]}'e mesmo ng ·-- ·_-Geraldo Sarno, que retratav~
as dificuldades de um migr~~-~,~~fdestino emt~~9.,,> aulo. A canção de protesto mai:
1
estridente do álbum, "RoQ.a5
,., t.:;.:~ ;;
iM~~ta enfatic&e~(l"Seu
.,,_ ·:1- .
moço, tenha cuidado/ corr :<-~.

sua exploração/ sen~9, ~ ~,J ~~:'de presen~e / i~


tlffcova no chão". A canção "Procissão'
:\~::•.'f, · ·.'1,,.,;1:.-.-1 / .•.;:+ · f ·~

celebra e questiof\t /'f~jeÍigiosa do5~lttQfi€Ses, ao mesmo tempo: "Eu também té


do lado de Jesus i 'fgl, ~ acho que ,~é·,1, ~]iesqueceu / de dizer que na Terra / a gent<
1

-·'H ..
tem de arranjar_,µ m jeitinho prài':w,y __ ·,·;: maioria das músicas desse LP exalta o povc
,{.t~.i-~:%:;.\:. -. ;;.-t{'.i:-J~.. •~.- -
rural como ag{§, ,.,, ivo da tra11-.~1órfül,~ção histórica.
Enqu~~? GiÍ'r~ia às ne~~iiàlies sociais, Caetano compunha canções em sua maio
ria sobre cW._ ~
1
_ existenciai~/-, _ riência do CPC, o golpe militar e a cultura de proteste
estavaIJi!-i~ ~ipf~tamente a~;,têtdo
álbum. Caetano acreditava que a segunda geração &
bo~~;~;tinha apen ,,, .-· '•,~~êntado slogans políticos a uma versão diluída da bossa-nov:
,,,·, :'º'J à mús1 . . , ,:"~nlãf' do Nordest<Jtrural. Seu primeiro álbum, Domingo (1967)
~ ~~ ~ k
.JiHit1.,_, õt om Gal· .., ,,êra em cercos aspectos uma releirura melancólica da bossa-nov,
;,,J:·;;~ ;p rimeira fasef,C:On;,!;:$Üa ênfase na natureza, no amor, na angústia pessoal e na nostalgi,
·'"f~J1pelo passado. _ ":-,,;, 'J;l~to, Caetano também indicava que sua afirmação da bossa-nov;
ortodoxa ~, }•~· ,:, rdúdio para experimentações mais radicais. Na capa desse álbum el1
afumav~?i1~~~ a inspiração não quer mais viver apenas de nostalgia de tempos e luga
res, aQ~~~~o, quer incorporar essa saudade num projeto de futuro".
,~~~F~ mesa-redonda intitulada "Que caminho seguir na música popular brasi
lei;,a~;~Hfoblicada na Revista Civilização Brasileira, Caetano criticou o que considerav:
. ··•·;':;->

78
Brutalidade jardim

.·. ser uma utilização esteticamente retrógrada da "tradição" musical, em especial o samba,
e na música popular brasileira. Citava o exemplo de João Gilberto con\t;,,~ artista que
_utilizou as "informações da modernidade musical" para renovar a J;,,;.:Q' da música

ibrasileira. Caetano não defendia um retorno estilístico ao som e¼.'. ,,.J ,,.&nõva da pri-
. meira fase, mas um retomo à linha evolutiva da música popula:r1:~~ff~ira: "Se temos
- .,:•$,·•. . ·~~J}'>
.•· wna tradição e queremos fazer algo de novo dentro dela não st '.tE"t'~os de senti-la, mas
· conhecê-la[... ] Só a retomada da linha evolutiva pode no~~i t~~ organicidade para
·• selecionar e ter um julgamento de criação. Dizer que samE; ·,. , ;se faz com frigideira,
;; . ' -(~'i_~ "i

· tamborim e um violão sem sétimas e nonas não resol, · · tQ. :e mà' (Barbosa, 1966,
p.378). Anos mais tarde, Caetano se distanciaria dess/'11~> teleológico e programático
à "evoluçãó' na música popular brasileira (Fons~sj~~;~;:93, p.29). Na época, contudo,
ele invocou a "linha evolutivá' para criticar a .• 'J{bva da segunda geração, porque
considerava folclorista demais (i.e., a música:/t:N~festo) ou pretensiosa demais (i.e., o
jazz-bossa). A intervenção atraiu a atençã~, • -11~~ta concreto.,~ sto de Campos, que
mais tarde escreveu um artigo de jo;~1¾1 _efõ'- J ifido o jove~ tru;q:§i~~ baiano. 15 Conside-
..,:-~:~• _.,..A' !\;":\'":!/!':

"J~o
l

rando que os poetas concretos havi:ffil.ii\'{f _,., entado se literário de vanguarda


como uma "evolução crítica de for~';,-iiÍ~ surpreen _· Q,IJcg;Augusto de Campos tenha
;t..: .; ·' t/• _-'ri\ · --~t:·_;:..:i~}~~
identificado afinidades com a cdt •.• · i ".Caetano. ,··
/~\
'-~r•·· >

10v.c:m c.1U11~~ 1•10c1 W# .,JÍl1R0 00s .on0s "º·


.:/!';:;;-;, , Ô}'.~:;~t}tiilf
Quando CaetanoY~ 9g#bu sua. crít~~ :à'"MPB em 1966, a música popular urbana vi-
-· :1.: ;._,i~ --~~:'::_:-.:::-:-~·;: ,·

ti.
nha sendo acome!,ipa por conflitos ~~g.?'il'.tias correntes adversárias. Artistas da segunda
~ti,t~!~li? ._ft ··.;_;.tt\~?_'
geração da boss ,, •'" i~se posicioqµ.y~ 'l:omo guardiões da cultura nacional contra ar-
tistas que ehorme sucess8t~ ~ êrcial com o rock 'n' roll abrasileirado, conhecido
·11>~1r,- .• -!i:>..,'y' ~1.-"',:c.',,._

como iê-iê-piêit(~à referência.~~ti~ião do grande sucesso dos Beatles, "She Loves You").
);,,.-.:.;: ";;:!·-.;; ::if:,•. "?;'

Para mllltf~J:~yens que,sreitt~wtlom a bossa-rfova, o rock 'n' roll parecia comparativa-


/ -~~-f •:, . '":~.;?'.:;''.'1--.· ·}:·.t.,-:~;-'°\•ft -;~,/~
mentFt~~&:,§.oB'fficado. Elesi~ psideravam os roqueiros brasileiros imitadores patéticos e
..~.,.~..-..~',.-<!: . · '-'.' 1·

eqlli·,'•''J1 êtos, sob a inst~osJ1influência da hegemonia cultural norte-americana.


965, Robertq;~los - rapaz da classe trabalhadora do Estado do Espírito Santo,
'.Jfhorte do Rio - tinha se tomado o incontestável "rei do iê-iê-iê" e

15 Augusto ~ ..os, Boa Palavra sobre a música popular. ln: Balanço da bossa, p.59-65. Os artigos de Campos
sobre a w' &pular brasileira durante o final da década de 1960 foram originalmente publicados em O Estado
de São Pá orreio da Manhã.

79
Christopher Dunn

o líder da Jovem Guarda. Augusto de Campos argumentou que o movimento constituía


uma nova forma de "folclore urbano" que se apropriava "sem v~ &':mhà' das tecnologias
modernas de comunicação para ter apelo popular (Campos, l~.Z4~ 1!R:-~62). A música da
,; / t;.(~";l,,, -_,.,...

Jovem Guarda se baseava no rock britânico e norte-americanojJmiis1 ilàmbém tinha raízes


i¾J.-.- . 1 ~d,I..1•/t'

na tradição das baladas românticas remontando às modinhasi,br~tleiras do século XIX.


.",.'r'"··
A trajetória de Roberto Carlos - de roqueiro rebelde eW:ji,~ ~dbs dos anos 60 a rei da
!::,;,~ -;j:,'.

música romântica na década de 1970-pode ser situaq~rfi;:t,;ãdição da música brasileira.


No entanto, os defensores da MPB denunciavam ,. ·· · .Guarda como inautêntica e
politicamente alienada. Alguns fãs e críticos musi,,ii · · \am a perceber Roberto Car-
,u·
los e seu grupo como agentes ativos do regime m ·(Napolitano, 1998, p.99). Entre
1965 e 1967, os roqueiros brasileiros se toro,., . alvos da crítica nacionalista.
Em meados dos anos 60, a televisão tirtit .,,"tornado a principal arena das batalhas
culturais na música popular brasileira. Jr~t;~ês de televisão em São Paulo e no Rio de
Janeiro competiam entre si para atr~6§l~~p~ctadores ~1tt;;Frogramas musicais perió-
dicos e festivais anuais. A TV ~0Fq11d~:São Paulo,( , . •,., ' ~s'cação mais popular e seus
•.~(\}" -: ·;-,· •· ·..t"l:1-· · :· /' :::.(·
índices dependiam em grandétP.~ } ~ - I
_o sucesso ~ç,,'' _, ._s programas musicais. Caeca-
.._.•1';:f·'/:°;.:_
'.•: . -,..._.

no Veloso obteve destaque ~~tt?I!~"'pela prim~f;{·'~~Z em "Esta noite se improvisa",


um programa no qual os ~ {~pantes co9(;:~ ' entre si por prêmios, cantando
músicas brasileiras cop.teijçl . _) na palavra ot}j~g· escolhida (Calado, 1997, p.114-5;
-t~~t•· A1~?.:·~·:>~;~J
Veloso, 1997' p.13.? ) :c,, ;\grüpo da ao redor do programa da TV Record 11!1~"'.~l~~~'ª <, ,,_~..

"O fino da bossà' /'qÍfê~Jieçou a ser.\t r~~itido em maio de 1965. Apresentado por
Elis Regina, o pr_~$!ama trazia c~p.yi~~i~$ que cantavam acompanhados pelo Zimbo
Trio ou outros &i{P~?
do jazz-bosf};}1;~)~;fprograma de Elis Regina, mais tarde chamado
simplesmente JJ}tif5
fino", aj,,1,f;~i~}l ,'Íançar várias carreiras, inclusive a de Gilberto
Gil, que n,jl~t-ss, apresentoli:,, ,;;,,,1<;,jU,nho de 1966 para cantar "Eu vim da Bahià', uma
afirmaçi~ 'iil&illtura regi . ;; :t~nhada com a tradição de Dorival Caymmi.17
N,, ;<'"•' . " o período, l '~'t,1,-,,[êo Carlos comandava o próprio programa na TV Record,
o "J:! '., ,
Guar~;,~1~hi~~iJ1,entava estrelas em ascensão do rock brasileiro. A Jovem
_-W~fl':ê~ grupõ'~~JB' competiam pelos primeiros lugares nos índices de audiência
"jffi p.~ ados pelo Irisnrqto' Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (IBOPE). Para o
11
,,_,,; ::: ~:~ ~pero dos
:,.t?'.:.-\*~~!_:: · . ·~~2( e·~~{t:i
1
íti~
àa· MPB, a Jovem Guarda era um fenômeno popular, que atraía
~}:,,"_jjum número, ~Jtwe de fãs entre a classe baixa e a classe média urbanas. A imagem de
·~·-"4tt~;?f.. ~~f:.. ·~•-}'
.1t-:·
l{~
. ·,'.-~'

./~~;;z~t~~:~it:-
16 G~vã.~ originais desse programa foram compiladas na coleção de CDs Elis Regina no Fino da Bossa.
17 M~~~ naquele ano, Gil apresentou o próprio programa, de vida cuna, "Ensaio Geral", na TV Excelsior, em
~ tiê~tativa fracas,~da de concorrer com os programas musicais da TV Record. Ver Calado, 1997, p.100.
··•·"~:, :,

80
Brutalidade jardim

uma rebeldia jovem, porém apolítica, projetada pela Jovem Guarda ~e tornou extrema-
mente útil para gravadoras e outros fabricantes de itens de consum2:;"7q~ebuscaram se
,~s.,{-., v· ' .,

beneficiar do crescente mercado da "cultura jovem". Uma agência df~,~!ttidade de São


Paulo, a Magaldi, Maia & Prosperi, comercializava uma linha ,çpni~lêta de vestuário
inspirada na personalidade dos ídolos da Jovem Guarda (Mo~~:;j~QO, p.95, 100).·
Os principais proponentes do rock brasileiro vinham de~1J.as da classe operária :f,Ú" •'-'· ··

e poucos tinham nível universitário. Em uma análise per ,;; ,·, J·ã ;s distinções de classe
na música popular brasileira, Martha Carvalho observoiiís';. !oberto Carlos se voltou
para o rock depois de fracassar como cantor de bossa-nqflrt~ a~fu-entememe não tinha a
"sofisticação e a educação" da maioria dos cantores dl ~ssa-nova da zona sul do Rio
(Carvalho, 1995, p.167). O grupo da Jovem G ~~t~r,também incluía jovens cantores
e compositores negros como Tim Maia, que ~Hf ;;c~mo cantor do rhythm and blues
./-''~· _<·? i-~:·~
(R&B) e do soul depois de passar um perí~cfu[~~~!:Estados Uaj5Íos no início da década
Lt:{_:'\ ·.f-t:.:/~'-._ -~J~·k~";::
de 1960. Outro artista negro, Jorge ~en;:k qpl conquist9~~~êesso e aprovação com
.~;;:!;./- ·f·:j,:,'t·s~~ -:,· . ,~X- .... ~'1:r<~
suas fusões sui generis de samba, bq~~;:nliy:Fé R&B -, f~ }ipl@ialmente recebido pela
-.:,:.;f ~.-i~;;;:w•~~ ~t·-: -.. .·-.· . ., •-=::~::::~t
bossa-nova de segunda geração, c~,s g~jo a se apr~f4It,tho programa musical de
Elis Regina. Depois de aparecer n<;if:íif?üama da Jq:y~t:gÍiarda, contudo, foi barrado
/< ~';~;;(:.._:~J::-}:~ ,}':rº: •

em "O fino" e afastado do caníf,\ t;,<Ía''MPB.


:íl~,~. \~;:~-:;:,:·
As
i\;.;:?.y,,'-'"
~§.Q , da Jovem Guarda tendiam a
,.
evitar críticas políticas e sdç· 'JittR#:ivilegian,do :ffe abq{çlagem dos temas do cotidiano e
4~?t·
1~:' t."'.~---.,
das aspirações romântiçat:~ii ,;vens urbanôl}~d:~,~'i'élasses operária e média (Medeiros,
':-' .. •,_" \· .-?·-- .-~;.J,•~
1984, p.48). Bravatas masculí:iias, libera~ se;ual, roupas da moda, carros extrava- .,.,.-_~- ~J;;y '- -~<.;-?

gantes e festas anima,~{i,~ am temas tÍpi:92,$,\i[{~ músicas da Jovem Guarda. Apesar de


~-~~ ~. './•>: :t~ :_,~tr~:-..
os roqueiros cultivat~,fi rna image~r1~.~rêbeldia contra as convenções sociais con-
servadoras, eles ~bém viam a 11}\µ&i~:teomo um paliativo ao conflito político e às
;.1}/ ",:~v- .__ ... /\\_ "··-~:r~~
disputas entre,iJi . ,., _. . O proq,jfãt\Çàrlos Imperial declarou: "Nas nossas canções,
não falamos "lJim;ttde tristez~h;::~~9-~r-de-cotovelo, de desespero, de fome, de seca,
de guerraJ &óm6[ sempre uriÍ~fiÍ~nsagern de alegria para o povo ... 0 iê-iê-iê aproxi-
.• ...~--~~-- !~J-,{;f/ -
mou °,~w,,_ :-[ os pais}t,;lgf~i.:íÕ o diálogo mais possível" (Leite et al., 1967, p.86).
1;.::~."),:,,.~:.;;.· .., ;i1•.·:.=·... '··:•:(•".::;': .: :· ..

O fil~V[~trces'so de Rohêtt(i>Carlos durante esse período, "Quero que vá tudo pro


•-,.•.:;j ,•:,.,.·•. <

inféi~?;;~qé
~:{~·..:;;:
um bom .•~~\'ei~:Q:Iplb ._,,.., . ·..s;',l;::-.
das músicas da Jovem Guarda. Parte do apelo da música
.~~tl~'tia expressãQ,êc:.:,~;t,; ~pendência emocional e empolgaçáo que se aproximava das
~~fências mais ~;-;:· idas das bravatas masculinas: "De que vale a minha boa vida
''·pl,ayboy I s~ if t~Jifno meu carro e a solidão me dói?". Conduzida por um órgão e
urna guitarr~~ ir~iJca, a música revela um lado sensível e vulnerável do herói mascu-
,.;-~;:.=.-.

lino, que s~:~tt~{naria a marca registrada das baladas românticas de Roberto. Carlos na
'i1;j,
f.•; h,

década süfi's~qüente (Wisnik, 1980, p.21).

81
Christopher Dunn

Apesar de os músicos populares nem sempre se encaixarem plenamente em dicoto-


mias, houve um considerável conflito entre os que adotavam o :iõ\\,.e os que defendiam
a MPB. Um rápido olhar pelos índices de audiência do IBOPij:d:i)§l:,6 a 1968 mostra '~ ...~•(',:!~\ ....

que os músicos da MPB ocasionalmente chegavam à lisq::;,:2fo'$;,r,tz maiores sucessos


normalmente depois de festivais de música televisionados,''m_ãs,,;~·rmalmente eram su-
~)F~;~~._
...:,_ .·-"*-~~~~
18
perados por cantores pop estrangeiros e estrelas da Jms1P1-' f uarda. Havia um senso
1
·:~:\;.;.:·., t.i,:;J·
de urgência por programas televisionados de MPB . ··•. · · if'ao extraordinário sucesso da
Jovem Guarda. Em 1967, quando "O fino" começ~= . , er audiência, a TV Record
,;:-:1 . _· ,li !'

lançou um novo programa, "Frente única: noitê-"'~iit, ~Íca Popular Brasileirà', apre-
sentado coletivamente por vários convidados, i~d~ do Elis Regina, Geraldo Vandré,
Chico Buarque e Gilberto Gil. Essa "frent~"t.'~~e3." da MPB foi inaugurada com uma
demonstração pública em São Paulo con\fji~;t;;fluência da música pop estrangeira (Ca-
lado, 1997, p. l 07-8). O evento serviu 4fi;~f~
.,.~-~-- -;•,i~/f:{,'
exemplo_ notável de como os termos da
.~;::'!/!\;_.
resistência política tinham sido tranifêri4,p~ para a lut,. k!:Ü1~al. Mas o gesto antiimpe-
..-1(,,-,. '.e:<'.-': , ..,,,,,.. ,. •
rialista imbuído de ideais elev~{;f S~'™m eclipso 'ações mais rasas e comerciais
relativas à concorrência no me . , "' •;·, o entreteni,GXent6':r televisionado. O maior bene~
. .fiJ;:~,;~:.' ' · -fi~· - _);\:-'' o-.:.~.'.j}J,
ficiário do conflito foi Paulo · ' ,. · hado de Carx ·.• '.: iP.proprietário da TV Record, que
lucrava com a rivalidade efi~;:, facçóeÍ{~f."~~ estação. tâuas
A prescrição de G.il' )ft'~ "retom~ a
1
evolutiva'' na música popular bra-
'\/•:,_ -~_d- si;; ;_ ~~:);.
üµ't;
V~~'.{
sileira foi em pa.rwt. .. _ação ao sÕ:iíg+~-ento de um movimento de rock brasileiro
com tamanho apd~"'"k rrífssas. Apes~j,\i;J&<identificar com a bossa-nova e a MPB, ele
era atraído pelê{f~~tm Guardaf~Q:~$iiâ'fu fenômeno pop. Enquanto muitos artistas
~r.,.t· t;.:·':) >'-;., ··-•.:~,-~.--',\:''

da MPB consiij~~~~m a Jovemrt~~;frcta uma aberração, uma suspensão da memória


popular e .~ .ª traição à culpJt,\~_,'.fttftional, Caetano a percebia como uma expressác
de mod~- t~;::,~·• , e urbana, .,'. · , :i ?àe não apresentar a sofisticação musical e poética
da MRiil%,s·Jovens arti~j&i({t9diam absorver e transformar o rock, da mesma form2
cor~i iti.!,J iiventores da{:':. .,•-~nova se apropriaram criativamente do jazz. Na quali•
,~•t/.t.. 'i/,:; .~ ·'tl.h...:_~.. _:
dqâ'êtc~~fídolo d~tJ,µii'4w;a~ e fenômeno•da mídia nacional, Roberto Carlos tambérr
··:·- ·, "~~-_:_,.;};.~-- ' •,,:!) /'-"f_':. ,;(>:
J!f¼f,;;. _ - :v"l'os cantÔf&ti,e•· rádio dos anos dourados dos quais Caetano tanto gostava
,t¼1tgifmido era um~;garô,t-0 em Santo Amaro. Desenvolver a linha evolutiva significav~
fa,Yrf'.{i:f~tomar o hisii:ti~Í.;musical brasileiro, mas também se reconciliar com um.a manifes-
r~.- ,.taçáo cult 5:f\tti~ de enorme apelo popular.

,?•:.:~í~f?:~5t~fi-
l 8 As}~ ,semanais do IBOPE incluíram repetidamente sucessos dos Beatles, Rolling Stones, Herb Alpen, Franl
S~ã~ªf,, rry Adriani, The Mamas and the Papas, The Monkees, Johnny Rivers, Lovin' SpoonfuJ, Mitiam Makeba
,;~~)\edaing e Johnny Mathis, ao lado das celebridad.es da música pop brasileira, como Robeno Ca.d os, Agnald<
'J1itit5i:fu, Wilson Simonal e Wanderléa.

82
Brutalidade jardim

VIV-A V•IUA: 0{ l-'STIV.fll{ D" fflÚ{l(.fl T"L.(Vl{l01N100{


·---~;.t

&\~,;~~,StN~' -
Na batalha pela exposição na mídia, a MPB recebeu um en~tflle:;t ~pulso de uma
série de festivais de música televisionados que cativaram um grm·"'·,_,µblico de meados
ao final da década de 1960. Os festivais brasileiros eram , ~p_Ífados no festival de
. ".:(,".''l'./·;;{.:f°?.:-·

San Remo, da Itália, e no festival do Mercado lnternacj~h ~-·ao Disco e da Edição


Musical (MIDEM), da França. Diferentemente dos ropeus - ainda que ~efi~x:::~,...:
também tenham sido concebidos primariamente pa_;Í::~~f~sêfitar novos talentos aos
profissionais da indústria musical -, os festivais brasiléf.fbs eram estruturados como
competições de músicas, com prêmios em din~~i' ara as melhores composições,
letras, interpretações e arranjos (Tinhorão, 19.iJ;ttir,rl75-6).· No clima tenso do Brasil
·.q: . -' •·'·

pós-golpe, os festivais televisionados se tonu't _,,,. .}' meio mai~Jr-i-portante para que os
músicos da MPB promovessem sua múst~ ei;t 'fn alguns ,S~~~{~t egistrassem alguma
, #},. .~~t.'~:; . ,_: ·c-jf/. ~.:~•Y"""1f..;;::\,.
forma de protesto. Para a platéia q """'. · ·J tt"áo vivo ao · ' ~rt'tós e que era formada,
em grande parte, por estudantes de e J~}fuédia e p~~ - Há.is urbanos, os festivais
também proporcionavam oportun' . ;,:·,,d e expresi.i j/~i~·i rências, muitas vezes com
matizes políticos. No estúdio, ~/ltí~!~ª se organizavl !w~orcidas para apoiar os artistas
preferidos. O público dos {~fif~j'.1geralm5.,~ t~(:lie ºijynha à Jovem Guarda e à utili-
zação de instrumentos ~~t:i~,~~ Os festiv!i.ii ;z ,... ··· '"percebidos como um meio para
•~..... ,,i':'.)~;;.-:-~l.i.~?'t~~:.'.. _ ~. '< ._.":t_,? \
a promoção da "autêntica'' mfüica brasileif ~ ~ ,?diada pelas massas e eram também
extremamente lucratiyJ·· · ara as estaçã~ :.J f&tªf~visão, que, durante as transmissões,
registravam regularmf ' · tos índice$,~:l /1liaiência do IBOPE, e para as gravadoras
(especialmente a fMips, uma mul :,;'" "•?;:i0àl holandesa), que produziam compilações
,:12-.::'·'tf.\~· :.. , . _~·•"é• -:t
ct .
·.

de vários volurr.i~ J:12i finalistas _1val. Esses eventos também tiveram uma sig-
nificativa infl ,,:?-', ~iit~obre a for ' ·-J~ MPB, levando à consolidação de fórmulas \ia
para a "m ,.,•.-~\, ê-festival", qü~ . .,jornalista caracterizou como "uma estrutura na
forma df,,.
,~ -·-:;•;,
.'~"ia (um ,, ,,ifit~i~,uido
·\':f:~1+ ' ."','\;·•
por allegro até o clímax final) apoiando-se em
orqu .. pomposas .
~1..
·,1.~:- -:~;-.
eiro festivalftglevrsionado
' ,~.t..~
foi patrocinado pela TV Excelsior do Rio de Ja-
-~j'.-_,,

~~ir~tiffi'
~+--t . :-~'·:t
1965. O e::Jl8J~'.it presentou uma geração de músicos da MPB a um público
, .~;; /·:~~~:!:·-~';:
~ ~dor que ulti,i~,,,~ !iva o restrito circuito universitário, o de clubes noturnos e o
;:~ ... _1d teatros. Elis ·' ~,' foi a grande atração do festival, pois ganhou o primeiro prêmio
i•.'.~!~t~;;~;i/ ,/iil.:·:-.. >-Jt:.

----~:i;'"f
19 FranciSCQ'~ f§WÔ Doria, De vaias, festivais e revoluções, Correio da Manhã, 6 out. 1968. Ver também Miller,
1968, p.236;7>"'

83
Christopher Dunn j
i
l
pela interpretação de ''.Arrastão" (Vinícius de Moraes-Edu Lobo) ,.- uma música sobre l

a vida material e espiritual de pescadores do litoral baiano, com11tçf.erências ao can-


domblé e ao catolicismo popular. Na esteira do sucesso do gp~t~l~b
½:·,l:' ·
,t( Ar
da Excelsior,
estações maiores e mais poderosas também organizaram sel\t..le~~fais televisionados.
Os dois concursos mais importantes de 1966 a 1969 for% ~lf ]frestival de Música Po-
.c{r··., -~i~..
pular Brasileira da TV Record, que apresentava apenas a'.f.tt~Sf brasileiros, e o Festival
Internacional da Canção (FIC), transmitido pela ~ i ~&bo no Rio, dividido em
compençoes nacionais e internacionais. .
1.tf'iFo:. --.•~;ç-·•· .',;::t
iç~h-;:.l'1!~
Em 1966, a TV Record patrocinou o II FestivM,;W~Wüsica Popular Brasileira, pro-
Excel~tõ'f. 20 O evento consolidou Chico
movendo-o como o sucessor do Festival da,\\!-.,,
Buarque como o principal cantor e comg~1'ítt\,/ da nova geração e também impul-
~zi:.;.~ .• ·
sionou Geraldo Vandré, o maior propq,p,-<!.'p't-l{'da música de protesto, que se tornou
;-r ~-JQ.t-{~ ..!
conhecido no cenário nacional. Os ~f,?is}jgl{1ns cantor_$l ,~ -compositores empataram
em primeiro lugar, apresentan4,q'?. re5.}?;-~ypvamente, "A~~âiidâ' e "Disparada", exem-
·\..::'1 "L:.?_•l.✓ii; , :}-~-;.,;-~$'/:, ..

pios complementares das prim~!~~~~jnposiçóes da•i~ t!3? O Festival foi um enorme


sucesso e relativamente livre d~ fPnt'fbvérsias. OgJ'pf~~fpais divulgadores da MPB se
:,~J S:'i•' .; ~)··~· . ~:.:
beneficiaram nitidamente , _g étt~S~/i"to, como triâ'.ê"nélam os índices de audiência do
IBOPE de outubro de 1.9,Gdt~J, -ifais de 1od~m il'cópias do single "A banda" foram
·i!'·" -~)~í.~~......,;~ ~'. .--:.
vendidas na semana qq.'5r1_sl ..teguiu aç;,,F eyval1~ Chico Buarque se tornou um ídolo
; ... ~ .. ·~ 'l..f:!":.,.•.. ·~:•. , ... t"":--
nacional praticamélittt ~ít:lp.oite
- , •;-:.:;
para o_'i:il\J,.,.$fy'Íotta,
..
2000, p.113). \~~~-

A composição de Chico era~,.~o~$.B QPservou Walnice Galvão, uma "metamúsi-


ca" com come1t~lr~~ sobre a ~ ~1~,~pular na vida cotidiana de pessoas comuns
:-~"K ·•:-•. 1 ~/ ·!:'.•-\,; ....,~,

(Galvão, 1976, ff.\r'f3). Nessa câftijr, à música se torna uma força lúdica para aliviar
}•\;_;., ) ~;<;,/

o peso da .~)éJtçncia: "A miqij·~';g,t;.n te sofrida/ despediu-se da dor/ pra ver a banda
;.~~..,. '-.1. .:"':-·/ ,t;.-:;.r - -•
passar /,..~filnHo coisas 4~1.Jffi:br". Uma simples marcha, "A banda" evocava a sim-
plic~~l~\it uma cidad5:,;~iiR~leira do interior, bucólica e pré-moderna. A banda mar-
1
ch~\ip!a
t\--~,~~~~r
1
ia um ,·,~espaçp
/" /~r..
i9pico no qual_ as pessoas podem sentir por um momento
;;,-f:•: -.•-r~ •

µtii0:- pf~r coletÍ;zyq~,; h_pijãr de ''A banda" não ser uma música de protesto, ela impli-
-:l'~it,cui'ente se ref.~re ~:~ a ordem social opressiva, interrompida pela alegria efêmera
='\1;;0;_~~':-~ . ,._. , • ·'r:·~;~, ·~0'
-,-,,... ,,.aa_ musica pofil1d~

,,,,~::, ·• ~!i;t\f1
20 A T\k ~cêls1or também levou ao ar o pr6prio II Festival de Música Popular Brasileira, cujo vencedor foi Gerald
Vs1;_~t\t~!~Qm um samba lento, "Porra-estandarte" (Vandré-Lona)_
2 h~~)Y~peras do festival, "Esqueça", de Roberto Carlos, concorria com "Strangers in rhe Night", de Frank Sinatr:
Âõ'<fi&iJ do mês, os dois tinham caído consideravelmente na classificação, ao passo que "A bandà' e "Disparada" :
revezavam no primeiro lugar de uma semana a outra. Ver IBOPE, "Gravações mais vendidas", 24-29 out. 1966.

84
Brutalidade jardim

Em artigo escrito em 1968, Galvão identificou uma estratégia retórica comum na


iMPB na qual os artistas evocavam uma futura redenção política e ~â~l?J. na expressão
• ~4
fªum dia virá''. Ela argumentou que a retórica da música de protesto a ,. · 'ih. freqüência
:.cm um "nível mitológico" que contrariava a atuação humana ~;9t~ ,,,, constan- ig~
ente a ação no aqui e agora por um dia de redenção im~~~jp (Galvão, 1976,
.,r,,."'i,.'1,:_~t~;-.'--.·. .,..,
95-6). Um excelente exemplo dessa retórica foi "Dispar%!:a"';~,tle Geraldo Vandré
, - "-t •:~)i;":~\f:'·.
,(Vandré-Barros), a moda de viola apresentada no festival ·· ··· ,, ·:iír Rodrigues e o Trio

~
,/ Novo. Utilizando a voz narrativa em primeira pessoa de
·-..:\;!:= . -\~
deiro pobre, a música ~ip;, ,{.,
-.'.;-:=:\,.

, denuncia a injustiça e a exploração no sertão rural. "Q~p~~da~f'descreve uma epifania


de consciência social e política: "Na boiada já fui boi: ·~ ~· um dia me montei". A re-
belião espontânea contra fazendeiros inescrupw.~~~tfoi retratada no filme de Glauber
Rocha Deus e o diabo na terra do sol, de 1964, · filme brasileiro mais influente 2:"~
,;tlf~-•v;-~,. -· ,. .
da década. Vandré provavelmente se inspirou tfl!fituna das pri.~eiras cenas, na qual o
protagonista, um boiadeiro pobre, m~ta q{{âz~!§~iro abusi. /. · · com a esposa. Em
1
"Disparada", a história de conversãq;t 'i~çl;\ít~~ do boiad~J.r:p ~%::ontada para servir de
exemplo aos outros, de forma que alâR;4Jt individu~ fF;;:gl~se tornar uma "dispara-
da" coletiva e transformar a ordem . · :,:,tNo
entani?!:~tY:f~so "Se você não concordar
[... ] vou cantar noutro lugar" t f uma men~i s.~f ambígua, sugerindo nas en-
trelinhas que o público do ~ rt-i\ . ·'o final se tµnit~:fqueles que já simpatizam com a
mensagem. Corr:o ~ s1,~~;~lf·?·Úo
22
e ourr' :~!~t'ó~culturai~ da época, «Disparadà'
se voltava a um publico preêüsposto a se u,m:it a9·redor desse discurso.
Em 1967, o festival,d~?música da TVIk@~ .a::.t:'avia se transformado em um celebrado
evento da mídia nacióâ~:)m jornalis~, ,· ·f~~endo para uma revista semanal nacional,
resumiu a imporci,nçia J ; ·festival no · · ;"tes termos: "Em nenhum estádio de futebol
(?,:r~;Y-/ '"' ::f•
se vê tanto en~ ~ e tanta p~p-!f,,o 'que vem a revelar a imensa importância que
;·y··, .tl·-: ;~~\_'t-i -~{•<:~ -•.-.f'.~'

os brasileiros ~ cim à sua músi&"k~~os seus compositores e cantores" (Nnnes, 1967).


Depois de fl~~~es de prepar;i · ~ês semanas de rodadas eliminatórias e muito mais
que três, .r.ffil:tm~riçóes,,~·~, --·, ~
_.,~,·-~Lt\.-_. 'r~1~t.,,.. t:t -
1 ~ foram apr~entadas ao público espectador. A TV
✓--.,,;\~

Recor :r-~·,,,.ttbuiú NCr$ · t '[~ jf'(cerca de US$ 20 mil) em prêmios em dinheiro, além
de o;' · ntribuiçó~ ;9,0s1.i§OVernos estadual e municipal.
eira vista, ij;p~tival de 1967 apenas confirmou a posição de artistas já con-
-~- :i:.';._

"
.. os. Edu Lo ,·.;., A~farília Medalha, dois expoentes populares da MPB, receberam
. •' ....

o,;tirimeiro prê~~\~pr "Ponteio" (Lobo-Capinam), uma moda de viola estruturada

,;,;• <i!\~'
22 Nessa m~isà.fmf'álnice Nogueira Galvão nota uma "cumplicidade entre o autor e o público", garantindo que a
música fosse'Bêlli recebida pelo público progressista. Ver Galvão, 1976, p.110.

85
Christopher Dunn

ao redqr de crescendos altamente emotivos. Como a maioria das músicas de pro-


testo, a letra de "Ponteio" apresentava a música popular coMC't:,,x,eículo de redenção
diante da intimidação e da repressão: "Não deixo a viola dC?,} -': P vou ver o tempo
mudado/ e um novo lugar pra cantar". Chico Buarque ~h~tJ:Jb t~rceiro lugar pela
composição "Roda vivà', apresentada com o grupo de y '_ ·,, tas MPB-4. O Festival
de 1967 da TV Record foi um evento da mídia de elL,, ,.:·,, inário sucesso. Segundo
dados do IBOPE, 47,3% dos espectadores de São_,, ~r;:r:~ sistiram à transmissão das
finais, realizadas no Teatro Paramount em 21 dJ Y( _ , l o. 23 O sucesso dos festivais
também se traduzia em recordes de vendas. três discos com as músicas Qfij,~;::<~~
do festival, lançado pela Philips durante a rodadãÍf, nal, chegou a superar o disco Sgt.
Pepper's Lonely Hearts C1ub Band, dos Be<J;tl'~~~çomo o LP mais vendido no início de
24 j/~ '•- ,,:
novembro. , v, · . ,, t,i
<;:j::_;):":r,.;,. .• d•~

O Festival também testemunhou rln}fli{êvo nível de participação da platéia, e a vaia


.(~-~: i-;•,:n.~_\f; .: . . ,;_. ..

se tomou um elemento central dcf>éveútô. Vários · )foram humilhados diante


da platéia fervorosa e intens~~ í+~ 1i idária. H .t\ ·.<; ~'i~ tipos distintos de vaia: rn
., _,~.; -.:; '' ·-.
ataques planejados contra Caf\fÔr~~,;,~e baladas ~~m~ " e artistas da Jovem Guard:;
--

) 5>:<)"?':.. ·,. .__._, : ;.,.( •.


e as expressões espontâneas éf"
,'.,,. •--algumas c2;,, · _çóes (Campos, 1974, p.128-9). A
maioria dos artistas e crí:it6:~J;:.>t' ' ;a constern~\tti~m esses ataques, mas alguns comen-
taristas também obsé~âB~ttÍue as ~aias:ateSfivam a vitalidade do cenário da músia
popular. Augusto.; g.> ·•:,"[;, ,pos, por e'' ' _ _ _ r;fé~controu inspiração poética nesses con-
frontos entre o arti; tà e [ ;'platéia, p, d~~fftdo um poema concreto intitulado "VIV}
VAIA" (1972),(;'.íttt~tzado comJ':1ü ~Jàitf~ sua antologia de poemas. Sérgio Ricardo
um renomad<)i~#FQ;tl>r e compqJ\9;,:·.,5t~·'·....,
,'I~t'sociado à música de protesto (compôs a trilh;
• . · .;<,;.,,· ....

sonora de.,~ ~us e o diabo na; ,, ,,,-:! o sol, de Glauber Rocha), foi vítima do segunde
/ ,1(/-j·· ·, 1~-r ., .,.,_· _,/
tipo de ;l ·':,\filcialment~.J &1x;,_$m recebido pela platéia, mas sua música "Beta borr
de boi -i,"•-'' 'b ;e as dificaj,Jl~jde um jogador de futebol) não conseguiu satisfazer a;
exptt ·,, ;1 . Na últimf;fôtít~ do Festival, o público contestou verbalmente a seleçá<
i:~;~~~~ pelo ,j~\ntf ~!f rodada final ..e vaiou o artista quando ele subiu ao palco
:,,,itnp'õssibilitado de·-,â~çsentar sua música devido ao barulho, Sérgio Ricardo reclam,
,-k a platéia ç-õ~ p'ã:lavras condescendentes: "Eu pediria aos que estão aplaudindo •

·~..../ _,~••, ·.~::~f}t,


aos que est~p ' ~ do que demonstrem lucidez neste momento para entender o qrn
eu vou ~t;r
) s eu apelo à "lucidez" (termo popular entre intelectuais da esquerd.
denotaµi fiiJ erspectiva ideológica mais adequada} para legitimar sua música e hu
{ii:\;~i;}};:,
.j:~:;~1?-~-;~:o/;~~-
23~t"+:J,aOPE, Índices de Assistência da TY, out. 1967.
24 Ver'1}30PE, Gravações mais vendidas, 6-11 nov. 1967.

86
Brutalidade jardim

&f'.:'.[~;,•;;,{(;; ,;,~ i;~;,•:,:,:.)


Gilberto Gil (centro), Arnal~g> '',;ptlsta, de O ~~Uy~tes (no canto direito), e
Dirceu (no canto esquqdQi-*~ ~,- .·•· entam "Domiflglt'no parque" no Festival de
Música de 1967 di~'· ~ord (T,1;'[~~r,es,.:Nlfedeiros/Abril Imagens)

milhar os crÍticos in ·
1
. ~~,~~ ,,, . t:f~:·
·'@inda mais i(Jijt,tç{fpúblico. Depois de algumas tentativas
. '.~ ;f/' ,~. ,it:t
frustradas de cantar, xclamou: " · ·. ganharam, vocês ganharam! Mas isso é o
A-~

Brasil não desen)Jºi~i~o. Vocês sã~,,,~~0~fmais!" Depois, quebrou o violão e o jogou


para a platéia, SJ jifesulrou e%{il~~esqualificação do festival.
Augusto_:(~:~~y~,
.d~~+;;~IIlpos
. ·-1,:-,;.;k
mal Ç,(tif~uia
:/t.···'·:::-·' ·
disfarçar sua satisfação com a ironia do epi-
sódio: "É_,.~:<êítí;~,'. ~ ais acent~l'1
;.\~l/~1-·. ~_,.,.:?''· _ . ':?
"\f.,
aticidade desse inesperado happening do último
i ~?~•·.-,. ··:~:f:~V
dia do ,f~,f.Í~~ o con~Bti-Jõ\g;,0loroso e mútua incompreensão entre o público e o
1
'•:;.~"•-~•;·;:~::.:.. "'i,v· "'".t_~. .~~--/-c._
comw ' . o'f/um expoente 'êliífünha nacionalista-participante da música popular, cul-
mirtit ..9 ·na explosã9,~;~~o(t fow up simbólico do violão quebrado" (Campos, 1974,
efr .,.·'o que es~rs)'.;~ipf~são" significou? Para Campos, o confronto demonstrou
." •-,t .i;,-:, ,~,<:·,:;.•-~-.~ -:,~ ·.,~--

q~tifartista não ,~·)•, JT:;•:~uperestimar o poder comunicativo de temas populares como


. 9#Jfutebol à c . · :~""elaboração formal". Para Sérgio Ricardo, por outro lado, foi
"~w~~a demonst1;;iç da alienação da jovem platéia, que anos depois caracterizou como
um "gigapfi~~~i'-corpo do atavismo brasileiro em seu delírio de equívocos" (Ricardo,
(-;i;/i;;~;;~~f~·

87
Christopher Dunn

1991, p.196). Talvez o incidente também tenha sugerido que não havia mais vacas
sagradas na música popular brasileira. A MPB tinha chegado''i t}lP1- impasse e o mo-
mento pedia novos sons. ··'"f·

0 { 0m UnlV-'lí.fl l-,ftf;t;?,
}((~~:f:;~;1\~<:

Se, por um lado, o Festival de Música de 1967 ,''\~cord reafumou a populari- crlih
dade e o prestígio de músicos da MPB como EdúXifÃh~ ·eÍt'.:hico Buarque, ele também ~"\,; i,.;·< .,,;, ,.

revelou que os artistas "nacionalistas-participantes"·\fí~i'~ estavam imunes à desaprovação


do público. A divisão maniqueísta entre a lfi~tf a Jovem Guarda parecia ter perdido
sua urgência e relevância. Havia espaço p,~ O,r{ovação em termos de formato musical
e de conteúdo lírico. No mesmo Festiv.d:l .-erto Gil e Caetano Veloso realizaram a
primeira intervenção no cenário daJ~ úJi:1!{ nacional ,Ç,~Ê.it'ft!;, que chamaram de "som
universal". Gil e Caetano receq/ r~;JJ;~!~do e q4l iâi-1ttgares, respectivamente, por
'.-~~/~•:._'.?:-$(~'?f/~ ·.'~'.t~{~-.s
"Domingo no parque" e ''Alegri.~t fil~jlà'. Em de.~i,qgfbiâe 1967, a música de Caetano
;i{,S?.•-~'"fe "'•t.,." ,•;,:\ ~:,-·.. t'

tinha chegado ao primeiro 1~}1~]§fta dos sing~{ ~ Ji êndidos de acordo com o IBOPE,
25
enquanto o vencedor do ~dotliJfl<t<'ponteio", giil~Jçm torno do décimo lugar.
Caetano foi vaiad~~ti~~""~' se apresen ou Bslà. primeira vez nas eliminatórias com
a banda de rock arl;Jl.Ji~~)3~at Boys!-~ ....·., · ··tt'.\eagiu contra a presença de um grupo
...,_..(~:,_·~·· t·,~~'-V;.~.- <t't >-,,

de rock estrangeiro no pfil'co do qu~ 1parijmpava um jovem cantor baiano que tinha
acabado de lan • · ~ u primeiro ff "· .d~Iitl:füsicas de bossa-nova. Na época, a guitarra
-½':~-,.. ..:;.,. ---::-1.

elétrica ainda e . ,/Jisiderada p~i{inuifos nacionalistas culturais um sinal de "aliena-


ção" cultur¾ >b- sir~ples prese,;. · ·,: : \; ·, m grupo de rock sugeria a filiação de Caetano à
Jovem G,hl ,;;;, :,;~) No entant? j .· .•, • ~hseguiu conquistar uma platéia inicialmente hostil
:;::;t -_-·;.;:_::,,:t,· .../ ;'...,,t!., -t
durantei'' . ada eliminatóY&-re foi recebido com entusiasmo nas finais.
·• ' :"·,;y,. ,' ',•:}
ar a instrurri~~t'.i'~o eletrônica para tocar uma marcha tradicional, Caeta-
·. · nciou -~i~Jp-k].j4t~as dominantes da MPB da época. ''Alegria, alegria" re-
A_t;fafãV,a '''.f~alidade,26'~ µ;~ e fragmentada de uma cidade brasileira moderna, no caso
•~p)~iode Janeirof;iç,~rál~erizada pela presença constante da mídia de massa e produtos
,\~;iti-;,;)§~~'g consumo.,,.· \>, os outros sucessos do festival - ''A bandà', "Disparadà' e "Pon-
tt1~tm;5f~eio" - , a Itj::
·de Caetano também utilizava a narração em primeira pessoa, mas
o tema t?-ã~fftum herói valente lutando pela redenção coletiva por meio da música.

, .5~s;f~
25 Vêy.ftOCOPE, Gravações mais vendidas, 11-16 dez. 1967

88
Brutalidade jardim

Como um flâneur tropical, o narrador meramente usufrui um passeio por uma me-
trópole brasileira, enquanto absorve de forma casual um fluxo de illJ:;~gfnS e sensações
desconexas, presentes em seu ambiente urbano (Aguiar, 1994, p.ls/'!t;~,- ..
O narrador parece despreocupado, andando pela rua "sem le1;ç~ . · documenro
/ nada no bolso ou nas mãos". Ele não se importa com obrigaçõ. ~ dhls, como levar
uma carteira de identidade. Parando na banca de revistas P¾~J'.t i~ ·o Sol, um jornal
cultural, ele vê de relance imagens da estrela do cinema ~i . / fClaudia Cardinale,
cenas de crimes locais, a exploração espacial e a camp W"· errilha de Che Gue-
vara na Bolívia. 26 As imagens dos jornais ficam cada ~'.:;-~·,
~?

Em caras de presidentes
em grandes beijos de amor
em dentes, pernas, bandeiras, bomba

e Brigitte Bardot .;,~ (l,,;, . JÍit.::,,,.,


O narrador é sobrecarregado pe~j\yã~{i dade de info rt~l,t9-; s visuais e semânticas
nas quais o erótico-lúdico e o cívic<?#,J(~Ê~ formam ,r;~, . e urna "montagem verbal
yt .~.;{ ;J\ . ..:.-,,., -:-;~if.~Ath~

caleidoscópica'' (Perrone, 1989,/R'.,5:l)::l imagens d1i ãui2}:ídade nacional, patriotismo


e violência política competç,rn,;,f ~~ 3/i strelas do cin~~ã'.ii ela atenção do narrador. Vol-
~<:t~,. . ·•.l~.-f~S;-Y-~,;·: :f . ~' .-?:'
tando-se para questões ~~s "- dârs,
o nai::~ 1~~j3i ,\Saetano continua a perambular
com um vago senso de ,mJg~;) preguiça ~,gB'Ii iiõí de verão de dezembro, demons-
trando pouco interess5,,g~la luta ideolqJ ~~Ji;ifil~ b conflito armado, refletindo, em vez
disso, sobre um casa@ert_ t iminente .c,:'t;;- ~ ~~ ormnidades de cantar na televisão. Ele
V~/~·- ,li,-{ ' .,>:f_.. ·,

vive "sem livros e sem'fl12íl / sem fo91 ' ;:i;~ 1? telefone/ no coração do Brasil". Desejos
e preocupações · jduais edips ri . ,\luta coletiva, ao passo que a música perde o
significado regê :f/;~ervindo -· \~{?tpara "consolar" (Galvão, 1976, p.112). Nesse
. -:;_-;;.r_:,, - - -
sentido, "i\J~gífâ'.~Iralegrià' de ,. .• , o se assemelhava a algumas músicas de rock da
~~d,:::.
;;',~r ,.,_<:-,,•.. ,-,:'.;· 't:.~i,'; 1

Jovem G .-· i~:fapesar de J:Riij~ ijY'nhada com a;:xperiência confusa e fragmentada da


. ·~~%%,~:,:::1~fif
,. ::: )i:~rrios musica,i§, '~P,~iningo no parque", de Gilberto Gil, foi a música mais
iqg~lti\r~ do festiv~~;:~::~ i ~jo de Rogério Duprat incluía uma orquestra comple-
~1,,);~ anda de roç;Hfr:Q~,~Mutantes, e um percussionista tocando um berimbau. Uma
~~~~ra de ch,~ tijp ·e resposta reforçava a tendência afrodiaspórica. A letra de Gil
. i,-}:lt <,::::ti;~;;~·,\}'
- - - -·:~. --''-ii;~.%-.
26 O Sol era"p'í . ' " como um suplemento do jornal dos Esportes, um jornal diário dedicado aos esportes. A noiva
de Velos3ih%'.,J ~ca, Dedé Gadelha, escrevia para O Sol, bem como o compositor Torquato Neto,

89
Christopher Dunn

forma uma montagem dinâmica de imagens de uma miríade de perspectivas, que


lembra a linguagem cinematográfica. 27 A música atraiu a a~g~o dos poetas con-
cretos e vanguardistas emergentes que admiravam a contestasiRJÍi{'çonvenção lírica.
:'f;_~·.),:.,;:--
Antonio Carlos Cabral, autor de poesia-práxis, elogiou a iú~~,{ fie Gil pelo "aban-
dono do verbalismo para se adotar decididamente arranjos1:~~s"'d" inâmicos, sucessões
de palavras-cenas. Deixa-se longe a lógica ferrenha das.t ~ . ~ue . seguiam cegamente
» 28
o modelo da vers1ficaçao .
• r ~r>- -~-\~
......::;;,...,. ·i;~.f.P
Enquanto a narrativa divagadora da música det~~~~p constrói um mundo sub-
:?~>>. º'ff. t '<•-::·

jetivo de imagens e pensamentos desconexos eJJl\fig~t qiáa de faro acontece, a letra


de Gil, narrada em terceira pessoa, resume um ;i iij!-, ii~o ~vento público em um breve
...,,.,
momento. Ambientada em Salvador, Bahia~s Btl.>omingo no parque" retrata um crime
,t,:;r-'·~,,.., _'i.i.-'

passional envolvendo dois rivais, José e Jó~:- 'êHobjeto amoroso dos dois, Juliana. O
conflito vem à tona quando José che~~tV-1~ que e vê o amigo flertando com Juliana
na roda-gigante. À medida que o riµ4.i.o dâ:1hiúsica se i~t~Jp.ca, vocais de chamada e
resposta introduzem uma séri~:p.e j {~;tuts verbais J lt+i~ rque voltam e avançam no
/t ,...;.}.:~-;~\~·: :t ·J \t'.~: .·,~:.-
tempo - e prenunciam o desefilàtê'.,,,,!#i-ngrento da··"_J·ç'l:i'w
ê_i'i.~_;José fixa a atenção no sorvete
de morango e uma rosa verfltt~à ,~~ mãos de J~~i't: "O sorvete e a rosa/ ô, José!/
~-·;; .'•:::_ ,.;;_•.;, -.~-, ·, i..'.':i..;;ir~";•,,

a rosa e o sorvete / ô, José!,f l¾:~ r~do na menf' / ~;josé!". O crescendo de chamado e


resposta aumenta cow,,a~i1~ 1t nciumada de que, na "cenà' 6.nal) mata o amigo
,;;)~~-, . . •lj_p·"~ ., -...!
JJ~f:~:
• -:<"w

com uma faca. Osr,[:?,l~griistas da d\~ti J~,g~/â:'tia não são representados como figuras
heróicas, mas corrít'ír~t~ comuns l l t ~ de eventos trágicos.
Artistas e cr~FJ~~~-da esquerd~~l}i~~ilista viam os experimentos de Gil e Caetano
com suspeita, q~! ~jo não co~)põi t1Jidade. A utilização de instrumentos elétricos,
a aberta celebr~çlb'.da mídia d? ~sa e as músicas altamente subjetivas e fragmen-
·.-~}•;~-- -. ;-~...::,;;!t,·,; .,.
tárias se,{tit~fiavam das.,i{t~ da MPB. Inspirado na música experimental, na
músic~:p~ptifàr internacio.iJAA
··~,: ::• ' t ·:Y..~~:-:;,
formas musicais brasileiras, o "som universal" dos e"êm
bai~~t,~'f~tava a hibr½dff ~~~b das esferas culturais (Candiní, 1990, p.14). Caetano
e G~}~~~'osicion?,:V~\·,,.'~>,9~:g
"''; • ~-,~-t:l:;'.1' • /:,,
os principaÍ6 defensores de uma estética "pop" no exato
•-;._{ -. ,:~Ti ·,~, . ~

;t;jlô~çrifê"'em qÚ~'·6:~çrL~º começava a entrar no vocabulário crítico e jornalístico no


r1r:Sihil. Em um ~ ig<t 4>ublicado na véspera das finais, Gil explicou: "Música pop é a
:r.\:t{" .s;;~t¼~• •.
<i "·!\ti\/' 27 O poeta <:°i1:-%~~·1 Jécio Pignatari observou que "Domingo no parque", de Gil, lembrava a técnica de Sergei Ei·
,i:. ··'·.·,.t· .'i.·Í
i.;_':".··:.·,.·.··.•·~
.. ••"·· --
. senstein, -~~,;P~!? que "Alegria, alegrià', de Vdoso, tinha afinidades estilísticas com a cinematografia de Jean-Luc
Go~di;Xifi-,~ mpos, 1974, p.153.
28 Antoj\~p C:ú1ôs Cabral, "Domingo no parque e práxis na praça", O Ertado de São Paulo, Suplemento Literário, 3(
m~,;-í ~'!~J~. Liderada por Mário Charnie, a poesia-práxis era uma vanguarda poética dos ano 1960 que criticav;
.o.J õ ~ imo consolidado da poesia concreta ortodoxa, permitindo um verso semidiscursivo voltado para tema:
1f6'ltia'ii"~
políticos. Ver Perrone, 1996, p.62-3.

90
Brutalidade jardim

música que consegue se comunicar - dizer o que tem a dizer - de uma forma simples
como um cartaz de rua, um outdoor, um sinal de trânsito, uma hi~,wria em quadri-
nhos. É como se o autor estivesse procurando vender um produto f~:ªI:f ~ endo uma
1
reportagem com texto e fotos. A canção é apresentada de manei[~' 'Í~fõbjetiva que,
em poucos versos e usando recursos musicais e montagens de,/ '" ~:~f~~nsegue dizer
muito mais do que aparentá'.29 Essa utilização do termo "p.~p: ,.'f~~a alinhada com
a utilização de "popular" na língua inglesa para denotar ºJp\à.ç1~ massas e a eficácia
comunicativa, o que implicava uma mudança significat1fJl.ii ~,1relação ao significado
da palavra "popular" como fora empregada no Brasil. · "'i~~ Com o crescimento
das populações urbanas e a expansão da mídia de rri·~ ~il c; ~ cada vez mais difícil ·
reconciliar o "popular" com as associações tradiçiqpais cf'~ folclore rural. E "popular"
i'~~:-~1.-~'"t.~t;;.i
também não podia ser definido unicamente pel'' . é~êssidades de aumentar a consci- -:-•;

ência política como propunha o CPC. Ao e~f · _?'conceito de pop, Gil não negava
o potencial de oposição da cultura PºPl¾~: . " sugeria q\;Í~i~ ,.surgimento de um
mercado nacional para produtos c1Jur~~t;~~~pia com ,~ ;:â,~fiµições idealizadas do
"popular" na cultura brasileira
· -":·,;,;,
'- '":-. .,:n:,,-,f,
.,.>&;,,t,-,, '\;;ti:•: ;,. ·
,,:,;,,,,.,,_

. ,ii~ {' " .,,,


,PQJ;Ç:.)1ff.t0A VIR(,IUfllJI
,·t:t~~~~);;~t;,\;::·tl'.:;f.J! .--<;;; _
_Logo após o Festival êl~:"!~'6-1?· da TV Re~ot ,- aetano Veloso disse em uma entre-
:'tl .,.,,
vista: "Nego-me a foldgrJµr
....~tt;.,'Y;'óf'.:_,
meu subd~ ~-P,'v-~yj,ifuento para compensar as dificuldades
···-i~,~.... : . ,..

técnicas. Ora, sou baiaij'p , iws a Bahia - ~ folclore. E Salvador é uma cidade grande.
, ,; ;-~.;.;itr~'.;t . -
Lá nao tem apenas acatàJe, mas tan;i.,l?,_~ m1ianchonetes e hot-dogs, como em todas as
-~' ,:\:·:t-:.;:;~i~:;.•
cidades grandes'' · ) ; 11quanto outrp~foiâ:~icos da MPB usavam idéias e temas musicais
._.. _ü:f· ./..=r .· ~--~.~if}~~
do Nordeste B9Pré fi5'hl-a denunci · __.,/ úhdesenvolvimento do Brasil, Caetano e Gil pro-
·-·:!;, :~~-- ,, ·-----~)~1,f .

punham awf · •~universal" q~ Jltfiendia participar da modernidade internacional.


Ao se 1 ~:-""' a "folclori <r;,9Ís.übdesenvolvimento", Caetano implicitamente ado-
tava as}#~t~~â~ífis cosni' -- ·']f:iarticuladas pelos poetas concretos. É importante no-
tar,ç;#fi~d~, que os pJ;>,eta§.,,~6ncretos não influenciaram diretamente a obra inicial
d~J~f~~~ e Gil, quft!;lw;~1seram suas músicas para O festival antes de ter qualquer
d@Q!~fb com a va$,'~~~ de São Paulo. Depois que os baianos se mudaram para a
ll ~:::te:'
i~}0'.~}:\ff0'
'.~Z_{_i_::_;:~;/_._:_1.>
. "
----
29 Dirceu Soar úsica é Gil, é pop,Jornal da tarde, 20 out. 1967; reproduzido em Gil, 1982, p.17-8.
30 Note que · , é uma comida de rua típica da Bahia, originada na África Ocidental e feita de bolinhos de
feijão frit~ t1.\t~t

91
Christopher Dunn

capital paulista, consolidaram wn relacionamento intelectual com os poetas concre-


tos, apesar de essa "convergêncià' de afinidades nunca ter sid9., ~ticulada de forma
programática.31 Em algumas de suas músicas, os baianos adotaraaj'f.~ ;~tégias da poesia
concreta, como a sintaxe não discursiva, uma montagem poétii;J~?t ~~verbivocovisua-
lidade" (simultaneidade de significação verbal, vocal e visuaj.J{. c '~ pos falaria de uma
··>~tI;.~-
"tropicaliança.'' baseada em uma "comunidade de inter~>:s~j; "':q ue defendia a experi-
r.,; .;-i

mentação e a invenção artísticas (Campos, 1974, p.290~ -:~li - .


{f',~-i/ cc•.-> •

Apesar de ser apenas uma faceta de sua obra, qf{l)~~os continuariam a realizar
experimentações com a poética concreta nas décaq~ :~µ6~~~'tientes.32 Caetano mais tar-
_,.;.;i:.";·,._:•.:· ~;;.1 '"f:;,;'

de afirmou que a poesia concreta ''nos liberou iíi~nação para determinados jogos
formais que talvez não tivéssemos ousado. 1\1;.:t~ .a g;~~e nunca perdeu a consciência de
,A,»;,•--.

que são campos diferences".33 Os poetas con~Fli~;:frabalhavam no ambiente rarefeito da


poesia experimental para wn público rq_lf~~ je artistas e críticos, ao passo que os baia-
nos trabalhavam em uma indústria f~9p~ca
'f
voltada Q@.t:,~m mercado de massa.
1 •. ' . -.~ , ,-,., ,

No que diz respeito à exper~nt?'~?,,fhtusical, os,.·,~ ~Jlés formaram outra aliança,


durante o mesmo período, corn!~~~s,icompositor~{
,.,.,,...;,,
&~y;;;_guarda
,,,;.,J:,,;.:..;,\:•~ ; ,::•··
em São Paulo asso-
ciados com o grupo Música N6!) ~
,~ /P'à.1 como o :..-~,:-,·,'\.Í~ento
l ....... <'..:J
.... I
rríff
Música Viva, liderado por
Hans Joachim KoellreutteJ;.;.1i? '~ ,fisica Novat1~e i:gfuprometia com o vanguardismo
internacional e critica,ra;;f8,·~ \iósitores nacia''ff~lí~i~s como M. Camargo Guarnieri,
\r.;M ~"'i•'i":.~-•':•i_ •" •

o mais reconhecid<,>_hê\'fteif& do leg~9p_\f~~-"rféitor Villa-Lobos. Esses jovens com-


positores de São pjfüô?ij.ô se mostr~~l~t,:italmente desinteressados em relação à.s
origens musicais k_r~ileiras, ma~;bui~,y#n reinterpretá-las à luz das práticas van-
i;"..~~........ :.;; ., ...~;,:_,, . -... ..,:-- ~

guardistas interftid1pais. Em 19_~:;f/'{)1;€;rupo publicou um manifesto em Invenção, a


' ¼:~1-r-:-;~-: ..;,'..iJ,"f~. ,.
segunda revista liêêfãria dos po~fãs-!çpncretos. O manifesto definia a cultura brasileira
como uma{ :~ã4ição de atq~jffe.!q';ã~- internacionalista [...] apesar do subdesenvolvi-
7.;:.J._·:". -~-·- :1r~~~•.-.(..•,.

mento ~?rt'&Íhi~o, da estríi'?itf agrária retrógrada e da condição de subordinação


C'7--;r. ·'<:'··,
semi~~~êfâ:l". Defende,i ,t-t:\P'.i "compromisso total com o mundo contemporâneo"
e ~ t:\~iivaliaçáJ~d?t,:f., ü~!~f de informa<J.o", o manifesto do Música Nova ecoava os
4,ife~,s ~ft osmopô1-h~ . e~ rbano-industriais do "Plano-Piloto da Poesia Concreta".34
,':,;li ~~;~epção de Af!r11}1êão cultural nacional seguia o espírito desenvolvimentista dos
1
i):;~
~r.~,._.,:_:_:,; - :,;;,_._,til~,.
, ,·;·_.:_1.
··-;.
••~- f-!;,' 31 Sancaella,,ff?,~P.,( R4. A relação entre os concretos e os tropica.lisras foi comentada na imprensa no final de 1968.
'\i.í~';;!r,/'~:it Veja o a,mió;~ te algo de concreto nos baiano em Veja, 13 de nov. 1968.
32 Ver P~,iô":Af;Jt1~85, para exemplos da utilização subseqüente da poesia concreta pelos tropicalistas.
33 HaipjJt~ ).\lmeida, Quem é Caretan, Bondinho, 3 1 mar. e abr. 13, 1972; reproduzido em Veloso, 1977 p.122-3.
34 "M~ óMúsica Nova", InvroçlÍ() 3 (1963); reproduzido cm Arte em Revista I (jan.-mar. 1979), p.33-5, e Mendes,
f~~ili~73-4.

92
Brutalidade jardim

poetas concretos com quem o grupo colaborava. Na década de 1960, um membro


½.' ~
do grupo Música Nova, Gilberto Mendes, compôs arranjos de váriaÀ'~ ~~p para uma
série de poemas concretos, inclusive a antipropaganda joco-séria d~,3 ')li Pignatari
"Beba Coca-Colà', de 1957.35 Vários compositores do Música N ç,yfti~ciparam de
oficinas de verão em Darmstadc, na .Alemanha, onde estudar -r, "'~&lP- Karlheinz Sco- ·~-ºf,:.·;·

ckhausen e Pierre Boulez. Em meados dos anos 60, o Músici t a foi influenciado
·i¾ft·.;;:;~f~~t·
pelos happerzings antimusicais do iconoclasta norte-ameri~ - ·, _· õlí.n Cage. Na mesma
época, o grupo começou a elaborar uma crÍtica à música} ·- uarda e a orbitar ao
redor do campo da música popular.
Em 1967, alguns integrantes do grupo Música No~i'~{)Rogério Duprat, Damiano
Cozzela, Gilberto Mendes e Willy Corrêia de Olivffr~t\participaram de uma entrevista
irreverente com_ o maestro e arranjador Júlio M ,_ ·-. ;/durante a qual proclamaram o
fim da vanguarda musical e o início de uma novâ,,, _:_11Nas palavr~~-de Rogério Duprat, o
compositor se tornaria um "designer sonor ,#}' li,-;ff/:'
1
~oduzíria jf§}Í~Jitrilhas sonoras para
h :J~\tt?•~'
filmes, arranjos de música popular e q · · ·rro tipo de,\~M-5i'iií: para o consumo das
·'•l'-t-.,.,,

massas.36 Alinhados ao conceito de Pi&,, ... _,,,li'd e "produs%~~»':!(produção + consumo),


os compositores proclamaram a opera;alf~~ultânea ~~~i~'~º musical e do consumo
por meio dos canais da mídia de nf º· :c::rf~ uma aná41~,,lit~,~ntrevista, Roberto Schwarz
observou que o modelo de .~.J;<5ii~.~~consumo.~gn~~~~~ os problemas da sociedade
·t,t~l'. . ~- .J\: \_.:,-( ··:H..
de classes, camuflando a ,ffi,Ç9l~O , .....,,,.:,:,,.;, s,!-,;.~~-..,:,:.-,:r.
do capit'à'l{~§.,: -. .
Wâl"Z, 1968, p.130). O impetuoso
comercialismo do grupo er~,,,,d ~ to, notávet{fi'io ~Shtanto esse posicionamento coletivo
.--~1- · . -·,x;
poderia ser interpretad9f~ o uma reac;Ké>.:11 ,?<à falta de público e de apoio privado
para a música artística asil. Eles " ' i1:favam que era absurdo e autodestrutivo
continuar a compof,§_infonias na vá e, de que um dia elas fossem apresentadas e
valorizadas por u1';,i r~téia restrita ~iêtp,rtiflos e apreciadores da elite. A experimentação
f/h+· '\.,·t"·i~/k.; · _f '.11/" _ ~,:t{t·;··

vanguardista titi@ chegado


-l}.'•'.9--1-:._.
a um. . o{
,~sse, e foi necessário abolir a distinção entre mú-
sica artística)~;r~4irta popular. ~ '>,, ,>Gilberto Mendes entusiasticamente afirmou, essa
esrratégi~-:{ ~-- ,,,. cialmel •f~,t~t~~E:·~~ no Brasil, onde a música· popular tinha uma rica
i.~?·,1:-0:~,- .-. 1-/~:,.~,.-, - ---.11?

tradiq, ~1"El'iji , interessá )f jovem pela chatice de um concerto tradicional, desses


do ~!ê 'al, por exemp, , quando eles têm a melhor música popular que já se fez em
to~ t :,bl~tória da m, ,~. _ .. ua disposição. É preciso tornar a música erudita também
oB)~ttl ~ comunirn_ç~t~ massa'' (Mendes, 1994, p.61) .
.,. ,r {::;z;} .-=··•t~

·i(\-~.
35 A interpreta~f;i~ cal de ªBeba Coca-Coh" por Mendes é apresentada no CD Suif, bola na rede, um pente de
Istambul e tlç]JJ/[.ic,tiâe Gilberto Mendes.
36 Júlio Med~WM'úsica, não-música, antimúsic", O Estado de São Paulo, Suplemento Literário, 24 abr. 1967

93
Christopher Dunn

Vários desses compositores, com destaque para Rogério Duprat, estreitaram o


relacionamento com o grupo baiano durante o movimento trof>ic~ista. A obra de
Duprat gerou comparações com a do arranjador George Martiij~~;t~ha época cola-
borava com os Beatles. A aliança tática entre músicos popular~ -,-e~ rgí'élitos não durou
i?:}t_.i._ ,.J:\) ·

muito e acabou se comprovando difícil para os cornpositor~f a::q;;;grupo Música Nova.


Em uma biografia publicada em 1994, Gilberto Mend~ ;~~~~c~a uma posição que
renega totalmente suas declarações de 1967: "a músi~~f~~~e"ffli deve ser preservada da
ação predatória da mídia, da indústria cultural de hof\ ,9.}f~'.s ó pode destruir sua aura
[...] A grande Música deve ser ouvida como numg{{t~;~~:~~rimônia do chá. No seu
devido lugar" (Mendes, 1994, p.61.). A relação ~riitéos compositores vanguardistas
e o grupo baiano chegou ao fim na década.;;f éHl;;f?JO, mas esse experimento teria um
impacto duradouro sobre a produção e o iiffulitj~,-,d a música popular brasileira.
.\":~•~.l}:Z•~.;\~ .,

A trajetória artística do grupo bai<l!lt> .,~riJte 1964, quando os músicos saíram de


l~•~t ;\:;i~f'-_?,; :,,,-· ~~~,:'.~

Salvador, e 1967, quando conqui~tar<iih a .i tenção nacioif~fqE;>s festivais de música te-


:,?;t..:'· ~*A=~:.)~~-- :{f:~_i{;,:~ ,_.
levisionados, incluiu alguns dos ~aj~,;~ p'ô rtantes de~Jes'ifa cultura brasileira em um
~~;-~i-v·:- . -r·-•·."'.j ":/•~·•i-::~
período de conflitos e crises. E~~~;t?l:,µ,járam o gru~;ot~W~filvador durante um período
de intensa efervescência cul~l~{ g,êrada por vJ.rfâ:~I#iiciativas da universidade local.
Foram discípulos de Jo_áo.Ri'i~~,it~, mas der~ ~~j~o à carreira em um momento no
qual músicos emergen't~ qli.¼snonavam od ntimlsmo da primeira fase da bossa-nova
··,9~---- /::"°;;,;,,~:.,. '.1/.f.·;, . ~?:;,.
e se dedicavam a esfe;tçp}}l~ conscienti~ ~1},~A dupla tendência de antiimperialismo
e ativismo social orient~~I~ desenyolylu;~ri da música "nacional-participante", um
···•'·•. ,.,,· ·:,· f·• ..,,,;,-.-
projeto que se t9'tni J4.ainda mais ~f&i~lfé"élepois do golpe militar de 1964.
Gil e Caetarl3\ft~[giram de tn:~,96':;.,d- iverso ao conflito entre a Jovem Guarda e
1
os defensor~i~ª MPB, mas
i~-- , ·f(: }:,~
l cabaram de alguma forma insatisfeitos com os cfJ'.cl~i~
..•~;.!t ··>i>
termos ~'lf-C:Í~~~ú:. A interv,s:fc;áti.JP.º Festival de 1967 da 1V relativizou o conflito, de-
mon~J5f'~ ~que instrll.Il};~ir&s:1elétricos e arranjos de rock não eram necessariamente
conff~~~lis.,com a tracli~~}fa música popular brasileira. Para Caetano, a elaboração
t=
\if~t4;pi univ'~ ~;, ~,;\g-~:-.:Úálogo com ;bossa-nova, o iê-iê-iê, o rock internacional
;f&~ ,r,n,.úsica de vaitguatdâ era uma fase necessária da "evolução'' dessa tradição. Gil re-
í -.dt•. ~"t ,•-,. _-,..-,._
._.,,.J.:~~~ Jihecia o pae~lr~a~, IÍ\ídia de massa e salientava as conexões entre o "som universal" e
.:>':t...-~~5/',,,__ '' . .~~t1\_·;__;:::("'-t::d!•:•

,.ij)•
:Yi-....~t4I música pop,~$!·1~,s"''ínovaçóes musicais coincidiram com eventos históricos em outras
~-~~v..-,~•1";·, -~ - d~•,~~_;.•

JJ' ';~~y· áreas da pf,c[~Hs:⺠artística, que enfim convergiram sob o nome de Tropicália.
❖t~z1f)t ./\'·;~~f;/t'
/,,.;;~:}
94
,; ít,,{f\;)J~ <l:Y,, •\:,'
ários meses depoͧ'1qu$ f:Gilberto G:i'fi :l 3âetano Veloso lançaram
-:-t•~.'.t.t~;~, "~:'-1-f',~· ,·/.':·· . -~!'.•~J
o "som universâlr'.i;(lo 'festival de 1;~_-~.6:Zhlia
•~·•'•,,;~'·,-:. -~·..,-;..,_,-~~·<_,,
TV Record, a música
. ..-b..;. .. ..

deles foi apel' · + Í,;i{~ "tropicali{f?'i p~la imprensa. Como obser-


vamos n ·, ~~ ,:.J:i~áo, o nome d~"i 6vimento era uma referência à
1

-i- ·_•,.JrfÇ?'· ;;., _ ,:;]}_ li./':i


comp2~J,s:_. ';::,~ ropicáliá~;i, · :~tâno, cujo título, por sua vez, fora
~-.;.'.',1.,:):.'!;i ·,:::J,:i..~.r..-{;:;, \ \ ,
inspiradõ.<emt uma inst~çãç,"'f;ao artista visual Hélio Oiticica. O
:~i':t;. _ ·t
termo era rico em conJlfít~es, pois britf~~l~jt{ imagens do Brasil como um "paraíso
tropical" que remonrt i J /carta escri~~];pdflt>ero Vaz de Caminha ao rei de Pormgal
~-•;:.;;;,-;/',-~-- 1-,.;,~_\fi?t:-.,.
em 1500, relatando a "descoberta''.•4~:JJr:âsil. Depois da independência do país, os
.l ':t~ '~&J/#t\,.
românticos de " ;i~ do século ~ z: i 2lebravam a paisagem tropical da nação como
1
um símbolo cl.··-i,,:
~.thntr~~ do Brasil< ~tn,:i~lação à Europa. A designação também remon-

~.Ji::·
,;-.;.,
tava ao "l ,l/ :'plcalismo",
. :.-:
,t ··,
.,:•,-~~ ,.~'0c;:
ria desenvolvida por Gilberto Freyre nos anos 40
-~t>,·. ~

exalrancl~t óii~preendi92-14m, ", ·Õnial portugu~ nos trópicos. Para os tropicalistas do


:;,p..:-;,:~,i . ,,:t;t:\
:-t-.,1._ ·½.~-t<-1.:-:~i.::,.
final cl~fãriijs êl)~ essas rêpr~~fptações oficiais do Brasil proporcionavam amplo mate-
rial ,J ?i;~~a apropria~9 it{,,~ica. Os tropicalistas criticavam certas formas de nacio-
1},~~ll cultural, ei:1:ttlt~l~ o patriotismo conservador do regime e o visceral antiim-
~~~!~i1mo da op .·...... '! e esquerda. Eles também satirizavam emblemas da brasilida-
?N> d~i' rejeitavam ff ~ v1as prescritivas para produzir uma cultura nacional "autênticá' .
. '"f;~::,,;~~'éria um en9f ~ ~l udo, interpretar o movimento tropicalista como antinacional ou
distanciadq:Ji~5f~,~µlmra brasileira. Caetano diria mais tarde que a Tropicália promovia
um "nad~~;~o agressivo" em oposição ao "nacionalismo defensivo" da esquerda
Christopher Dunn

antiimperialista (Dunn, 1996, p.123; Veloso, 1994, p.101). A obra do modernist,


iconoclasta Oswald de Andrade, que vinha sendo negligendw-&? desde a década d<
1920, passou a ser central pàra o projeto tropicalista (Ferr · ··:·;wÍ~72, p.763), um,
vez que, na época, os poetas concretistas estavam envolvi_gi _. .. ;-produção de vário;
volumes críticos da obra de Oswald, aos quais Caetano · · ';1;,.eram acesso. Os tro•
picalistas se sentiam particularmente atraídos pela no ítg\'r antropofagia de Oswald
como uma estratégia de devorar criticamente as t~:~,-- J as e os produtos culturai:
' .· .:,: ./,J ,._..,,r,;•~---

estrangeiros a fim de criar uma arte, ao mesmo t .) ·:\t:-:i ?cal e cosmopolita. Caetanc
afumou que "a idéia do canibalismo cultural~; ·, ·
·.:i,J· ,,_;..\• ,v.. •;-1)'
'<i~f aos tropicalistas, como um,
luva. Estávamos 'comendo' os Beatles e Jimi Herifl;fix" (Veloso, 1997, p.247).
Oswald de Andrade parecia pairar c~~~ _um fantasma irreverente ao redor de
:';:·_;.,''.,.. ~-'í,f~i~'"'
grande parte da produção cultural brasff(Írê-/ especialmente na música popular, nc
teatro e no cinema no fim da décad,f :ii~)}960. O renovado interesse pela obra de
Oswald de Andrade fazia parte de : .··:, i }J; italização g{fisJgeneralizada da representa-
ção alegórica nas artes brasile;i~às~,,,:_,_, <''?& Oswald,A~f{~fpicalistas reveriam a questác
.,t:'..~~(f~i_".\i?_ --1J~~~·:.
~~~-·;e

da formação nacional, mas tarliil I~i;furilizariam,,~· .,..,:Õtia para representar e criticar :


regressão ao autoritarismo ,. -
..
..:Jl~Brasil. A- ~Í~ggt ia não era uma constante na mú-
-~-'\ /f'l:i· ..,_-~~:-,9~;:,-

sica tropicalista, mas vinh.\ it:' . 'á_ intermite~çe~nte em canções sobre a experiênci:
·"U-,-:?;:~... ·-< /p.;--"!i.X"'
urbana, a violência p9.lífilt~,iJô
-.-,···:1í .,,,,.,-,..:y~~
posicion,µnenftfgeopolítico
:'~Y ~--•·:
do Brasil.
À medida queJ~f~~P~ha-duraJ :,_ :;;'.:~~;i!tlilitares ganhavam ascendência no regi-
me, o poder rede~-f ~lhffiifute para ni~
u,, y~_-''$·sociedade parecia cada vez mais ilusório e
vago. Havia ce;l~r.~\:~ticismo emi.têÁ,i ~~ji:'noçáo de que artistas e intelectuais poderian
/?~"!,.- .' <2r·\_· '·. ·'•.,t~·,' ~.>,

atuar como urtity~pguarda escJ?teêi(i;a liderando as massas para a revolução social.}


<c'.:1;\'.;'ót;~ :<,,t.'=/;1}
marcha teleológica da histórl~):fÜITT-0 à revolução e à liberação nacional deu lugar ac
..... {;,,~·; -\•:~~Jf:::...
desenGa1,1 ___ _·~ .'. autocríticaf;t~i:,f r.fistas voltaram o olhar para si mesmos, explorandc
com h_~ÔYNusrico as dS~ rt;diçóes sociais dos intelectuais da classe média urbana
As ~ ~taçóes cul \''' .,,:,; ociadas com a Tropicália eram uma expressão da crise
en";,~: _ ';"'?sras e i~f_e~~ J ti~Buarque de Hollanda, 1980, p.55).
-'1:::~lff, ~\;.g::-

_,11:~\tyr, (00V.(-R(..(0(Ulí T-R0.Pl(ALIST-Aí


.if'.4.{~t.i~{~;~:-
Na hit,i-~~ música popular brasileira, a Tropicália se destaca como um movimente
partiqM~~Ílte receptivo a outros campos artísticos. Dois eventos de 1967 foram particu-
larní~ , ;;:,,_ uentes: a estréia do filme Terra em -iranse, de Glauber Rocha, e a produção de
otrét/li#t vela, no Teatro Oficina, sob a direção de José Celso Martinez Corrêa. Essas dua:
'•.•

96
Brutalidade jardim

produções marcaram distanciamentos radicais da obra anterior dos dois diretores e sinali-
zaram transformações nos respectivos campos artísticos. De formas d.istjjl!~, anunciaram
as crises políticas e existenciais dos artistas e intelectuais da esquerda o primeiro 4ufiifi~:
período do governo militar, expressando o desencanto com o populj~i{"'if::'5"~:lítico e éultu-
ral do Partido Comunista Brasileiro, do CPC e dos artistas de proi~ ~Qpo;-golpe.
.,.... "1·'if",
Os filmes de Glauber Rocha do início da década de 1960 .sê¾tl:tnHavam com a visão
do CPC de uma "arte popular revolucionárià'. Seu filme,.,4,-c:~' Deus e o diabo na Jl
te"a do sol, retratava a violência e a miséria do interior ._.1:·,; .,";':, :i:;jeste perpetuadas pelo
lati.fündio. Depois de matar um fazendeiro abusivo, l. i'~qfiro pobre e a mulher
se unem a um radical movimento religioso milenarí'Zt! tjü~ ~cabou sendo destruído
pelas autoridades federais com a colaboração da ~ !lê.Católica. Depois do massacre, o
casal encontra um grupo de cangaceiros com osl uifs permanece até ser encontrado
pelos mesmos caçadores de recompensas da 1t •; _:'°federal. A cena final mostra os dois
fugindo pelo sertão, sugerindo a possibil~;d~~1d~
i,,
uma redílíç~"'
,.. r.
,popular, apesar das J ,, •

limitações dos movimentos religiosq~\niléi.r~htas e da a .s cangaceiros (Xavier,


1993, p.50-1; Johnson, 1984, p.12Siff~)\::· ,,_<&, ., · .
Exibido pela primeira vez em · : d~/'1967,
.:~~
Terf!:~. 1
,, ~, _
((· ··~_,t\\...,. ?
ranse, de Glauber Rocha,
sinalliava a transição do artista{s .. . :..:r::· utopismoJ~f dêjpt~r a uma radical desilusão.
Ambientado em um país .Ja · \~/~ericano i~agm~l6 (Eldorado), o filme retrata
"/+e , -: , . .);e ,>!;?,
com uma postura críti~ ?~ p.~1!1C1onamen~ ;f ,,.,,;,~fi•sfas e intelectuais nas sociedades
pe.riféricas. O protagonfsticfi"êt1fdiulo Marti .. . .·. poeta e jornalista com grandiosas
pretensões de trabalh~·l}~la transforn1:~~~élt ~6.l. Ele é um revolucionário românti-
co e acredita que artii~:,~ ~intelectuai~ ~:~'Wip. atuar como uma vanguarda esclarecida
e revolucionar as m~~ãf · No ent~f, , · spreza e teme as pessoas destituídas, que
alega defender. :f~ift~ vai trabalh.c -)f,,,;ftã Felipe Vieira, a caricatura de um político
populista ca114iJtw'~'i governadóJ?r:.,, ¾ se ambiente, ele conhece Sara, uma partidária
do Partid~x/:.. ·· ·.\,ftli~"unista, defe!¾t"?~0;~';1' reforma populista como uma estratégia gradual
:~ .- ·"-:', ;.i

para uma;,i11yg nçáo prq!~táf~iit 0 turo. O filme representa o populismo como a car-
navali#~~~~:~ ~política'iffili:~~~f~m carismático "homem do povo" manipula as classes
,,:;-,.~---. •· .p ··~~~

pog. ~··· ·,~-,.. p or meio d ~;;expr~ssóes


~:~y~~-.
ostensivas de solidariedade e promessas de reforma
'~!--;;

. , ·a camp .• ,.:,, oral de Vieira, seus seguidores levam cartazes em branco,


do a falta;
,J ;~}tteúdo das promessas eleitorais do candidato (Xavier, 1993,
Pt ,J -8). Comqt8 ,; paval, a campanha política populista reúne pessoas de todas as
-~l . .-.,;:,\' :\ .-1~

sociai.~d~i~}Úma exuberante celebração do desejo popular. Da mesma forma


_· __ !asses
que o car - A;f,. /,!~;mina na Quarta-Feira de Cinzas e a ordem é restaurada, o líder
populistá.;t~#;;.µi'
,,.~;• .,:-:-,--
~ mente perpetua o status quo, urna vez eleito.
..

97

···· ·- - · ·· ·- · -· - - · · - · · - - - - - - - - - - - - - - -
,
~
'
1.
Christopher Dunn

Após as eleições, Paulo se vê obrigado a reprimir suas crenças pessoais e expulsar


um grupo de camponeses sem-terra que ocupou a proprieda..,~~-.~º coronel Morais,
um dos aliados de Vieira. As promessas eleitorais aos campo ,_ ''"'lf:-~i o ignoradas e as
forças de segurança matam Felício, um líder camponês. 1,.fê!ff..'r _ é suplantada pela
// ' .:4~:.:\\·:•
prática e o imaginário utópico de esquerda é esvaziado pel~tq.~fês a cínica dos interes-
ses de classe Qohnson; Stam, 1995, p.152-3). A cena ~ §t~ pressionante do filme é
uma manifestação de protesto contra um golpe de .~.,.;,:,. ,t~ti
......
1:llderado por Porfirio Diaz .,,

(nome inspirado em um ditador mexicano do iní'f' . ,.éculo XX), que representa


' ;-(/ .'i •.<' ' .;,,,.

os interesses oligárquicos conservadores sustent~g:q~:e&·gJçapital estrangeiro. Quando


Diaz assume a presidência de Eldorado, o govÂ}~~g~ Vieira e seus colegas políticos ~•::,;.

se juntam às massas para dançar samba e~ t M!.11 gesto inútil de resistência popular.
Enojada com a farsa populista, Sara exot,40~hi líder sindicalista local, Jerônimo, a
1
falar em nome do povo. Quando a n( ., ····:i erde a intensidade, um velho senador
paternalista aborda Jerônimo e o ma,tt'; ê~Çessar seu q/~~ntentamento: "Não tenha
medo, meu filho: Fale! Você é o/ bv~~l:~}~1;, Depois cl~,!\/i{~~; ';egundos de silêncio cons-
.. ,<;/'.;'f.• ii-~:- . / f}).'·;, ' ,,,<..
trangido, Jerônimo balbucia ii1~ijpalavras so~r,J1i~ta de classes e a crise política
do momento, mas conclui co ' ~~f;~issa recol ;~lãção de que "o melhor é esperar
as ordens do presidente". EJ~ t ifdiatamem/ ~b~f~~do por Paulo. Com a mão sobre
a boca de Jerônimo g~a(t,.;~~-lo de fal_ar, PàW'fb olha diretamente para a câmera e
sarcasticamente prC?vJ?\ ot~pectado~~,,:-f.11¼9.~ ' vê o que é o povo? Um imbecil, um
/ff '~~,~- . ,,~_,'\ ~~·t~·•-:.,~,•;/
analfabeto, um despõí ' o! Vocês it xpetl~aram Jerônimo no poder?"
O filme de ~l-ê};ber foi uma;t~ ii~jnre autocrítica direcionada aos artistas de
esquerda adept, ( di noção rom'illt:i~tíµe que a arte seria capaz de instigar e orientar
\'~i:'i:-:;;~;~;.· , .-:~?:'·;•:.

a revolução social'.rE m um Pº9'f?i~~tfilme, Sara consola Paulo, dizendo que «poesia e


-.~·,:-·• ./.~~•.i ',-~_a:,.., '
política sã<fi '"•':á;; ?is para urr~/~{gf@m
só!" As verdadeiras relações de poder, que estru-
turam odif: ;('f'h ismo de cF~ }'ê htre camponeses e latifundiários e entre proletariado
e bufm\#Í~;; expõem as,j~-q~i~àições fundamentais dos intelectuais progressistas no
'I~~,~~,
i.;_{;.· 'T ~~
f';·+·
exanq1'.:!u9fuento dp e 'ft;ii Paulo e Sara.tentam, em vão, convencer Felipe Vieira a
r~9'1k~"\r6't golpe. :~ . _, ,. ,_. o governador populista se recusa, Paulo quixotescamente
,j}, · ,,,:;~zinho, m~/
~Íiido a tiros pelas forças de segurança. Morre na praia enquanto
:Jlíaz
/i;:?!
4 é coroad<€1~~~ 7i do de símbolos portugueses e católicos da conquista colonial.
~i~\:.Í:J fI'erra em tnfffei/ijt uma alegoria ao colapso da política populista e à ascensão de um
· '<:t i:,f · regime a . ·,\/;, , )o em 1964. O filme sugere que a burguesia nacionalista e presumi-

dame1\têi:,t a,,g~essista" tem em última instância os mesmos interesses de dasse que


a olig, Y,ia ·conservadora e seus patronos multinacionais. O poeta, enquanto isso,
., ,,JJ,
pet~~ -U!t f na eficácia política de sua arte e morre resistindo ao golpe.
··,'-t_;i~;;; ~ !-

98
Brutalidade jardim

'• ··

:{. -tff
. Z".-1 ...

Cena do filme Terra em tra7?sf ;('.:;lauber RocÍig\l';~J,~67. Vieira cumprimenta


as massas em uma manif~§:fl~~~tf~pulista e uan;· os manifestantes levantam
-'•'ift{i~..,·· yt..,J;i-~
placas em branc.Qt;'~•:,ci:sim.úsicos, à cffi. '<~ó'cam samba. (Phocofest)
•··-.';.~ft/~th\;tv·

,"

.~:i f
t~);:~;;?f .._.•.
Terra em transe, de "'Glauber Rosb~?t}~erceu um imediato e profundo impacto
sobre os artistas ;i tJb,lJ,tros camp~i;,ç·i~tano Veloso mais tarde afirmou que "toda
-r~~~JÇ..'..,); ·
•?· . __,..,f ·-·~- r:~~-?t~
-
aq uela coisa dl~J'rô'-píêália se forniij9~'1dentro de mim no dia em que eu vi Terra em
•-:\. .;k?I.:--~.. . .-,?i:ti.-. ~\J}· 1

transe" (Vel~i:)~97, p.123) ,r6;~JP artista que diz ter sido inspirado pelo filme de
Glauber Rl4.,Pii foi José $;e\~@:\:iyr'~inez Corrêa, o Zé Celso, que dirigiu produção de
1
O rei J4t0it;j6!:0 swald: ãl{~'â~ade, no Teatro Oficina no outono de 1967. Depois
.....~·..: ,. --,~~- _. . -!;, -~:/~-

de asi~~§t~_ao filme, Zé11Çel~8'"sentiu que o teatro brasileiro tinha sido deixado para
·· . ,,;,;<.'\. ,,.

tr~~\.,:. . cinema, p~~t~\%i~ da audácia e inovação estética. Oswald escreveu a peça


,,11"' eqt .JJ$3, mas ela ê,J?Yf~~;!publicada em 1937, ano em que Getúlio Vargas instaurou o
:;t
.. ·-·t•
a~ipiitário
--~~-,
Esca ,_' ,:·', .•;.;:ro. A peça foi censurada pelo regime Vargas e mais carde igno-
,,f,;gJtjf~ por dire}pr~1!;:2~ícicos durante as décadas de 1940 e 1950, quando grupos de
teatro brasil.. .·<,y,&'-"4
;:,ç omo o Teatro Brasileiro de Comédia (TBC) aspiravam a apresentar
produçóes1~ii,'.,9iadas no estilo da Broadway.
···•,?~.-

99
Christopher Dunn

Oswald escreveu O rei da vela aproximadamente na mesma época em que o dra-


maturgo francês Antonin Artaud publicava uma série de ma:t,µ(<::stos e artigos esbo-
çando sua teoria de um "teatro da crueldade". Para Artaud, o,, ','..tõj;
~-
e m geral tinha se .. '

tomado um exercício estéril e excessivamente psicológico ~ ~stq__,,g/i "investigar alguns


fantoches, transformando a platéia em um grupo de espfçii~â~res". Ele procurava
"reviver a idéia do teatro total, na qual ele volta a se ap~~l'J g cinema, do music hall,
;?It· ~:J! ·
do circo e da própria vida, aquilo que sempre lhe pe.gspêê&"'1. O teatro para Artaud era
uma espécie de ritual coletivo envolvendo o contat! (âl .•. ·-. entre os atores e a platéia. 1
::<:;t);',:fi.fl _.-r.,~
Algumas das técnicas e teorias de Artaud foram;,f : . .,.. \1:fádas na encenação do Teatro
Oficina de O rei da vela, ainda que não fosse d~ I~~a ortodoxa ou programática. O
Oficina canibalizou Artaud para criar sua ,Bf~Jlf!_a prática teatral com raízes no contex-
to brasileiro. Zé Celso afirmou, na época/·~- ;,;.~bc.ado de acreditar na eficácia do teatro
racional e que a única possibilidade q1t' ''··,tava era o "teatro da crueldade brasileira,
do absurdo brasileiro, o teatro anár . .s"\ú w~ii~rl'
Dentro do campo da proc\~'ãqi._' J{u, o Teatrgt>' i:na se posicionava contra o
teatro "burguês", como o do 'Ilftr~ ~~~'.contra a p _- "-··- _- nacionalista-participante do
•'r•:·' . ·'!,· ·'.·V}.:

Teatro de Arena e do Grupo) . ,,, . .:J~ão. Zé Cels :,"_Jitffim entava que o teatro brasileiro
e seu público haviam se tqf:. --~egos por t;;·:~i~istificaçóes" em relação à eficá-
::--
eia do teatro de prot~to~:;;~- atro tem hoje ecessidade de desmistificar, colocar
·;,~}}t:- ~
,:•~1 __ tJ-;
1
este público no se,hl ,/ ·· -d ó original;}~~~ -;çâra com sua miséria, a miséria de seu
pequeno privilégi'~f r@· -~~ custa de ,g ~ 'ãt:,~~ncessóes, de tantos oportunismos, de
tanta castração ~;;fç,calque, e de.:t ~.4 ~itfJiséria de um povo [...] O teatro não pode
ser instrument J:<""''~~ ucação p~l:\;I½lt.:µe transformação de mentalidades na base do
bom-menini~m~: Y única po~j.~YÍ:i'g:ade é exatamente pela deseducação, provocar o
espectadoJ1Jicw--ocar sua iritif~@~éia recalcada, seu sentido de beleza atrofiado, seu
.-. ,-;1-:_f.'Íf·: · ~.,,.,+;/ __;~t ·.. ~---~(>~,;.',.~,_-
sentidqcif~ }l'?ã:t> protegidd f.: ' niH e um esquemas teóricos abstratos e que somente
leva1rit~;:tfiflmcácia''. Selá/' â uçóes do Teatro de Arena tentavam estabelecer um
pmí ;,,, .. ,,s":t comuIJ;l:,,('.: ·t ri~:;paÍco e a platéi'a, o "teatro de guerrilha'' do Teatro Oficina
b'lg- ; :li.cima clê?f · ,__ :~,;provocar o público a confrontar sua própria cumplicidade
, ·, ...,s''
.. as forças rel?iessj:ras.
David Georg,~~~;~rvou que a produção de O rei da vela no Teatro Oficina repre-
-' . , ·, \,.,,.

entou a P1:\~~~tentativa de aplicar a antropofagia oswaldiana ao teatro brasileiro.


"--~,;~::r.

------~-,•·'.:_;. ti;:;:]t•·
1 Ver Th.~µêtâfi'ff Cruelty e Toe Theater of Cruelty: First Manifesto, de Artaud, em 1heatei: and lts Double, na
an . t:: Amonin Artaud, 1974.
2 Tig;_ .,. os, A guinada de José Celso, Revista Civilização Brasileira, jul. 1968; reproduzido em Arte em Revista.
.',1<":•··~ ·, :-.-.-~~
•-".c.
Pm~á discussão sobre a utilização deArtaud pelo Oficina, veja Silva, 1981, p.160-3'. , . - . _.
·.-:~;: ·\
'\.-.... ' \
100 I.~
Brutalidade jardim

O próprio texto canibalizava Ubu Roi, do dramaturgo francês Alfred Jairy (George,
1992, p. 76-8). A peça. se concentra primariamente em formas de "ba.ii~;~ tropofagia",
descrita no "Manifesto Antropófago" como "os pecados do cateci~Uíl:~:::: i~i inveja, a
usura, a calúnia, o assassinato". A dependência econômica, o imp~iãlij:1 2 estrangeiro
e a cínica preservação dos interesses da classe dominante em ép~_f''" · ·~ ;ise econômica
são os temas centrais do texto. ix .;:
A peça gira ao redor do "rei da velà', um próspero e ~~~sJf~ ~ta, Abelardo, que
se aproveita da crise financeira internacional do início 30 para explorar os Ji~~:'·.·. ·
destituídos. Paralelamente, ele também tem um neg~~w:t~~ ·i~hda de velas, objetos
simbolicamente polivalentes que fazem referência à m~lft:''(i.e., objetos utilizados em
rituais funerários), ao subdesenvolvimento (i.e., fôcí;t,~§ de luz na ausência de eletrici-
dade) e à dominância sexual (i.e., objetos fálic~JJBt~f;~~~ócio igualmente desagradável,
Abelardo II, proclama-se o "primeiro sodaHt1 e aparece no teatro brasileiro" e
,,~\~t .;&i,~" •,i.. :;i.-

expressa suas intenções de, mais cedo ou m,; iis t:;ffàe, assumirr~fiiêgócio:
.ií;:-::,?;J;;:{)ii~:;, i.iif::j{[j1;,
Abelardo I: Pelo que vejo o sõê'iâlij~o nos paí - · ados começa logo
assim... Entrando num acorq;J ;I~~?·~ proprie~~t{f
Abelardo II: De fato ... Esta~~rfi'tim país se1i?(i,ç ; ,nial...
Abelardo I: Onde a g~~t~I½lQ;J"rer idéias,:/mas,,!}ã~ é de ferro.
Abelardo II: Sim. §fw,·~~fb;ar a tradí~gt {~drade, 1991, p.47) .
.,,.1,iê;;J;.t';,tt!{ff J/ '.•,\~):',t
Os "socialistas" poc\~ ,..acolher idéiâ§
·./:><~ \.;;./_.~~' '
~ilt~4t mas flexíveis o suficiente para não
~t~¾:-•: .
ameaçar a "tradição" Jis,t?:J'vilégios da~}~~a]f~ dominantes.
,•..,·';:·:.,~·"' </fi:.t,~-
0 enredo centr . envolve um a~i1wc'iâta
1.:..-, ·-:..:,,x-;M..,
e plantador de café falido, o Coronel
.;• .-~·l•

Belarmino, que ·' ·.>,encia para ~ j -Ífiha, Heloísa de Lesbos, se case com o rei da
-{,,·-::.. ~/;} !l·:·.· ...:-,.:-'í-j~---~~>

vela burguês eti'.ascensáo, para EP . à família da ruína financeira. O segundo ato,


-..,;;;_·;'\:;~,)1,,,: . /~i{><· . :
ambientad ; ' t> de Janeirq#/Jp,~~enta um grupo de personagens bizarros e deso-
nestos da ' Belan).}:in~lii!.Q~i§ competindd pela atenção de Abelardo. A tia de
·:-~~ (;,·i-;~.- -· - ,. -:~::: ,-.~,;t~t-!i/.':}~. ,-,,~i·
Heloí~a~{Dô11}a ·?oloquinh1/ i~,rra d escaradamente com Abelardo enquanto proclama
suas ,~t;:,, · e seu s~gijf ~i;·tocrata. Seu irmão fascista, Perdigoto (aparentemente
u~ } ,,~'b ro do Parti8~;}1ijtegralista), tenta conquistar o apoio financeiro de Abelardo
~;-ir..:_· . .,:1','\" · t:;;;.;

p~~~~:rganizar umi ;,;;~,~•!kia patriota'' a fim de reprimir o movimento dos trabalha-


" dq!'r~s. O própri~t~~lardo é completamente subserviente a Mr. Jones, o investidor
*_.;:';''!?~..--
if:-·, ;_ ·;,,. " '\:\,, .,~
·,.\i}fi'firte-ameri ,, qtt,e exige seus "direitos" sobre Heloísa.
A encen~Jg;ij~1 e O rei da vela pelo Oficina foi uma farsa fantasmagórica que sati-
rizava a pin.i.j'~, oficial, ridicularizava abertamente o "bom gosto" e se deleitava com

101
Christopher Dunn

1 o grotesco. O cenógrafo, Hélio Eichbauer, tomou por empréstimo técnicas do expres-


sionismo alemão para criar cenas que provocavam estranhame~~fk Um palco giratório
produzia uma atmosfera delirante, que lembrava um carrossel~,; ;l1á"qual os atores e o
;.i.t'-<.J.. ~~•5',.

cenário se mantinham em eterno movimento. No primeirc;t;ii'.t:5k_:~eiardo II aparece


vestido de domador de animais, enquanto subjuga um gru1i 1fl~--~evedores enjaulados
com um chicote, sugerindo uma atmosfera de circo par, - · .:ireendimento brutal. O
segundo ato, ambientado na praia de uma ilha perto . -e Janeiro, mostra o elenco
em férias. O cenário de Eichbauer mostra Abelardo / orno um dândi tropical, se-
gurando notas de dólar. Folhas de bananeira e coç~ \\1 '- am um panorama da Baía .~(~- t,>.1- i'

de Guanabara com pontos turísticos populares, ô'Ri ., -e Açúcar e o Corcovado, vistos a


distância (ver imagem 11 do caderno de im,~J?;~s). Para a cena, Zé Celso incorporou o
estilo do teatro de revista, além de element~ ;;J ~\i hanchadas, que misturavam música e
humor (Silva, 1981, p.145-6). Uma ins$ff· ·v,,.i~ cenário cita ironicamente Olavo Bilac,
o poeta parnasiano, famoso por seu gft;i _%'ino efusiv · :,a.nça, nunca, jamais, verás
um país como este!". O terceir~l to ~~J:fi a morte 1:}ji ril~ica de Abelardo, a ascensão
de Abelardo II e a intervençãBf; •· ;'.-. Jones co~~"_pYI*cipal mediador do poder. Zé
,(':'".~· ,,·:::-,'!--:·-:,~·~---··•:;,.

Celso optou por um melodragfii91?êtístico ao p~ ~}a cena com músicas da ópera de


Carlos Gomes Lo schíavo (Q;,$~.;'6) (1888), j{i~t â~, dessa forma, à relação devassa-
lagem do Brasil.3 A u ·,.· ·• . . à ópera por zl~2Íf~ no ato final muito provavelmente
foi inspirada em Terra,:~ ,,trd"!fse, de Gl~\-1,PiL~Êha, que apresentava trechos das óperas
;<:f:>t-~:"~··· "'-.:~:1\:>,·//•:r---:i-,.."
·!:·-{( .
1

llguarani, de Gom~};·"'@lq)J},tlo, de Verdj/ 'N~,-duas produções, a ópera era utilizada para


sidade e artifu:ialí&tno:Í'
..:._~-· •.~ , ·~:·· \}'::.~;,,, •:,~:'i_/i,/W

Mais tarde, ? - lso afirmo~ 1 qâ~~


encenação da peça de Oswald foi em parte
inspirada pelos
_.,_;/?f,{_~:·
~s reótipos es_s;:l~gijr~s em relação ao Brasil:
}-'1~:-i'.:/ft~-,,..
. :t \)l.i}: ,f/~Iti~.::,:,\;'
._:f'·andõ; eu estudait ,:,:Q"·,:-êi da vela, saiu na capa de Time ... uma foto do
;fj~f;~:· ·dente Cost~:J :;~i~f' em cores, com uma bandeira verde e amarela no
,:'ifi\l!-:!i,1Ho. De.Q.tr9~;~lttif~portagem cem fotos, para estrangeiro ver, de 'nossa
...!,,;J_"f\',;~~.:-·. ' ' '' ;:,, ;:? .. -::;j)~_t\ -:.
·•ente e 'no .,~Jiéfúezas'. Isso me deu um choque: no meu ouvido batia o
5
'outro lado-;,,;t\ ,: da criÍ~a. ..
_,,\' ..

·;,t. t' .,.f-},,;?th,,.:b~


·,'{;ffe.}t'fl'3 Carlos Gomes'/:( J836i~6) foio mais adamado compositor de óperas do Brasil. Lo schiavo foi apresentado pela
primeira v~ l\\~f!'yitro Lúi.co do Rio de Janeiro no dia 27 de ourubro de 1889, pouco mais de um ano após a
aboliçãa,,&;i~&~:N'a tura e semanas antes da queda da monarquia. A ópera foi patrocinada e dedicada à Princesa
Isabel,/,_u"e}:'nQf.llia 13 de maio de 1888, assinou a Lei Áurea, formalizando o fim da escravidão. Ver Enciclopédia
da , ' '\ ,. -asi/eira, p.335.
t\'Bruce, Alma Brasileira: Music in the Films ofGlauber Roch, Johnson; Stam, 1995.
brilha? Vqa, 23 nov. 1977, p.74.

102
Brutalidade jardim

.,\"<f_. . .t Y,,;:.
Zé Celso brincava ,W .s estereótipQ::i.-''q~ seus contemporâneos buscavam com-
··;:::.,:":~¼:;._ .. ' ~~~·.:y,.,:,. ,·,_.
bater. Revela também tiírtff'leitura da ctiittvra brasileira em sintonia com "o outro lado
',,, '," :-~)!i.~;:~-.~, '~ ·',/?J
da coisa", eclipsad,~'fW,l@;s tentativas fiKrêg~e de projetar uma imagem idílica no Brasil
~-~~~,->,.. /f· ft,·<~-~~;.-,..
e no exterior. qfêitrtlf'Oficina bu "-
-";i-~t\! .
··~ê' apropriar ironicamente dos estereótipos sobre
:_,_

a cultura e a_vk ··- , :,, e brasileir~,f@.:.:.:."~hansmitir uma mensagem relativa à dependência


e à explora/ ,· o gov~rns-t>$·~}Í\~#f
A pr~q.- 6lij~ O ref~it.1i~f]';f~~lo Teatro Oficina foi um divisor de águas nos palcos
brasil. ·' ,,. :t/,ft~ 1968, o ,aru~-~:iapresentou a peça em festivais internacionais na Itália
~,_.. ·":·· ; }r' ~

_ ~'Ça e produzi ·-· s versões depois de voltar ao Brasil (George, 1992, p.63).
·-t-i... : '1-, .,._ 'f..!:-

·'•· N~_.c
,.:pi.:·;.,
\~;i;l1r:'..-Yt
eço dos aryii;l~i:-Zé Celso deu início à produção de um filme experimental
•s r
·· ' . ·.,-,.-
,,;::r basêi3:"élo em O rei, .
:;0\~~ }fl
, concluído em 1984, mas nunca distribuído. Na versão cine-
-~:,'{rf .,
-\~f;:™i¼fográfica, a .$~~pêia da peça foi substancialmente alterada, produzindo um filme
estendido e_;;. )~éar que apresentava uma mistura de cenas em palco, imagens de
arquivo e ,%'Bf.e.'§ffitaçóes improvisadas em público.
"r~.~:5•r.fJ/

103
Christopher Dunn

Como todas as expressões artísticas no Brasil durante a década de 1960, as pro-


duções teatrais eram cada vez mais investigadas por censores e$.M~uais e federais. Em
1968, a intervenção do governo se tornou tão intensa que a _-;~ hnidade teatral de
São Paulo declarou uma greve geral para protestar contra ~ 1f ; ,, a (George, 1992,
p.105). Formas ainda mais sinistras de interferência e re~~-~ssãb,· subseqüentemente
ameaçaram a comunidade teatral. Depois de O rei 4_::l#~1rt:.~;fi'zé Celso dirigiu Roda
viva, uma peça escrita por Chico Buarque sobre a d -~ ~titi~icação de pop stars para
o consumo de massa. Os experimentos de Zé Celse/{ .i.,teatro da crueldade foram :~;-~-:~\.:;,/.}':'-~, _::,r-~
ainda mais radicalizados em Roda viva, peça n~:j · +'6'-·wi1co e a platéia se tornaram
_quase indistinguíveis. Nessa peça, Zé Celso t1i ~;.,;,.::"ou com um coro composto de
atores não profissionais. Em uma cena, o .,gc,9,tagonista Ben Silver, uma celebridade
da música pop, é crucificado de forma ri ,- · ''fi'ta e pedaços de fígado cru são distri-
1·~

buídos aos espectadores, que, dessa fo;:,; ,x sam a ser envolvidos no consumo an-

tropofágico do ídolo pop. Outra cet~'' a ·._ enta a Vir ··. - :;§0.aria de biquíni, girando
diante das lentes fálicas de t11.W,t\:â_iff~{áe TV. U . ''pt(~p~agem circula pelo teatro
:-oef "<'f!?-;;, . "
gritando obscenidades para a pl~têia'[~ encenaçã'.,,1:,_-~r.t Y~/.;:
2:->,;·;,:,,::;,- :,.da viva acabaria provocando
a ira dos membros de direitat~~i59t:ledade brasi1~lr.~;:Durante uma apresentação no
'-;:~;:<<::/ -'~(- _.;:~-~ -~--t.~;•tf,:{.,_
Teatro Galpão, em São P _- J !ti.}Í'fia organi~~ o Bâramilitar de direita, o Comando
. \!."'."" ,,,";,,. •

de Caça aos Comunis1-f..s <' ,,t invadiu? rdtftr destruiu os adereços e espancou os
atores, alegando qq~-~-J~~a ef~ "imor.aJ.'.~1é l ~JJQ,iirsiva,,. Quando Roda viva foi em tur-
\ ~?~-'.-f:ls-.-;-. ~;:'. ~;:'k t·.· .'.'..·,f>/~>:ft::. :)-..~ --·-
nê para Porto Alegrê~',.S 6l~dos do pr~,pú õ\~ ércico brasileiro invadiram o hotel onde
estavam hospedagp,~ os atores, esp:a!,).2Í~J' o elenco e raptaram um ator e a estrela da
peça, Elizabeth ~; ii~h, que ten~i~Rti;;·tuprar. Depois levaram todos de volta para
São Paulo em urií""ônibus milit~i:''' ,ijeorge, 1992, p.105; Ventura, 1968, p.229-37.
;,,:_,·· ." ~,~:·:.~,,i•....--_~._, '
1
Agradeço :t!;J( ,Ç elso Martti9-i j ; :~~rrêa por ter revelado detalhes importantes sobre
estes acst?ttili'~n tos). <t~~\t::::t,
Q,tl-i///i!iive/a do Teatl ficina foi bem recebido pelos críticos teatrais e teve um
imp'~ ~~:'~t, nifica~!Kº i\~;t ,'_ ' ração do prc,jeto tropicalista. Apesar de Caetano Veloso
rii~it p'tilsro sua·,,~ç~~?k anifesto "Tropicálià' antes de ver a peça, ele reconheceu
,si~ltifit~ fluência erp;J 1m,;i~rrevisca no fim de 1967: "Eu sou o 'Rei da Vela' de Oswald
,-i&i;;;;.;~~:Ândrade pr~~i id; pelo Teatro Oficinà'. 6 Ao ver a peça, Caetano percebeu que
f+\:"'.r:-J 1avia uma ~,9i'i~t~t!;ência de afinidades em várias áreas da produção cultural, o que
,,,,. / '.~, ,de um "movimento" (Veloso, 1997, p.224).
i~\::•

6 Vef:f ~J~s Acuio, Por que canta Caetano Veloso?, M anchete, 16 dez, 1967; reproduzido em Veloso, 1977,

104
Brutalidade jardim

Nem todos os críticos e artistas se entusiasmaram tanto com O rei da. vela. Roberto
Schwarz argumentou, por exemplo, que o teatro agressivo do Ofié1'.cyªt .,..,_,,; . que muitas

vezes envolvia insultos físicos e verbais à platéia, jogava com "o ci. · .,, {;tia cultura
burguesa diante da si mesmà'. As táticas do Oficina acabaram s~:af · 'indo a uma
-J~f..:·;;
"manipulação psicológica" que fechava todas as possibilidades~~~:ii ção política: "A
dessolidarização diante do massacre, a deslealdade criada n "' ·i~r da platéia são
~-.... ~ ...,--:;,//.'.
-

absolutas, e repetem o movimento iniciado pelo palco (Se: ifí}"1978, p.80). Apesar
de Schwarz ter se mantido cético em relação ao espírit , "t:.f;:••_ r das produções do
Opinião e do Arena, ele se mostrava particularment _.: ' , ·d i ~do pelo niilismo do
1
Oficina, que parecia se limitar a desmoralizar a esque;di .tt0
Augusto Boal, o diretor do Teatro de Arena, t~~Ç:91 escreveu uma crítica severa ao
i ~'<~\1>'

"teatro de guerrilhà' do Oficina. Vale analisar s: ;aque, já que ecoavam denúncias


mais gerais ao movimento tropicalista. No ~ - ·1968, Boal organizou a Primeira
Feira Paulista de Opinião, um festival quel;uqtrfarristas, emY~~t~~ aioria diretores de
:f.~ t ,- 'Í~~:h-:-:./J.:Iy -~·r.1J~j,~,__;~,:,
teatro e músicos populares, incluini ,:' ,!;;f!Jt 1t':'ôbo, Sérgio,;~ ,91iâ o, Caetano Veloso e
',:,.t .::;?.~' \ .··} :.J~? f I:,.ft,.t_':.";~ ,

Gilberto Gil. No programa do festivà!t ~pJ publicou st '' "iõ "O que você pensa do
,:;}\~.\,:....,;_ -,:~tJ t~".
teatro brasileiro?", no qual analisa . · ' '_.l._?rincipais c9ff~ :4;:; do teatro de esquerda no
Brasil. Ali, ele explicava que a in~-' ifdo evento 1
it~_
çr,tltivar a unidade na dividida
comunidade artística de es · 'ât:rf 6 entanto,;-<:> te~;~,;~cabou se revelando um vigo-
roso ataque ao Teatro O q~ Ii,?o:,;";f? -~ovimeh~~I<:,-- _::-l itlista em geral. Criticava o tropi-
calismo em vários sentidos, ãlêg'a ndo que q,)h oyím ento era "neo-romântico", porque
atacava apenas as ap~~G.~ da sociedi ~~t:11, i~meopático", porque só era capaz de
criticar por meio da ~ L"~ çá.o irônica;;ij:ª- cifonice. Afirmava que a sátira tropicalista
l :.~_-:., f''(~;,.,
~ ' !;.;,t ::,·-'

era "inarticulad( ,;4Jerque em últi~~ ldgtfulcia proporcionava entretenimento para


um público prJ~ · · ·: o, em vezJjl~t;çhõ,c á-lo: "[Ele] pretende épater, mas consegue
apenas encha1t/J'k.~s bourgeois" ._,,~, ~~,; ·~argumentava que o fenômeno tropicalista era
1
"importaq/~½ iie os músiccf "'"~'' avam os Beatles e os diretores de teatro imitavam
-:/'riZ~; .· __,. ,..;, . -._
o LiviI1:g;:,,:,· _,.,",F_r (um415,\i>'ó~,P.f teatro experimental dos Estados Unidos). Outros
crític~ ;{~li'rrt~t oar a crítl@itp~"Boal segundo a qual os tropicalistas eram imitadores.
UmLjtr;IDsta cscreveíÍq.(? pãra o Última Hora ridicularizava os músicos tropicalistas
..,_ . ,.:;tX-'.·it ~.e:,
ggí~¾k}~ppiar" o pop,, . 'lteiro: "Ocorre a necessidade de se estabelecer um paralelo
~\ ~·-.. : _,~~/: .,I_.·;~1-
~;i\ ~{t:·;;_
erttt~•fb trabalho ' "'(Ti5vens tropicalistas e o original inglês, onde os Beatles deixam
.~,,,_.~ iis acessível Jt' Jf seu impulso criador. A diferença básica é o estágio cultural".7
·.:,,:~;~;.., ~~es

____0!%;):t~
7 Francis Pá~m§i~ influência de Paco Rabane na música popular brasileira, ou O tropicalismo maior de Charles
Lloyd, Ú/ti,;;fj'H ora-SP, 27 out. 1968.

105
Christopher Dunn

Para esses críticos, a Tropicália não passava de uma imitação de segunda categoria de
modelos existentes nos países dominantes.
Boal conclui que a Tropicália era um movimento equivo,~~i~~,,,@:cpotencialmente
perigoso para os artistas de esquerda devido à "ausência di -;,..,.-,_,~
'1u~!ªtz":
••".."!-,'''"
Ele parecia se
incomodar com a atitude iconoclasta e ambígua dos tro Í~§tas e defendia vigoro-
samente tanto o próprio território, a facção "sempre d: :. . _1,;·~~e incluía o Teatro de
ç.V· ··';Ç:.:.:,·).. ...

Arena como uma visão binária ou "maniqueístà' daJ . ·í,'••-1te da política; além disso,
não tinha paciência para ambigüidades: "Que isto ·'"' · claro: a linha 'sempre de
pé', suas técnicas específicas, o maniqueísmo e a)fíi1#'. ~ ~ -r.'.... tudo isso é válido, atuan-
te e funcional, politicamente correto, para a fre~~Jit;[{ etc. etc. etc. Ninguém deve ter
pudor de exaltar o povo, como parece acoryfê~~rcom certa esquerda envergonhada...
;{1;:J'.. "'..1'.}f·

Maniqueísta foi a ditadura. Contra ela e_..côhiftl 'os seus métodos deve maniqueistica-
mente levantar-se a arte de esquerda m/,... 4;, (Boal, 1979, p.43-4). A postura "po-
liticamente corretà' de Augusto Bo~?' cq,lff~aízes na · · ,~ncia populista do CPC,
tinha pouco em comum com ifã'-,
'4.~~.,-.
,'<·:Iabárquica e «
~··.t~.rtf~
•,2::;1;_·.
dos tropicalistas.
Os músicos tropicalistas tarrioê . ,ancinham 9:ij9gó: com as artes visuais, especial-
mente com o neo-realismo carii;t(f~;9 ~eoconcr ..· ,. ,. ,m:uas correntes distintas no Rio de
Janeiro. O neo-realismo · ,,;·;: :r ?mum muii~ . mesmas características encontradas
na arte pop anglo-amt;J~~t:f~j~iç,áo da :y,-re "~::~,u~tà'
modernista; interesse pela mídia
popular, como o d~~:tAfi:;;,
os qui'. ·· ,:} :·.~:';+'Fotos de jornal; experimentaç,áo, com a
produção de massa; e Fôdf'ii.a vida cotimfui / .·•m comparação com a arte pop metropoli-
tana, contudo, 0§1:P.~::-realistas era.ii~i,ilstêà~jados com a crítica social e política.
Rubens Gerg~,wJt, por exe~ b:R~ii'tüduziu uma série de pinturas, Os desaparecidos
(1965), co~, ,,ase em austeras ,· gtMias em preto•e-branco de pessoas desaparecidas,
suposcame ;., '(;timas da rep.f~.~â'militar pós-golpe. Outras pinturas de Gerchman
do mes · , . ·,;,érí~do se aprªJ~;l~ da iconografia kitsch da cultura popular urbana.
Concf!i" m iss (1965);\(~f,j;~ta uma fila de mulheres usando biquínis com sorrisos
pli,~Jfê~:i J~ iante 4$.,~$ff\~~tb de fotógrafos e espectadores. Diferentemente da série
1
·-<t1:,n'itfonroe, cfi I~,PY Warhol, as concorrentes representando os vários estados
· Íleiros não apijse~tam nenhum glamour ou fama (Coutinho, 1989, p. l O). O rei
, mau gosto Jt~~~}·, de Gerchman, é uma obra em que a multimídia incorpora o
,; rasáo de u~ ':@f~je de futebol local, um coração com as palavras ''Amo-te" rodeadas
de vidro ·. do e urna bandeja laqueada com dois papagaios, uma palmeira e o
Pão dç}~'.çâé~ ao pôr-do-sol (ver imagem 8 do caderno de imagens). A utilização
desse~f _: :S sugeria que o "popular" poderia ser encontrado em meio aos objetos e
. '~·--- ' .,,
enlt5l~ gs aparentemente medíocres das massas urbanas. Sua obra mais famosa da

106
Brutalidade jardim

década de 1960, Lindonéia, foi a inspiração para uma música tropicalista de Caetano
Veloso, que discutiremos a seguir.
O inovador e teórico mais radical das artes visuais brasileiras d~~{('.:'ibs anos 60
foi Hélio Oiticica. 8 No início da década, Oiticica tinha participJd~~? ''movimento
neoconcreto, em que se procurava chamar o espectador para,,~jt~çip,a r ativamente
da criação do sentido da obra. A meta final era abolir a sejiÇi~; entre a arte e a
vida. A questão para ele não era como a realidade era reprC$.~;tlféfii na arte, mas como
os experimentos na arte poderiam ser aplicados à vida. ,~;-~·:,~~ceituação da prática
,,;-~·-,.. ·--~t¼t1\'.': .'.:t'~'
vanguardista não se baseava na inovação estética, Illl§:~~\,,críliçáo do que o crícico
brasileiro Mário Pedrosa chamou de "antiarte ambie~fil:f;' capaz de criar ambienta-
ções e contextos para experimentos comporrame,~i\~~~çoletivos. A arte deveria ser um
"exercício experimental da liberdade", capaz ifi . ';formar as pessoas por meio da
experiência sensorial. 9
ªI .:::~~;'1:':\\s, ,. · >("• :'}"1:tt~'::

Para Oiticica, o artista deveria propor pfJ.ticai;'em vez de -~lát'1q,pjetos artísticos para
,§:\,,-~ ·yfh\ ,r-.,:?~:•i fi-r~1'.i~\::.~. -
a contemplação passiva. No início ~ 'f' ' ,, -~tle 1960, el~Jfâf1'.íou a primeira experi-
mentação com a antiarte ambiental, 5L ,,,,/ · andava º s~Y::gÍ~mento ativo dos espec-
tadores/participantes. Durante esse desenvo,Jy:tir~J relacionamento próximo «f~~,
com membros da escola de samb~'.i i~fugueira, qu'.( ~ 9 t*piraram a explorar as dimen-
sões performáúcas da arte ·:: ~i1~Jfimeir<_> ex,m.eri~~;~~o nessa linha foi a criação dos
parangolés, uma série de,,_;p .] . . ulticoloriáh· . '·.ias camadas para ser vestidas por
participantes ativos que s;·;~-; tiáfiam parte 4;t o .i,- 'de arte em si. A palavra "parangolé"
era uma gíria utilizad~ipg1J3io de Jane.iliõ,~#lt!E<.crever um "acontecimento" espontâ-
neo e repentino que j\~Jli alegria. S~~dâ'as anotações de Oiticica, a utilização de
parangolés reque~::;j,~ ~ipação cor~ ~l!fteta", por pedir que o corpo se movimente,
. _' 1 ,)análise". 10 ljf:~w.êira exibição pública dos parangolés, em 1964,
"que dance, em'!>i-''' 0--;! <· •,:•,t_:·,

no Museu de -~ ~ M~dema, fo! , J J~~m sambistas da Mangueira.


Oiticiç,:t ~:2.Hzou aindaf <a experimentação com a antiarte ambiental em
1967, qµ, ''' present~9,;j,iíi~iJàção Tropicáliã na exposição coletiva Nova Objetivi-
.-,,... ...--~ ·,,.•.,. . . ' ~· ; ·.-•,;: :.•~ ~,_,_ y :

tktde f;}fqji'liJ!ra, tioMuse~,âi:~ te Moderna do Rio de Janeiro (ver imagem 9 do cader-


--_,p.fÇ,, -'f~~~·.;,,,
·-
/ti\'~rf _ «0~•-
ít\~t~tt!ºngo dos anos Gqis;:,ro · 'o Oiticica escreveu abwidantes observaçóes explicando a reoria por rrás de sua obra.
, Uma fonte indispe · ·· · . consulta é o catálogo de uma retrospectiva inrernacional de 1992, H élio Oiticica, incluin-
..,,j Jh os textos do , · ·os de Guy Brett, Catherine David, Waly Salomão e Haroldo de Campos. Ver também o
?ffl'"catálogo da .. , opicália: Uma Revolução na Cultura Brasileira organizada por Carlos Basualdo.
9 Veja Mário P~psa, rograma ambiental, p,103-4, e Brett, O exercício experimental da liberdade, p-222-3. ln:
Hélio Oitictf,'ti:~»3); Favaretto, 1992, p.168.
10 Veja Oi~~!J~~~ fundamentais para uma definição do parangolé e Anotações sobre o parangolé, ln: Hélio
Oiticica, 1993:t

107
Christopher Dunn

no de imagens). Ele concebeu esse projeto como uma crítica. à arte pop internacional
e suas manifestações no Brasil, buscando criar uma "nova lingú~~m com elementos
·•:{~'.},

brasileiros", por meio da criação de um espaço ambiental tridi!Jl~-~~ióhal inspirado na


.,~, ~t~·t..,""-~.:~ .
favela da Mangueira. A instalação fazia referência à "arquite~ 'rajêfgânicà' das favelas,
, ~ '-...~--~ ft.~•

às construções inacabadas, aos terrenos vazios e a outros aspiFi,~ps.materiais de espaço


urbano em processo de for.mação. Oiticica. descreveu Tt.:fji~4Jj; como "a primeiríssi-
ma tentativa consciente, objetiva, de impor uma i~~p,-fffí-}óbviamente 'brasileirà ao
contexto atual da vanguarda e das manifestações da arte nacional". A obra e.i~:i~i~::
consiste em duas estruturas, ditas "penetráveis", .,fit!t~j;p-e'.,~ adeira e tecido estampado , ... :, ,<,.4; _,;',. .1

com cores vivas, que lembram os barracos da fàv~hf:-Trilhas de areia, pedregulhos e


plantas tropicais circundam as estruturas, ,;élJH\lanto papagaios vivos se agitam em
uma grande gaiola. O "penetrável" prin':~fi;~½'~ida o participante a entrar em uma
passagem escura e labiríntica com um têLN,~r ligado no final. A estrutura "devora"
..'J•. ,~, ..',·'' ,
o participante no brilho incandesce~(ê d~l:ffnagem tra1j!;ifii~ida pela televisão. Ciente
da poética oswaldiana, Oiticic~•:-§~;:~{~iif à instalaç,ã~li~~-"a obra mais antropofá-
gica na arte brasileira". 11 A utll\~ª '\ de um sím_~j~1t áo comum de comunicação
A,f•I:~:.. ...5:-~·, ,'fT" ,;?f/1
moderna em uma estrutura s(m.tl~ a uma favelá{Ç.,_ç:_rJ:ã.da de papagaios e tecidos com
n;tr:~ . /:J ~../· ;_;;i::~~~•· ,·
estampas florais salientava ~fil-lJJíinçóes da ~ ii~widade em um país em desenvolvi-
mento, no qual difer~~~j~ o tecnol1,.gico:f ?t tropical, o moderno e o arcaico, o
rico e o pobre cri~.F,~iit.f~~es marca:tfR_,_' · •~~?tipo de justaposição, que sugeria que
-,,~,.tt; rr)' }r::,/?t,\ :·.,. t;:t-~~-.; i -

0 subdesenvolvimenco'êsrava incluídqJno·piôcesso de modernização conservadora do


i'í~· .,,.

Brasil, viria a se Ji~k\!r a marca rég¼:r~ài/l~~tla produção cultural tropicalista. O "pene-


trável" secundátÍiti}&na estrut4çjt ~f5dtta contendo a inscrição "Pureza é um mito",
uma máxim~ ~ro;i~ lista que j!l~?~,a impossibilidade da autenticidade nativa.
-/ -":·,.:i.:..~ ;;~r,~ ?.~f~J
Alguns i~,:!ris;o s question:~i~m.}Fessas manifestações de cinema, teatro e anes visu-
:'~:-,. ¼'_:·.\i 1 1~ .. -:;;r •..-:-••,,\-~:·
ais deve1~ _'1éi- consider3:2~ ~ ?picalistas. Antonio Risério argumentou que a "Tropi-
cália_!tit~fsl~a e essenci4iy~~e coisa da cabeça de Caetano" e que, por isso, de modo
al~~
_•--.:~.'•
~~--~•,r1--
hstitufa"tV,}1~
~--;;•.' !'.
#tP,W:Mento
~"\.:'=-
artístico-geral (Risério, 1998, p.11). De fato, a Tro-
,;, ~itt;s6'~"e consolfctb~;fcimo um movimento no campo da música popular. Terra em
,i:{q/(rt'fe, de GlauW~;}~q~a, O rei da vela, do Teatro Oficina, e a instalação Tropicália,
fif~';;:ç{~"Oiticica, (of~tWâlientificados como tropicalistas apenas depois do surgimento do
i~!0;;.)bovimentoJ~ti~iàJ. Em 1967, quando essas obras foram apresentadas ao público,
.\:~ ' ~r
elas não e~ :J tecessariamente percebidas como parte da mesma lógica cultural que
perme~~¼1'siµs diferentes campos. Foram interpretadas dentro dos limites das áreas
,.,J1:~~~).
11 Ói~~di'. Tropicália. ln: Hélio Oiticica, 1993, p.124.

108
Brutalidade jardim

específicas do cinema, do teatro e das artes visuais, respectivamente. Dito isso, é im-
portante reconhecer, mesmo assim, a natureza profundamente diald:gif ,ª da produção
cultural do fim da década de 1960 no Brasil. O próprio Caetano aJ:ir~gti;;várias vezes , :\, " ' ·' ·"·' · •

que Terra em transe e O rei CÚt vela foram eventos cruciais por um "movi- l~t\çt!ffu'
mento que transcendia o âmbito da música popular" (Veloso, f~}JZ~"i'.244).
Mesmo no âmbito mais restrito da música popular, a exH···• ci:- "caetanocêntricà'
tt"-':,1. , ·.,;
de Risério subestima as contribuições dos colegas baian ... ,,.~ê-iís aliados, registradas
em álbuns-solo tropicalistas lançados entre 1968 e 196.}Í:p \., ilberto Gil, Tom Zé,
Os Mutantes, Rogério Duprat, Nara Leão e Gal Cost " . •"'.it~ 2 de Caetano, Maria tµ:fuá
Bethânia, que não participava formalmente do moJi~~~o tropicalista, gravou um
LP ao vivo em 1968 com músicas tropicalistas. Q~Hmo assumiu o papel de porta-voz
~;,·f '"1: \?t~ 0

da Tropicália, especialmente depois de ser con~iwâa


,~. .il"i.:,...
como um movimento formal,
;et if~p6
_i;

mas sempre trabalhou em colaboração com baiano e em diálogo com artistas


de outras áreas que expressavam idéias si~ ll~ 1;i
,;;tlii 7

41{ Mú~UUIS' D0 WS':t'f Tl0Pl(Í('1 { 41L{(,01UI


, .'."3i{;~~)'.i~/Jr tff;'ittÍrf'
Os marcos culturais de lii~1½~lecialme~te ;;[erra;gn transe, de Glauber Rocha, O rei
CÚt vela, do Teatro OficinJ;,,( Y:rw:icdlia, de K~,, ,.,~i_tiêica, sinalizaram wna revitalização
da alegoria moderna. Na'd~firif~b grega dás§$t~/ ~i~ egoria denota qualquer representação
verbal ou visual que ~:wz,
çmcra coisà' , (Ç~<~Jirtg~feuein), muitas vezes gerando obliqua-
·-.: -:,. .,· . "'' l ' '/<-,'x,

mente o significado p~ft" ·o de abstra1t~ s'-figurativas. Na mitologia greco-romana e nos


comentários bíblie;Qs d6~-períodos 11\~ ;~~-e barroco, a alegoria era um modo de repre•
_;,c-.?t;-~~-.:,:;:;·, ::;? ·\,;i~)\-.~. . .
sentação que ev --:, ·,,,à,_i':c orrespond~Wiªfêntre a realidade material e o mundo espiritual.
l."':.: -::-", ;,•.~-(} ._,, ,r'J;:,;fj;f,"-"

No século ~ L~- ~~etas rom,. ,, rejeitaram as convenções alegóricas como alusões


. ;,.,~.::--:.à·j__ .· ,r
rnecânicasiéf~ittarias.
';:,;• s,,r:,~-,i~
Em o '' ~o à alegoria, os românticos privilegiavam o símbolo
$(

como " . J) de repr-çse , · . '1ue cristaliza-V:Í. verdades eternas e universais.


~ f f~L- it~es mo,di'
1
,'.,; ~/alegoria se fundamentam em grande parte na crítica de
WaJ:i~r'B'~njamin aos ~~FI~ricos, em seu estudo do trauerspiel, a melancólica tragédia
· '''$;:i, co alemão. ~~J$min detectou semelhanças entre o período barroco e o pós-

. '"k,t'.' Ira Guerra ~~$ai na Europa - ambos marcados pela decadência - e defendeu
'"itr"'':-'·. _ ,ª.?~pressão
../;:~~;-•
al :·' }.-_, como particularmente relevante aos dilemas da modernidade. A
'ft~{!~irilliação d_aji,.h;:lí,a é freqüentemente identificada com expressões artísticas de derrota
política olt{rJ ~ ; ; o (Avelar, 1999, p.68-77). Enquanto o símbolo constrói imagens de
totalidadêt:~#i~ca, afirma Benjamin, a alegoria representa a história corno um conjunto

109
Christopher Dunn

heterogêneo de fragmentos: ''As alegorias estão para o reino do pensamento como as


ruínas estão para o reino das coisas" (Benjamin, 1925, 178). Té-f!i~f_m transe, de Glau-
ber Rocha, e a encenação de O rei da vela pelo Teatro Oficina B~ ;:ser interpretados
como modernos trauerspiel brasileiros, nos quais o passado colJ ~'*tº presente neoco-
1~ ·-;ti:.1·
lonial são representados como espetáculos de derrota e decad~i}c:;ia política.
,v;'?•\1<:~ . . -?-.,~~-
Nem todas as alegorias tropicalistas da história e da cu_!ttni \~ràsileira são tão cáusticas
::,:--;;'. --~;{
e desesperadoras como Terra em transe e O rei da vela. _k,l,g{âíiliis alegorias nacionais mais
•,?•!';J.'=t~ .{~\:•~-
marcantes do período foi a pintura de Glauco Rodri~ _,f , ~ra missa no Brasil (1971),
produzida após o auge do movimento tropicalist¾'"'~fll~ente inspirada por sua li-
nha alegórica (ver imagem 12 do caderno de imagel\f 'A pintura de Rodrigues foi uma
paródia tropicalista de uma celebrada pintur~::,:~~,,mesmo nome produzida em 1861 por
,il: •":.'::::¾•i'·
1

Vi.cor Meirelles, um artista academista do firtfil~~g,~ período romântico no Brasil. A pintura


•t-r{~r -~'.-~~

de Meirelles representa a primeira missals#l~ 1=ada por exploradores portugueses, após


a chegada da frota liderada por PedrçJÁh?ii;g Cabral e~l.5,90. Na pintura, um padre
e um séquito de clérigos e sold.4,õs, _Jfie:ipfu.ecem ascfi 8g~~~, céu, consagram a recém-
:-ç;;~ .....~~:;-, .,J~ ~·t,:f'•\:. .,,,,
descoberta terra tropical em nomê\ciâ ~lstandade P<?fi~LÍ~. Indios brasileiros são vistos
. ,,a,.;-::,;z,~: . . r!!:)""- ,:i~e-· , <:;·i::,.
em galhos de árvores e ajoelha1f:t;n$:r chão em r~~&1l\t~· para testemunhar o evento com
grande assombro e curiosida4,~:~1pintura natti,U~i-rd e Meirelles representa dois temas
'?{:~~:i/? . l(-;'"}.1;f~if-":'
dominantes do romanti§._
m~t~~ô-americano
'"~u. ·.· ·. - ...,
do seêúlo
••,\-.
XIX: o encontro épico entre a civi- -~~

lização e a natureza !;.p ,à~~çi~-~ o e a d~~~b do "bom selvagem".


r:~t~r;..::~-_.,. ..,:i.;;-;;: . , ..:,.1trN.:· ---·.
Rodrigues mantevê"-&1~ boço básifP cté~Meirelles com prelados e conquistadores
... ~ t ...

ascendendo no ç~ ~.f,2 esquerdo clt j,qÚ~~f'& Vários celebrantes portugueses quase pa-
•.,.;"f..:~· '' ',,:~:--· ·•-~;,,..::.,-~
recem ter sido ;t~j9bs diretamel!ét -·..,i;':~,:,.,,>. ..... \I'"•;
1
la pintura original. No entanto, a pintura de
Rodrigues t?ffibé~ apresenta_.rµ.nffilt~érie de figuras anacrônicas e fora de lugar, de
_.;.:,~t'~·t..,; ¾:~---::•.f~\
diversas teiFfÕf~.lidades hisr9~~ t'classes sociais e culturas. Um banhista branco da
•'L-;.. •;.l~_~c)..1, ,v;,1• ,. -~ e-_;~,-..;

classe m ~a_ia''7âgueia pela pt~~ ôbservando a cerimônia com interesse casual. Ele usa
·•-.;·~.' ~- ~.~; '"··(.'i,:
um çpc~;ât penas, unt::ç~{;~i de dentes e pintura corporal indígena, mas também
us_\·t ~~~i de sol,,.lf~lçã~~J~J:b anho amatdo, sandálias de borracha e uma toalha azul,
~~~Qfici}"iie um /;/ltiitJJ>ifuoderno da praia de Copacabana. Atrás dele, à direita, estão
:-71{.;~*~!f:i- ·.::iJ:·
· ..,.,,\ porta-estan~te ,f'i,,~m passista de escola de samba do Rio de Janeiro. Ao fundo,
- .. ;.+;_,. '""- .:~,;. ,. 1 ••

i.itllit,;p rli iaô (inici~d._-<f)::r@ candomblé está sentado em transe. Na pintura de Meirelles, os
• l;0~t}lndios são i:.~}ft~~ntados como objetos da natureza ou como respeitosos convertidos
(_,·._1:,•-.sf_.;__1!;f: à fé coloni,, il'.~~1. Na pintura de Rodrigues, por outro lado, dois índios brasileiros de
1 •' costas .,R~'.l~~~rimônia confrontam diretamente o observador, como se questionas-
sem ~:'.i ih,tesentação desse momento fundador. Além de dois papagaios caricaturais
e ál~ plantas tropicais, não há outros elementos da natureza. Há apenas um

110
Brutalidade jardim

fundo branco, sugerindo que a nação, no passado e no presente, não tem como ser
apreendida como uma totalidade coerente, mas somente como um ~~l de "tantos
irreconciliáveis Brasis", como observou Luís Fernando Veríssimo (iq~{tgb.es,
F,''J ,.'i·.f-J.' ~)S-,-,_ .
1989,
p.33-5). A soleni.d ade religiosa da primeira missa é satirizada co , e'~:âe humor na
, ·':lif•
carnavalesca alegoria de Rodrigues da história e da cultura bras:_:· •..,:/
A canção-manifesto de Caetano "Tropicália", a primeiri f~i-'de seu primeiro
álbum-solo de 1968 (ver imagem 3 do caderno de im~i~tj~,ir~ o exemplo mais
notável de representação alegórica na música brasileira.~&9.Jt-fq7alegoria nacional, a -,;·~:- ••l:\f,,,.._. ;a_~.,.

música evidencia tanto o amargo desespero do filme/~%f,1tul$'h como a exuberân-


cia carnavalesca da pintura de Rodrigues. A letra de '\ ,ft&picálià' forma uma mon-
tagem fragmentada de eventos, emblemas, dit,.,: · :,populares e citações musicais
e literárias. Apesar de não explicitado, o tema,:{~ ;~,ts;;:~vidente na música é Brasília,
o monumento à alta arquitetura modernistif ..,, odernização desenvolvimentis-
i· . · Í~~.-,. .~f
1
/~:\'.fl:·.;,
ta que se tornou o centro político e adfil'íni~râtivo do r~ tm~:e militar depois de
1964. "Tropicálià' alude à trajetória ,$ ~t ~J;~Íií'ide um sí~àlltutópico de progresso
nacional à alegoria antiutópica do ftf~¾J de uma
1
m:.C1:4~&ídade democrática no
Brasil. Caetano explica: "Era Uffi<¼t _ _,:,~~-m assim i}~~{~iJde ironia, e a descrição
do monumento era como se fo -~ fütí.descriçáo ;t fa,~J.11ª imagem mais ou menos
inconsciente da sensação d~"ektiit;,416 Brasil e §er b:f~nleiro naquela época. Então,
'·':~-;:·\ , ··'·'..\ tj,~• . J~i ~~•;' .
você pensa em Brasília, -1];2,l ·- · to
Centrit~~ J}'â.1~111 orgulho pela arquitetura, mas
ao mesmo tempo não é -~n: ;
e se está l~i{ajfdo. Era 'que monstro é que ficou''
porque Brasília foi COI}, ída e logo dê];JQil \v;{6ib a ditadura e Brasília esteve sempre
..,. :1,f..:-~·-·

ali como centro da ;'· '. rà' (Dunn.,1iti'~~' p.130- 1; Veloso, 1994, p.105). Na
música, Brasília ~.<_lPr~i~~tada COll_l;f,'··;"?~/ ,/'monumento"
J 'J.J"••;{.-.}'.;. ,;,,,, . .v-.-, .
feito de "papel crepom e
pratà', sugerindqi,~fi~:a brilhant -'" rlfüosidade do exterior oculta uma estrutura
•i;~-;~t,:J../1
ii '· ·,tt~ < •

frágil, da mes_ (', forma como a _ nte inauguração da capital futurista eclipsou
;;'amplo de ~~t~~~énvolvimento e desigualdade social.
,:\ !'. )J/. :>! . -· ·

"Tropi de Caet~ · ,Jl5€ín é um irônito monumento à literatura e à cultura


brasileJ:iti/f1t}~e .;Híclui r;~~~~iI textuais ao escritor romântico José de Alencar, ao
1

poet~i"~~iano Olavq::~ il~; :~~o compositor Catulo da Paixão Cearense e aos ícones
p9pt2:Ç~fhien Mirand~Y~~)floberto Carlos. A música começa com uma declamação
Yt· --~:Wl: _.-··· ',?:\~,- ..
4.;~r p~~;~iàndo um t - i\'lidador da literatura nacional. Quando o engenheiro de som,
}[j;_ R~ ério Gauss, t~~~~ os microfones para a gravação, o baterista Dirceu improvisou
~/:}'\~-.,, .-,-.(tt-"' "i:,·{~...__ •.,,.,..
-,'·<-

. "si.~t{mna paródia} f ~ de Pero Vaz de Caminha ao rei de Portugal. "Quando Pero Vaz
de Caminhe~::~ fohriu que as terras brasileiras eram férteis e verdejantes, escreveu
. -··Y':.. ·~:;;

uma cartai~ ?ff .i: 'Tudo que nela se planta, tudo cresce e floresce' . E o Gauss da época

111
Christopher Dunn

gravou". Em sintonia com os gestos aleatórios e cômicos da música de vanguarda dos


anos 60, o regente e arranjador da sessão, Júlio Medaglia, decicUgt;}ncorporar a paródia
anacrônica aos sons "primitivos" de tambores, sinos e assobios .".\g.~'ào.s
,c,:,l'...~-
que lembravam 1·.l 'l:-,.,-••

os sons de aves. Após o divertido anacronismo, entra o so~p.fg~ otquestra de me-


tais e cordas, criando uma atmosfera de suspense épico. -{ !\,\,.-·:,;:-·
A música é narrada em primeira pessoa, como se o pidfü·i~'{ 'Caetano fosse o prota-
5
gonista dessa jornada surreal pelo interior do Brasil. ~~·pruheira estrofe, o narrador se
;.,N•;r;t~.-
posiciona como um líder observando Brasília: "Eu o{g~~;? movimento / eu oriento o
carnaval / eu inauguro o monumento / no plan~!f~Vfj~Yf~fdo país". O primeiro refrão
introduz uma oposição binária entre o moderno -~ ~\#bico, que estrutura o discurso de
toda a música: "Viva a bossa-sa-sa / viva a p~~?.-ça-ça-ça". A bossa-nova, o sofisticado
"produto acabado" associado à modernidad~Jj~taposta à palhoça. Refrões subseqüen-
• " " " ,, " • " ,c:ni.Ú ,. ~-- ·J;:1 " " (( )) " . ~ • ))
tes nmam mata e mulata , Mana e âí-D.wi:~- , lracema e Ipanema . Trop1cáha , de
Caetano, aruallza a metáfora binária ~;i:* ilria da "flor1iiir1t~.escola". Augusto de Cam-
pos mais tarde apontaria as afiaj~d,i~~~ '}ihúsica com::f i ~i; modernista de Oswald de
Andrade, classificando-a de °'nci~,~~eira músi9,J;,if \;)rasil" (Campos, 1974, p. 162).
À medida que o narradot.f'f êt•;/foxima da ~brri ia do monumento futurista na
~~1.~.-it;· ~'- :., ,· ,.J:_-:;tS't.--:
segunda estrofe, os contexç,q tesp'iciais e tefll:~~:m~j,fo° se chocam no âmbito do arcaico:
"O monumento não Jt.ni\pRfJ / a entrada é ~ frua antiga, estreita e tortá'. Dentro
,·_:-t·~ ·7.~.,... . . -~ -~......
do monumento, v~gicis}
-~f ",,,;:,,.y,
f µma criançâ;t~ .9ffjçl,~nte,
=--~--~~~ '•i:•_;,,,__~~.::,~
:4 •~••
feia e morta [que] estende a mão",
como quem pede ·~iffiBRÍ'.'.J' Mais do 5J1tté·; ttalquer outra, essa passagem ressoa como
a alegoria de Bt:,~J~,,t~ün: ''A histó.;1'i\¼,Jftt1,(tfi.do o que nela desde o início é prematuro,
;_;;•,: . .• ·J:.,~• i• . d,~~t~-:...
sofrido e malog_t¼~9~ se exprim5tum,trosco - não, numa caveira" (Benjamin, 1925,
p. 166). O fantat~a da CfÍaI\Çi.) ff-çna é uma alegoria da derrota da modernização
redistribuf! {~)+-~sda manute1}:9i,;::ã~~..pobreza abjeta.
•:~ 1, ;,.:~•. ,,. !'( ✓ l:'; Ili,;.-.,.,•~,.

Cel~~f F~fáretto obserf~:u, ~1~' formas nas quais "Tropicália'' é uma alegoria espe-
~:•\1<t:·- -·-'::.:t- . 'l.i;,,-:7:'
cífi~ =~ i~f óhtexto políff~f,-1:r.asileiro da década de 1960, por meio de referências às
mãõi isij_reita e es,g_,u~ ;ª-,JFifvaretto, 1996, p.65-6). Na terceira estrofe, por exemplo,
ri!;..:..•- ""~~\,,.:- "~-i-''..-;.... ; ..,._'::' ~ :.....

,.,,~ii~éJ;p arodia um~3P1ba-de-roda tradicional, substituindo a segunda frase do ver-


_..;t &-,14-.:;,., ".-~:

Atsó';%,"a mão direip t~m uma roseira/ que dá flor na primavera" - com "autenticando
,,i:~j;;ifh erna primá~~~~ ~a frase que sugere a manipulação deliberada da natureza para
..,_r:-..: ~1t~Ji'projetar u1Vtf1:~ em de eterno paraíso. A frase subseqüente, contudo, destrói a cena
[f i,1. idílica com;_~~ ª referência incisiva a urubus, um sinal de morte iminente, quando o
,1,\~~:;✓ij}{! interi9-{tt;?N'~rdeste é afligido pela seca: "E no jardim os urubus passeiam / a tard<:
inte~ ;'lffis;µtre os girassóis". A esquerda, enquanto isso, é apresentada como um ban-
ditl~..,~ ~do que tenta de forma disparatada empunhar uma arma usando o pulso.

112
Brutalidade jardim

Essa incapacidade de agir é compensada por um apelo à cultura popular, sugerida pela
frase "mas seu coração / balança um samba de tamborim".
A estrofe final alude diretamente ao cenário da música popular ~~~A~d3s 60. Dife-
"'' ,,,.,,.,,-t,
rentemente das metamúsicas de Chico Buarque e Edu Lobo, quy/el~yé°Ín o valor re-
dentor da música, "Tropicália" satiriza o conflito central da múJÍi~0B~pular pós-1964
.'·?''{6•v· .. '-''V·
entre a segunda geração da bossa-nova e as estrelas de rock dffJ ~tm Guarda:
\~{-~'.~!:~i3?

domingo é o fino da bossa


segunda-feira está na fossa
terça-feira vai à roça, porém
o monumento é bem moderno ,,;i.'.·:·;,,
~~ "-.'•f i~..
não disse nada do modelo do meu tern~·:,\:~tt~i~;:··.-f
que cudo mais vá pro infern o, meu bS'.~: '":;/;?
, .~- atÕi ,
, . ?,+

-,~\~t\~-.\~·¼,f
ift" '•"',(ti
;;.>tth.
.?{'.;;~ -~:11:,,
dt®itãno Veloso (àtpsflr~'fia) e Gilberto Gil nos bastidores em 1968. (Abril Imagens)

O progr?-m,~zje
i-:$;}' televisão de Elis Regina, "O fino da bossà', transmitido nas tardes de
\)t.>.,1,.-.,;f.'

domingO,;i~~'.;fussâ''
·.,·-,,\\.\~'."',.
denotando angústia e depressão utilizada para descrever um estilo

113
Christopher Dunn

vocal melodramático dos anos 50 e a "roça", uma referência ao Brasil rural, sugerem uma
regressão do moderno ao arcaico. Ele também menciona o grari~ ,sucesso de Roberto
Carlos de 1965 e suas roupas personalizadas. A música explode ~~~f1°clünente no último ·
refrão - "Viva a banda-da-da, Carmen Miranda-da-da-dá' -, qu~.~ f:t sucesso de Chico
Buarque no festival de 1966, ''A bandà', à primeira estrela br~Úfk;,~de exportação.
.1.-'0.~;.:;..,. !y
Com a repetição da última sílaba de "Miranda", Cae~ôi'?rnbém evocava o dadaís-
mo, um projeto de vanguarda que buscava expor e, e~4~~ instância, criticar os me-
~ t,,,,,•...:~:J..
canismos sociais, culturais e institucionais envolvido( ~il.irwlução e no consumo de um
objeto reconhecido como "arte". Na década de ~~~ ;p-t(slas pop promoviam ataques
1
similares ao Modernismo tardio, exemplificados pétpf.~xpressionismo abstrato, gerando
representações de objetos e ícones banais da1~ô,g~4ade de massa, como uma lata de sopa
Campbell's e Marilyn Monroe. Caetano .$:&~Jbu que a menção a Carmen Miranda
nessa música "era como Andy Warhol ~f~~d.o a lata de sopa na pinturá' .12
Vários críticos interpretaram a re;~ clag_é~ tropicali~!t"~ t)Ilaterial datado ou banal
como uma forma de paródia enxõlve~~t>J:t~idiculariz4i/ã~pcica,
,.,,.½.,.s.~... -~, ,:'- t _ ·,
similar às práticas mo- ,,:,.. =-_

demistas voltadas a uma ruptur~i'.:'~té'i'.& com os


--_.f..,:.,,. ,.;•·,•"t,""
~.~~;s8$'. culturais e os estilos do passa-
,Y;~ ·~-t't~
13
do. No entanto, "Tropicálià'.:,t-.•
~\~... ~'G.àetano,
.:,..;_~
parecêt~s·
----'%~.. J:
em sintonia com o pastiche, que 44'·!,

mantém uma postura neutFâ;\:iilf"télação ao pa~ 45i be acordo com Fredric Jameson, o
pastiche "é neutro, sef11:'W;ftif?(iJ çóes oculta§ da
~·~·-· '.,~:,,. . ._fit
i~&:lia, sem o impulso satírico, sem riso e
~~!-:..;·
sem nenhuma com~,i.i,., - "" -ta-se de ~ :l<1:..wctia lacunar", envolvendo a "canibalização
ql:iy_<i,,t '' ' ·--~,.,:"-;:i i,<;·,

aleatória de todos os es &S do passadq;:"r ui,tiifl característica de grande parte da produção


cultural pós-moi~f\ CTameson, I-~J-~;:};17-8). Apesar de as músicas tropicalistas muitas
vezes transmitirem.. J/n
senso de ,.;~.,.,, '·•1~iamento irônico em relação aos textos literários e
aos discurs~tf.~~;s que for;,,·;,.::,,_:tà identidade nacional brasileira, há vários casos nos
quais expreW~~ a atitude;;ii{~t4Keurra", própria da estética do pastiche.
:-r ,. -~~_J? -~·tf · -~J-·. ·-..\~'~;?
a qüe o próprio ~~ rio faz de "Tropicálià', em especial a referência a Carmen
A l~
r~~~i ..-·:;r:,_;.,..._ -:~ -~
Miran~,:icf
<'.1 ~
final da mús'. i'&t~~ugere
~"..;.,:{!>,\, I.· •'
uma estética similar ao pasriche. A música em si não
:' ·'.\ \_

era ~ 1
~ tiche rIJ¼t,~i~s}.?:~kmen Miranda, já que não fazia nenhuma referência mimé-
ff., ~?à';§;J ~ tilo vo~1fo~1~ tivo. A relação com a estética do pastiche pode ser detectada na
,;~..;!fôfnita "neutra", ~r.ira:Jie sarcasmo, na qual Carmen Miranda é evocada como ícone cul-
·.,..,tJ-J •- .....~~;.

_:f:M~ ;ttira1. Observa11(i~iqlte sua primeira exposição à arte pop norte-americana na XIX Bienal
1
;'. '~'\~; i-'='e-Ji.. ~. ~i,1~::-
it ,, , Jffde São PaulqJiftí".1967 "confirmou uma tendência que estávamos explorando no tropica-

~'5!i~i 12 ln:
.~~~~
Jtill:w. Dibbell, Notes on Carmen, Toe Village Voice, 29 ouc. 1991. Ver também Dunn, 1996, p.131 -4 e 1994,
p.l~f-i~
13..}l~j,;i. /p,or exemplo, a discussão de Santiago sobre par6dia e pasticbe na culnua brasileira Permanência do discurso
· d; •J:lâfção no Modernismo. ln: Borheim ct al., 1987, p.140-5.

114
Brutalidade jardim

lismo", Caetano descreve sua relação com Carmen Miranda, uma personalidade que tinha
se tornado um "objeto culturalmente repulsivo" para a geração do músl~ .it,,
. ·~-~

é'.'i'-~~~t:\' .
Você vai botar um objeto que é culturalmente repulsivo e.J! ocf tif aproxima
dele, você o desloca. Mas você começa a ver por que ~ç~1Ílµ aquele, você
começa a entendê-lo, e mostra a beleza que tem, e a tt'k . da relação dele
com os homens, e a tragédia dos homens por cri~~f.> .,;.,r:6 .e o tipo de rela-
ção [...] você começa a amá-lo, entendeu? Tem u:o:é . que é um ponto
zero, aquilo é aquilo simplesmente: PA! tá na::i~'fil:;~ ;rt't'Z'. Então a Carmen
Miranda,- no momento em que eu fiz a cançãJt;:~~'tropicália", estava nesse
ponto zero para mim. Ela tinha deixad2jlétt~r uma mera coisa grotesca,
desagradável, e começava a ser uma c~Jj!;,,\'ft!e .me fascinava, que eu queria
jogar como grotesca mas que já não erf :'·''" ta amável p~ra mim sob muitos
aspectos. Já era recuperada tamb~~
/"',
ni~hele mo111:,~#i~1:t,havia
-::,,A~·.. . t-~. d ·'.'..-'':-·<.,~.\:-
uma recu- ·
peraçãO, uma espécie de salv:,~ gggqiiela coisa ~ :giÔfuento em que ela
:r.'it.-J)t·-~•-.~~.i:-< . -~(.'1!,f.7>

entrou ali (Dunn. 1996, p.l~tf"\:,~ ~so, 1994, et l(Q;f S).


1I¾;i};_j;,,- /},i "~i%fr;if
Apesar de não ter sido expli ' ,.'..'~ê'iite articula' ?~ se sentido, o comentário de
Caetano sugere uma interpi~Í.f~~?:iido pas•~'~di t (i.e~; Carrnen Miranda) através das
lentes "neutras" do pasti,ç95,:,. ~l1t,não propú~ :;~ulf:íá ruptura com Carmen Miranda e
com tudo o que ela repr~;riâ~;como umi:iês;Qftta do samba e emissária int:ernacio-
L il . ,'t':,. . ,,::Y
nal da cultura popu1aJ;: 1 i;~
,.J.i:f· ...;~<::-\
etra. ,,g 0 ,,;' '*1/:.'.~'
-,. ...z.:,:-r;:.-;~
O impulso alegórft~11~! Tropicália.,, .,"'~_ cfêdênvolvido no álbum coletivo Tropicália,
1
ou pani,s et circenq~,:JJ.Ue.~presentava)~,:Wt "· cipais membros do grupo tropicalista: Cae-
·=::;·...,·-•~~l~:- '·'.> •:!~f.li.;;;t

tano, Gil, Tom ~~rga.1 Costa, Qsl~ 11tântes, Rogério Duprat e os poetas Torquato
..,;;;-\~~~',:_::.,·
~";, - -~~;\ )~)\~~
Neto e José G,~ Jps'Capinam. t-{~ ~J~eâo, a antiga "musa'' da bossa-nova e da música
Y.:'i''>-6:'> ... z:;:•~;., -, .. r

de protestq~r~ b~m particip~4Ià~1e' depois de aderir ao projeto tropicalista. Favaret-


-f-~;- ·-·ti;• . . -~?--~-- 'i.
to descr,~fffi!;~ i:;~lbum ~~!n~~ ;;t~r1ítese tropicalista'' que "integra e atualiza o projeto
estétis;1 l'.'t il:re~~itício d~'''fi~g~gem tropicalistas" (Favaretto, 1996, p.68). O LP foi
t:t.~•.>.,;_-,:,.?·:~ . ,, ·

gra~9:;ê fü maio de H} 8 et:lançado no fim de julho. Em outubro, o álbum já tinha


";~tl'ijti1f'20 mil CÓ(Ü~ ~;· ·~ a cifra muito boa para a época.14
r'ttr;'/J~pícálía, ou /il{f/!ifi'üi círcencís foi o primeiro álbum conceitual do Brasil que inte-
t g~~u letras de mi~i~, arranjos musicais, material visual e um texto na forma de um
W~?)i' f,;í~~l
14 Veja obst3~f~~,tobre Man_oel Barenh~~• qu~ produziu a maioria dos álbuns tropicalistas para a Philips. ln: Ele
grava para míllh res as cançoes dos fest1va1s, Vqa, 30 out. 1968,

115
Christopher Dunn

roteiro de cinema descontínuo no verso da capa do disco. De autoria de Caetano, o


roteiro cinematográfico brincava com a idéia da Tropicália c6rit?. um fenômeno da
mídia. Na cena de abertura, um coro de celebridades incern •. · , '"\ús canta "o Brasil
t/f? :1,·
é o país do futuro" enquanto Caetano diz, com ironia: "~ê,
)~~1-.
,peroestá caindo de
modà', uma referência ao patriótico samba-exaltação. Ct::~ã~~~fguintes apresentavam
vários membros do grupo tropicalista discutindo o pi;,4J~r~;:~ usical: Torquato Neto
ff ~;:,~"-~-~~-
e Gal Costa ponderam sobre o significado de referêR§.iâs~l~óntidas em várias músicas
.:~fí.~-~.1.~(.(:;,,,: .
;.
f'
r tropicalistas, enquanto Nara Leão e Os Mutantes c4'~5ie~ sobre os méritos da músi-
l~~ revista de poesia concreta
t
~-
[
ca brasileira em relação ao pop internacional. 1J.·-. {.i<\ :;·;,o,
f
1'
1
1 Noigandres e faz anotações. N a última cena, Joãof©ilberto está em sua casa em Nova
t
Jersey (onde morava na época), dizendo a 4,:itg~~to de Campos para informar aos tro-
r~ .,..
picalistas que "eu estou aqui, olhando p~j ;~l~ :. A homenagem de Caetano a João Gil-
berto no roteiro cinematográfico/texto:.ff~ É~pa
.,,_.1:~
reafirmava a afinidade dos tropicalistas
, •·.. '}•?. ,,:.1..,i.;_,

com a bossa-nova e seu posicionamf ro .P,13:-'"evoluçáo::'..(êf~~úsica popular brasileira.


A capa de Tropicália, ou era pa-illa, ; ftt#.~is uma::j,iffi:i;
de uma foto familiar bur-
\.s;~;~:..r;;.
'R;,.. t.~~-~ ~

guesa (ver imagem 1 do cader1;\&:~~,~¼ffiagens). G i J-'i;J i ffíüaro aparecem como um casal


convencional, bem-comportafgfG il está sen~9d;1J-.9.;Eháo vestido com um roupão es-
tampado com temas tropld:i§iI~~ ando umàtfgf9);-de formatura de Capinam; Duprat
·,,, ·:-'::-"'· ~,~;.-:.~.-
segura delicadamente.1wi'P.~.~ o como se fosse }µna xícara de chá; Tom Zé se apresenta
'\:<>?.- ~.••~ .d:~·'· ~•,! 1.~'
como um migrantç,g~E?~,~no, levand6',vro-?:hoisa de couro; Os Mutantes exibem osten-
sivamente suas guitarras'tê'caetano ~ -seµ&do no meio, segurando um grande retrato -~e>:-· '.· .lf,r,..

de Nara Leão, q~ ~~fl um grand~iGl}t~âtF'l ie praia. A. foto de capa era uma alusão visual
à faixa-título d&(ij;!Ji ~, "Panis e;,~i;22íí'sis" (Gil-Caetano), que satirizava as convenções
de uma fal;},~l _b;; uesa trad}1i~~~JiO título da música e do álbum se refere à famosa
afirmaçã_g_~]}9eta dássicoJ üv:'~ ; que expressava seu desdém pelos cidadãos da Roma
antiga, '~ *?dos pela m~Ji/p ~}~çáo calculada de "pão e circo" (Béhague, 1973, p.217).
Na !#~ti :1'hma voz poi ~}fu primeira pessoa tenta, sem sucesso, tirar a família de seu
~t imobilidªfi:@~ ~1 ft4focridade: "Eu quis cantar / minha canção iluminada de sol
~t,;~&Y
-~r-\l:-?:-_.r" ~ '•, ~ ~-~. ,wt\ - /f.!
A"fJfgltei of panos sobrê.1ç,s m astros no ar / soltei os tigres e os leões nos quintais / mas as
. f{irlfsbas da sala i~~Jprtàr /são ocupadas em nascer e morrer". Gravada por Os Mutantes
.};~~;\1)úpóm arranjos,t ·r
:vt;-._ 't_# .1:,;'f.
·'"tis
sonoros de Rogério Duprat, "Panis et circensis" lembra várias mú-
t;~·.. ~s
j0 ·-?tti-t' sicas do Beaij,çs~ ã época, o que não era coincidência (Moehn, 2000, p.61-2).
~~!\, . )f Quanif1J:;J/tdbum tropicalista foi lançado, foi anunciado como uma resposta brasileira
"",/?i'í"' ao Sgt-~ f..;;~f's Lonely Hearts Club Band, dos Beatles (Castro, 1968b). O famoso álbum
. ~~

con,:6~i~~J dos Beatles, de 1967, representou uma grande inovação no rock moderno e
erít~ailhativamente diferente dos trabalhos anteriores da banda. Como uma misrura

116
Brutalidade jardim

proposital de vários estilos, tratava-se de um comentário sobre a história da música po-


pular que brincava com a tradição britânica dos music halls. De formâY~ parável, Tro-
pícália, ou panis et círcencis incorporava uma ampla variedade de an : ·'""-' 'hovos estilos
de procedência nacional e internacional, como rock, bossa-nova, ~ . ·olero e hinos
litúrgicos. Caetano explicou o conceito por trás do álbum: "Erff/~~. ·-·.;-,;;;:·
de trabalharmos .. ·-''

em conjunto no sentido de encontrar um som homogêneo ··sse o novo estilo,


preferimos utilizar uma ou outra sonoridade reconhecível 4~t;, ,·,& comercial, fazendo
do arranjo um elemento independente que clarificasse a ca{·.•,. , ' ;:. também se chocasse
com ela. De certa forma, o que queríamos fazer equivaWf · t :ª1IliÍear" retalhos musicais,
e tomávamos os arranjos como ready-mades" (Veloso, ''19~qt.(p.l68). Com o arranjador
Rogério Duprat, os tropicalistas estavam come~lrf~¾h ~ realizar experimentações com
conceitos e técnicas correntes entre compositore "' · ...'ít~as pop de vanguarda.
As apropriações de material datado no álb,:fij1iq~ ·~ceito oscilavam entre a paródia e
o pastiche. Faixas mais paródicas incluíaTI1&;ffmt tii\rerpretaçã.i f~ôlgar do mambo cuba-
11
no "Três caravelas" (Algueró-Moreu é :'~ fidotributo jlif:Jl;a .Cristóváo Colombo

cantado em uma mistura de espanhd· 91ffeuguês. Oug; ··. .. ~sicas foram gravadas em
estilos notadamente mais "sérios", ~~,·59/disrancia~?/~~gJtônico. A interpretação de
Caetano para "Coração matemo'~:.: ~to melo :"." :Í.l\Í~º ao amor e à dedicação ma-
terna, era genuína: qualque~;~~f~íS.h,t, ódico resi~uai"':"ep~ndia unicamente de seu posi-
. t.;c(}-
-,,_·f1).\.. • ,:.:.!,'"i:'. t •' ~ . -~~- •.

cionamento como uma J9;y;~~i•~ trela da m~!'..\ :g/A música foi composta e gravada
por Vicente Celestino, ~ J~ br de rádigt~é;' ;\óssa-nova que estrelou vários filmes
populares e melodram;t·,;çs. Dentro di 's;:J,?ft~t do álbum-conceito, com seu arsenal
de estilos passados, a ·•·: , Ê
~fetação de Ç~f;~1pode ser vista mais como um pastiche do
;t~:;'.";.;\:.:~·· ·.-'1•\~·(}.=i;._,
que como uma P~,ádia da balada seq;~W,.?~1hl de Celestino. A última faixa do álbum era
uma interpretaçá,~_Jti.JHino ao S~9i:~õ Bonfim'', o hino oficial da Igreja do Bonfim,
em Salvador. -~Í :~fbp)~stas grl ' -~'.''~'~ ma versão alegre do hino, misturando a tradi-
cional m~!~~J11í'5rocissão co~t· . 'banda de metais e estilizações da bossa-nova.
Tropic"J~it,{&u panÍft f.tfp~tf!;,,,,, ~ apresentava' a outra canção-manifesto do movi-
mentg~f~ ~jcin~ta, "G;Í~Íi ;€ii;~,,, composição de Gilberto Gil e Torquato Neto. O
co~l tIS::~e "geléia ge~r f9t'uma proposta inovadora do poeta e crítico Décio Pig-
natã,_1J~;l:~pós uma disêíi~I~ com o escritor modernista Cassiano Ricardo, que sugeriu
't~? .
..~ poetas cop
·-· ~s:z-:,
• :as
mais cedo ou mais tarde precisariam relativizar seu posi-
,,namento in ... quanto à experimentação formal. Pignatari disse, então, que
: ; geléia gS:~zi i ª5ileira alguém tem de exercer as funções de medula e osso!" 15 Em
'i~\t.~.
-~::~~it.
15 O gmpQ/ 'i~ geral foi citado em Invenção 3 (jun. 1963) e Invenção 5 (dez. 1966-jan. 1967). Ver a discussão
de Velos~sô b grupo em VertÚu!e tropical, p.216.

117
Christopher Dunn

outras palavras, o rigor vanguardista era necessário para dar forma à mistura protéica
da culmra brasileira, transmitida em fragmentos pela mídia de rl~~~~: Torquato Neto
se apropriou da alegoria de forma ambígua, expressando ao mes.r · ·nipo uma crítica
à geléia geral e sua cumplicidade com ela. De todas as mú~\~~ :::i;t) âlbum-conceito,
"Geléia geral" era a que mais se alinhava à postura irônica ~~f~f.ó dia.
. ;<t~•;., ···-:•::·
Gilberto Vasconcellos chamou atenção para a justapo 'ó"J\çntre o "universo tropi-
cal e o universo urbano-industrial" que ocorre em "Ge,t~· 'íi~" (Vasconcellos, 1977,
p.18). Esse par estruturou o "Manifesto Pau-Brasil", :j~;,,. ·_,
';"'"f'\•..-. ~. .,..,.-,
d de Andrade, que ten-
tou reconciliar "a floresta e a escola''. DiferenteIJ+.:; ,;.:;
,,.::e f{Tropicália'', que apresenta
.

a oposição entre o arcaico e o moderno como um ., :b erração, "Geléia geral" é uma


música alegre que propõe uma síntese. No :iF {~9, por exemplo, a dança folclórica
tradicional bumba-meu-boi se funde com ~~~jf~-iê brasileiro em uma única dança:
mdtJ~r,i.
0

"É bumba-iê-iê-iê / É a mesma dança Ao sugerir as possibilidades de novos


hfbridos culturais baseados em dança%',{fraJrel~nais e noJ/&~Íg;;,a música contestava as
;li~-~•- ·~t-.~1'.?t~ .•-;-Í/ / . ~t:Ydi/'it.~-•. , ~
noções vigentes de autenticidad ·'" · •,..â'F1.10 Brasil. :&-,m dfl).a cena do pseudo-roteiro
da capa do álbum Tropicdlia, T~ . _tp-'.1Neto se a~~,çi~}}à crítica, expressando uma
:;;?:.:~f,\:.:i •"')(,;~ :,_;">' ·\:~:.~}
falsa ansiedade em relação a c~g'·Hfll renomaçlp\fu,J#'>rista brasileiro interpretará a 0

música: "Será que o Câmara'~ @ti'M~ vai pens, iq.J ~Ós estamos querendo dizer que
o bumba-meu-boi e iê-iê~iJ '.$'j,~}t mesma dança?,;~~N;,r
-~i-1':,- --;.;,:·~.::.\:.• . .. . ,:/ .~ P-?(
Como o manifes~ç>,c,A~{~ s~ald, "Gé;;~• ' ' ':,?'f" também se apropria do repertório
··<'fff,:i_i{;<~~-;·_~~1~:;. _ . · __,:_.,
simbólico da tradição Iít€r'áltia brasileitf·ªei~?14'.una tentativa de satirizar a pompa da
"altà' cultura. Ess~,Ji~tf? irrev,e rentf 'ti!~', tl~entado com brilhantismo na capa do ál-
bum tropicalista ~ 1,g,.J Gil, de lQ,~~ (f& r imagem 4 do caderno de imagens). Criada
por Rogério !) ar·; ;;•õAntonio QJ~.:i :tjDavid Zingg, a capa do álbum mostrava uma
foto de Gil v :e ,g;com o uni.f<.1t~~-·~ficial da Academia Brasileira de Letras, um grupo
~}•.- . it\ ;'.? . .---~/-/"
de quare~,,,:'. iníÕrtais" eleitefJ1a:m~Jps colegas e, à época, constituído exclusivamente de
home~~?lit~Êbs. Ele está,~t~ ;-óculos pince-nez tais como usou Machado de Assis,
:';;f¾, (:!;_- .. ' ,t~t~·•;.if•
o Pf,}:~éit~Kr _reside!1c~ ,,fi1t,ããemia. Machãdo de Assis era em parte descendente de
~ """'''~ (\s, 'ífi~s sua pciJf~ como a personalidade literária mais consagrada do Brasil
5

lij~'.- ~ acesso aos,~icttl; ·; sociais da elite branca. A imagem de um músico popular


, ,,~~'~"/f _>b\~ <·•-~.,_. -
,tli~,~jfro vestido c9M(~:'Ü~ "imortal" ridicularizava o elitismo da Academia, fazendo uma
se,: l~t\:;~lisão sutil à ~~~l8 ambígua de Machado de Assis, ao questionar implicitamente a
v1t. }trecusa da A~~~ia a reconhecer o valor literário da música popular.
'\\:}}i~it/'' "Gel~Jt :~~.tifM'; é a composição "literária" mais autocrítica do álbum tropicalista
por p~!!:·· a linguagem ornamental e o verso convencional, ao mesmo tempo em
que á'tí~i ;écnicas de montagem similares às adotadas por Oswald de Andrade. A

118
Brutalidade jardim

: primeira estrofe evoca a figura do poeta oficial que enaltece a beleza natural do Brasil
(Favaretto, 1996, p.94-5). Utilizando um bombardeio de clichês riIM~ltlps que trazem
--·•·!;_~:,'.- ~ -•. ,

à lembrança a poesia do fim do século, a música satiriza o disc4~~,,f?,ê'.tfriótico e a


ftt ,:¼--"'~1:-;:r
pompa das belas-letras: ,, ,t~r.Ú
' ·'·<'•.""

o poeta desfolha a bandeira


e a manhã tropical se inicia
resplandescente, cadente, fagueira
num calor girassol com alegria
na geléia geral brasileira
que o Jornal do Brasil anuncia

. .:;::?~~
A extravagante interpretação de Gil estah~'((}~:,u m distanciamento irônico em re-
lação à celebração patriótica da exuberânc!f tr~pibtl. Trech<?ifli\~(~rios famosos de es-
critores consagrados são parodiados , '.'.õr WJ:, 'éi-?6 texto, in .i . . ~p ;;Canção do Exílio",
de Gonçalves Dias (1843), e "Hin ', ~,p' deira'', de,i~li!'~Bilac, (1906). Rogério
Duprat acrescentou citações musict1Jila~;'.·6pera Il guq~~i-;;~1870), de Carlos Gomes, e
<~d\?,· ---~-.-~- ,;S:';:·;a: ...,<,1;;.::·:-

''Afl the Way', de Frank Sinatra. W pttmêsmo Oswaf~l cl~;Andrade, o padrinho literário
e espiritual da Tropicália, ~PRl:;i,,/ paródia t{ppi~l~~a. A máxima do "Manifesto
'?~· .
'"}~~• f ·/'; :.-t :\•
--<·,l;,

Antropófago" - "a alegr~ é 'Í~1prova dos ri&:~;;~;1,f seguida do verso: "e a tristeza é
teu porto seguro". O ur6i1~S'ttÍ~ atriarcadq:f#t1>'tndorama'' de O swald, esboçado no
manifesto de 1928, é p;§},);!,Ícamente pr<iicl~d15 o "país do futuro", como alusão_ao
.J:j";;'f,,:,.~_
7:L:;. ·~:..;';~?.;,,..,
patriotismo demagó~t ,o. lt ""~tJil!
:·\:t;i?-·
Transitando d9.,,versõ"parnasian . ' ragem verbal modernista, a música apre•
senta um interlá r'· ·,,~damatórioi{tij,.q '·. Gil recita uma série de ditados cotidianos,
clichês e refei,l ·l~~fi cultura p~~f!f, formando um panorama alegórico da vida
"'.'•;:;_yr}i_,,' -:}t/;f . :'•"'·-0::,:;~•:'.""':- _ ·,

diária no · · ,..,N essa seção,&f :li~f.l de Torquato Neto lembra os poemas-piadas da


Poesia Pa · , · de O ~tl~:ii~.~târade, que reunem fragmentos de ready-mades ver-
-;,-.-,-: _ .- ···,:':.~'-·.·,·-: l
::i ":_-1:_,._,..,

bais ise{i'tõ' · ··' guagem~p~t,~tl~. 16 As referências elípticas descrevem esferas.públicas


. :1.\.'~.t'r·,,. ·-·~r·{ \'
e pr· ,•,e:., ~ hzd a vida naci~p.al,;tY-C>nicamente exaltadas como as "relíquias do Brasil":
. :{~:,••:,; '

Ítr,tloce mula~ ~
um elepê\t~i~watra
maraci[~~., de abril

'.~ râi!lo ·~= ápo de poesia é "Biblioteca Nacional", de Oswald de Andrade.

119
Christopher Dunn

santo barroco baiano


superpoder de paisano
formiplac e céu de anil
três destaques da Portela
carne seca na janela
alguém que chora por mim
um carnaval de verdade
hospitaleira amizade
brutalidade jardim

Esses emblemas heterogêneos da brasi!i-éh.1~.~)embram a descrição de García Can-


clini para a cultura popular como o pr?êÍTh.~,-d.e "complexos processos híbridos uti-
""'.;.,::,,..~,- - ·• -li

lizando como sinais de identificação e(êijf~íitos que se originam de diversas classes e


nações" (Canclini, 1990, p.205). Ü }fstei(ffüpo moder.lÍÍ'&ljr;fla "doce mulata malvada"
", "i"':.r,,,... __:•J:.;: : .,;;1-·l:i"'' •-,;

- que tanto lembra os person.tie.l1ig'ó'l\·omances -~~f~$ de Jorge Amado - é justa-


posto com um "LP de Sinati~.-..y.:.~ ícone culp;t~Jt€strangeiro adorado pela classe
~-~i¾';.,~•, ':.:,:=:~· ~?' \~:"-:
média brasileira. Mais adian~;;it.n.}a conhecid.a ~fil;JJtdiosa citação da poesia patrióti-
ca utilizada para descre~~r.1ft ~ ~tt'de anil" d~t.) :; ,;11 é aliada a um produto industrial
corriqueiro, a formi~~,e;:: /{f4fJfuica) . Im~gens )j.e um Brasil bucólico e folclórico se
justapõem a itens ,bap~t~e
-.,;~t_j~-
~m Braiit:;µ,iJ~~~Índustrial.
:.:1\1,,?., · h ( " ,:, ",..(, ('· 1
,·-

A crítica da bra;fü~ãa'.e é mais I#órâ@1nos dois últimos versos, que aproximam


1\~;,.. .. ~~
"hospitaleira arµ~~e", em refer«4Elf 1ã'i-!€-0tdialidade brasileira, e "brutalidade jardim'',
do romance ddf!~i'~ de OswaldJJ~:J ffidrade, Memórias senti mentais de]oáo Miram.ar
;.,.;.r'.,,'::. ""' '•~~-~_;~:.,:

(Andrade, .J~z2, p.36). A ,eX,P.;t;~sít utilizada por Oswald é particularmente notável


por não (~~\Í!!:~
sintaxe do,,p it{?gilês (i.e., "jardim da brutalidade"), na qual o jardim
necessat!~~nte seria un/ :t~~ ,:- de brutalidade. Em vez disso, a expressão constitui
..~ .._ _.... f:t,J.[..>-:, ~~:i~ :t'-1 • .. 't,,f
um,::w,~ ttâgem cubista,"Ç~ t}Ual as duas metades contaminam uma a outra. O jardim
. ~,'.,~:f,. ~t:~ . . .__.i i .._.,:1:--: .
~J0~ti}.~,dade ~~iit'f~:êin uma aproxhnação contraditória. A expressão de O swald
,;:J~sm,frê" o posiciônl\w,ento misto dos tropicalistas, fascinados com a mitologia do
-11~-af!?-M nacional,_,_rii~. llJllbéll": cientes de suas premissas ideológicas e utilizações insidio-
,ri{füt,'i,,;t ás. O regim{~~lta.r buscava representar o Brasil como um "jardim" pacífico, apesa1
!-;";,.1,_ ;;?j, ....'J,.,,~.i•.,-i ... ·;$.-••
:f,'t \t;;:~,-" de ter supr~iJ?Cfo~rutalmente a oposição. A expressão paradoxal de Oswald, aludindc
.;t.r . . ·,.~ '·
½:;?r..,;,:;:!''f à violênd~···· '. '.)uma arcádia tropical, encapsula telegraficamente o drama do Brasil nc
· final
"'k...
q/
1~ 'tla de 1960, visto pelas lentes tropicalistas.
~~&~p:o Schwarz foi o primeiro a observar a utilização da alegoria na Tropicálic
(Sth~, 1978, p.73-8). Segundo ele, o golpe militar criou condiçóes para a revita·

120
Brutalidade jardim

lização de forças sociais arcaicas e valores culturais retrógrados. No entanto, o regime


militar também estava comprometido com a modernização capitalis~~)tiJ;tensificando
a integração do Brasil na economia internacional. O golpe sinalizo9~~~é~itória para
a elite latifundiária tradicional e para os tecnocratas urbanos m~idf 'f 'i'/itores, de for-
ma que, para Schwarz, o "mundo arcaico" se tornou um "instr~:ê:'~JP intencional" de
modernização conservadora. Ao sujeitar os emblemas arcaiws',''\ anacrônicos à "luz
branca do ultramoderno", os tropicalistas geraram uma al •do Brasil. A alegoria
.~:
tropicalista era dolorosamente reveladora, "como um s · iliar trazido à rua,
como uma traição de classe". Os dramas privados da/, ~ gJ¾esiâ se misturavam à vida
pública da nação, uma característica tÍpica da represe~ti~b alegórica, como observou
Jameson (1986, p.69). Schwarz admitiu que, e~ ~i ~_manifestaçóes mais cáusticas e
irônicas, a Tropicália era capaz de transmitir a "Hí~ Jntima e dura das contradições da
produção intelectual presente". Em última :; _ ,- · 'ia, contudo, ele argumentou que
a alegoria tropicalista era um "absurdo" ~t tq{~t,posmlava f\\~ ~incia simultânea do
moderno e do arcaico ou, em termoS::ltto '.J\1
ih11'êos, do deset·. ~,,;,,,,~ 'v'i:do e do subdesenvol-
J<.- . .. ~ •• -.,:

vido, como uma aberração e não coiW~it


.-..>~i~:.-r. _
., '• , solucionada dialetica-
-~";
mente pela transformação social. ,;f';lf:;;, :1 ,\
{:,~>t ...l{i .~;t?·
Schwarz afuma que a conju..n~ctmiâcrônica en'(;te :wcaico e moderno nas produ-
J: -~-,,4:!f~~J. "tg1~tz..·t~\.!i
çóes tropicalistas não tinha-', ~r~~~~ica já que :;os r{ff/,y-made do mundo patriarcal e
do consumo imbecil põ~pi-§i.ht significar p~ · ,.:Jpã··própria, em estado indecoroso,
não estetizado, sugerinl:;0.~tWftihvamente ,~ ,-~ . · ' histórias abafadas, frustradas, que
não chegaremos a co~~,S~r". Em ou~ .,~~~~as, as imagens recicladas - geradas
pela conjunção deu ::~,, '>'"i edade tradiçibi1át~:• patrimonial e seus concomitantes valo-
.. ' :-r:J~\)~:,:\
res sociais antimoq~rnos, conservad,J(?f~f,-1:,or um lado, e da fachada modernizada da
sociedade de co :Jh'""'';• , por outrqrJ i:iféffvamente perdem o impacto crítico quando
assumem vid<J;fr,6<fia. Uma vez ·liii:f~;}~das da intenção irônica, essas imagens podem
ser reprod ~, · • ·-.:~;ft>consumida$,::~t~t;1~a acrítica. ·· ·
1
1
Para sf·i ,·' , os g ~pi~~t.~/ apresentavam. uma "idéia atemporal do Brasil",
na q~t ~ '~ ntradiçõ~~i}t~WÜ representadas de forma fatalista como "emblemas"
atellljp~$-da identid .f Ili~ional. Como vários estudiosos observaram mais tarde,
. -~':'r}i\•de Schwar.t;: i
~ria tropicalista se baseava na obra do filósofo húngaro
'. .,.~;l W Lukács ()[:~" ..: ellos, 1997, p.53-9; Hoisel, 1994, p.46). Diferentemente
de.;:JJ~njamin, L .,, ,.,,,,, · .· ra extremamente crítico em relação à representação alegórica,
~t~\':ti¾Jfendendo qtfê~J~-,produzia uma visão fantasmagórica da história que não podia
ser interpr~~id~:;1;eomo uma totalidade coerente e determinada. Sob esse ponto de
:i,,;-: ' .. . -,,l>'j

vista, umâ:4pfi~~-â.e arte politicamente eficaz deveria propor ou insinuar uma resolução

121
Christopher Dunn

dialéúca de contradições históricas. Como contraponto à Tropicália, Schwarz fez re-


ferência à obra de Paulo Freire, o radical educador do Recife, q~~Airigiu uma enorme
campanha de alfabetização no início da década de 1960 sob a,,,lgfâ ~1do Movimento
r:'1i~!-_-,_~J.;'ot#
de Cultura Popular e com o apoio do governador progressistí:l·Ü~J?,rna:mbuco
:j;--- (<,J:
Miguel >;"~;.i_...

Arraes. Diferentemente da Tropicália, o método de alfabet~ -~ 3''âe Freire se baseava


.-~.-',.:. ·:.¾.t,;,

em um conceito dialético de História: o analfabetismg;/ã\·t poreza e o "arcaísmo da


consciência rural" poderiam ser erradicados pela edu<;j.\~ií'.p ipular e por uma moder-
nização redistributiva. Conforme Schwarz, a alegotj(~f3mplista concretizava as con-
tradições históricas (i.e., a coexistência do arcaijG/iiggf~ftnoderno), negligenciando
os fundamentos da sociedade de classes e forçan'tlfi_~ Jra entrar no âmbito da estética. '.::,p,

A análise de Schwarz levanta important~f;~µestões sobre o papel dos artistas e in-


telectuais na sociedade brasileira, mas a c~'!-é.\?.~ação parece ignorar as consideráveis
diferenças entre a obra de um ativista ei~,~~i·na educação popular e a de artistas en-
volvidos num·projeto de renovação ~'f.éti~ :l de crítica eµ}~ ~, no âmbito da mídia de
massa. Sartre traçou uma útil di~tfu~b'.~,nfre intelect4~ ~~~~~lvidos em pesquisas teóri-
cas e práticas, educação e ativisJf&;pc}Íftico e escritoJit~tiy;~'ividos na produção artística,
-.-: . ,t·':~~ ... ~'"" -":.~#,:,)

quando disse que o "verdadeir~tiifti;;Jêctual" é aqu~1y5}1fe resiste às algemas do humanis- 1


•;;.;.*-t-..,· .{,;· ~;.:'.'•".':> ,,"f"~.l- "!:.1i1

mo universalista burguês, r~~nhête a própriéffj>o~ição na estrutura de classes e decide


" .:~.:-il.:-~ 1.n.•t;~;(-"f.'

servir às classes explo1 14+~~Jtlando-.as : ~desê,~~olver um "conhecimento prático do


mundo para mudá:lç( (Sytre, 1983,•p.>;.,? S9.rJ:iS: O método de alfabetização de Freire,
:·-j:"1._.J~r,:i.:;.. ;.,_' f~·-·, '5-;,r;':'Jt'i!.. ro! .j.' ;•.~- ..

que tem claras afinidââ €§,~bm os prin9,ípiEt :~e Sartre, recorre às experiências cotidianas
dos alunos para qijç,,e,les possam set4![i~tJjPr e se "situar" na sociedade de classes. Sartre
aponta o papel ~i*ií~ito,
mas co~f~1t~~~do escritor, aplicável aos artistas em geral: "O
escritor só pode ;~t testemunha.._~~\'c.u próprio ser-no-mundo, produzindo um objeto
...-.)~~;.:'-?,. ,?"',. ':--"t."tj.~'f:.~~'- .
ambíguo q~rit:si,gere alusiv~ntei~
..-s- .._;;\.._ s-~t.i
_.,,
A própria evolução de Caetano como artista se
;(.-· .....

baseou ,41:l _~~o de Sartre'"': ' ('..J {ar-no-mundo" . 17 Para um artista da classe média no
Bras~,f~~~b no final gj·~~ .~a de 1960, isso significava um encontro não somente
c~#-~~fef.tessáo ~ t~):'8-iértsmo estudantil e a incipiente atividade de guerrilha, como
J~B~~{eõm a ct.Jnlt,~pdpular nacional e estrangeira. Os tropicalistas produzjram um
·fl':. B~je~o
ambíguoJi qu~J ~çou luz sobre as contradições da modernidade brasileira, mas
c1Jtki;yfüb elaborar~~;\ 'li~
.~-.:;· ·.~·?.:
programa concreto de ação coletiva.
.,;.~ 1 · ·;,~~., •

,•i' - 't}hú:,4~ A alegqf½!:~"tibpicalista simplesmente não se encaixava na visão dialética que


(~!l,J' Schwarz ~fÊJ,1 História, na qual a coexistência do arcaico com o moderno poderia

'I};:tltr
I7 Q.~fil;i,,;"f'996, p.12 1 e 1994, p.10O. Em uma enrrevisra de 1968, Veloso mencionou Questão de Método de Sartre,
8J~3f~n dos poucos textos teóricos que leu quando esrudava. Ver Campos, l 974, p.201.

122
Brutalidade jardim

ser percebida como uma série de "anacronismos" absurdos ou "um verdadeiro abismo
histórico", produzido por "uma junção de diferentes estágios de des~,:y?lvimento ca-
pitalista". Schwarz abre um curioso parêntese a esse respeito, especii · ' ;ht'e revelador:
"Não interessa aqui, para o nosso argumento, a famosa variedady.J?".,~.--/f do país, em
que de fato se encontram religiões africanas, tribos indígenas/~*B-~ adores ocasio-
nalmente vendidos tal como escravos, trabalho a meias e c~p}e~~s industriais". O
crucial para ele é o "caráter sistemático dessa coexistência''.t!â~Íi~z coloca a "varieda-
.,;,·:S,"i•'. ,, ~

de culrural" em segundo plano porque, para ele, isso ap~~ ·.·. resenta diferentes es-
....;,' •:--:.
~-

tágjos do desenvolvimento capitalista. Embora seja veE~-..,s,, l\!{'a escravidão, a lavoura


arrendada e a produção industrial representam difà~\i:ti; estágios do capitalismo,
não fica claro que as religiões africanas e as trib9~[ipdígenas podem ser incluídas no
. , ·.~ ''.•:i ~•:.f .,··

mesmo esquema temporal, supostamente corri@~~~,esí<iuos pré-modernos. Essa análise


supõe um desenvolvimento progressivo não;.· · '·J orças produtivas, mas também da
própria cultura rumo a um modelo ideal;~ 1,.. '~"'ernidade 9Jf~t}tal.
O texto de Schwarz tornou-se ;~1n~.:-,, ·<Srtante re{f ,. ., 'para análises subse-
t·.('· J.-.,_.,.,.. ::?,.-;,. ... .,,,xl.~--=-

qüentes do movimento, mas també.iÍii""ttiffit.i críticas P9~::~Jil}Igidez dialética. Silviano


,s,.':" .. ·-1:~.....· .r;f ·-.~:;;:·:-.
Santiago, por exemplo, afirmou ql;!'.fg·~psurdo é um, f~;iW?goria do "pensamento oci-
~·:,:'.,/._!f· ~~- -:/::[; ·· l::~_~'ç.._,,
dental tradicional" utilizada par~ . ')§Íêfeditar qualm,ge~;f oisa que não se adapte a suas
•: . \ j _,.....,.:1.1,-,.;;'.-·?.<'.

premissas lógicas. Ele criti9Sé'. z por não d;u- a 'ctêvida atenção à especificidade da
cultura brasileira: "O esse;~::,,.: é p~rceberql!e,i~ 7~~1\s certas posturas radicais carre-
''•':.'-;f",i..,·... ~........~•·:~·,, ,\,_;..., .. , ..._

gamem si tal dose de e~iS~~ smo que, ~p ·~fitébaterem contra o objeto 'brasileiro'
revolucionário, simple.s~~nte porque l\ã9,, §~;l de perto o model.o, minimizam-no, a
;-jf.?'l•r..~/r> :::':/ ·,•';,,(_._..

ponto mesmo de ani'.Q~~ffe o seu Pºf,wpê-íiíll guerreiro" (Santiago, 1977, p.12). En-
quanto Schwari; anali;Ii"i'''~oexistên ,. · "''"'' @~caico com o moderno no Brasil como um
-J.<t+>,; ,. ~t
sintoma da dep~ij-~ ~icia econô~;i~1~. \ un sistema capitalista global, para Santiago
ela é uma mari··v1Jllliferença dii~g.riVt do Brasil em relação aos centros dominantes.
•,;.;,:, i~oncentrar '"';"1iradiçóes da sociedade de classes, Santiago inter-
. '''.rt1r·· relação à sua história de dominação colonial que
": e "~alores culturais na qual a Europa se tornou o mo-
delq~ r ·, ,,"~r~al. O colg.,\'.: ., aÚ~~o
:,.,_:~-Mi- v·
criou uma relação de dependência na qual o Brasil
f<?J?.i 1pforado por s :: ·. \' :atérias-primas, enquanto sua vida cultural se via reduzida
•" ·i,~, pálida ~ .fcJi ·. o pensamento dos países dominantes. Santiago interpreta a
cgJpttização co~~;~ a "operação nardsica" em que "o outro é assimilado à imagem
ViJ:l'.\t)t~etida do s~í:t;~;~~dor, confundido com ela, perdendo portanto a condição única
da sua altt;f° :':t\{':,.Apesar de seus propósitos emancipado nistas, o modelo hegeliano-
,;....
marx.ista,;d ~~iêlogresso dialético não estava isento do etnocentrismo europeu. Segundo
,..,.. ,,,A/

123
Christopher Dunn

Santiago, o materialismo histórico era capaz de compreender as "minorias" (i.e., ne-


gros e índios) somente através da "integração total e definiti1r;:~ 1~elas ao processo de
•. ~-+<-·J;,

ocidentalização do mundo" (Santiago, 1982, p.15-8). Recon~i~~~tl9;a intermediação


do outro em um sistema global de colonialismo (e várias foi:µi~ f$ ;'.heocolonialismo),
Santiago propõe a noção da "universalidade diferenciadà~;, ~~}~\fi~screver a forma na
.,,,,, ., ~<i·~·-'.':t•.;
qual culturas dependentes subvertem as hierarquias e'ií.õê~µtricas . A universalidade
existe como um "processo colonizador" que conduz).,,., 1..f61;~t6cidentalizaçáo,
·-,.
ou como
um "processo diferenciador", no qual as culturas , · }t ~~ntes rompem com a rela-
ção colonial afirmando sua diversidade em rela ~. · :::.41!t ras dominantes (Santiago,
1982, p.23-4). _,_.,· .

Vários anos mais tarde, o próprio Cae · ,<? respondeu às críticas de Schwarz na
música "Love, love, love", do LP Muito\i;;,. 8). Sem contestar a interpretação de
,~·;.-:-,., ·;;;iJi
Schwarz de que a Tropicália era um ,t~q':s~çlo", reconhece com ironia que o Brasil
,i::t... .i}r·
,,, ,
1
... · ·

pode ser absurdo, mas nao e surdo:,:í? 'l/.:.t·


~i~:t/~:{1
absurdo o Brasil pode 'bsurdo
até aí rudo bem nada :,.,1

pode ser um absurc:l:~r t íe não é s4ff~,~;i


o Brasil tem um .' .,musical q~e nãô'lé normal
,\t{~~it ~'t /
' i1';:- ;:j~~\. }\1:;i;\~it;,;ttf. .
A primeira viscat ejâ~üífto parece cgpfir1t}ar as suspeitas de Schwarz sobre a visão "fa-
talista'' que os tr~B~~iscas têm d~;;~;- }'' as também delineia um espaço de diferença
nacional com bl ,e e:~ uma form . ·::~jfica da capacidade cultural, que freqüentemen-
te combina oagiiâ~~el com o_;ú/" ·

1
;r;Í~~:~'~
RUID,l 1:1lff :1141ZIL: Tl0PIC.ÁLl41
~lt-:··
\ ,;1: / .;~. "'"
CULTUIA I

, ,._l)~<;OIII~.fl .f .fl .fXl.fil.fR(l41 UllflRI


· •~~ft~z;;;:::~w-·
''~-::--'
. ,> orno virnoÍ~iVº •~ apítulo 2, a maioria dos cantores e compositores tropicalistas
4j>:f('.\!~"' .. io de pequ( ..;., .•..;_: ades baianas antes de ir para Salvador a fim de estudar. Em mea-
;{i~'t,lftdos da déq,wt!f~J1960, mudaram-se para o Rio de Janeiro e depois para São Paulo,
onde co '.~ ~~ a elaborar seu projeto musical. São Paulo era o lugar ideal para o
1'·:,, .., ..
rnoviqtêttt<fa:ropicalista, porque era a cidade dos poetas concretos, dos compositores
e ar~ j, ~ ores vanguardistas do grupo Música Nova e de Os Mutantes. A cidade tam-
bêm~~~ ia como base de operações das maiores redes de televisão do Brasil, a TV Tupi

124
Brutalidade jardim

e a TV Record, que logo foram eclipsadas pela TV Globo no Rio de Janeitof


porque, naquele tempo, São Paulo era urna cidade fora dos padrões v!g~nt-es de·"
gosto", definidos em grande parte pela elite cultural do Rio de Janeif..g:"·A:m aioria das · ·
:_ músicas tropicalistas representa algum aspecto da vida urbana, :e 'tit "'•''\ , aiidades da
·• modernização desigual às mudanças nas percepçóes referentes à0tÍpu? ~gia, ao espaço
' ~-~ - -·., .....:~:/;
: e à experiência afetiva. Os tropicalistas mostravam-se fascinaçfl'j§i'
;;.·•4
\ ••,~fo ambiente urba-
: no de São Paulo, com seus grandes outdoors, redes de rníjt@J · ústrias pesadas.
Mais tarde Caetano viria a compor seu famoso tri ,f"'; Á ~t1)?ão Paulo, intitulado . . ;!/,J

, "Sarnpa", no qual reflete sobre suas primeiras impressões,.~ ~ _ } Burante o período tro-
; picalista. A música, incluída no LP Muito, de 1978, '1i~ te um senso de deslum-
bramento em relação a essa imensa e feia cidade J~tt~~trial, tão distante do glamour e
do estilo do Rio ou do charme barroco de Salv t,;J
t;'•
1

é que quando eu cheguei por aqui .


eu nada entendi ,:~l
,;.( :(_ ~)\'.'~\\?:,,:
da dura poesia concreta de ni~~q~inas
da deselegância discreta de rµ@r~ i hinas
i~zf::~iBJr
Acima de tudo, "Samp~ t1·•~J'fiburo aos ~istâ'flíue "traduziram" a cidade para
~tt. ,,:t·
ele, entre eles os poetas S
;8;1!~i~,fét~-Augusi~tf · -iít; tâo de Campos, Rita Lee, de Os
Mutantes, José Agrippiiió1 ll€-1iÍula (autorsde·, . américa) e os membros do Teatro '.(::'.,

Oficina. O movimenq}ft~f~Picalista, at,~ ,i{it~,t,pbnto, era produto da tensão criativa


entre os baianos e o '}~ rural cosirt~if'õti,ta que encontraram em São Paulo.
j' •

Várias músicas tr~pifa.listas draml.:,


am a experiência de migrantes nordesti-
nos forçados a s~ }â.9 pobre No, ?éf:'•fg~ff'.ural para tentar a vida nas grandes capitais
.. ,?,,:,· .,~, ' ,
industriais dQ:1teiltrb-Sul do B : ~- oragern para suportar", de Gilberto Gil, por
exemplo, 1ft, ''?!• · · ·músicas ~~f'-,,:-:~~
Opinião ao representar as sombrias condições
sociais ddfti que fq-r · -'!~ ssoas a migmr. "No dia que eu vim-me embora'',
;.,,., ~ ~;':{~~} .: .
de Caef~\€1~,, - creve a -tB~~'""' espedida de um jovem que, depois de deixar a família
par; _ '[ipercebe para:f$;,u <!i gosto que a mala de couro, apesar de forrada, emana um
cb,,Mit 'fit>rrível qu ':.. ' :N ;iaja "'sozinho pra capital". Por outro lado, "Mamãe cora-
,,,t·.. ""'1.?}-~ J:,.... -- \, _ .
gt~],KCaetano-iji lô)(F'ápresentada no álbum-conceito tropicalista, descreve a carta
d~;:~ migrantf;' q-,, depois de declarar que nunca mais vai voltar, consola a mãe
·á}Ji\â.1kndo para,,~ê"tl;lir um romance popular para não chorar. A cidade oferece emoções,
uma chanç~/"' · "brincar Carnaval" e de ter uma vida independente e anônima em
uma cida~ ~. .. ~J~ não tem mais fim" .
~ ,~;·

125
Christopher Dunn

Em um contraste marcante com as músicas da bossa-nova, as composições tropica-


listas tendem a evitar a convergência entre a natureza e a exper~ cia afetiva. Uma das
,""•'::•·'.•

primeiras músicas tropicalistas de Caetano, que ele compôs morava no Rio <liiü'<l:~
de Janeiro, subvertia a poética da "racionalidade ecológicà:.d~i};\\tsa.:.nova. Em "Pai-
:1'(:-- -ii;;~"l
sagem útil", de seu primeiro álbum-solo (1968) , a tecnol9-_gia ,t,,,..•
·sê transforma em um
substituto para a natureza. O título da música é uma p~~~,\'â~ "Inútil paisagem", de
Tom Jobim, um clássico da bossa-nova que declara, ,f.f~1'n,1~Iancolia e emoção, que a
paisagem natural (i.e., céu, mar, ondas, vento, floriif~\@ o de Janeiro é "inútil" na -~!' ' .t_(" ),.~

ausência de um amor. A música de Caetano, po,; t ·· ··•1~ ~ilfiespreza totalmente a natu-


reza a favor da cintilante beleza do Rio à noite, ~ofur1tas "luzes de uma nova aurorà' e ~;:~~;..

os automóveis velozes que "parecem voar" ~;~ 1R1Úsica sugere afinidades com a poética
de vanguarda do futurismo, e sua celebra~ .d ,~luzes da cidade, das máquinas velozes
••H·;. "'.o..

e da moderna vida urbano-industrialpy~'iíj,,i?trofe final, Caetano evoca a lua, corpo


celeste muitas v~s associado ao ro,f ~ fe~m músic~~i~lares:
.,
mas Jª se acende e flu~ ,, . >· .···~/r;
i;f
i.t:<{"Jt¾Jit -li~ ~· tf;
'""'· -,~-ef."
~,. -
,•,.t:·1.<(t -~:r .
no alto do céu uma hv:iPff;., _--r,.;, , f;'; ~~
::;ii;}~:,é,. ~i!_:if.: -~;_~J.{~ú
oval vermelha e azµl., k :,,q,, ((<; _;;.
'·t':t;f:,_;.( __ -:;~~·-:i: •:·:'.~~:-:
no alto do céu,do'ifüo.\~t l.,.J .... .~:- ... -~...~,~
•,--:1P.:i'

uma luaº'% di ~sd''' ·:.':.}•_,· .;lZR!.i,·_t_·~-.,.:_·.-_..'-'f,~- r


comove e ifüriffüi~â beijo ,~:; ·,:_,;:
dos pobrç§rffÍStes felizes (i} ~.
,., J\,<•·'·:.~~{\
(~,,li' ~
,...•:;~;t·.:t .. ,..
coraçoes~~ µi tes ,t/' · º'to/

do 2ts::'Blt n /l~:!tr
N e~itp'õ'iiib, a voz de '~~&l&iio cresce melodramática no estilo de Orlando Silva, o
can~~i9ffiântico dos ,w~ :._4 {fe 50 (Campos, 1974, p.168). A lua em "Paisagem útil,,
·;;.:;' \1~:.•.-~ •..., ~'. ."",¼•

ch~g;~ ;i,) êr inautê.ntJ:~;"~'ô)ita


,. ·-•-!}·h·, ac,.
lua oval da Esso". Em vez da lua eterna e simbólica da
i,•• · ,.,,,,.,,_

g~iiuréta~-Caecariêf!~ :s,9p-:>hma
,,.,:~~--~ . 7 "''..i\ ; ;.t;.- -•r
lua historicamente determinada e alegórica, produzida
_,J;'.pii'~;;< uma empr~:,i J1!:tµtinacional. O logo incandescente da companhia de petróleo
-~\~~, - '•::=..;-L \",:r

,:#J~.i'<~·none-americ4!~Í~ra sobre um simulacro de natureza, mas os amantes encontram e


· 1~~)~:'romance ~~qh~~er maneira, sob o signo de capital estrangeiro.

(iii' te-~:i 1::~u::~=:=!:::i~::::h::~::::::~:::,e~::::::


nas,:ii~~f;·l)fasileiras, pelo menos desde a Segunda Guerra Mundial. Várias músicru
tr-ô-P4:~ 1stas lembram essas figuras de forma similar à arte pop norte-americana, come

126
3. C. :Veloso (1 968) 4. Gilberto Gil (1968)
(cone~itlija Ú~iversal Records) (cortesia da Universal Records)
,:X; ;~;~: }$~
galcosta
...
PHIUPS

5. Gal Costa (1969) 6.]orge Ben (1969)


(cortesia da Universal Records) (cort~~t~4a Universal Records)

~~;•1

7. Lin,_r}.àn'i/itx a Gioconda dos subúrbios 8. O rei do mau gosto (l 966),


;,:r--- · .,.-,y.__,·
,{ · · .6 ), de Rubens Gerchman de Rubens Gerchman
(çJ . Jae Gilberto Chaceaubriand. (coleção de Luís Buarque de H ollanda.
t\/ ;\,~i;~~}J";,
FÓ.r6t1fo nesia de Rubens Gerchman) Foro: cortesia de Rubens Gerch man)
~a margina\
seja herói
10. Seja marginal, seja herói (1 968),
de Hélio Oiticica. (Projeto H élio Oiticica)
2
11. Cenogr_i:Ilí½-v,de> élio Eichb ·•· .· ra o 2 ato de
O rei da ve ·.·"' .,,. :duzido pelo;,~eÍ6}:~J:©ficina (1967) .
-~lf °f. tonesia de Hilio
.•:
;_%
;e);jchbauer)
ft~f~-

12. A primeira missa no Brasil (1971), de Glauco


Rodrigues (coleção de Gilberto Chaceaubriand.
Foto: cortesia de Glauco Rodrigues)
Brutalidade jardim

as reproduções em linha de montagem dos retratos de Marilyn Monroe elaboradas


por Warhol, e as dramáticas pinturas no estilo dos quadrinhos de ~ ",;p chtenstein.
•::.i-::.:,-:;.
Na qualidade de "gênero impuro", que combina culturas icônicas eJj,J;j '_ àfil:as e exerce
um apelo que transcende as fronteiras entre as classes, os quad.1Jph;;;;,.0',. keinplificam
o tipo de práticas culturais híbridas surgidas com a moderniz i .,-; ,,e-,,~ urbanização
(Canclini, 1990, p.314). Uma música do álbum de 1968 d~fG~~;~o, "Superbaca-
nà', evoca o mundo hiperbólico e pirotécnico dos super- i@fs1â~s quadrinhos que
comandam um arsenal tecnológico utilizado para derrot :. ;;\ as do mal. No ritmo .

alucinado de um frevo, a música adota a estrutura narra; ·•· j:iensada e descontínua


ft <.•· ,·

dos quadrinhos, relacionando em rápida sucessão umas . /J de imagens e personagens


fragmentados. Caetano apresenta um herói brasJ!~AtP imaginário dos quadrinhos, o >,'.: -: -4.~, ..,,v;.,

Superbacana, que sobrevoa Copacabana e com~~fJ?Tio Patinhas, o avarento perso-


·>t.t:x i·.~.',}'(,f.<..

nagem dos quadrinhos que controla o pode~Jft'~6~J~mico. A resistência ao imperialis-


mo americano é representada de forma c<\:ipí~ :~t~o a luta:,:f plt~?de um super-herói
brasileiro contra as forças do mal reJtJ6e,rr.t'àrlis pelo TioJ:'!:tfr'i',~as e um batalhão de
caubóis. A canção "Superbacana", d~('~ f(~o, lembr~1_,!iti~ffiance "pop-tropicalista"
de José Agrippino de Paula, Panam' . ' --;:;:~ represent~i:R·;at confronto internacional
entre sociedades desenvolvidas e;SJ 'nvolvidas (JiÍoi;; ( 1980, 145-6).
',,.:.\X,--~"'~~-.,..~
Outra música baseada,~ ~~e,. ,;no mundq dos;.,!t1per-heróis foi "Batmacumbà'
(Gil-Caetano), apresenta.$,~~:~~~•zl~•~ m-con~jf~~~'i;t~alista e no primeiro disco de
Os .Mutantes. O arranjo níti}r'tiFinclui ta~J.rorê~e conga, combinando uma batida
-~,;:: ,.:·.:t
de rock pesado com \l;-Il±hJitmo afro-blt~~tlltrtHf.iA lém de várias outras composições
tropicalistas, a estrurqi&JJmal de "B~jf,ri~êilmba'' recorre à poesia concreta em sua
utilização de mont~en~"~erbais e siq;~i~tião discursiva. 18 A música se baseia em um
0 71
fragmento poéti ••t>;l~êltmacumbai - ' ; i~acumbaobá") contendo uma série de uni-
q '. .
dades semân · ·}, · .,;âmbitos d '.• 1~tas em quadrinhos (Batman), rock brasileiro
(iê-iê-iê) e r~ · õi'afro-brasil~tff{t~b,t1 "macumbà' (há, obá). A cada verso da música,
··:)/-' .' '\~ ;~ ·, ;"t i'
um morfe~ iéi«bando.I}~dq{lff.):Jtl~ somente "bá" permanece e volta a se expandir até
chegar ~1f~tfj1:íginal. ".Â~tlf
de Campos mais tarde transcreveu "Batmacumbà'
com , ,tr -~ema visu<JtFº Qt 'duas "asas" triangulares para sugerir um morcego em
vqq;_;.;,-,, '.-'atmacumba' _.., 0•:: seja a música mais híbrida de todo o repertório tropica-
.\"IV ···~:'i.{ · .,.. :,

Hijti}':;~Ua estrutur~:i(,, se baseia na poesia concreta, ao passo que seus elementos

"/J;,!~~
18 Outros exe .•· cluem "Dom Quixote", de Os Mutantes (1969), e "Clara", de Veloso (1968). Ver Campos,
1974, p.28 -~ .·. · . ·.·
19 Para a t r ~~~·concretista de Augusto de Campus de "Batmacurnba", veja Perrone, 1985, p.62.

127
Christopher Dunn

semânticos fazem referência aos âmbitos do sagrado e do secular. Campos relacionou


a música aos conflitos literários da década de 1920: "Em vez19,~_'macumba para ru-
ristas' dos nacionalóides que Oswald [de Andrade] condenav~l.;i~er;e que os baianos
resolveram criar uma 'batmacumba para futuristas"' (Camp,,,,~l '.í fzc74, p.287). Ao fun-
/ ~•\, ·.-)y•\~

dir intencionalmente esses diversos elementos, "Batmacui&~f-"súgere que produtos


da indústria culrural multinacional, como Batman e o .tê'8~,•.foram "abrasileirados" e,
f.~ ~~:-
por outro lado, que a religião afro-brasileira é centr\\re~Jf modernidade brasileira e
não apenas um vestígio folclórico de um passado tii.~-"~q,erno.
,-.1;:t...... ....._., .?=.;
Como sugerem as músicas aqui díscutidas~"J~~t&rÇ4'êtano em geral adotaram a
cultura comercial da mídia de massa de São PaJ1i~p'fu palpável entusiasmo. Tom Zé,
por outro lado, observava esse novo ambiç~,t,~,,!.lfbano, que oferecia uma estonteante
1
variedade de produtos e atrações, com iro~~.,~{ét'ricismo. Seu primeiro álbum-solo, de
~::t ;,.. . -,,~,....t(•

1968, pode ser interpretado como u~l ft~ica satírica de suas primeiras impressões
-~ ~;,; ;:..::·~
de São Paulo, especialmente a modet.Jia ?-hl:H:ura capitaLis~1,Ç ravado com duas bandas
da Jovem Guarda, O s Versáte,,if'e
11t<:;
~ -~,dfazóes, e co.
-~;.;,:.'·~
~ ~.fiÍljos dos compositores de
~-.:--. •-$

vanguarda do grupo Música N\:ilff; ~~ amiano Cq1-,fif&:~ Sandino Hohagen, o álbum


.. ~(~;f• ·U·.~'..l:~~:~.,~~,.~
apresentava impressionantes ,é•ii blfiações de i~ ,~,- í:ê(acelerado com órgão e guitarra,
. , • •· •-- te · ·•r"'' ct·
música sertaneja, músicas ciJ~~Jsêmelhantes música experimental e os núdos f:j~~/k's,
aleatórios da vida ur~~ l~f~}:f P foi origipal~ê'nte lançado pela Rozenblit, uma gra-
•if{,, -1~. ..... '........ · ~},.
vadora independe.q.,Ç~ êfi);..Recife que f~ !'ti}t ;.~ 'portas na década de 1970. Quando o
;t.,7i~'t~·;~~~... >--.:.:, '·. ''~,.~::•\ (''· •,J_

álbum finalmente fó'r'lá:f.i.~ado em C:Q:;,m ã:1~:ide trinta anos depois, os críticos o recebe-
-'l.~; -t;
ram como um t_ <;~~~ro perdido dJi W~~J~ popular brasileira ou, nas palavras de Pedro
,":::~~, .(,:,}... ,-,.;..;,J ....
Alexandre San~h~s-?t~omo o "lac,lw-·lf tçla Tropicálià', 20 injustamente negligenciado. A
·-:,;1':.~~i~~~.. -~.it··~
capa do álbu_m (vêr imagem ~;J.Í~''~ derno de imagens), que em alguns aspectos lem-
;_;:;-:-;-'>-.... r,,'.y. ~~;:_,;<

bra a estétt~~;:p ~p de Rubel\I~fi2K""m an, apresenta, no estilo dos quadrinhos, a fachada


~,,. <~;,J':(·", •.• ff ."';•~,:," --
~t:1

de um~~ aerSáo Paulo a:\1t piâcas e outdoors promovendo vendas, descontos, bingo,
cre11t,çss.i J iitais, gasoliq!;jri,i Pes, jornais gratuitos, rifas, shows de strip-tease e até
rotf~ ·4Jf~~-
.~~ - rant~,."~.J-<-.~q~/~~i
ã;'•r _-.__ " -~~--~~-:·
~e 2, pague 3". Uma foto do artista enquadrado em uma
çt1:Jz~ c~févisão apfl'~e tób o anúncio "Grande Liquidação: Tom Z é", num reconhe-
/f\~~·:,_,.1. . ·,~<' :~•~.?
,-l?i~nto irônico~5ge qt,té, como artista pop, também ele era um produto à venda.
.,,Y-<,:-:'.~{t~ O álbum ~ir,
',,'.::•~• • ;, ,#,..
i õn~ebido como uma crítica satírica da indústria cultural com suas
:.,,,,_. • r •.<~'.,

1
·\·;t· ~\t:::;.çt'falsas pro~~~$~:tle felicidade e plenitude para os consumidores urbanos. Em al-
t~i.>_:.,'.:_·•.;_,_,_?_<_J_f { f guns asptf~!g$~~a postura de Toro Zé ecoava a famosa crítica elaborada por Adorno e
,;, Hor~tlfu;~t,;; que argumentavam que a indústria cultural era um sistema padronizado
:f.t~f~,
20~ifm'. lexandre Sanches, Volta ao "Tom Zé,", lado B da Tropicália, Folha de São Paulo, 30 ago. 2000,

128
Brutalidade jardim

para iludir as massas que engessava a criatividade individual e o pensamento crítico.


Esses filósofos argumentavam que a indústria culrural "ludibria p~~f,uamente seus
consumidores" com promessas de abundância material, liberdade,<~ff?liijidade, mas
em última instância deixa-os cegos para a labuta e a exploração 4f\;'f~tt'coddiana no
,J.,.:·!:.,.· ·,.,-.:;/f;-·
sistema capitalista {Adorno, 1972, p.139). Tom Zé elaborou ~1;1,,,çrítica similar no
texto de capa do álbum, que começa com a incisiva observa%tl{~:,%:~6mos um povo in-
feliz, bombardeado pela felicidade". Ele descreve um m , · ~~~fupletamente satura-
do de imagens alegres na mídia, no qual "a televisão pr •
mais pode ser infeliz". 1
, - -~- .•

As letras das músicas lembram um ambiente Ji-~~~~ repleto de profissionais


apressados buzinando no trânsito, agiotas inesst~J;>,~osos oferecendo crédito fácil,
e modelos com sorrisos gloriosos, vendendo p/ ' .7 bs para as massas. Uma música,
"Catecismo, creme dental e eu", sugere q~f :;~'ti pitalismo de consumo se tornou
a nova religião burguesa doutrinando ~fpú~lí~o a comr.~t:}91odutos de higiene
pessoal: -é0t1:FiJI 0t1,fiJí;;t,,·
.•'I;::ii~,
um anjo do cinema
já revelou que o futuro
da família brasileira ;, .,· ·

será um hálito p~~:&;,· "'


Em outra música, ':Çggi Zé satiriza:f s ,~i~$1Mções sociais que discriminam os po-
•tt\;%.::*t .·t~:r.~-. _,_·, ,
bres, obviamente se ~- .·. "sos para p · ·êi~tr plenamente da cultura do capitalismo
de consumo. "Curso int'êhsivo de bo,ji · ·..,. eiras" parodiava o discurso elitista de um
.., ,~, .. . f~'-;l~\~?-b-~
famoso colunist~~~jtir.1 da época~dª#~lino Dias de Carvalho, que dava conselhos
para ser aceit~J~â[{Bffculos socia-ii\;.;,;~ipeitáveis": "Primeira lição: deixar de ser pobre
/ que é m1¾t~it~iij;1. ','%i;:ili.
Em v'··, _,~ mposiççes,:.i~ ,i ' . pregou o jingle, o formato musical típico do capi-
talismo{P@;f,li~ o ef~'ft~ ~~-~ iha paródia. A música "Sem entrada, sem mais nadà'

~~~ o !ame~ \~, ''~


· }fentrei na li9:~elj~o
·, ·· saí quase _,· -~-•y, ado
vinte v~~;,; ~ inte meses
tt~·." . ,,.~~~"r:r
· tmeu ordenado
;,:\t:~:

129
Christopher Dunn

Esse alerta contra os perigos do crédito fácil é então destruído por um jingle elo-
gioso que funciona como o refrão da música:

sem entrada, sem mais nada


sem dor e sem fiador
'
t crediário dando sopa
~
: pro samba já tenho roupa
,~:~~
j.'.

oba, oba, oba


10
1
Ao fazer uma referência ao samba clássico dê ,t,t•.J'Ro~a, "Com que roupa?" (1933)
sobre um homem pobre que não tem roUJ?f~t~ª ~~ar em uma festa, a música ironiza .
propaganda sensacionalista, o "oba-oba"fi9? Bt1sumo impulsionado pelo crédito.
"Parque indusrrial", de Tom Zé, ªRf~Q,f da tanto em seu álbum-solo como no ál-
-t~ 5-1:~ '"i~}
bum-conceito tropicalista, satirizav,1;0 ·ó~ ll.ho cívico tg~*? pela inauguração de urr
novo complexo industrial. No ~ co,tt'_w;i:ibanda de som da multidão lembrarr tl}<fsi~j\;
a pompa oficial de uma para~fflffl1?#-A letra, C3.9Í~ :a1F~r Gil, Caetano, Tom Zé e Ga
, :,> :t,,:::.~. <J,:rt.'• • ..
Costa, dirige-se à multidão u~li~~b "vós" no ~ t ~Z~~vo, normalmente associado a rito
litúrgicos e grandiosos dis<;,~ ~~r ~~rióticos, º i:u~rê'força o efeito satírico da música:
.!, ~ .:Iaj;:~:,~: , '.''.i~:it'
retocai o céu cfüianiY
. ~,-
· ti,/f_:",,:./;,,
< ;;;,"f
. -,~}i.,',_f.-r·
. ~~~~\t,~ '.'•:J:;,.. >t;,: ,., .,. ;.
bande1rolàs llt'ir(:ijttlao J{! ,,.~t~t:"
grande f~~H~
--...
em toda a ~ çãf .~~.. ~
~~-·· :.-.~'").
~t;l~
.. ·"'·
J"
despertái. êõ~ orações ,;.;,''11!r-;;,'.'..
\~t-f.-:.•.•~1..õ.r/ .~l-r. :--./?
o avançcFtfidustrial r'· . "~~:k,
·. ...:,i

vedf~\faier nossa red~»:?filiJI, .·'


;}tíi:}(i&t •t!{t~t~t~,
~ifê\?em "Geléi~~;~ tt\~f a expressão clássica da poesia parnasiana "céu de anil
an:µ:~,f:,Í~-'O gesrogas.~ ils~;}Se em "Paisagem útil"' de Caetano, a natureza é edipsad
&feJ;~iciíiital múfti~ c;ió1Íal, em "Parque industrial" ela é subjugada à ideologia ofici~
) -~·~- ....,.:t· ' :~t:.~. -.:

11
f '.'idf,;-progresso il1fiustú fil, O céu caiu, por assim dizer, na imanência mundana; deixo
•,· _· ·_
'"-•1•;: -.o: · ;.-. _.;.:, - . -T·
_,,;, ;i~;cd-e evocar a t~ ~ndência celestial. O lendário céu azul, que simboliza o esplendc
1
l
;!,():'A
~rrcJf
~-":.-
"':i~4{,.t1V
;u:1~;!;:~t';,'~:t,::,:i~::i:::~:;;;,;;~~s;,!~::::ºJ::~:
que ~~~Ji~em
if-•~_é.J..*)~~.!;'
pela atenção do consumidor no espaço urbano: os outdoors apreser
j'._·,;" -' i, . ... , ....

tan_E!l f:tirnás aeromoças, o "sorriso engarrafado" que pode ser requentado para usar,
},;?,f i?gpular e a revista de tablóides, relatando "os pecados da vedete".

130
Brutalidade jardim

,:<:~~:;:Y~::~.
Arte e cçfµfêr,fo. Caetano Veloso apresenta um fogão de brinquedo, 1968.
Q. Ferreira da Silva/Abril Imagens)

131
Christopher Dunn

"Parque industrial" saririz.a o zelo desenvolvimentista, como sugere a alegação irônica. de


que"o avanço industrial/ vem ttazer nossa redenção" (Favoretto, l 99~_e,:93; Perrone, 1989,
p.61). O desenvolvimento industrial certamente não trouxe "reden~i:.ffe~ milhões de tra- ~....., .... :":_,.½,·

balhadores urbanos, rujo poder de negociação foi gravemente r~~4~;J5clo regime militar.
•" 1 ) ·:..~•,;."':. ."·''

Além dis.50, em 1968, os efeitos ambientais do desenvolvimento•~~pônsável já começavam


r':_-..;.., ,).,.-'

ª apresentar horríveis conseqüências em muitas comunida1ê5l~ l:,res, com destaque para


Cubatão, uma cidade industrial entre São Paulo e o port~,.çtJ :s &ftos.21 Apesar de a lingua-
,v:;!;ri~J}:"-~
gem excessivamente esperançosa sugerir sátira, também ~ _uiijll,Jlledida de orgulho pela mo-
. ·I•.·• ,.<..• .•,a<

denili.ação do Brasil. Tom Zé, afirmou que os tropi~ :;:~ uma paixão pelo parque
industrial", já que isso era tão importante para o dese~_kplvimento da nação (Dunn, 1994,
p.118). A música termina com urna mistura d~~m,baria e afirmação nacional, celebrando
os produtos de exportação que são "made, mad~i•'Jiâde
'i.-:.;,._ ., 1,,,..,
/ made in Brazil". Como na maioria
das músicas tropicalistas, há tanto crítica. co$i.t;~µmplicidade com o objeto da sátira.
A requintada "Baby'', de Caetano, F)3de.:iê?vista comq}iiif!'JfPmplemento de "Parque
industrial". Enquanto Tom Zé rilf fu.!~ !téf fé cega redentores da produção n~i'.P~~/~
industrial, Caetano ironiza o coiis~~Jijesenfreado,.d; ~â 'âsse média urbana. Utilizando
. ....•,':-:;•~.. '/f·';~{z.Ji{. ~\
gírias da juventude da época, ~i1~,/
'< ,, ,,.
-p arodia anúffui<?S
~,. .,.,." ''':.
\~publicitários, criando uma lista
de todos os itens de que uma;.~ ,f of~'precisà, Pt,i.~~i ffeliz e bem-sucedida na sociedade
de consumo: piscina, ffiêfg%iat l'gasolina, sorve'tf;"fuúsicas de Roberto Carlos e Chico
·\:-'~) \:;~ }t,J .,ic.__ t/~
Buarque ("Caroliná't e,"~~ente, aul~,,.;~-.,.i.~-,.....f4d
,'"t':',,7; ·::~~ ·-,. ' -~'?~,/.,. .~'
.nglês, a chave para o sucesso e o rito de ·,'á..,

passagem para a juvdridi'a~~ classe mé4,i~':B1~ileira. Uma voz anônima da publicidade


comercial interpe\~-x'ibJuvenrude da~ l.,J ~~~ dia e cria necessidades para o consumidor.
:/,':'....... :,. ,...-:,.;: ~~-: -l{'.

Não fica claro se t }w.~ ca. está que~_ipnando de forma crítica ou afirmando o valor desses
produtos. A !5:?_sí~~f interprera~ \ f&çai de Gal Costa sugere wn certo grau de satisfa-
ção. A últint'.{ i&ttpfe afirma: ~i~j9,·l tí, comigo vai tudo azul / contigo vai tudo em paz /
vivemos ~l~~6ffior cidade Jlfk,~~ érica do Sul". Caetano disse que se referia ao Rio de
Janeirçf~iiâtmorou por{;? - ' :)hpo, antes de se mudar para São Paulo (Garcia, 1993).
Coni&~ri do o cljgia:,;~ .J~fffiitos políticos no Rio de Janeiro, a alegre celebração da
ci~ã~,j ~bígua. ~'.B&tj,'.~,:~ :~ente pode ser interpretada como uma música "alienada''
1
f'!itfJ/:,:,, .. . ,,ft~J:J'
~asil urbano na ditadura, mas também pode ser vista com uma

á~~ '~fhra realidade"'th?


ó~:;~~f{rlca. irônica.\r._.à~
,i.".'"r '.~·...._,
ttó~pl;cênda e ao consumismo. Todas essas músicas tropicalistas são
... ·;.~,·~
li'· ~bivalência similar em relação à mídia de massa e ao consumismo.
/i{ih/in.arca.das po~l ~hlV
~t:, .:.~~:
~1t!;
->r~ - 4 · :-.....

i~.{t~;!fii?l ,J/-~{;,:f
2 1 JoscP.li,.~~pbservou que Cubatáo foi projetada como urna "rona de segurança nacional" em 1968 (o mesmo ano
nç,J ~f J>âi:que industrial" foi gravada), o que restringiu ainda mais os direitos políticos dos moradores da cidade.
Ver l1itgêr l995, p.281

132
Brutalidade jardim

. . ..:~· :J.;~ ~
\~~~:~~'fi!?~-
Aniscas brasileiros parcicip~If isseaca dos q~m}yfil em junho de 1968. Na
primeira fileira, da esquerg,g pi,~J
·<~> ',".~•-·.
ireica: Edu
. .' ~~
L6'B~!1'f
cala N andi, Chico Buarque,
~~'}t.
Arduíno Colassanci, Re_nar~:~oighi,
}.<~···t /i-,~.... .., ·-t1:~-: .
Zé ~~§<?!M;iJ't'inez
·•-·::tAJ~·,,. . ....~,~--·
Corrêa, um estudante não
identificado, Caetano Véíõ";sõf)Nana Cay~f'l{í;~~ilberco Gil e Paulo Autran. Os car-
ir:./ 1,::;
cazes expressam soli4~~t~dade ao mo(h,R,~\Q;f.ê"scudancil e denunciam a censura e a
repress~;-_:(tamilton Co - ti;, : ••• ência JB, Jornal do Brasil)
'"({'1'¼1/l'·· ·. ·.,

,t}'.;:Jf,~
1
·,.• • •;.Í(-ÁLI-A .f V10L.fíl(I-A P0LÍTl(-A

. -, . · de a maiorii ;,J:latmúsicas tropicalistas ser musicalmente animada e triun-


f~ntf.<;.. "1óm muita frti}~i)tia transmitiam, de forma tanto sutil como aberra, o clima

:·/ib i }t, /lência e rep* . \})oficial nas cidades brasileiras no fim da década de 1960. Em
:;t,, ~rço de l 967~Ít41~ha dura militar assumiu o controle do governo sob a liderança
";'It;{'Bs; um nov9:fi,p1f~ij~ence, Artur da Costa e Silva. Era desfeita a tênue aliança entre
políticos d~i~t~nservadores e a liderança militar, enquanto setores mais radicais da
oposiçãd1t íi;~,P.;·ificavam a campanha contra o regime. No início de 1968, estudantes

133
Christopher Dunn

universitários e do segundo grau da classe média realizaram uma série de protestos nc


Rio de Janeiro contra o aumento das mensalidades, os proble ~ de infra-estrutura (
t_~,ft 1'._,i,,

os cortes no orçamento para a educação. Durante uma maq,ifi ··~o em março, uIT
jovem estudante levou um tiro da polícia rcilitar e
. 'T '·•..i:,,;;i
uma nov~ moq_eú:;ip,~9\rotando
onda de protestos contra o governo que foram violentatn~tê' Ji,:,.._,.._.
reprimidos. Mais ot ·••,•_ ·'1.

menos na mesma época, metalúrgicos realizaram gr~i é~~l i { Contagem; uma cidad<
de Minas Gerais, e Osasco, um subúrbio industrial."'ÀG\~lãi/Paulo. ·
No final de junho de 1968, vários setores da s~~ta,, civil - incluindo estudantes
-;:l;;r. - "l< ~~ ~

professores, artistas, operários, clérigos e profi~si~1.'fs"l!Berais - participaram da Pas


seata dos Cem Mil, no centro do Rio de JanJirirtV'árias personalidades importante
da MPB participaram do evento, incluinq~~Ç_il, Caetano, Chico Buarque, Edu Lobo
--~ '•.•,'•,-ft.- . .

Paulinho da Viola, Milton Nascimentô\f~ /Jfua Caymmi, além de Zé Celso, Ítal:


-!'~- ... ~ ..

Nandi, Renato Borghi (do Teatro O~~)i~Paulo Autran (ator do Cinema Novo) e : - ~-'!:,;· {',.',

escritora Clarice Lispector. A passçà:ta õea'rreu sem 4#ffi.-ç,:çp.tes, mas o governo reagi,
• ~·~· ~;¾'.: ~-~~- ..-'-"'/',,

imediatamente proibindo 04J-t~ ,..,~?lil'õnstraçóes ij~~l\~~Violentos confrontos na


ruas não se limitavam exclusi-V~ ~p,t e à repressig,,i fo1idal. Em setembro de 1968, es
••1.<~("'i ::-'•,•""' r _ •;,,..,,f,'-t,;:.,

tudantes da conservadora Utuf êrs1dade Mack4mié.ãtacaram a Faculdade de Filosofi


-i~~-j_;:·.. ...J. ·;i-~: "11~~~<,•

da Universidade de São P~~t~ttn otória por ,fg,~~~i' a esquerda. Membros do CCC -


organização paramU.~taif:~ ,µ.êomunista respclnsãvel por ataques ao Teatro Oficina ·
participaram do çg_~f~ I}-~i -~
·ferindo': ~itf\i;e.~dídantes e destruindo o prédio princip,
da faculdade. u ~ "~i;1~ pois, a pot~a i"J i;~deu quase mil membros da UNE, reuni
dos ,clandesti~~ t~te em Ibiún.a~,: i~~-~quena cidade do interior de São Paulo.
A medida Ii \f,:, )?:s oportuni~ptl1ije oposição não violenta na sociedade civil ficcJ
vam cada ve:z, ~;:r; raras, llll\-.f.l.~ fO maior de militantes anti-regime se unia a org::
,;~;~s;,,~,, ~;~"'"':.;~"!'-i-o,.a.,
nizaçó~~-~ 1~,estinas de
1j~ ~~jifJfhà.
Os primeiros atos de resistência armada ao podt
mili~ ~ ,cófreram logo af~·<( golpe de 1964, mas só começaram a exercer um verd,
~,;!·..,!.;t-.;'1- ~M~:.. • -'r.~,
deifô~;tw'J5ácto em I 9qs,i1~~ssidentes do Partido Comunista Brasileiro, que em ger,
,;,~f.:'ii · •,, v ·''-,, ,'h

evít~y4fí a luta"'~ ~?mrmaram vários grupos importantes. O romance mais ceie


_&;';.~-~-~ '"".t~~ ~•--
"'\ (•'.::~"-'... ~ ~ l...

J 'fff1l'4o ·c1~ períodô:;.~ud~P (1967), de Antonio Callado, retratava os dilemas políticc


.í:::fç)~;•(,"!,. ', ...?1,/

i'.l:, 'ê1'3. h_istenciais <!S·-"#.:,,.,...WR:


~•...,_é. . -......
padre esquerdista que abandona a Igreja Católica para se un
.

J?~}};:ilã um rnovini~~Jde guerrilha rural. Das quase três dúzias de organizações armada
,t/ fJ..':.P:J} contudo, (~1.11• ria ficava em áreas urbanas e envolvia poucos artistas e intelectuai
~;~_f_;_:_,:',·_.',.·~, •.J: _:f} O surgi~ el ~ de um movimento de oposição armada marcou um distanciament
• .., do ~tj~-s,í~p simbólico associado ao CPC e ao protesto cultural pós-golpe, no qu
,-.--~.....

artj_f~~5~ intelectuais buscavam se posicionar como uma vanguarda revolucionár.


Gãv,i,i~çl.e "conscientizar" as massas. Alex Polari, membro da Vanguarda Popular Rev<

134
Brutalidade jardim

lucionária (VPR), afirmou que o movimento de guerrilha surgiu "sem artistas, poetas,
críticos, romancistas, teatrólogos, dançarinos, terapeutas, escritor-ê~f">Para sustentar
essa visão, Ridenti demonstrou que artistas da esquerda constituí ...; ,. 'Jtlbs de 1o/o do
movimento de guerrilha (Polari, 1982, p.123; Ridenti, 1994, P::ff};lhiÂfP ·
O líder mais proeminente da guerrilha, Carlos Marighell · ·-· p{bro da Ação Li-
bertadora Nacional (ALN), argumentou que o movimen ., errilha era a van-
guarda da transformação revolucionária. Para esse fim, ~ ,:" · izaçóes guerrilheiras
'<-:'::,'.~--~r:;,,:.- ~l..-1;;,.

assaltavam bancos para financiar suas operações, atacavlµ ~s-t~pais para roubar armas
'?:\;~~~~:f .i~•--·
e munição e bombardeavam alojamentos do exércy ·· ')n sijilações militares norte-
~; ·;'.~-~-:/
americanas. A operação mais famosa envolveu a ALN ~4·Movimento Revolucionário
8 (MR-8), que seqüestrou o embaixador dos ~ 9-os Unidos, Charles Elbrick, em
,_.,. r.';' .. :,:;1_i/): 1

setembro de 1969. Em troca do embaixadofP:'.~ ,,_gôverno foi forçado a transmitir o


-x.•;r~.•·. " ·-,y\~

manifesto revolucionário do grupo em to,·~t~-, estações de rádio e libertar quinze


guerrilheiros detidos, permitindo que foi{é~ ~êRÍlados par~f~~~~-simpatizantes. Com
o sucesso dessa operação de guerr!ftâ, J~ MPR realizou ·-~._{::~··,.,ti~t~os de diplomatas do
~i~<!:-~:·/_~trs}\·.-·i:X:
Japão e da Alemanha Ocidental em~?'f97li. A cada ºB~-- · {t; o governo intensificava
os esforços de liquidar o movimer#-f~;Hi ~errilha. f;,.1~~ organizações clandestinas
: :'}';,,./ •· . 1--~-'; ,"·:'s'••s '"••.' t·'.vf!,._~-·

foram brutalmente reprimidas/:_ ":--~ ;:membros (~Ea.rp,'. ,invariavelrnente torturados e


muitas vezes assassinados,,,:4efií~j,~ 6,, · caprurad9s p-~~}~ entes militares.
Caetano Veloso afir,ty~-~ ~P-~,::~s tropi ' it' ~~iravam secretamente Marighella
e outros líderes guerrilh~ITJli i "que se evi ". ·\ :1à:ya no tributo a Che Guevara em "Soy
loco por tí, América'',J(;gJ,~cutida a segúi&l; Jfando Gabeira, ex-membro do MR-8 e
participante do seqt{ v,~ ·:Jide Elbric~,-,Ji~8}çlava-se de ter ouvido, quando se escondia
da polícia, a mú~ica"'~ ~ qual Gilb, ',.:,, ' >il faz uma referência velada a Marighella,
2
assassinado P?,,~i{fiais naquel~f:' ' '~r---::;ffio ano.22 Provavelmente ele se referia à música
''.Alfômegà',_.;,~~ ôil; apresentad~gçtsegundo álbum-solo de Caetano Veloso (1969).
no qual ~- '-• :··6'.lama em d<:t~Í~ip~do momento da música "iê-ma-ma-Marighella".
Polarii~{ . ,_,--que os,.;;} f,~f~J}t1s estavam em sintonia com a postura de Marighella:
"O n{'c;,;,-~·~ s'füo e suas·~~~-;f; ramificações já eram, sem dúvida, a expressão cultural
p~ ,· , ara aquilo "'Sl1-e ~t forma incipiente representávamos em política" (Polari,
,.J)JJ;,;;v,,:,· .121). Cantf~~1id.~ protesto mais convencionais, com destaque para Geraldo
;T_i,f, •;!·: · · · .{..·_·,, •. 5!·'Í":,

f;~~tlré, prestar~qi/[1·6:~1enagem à luta da guerrilha em várias canções em seu álbum de


' "-:•:•-.1<-~ ~-;,.:."'!--

22 Gabeira, !~,,--~'-,:135. Na adaptação de Bruno Barreto para o cinema, um dos personagens alega que essa referên-
cia enigp#ttiçfli',-Jd.e scr detectada "se você toe.ar esse disco ao contrário". Para evidências sobre o impacto da música
entre d"f'~ ,i'~eiros políticos, ver Ridenti, 2000, p.281.

135
Christopher Dunn

1968, Canto Geral, mas Polari estava mais interessado na atitude de contracultura da
Tropicália, que parecia prometer novas formas de integrar pdlLl~ca, ~!':-,·r.•
comportamento
individual e prática artística. ,;ll'.'{i.;~;.. :~;
Várias músicas do álbum-conceito Tropicália, ou panis:~.et 4r?t~cis aludiam a um
"·--- ....,.,., .
contexto geral de violência política nas áreas urbanas. A fli~.de abertura, "Miserere
.,·:tt11;. 'kt/
nobis,, (Gil-Capinam), critica os mecanismos ideológt~6sª'j ~coercivos que sustentan1
as estrutura de desigualdade no Brasil. A música co.~:Ç$~té'õ m acordes solenes de um
órgão de igreja, abruptamente interrompidos peloi .Iri~ iuma campainha de bicide-
·-t4,~~~:·· -~1'!'
ta, seguido do de uma guitarra elétrica. Gil ent~~~~yfifse~fitúrgica do título em latim,
que venera o caráter nobre da pobreza, mas d~p~J:a subverte, questionando a pro-
messa de redenção futura: "É no sempre ssf~.f~? iaiá". Expressando impaciência com
a fatalista aceitação da pobreza, a músic/ê~gç"fgualdade t,'i,,~ . ,. ,,
aqui e agora. Considerando
a cumplicidade histórica da Igreja vis~çlõ1t,~anter o status quo no Brasil, a institui-
-~~~-. ,J.~ .,;;..":' ..' ( :. ;.,":._ •

ção se via em posição vulnerável a "-qítié,âs,"por parte .~!c~sição anti-regime. Mas a


música não deve ser interpret ,,/X,:'- .ç.óliiõt'~m ataqueAtai~riminado à Igreja Católica,
. ~<~·'·!it ·~~~·~··.;..
que na época era politicamen . ·jgruda entre i~~-é.f progressistas, conservadoras e
1~•.;~~-·•, ·..;.:;,,,.,-. ..t);: ' •1 ,~

moderadas. Alguns de seus i~~ros induíaw. 'i ~$h antes líderes da oposição, com
• -~?_.·.,,..... '· r. ..
;, destaque para Dom Héldet;;~ P.fià.ra, arcebisj~,9-,Ç,;-!O linda e Recife, e Dom Paulo Eva-
risto Arns, arcebispo,<j.~·''g~]~Í~o, que mais ~~f?de organizaria um pungente relatório
~~~,- •·.')'.•-: - ••"• l> 'J'.

sobre o uso da to.rWJ"/l,i~ sucessivog?=r•~~f~ ilitares no Brasil. 23


J-;i!:':r..5r,~-)-..-~ -i~,:::.
1
-..- .. "<~k-;r
/2 '

"Miserere nobis" podê' ser interp9i i d4:'.ê ômo uma denúncia da complacência, espi-
ritual ou polítiq;ilpJ?-nte da inju'~~?~ ~Yom de irreverência e desafio se intensifica na
última estrofe: ~l D.Jtamemos vmh~~ rl'b linho da mesa, molhada de vinho e mancha-
da de sangµ,(. Ô;(: ~rso alud~/~.:~ ~iubstanciaçáo, na qual o vinho simbolicamente se
/r~1:i, ~-~\- :t{ •-~:'l-if.';.,
transforT,~~Jangue de C,> ~'st$~ás também insinua um clima de violência. Mais para
o final ·4 :J!lúsica, Gil fo~~~ z~Jlaba a sílaba, as palavras "Brasil-fuzil-canhão", uma men-
-t. ·.:.,. •. ...-1:J:f:.-
s:. ,~~w~· " 4
·

sag _,.,·~s;fcêptível para;Qilv~res atentos, mas sutil o suficiente para evitar a censura.
·:,:-J ,y~..,;-..,(J

~~;,~~- .,.,t.i ~tra mJ~f:? i_t~~}Jf>um-conceito tropicalista, "Enquanto seu lobo não vem"
x{i'¾ i~tâ.nc?Veloso c;i] {¾,â' visão aterrorizante e surrealista do Rio de Janeiro baseada fü
.{f;,,.f:ibüla de "Chap~µzirlho Vermelho". Começando com um convite de amor para "pas•
· -~:.;; • :-.,.___ ,"1':,~~--

.,l~f'fi1t1.. se:ar na flore~~ f ~dnúsica continua fazendo referências sutis a manifestações nas ruas <
~t ·1;;~ -l-'~':~.,~~- ~\:-..
A::."' ··d&;ffi} movimentq),;ctê\iú.errilha rural: "Vamos passear nos Estados Unidos do Brasil / vamo:

~L_::,'.'.,_,',.·,. J> passear .~ri~idos". Esse convite pode ser interpretado como uma alusão ao êxodc
!_ •.•
11&,J.:ii~'.
-· ::

.,; ~;;~~¼!},
23'~,rigi;n.ahnente publicado em 1985 pela.Arquidiocese de São Paulo como Brasil: nunca mais, o relatório foi subse
qüenfémente traduzido nos Estados Unidos com o título Torture in Brazil.

136


Brutalidade jardim

de líderes estudantis e guerrilhas urbanas das cidades para evitar que fossem presos e
para organizar centros rurais, transferindo bolsões de resistência re,~4l~ionária para o
interior.24 Na passagem final, as referências ao contexto político de· i:.!· ~;;,, <f ser oblíquas:
"Vamos por debaixo das ruas/ debaixo das bombas, das bandeira.&J i· -~'"'" J' o das botas".
A presença de bombas, bandeiras e botas sugere claramente a a_,< · / .,d~J'de guerrilha e a
..,~'!"'-·· . ·,i/';,·
repressão oficial. Enquanto Caetano canta essas palavras, Ga!~
~fit~~ i-epeádamente com ·:?·;'}:~; J~J·

voz distante "os clarins da banda militar", reforçando a p~ · írqáIHa ordem oficial.
O contexco de conflitos políticos e culturais é mais vt~. J ado em "Divino mara-
vilhoso", um rock composto por Caetano e Gil. Gal1~i~.mt~rpretou essa música no
:.::r i=
:i.:- ·:->:J~
festival de música da TV Record em 1968 e a apresentoüt~ seu primeiro álbum-solo de
1969 (ver imagem 5 do caderno de imagens). N ~~*~ica, ela adota a espécie de interpre-
tação teatral ópica de vocalistas none-americarli;i:ç;go Janis Joplin ou Grace Slick, da
banda Jefferson Airplane. Mais para o final ~ ' - . ··: os tropicalistas adotaram esse título
A,.• i_ ;1 _.,,\.1f''t,.·,·.
como nome de seu programa na TV Tupff " ., . ' o maravilJ.ió~};,,p:pressava dramatica-
.,_.,: _ ~;!.•?':. . ..:~_,. _,._..:.;, ,·. -.. , ...
mente o clima do final da década de ;! 9~9r!ijttêloi, ao mes .. F .:._ po, um período empol-
'?-';'.k:,;,r:-,_:,_;;.::,:-Ai;_.-",
gante de experimentação e de severâ;répr,j #o política,,"- êhodos os versos começam
com o alerta "Atenção!", levando aif~~s,"Tudo é PJ:.d~ 'tudo é divino maravilhoso".
•:::,-;;.:.i-~ __(,,";.' ;,'.'.-t(· •·,,f :-
A segunda estrofe incita o ouvin't~:;,{;ptestar "atençá,B~:- l?.~ o refrão" da música enquanto
sugere ser necessário refletit;~é'.f ~~[ crítica so~_re s~~ ;,~ignificado. Nesse sentido, trata-se
.vr~.- .-.:.:, '... - ~. ., /::,:,-;; ;~f/
de outra metamúsica sq~~S,,<?';iR,? sicionamelÍ~;,g,~1~sta, o papel da recepção e a impor-
.,, \ -:---:.-/;~\-·~IS<';'•i,.-/ l\,,:' _ ;;•~'.fY•";~J-;:.-
tância da interpretação abéffxC
A música ~\bçfü chama atenção para a "palavra de or-
dem" e o "samba-exal~~ p", sugerindo),'
f!t· A\\ '
;l'trfi1'~ à ortodoxia esquerdista, por um lado,

e ao patriotismo co~~f;'fjtlor, por OUfff¼", trofe final alude ao perigo muito concreto
de conflito ann3::c}9 entre militares · · M~sde oposição:
/j,: taf:;p
aten ·,,,. ., p âfâ as janelas à<ltt:Jô
;;', ::i,J
at . ·. 6 pisar no mangue a.ar~~~~/
. para º,\~;r ~eo chão
,·\'-;;;.~ rência às ",j~~ ·do alto" não é direta, mas é possível especular que seja
..-:::.r.::~:·-~::i ~-•f· ·;;• ., .

. ' ··,:ilusão aos po · .. , ue se posicionavam em prédios altos da cidade, durante as


~ - ·. -~ -~·
¾p,~~êatas de pro,:t:' .ífOs conflitos políticos são situados em um contexto social no
., i~;óximo vers ,· ''•f\'.:" ugere a distância entre os ideais da modernização e a realidade da
~
~t:;~~~\:f{~1::·:,
. _<!:~\..
___. ; ....., ·;it Revolução Cubana, a teoria do foco para a luta revolucionária se popularizou em algumas regiões
'tlna, inclusive o Brasil, durante os anos 60.

137
Christopher Dunn

infra-estrutura precária, contida na oposição asfalto/mangue (i.e., centro urbanizado


versus periferia subdesenvolvida). O resultado da violência polÍ~ Ji.e., sangue sobre
o chão) atesta a repressão militar. j}/li;,t~~=:
Outras músicas tropicalistas abordavam a violência da V::iêt~i ~ tidiana nas cidades
brasileiras e como isso afetava as pessoas não diretamenté 4i~x~l;idas na contestação
,;///,;,~, ·~t,<
do regime. "Lindonéia", de Caetano, interpretada por i l'âtij·;Leão no álbum-conceito
tropicalista, narra a história de uma jovem do subú _'r:â }it iasse operária no Rio que
"desaparece" misteriosamente na agitação da cidade. ··_a foi inspirada diretamente
pela gravura de Rubens Gerchman, Lindonéia, at/· _. JÍldos subúrbios, uma interpre- -~.,.i . -

tação de La Gioconda, de Leonardo da Vinci (ver'i~âg~m 7 do caderno de imagens). O


retrato de Gerchman representa uma jove ,,;; · _ a de violência doméstica, com lábios
inchados e um olho roxo. Uma moldura.:fl~_â~fi~di:o
'~-~..,~.
com entalhes kitsch cerca a imagem
surrada de Lindonéia (i.e., linda/feia). !'f} [ · a moldura, uma inscrição lembra a man-
chete da seção criminal de um jorrnt i'f o. '" ar: UM AM_. xWl.f&IJ>OSSÍVEL - A BELA LINDO-
NÉIA DE 18 ANOS MORREU INST:t f:·• .,, NTE. Na r~r: ·. ~ção musical de Lindonéia,

de Gerchman, Caetano im ·, aa da jovem .~l~i-de seu desaparecimento "No


• H ~ -..,, ~

avesso do espelho", reaparece ;. , uma "fot9gr~Ro outro lado da vidà'.


"Lindonéià', de Caet~''\i\- bolero, cubano de canção de amor mar- utm~~~~o
cada pelo sentimentaJtfig4~}~iflo mel?dr!r1ª 1:ante popular no Brasil nos anos 40 e 9i.f
50. A elJte brasileiqi :, '"~ga que criou"êi~dt\suthiu a bossa-nova considerava o bolero o
epítome do kitsch 'i:d'J.iJ!fuiericano ~ b~lj&'o ao gosto popular, o que explica por que
Caetano optou ,R,0 t:::f ~Sa forma pifq,1~~áf."fuúsica sobre uma jovem pobre e suburbana.
t~~ ·:ft/~ ~ ~:'(,1·;8,-.-,.
A música descre~e:.aitvida
.,.,\~·1?;);·
cotidia"\
. de,'tindonéia, uma solteira do subúrbio, com refe-
rências à et~fijfl presença da m~~ k }inassa, da violência urbana e da vigilância policial.
,:.,,~·t-:·-';,•· '. , ~~,.,,~... :, .

Favarettq,_sii,~~iiµ que Lindg:ji~~J!t :~~tia uma empregada doméstica da periferia da classe


baixa qti.~i;f~capa de sua
'•'(:' ":-'.O :\)'f•Í

e.i!~t~9F
. '•~ -~r.

ia tediosa consumindo novelas do rádio e da televisão


' '" "

(Faviét~:Yif996, p.92);t}}if ft~ de ter desaparecido "na preguiça, no progresso, nas pa-

••
J~:t\~{{~cesso'' ,,BfL '
--,:~~:·: ,• \1,;{;.:•_(•:.~ ~'-}t~?
:;~fi~que ela tenha se perdido no mundo de fantasia da cultura
-· -~~-
:à, ·,ffi~si 1No entari' J9S termos jurídicos que a descrevem na música - solteira, cor
/4/~;. --e. _ - 'a - são den6~-:ições utilizadas no censo e em boletins policiais, apontando que
;{6:0~/t;;i;: ê~etano tampi t\}ifMe ter interpretado a obra de Gerchman de modo mais literal. De
fi~~- . .: /!.~-~ ·_X7~.~f.~;~~">t},,
\{~/g~fqualquer fo ' "'â;''iFinúsica retratava a experiência de uma mulher urbana marginalizada,
concentrà""! ,-_, · sua existência solitária e na falta de opções na vida.25

, néia de Veloso apresenta uma notável semelhança com a Macabéia, a migrante nordestina pouco instruída,
nista do romance A hora da estrela, de Clarice Lispector (1977)

138
Brutalidade jardim

"Lindonéiá' também alude à violência e à repressão da vida diária na cidade, sob


o governo militar:

despedaçados, atropelados
cachorros mortos nas ruas
os policiais vigiando
o sol batendo nas frutas, sangrando
ai, meu amor
a solidão vai me matar de dor

No contexto do Brasil no final da década de .!9-'.:§gLos cachorros atropelados lem-


bram as vítimas da violência do governo. A refers_~~l•~ "frutas ao sol sugere a abundân-
,.,~,~th..:'•·.,.. .._,-.,.
eia tropical, mas até essa imagem alegre é dest~ {i~1pela especificação "sangrando".
Tal imagem é seguida do refrão "Ai, me .. ='t ~ff a solidão,:, · t rmatar de dor", um
óbvio clichê que, diferentemente do r~ áµ ... '·~ffuúsica, se _íf :., ,.:às convenções poéti-
tJi;•.-~,;,:{ tt:i-I\ --'!<t•{~tti,..
cas do bolero. As músicas de Caetano âiéll'a1Wconstantern~ntr?êntre os registros pessoal
' .··•··. - ··-->.::;_/ i/ / ·--.,·· ''jtt\.:
e público, sugerindo como a repr . q.ficial limi~l • ;f ãa dos cidadãos urbanos,

llffl D0
.nf0fffi0:
•. ,,:~ .~~~!'
mesmo daqueles que não estavam~ ~ente engaj~~ps,» as lutas da oposição.

,A TR0Pí'f:AUA l).A{ m,111~n{


.4J;!~f:it~; '. J,ift~!~?/j;t
Em uma entrevista 1$;J868, Caetan,~:l;Yet~so observou: "Não posso negar o que já
1

li, nem posso esqu~ç_çr ~~·de


,.:..-~'~,,:,./::,,
vivo" (ij~'i~
.'
J~{i8). Para os artistas e intelectuais situados
·.~sl;.-.,.

na periferia do g~ijJt;fJConômico ,, ·"· .j it o global, a dialética entre o senso de inte-


gração e as afiul~~4ttcosmopoli{# :ç;~~ freqüência é simultaneamente uma fonte de
ansiedade e lfn"~jfiÇão. CaetanJ i;~~tr..sob uma ditadura militar em uma nação desen-
. volvida d<:: 'f6~~';desigu~ t Jêtt;J:ílr;\,s Beatles, Bob Dylan e Jimi Hendrix, bem como
, . ,:-.\~J-_:~h ·f.•:~ :;~•
Jean-P· . . re;'Jean-Luc'· .;,;,- rd, os poetas concretistas e Oswald de Andrade.
I)~ ~· \ ínício dos ~s,,_20t:~s músicos e compositores de samba já assimilavam infor-
·-•'<-HA.~_. ,i::~.. ,. -:::f. ::;:•.
m~ )nusicais do eri©ljt&:fmduindo tangos da Argentina, especialmente jazz e foxtrot e
;(f;"d&;~ os Unidost:~fifos de Cuba. A primeira geração da bossa-nova dialogava com o
-;~(
1
j~~ Costa Oes~fd,~{Estados Unidos, e a Jovem Guarda adotou o rock 'ri roll norte-ame-

'
'\Niftiâfuo. Ar.é m~~0 \ -.;;-:_:.
i l artistas "nacionalistas-participantes" foram influenciados pela nueva
canción latin~~tricana e, talvez em menor extensão, pelos cantores de protesto pacifistas
norte-amefi~~s. Os tropicalistas, é claro, recorreram abertamente ao rock britânico e

139
Christopher Dunn

norte-americano, aos ritmos latino-americanos e à música de vanguarda internacional. O


conteúdo lírico da maior parte da música popular brasileira na dé~ de 1960, contudo,
se concenrrava principalmente em contextos locais ou nacionais.
picalistas não eram diferentes nesse sentido, mas com algwnas
~;;w,
pót.w,_~
as músicas tro-
exceções situavam
• • .,...... . "t•,-

0 Brasil nos contextos latino-americano e/ou global. :lit':;~i{,- ··v


Tom Zé ocasionalmente elaborava críticas antiimrt§.ri1tlj;;~ similares às músicas
agitprop do CPC do início da década de 1960. Um~i~lfsi& de seu primeiro álbum, h~tA~•Í.u;>.

"Profissão ladrão", descrevia um migrante nordes:tí,'lo.':t !!bre com "tanta profissão"


. •~ \.•-~>'. '.~I

na economia informal que é preso por furto. -i~~;;_J.§'ngôs e convolutos versos que
~~.- 1 ,.,;~\' '.J..~."'
lembram a rápida declamação da embolada dó ~~f,tão nordestino, o homem preso
protesta para o policial, lembrando-o de qll0e·~t~?º e corrupção são comuns em todas
as classes. Só os pobres são estigmatiza~~!:il:fllis transgressões, enquanto os ricos e
poderosos muitas vezes são recompens~à§~i}~~mo sugere a quarta estrofe:
J~f ê.J:);r;;. i 5:tt;;,,,
Sei que quem rouba ~ i~~m~;~fl'~ i/;ii'.~J}:,:'·t
.d l ~i. kõ""'"-:r
aos dez, promovi o a a(;µ:,áb ' \Jj _. ,:~;.,r..a:;; -
~-,•:~
,.ié .:.~5{)~J\., ·::,,·
se rouba cem, já passoJ:.t~~~-~(5uror ~:( -·,:;~
\~ .-.-,;;~ ;~ "..'-;_-7\';_,•·-it,\
(
e dez mil, é figura n~ 1Ô'Í~«r:· :é°/ <;~;e,,'
''Ili ·• ·,r;;~. J!r?
e se rouba oite~taf~ l~; fés... '!-'3}•..;,w
·f'.it;:~ ·,r-'.f . .'.JS;-. ¾. ,,,...}0'
Nesse ponto, 18\\~~hsere um igi~fi(~g instrumental pop, incluindo um grupo ....~.• · '1'

de metais que cort_ç_rasta acenrua~~te,.!g:bm o discurso coloquial e a fala do protago-


-<f~~-r.... 1
~ .~'.~'• , ~ • :{-:.~~-':.,:;,C

nista nordestin~( E~ta irônica j~ ~ P~{ção de estilos musicais prepara o terreno para
•,(,,,·i ' -:,..;-~- \"' {~-: ._:•': ' /1'

o verso inacabad&f' 1
\t;;.,
xt:*' ª;; . ·H,;{[til;/~
é_~liip_fofu.acia in teqg:aêt&p.al
-\i"i-f-., • • ,,____ -\~~~-,-.
,d 1··,l,,p,a v1zmhançatJ~J>Utras transas
~it: ~:, , . ~t:i~;i '*t:~
f:/tQ.ü ~5!0 todi~)!~çã~!{na época a população do Brasil era de cerca de 80 milhões)
~:-· ·· •.·,.~\ ;.i ; :; · 'i•;.' ••,;~;)!

_i ê;:$fplô rada, isso f chàêftíado de "diplomacia internacional", exemplificado pelo acordo


-~:,\t~~~boa vizinhJ~~-éhue o Brasil e os Estados Unidos, firmado na década de 1940.
tr '1~
.;'~.~-,.;.t-;,-;.. ,:-;7 ·\; fjiJ~~I/~-;

Outra ~ ~~;ffopicalista, "Soy loco por tí, Américá' (Gil-Capinam), posicionava o


tW·
1
·i~::sifr Brasil no i~~~ró
da luta antiimperialista no hemisfério. Gravada pela primeira vez por
·-:\1:ú.~;1;- Caetan9~~\~~Õ'em seu álbum-solo de 1968, a música era um apelo à solidariedade latino-
1
"º ameri~;: Jiigerindo que os tropicalistas estavam cientes das implicações continent.ais do
.•·•~·. ·•··~.
ID()YJ. tj:ffifto (Schwarz, 1978, p.77). O apelo à Últinoamericanidad também funcionava no
~;:;'e~l~ ,.\i{;_
nívef"'rhúsical. A música misturava vários ritmos latino-americanos, como a cumbia co-

140
Brutalidade jardim

lombiana e o mambo cubano, e as letras eram em "portunhol", uma misrura de português


e espanhol Para Augusto de Campos, a música representava o "tropiájP,~~pio anti-Mon-
roe", já que implicitamente denunciava a dominância norte-ameri~ ~:~ ~}hemisfério,
sancionada pela Doutrina Momoe (Campos, 1974, p.170). Tal qu,iFJi'g,~rado, a nação
,:·;-~:_ '-'\":.\...!f"
ficócia representada em Terra em transe, de Glauber Rocha, a músl~Joi elaborada para
transcender fronteiras de nacionalidade. Na letra de Capinam,,.;'.~iftY~$ ,6.s símbolos nacio-
nais são omitidos; só "el cielo como banderà' para "esse paí§,Ji.': n ome". Embora não
explicitado, o ícone central da música é Che Guevara, o rev:qfoêl~~~o cubano natural da
.:~:,,t, -:;.; :;

Argentina que foi perseguido e morto pelo exército bolJi inp'1967. O regime brasi-
:·,~: '

leiro proibiu a circulação de seu nome na mídia de massa:ai.- "Soy loco por tí, América",
ele é simplesmente referido como "el hombre mt\f~i:--:.A canção tem afinidades com a
música de protesto ao exprimir a esperança rederi%,ij~~il~ que a visão de Guevara poderia
-,.:? 'l:-.;,1;<

ser consumada "antes que a definitiva noite se .~ : ,, __ em Latino-América".


.. . ..✓*.. --~~. ~'--+.
Em seu segundo álbum-solo (1968), G\ibe<!~TGil gravouJtffi~ginália II" (Gil-Tor-
. ... i.?t., ,;+j ?:.;.;(( ''- .,,,.
quato Neto), uma música que explici~ e 'tit~íiua o Brasil qôê'~_p.texto das dificuldades
do Terceiro Mundo. Apesar de a letfiJ: .>elancólicaJ,..,t-~.~ ~:~~ns
· '-:!,1···,f.~
..,(..;! ,,
aspectos, trazendo a
imagem de tristes tropiques para o B -· l hiúsica é aj ,~, ·:· timista, influenciada pelo
ritmo do baião nordestino com,:~ f~j6s para me~ ;. ,:.:- o~eçando com a dramática
.- --•.:~~~tl~,-· ~;·'.f?ttKf:.?
afirmação "eu, brasileiro, co~,fi " " *·'letra de Tqrquat<fNeto oferece uma revelação de
culpa, aflição, degradaçãq? s ;'°'.' ' s·;
->'°J;:'f.:f :;,:.-;.,. ,,. .-~•-;:
~
sonho@
c,~ ~~\ilt füco imaginário de compatriotas.
_.,'-.'('<r~-~-;-- •·-•
A música inteira oscila erifittfí-Ii}i-om de seri~dán.ê}tlramática e de alegre sarcasmo. Um
verso, por exemplo, afimJ,~ com ironia;1ff'~g~?~?terceiro Mundo, pede a bênção e vai
dormir", que pode seri{ü:i; pretado cornff~fltca ao fatalismo religioso.
"'/ t·,:é"-'.' '·,,,,,-114•.
Na estrofe final, ToiqUato parodia ··,.,.i ,ançáo do Exílio", do poeta romântico An-
tônio GonçalvesfÍJJfsí; que come \ . ~ ~:lõs versos: "Minha terra tem palmeiras/ onde
canta o sabiâ'.d tJ\'fli~cante cori~ _,,,,,,}Ya letra faz referência explícita à violência polí-

,;,;;;::;,.; ·11âà fome do n{ ~,muito


~i::·:)lprincip~f{i~;~ :Uorte...
..:,,,i_,, a bomb ',f .de lá fora

agora rixti;; _er


-:,%, ' (
oh, -t~iti~ps temos banana
atét;l~~!idar e vender
141
Christopher Dunn

"Canção do Exílio" é provavelmente a obra mais parodiada do cânone literário bra-


sileiro, expressando o desejo por uma terra natal tropical e paradis,~ repleta de belezas
naturais, que escritores modernistas como Oswald de Andrade, M~p~ndes, Cassiano
>J.(! -·~'.~~:·:!~~-'
Ricardo e Carlos Drummond de Andrade consideraram tão ,M;têif J;i àra ·a apropriação :.~.. _., ;.,~ ...:.,_, .

irônica (Sant'Anna, 1986, p.30). No poema "Canto do regr~~ç á 'p átrià' (1925), por
exemplo, Oswald de Andrade substituiu "palmeiras" po~;.tl' .. ~es" (o maior e mais
famoso quilombo da História do Brasil), uma referêncJ~,~9ttt:rri' histórico de opressão e '.'1-'t,:";. .~~

resistência. De forma similar, Torquato Neto substi~~fl,{_r'·~ ,timagens de tranqüilidade


bucólica esboçadas por Gonçalves Dias por alus~t,- ..;. "(.',l~ bJ/~ação política e ao medo
sob o governo militar. Os dois últimos versos m; h~~ji;m o nome da antiga marcha
carnavalesca, "Yes, nós temos bananas" (193§~:¾ii ~e satirizava o status do Brasil como
produtor de matérias-primas para exportaçã · ' .i ''ef~cada de 1960, é claro, o Brasil tinha
deixado de ser apenas um produtor de m~lé'ff:~;primas e, com certeza, não se adequava
ao estereótipo de uma "república das b.~ ~~r, mas a cit~~i~,;:~e Torquato Neto atuava
como lembrete da posição subalt~ na _f{):1:p.J ls na econo~i~f~;bal.
O refi-ão da música, "aqui é o '~ f~i~mundo'', r~.. ,;r,~8l vkias vezes, reforça a idéia de
marginalidade. Essa expressão m / :iqµW'~s brasileiroi~~ ,r i} no "fim do mundo", ao mesmo
..,';{,~ orações~~ i; dpticas. Ao subverter o ideal do
• .,{'... -. .... \ • • J'

Brasil como um paraíso;;f[d{ qililo, "Margfnâ:lia II" sustenta um posicionamento


político e ético em ter.91--,,~iq'\ .ais. NesseI~,31 ?fuarginalidade denota não apenas uma
realidade política e e~6'N&-;- ·. , mas tamq~ i1 posicionamento fundamental diante das
nações dominantes...M~s do que q~lJi . ~JJ
peça tropicalista, "Marginália II" pressagiou
a postura mais abet~ibte terceiro- . ·. ·,,~ na obra de Gil, na década de 1970.
A Tropicália f~t:h~
movim_c;fÍ . , •ltural articulado primordialmente na música
popular, mat t;i?~ significat~; tt::~~Güfestações em outros campos ardsticos. Inspi-
rada pelaJl:ó €Íastia radi ;::sF' J tlÔswald de Andrade, a Tropicália propunha uma
6iilrura brasil!if ;;~ criticava as premissas nacionalistas e populistas que
,, i "~tiltura de protesto produzida na época. O veículo dessa
e~,,,, " uífas vezes ê Vla produtos culturais originados dos Estados Unidos e na
,.- '";,J~~ Ê>.~, ou medi~:9,ps 1w r eles, o que levava a acusações de inautenticidade e aliena-
Aiff\;, 'c;tpolítica. Jostt,-.··: ~s Tinhorão, por exemplo, sugeriu a existência de um vínculo
•r·~ , -&t-...·• ··"'. .. .·,:t:~
\iif?,rJrgânico entff4i\t;itjentaçáo internacional da Tropicália e o programa econômico do
.,,,.,,. ''""'·
regime milj~1li;i~~ m sua grande ênfase no investimento de capital externo. Segundo
f,'. :' . ··•~~::._;-:

as estim3,~lf . . -· o historiador, os tropicalistas "atuavam como uma vanguarda para o


govern~~:~~1964 no âmbito da música popular" (Tinhoráo, 1991, p.267). Entre ou-
tras ~ , ~ões, essa homologia não consegue incluir as formas nas quais a Tropicália

142
Brutalidade jardim

apresentou as grandes contradições sociais e os mecanismos repressivos da moderni-


zação sob o governo militar.
Podemos entender a Tropicália como uma espécie de "domin~ .~ç, cdltural'' para
citar a formulação que Jameson fez sobre o pós-moderno em rç{ii~;]iô éapitalismo
.,.:·,;:+f "'~·?;>r
avançado. Seguindo essa sugestão, a 1ropicália seria a lógica c1~HÍ(~~ não do pós-mo-
derno, mas antes da modernização conservadora, o modelf 'S~~().;ômico do regime
baseado em investimento estrangeiro, o desenvolviment _.:::>-·,-:
,}Í' i~ dústria e da comu- H<,.-~.

nicação de massa, junto com medidas de austeridades~;',,. ·. bviamente, isso não


quer dizer, como sugere Tinhorão, que os tropicalist,., ·•:;} • sem a modernização
(.:_i,"
conservadora. Sugiro apenas que os tropicalistas estav .,.. intonizados com as contra-
dições e mudanças estruturais desencadeadas pet-q~:gsyemo militar e seu programa de
desenvolvimento (Dunn, 2007, p.66). .~\t\ú,,:··\:/
À medida que as esperanças de redençãoJ N' :Za começaram a definhar, os tropi-
calistas recorreram a representações alegó;tl~
.:;s: >:.. ·~•:""'."'
p~a
refletir s9~i~,'4Jgumas contradições
,{).{.,.,,~.\ ' ---~--
da modernidade no Brasil. Ao mes~õ~tçt#p;óf
... .~: _
abraçav
~-
.
.
:? "~ eriência urbana, com
1
sua exuberância de imagens e sons' tltÍ}, t,--··a de mas~fk~,;,;, avam se envolver com
uma indústria cultural cada vez ~:,~I1s~f~ita aos ÍI]:! :,J§ do regime. Apesar de as t'-
composições tropicalistas terem·!ir~&i~do contrn(<" · ,.entre artistas, críticos e fãs,
.,;.;:_r;J/fi.., ·:-< .. ·
elas em geral eram ignorad~ p~;g§l~nsores. Po,rém, .. · partir de 1968, como os tropi-
calistas estavam ganhanq5> ~\çiliâ;de e nô:~ij\Q~t suas apresentações irreverentes
..J't;~x.:~•·•~, ._·•:r,;\... --.•:~~\· ~t:- _
--·· 1

começaram a se mostrar em B~lrçosas para .d -rêgühe militar.


t:Ji~>?}\;i'

143
4
fUI 101.fl IDV.flí.fl:~(;G[ I:'.;; .Pl(jLII ···: }0.:f,

n.fl mIli DI :ffl.fííl0

ara compreender °:~j~nte


*''
a conF:i óltk;ii gerada pela Tropicália, é
li~~
. '''.:• ' '" .-,,:.:: ;-.:,;,:,:

necessário lemb.t t e muitos ap :is~§fda MPB, em particular can-


'i• · ._ ,.., ,..~---:· .•
tores de protés't~,h.rnantinham ~ :iliêlaçáo ambivalente, se não an-
tagônicaª· •:~ :i~1iifídia df. m~ sa. i#;gio Ricardo, o artista vaiado no
festiv~h.,d.~e \ ( .,67
t.
da TV<<·:
.. ·
,.,. {tíh~s ajuda a compreender a tensão
·~••(.", ~~..,~ ::·~ ·:'l-1, -~?1;• .

entre ar~i;'r~ ~ngajados pfõfissionais da mídia. Momentos antes


-'8•-, ~~}~:"•·· ,.,:;k\~
2
~:Ps
de sua desastrosa ap;-@,$~pção, Sérgi()r~ift:~'1'õ se recorda de uma conversa nos basti-
dores com Paulo Mf~~~;§b de Carvalljp_,.·j :i~ roprietário da estação.
?•. •.~--- .~J;f~tt:
1?:i:~!.«;t. .
~ ;:}b Teatro Paramount, confrontavam-se dois
!,.Í.Á· .·' :

Naque!~t "'' / ;/dor de


unive, ~ ari~ônicos,
~ ··~}0:~~;:..
;t, _i~ça provocou uma estagnação. Um universo
ap~( ' ''~a seu prod .. stico e o outro abria as portas de sua venda, com
.~~m:~o intui(~;,.J1;ltí~;5::Uma parte interessada no prestígio, na consagra-
.y.,·,<h"i<.,;. -•.~-• •e,:•,>.•: "',.-;~•:.:~·•• Í ,~_._

,,::içlõ:\\a Jtcra no''. -krÔ. Um objetivo dependendo do outro. Ora, sendo o


iff",-}~;:f-it~I •
,!i~!~1.,~iiêgócio uma ~ femâtica fria, onde os produtos são substituídos por outros
· ,c:~\~uando dec:l·," i ' nas vendas, e por sua vez sendo a arte dinâmica e livre
.~(ZJI•·~~ .. J:,:

pela próp~ :íitfilreza, ao tornar-se dependente desta ou daquela coisa, cai na


estagna~gi: jcaba sobrando para ela sempre o pior (Ricardo, 1991, p.60) .
. .:~~\:tVi\·
,,;)~,.. ....

A detr&í:-·~\~'- . / '
'-'-•
.de Ricardo contra o "universo" da mídia de massa lembra a análise
da Escofi"/•~ 1:F rankfurt da "indústria cultural" como um sistema que degrada a arte,
Christopher Dunn

reduzindo-a a wn mero produto. Ele parece adotar a postura tipicamente modernista


para a qual a arte é essencialmente autônoma ("dinâmica e livré~~Áf1- própria nature-
za") e "cai na estagnação" quando é assimilada pela mídia. iii&If!;;~\~t
Os tropicalistas partiram da premissa de que a produçã~à?iYl~{B na era da mídia
de massa não era algo autônomo ou "livre". Ao defender < ;:tffe4~. depois do festival de
-: (Jf:J..ul.., <-,... '

1967 da TV Record, Gil e Caetano implicitamente rec:qtili~êiam que a arte era um


....~:_;.ff~ .::,...::

produto para o consumo das massas, mesmo se expref{~~f~'bposição a instituições po-


líticas e culturais dominantes. Foi o que Caetano ª ~$,~i.t~~ o falso roteiro cinemato-
gráfico escrito para a contracapa do álbum Tropic;ctl{JJi...~:~~Jfii~is et circencis. No roteiro,
o compositor-arranjador Rogério Duprat diz q~d:?rt::Àuúsica deve ser compreendida
como um produto comercial para venda. :eiê'!:;~tJ+estiona os jovens músicos baianos:
"Como receberão a notícia de que um d.J ~u.,I/"feito para vender? ... Sabem vocês o
i- -.;~;:.:~-.. ·~"!_

risco que correm? Sabem que podem g:íNfarfmuito dinheiro com isso?". A provoca-
ção de Duprat fica sem resposta, maif~ug%l~' que os trqpfêàl,istas estavam cientes das
~:..f.'~ '..),'{~.: , d;~ ,~:}~;t ~;-,;_.__ .
implicações de se envolver co~/}.í' !~J!.s ,sttia cultural.,;~~êliéntendimento se reflete em
suas composições, que muitas ~~ ~ ~~$~apropriava~~~k~técnicas formais da mídia de
massa, orientadas para a com~ ~ ~ rápida. 1[. ijt~;;~•
&sa visão da arte e do coih ": 1t{~ria efeitos ~~iil~mente dramáticos à medida que
..._':;:~. "··i:.:,y~·.:~•
os tropicalistas desenvol ~ ~ a imag~ pJ.ibli9:J:, para o consumo de massa. Sob a dire-
....;.::i . r,,. ·:;,•.-" ,;;t-,..
ção de André Midan~-~~,~ ~ f1dora PhilipM ?~p§St(\<riormente Polygram) buscava conquistar
um público jovem, e ~..TIÊpicilia era p(Õh ~~ente comercializável como wna novidade
. ~-~J ~':;:~... ...~,t•
transgressoicL2 ~ ç~9 diria mais M9,$_qt!ê'{i Tropicália "era um modo de criar uma ima-
gem pública seni ~J~ mesmo ~ \Ç!Ídcô dessa imagem e sabendo que aquilo implicava
a criação de,,~ ,il_imagem púb1\~ ;frÍ ~~ nte, de cerr.a forma, explicitava os mecanismos de
marketin&_.eif.t~~ciava o asP#â ~j rforcadoria' da condição do músico popular."3
. ~i"':"-}\ · .·•.-". ...

OutrQ1ít .Qiifunto de am.~iggi,dades era fruto da irônica reciclagem feira pelos tro-
·•.:.::t--~~·
• J - ~. . ~t~i:}<;!~•-:.. -~-:·
picaltltás?ge"materiais
~·-.¼>
,•t',(_"•·
dãt;iifqs~
'
estereotipados e "popularescos" na cultura brasileira.
".,l'_,,'>r, <6.

Em .. lõmJÍáração .~-0.
.(~-?:~~-,--<-<,,.~~,.,
p:-é:°i /'sifk dade e o "bom gosto" de seus colegas pós-bossa-nova
. i--~~----,. ~-,,,.

,f\tJvIFB, ·os tropicafist~l adotaram conscientemente emblemas culturais tidos como


·i~~es
~;: . ...~~~-~~·-·
e kitsdy:{Qs "ir>rimeiros comentários da imprensa sobre a Tropicália se con-
··1:.' .. ·.~1,··.•-.

}.f":1~1i e'r1traram n~~?f~~lirensão e interpretavam o movimento como uma paródia lúdica e

,f;i,f i!4?-r
\t~j!jtªi!F
,·.,.:'•;::;·,·. tr: •~'
',.,:•
··:l
·:. ··
~,
-.::
·.
•,· ',~.,
~ :···.·_
~.:::
,~_-~.•.~.;'__ ~.'.~.\.~M.•~; ~.-
'.:,~,-.;_',:_,.
.::·: ·~.-, ...

I Jerôruwti;Je~~~. O üqwdi.ficad or d e acarajés. ln: Malrz ec al., Antropofagismo e tropicalismo, p.41-72.


2 Moai?ff !of,fs tropicais, p.193. Midani utilirou u ma estratégia de marketing similar para o rock no México, onde foi
oi:f!~jpt~nte da. Capitol Records antes de assumir o cargo na Philips no Brasil. Veja Zolov, Refried E/vis, p.112.
3 Veja :E:ritrevisr.a: Caetano Vdoso, Imprensa 8, n.87 (dez. 1994), p.18.

146
Brutalidade jardim

irônica de estilos datados e valores retrógrados. Com a revitalização valores sociais Rºs
conservadores sob o governo militar, esses gestos serviam para critit~i,~1:patriotismo
.;~,. .(•'

do regime, voltado a preservar a ordem. Contudo, como veremos iq~9,·4 utilização


pelos tropicalistas de material datado nem sempre era paródic;Í,:_e· éÍ~ ilenhosa. Mais
--~~-"=~:

especificamente, a relação com a tradição da música brasilei_r,~r:~tâf~uriosamente des- J .•.- ✓. •, •

provida de distanciamento irônico, sugerindo pastiches de ~~il,~1~do passado.


Ao longo de 1968, essas ambigüidades seriam dramati~1;t~::;ç ~ várias apresentações
-~ !/,•~~~·-§,

ao vivo, algumas televisionadas, que sempre chamavam ~..át~qçãg;da mídia. Com efeito,
.é,,\:r jf;\•~:!..'.'.•: _

as inovações musicais dos tropicalistas geraram menof ,Çõ'\tt:ro\Íêrsia do que suas apre-
sentações extravagantes dessa nova estética. Enquanto o'tfêÍiival de 1967 da 1V Record
proporcionara um meio para a inovação formal wfti~ç,-poética, a participação tropica-
lista em um festival de 1968 provocou polêmt_~ib1tre
.,..,:/'f--)'1:;.!.::.,
o público. Na ocasião, Caetano
e Gil estavam mais preocupados com o efeifll;.t
r·~~J.·• ,--~ .~l,
~ iformático ;_..q,9,,.,que
•~j,;,;;•!".,..
com a qualidade
da música. O objetivo não era ganhar ,g f~~~~~:~· conquis~ ~~r!tisos da crítica, como
no ano anterior, mas sim questionar{g,.,j~t~iônamento ~ôtiçfti.vais como plataforma
de defesa das tradições brasileiras. O sJestiY.fils
... "h'v.'•,,._ -,, "
de músiqã~:â'ê.H9'6 8, as apresentações em
'! ·:>• ~---~,

clubes e os shows televisionados se (;fii~,ram meios Rafi :~á'2enar happenings tropicalis-


tas. Esses eventos atraíam a ate~s i&i''iitldia, exacei~M~ a tensão entre os detratores
de Gil e Caetano no camp~~·~w ·e os ajuda-y~ a;y ender discos. No entanto, essas
apresentações também le~ , ; ~ as suspeii~t~~ ifitoridades militares, que temiam o
potencial subversivo das ~ :~;;~Wções tropiqi~~ fio âmbito cultural.

!C) ~
~IT~C4lJl 011(-AL
JJi~/, cT~Jr <"'f·
/;' ":t~:.i.~;;- :i!,[/1/Jq;:,_;. <

Uma das ,.,,,r~. pfl~çipais operaçó.,,.1,,1~··<·,ijtê'ticas


--~;-'t ·!:;i."t"
da Tropicália era a celebração irreverente de
tudo o queJ f~/4~ onà' ou k.!~iêQ.;tg}Fcultura brasileira. O objeto kitsch leva a marca de
uma disjtm~&Jt~mporaí;~Jl\tif~t;ezes parecendo anacrônico, inautêntico ou aberra-
·•'• :r,"t-•i.-;.., •:'f.~ "~~:"!. . . .
mente.,-imirtittvo. A utilizaçi&f& lculada de elementos kitsch por parte dos tropicalistas
era aIJ; ~fi~e ambígua, 'ê'¾vill'tifacetada. Para começar, servia para contestar os padrões
dg ~ tes do "bow3 ~l~l8j e a seriedade da MPB de meados da década de 1960. Nesse
:,/ seriud6, tratava-s~ ~ ~µritgesto de populismo estético porque reconhecia que o público
f' 'j ,/.:·."\s:;,.,.., .·'~--,
+~J
--~ g~@ consumiaF" . i,...,..,_êtiiêãtitrava significado em produtos culrurais que muitos críticos me-
00-~-·~.--~1,,. .•, _~,-
1
: ' . fiõsprezavam ó;~ .pi"d ~âatados, estereotipados e até mesmo alienados. Em segundo lugar,
os tropicali~ ~iicorporaram o kitsch como um modo de satirizar os valores sociais e
/'.'/;.- ,!~--.
políticos rêt~ ados, retomados pdo governo militar (veja Santos, 2000, p.39-40).

147
Christopher Dunn

No verão de 1968, a Tropicália tinha se tornado uma espécie de moda no Rio de Ja-
neiro e em São Paulo. Jovens jornalistas como Ruy Casuo e Luiz {]tt{?s Maciel, do Cor-
reio da Manhã, e Nelson Motta, do Última Hora (Rio), produz\~~~~ série contínua
de artigos e resenhas apoiando os tropicalistas, concenuando_:!(P~m,êipalmente na reci-
clagem irônica de estereótipos banais da vida nos uópicos !">'fâii~iros. Morta deu início
..j;,\'·... ~ ii.· ~.
a uma "cruzada tropicalistà' a favor do incipiente movim~ tôtl_tJropondo "assumir com- ~--:--~ J;'li.~.

pletamente tudo que a vida dos trópicos pode dar, se, t Ê&ínceitos de ordem estética,
. '.t
sem cogitar de cafonice ou mau gosto, apenas vivendQ)tJ:,~!Jdfücalidade e o novo universo
que ela encerra ainda desconhecido."4 Ele imagi.Q'.~ú\\;;i:f~sta de inauguração no Co-
... -•$ ~-·

pacaba.na Palace com decoração tropical, palmeiraf:~,t itórias-régias cobrindo a piscina.


Aos convidados seriam servidos sanduíche~J f~1'.g},prtadela e queijo, vatapá e, e~ vez de
licores, xarope Bromil. As idéias de Mott::,.Ji#( l-9 jeito tropicalista de se vestir reciclavam
t~ t.. 1.:.....-...
estereótipos dos estilos culturais brasil_~iíibi:<!t 'décadas an~~riores. Ele recomendava que
os homens usassem os cabelos puxatps pà~a trás coi;wi~tflh,'.antina e vestissem temos
.;: -r~ :-~!~:l~-; _;I;i-,:·e~>-_M
brancos de linho, carrúsas de nl9:Wfi•~àvàdas de cor~'¾~Jâs, sapatos de dois tons, feitos
com pele de crocodilo ou de c~J?~!:1,.,g1fuléis com S!f~s(ll.iH6los do zodíaco. Combinando
1•!-.. •• _,:-~ _.., _ ~ ~,1:;

elementos do malandro tradi~!-~P:~lle de um d~cti:i~ pical moderno, a moda proposta


"l· yi-,._•p i"':tF .,._..~

por Motta era ao mesmo tê'm ~.antiquada e ü[~oderna. Para as mulheres, turquesa,
.'t: ~'.,e..::;~'). •.:::·~-;" .,•,..--,,-;,,:-.,•.,
laranja, maravilha e vêef.~,~.!--}ltelo seri:im ,'IJf co-r~.$ da moda, com anáguas e cabelos com
"litros de laquê".
I
~:éJ;,;MtJto
da mús1~ \~i~"',füt~mendava o sentimental samba-canção
-·, .f!,t-tç~~•; ,#}r: . r.~:l_~,..t
pre-bossa-nova e os sucessos de CarII!,<'{Il Miranda.
Motta tam~ ::~ boçou uml '~fü~Íõfu tropicalista", que consistia em ditados era-
·~ % ~ ·~~

dicionais e coris<wfidores comQ:?iJá


•rtt"f;.í
~Hei meus filhos e casei minhas filhas e posso
descansar ~.i1Jt paz", "Filha m~pli~j~ais fará isto", "Desquitada e vagabunda pra mim
;:-.! -:~~ ; . ,-_j.. ·..-\ \:>_,:"!'?"•

é tudo .{\ .m~e,-Jâ. coisà', '~e~ ?derna é para enganar os trouxas" e "No meu tempc
não }?;.~ t%:t? isto". Ruy ~:i~§É[~\;posteriormente acrescentou mais aforismos sob o tírulc
"P~#:é:iq\ me ufano ~~Wi f]f"país", uma referência à famosa cartilha para o primeirc
~~J:;:~ ~ta por:'.~ ~fisô,::;é ~lso, Por que me ufano do meu país, um panfleto patriot:
~,.: . ,. ·.r~...... ~ ',··~~~.::.

,,.~::'.~;j~~e núli~~~:~~
5~%~~licado em 190f'(8l<ldmore, 1993, p.100). Satirizando os bordões reacionários d<
1f1fensores, ele escreveu: "No Brasil não existe racismo, aqui os negro
,;1t •-;~ifr!i conhecem s.~ ~J~~l' e ''As Forças Armadas são unidas e a perfeita tranqüilidade reina po
t~ :
<,-",;;·?- '';;.;-...)!';_.\;" .. i -~-~,;,:.~_:-:

-:;;··I[..;• toda a nf.'.~~;_: Esses valores e crenças retrógrados eram expressos como um espetácul,
·,\{l~;lt1 grotessg:~~:lhbdemização conservadora.
.~;:;: ~~-
4,;,~ ~ Motta., A cruzada tropicalista, Última Hora-Rio, 5 fcv. 1968. Morta traça comentários sobre seu irôni<
>· artigo em Noites tropicais, p.169-70.
',.
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r- 148

L
Brutalidade jardim

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1 •·<;f, 11V! [JJ/$,:~--. -


:!tlf.~ { r,~&ii~~~\~:· ~, .~1,
f;f" ;;'/ •. :;f,t,;~:;f
Caetano Veloso se apresenta nqs.P.~Wru show det füà1;tínha em janeiro de 1968.
Chacrinha ostenta uw.~·-,i ,~a proclamandt ~tI':~ulheres, cheguei!"
'{i\glfr~~JB, Jo~glf/;(~.!J/lisi~
,'t~'.•~'/1:i,~ _:,:~'':,~?\~::r/
~;;:, .,s; .)1
D urante esse perfoQÕ$t·~§ tropicalisc1$·~~9Jtiam personalidades da mídia de massa
:-;-;;;. ,ir ;,--:·~· : ·..;,h:~
popular, uma postura ~~~ pi:âerada escan(~~~apelos artistas originalmente identificados
com a MPB. Ao L?,!.t,; ~de 1968, G_!~tt¾i~t'ano se apresentaram em programas popu-
lares de músicaf.~~~~fiedades n~;lêl~~iáo, como a "Discoteca do Chacrinha'', da TV
Globo, apresen{~p por Abelan;!_~t "Ghacrinha'' Barbosa, um corpulento palhaço con-
•· · -"' · ...~;..,_~· .,f':.r.r.,;'..-4".-'.,\,

siderado peY,j?i»l[f!,iÍigentsia naci6'~µin reacionário. 5 Em uma entrevista, por exemplo,


Chacri~ ~'.fr~J2flou: '~ ~,!~ 'li;~
deve dar aquilo que o povo pede. O dia em que
este pµlj,çif'~sti;~r mais alfib~i,;izado mudo meu programa...Se o governo desse menos
;_.t- ,r,:~~):·~.....;. ".'~ •~ f,

impd~~:tlfa para rod~-:s~ :,gêhte que ganha dinheiro criticando as estruturas que eles
p~pri~s\iesconhec~1,1ii\ha muito cantor de protesto morrendo de fome".6 Chacri-

tt:t:~fr" ,1,:~t·
5 Vale lembrar quê'.~,,swàlct de Andrade e Tarsila do Amaral também cultivaram um relacionamento com o popular
circo do palh~J.'fí~im nos anos 20. Veja Silviano Santiago, Caetano Veloso enquanto superastro. ln: Uma lite-
ratura nos ,r1P(~k.""p~·149.
6 Anamaria C~st!í'l)fff, Chacrinha, verdade ou mito que buzina o século XX, Correio da Manhã, 29 ago. 1968.

149
Christopher Dunn

nha se considerava o pai espiritual do movimento, que ajudou a lançar em seu show na
televisão. Na mesma entrevista, declarou: "Eu sou psicodélico hti~gte anos e posso me
considerar o primeiro tropicalista participante". Seu programai,a~~::. ú ih enorme sucesso
f, ~-\:~4•;. .. .
entre a classe trabalhadora justamente por seu hwnor Éle promovia wn carn~vhl;i~:
"antiestilo" que celebrava o mau gosto, o que ofendia a s~p'~t\ !U~hide daqueles que bus-
cavam expressar representações mais nobres da culturai~fi!~i~a. Os tropicalistas con-
sideravam Chacrinha interessante porque ele recria~,~)P.,:~ ~c~so grotesco e a irreverência
do carnaval em seus programas (Favaretto, 1996, p{\JJ~ ~l;
~""·•i· .,~·-,r •·i , .•

Depois que Caetano participou de um progr~á\~;p~ihl apresentado por Chacrinha


chamado "Noite da banana", o jornalista Eli Hàif.õím fez duras críticas ao cantor: ''A
adesão comercial de Caetano Veloso ao tr9íJi~l§mo, movimento que nasceu ~om boru
.,...";-i'/. ·-:!.p
intenções mas que já. está virando 'bri9.-~~Jª
~l,.,., ~~-. .,
de mau gosto', era também aceitável
até cerro ponto. O que não se pode cd'!\c;;~·
'•.t·
t ~ar é com aquela
.:.,=·:;.r-
participação do hippie d< -~J.•:u ~ ·

SantO Amaro de Purificação n? pr~gra.w f do ChacrJ@1~:(,}Mas o compositor Caeta•


,,,_.~\<. ~-.~:;,. •;,..(',,"'' •"'\•t;(~·-:-·

no Veloso (...) não se pode 4~'.~ *;,~nvblver


J.~·
por tn:áquina comercial, que o est,
., ,·.~ . .· 4,~:_,,,-., .•
~f~.
-,:~~,>

1
levando a iniciar uma carreir.; :~i '~ q~ geralmen1!".~ i~~?m undo termina: o circo".7 En
.~....~•i;,;"'_'; ~-.. ~~. "7':!'~

outras palavras, Caetano ~o4j~~f erder prestfgfcyl f-hual e ser reduzido à aucoparódia
A participação de Cae~tii ~~,,§' programa d~}:ÇJi~crinha provavelmente ajudou a au
mentar sua populafffli~~fdta do meiq., uni;,~;;itário instruído da classe média, o
'1{'~:~\ ..; . •,\··,. t~fi,,. · ;~;:,:

consumidores da:~ ~~ rl.Pm levani~ # .õ'iféito em outubro de 1968 sugeria que o


índices de aprovação'd~rCaetano e_i;o/n 'itlàis altos entre a classe trabalhadora.8 Alén
,\._ --~~--- --~
das considera~-gffi;;;,g.e mercadot•h ,'$~t·1 ptesentações no programa do Chacrinha tam
.~~• {/f;_ _:_•,t": ~ l"'.:~~

bém faziam p?~Êtdb objetivo q~ _Úopicalistas de destruir as hierarquias culturais qu


definiam ,9:,~~u1e era considerid;~ :?J :bom gosto e o que era vulgar.
.';}.'°!: .,;,1.,.· ( ~ _.zt.. ,'>'>s:::f
O &f;µl1,'gJ_tÓpicalista ~~~de elaborou suas críticas irônicas à sociedade brasileii
em u.Iti~~ pecial da TV-',G_'falto,' "Vida, paixão e banana do tropicalismo". José Carlc
c ~fiHi~': rorquato ~ªiJ~~'.ZéCelso escreveram um roteiro para a produção, que previ
.jwi)~r~\de elen~l~~~Jo os músicos tropicalistas, o cineasta Glauber Rocha, a estre:
~~ti:f.!féinema Othon ·g~ ros, o próprio diretor de teatro Zé Celso e os atores Renato Bo
:~~ijffe,Ítala N~~\~, Bfty Fraser. O programa também deveria incluir várias cdebridad1
e,··· 1:c!fit'
7 Eli Halfq,j {)/g::arcano ou Chacrinha?, Última Hora-Rio, 13 abr. 1968.
8 Em ~ J~:tâ:mento feiro pela Marplan, um serviço de pesquisas de opinião do Jornal da Brasil, os participan
resBBfde-ram à seguinte pergunta: "Caetano Veloso é um bom anista?". Os panicipantes do levantamento for.
s)~~os de acordo com a siruaçáo socioeconômica. Entre os respondentes das classes alta, média e baixa, Vele
,.. réÍ.f,i;'':Wàprovaçáo de 50%, 47% e 62%, respectivamente. O mesmo levantamento também revelou que 80%
~i'"
. l'f~ os respondentes não aprovavam as vaias no FIC de 1968. Veja "Carioca reprova a vaia em fcstivais", Jor:
da Br11$il, 6 out. 1968.

150
Brutalidade jardim

do rádio da era pré-bossa-nova, como Linda Batista, Araci de Almeida, Emilinha Borba, ·
Vicente Celestino e Luiz Gonzaga. Capinam e Torquato Neto imagit t ~ um coro de
'··>',f
convidados incluindo turistas norte-americanos, voluntários do Co , · ;,. ~az, poUticos
nacionais e membros da Academia Brasileira de Letras. Uma pr94't :. '~ci elaborada
obviamente teria sido impossível; a própria lista para o elenco e~~;!}yid~ntemente uma
t
piada. O roteiro foi pré-censurado pela Rhodia e pela TV .· ' g\~cias uma produção
,."':;.:

mais modesta, com membros do elenco original e apreseµ,1, . . · r Chacrinha e pelo


.. ,;f,:_•i•!f..,

ator de comédia negro Grande Otelo, acabou indo ao ar ew :·; ~i~bro de 1968 (Calado,
~.,1~tf;....,-.,.,'-Y• .,v.,~

1997, p.210-1. O texto "Vida, paixão e bananas" fol#êí!~*~.q~ depois no Museu de


i]Y .J;. ·. :\_.;.;_t;

Arte Moderna da Bahia nos 30 anos de Tropicália, sob áttJJifeção de Zé Celso).


Apesar de grande parte do roteiro nunca ter,i§ijg,transmitida, ele merece ser dis-
cutido como um texto tropicalista subseqüen .,, publicado em uma antologia iü:t~
de 1orquato Neto (1973, p.295-308). O r9:f' .,·, ,,~opunha um show de variedades,
como uma colagem, que permitisse happ~?Hn·""~tpontâneo3:;;g\y.:glvendo o elenco e a
platéia. A trilha sonora incluía mús,l~ tfQ~t~alistas co . ' . 'tijª-5, como "Tropicália'',
"Marginália II", "Soy loco por tí, Âfí,iÍ~t, "Lindonét~;:jt~l?a~que industrial", sam-
..-:,t.:;. <i ..-:.~•.•• l~t:,:_'.f,'.

bas patrióticos, como '½.quarela d9;~,~~'f'>' e "Hino d~~javal brasileiro", e clássicos


nacionais, como a ópera de C¾lp~1!iBtimes li g .
· ).'~~,.•;~r. · ·y.'},tf.:,
ni,~ :r
"Bachianas brasileiras"' de
Villa-Lobos. Cartazes espal,had~~, ..Rflo palco faziam'têferências
;~f-·.-t,..,w ·
-s;-L:~.---. ,,:;
• ,:(-.,_
a citações da carta de
descoberta de Pero Vaz S~ili~# i '"("Tudo:'(~:H~f:~,f üi1knta dá"), máximas positivistas
("Ordem e progresso"), \s"'~f\ ' festo Antg9p go", de Oswald de Andrade ("Tupi
or not tupi, that is th~Y•~uestion"), sl~~~e~@Ulistas da era Vargas ("O petróleo é
1
nosso") e declarações"" ''"'~icárias do r~gi..W~~piilitar (''A mais perfeita ordem reina no
país"). Como descrit;"à'2:1fua, a crític,i ~tfô1ptca1ista justapunha essas referências históri-
cas aparenteme.rwJ1t;q, ,:,conexas e cp (;?f"~f~ltórias.
A maior P~'./ ·:·f'; oteiro foi :~1 çi,:lit no estilo irônico e sarcástico da "cruzada tro-
picalistà' '¾. 'r<~blta.
,: · ,s.,: _•.,.,
Um me ,~:.,-' ' •~\;:â~elenco, por exemplo, se vangloria de que "o
_,.,;--.

nosso reg~SJJPlítico é_,!IDJ1t9J?./', f'ais perfeitos da história. Aqui vigora uma perfeita
demoq~ti~~i<rêi;'Calllpctâ,ít~Í~Íbre, encontramos uma plebe que não tem complexos
eco.,. > ·,\,99~ dia com ~&!11,bi?'~ macumbas. Sua ventura de habitar em tão bela terra.
~ ,@~~~Si{!Jldios são os ,~il?r~s mesmo, maravilhosos tarzás do grande José de Alencar,
· · - ~~ num paraj&~}~festre" (ibidem, p.301). Durante as canções mais patrióticas,
Ei º 5,~, ~~bros do
:,~.\t~f~
.(... j mtar
.~ftilt d~veriam levantar placares com slogans motivadores do regime
~_,. como,,;,~~~!.fllº
«r.. <:. ....
re e orguIho" e "Sem ordem nao
com r:, - h'a progresso" . Ohumor
cáustico dq,iª?~µ-~; além de sua truncada produção para a televisão, dependia da uti-
lização dª t::-~-'-i;l~âra
-f{~t:~~·
para ridicularizar o discurso nacionalista conservador.

151
Christopher Dunn
t
I'
Apesar de nem sempre de forma explícita, os tropicalistas também parodiavam o
"luso-tropicalismo,,, uma teoria proposta por Gilberto Freyre, O:{~guiteto da tese da
"democracia racial,,. Articulada pela primeira vez na década de l,Q,i,Ô~t ~teoria de Freyre
·ü.P•>.r::,·-:;-"-'.a:,
afumava que o "mundo ponuguês,,, incluindo a metrópole e~fõ'PJ !Jf b Brasil e as colô-
nias na África e Ásia, deveria ser visto como uma "rotalidad•@:!);.~d~f;opical,,, na qual as
diferenças entre colonizador e colonizado foram transcenq{tiãs/ ·~s antagonismos raciais
:::...,.'!e: ....."~

se faziam em grande parte ausentes. 9 A longa histórt~L~~R:pksença moura na Ibéria,


; ·y_;.fl'!~t1\-_,.,
Freyre teorizava, levou os colonizadores portugueses â;'µ,m~~teração harmoniosa e pro-
criadora com os não europeus. Os homens portu~,;~~il~ um papel particularmen-
te importante na iniciativa colonial por gerarem gr~d:enúmero de filhos de raça mista
com mulheres de cor, tanto livres como escr~~~ ,criando uma nova civilização mestiça
..;,, ' ,,,,::,-,
nos trópicos. Freyre proclamava o Brasil á\~9 tim pioneiro no desenvolvimento de
•,...__ ·•r:!·•-::.,,
uma sociedade mais democrática e hu~ ~ {à. À luz do holocausto perpetrado pela
Alemanha nazista e das lutas pós-gu~~ cB:iÍtra a segregf~~}}:; em defesa da igualdade
racial nos Estados Unidos, o "~ert~ctúíb
lt?Jr, ~-~I~';\f:~·:"•
de miscigjiii~~;; do Brasil poderia servir
.·. ..J';":",:·, '-.
como um modelo para outras so'êiêdas~s multi-ra~t~lf;,~r~yre, 1959, p.121). Apesar das
pretensões igualitárias, o luso-r~SpJgÍismo de FreYi._ef~jetava uma visão excessivamen-
f~"l-:-~.. ~,:~- .. ,.:t.- -f-.."';&,;.~,:J}
te otimista e de certa format~~ti8. da culrura.â; d,;::sociedade brasileiras. Defensor do
,. ,,. ·-~,..~~?(;.-~~ -~~rt:· tif/'
colonialismo portugu~pt~!P e um conyicto}filadino do governo militar no Brasil,
Freyre era anátema
1
i%~:~~
;0Ystas prog~~g} I~,;.~'intelectuais nos anos 60.
10

Freyre foi incluídgR(N;\fenco do rQ,v-·~ irêf0'tiginal de «Vida, paixão e banana do cro- ~

picalismo,,, o qu~ ;,y- gere que os al{t:Ql~t ;~,ílJtisideravam o luso-tropicalismo um alvo de


referências paró~ ~\:Em um poi~0:-nlj//programa, o anunciador entrevistaria Freyre,
1
perguncand?:J: "suá ciência t;~&i~sca está sendo deturpada por esses jovens com-
positores, ~ii'9l-0gos e cin~~~~{'?iComo a participação de Freyre no elenco foi só
·•. ·.;;>.•'f;,'i•, .f:"•:- _.. ' L' .., ;_1_.I:•".~

imaginá.f.ft. nlt>' há como sã~e.i.: tomo ele teria respondido. Apesar de o projeto inte-
•:--::;:.,:~-- - ~--·· ...l,,.v
lectuaj;:iâ.t;fteyre estar I\ii~t~::_i;hstante do circo da Tropicália, transmitida pela mídia
de rfi~~j'.t_ relação._eQ~ -~tii'.1.ois "tropicalismos,, distintos provocou comentários dos
._.f~~--. ·. ~~;tt;.~ -<:.s~-:-'; .: -:. .\;"'=-2·
q ffit~§·· verhdos nâ"ltm?>ría intelectual brasileira.
,.}::~:\~1 ' ~:{~~L /1,~~~
_;{J}'\,Kf/?, K análise mais c;o.niPf(tâÁ-o luso-rropicalismo pode ser encontrada em O luso e o trópico (1961), traduzido para o
, %e,,. ll inglês no meswd;~~:$J?ara wna breve discussão dessa teoria, veja o capículo "Brazil as a European Civilizaúon in
,;01> ':~ ·•~;, the Tropics", 'ffi:}Freyr~, New Wor!d in the Tropics.
Í,', )t I OD entro de~ ,~ ~{!:partir do momento em que o grupo baiano lançou o movimento tropicalista em São Paulo, foi
'',•J~~;;J? criado um;w~w.{llento paralelo liderado pelos poetas Jomard Muniz de Brito e Celso Marconi Gil e Veloso assina-
.,.,.,, ram llll).f.p:í~Íf~to "Porque somos e não somos tropicalistas", escrito pelo grupo pernambucano cm abril de 1968,
deo~?i'<J.p "o marasmo cuJrural da províncià' e a "menopausa intelectual" dos "antigos professores". Os rropi-
caJ.i.sci$:,clo·Recife
,;;.,.-ef;:,.......~. . . .•':.' '-
criticavam em parúcular os conservadores defensores do folclore tradicional nordestino, como o
drâ:nt~o e romancista.Ariano Suassu.na. Ver Jomard Muniz de Britto, Bordel Brasilírico Bordel, p.79-80,

152
Brutalidade jardim

O poeta e intelectual Mário Chamie talvez tenha sido o primeiro crítico a argu-
mentar em favor da elaboração de uma distinção radical entre o "tr<?lltpi.lismo" (com
·~"'>;á~/
as repercussões da obra de Freyre) e o movimento emergente da Tr~. J~álià. Ele com-
parava o caráter atemporal e harmonioso do modelo de Freyre, rias relações c;çih .. ;,
sociais nas plantações coloniais, à visão dinâmica e contraditót~ id,9 •:B~asil elaborada ' ..,..,.. . ·, ;.~i--"

pelos jovens baianos. Chamie argumentou que o tropicalis~i~";}ijtFreyre sustenta a


=tti ~ _.:j,:..;.•
"perenidade diacrônica da nossa personalidade de povo'~f;,:,1/S;'Jp'â:sso que a Tropicália
._-,,f':~\:•f(!:~'.""?,

"só admite a provisoriedade sincrônica" de um mundo e( ' "'·>''1* ante fluxo, devido ao
incessante bombardeio de informações disseminado§ít· . jIDa de massa. 11 Com a
utilização de uma hipérbole calculada, o poeta con~i~f~~ "écio Pignatari resumiu as
diferenças entre o modelo de Freyre e o emergen~l~?vimento cultural em um debate
polêmico com estudantes da Universidade de "'rs:i~',pitlo
•.
em 1968: "O nosso tropica- •;;1•·~

lismo é recuperar forças. O de Gilberto Freaff( · ·.,.trópico visto da casa-grande. Nós


olhamos da senzalà' (Calado, 1997, p.2qj 1\ êsar de ser / ,~., ipso que esses jovens

din~
artistas da classe média vissem a sq_~iêc( '.' · .· rasileira " .,:\ ., ·à', eles sem dúvida
articulavam uma visão mais ~,'lá nacional .

.t Pl0111D(if,
-•t_•rn;~\. ~_..;,<t· .
~01111:__0 !\:.~',~-t~~ tt D.f 19{,8
._.-9 ;_

· Durante a última parte · .:1968, o f~fo',ªli


apresentações tropicalistas passou
gradualmente da sát~, t{{>nica a um ~',.· ,,h. tfhto mais agressivo com as contracul-
turas internacionais. ( ,"·· ,.· mento m~ fg o . ico do movimento tropicalista ocorreu
durante a tempoi~4~ de
festivais (4~?' ·1bro a novembro) no segundo semestre de
• •fr•

1968. Como d~ji,~~.' no Capít~!&I~~;,, ·aetano e Gil tinham conquistado reconheci-


mento nado ·. '•3 g seu "som
'•·
4~~if;;,i»
no Festival de Música Popular Brasileira em
,;_:,~ .z.;;. , - ...

São Paulo,;~~ itido pela 1f':i~ f~ord. Em 1968, eles ganharam notoriedade no Fes-
tival In~e;{j _hal da 0 •;;~:ÍC), patrocinado pela TV Globo no Rio de Janeiro.
,:..: '•
Iaj,i { · ::erri1{1966 c~dí<x,mn análogo brasileiro ao festival de música de San Remo,
~t~x1~J.i~,. . ..;,;_;.
da l~JJà;'~íS FIC era u~çon;(;urso nacional para selecionar uma música brasileira para
çp' _··_i&r em uma · ·"j ~tição internacional com cantores pop convidados do ex-
f~!:i~ft) Durante s,i;'.~-:
Bis primeiros anos, o FIC era eclipsado pelo festival da TV
. R~ ord, apesari~é'.Pbr servido de trampolim para artistas emergentes como Milton
,"tweí-"' , "$+4/! .
11 Veja Má'riél~le~;iµn ie, O trópico entrópico de Tropicália, O Estado de São Paulo, Suplemento literário, 4 abr. 1968.

153
Christopher Dunn

Nascimento. Em_ 1968, o FIC tinha amadurecido, atraindo músicos importantes e


significativa atenção da mídia. Uma série de rodadas eliminatórias em São Paulo e
no Rio de Janeiro precedeu as finais do III FIC. Caetano e Gi(p~füjfiparam de duas
rodadas realizadas no Teatro da Universidade Católica (TU~t i,~~'São Paulo.
Nesse evento, Gilberto Gil apresentou "Questão de ordetJf,, qtiW;'introduzia elemen-
'·.•,'c;;,·''··
tos estilísticos do rock e da música soul afro-americana. N~;;ffihinatórias do FIC, Gil
foi vaiado pelo público universitário e sua música não f.~,i-~1~~lcada. Até os críticos que
tinham elogiado o trabalho anterior de Gil começar,/ . · estionar a nova tendência.
Nelson Motta, o outrora guerreiro da cruzada trogi,ç ~: · .• clamou:
{t·.;: ;;f·\f}i > .-'?

~~\V.:F
Gilberto Gil partiu para uma nova Ji™1,a, mais na base do sensorial e da
emoção do momento, da invençáo.{flç ~iÍ"~erivou para uma linha mais afri-
cana, mais identificada com a ,:.,,; música negra internacional, mas
não está. sendo entendido nel'IJ:i'pe
:'>·•· ..
.7{1blico neQ.jt;RP! mim ...Agora na base
. ~,... .,,_,. ,_~ -; ·:'
do grito desordenado, ex,µbot~::Q:Ú' busque a Jriit\~f}aêle e a desordem, não
consegue agredir ningm~Ihiz ·· _,,~onsegue e_g.f{ ~~r"hinguém, não consegue
·-1 ,,, ;;":~':.".~;.::·:::-:.:'-". ' ·,.

emocionar ninguém, 1~~:"(gôrt~egue derru\iªr ..n{.~da."


Em compensação, q~i~~JGil canta
~} j,~i;i •
1í';falência do café", na qual ele
;,=
~:fá. =-=i ,:, ~_-.•,:J/v:•
' ':is·

"oswaldandradian • ...q~ espinafra a à'.fi~t§cracia cafeeira paulista vencida


.-~~/:._
;• ii. ?·
pela industriali 'pela lat45rf8 ;, ·!!,!M11lio gosta, se cristaliza uma atualís-
. .... ,, 12 "' :/;:. ~,;::~t~N
sima forma lf~,;~', . .sao.

-~-4fjt~k--. :\ t .•x
Motta se ref~f~ âf~ ma compo~;~-Ç~)1trtírica, ''A falência do café, ou a luta da latà',
lançada como l~tftf B do single ' tio de ordem" em 1968. 13 Em sintonia com o
espírito de~j~~d de Andril~: ;, O rei da vela, a música satiriza a decadência dos
barões d,. '1f~?<:1:~ São Paukit~i~~rbada pela introdução do café instantâneo enlatado.
' ...~~;'•~.
•·.

Mott~):\-· · \iava a sátira ~â!~iÍ~tocracia latifundiária, mas ficou perplexo com sua tran-
·..·;,~- . 1;_}· rY· < .-~~;;}

siçá _ .,,.' tica p~a 3;1


-·, ..,, e· •·:, ·
,m,t
·)'.·· . ,, .,.....,.;te.....
1
" ,. · negra internacional. Em uma autobiografia escrita mais
d~t~t.i~~~ft nos mâ~ '.}t{reêi1!Motta reiterou sua opinião sobre a música de Gil, afirman-
. _
, µ~
'·:,1
"ninguél'I!!,gos!qff daquilo, guitarras ao berros, um dos garotos da banda baten-
.,,,~--. ,, 1,...

. ,f ·~;com uma bªqJ~!;;j,~~uma calota de automóvel, Gil de barba, bigodes e cabelo black
ti ~:~. J rower grita2~l~:;~~~vras em desordem, não havia música, não havia ritmo, era tudo
,,,.,.•,.,'<''''''"'" '~t~
12 Neh; "·" :'' ua, Para onde vai Gilberto Gil?, Última Hora-Rio, 14 out. 1968.
13 Am, . . mgies foram apresentados como faixas-bônus no álbum de 1968 de Gü incluído na coleçáo remasceri-
i.â'ifit;J#¾pio Geral, lançada em 1998.
'"·•:"',:-.

154
Brutalidade jardim

_,;~~;:~t~.i.k?·
Gilberf-õ?~J
•,":i t:.-. . · ,;,
apresenta "Questão de ordem" nas eliminatórias do Festival
Ir;t{\?lJ*ional da Canção de 1968 (Cristiano Mascaro/Abril Imagens)
,~jJtti{{/ .,

155
Christopher Dunn

barulho" (Motta, 2000, p.175). Outros artistas e críticos defenderam a apresentação


de Gil, dizendo que ela abria novas avenidas criativas para O)j ,o,p universal. Em um
longo artigo publicado no Correio da Manhã, Hélio Oiticica,,~ ~ entou que a mú-
sica de Gil criou "novas estruturas" na música popular: "Gji'if :,\Jif~r,e cantar e compor
..:f -~
com todo o seu corpo, sua garganta é de fera, num cantd:),~ ijf que se relaciona com
o dos cantadores nordestinos: sua apresentação foi . ,êh to de glória, contido e
14
sem heroísmo aparente, certo do que fazia, enquan tascista comià' .
Gil afumou que, durante a fase tropicalista, ele . u a se identificar com "toda
a atitude libertária que existia na América, n~,F~i'ê~qúerda, na vida universitária
norte-americana, nas experiências da nova literi t~~,f do novo teatro, nas experiências
do Black Power nos Estados Unidos, nas e~i~rJ~ncias com drogas, com LSD, com ex-
15
pansores da consciência... com a atitude 1ftJi?líasta dos jovens internacionalistas" .
1
Nos Estados Unidos, aquele foi o ano ~··· . . ;:,· 'a oposição à Guerra do Vietnã se inten-
sificou em reação à Ofensiva do Tet>Js J\~dantes univ.;ll,S.i~~ios se rebelaram, Martin
Luther King Jr. foi assassinadq;f&~J~ ., JiB;;rown grav,<;?fit~~;;~cesso de identidade cole-
tiva 'Tm Black and I'm Proul i~~ .:i ambém foi,.i,,t;~âé pelos experimentos musicais ,,t'":'"., ,·.•·~·-•·-·,,, ·"",, .·.(

de Jimi Hendrix, cuja influ J5tde ser º1:1: ;,<" ] ~ "Questão de ordem". A letra A

critica o conceito de "ordem:,~ {f~rma com~~ 13ijl;vra é utilizada pelo regime e pela
esquerda ortodoxa: ''Njcô}i!fiirando palr;1vrd~1, rordem / para os companheiros que
esperam nas ruas/ J?~fi1> ''!.tão inteir~}fi'' ..z,itie do amor". Claramente influenciada
pelos slogans con~i!l .filiais do Pr~w~it?~iM undo ("faça amor, não faça guerra''), a
música defende,. HlID.ª política infep~i~jg:rl'kl de anarquia. Gil se coloca corno o "co-
mandante" qu~~j~) o povo "e~fd~:~ do amor".
Ainda fi?:~S importante fokt,,} iíf~entação da música de Gil no TUCA durante a
1
rodada eli4li.JticSria do FI~ "' '''~"0;tL• ·a uma túnica parecida com um dashiki da África
.::,,, Í:;;.?/' -'•l"':.:\~' i{·! ;

Ocide11i" quê'começou a - êgularmenre como figurino para palco no final de 1968.


Mai~/3~i~~?êle explicoui ,.rl:~,Vficado da roupa em uma entrevista: '~ roupa é a minha
nud~:':'1ǧomo nã.9, /:; ;-'àndar nu, como qualquer pessoa gostana, então apresento
,S;:;.:,::f.,_ ' -~,-.:.;.~?:}J..~.: ·· ·"',·~;../:::::-<t· -·~':.:-
~ ~
1
,, '·"• ~ ~·
~-
ntítlez disfâr~'-'-"•'
--~!/
· estou certo se tento ser bonito dentro da minha negritude,
. - . ·~nim a roupa.;);}~o~~ como uma abstração: ela se modifica no meu corpo, porque eu
.,:;;f0tii:fil~im quero..:.:tg~:iW~~' a minha roupa faz parte do espetáculo. Isto é importante: espe-
.-1..j ~ -'~. ..,~ , ,,,a: l'i-' . . •:•,t=-·-~
\btt•i:)táculo. E a s{fntr~tiição: nesse festival, muitos aceitaram a música, mas vaiaram a minha
·-· ,½:;?:- <(':.~-!'-

roupa. P ' i[~? Eu não quero ser aferido pelas minhas letras, minha música, muito
· ..•.,:-

' ·· 'ftfcica, O sentido de vanguarda do grupo baiano, Correio da Manhã, 24 out. 1968.
' do autor com Gilberto Gil, 23 maio 1995.

156
Brutalidade jardim

menos pelas minhas roupas. O arranjo é como a roupa, a apresentação é uma parte
integrante do espetáculo, o espetáculo é o espetáculo". 16 Como muit~ ;~trelas do rock
norte-americano e britânico de sua geração, os tropicalistas sabiam qx, ·½hiiÍ>s, roupas e
cenografia distintivos ou excêntricos eram elementos-chave na pro~if~9¾\ie no consumo
0

da música popular. A insistência de Gil na centralidade do "espet~,;(' também sugere


uma afinidade com artistas de épocas anteriores, como Carrµ:tfr\\1kanda, cujo estilo
extravagante havia se tornado obsoleto com o advento da bJ~,,~efffet1:bV:a.
Até o advento da Tropicália, gestos performáticos eri/ . ,,. · ,, tistas da MPB se li-
-.: .-/ :i
mitavam a balançar os braços, fazer discretos passos dt' . a ,iw:Usar expressões faciais
sugestivas. Até mesmo o festival de 1967 da TV Rec~J&f:~ ecia bem-comportado em
comparação com festivais e shows subseqüente~J1f;fetano e Gil romperam as con-
venções e usaram casacos esportivos e blusas d,,,:};. .T~? ilta em vez dos ternos formais
costumeiros até então. Em 1968, Gil vestia ~~~s-d.e cores vivas e jaquetas de couro
no escilo Black Panther, enquanto Caet~f ~sj~,ternos d~ ;pf~~f:º futuristas verde-
. itJ... :;}':. tf,,'~li~ '·~
limão, com gravatas marcadamenteJff,rimittvãs" feitas d~\Jfêã;\es de jacaré. Tom Zé
:-? li ..>.-:?:;?~-~
', . :,~:_~!~-t ~ -· .
e Gal Costa usavam roupas que lelrlif &fivib
···--'Y·
os hippi~i~~l'ião
.,,,,-.
Francisco. O agente ·' :<'-1:• ··

deles, Guilherme Araújo, foi em gt~t1i,::p arte resp<:>t\~ri: pela criação do estilo de
' \iblica. 17 ~ fi' . ,:,~;:;_sões teatrais das apresenta-
roupas dos tropicalistas e sua im~~~i:p
ções musicais foram deseny:Ç>l-vifl.i }~ ais extens;une . l ypelos Mutantes, que usavam
«-::::.,~ '(J.:/:~1 ·:.~ , d7J;.
roupas temáticas especí9.~ ', . "}uas apr~~J~fs° nos festivais. Quando tocaram
"Dom Quixote" (basead~'fi . l o do esp~h~fi:i2Ie rvances) no festival de 1968 da TV
Record, os irmãos Bap\¼~Jff.:_se vestiram
• ,• / '/ '·' 4't~(_~~;
@m'.61~Jfu Quixote e Sancho Pança e Rita Lee
. ,/<P,$.;~%,-.,:
estava de Dulcme1a. êL. ,,:-t <ri}
t-.{~,.i: :.l . ~~-;;~!, '-':
Também foi significativo o fato g~J}ftJJntroduzir publicamente um discurso sobre
a negritude em r~J~~i.à sua músi9:lilÍ:Q~) beta e crítico Affonso Romano de Sant'Anna
sugeriu uma r~JJs-J§';~ihiilar em u~~tigo escrito para o jornal do Brasil, ao dizer que "o
tropicalismo;,rri~ssibilidades jJ}\;,$;ger alguns dos ideais de negritude, na exata medida
:~t '\i'~t:~ ·•'é.~ -·:4 :;~.:-~- -
em que co'' '.~~ •'a miscigfn' _,,.~..tt@pical como um fator positivo". 18 Ao utilizar o termo
"negn~;'. $~r'Anna ·~~?' ,>,Ejt especificamente ao movimento literário e cultural da
Áfri~ Il f • ifona e do G~iQ~t bessa forma, é bastante curioso que tenha associado "ne-
gij; ,.;<•)~~lk ~m "miscig ., ·.~.,,: ·~~opical", considerando que o termo, apesar de contestado,

t ~,i'" ' .
· t~;\!r!(t)i!fu'1Gil escá falando ~;1yai,~ e festiv;tis,fornal da Tarde, 28 set. 1968; reproduzido em Gil, Gilberto Gil, p.33-5.
· "•,<::17 Para uma dis ,, •.,;;,,,,:,~ijb're a influência de Guilherme Araújo sobre o estilo tropicalista, veja Silviano Santiago,
Caetano Vel · to superastro. ln: Uma literatura nos trópicos, p.143-7.
18 Sant'Anna,,
.·">,.
· mo! Tropicalismo! Abre as asas sobre nós, jornal do Brasil, 2 mar. 1968; reproduzido em sua
coleção dê' , ,,,, , Música popular e moderna poesia brasileira, p.88-96.

157
Christopher Dunn

~'h~;' ,' > •' . i;~,,Jp


Caetano Veloso, Osi;M~'õuites e o hipJ?1f aiÍ,jéricano Johnny Danduran pro-
vocam um hapJleli~:((;ifJJirante a apre;~i~fftão de "É proibido proibir" nas
eliminatória•. d; i\ç~ilt~ Imem~t1M,.41~Cançáo de 1968 (Abril Imagens)
);t~~t§?:.~r.l4ft i; ~t::.fft&;_,,,,
~~!:'••,;~\:'-:1gi{a distintamente "negra". 19 A releitura de ne-
geralmente afirrgil~ ~ljffia identidl ;~í
~--~ 'Q

gritude propostfpõiSant'Anna st{l\~,i:ir no discurso modernista de mestiçagem. Gil utili-


,; . i .. ·?;/:·.;:·.
zava o terrr.Wfspnplesmente
,,,, ,;.;/ •·~
p~
. -'"·L
li~ ... o'tar a cor negra, sem nenhuma relação explícita com
~

o movi~p~~~&âncófono. ~ ~ ~provável que tivesse em mente a política de identidade


tipicad!~~f;;;,·associada a~.,,}~ê~tinento Black Power afro-americano. Nessa apresentação,
-~. .-::..·t::·•' ' •º"l/~,;.
Gil::ít?~~ a estética 1!,; ~r~hto/fuo um componente do movimento tropicalista. Segundo
'! .-;.:'• ',

Ç-®i'~pli~ia reje~~;~~ll}~cética, expressa principalmente pelas roupas africanas .


.tti}h~~o m~mo ev,~nc~;i1&Z'aetano Veloso apresentou "É proibido proibir", cujo título era um
"'~'.~~-~9-g~ popular:J{1~~1,b@ão estudantil de maio de 1968 na França. Na gravação da música
~---: •• .-,..,• ._. ,r ;.r• •t'~--.. ·:V
f(·•··•.,,:é;Jem estúdio e,~~tê a primeira apresentação no TUCA, Caetano recitou o poema "D. Se-
;?:-,t 'ié~};;Jt\astiáo" (t23ir'Slâ~ escritor modernista português Fernando Pessoa. o poema é narrado 20

'¾."PII ,;;:::;';J;,;;,t
19 Vei~;J~i;,discussão de Nick Nesbitt sobr_e o neologismo "negritude" em Appiah e Gates, Africana, p. 1404-8.
20,~-t$t~~·;ições em estúdio e ao vivo de "E proibido proibir" são apresentadas na coleção Caetano Veloso: Single!
(1999):·

158
Brutalidade jardim

em primeira pessoa na voz de Dom Sebastião, o rei adolescente de Portugal, que morreu em
1578 combatendo os mouros nos desertos da África do Norte: "'Speraif~ no areal e na
hora adversa". Depois de cair "na hora adversà', o rei faz uma proclama ,; ·· ·,e/\ '/ ca de retor-
..1,:1 :.·

no e redenção, o que gerou o rrúto do sebastianismo, um movimen~~i""'f••··"·'' ·co baseado


_:-..:; -7~::~:-:n···
na restauração do Império Porruguês. A rrústura de rock, política racü~ francesa e o poema
épico de Pessoa sugere o escopo trans-histórico e internacional dwfüô'#.6..
'•'°':""''.•·. '¼•\t

C.Omo "Questão de ordem'', de Gil, a música de Caetano,,EWí~fü expressava wna ati-


,~~-~----~....,:;-t·..·..
rude anárquica em relação à cultura e à política. A canção fef •i~'Çla em duas partes. Na '·} .,~:~~ ~-'.>,.,

primeira, Caetano faz referência a vários mecanismos de ç~.-,.


:f:- .:l ...~;,f-;:\~
t'~,Bal,
·
como valores fami-
liares tradicionais, núdia de massa e instituições educaciort~ _fôrmais.21 Na segunda, instiga

me dê um beijo, meu amor


eles estão nos esperando
os automóveis ardem em chagi~
-:ti\ ,, ..
derrubar as prateleiras, as est ·,.,,, .
as estátuas, as vidraças, lou~ f;~fô~, sim
r;~} ,'f,1.r ./f -~
'"-. .\ h.!1.•, ·:~(-·-' '~•~.-.·~.}.'.~:
.;f}JJ.iE-;:.:\.~?-t~ ·~\~> • fd,
As ªreüquias" do lar br~H ~;r'dicional, ironii:íâ"~ em músicas tropicalistas an-
teriores (i.e., "Geléia ger~•;:lt ,. ~gf~nobis~t~::.~iu,~/~•t circencis"), são destruídas em
um gesto carnavalesco et~êirtl~b. Até os liy;~1f~i~es valorizados objetos de cultura,
civilização e educação,.,,~iP descartado~fç9,J ;~j:6uças da família.
11
Durante a primei&'.~~"' ·: da elimin~K, ' · TUCA, Caetano convidou um amigo
'·" -~·;;. ...• t ;~"<i,.,
Ji~
norte-americano, Johti "ânduran, p '<:,s:i;t}?ir ao palco e provocar a platéia com gritos.
Nos relatos da itj?f;'• _sa, Dandur;~ ·;'. itlescrito como um "hippie de São Francisco"
i::. ~,_ .. .,."'.>· ...~.p,- ~•;.5-.~-;'::;),~.,

que veio ao ~~ "'êõ&fi sua band ' ·rô'tk, The Sounds, e decidiu ficar no Brasil. Na
qualidade "'"~,isico envolvi,~:}§_iifi as contraculcuras norte-americana e brasileira
no fun d · . · ade 1Q6Q.,i·Kl?il ttbran proporcionou uma interessante análise com-
parati~it ~,-~: ®.i.s cont~1~t~;,~~Í:~urais: "Muita gente se sente agredida por nós, mas o
-;iNtt ~ ~ ;:s· ·-:~~f}tA
que;~fõltfce com Ca~~t11°'::i éonteceu nos Estados Unidos com Bob Dylan. No dia
.. ..:·• -/ ".<:-, -,•f.:.·:. ,.,
'·""'·'J3ob Dylan r ··, "'•' . com as tradições musicais - inclusive canções de protesto
· a grita g_~tãlA
=:;,~,\,,.
1á;,.
. ·.
Da mesma forma como Dylan provocou a ira de puristas e
. ·,v:·

,;s'lw
21 Veja Luiz ~ ;. ... ciel, "É proibido proibir", Correio do Manhã, li out. 1968.
22 Veja O 'Ip.pdi:'e:.,ptt>ibido dos tropicalistas, Veja, 23 out. 1968. Nesse breve perfil de Danduran, ele é identificado
-•·'l--: · .,.-··' ';:;"",;,
erroneameiitê'êõmo "Johony Grass".

159
Christopher Dunn

tradicionalistas ao se apresentar com uma guitarra elétrica no Newport Folk Festival


de 1965, Caetano gerou alvoroço com seu rock barulhentot,~,;-j tonal acompanhado
' ~-
d Os Mutantes. .,/"'''· · t}
Aprovada para a segunda eliminatória, a apresentação fiAiiit~ ~etano de "É proi-
bido proibir" no TUCA, no dia 15 de setembro, transfo~v,;s~~'e m um evento caóti-
co. Mais cedo, naquela noite, um tumulto no auditó{i1•ili'~~/fi irrompido depois que
um entusiasta do tropicalismo levantou um cartaz fill:~;Uiii; "Folclore é reação!", en-
, ·."•.,}•,•·. ..
quanto Geraldo Vandré apresentava sua música c({ y;~~sto "Caminhando". Depois
desse incidente, os partidários da música nacW'fíJf~t{Jkticipante, em sua maioria
estudantes universitários, resolveram se yingar'à ~~~tano, no que se tornou um hap-
pening marcante na história da música p~:? ~t brasileira. Caetano relatou a cena:
,~!{.-{h,.•.. "'::.:

Nós fizemos uma introdução qfíJ~!~va mais que um minuto de música


atonal feita pelos Mutantes. -~so ~t6u os estu~~i~i-,"a uma histeria de raiva.
Eles já tinham raiva do..~Ú~~,?~titBàlho. Para,\fit'~i\tfero, fiz uma provocação.
Foi um happening... E~t~t:f'~~ tei a músk ~~õ'i ú todos de costas pra mim,
. ,::-.-:- . _t~:' '.}·:~ ·-~,'f\'.:;,
eu cantava movendof~ij'/llú àdris para a ~p.~~ .:·""··· "f.~ • ~'~--;~~-;.
-. ~
e para trás, com uma roupa
.·..-.

de plástico preta e.ry ~t,tl~f e com o c,wel9:;,f:rem grande, e cheio de tomadas


amarradas no.:pes.ço,~;:t veja Dunn, 1g~g:'p.126; 1994, p. l 02) .
.•,~ :-':::~(\~,-..'·~~;,•·· .i;:;:i%i;)iw•:iw7f.
Foi uma estratégfav.éhiborada para,;p rÔ~$f ainda mais a platéia. No meio da música
com a multidáoA!~~ ··A.-.. .•
estudantes etj;Í4r~lçli,
~-~~ :~....• .:,~.
\ ritando e jogando lixo no palco, Caetano fe
seu famoso di~i~-
'-"!,'_,·;'!:'(":,(.,..:,
P sobre a cuJ~i-á:\f.ê:, a política no Brasil, que foi gravado e rapida
,}~$:_-;s~.•
1
mente lanst1º êo'rno single: dflf:::;: ~it~::··
. ~:::W)t :fd)~::•:'.'.tff
,:M àf ~f isso que é -â;'.t Jµ\iê~tude que diz que quer tomar o poder?... São a
-~.·.~\~r::-~.-~ ~-·v.:h-,. · ·1 -~~~-
Jr,:Y,,f.Wê&hla juventq#~! <t,'1t,e vão sempre, sempre, matar amanhã o velhote ini-
- '*2i~~;g!:
-.~ j.,t
; igo q~~
· .. 1_:..~._,.
..}A,irf$~1á'n tem? Vocês não estão entendendo nada, nada, nada,
. •._,-,- - ,,...,..
-~---·V

.J":t7z1,'"/.J;. iBsolutan:Í'ê i\.;'-~'.\'it·


~t\f,;:-:,.
;.~rída! ... Eu hoje vim dizer aqui que quem teve coragem de
~i·+t:~:•
.,~,,-
assumir 1~~;,r-;, est~Ütura.....
de festival ... e fazê-la explodir. .. foi Gilberto Gil e fui
.t,,;J$.i;}7;,<-;· eu... QJ]pi~) lema é o seguinte: estão querendo policiar a música brasileira...
,,{f. ;~~~~~ Eu,i:i,-à~ dizer ao júri: me desclassifique. Eu não tenho nada a ver com
i(l§.",'1..Ii_,t,-.".;_~f; ~s:~~;~'.f ;ilberto Gil está aqui comigo para nós acabarmos com o festival e
/!;:·t o~ ytoda a imbecilidade que reina no Brasil... Nós só entramos no festival
~~.;r'í.

.,ij\~;{p5a isso... Nós, eu e ele, tivemos coragem de entrar em todas as estruturas e


,t?.'.t~;ti;~r de todas. E vocês? Se vocês forem ... se vocês, em política, forem como

160
Brutalidade jardim

são em estética, estamos feitos! Me desclassifiquem junto com o Gil! O júri


é muito simpático, mas é incompetente. Deus está solto!23
.,,,{'·'_ijO_f.'-

Ao afirmar a participação em todas as "estruturas" da mídi<j,,d sá, Caetano


reconhecia não existir um "espaço puro" para os artistas que p~tis!P;;am na indús-
01
tria musical de consumo pelas massas. Na melhor das hip' éi~ j'gs artistas podiam
criticar o sistema a partir de dentro, ao mesmo tempo f àe seu status como
profissionais da indústria.
No fim, tanto Caetano como Gil se ausentaram d~ · · .
!'.,\ ': ..t-t ..,,.~~:i~~!
'·Jfual
..
do FIC em 1968.
Do grupo tropicalista, só Os Mutantes participaram có'(zyd!lCaminhante noturno", que
ganhou o prêmio de melhor interpretação e o seX!',Qfl,JJ-gar na classificação geral. Mesmo
. \ ~ '.i!;tf:/r·-~-·
sem a participação de Caetano e Gil, a rodada fin<f~',. dq PIC no estádio do Maracanãzinho
foi marcada por uma fervorosa controvérsia. f f~'i:~·-· ·:J ia dos 20 mil espectadores apoiava
o hino anti-regime "Caminhando (Pra nã~t · . · ue não fa1~$~ ~ flores)", mas quem
ganhou o concurso foi Chico Buarquer~ ~ç~ :;j;&bim com a, .;,, ···.• :,,· ·~~Sabiâ'. Como várias
~- \\1. . .~··. ~>.·1.{t•ú ,
músicas tropicalistas, "Sabiá' fazia refe ,,. o poema "ÇJ!J,5fg::rlo Exílio", do romântico
Gonçalves Dias, mas sem o elementQ1~~t'ij, 6dia corro~~ ,;,: ''1',r ando Chico Buarque apre-
sentou a música com a dupla de v,_"" _ ,,. Cibele e qfn_ar~tele foi vaiado pela platéia.
•. ''.?, ~-·~}.~x,t~t~:"'
A canção de Vandré era.;,t.p,~ ~E,,,,i iíente men9s có).n'plexa, mas a letra era extrema-
mente incisiva à luz do cqnt~,9.-pilítico,
.;:;,-~-~': \.,.}·. :. ··,;\~'\ ,
e e~f~:Çí#$fosamente
.·i":i~\t:-,"-t.~·-•_,e.'-. ':
recebido pelo público.
Uma gravação ao vivo r~IsltStí as tentati~ ~,~~?Vandré de acalmar os fãs antes de
começar a cantar, dize9-, ~l que "Chico,;J,J ~,:~~recem o nosso respeito" e lembrando
ao público que os "fe ,,. vâ:i~ não são tud·'··: Íf~~idà'. 24 Esse gesto serviu para intensificar
't"~'t:.i::·.. _1_' •:-~ '

ainda mais o apoio da plãtéia. "Cam· :'.)fo" expressava um novo nível de militância
na música brasil(é;{i\lf protesto. ,At., \}}ta não incluía os tradicionais apelos ao "dia
que virá' da t@iH~b futura; a;i~Jâlia dos verbos era no tempo presente e o tom
era de urgê_ ''"~,:,; música in~,., · -
~,b público a se unir em uma marcha coletiva "se-
guindo a Y i,,,. Vandré co~~idji~ à resistência armada: "Vem, vamos embora / que
esper , _,.. . _;~i ~ber / q~t
:. ·•,i;;'.:~~,faz a hora / não espera acontecer". Declarando que
"Pe~9t ~~pos há ÍOIT\~,. em;_gf~des plantações", a música ridicularizava aqueles que
P~li~rffe~~ de pass~,i~í;~ "indecisos cordões", acreditando em "flores vencendo
~tç:~fião". As pas,fjlit~~~;imbólicas de protesto e o flower power foram inúteis diante
dc;~}~rças arma4~ 11fi última estrofe denunciava os jovens soldados utilizados para
' '., ,,.;}t&~lt .t,;;;;i\~;·;~~t:'i'
·-~~'!'•
- - - -,{? -} \.

""o
23 Para um~_. · .... do discurso de Caetano no TUCA em 1968, veja Fonseca, Caetano, p.91-2.
24 Essa aprêi~:ãt'.:iijb ao vivo de "Camínhando" é apresentada na compilação GeraÍLÚJ Vandré: 20 Preferidas.

161
Christopher Dunn

,1:~·~:;> .· .,,
A platéia no esrúdi01J~l;f±ttt1:~ Gal Cos{f e~i,s ua apresentação de "Divino
. ·,.,~•,i~•;-:~\-l -·~,~{:1~,f~jfr'

maravilhoso" no fa;/ · 1968 da TV R'.êcõrd (Paulo Salmão/Abril Imagens)

i}'""':lti ~ityii·
reprimir as demqr1"'s trações, afir1}1ili:i · . ~e "nos quartéis lhes ensinam a antiga lição/
de morrer pelaff , e viver se~}t~ç/~"
-:,~. --f~~-,....;,.•'f::.J.· __;,.t:~ ··~..zr 1
\.

Quando foi '~'rftinciado o eri~ttro lugar para "Sabiá", a platéia explodiu em pro-
testo, per. \Z".4flo, acertad , ?f;fi~,3'..que o júri havia sucumbido às pressões políticas.
O júrij~:C ":I)onatelo Q:·, '\ o chefe da Divisão Cultural do ltamaraty, que mais
25
tard$:(J~,f;:à. imprensa "'. '.::: ;iminhando" era uma perigosa música de esquerda. A
crí tfia
..._~,- -,.. ..,r;..-

. .._
·,,:... ,- ~...
41:FVandréJ ~l~SÍJ»,,1fi ·militar era particularmente perturbadora para os oficiais,
·, ·.•,;'.-/ \:: ,.,.. -.6{\~r.. i l~-- '{x,':~~~,i-~
..i,-

~~Y?&r,)frt~rpretarifa®;if:.</irto uma afronta à sua autoridade. Um oficial de alto escalão


~ .: · :~!;;ou: "Exérc,bto ni~õ:(~nsina nada daquilo a que se refere a canção desse tal de Vandré;
_.,,._,':'•' -~:'1' •~- ....~ ,_ ·-:·~•·1

,.i;~::;:~kmesma can~~JÍ%~~, passa de um atentado à dignidade de uma nação e eu come


?J>~' ·'~".:J (~'... . . -~~•.. _·•-,,(1qf
fJJt,J:.,J/tgeneral e s~pt~$.}5io de segurança, se fizesse parte do juri do Festival, não permitiria
,,;i,c;., que a m~. •. ~sse inscrita ...". 26 Ficou claro que as autoridades locais tinham interfe-

1r2?t~~;tt:
,':'" ·,:~~'')i,
25 .)(;j-.i\:(serie de artigos em Correio da Manhã, lo our. 1968.
26'i'A\i~~1Halfoun, Caminhando com Vandré, Última Hora-Rio, 5 out. 1968.

162
Brutalidade jardim

rido para garantir que a música não vencesse o Festival. Depois, policiais confiscaram
o sing/,e de "Caminhando" e as estações de rádio foram proibidas -4f;,transmiti-la. A
música de Vandré acabou se tornando um hino popular de oposiç,1;::~~.cyiocrática ao
)/~·V:/<::/"'._:,
governo militar 27 .o/ ./ / '),;:e ·
. i;;~ f/.{':;jj~~:
Logo após as finais nacionais do III FIC, um artigo de autoriát!:at}ôn'iina foi publica-
do no Jornal do Brasil elogiando o secretário de Turismo de ~fi· . ~6'[ ra. Denunciando
"a imaturidade de uma parcela atuante do público que insiste ~~~ir{~ar a manifestação
artística como ato político de engajamento ideológico", observava que o festi-
val era importante "não só pelo seu conteúdo culturaj;~i;§:J:õ"':~ e ele representa como
divulgação do Estado e do país, como também pela dpfiJhidade que oferece ao povo
carioca de congregar-se numa festa de alto nível ~m..,rorno de valores autênticos saídos
das mais diversas camadas sociais, numa confratiiíl1~ção que repele qualquer modali-
dade de preconceito".28 O artigo revela comqg~~!~~!ridades locais percebiam o festival
0

de música. O ID FIC era, acima de tudo, ~J1:i cldSÍ;uário intelâ~jgnal da cultura brasi-
~ ~
leira. Como a vitória brasileira na Co~ dôéf~jEÍ'rido de 197Qf j~ja para mascarar o fato
d- •~
~:, ..,. ~.'.f-" ' ", .• -.. -,,., . · •;-

de que o país estava entrando na fasdfú.íã:1~'.)t pressiva e ~tsift\~,da ditadura militar.

>,~oooooooot,/ ~'.(;:q
um liSTIV4ltt
,:.:_:'''<-.~i (,f,;.-._•.•
1
•" flÚ{IOl ffl'êl>IOILIST.fl
_.\,
. "'~i ,¾\~~~fjJ~}t;t:'f
Apesar de em grande it,tf
sitropicaliscwtétêi1 se ausentado do III FIC, eles domi-
naram o festival de mt.ifi!: de 1968 da.i;;' i> ,: - t~rd, mesmo sem a participação de Ca-
etano e Gil. Esse even,1(;··~ ~Í~sionado t~ ;~fitl\tnhou o surgimento ·de Gal Costa e Tom
:~~~~f;~;_~;~t}' ;~~~(J,t., .
Zé como personalidade.ftropicalistas,.!JJ;â'rrt-{dia. E também revdou a extensão da inter-
venção tropicali ·:t:fi,tf ultura naci. -~~·.·7::~ bs termos de Pierre Bourdieu, os tropicalistas
tinham trans(g~ã~gt«o campo ~ '-:R i~dução cultural", mais especificamente o campo
da música R~ ~r'brasileira. ."\~: y
.\,~· . . i,::~t,;_ :
1ill1cia dos tropicalistas era particularmente evidente
:}~~-
entre artist~:;-1,i~s joven11- c · · ly e os Kantikus, vencedores do Festival Universitá-
.- .,.,,,,:<,·,... ~>./0: ,. ' ..,..1..
:t;:rfNSão Paúlõt~Wº
-;;~.. '·r,1Ti!:~
iê-iê-iê "Que bacana'', com a efusiva letra "Chego em
casa~ sapatos pr9::t~ tor~/ 6 na cama num salto-que bacana!/ Ponho um disco do
C~ /Veloso, leio/ · -té gostoso----que bacana!". Os críticos do festival da TV Re-
j~~;,;[)i: .,.,s
;;;;·,\\;;}![\',

,.à;} .,.,:it;:~\\J-
·, ·'iJ.7 Mais de uma,,~â:(f~ passaria antes de "Caminhando", de Vandré, ser apresentada a uma grande platéia. Em
1979, a can,ç ·..,:·• · .. mpositora Simone apresentou a música nos importantes eventos culturais do processo de
abertura p,p ,· . ,.•
28 Veja notii~1~a, Música e política, jornal do Brasil, 1<> out. 1968.

163
Chriscopher Dunn

:~t't·
t"fl ;" ) ~\
Rita Lee, de Os Mutantes,;\Je~iz~ (no cenrr9fe a,i tlSmpositor e arranjador Júlio Me-
daglia no festival de __ m~i';~":~é 1968 da~ RWÉifd (Paulo Salomão/Abril Imagens)
JÍ!'Zí,!~,"r, "~l::ilt
cord reclamaram que a ~~oria d?J paj%'i_c iahtes estava tentando imitar os tropicalistas.
Vários críticos lajr{'ci~aram a amp11i/i.iríÜ'@l'fão de estilos performáticos típicos da ópera,
~fi, '.\i \':;<~ '-:.'A~.J-1,,- :,
instrumentos el~tfttiBs, efeitos esp:'$.i?-itf extravagantes roupas multicoloridas com base
~-,·· "-
na estética .ff{)pi_calista (Bourd_~ ,t i}Y93, p.30-1).
,-~ .1./.• } . ,.s,:,,-,:. ,··.r.--

0 ev;Jitijfj;_µt TV Reco~9.ffürµ,pém gerou o primeiro mal-entendido público entre


o gru.ç1,~1~ picalista e çkJ~õ..~.Buarque. Foi divulgado que, durante a rodada final,
Gill?:,~i7l&tGÜ vaiou a ni~{çffide Buarque "Bem-vinda", por ser ultrapassada. Apesar
1 ·$·.l"t t..!{: ,- ~-·?';.}~~-. "~*~:}·~
4~:Çi1~;'t~ipegaddi~;-,~_pi's'~io, Buarque reagiu com um artigo discreto, criticando Gil
:.?-;- ·~~-:;,..., -·-J,fr 't..':~7~
.J)(s'RP~i"àvando que "nênl toda loucura é genial, nem toda lucidez é velha" .29 Os tro-
\• !}· • 'l'.!5~1h ~ -;. ; .,,.

_,,~~i:t~çilistas men_~ p~fdfam o incidente com elogios ambíguos a Chico Buarque. Tom
[t'{;t.:t/,é, por exemªli;:â'isse com ironia: "Eu respeito o Chico. Quero dizer, tenho que
i? ·-t-;;•,;~!W respeitá-lq/~ri'~, ele é meu avô". 3º Por sua vez, Caetano negou qualquer conflito

~l;;~;.v
1

:r~: ;- . ;-z;·.•.\ .. ·;·';:._


t-~ .,,.,>.t: . t:'"JJ,~ .,.;·,.>

':&c¾~Yf°'
29 }:1,if~J.'Zr&
Buarque, :\'em coda loucura é genial, nem toda lucidez é velha, Última Hora-Rio, 30 nov. 1968.
30 \ieW•:€WHaifoun, O YOYÔ, Úlrima Hora-R:i.o, 30 nov. 1968.

164
Brutalidade jardim

entre ele e Chico, mas observou que "enquanto ele fala de supernostalgia, eu falo de
super-realidade".31 ·'rt{;it>
O festival de 1968 da TV Record foi uma espécie de evento d~/,l~~ento para
Gal Costa, que realizou uma eletrizante apresentação do rock "QJ~i1':tiriaravilhoso".
Antes desse festival, ela era conhecida principalmente por sua cola ;,;,%. com Caetano çã~
Veloso no disco Domingo e sua sublime interpretação de "B~'t;" . . ó' álbum-conceito
tropicalista. Era devota da bossa-nova de João Gilberto, , ··· 1iPocasião do festival,
:.,!!
no fim de 1968, também tinha se tornado uma ávidas:_ ... is Joplin e Aretha
Franklin.32 No festival da TV Record, adotou a persorjii{ i~)JJ;cif audaciosa estrela do
·.-:f. _..;;( . "}:·;;~--
rock. Vestida com uma elaborada túnica psicodélica 'ê~tada com espelhos, ela se
pavoneava pelo palco, tocando para a platéia e({);~J:ltuando cada refrão com gritos
/-}( j, \ ' - ~ \ ) : ~

a plenos pulmões. A platéia do estúdio do Te~t(~taI''a ramount reagiu com aplausos ..,~!.~.'<.., ~;~•;,•

selvagens, agarrando sua túnica e cobrindo-a) .tjtllppentinas de carnaval enquanto ela


dançava ao redor da cabine da orquestra ~ de ~1f6ri estava ~ ,H:à(gp. Apesar de "Divi-
.. ·í·-,t-.. .,:t:,(:.•ff·.. .~ _..:'><"?,'

no maravilhoso" ter obtido apenas o,:tê''c_ .,,_ ·,1rlgar, Gal C'~}ffi'~~ iu do festival como a
diva da Tropicália, um modelo para Jif/ n$;:·.
. .;~"5l/
toras. cJ%1~::.~filw:
·1:;~t-\
!:!:~,;:·

Acompanhado por um grupo ., . ·c.J{1ocal, Os !31;~§,,@,, e um quarteto de voca-


~r?ª\f ._.:-t· ,_•:i•~- ·"r},:c1,:.,,''
listas, Canta Quatro, 1om Zé gat);:qJfií)'lf primeiro fiê111i-0 do festival de 1968 da TV
'.•1ç}f'f.::'-'•. ~j,{i'',:,~j-f_'.l

Record com "São São Paulqf,;J 1í\w!,~J~o em seu arim~fr6 álbum-solo, de 1968. A mú-
· ,t:--J... ·;"-;;'~.:.,;, . ,.-,·~- ·.•i:t-~

sica era uma homenagell},.i tTq!Y!lême à mfil'.~[r;:51::i&-ele do Brasil do ponto de vista de


0

um migrante nordestino: ·Ngt~Fflo, Tom Z~'.,e:,cpf,ê:ssava os sentimentos contraditórios .-· :• .1,

inspirados com tanta (riq,µência pela ~tq~ .·. ·:•ão São Paulo, quanta dor / São São
Paulo, meu amor". A , 4;i!a
começa qii\:l{iii"a série de paradoxos sobre os habitantes
'\-":t~t:Y.if::< . '~;!,ff ~;.• ,.

urbanos que "se agrjdem' cortesmen'.t ~;1::'~'~}amando com todo ódio", na "aglomerada
solidão" da ci~!!'" ,~;;,.;
são Q~; ::~Hhões de habi :es
.,. -.,)_~?~ · ,, ..,__·~ t::,1.J"~t;•
agl a solidao ;:e!{:'::.::>, ,-,é,,,,
ffi,bt+ll1· '-<~kaminé~f;~~;_;;~f
..;,: -.,.t. dos a prest~ : o ,,;:-,;:-
,;2,tfi1~lj ôrém, comj!~::,J'l. ::;-~~eito
,. '6r2, ,•.,./,:te carrego t;J;Q'ftl~l'f
/:,tf~' ' :'l~•~fb-::1'
1
·.,-.... \.
peito

\\bttJ /;/,;;;,:ri,,,
31 Veja Caetano qi1g a· música útil, Correio da Manhá, 27 ser. 1968. Nos anos subseqüentes, Veloso negou veemen-
temente quaÃQW;.t;ity,;ilidade entre os tropicalistas e Chico Buarque, observando que a polêmica se devia em grande
pane ao ss;p~ "'•·'tfismo da mídia. Veja Veloso, Verdade tropica~ p.230-5.
32 Veja Norci'!i.-<}t. Rego, Já falo com as pessoas, Última Hora-SP, 12 dez. 1968,

165
Christopher Dunn

Ele retrata São Paulo como uma antiutopia ultramoderna onde "crescem flores de
concreto / céu aberto ninguém vê". Em sintonia com a oniprese~~ do sensacionalismo
. ...';·•-->~. .
da mídia de massa, uma estrofe adota o tom de uma manche~t ::,4 é ~ blóide, relatando
o aumento dramático da prostituição no centro de São Pa~p(if{&doras invacüram /
todo o centro da cidade / armadas de rouge e batom". Trectt~t;,ef~ música foram censu-
,.....,. ••. · ·~t...:.=

rados, incluindo os versos "em Brasília é veraneio / e!I\1 ~lt5;,f âulo é só trabalhar", por
,.-,, };_.
terem sido interpretados como crítica à inaptidão d~~1µtõti.aades federais em Brasília.
O fato de esses versos inócuos terem sido censura . · "Divino maravilhoso'', "4.~ to
que apresentava uma crítica muito mais punge~flir{1l~~Íp~ vada para o festival sugere a
natureza arbitrária da censura durante o regime ~fár.
O outro sucesso de Tom Zé no festiv~t;;d.5;.,1968 da 1V Record foi "2001 ", que
retoma o filme de ficção científica de Start}~..'Kubrick, 2001: Uma odisséia no espaço,
,1;'<:J._ ·•-~t-).'

lançado no início daquele ano. Essa f~n~ '.i.ª:'futurista foi composta como uma moda
de viola, uma forma musical tradicwn:U\
,::,~ .".
1[ São Pauloi- ~ l., com interlúdios de rock
.-~-~ .,,.;.:,:r
pesado. Os Mutantes apresenq}'fã:m,J ~ :sica com G;.f.B~t,~9 'Gil no acordeão e Liminha
•.?•·"', _.,t,--.\' ··•:-; ~~,: ~-

i.i· na viola caipira para criar um -~~i~ ~l u ral. Rita ~if:i,.~~va um teremim, de fabricação
caseira, para produzir um st ~ ~t:rtji:Sterioso c~_rf(~,_, c, jl que costumam ser ouvidos em
filmes clássicos de ficção ~ <;:~ Êa (Calado,J}[9~?~' p.244). 33 Diversamente do filme 4'•,::f~':.f·
'\' ',i\
. :1~,:r·.'...;._7 ·5

de Kubrick sobre lllllt§U~~5&,hiputador _9nist\éifre e vingativo que se volta contra os


astronautas no esR~~6;~~:-JO (ff", de To~, 1i~éil~bra o poder da ciência e da tecnologia
,;:~f}~t...~~-y' ..t,;;,, ·~;!✓~\',.if •-•fa•. 0

para solucionar os pfôfüéthas huma.qos:''\-::Ji·

,~tJt!tt?, -- f;~,: .i;;r;~~;.it!:'


a cor do:,,5~~:t~e compoe_,;f ','.tJ·.
-,;;.""'·'"" -:7.,t··
o mar aztil-·me dissolv{i,\•:,/ ·?;;{~
.~rt't.r:.~ ~ ~Jrtt~~. ;•~! ·

a ei~ç~o me propq~$".;j., ..,


;,,:~ ·r.:..:.,:,-,. :,:4:',::- .,, ·,•·z;/<:_·,.,
"rJifIÍpli'í:ador me res~bi:~· ·.:
i 1;~;::~'1-:· t:~l.f~;~~
<~ ~if:lMtima ~~to(Ç'~:;;($&.;:;' zé faz uma referência direta a Caetano Veloso, que afir-
._!,<~:v t 'h; ~t.., _ '"""~}f1:''"",-~~ ·"~'t'Jr-'~
,;o,;iJ t~~'f;e m~tuna entret~~tser ao mesmo tempo baiano e estrangeiro: «Nos braços d<
;ç:,;iC,_ 2GQO anos/ eu AA5Ci:. _~em ter idade/ sou casado, sou solteiro/ sou baiano, estrangeiro'
~ f.~t. - -.r~-...-~.:::.;.. \· -:i '
,,,:-\-..:_:"-'._._· "Veloso 1977·i-. r.,,.'.''>f>/,).
~~-"~.:r
')°'" /.-'.-.;~,~,-:,:,.. , \ ·>':J._-. i ~ '

/e;.; Como ~l ~~;uta do filme de Kubrick que é transportado a outra dimensão ondt
{~;{,_;;" simultan~ fe vivencia a ptópria mone e seu nascimento em um ciclo sem fim, Tom Z..

,, ,:f;~~,, "
3~Ji~~fc:I'Theremin, um imigrante russo nos Estados Unidos, inventou esse instrumento, muito utilizado nos ano
6õ~pe1Ós Beach Boys no sucesso "Good Vibrations".

166
Brutalidade jardim

alega ser jovem e velho, à beira da morte e constantemente renascido. A concepção


circular de tempo também se refere a sua complexa identidade, â~ ;:w esmo tempo ·:,;-~;;.-

baiana e estrangeira. Se a música parece uma viagem futurista e dtji;r~~~· vale notar
que paradoxos similares de espaço, tempo e identidade são ençf,ii irj; Á[ôs na cultura
·-=/tl::rr _..•!•;

popular nordestina, que sempre fundamentou a obra do artista " .·.•· n, 1994, p.113).
Tom Zé integrou a fantasia do espaço-idade na própria con,~;Ji1.~içl~
_-~ :r·.~
~ircular de tempo
e em sua própria identidade complexa. . 1,;::rttf·
O evento de 1968 da TV Record voltou a confirmar{J .·... . ::: onia tropicalista nos
festivais televisionados após o desastre do III FIC. .~~ ti~l f;Jfo, o festival também
marcou o início do fim dos festivais de música televiii~uiãdos, que foram tão impor-
tantes para o desenvolvimento e a divulgação d~:M~J~ durante a segunda metade dos
anos 60. Diferentemente dos festivais anterior /rc ''•:•p~nto de 1968 da TV Record foi
submetido à interferência dos censores do g{J.. ;~i.34 Devido ao clima de reprçssão,
muitos músicos que haviam conquistado ª Il.:r:6.sos do p~pirct~;i esses eventos televi-
sionados deixaram o país e os festivajJ ctç . "êa entrararn.,'Ê ·') :cadência. A estrutura
/,ht0 / i.V . ·<,::~,.-;;{.__.
de um concurso musical, no qual cõ'rtt.1;..; " . ores sub~ zj.~~hias obras para ser apre-
sentadas e avaliadas por um júri . ~cialistas, P'½' 'da ve:z mais obsoleta a al-
guns artistas e críticos. Hélio Oit!i~L . v; çou uma ~ JllR?-raçáo com o mundo das artes
1
visuais, observando que osi;(eStiY,~;{tâ e música ) ão' s~fu.o os salões de arte moderna e
-~.,;:?,, -· ,-'_.'~;-:• · -0.~·i .:~_;;:"..
as bienais: velhas estrun1,e,~:qt1~,se tornam·:'ê;~ . .~~,mais acadêmicas e sufocam quais-
quer inovações". 35 A decl~!~J'1do agente .ç!:ó . ôpicalistas, Guilherme Araújo, talve:z
tenha sido mais adeq};!:~t a: "Os festhi !J>. :.;;i l~m muito desgaste. Primeiro porque
não foram recebidosltQÜ)!~ o que são,,,~fv@3ttfade: programas de Tv. Foram recebidos
como competiçãgl ,d~.t:z brigas. N,_..: ,:;{:~ de as pessoas estavam lá para ganhar o seu
dinheiro" (Tinh!K
:r-,
Jt
1981, p. 1
,_:;.r -~·
~~f~;.,., ·'.berro G il, por sua vez, observou: "Não gosto
--~--·· --:..•~-:1::.}"
dos festivais.,,l fi~ flria que exis.. ' ,üina coisa mais livre no Brasil, uma grande feira
de músicatcl.~1!.Í ugar grand~(; .. Jr~re, cada um cantando o que quisesse - como os
festivai~.. ~~ti~ de N ~~ fQi~li~;it:stados Unidos. Muito sanduíche e Coca-C olà'.
36

Os fe '"tf~1d2'sWoodst~t .. pi
Ilha de Wight de 1969 poderiam ter servido de mo-
delf-3\, ,,;,., ~/ um festival;;~ R_mQ, ~se, mas na época a ditadura militar tinha entrado em
~:\!1;;iJir{iÍfmais repres~yi'i~füamais teria permitido um encontro de jovens a céu aberto.
'.1{:iNi.fi) .;;;~i,fS'4.1~·
j;,,, )f,r~Jil
:~t~tki~~¼"-.;">'.;r·__ __
'·34 Veja Censur , ' Ka parceria, Última Hora-Rio, 15 nov. 1968.
35 H élio OitjS~i"'©Z$entido de vanguard a do grup o baiano, Correio da Manhã, 24 out. 1968. Este ensaio importante
foi p ub~ ·•· ' •·,Carlos Basualdo, Tropicália: uma revolução na cultura brasileira, p .245-254.
36 Veja artlg imo Tropicália quer cantar ao ar livre, Última Hora-SP, 10 nov. 1968.

167
Christopher Dunn

·~:};,~::?~tfY ~: iÁ,"
Tropicalistas se aprt se~&~fi%:em seu prograAf~:'.n 'á TV Tupi, ((Divino maravilhoso",
no"·,~ ?-fã?1968 (f-a..ul\ ~,ajõmáo/Abril Imagens)
,.,1',,1~ii~::,;~~1{i1;, .~;: ~\~t;~; 1f
;1?;;,~.. '~~-
º ;,?(.
Festival Int9~nã~ional da Car(?~~:H~t·TV Globo prosseguiu até o início da década
de 1970, junt~~ o FestivaLWn_i~~}sitário amador transmitido pela TV Tupi, mai
os anos d9}1,l:!*µos dos festivai:ii}f;;;i.ísica já tinham chegado ao fim. 37

-/i~{ti :,l~!;~'~
.;,?it<t/'2 0tr(f~{ -11.APP-fnlnG{ T~0PIC.ALl~TA{
,f:_;:z(, ,,,,,t:~i:N'
tfi¾-t~0:,)'h época, qn e e&ãerano estavam se tornando mais famosos por seu espetáculc
_,,~_z1~;ri:ifformárico 4~~~#~or suas composições. O conceito de happening ("aconcecimen-
~~;:~":j~: {~"], fund~iijijr"\ia produção cultural nos Estados Unidos na época, foi adotadc
~~//:; :'' pel~:: ;~e~~f:lsileiros para descrever seus próprios experimentos. Os rropicalim

3:~~~rw;J~ informações sobre os festiYaiS do início dos anos 70, veja Ana Maria Bahiana, A linha evolutiva prosse
g!i'é~'il'ínúsica dos universirários. l n: Bahiana er ai., Anos 70.

168
Brutalidade jardim

foram um dos primeiros defensores dos happenings espontâneos envolvendo uma in-
teração polêmica com a platéia. A provocativa apresentação de "É ~lfilibido proibir",
por Caetano, e a reação enfurecida da platéia talvez tenham con~li~la:~,,o primeiro
happening envolvendo a MPB. J'.,:f .,:·:J:t ·
Enquanto a TV Globo e os órgãos oficiais produziam o HÍÍ~JÇ: ros tropicalistas
encenavam um evento alternativo no Sucata, um clube nqiffi:~"~ o Rio de Janeiro.
Os shows no Sucata, realizados nas duas primeiras semanas.â~~ti~ubro de 1968, mar;...
caram o primeiro confronto aberto dos tropicalistas coi .~kµ,toridades oficiais. Até
então, as críticas irônicas à cultura e à sociedade br .
j ,{ :it ; .;,
11
' em grande parte \~ am
passado despercebidas pelos censores. Conforme relá't;Q>$ da imprensa, os shows no
Sucata eram espetáculos caóticos realizados toda~t~§<"noites, envolvendo um alto nível
de participação da platéia. Durante um deles, .,-.,;, Gil apresentava "Batmacum- ;;hro
ba" com Os Mutantes, uma mulher embriagá , .:·.,,levantou e começou a chamá-lo de
bicha. Logo Gil e os outros vocalistas co~'êç~iffi a cantar :'. ,. · ' •.t§l'-cha, bi-bi-cha-chá'
ao ritmo da música, neutralizando,;;ffe'' c9,q il tbtramento ~. '" ., o e incorporando-o à
apresentação. 38 Enquanto Gil canii~lfiif1tmacumb~' · ti:f\ti:ma outra noite, Jimmy
. ,,';'.)..!, ~ -.'

Cliff, que tinha vindo ao Rio de J' l_fp'' para reprs,s . J ª Jamaica nas finais do III
FIC, subiu ao palco para canti'.lt~'.. :f~·~Ie. 39 Trat ,i>• s~ :de um importante momento
'}:,f\\~~)- . -~r~-~1
precursor de todo o traba\b,9 ·~.w,.Jf reggae qu~ G' · ia na década de 1970 e do en-
•;.:.-r \~. ·. ~~-':~:v~.. .-~, ·.
volvimenro de Cliff com.a mtisica brasileirlt'k~,, ·
Nos últimos estágio; ;)â ~;h\iiimento, a,;;~~(itopicalista manifestou a tendência de
afirmar a marginalida_,9Jt.~ocial como po.~~ri~Isit'ação a uma sociedade desigual e mili-
tarizada. Representa' l iJ voráveis d~:i~~ ~ ginal" que se recusa a se submeter ao com-
portamento sociaj_nor~ ativo cons · , ,t;:,it)wna longa tradição na música brasileira. A
figura do malart, ff ~ diloso que _~ · . if sistema (ou pelo menos se desvia dele) é um
-~0< ·•/5~
)/...-4/Y . J? ,:~
elemento rra ·" iôrlâl dos sambâs\~ ~ · ·e o início da década de 1930. Obras pós-tropi-
calistas suk::t,. , >:;fites, de l 9~sf~~àw;i~
o filme O bandido da luz vermelha, de Rogério
SganzeriJ;~~i:~f{oul-sarn~ :'
:{f\,\·... . "i,.,i;.~.y:~;;;.... -,:~f}~~~t.·_ '
-J~:i!~
Ben "Charles anjo 45" prestavam homenagem a
'{/:/i
foras::lài l~jivi'Vé::ndo às ~ p.s da sociedade.
,, ~~ ação da m~al:tdlde era particularmente central na obra de H élio Oiticica,
9µ~;~õ-r ou por um . · •na favela da Mangueira e trabalhou em estreito contato com
l r, ~osa escola ~ :::~ ba. Ele era amigo de Cara-de-Cavalo, um bandido citado com
tj;~qüência com~ti '.~ çimeira vítima do notório Esquadrão da Morre, um grupo de po-
,,,,. ,/tt.},f;i}p' '
- - --·~h;:·;!!~ti-
38 Veja Suc;.~çi}i1i:,:J Mi'.ga noite de loucuras, Última Hora-Rio, 11 out . 1968.
39 Veja as ~â~':iiliônimas, Comentarista da Jamaica e Bastidores, Últim,1. Hora-Rw, I 4 out. 1968.

169
Christopher Dunn

lidais fora de serviço que perseguia e assassinava impunemente criminosos suspeitos e


outros "marginais". Em 1968, Oiticica criou urna bandeira verrrf&J:ha, com uma imagem
··.•.ct,.·

em silk-screen do corpo cravejado de balas de Cara-de-Cavalo CO@'li~~,Í_Ii~triçáo "Seja mar-


.tt i:-~ }t, 1·:.. ~

ginal, seja herói" (gravura 1O). Na época dos shows no Sucata/


1t,.f
~,i, t;iticà explicou que a
·,Y'.i«A

bandeira era um "protesto contra uma mentalidade brasil~§ ~{\~.f tem no Esquadrão da
Morte seu fiel representate e que trata o marginal como ~~tf~
...... ..
~-~'."4º _,,_ _ ~

Os shows do Sucata foram interrompidos no fin,-:~ 1~g1'6titubro após um incidente


envolvendo um agente do D epartamento de Ord~~- }!.à~ica e Social (DOPS), que
-~-.. ;/ .·-,

não gostou da bandeira de Oiticica. O agente q§i .,., .PS?;Carlos Mello, denunciou a
bandeira, observando que a inscrição deveria se/ Jµi ~da para "seja estudioso, seja um
herói". Essas objeções autoritárias e condey:'i~éIJ.as à obra de Oiticica eram ridículas,
em vista do fato de que a mesma bandei~~~~~,ritacabado de ser exibida em uma expo-
sição pública patrocinada pelo governqf~pt1,stado. Guilherme Araújo provavelmente
•''\, ~.'-):-,i~~~ ,. -~·~

estava certo quando mais tard<:,, dif~~ p! ii' a impre~1f"~~1~ o agente e seus colegas
denunciaram a bandeira paral ií:w{ç&sfonar as se~ ~~ ,-,que os acompanhavam".41
,:-,~t,.-~~~ ;_•_\'V . ~~.(~~,.
Bravatas masculinas à parte, o 2'6'ihp;9h amento q~$\ij{K-re também deve ser entendido
{~~'~r~(;.... ·••.. r1 -~~.';' ·-'i_~:JI
no contexto de uma repressãe:<?~ vez mais ~tt <lt~_~ por parte do governo.
Os tropicalistas cede~\~ 1-í ;.~ tgência do de remover a bandeira, mas Cae- ~t~Ie"
tano denunciou o censoíitdurâ:hte o show.e foi Ím.ediatamente acusado de "desacato à
~~J\., . , if/•·~··· •· i.J~ túi
autoridade". PosteJJ~rif.í't~te Caetan6tsJtlffe~~ u a assinar um documento prometen-
' -~-~\·,;•,l~-,~•l'J!.\--j. '-1 ·<J?,~;n,,"
do não fazer discursos·Titi'provisados/3.ur~ 1~ ,r~
é:e os shows e seu contrato com o Sucata
foi abruptame.11:.~~'.-y~celado. MM~8J#<fef\im locutor de rádio de São Paulo, Randal
Juliano, entrou\~m;,~ ntato COII}}~f!~foridades, alegando que os tropicalistas haviam
parodiado q_,p.in; ,~adonal nqt~\J?'ta, em uma interpretação com guitarras elétricas.
-::l;•..-~:'f\- J ,_~ :7,{:"-~-:._.,,,

Apesar df ~~~Jno ter neg~4#t~.p êo rrência dessa paródia, as autoridades militares pa-
:'J't -,_~·-,}· -~·•·: -\~~ ,~ ,,~-
reciam ,t f.. iJevado
,_._,..ri,.-•
a acusaç?d:a,;_-$, ••
ério e começaram a monitorar os eventos tropicalistas .
"1•'1r- _ '_ ., ~:

Doc~ ~Ô.t 6s secretos d[i;-p):~,.·6rgão do governo, divulgados em 1997, revelam que


ag~~,} ~~i ilitares,'ªç:rffi~.
- _.;,;:.">•.., \ ~,-...4,.1-.
"'f~ ~-'!'";
1@
- #.i~k~e distinguiam a Tropicália de outras correntes da música.
il_ ~ -

.Ji ír utar:"ô s tropi~1~f5~eram identificados de forma variada como defensores da


:\f7mtl'sica de proté§-fo"t da "bossa-nova" e até da "música folclórica'' .42 O s documentos
_tv~;_-; ,;;:~ "t=~
,:f{~f~~sugerem que _à'Wài~>:ria dos agentes da repressão militar não percebia ou não compre-

.t{~ /~113:J;:
t~\f:~,;1tt/
.,·''.__.·.:-~.::·~
. ... ','
.;~·:.;_.·:·~_::_•'..,:._._:· _;;. ,{1
40 Veja SÍ.wv/d.-l'é:aetano pára mesmo, Última H ora-Rio, 17 out. 1968.
41 Vcji ~~Jjp:targinal, seja herói, Última Hora-Rio, l 7 out. 1968.
42_1;~ :d!)dÍmentos foram encontrad os nos arquivos do D epartamento de Ordem. Pol.ítica e Social (DOPS) do Estado
dtsíí:&,iPaulo. Veja Armando Antenore, O tropicalismo no cá.ccere, Folha de São Paulo, Mais!, 2 nov. 1997.

170
Brutalidade jardim

endia a natureza específica da crítica tropicalista e simplesmente associava o movi-


mento a uma ampla variedade de atividades artísticas identificad.ai-0~,forma ampla
" b . ,, " . ,, ~{~_.-i:...:,,\
como su vers1vas ou comumstas . .,-.-/ltt~,"" '"·
Depois do fiasco do Sucata, os tropicalistas lançaram seu próprtJ' ptqÍfama de tele-
visão na hoje extinta TV Tupi em São Paulo. A emissora havia cq~~~~d~ Caetano, Gil,
·~<k~J/•., ..
Gal Costa, Tom Zé, Os Mutantes e Jorge Ben para um progra~ '~U:}:i:arnado "Divino ma-
~--~"'<:,, -.1"1).'

ravilhoso". O programa era o experimento mais radical a~~i,etj'.tá6•·e também sinalizava


'.2é::: ,i;,~'-:":.:~:_i·'':•.:
wn distanciamento em relação à obra tropicalista anter~~ tJ5~!fl- músicos convidados
da era pré-bossa-nova como Luiz Gonzaga, o "rei do R ~~;"'ef&'.cantor de rádio Sílvio
Caldas, que apresentou seu antigo sucesso "Chão de ~ f&1~". A TV Tupi tomou todas
as precauções para evitar problemas com os cens~t~rf.t, programa era gravado em fita e
depois editado antes de ser levado ao ar. Diferç~f-4'µ,l.:e~te dos outros shows televisiona-
•1:.i?''7-'-i;;:~. ...
dos de música da época, este era completamefí~f~erto à invenção espontânea.
Quando o programa foi ao ar pela p((#ieJft~ez, no outubro de 1968, d_i~i~Í~::4e
Caetano Veloso surpreendeu a pla~}~.,~J~iiitl.o ao palc~J~}~hdo terno e gravata e
';~...~<\":1 .1,-- ...,q. ·-~:_r·::.,.,:
com os cabelos alisados e penteados.... :fiãr~f1rás.
~-. . ,·.-,y,,
Interp~fQW;
-:
:·•f!Saudosismo", uma paró-
~ ~?" ' ,:)¼~-

dia afetuosa da bossa-nova da pr~ 5-k~$ ~ração, cit_~c:Í9[fi sicos como "A felicidade",
"Lobo bobo", "Desafinado" e ~ ~®'i;:gã de saudad~'I,; hf.·música refletia as profundas
:{',.. . ~;.~~.,, {:.:.:>~ \~f!§~>
transformações políticas e .<;~ .,•~~-
~ ~-:~, 1··~ ocorridas desde X':;,
J958, quando João Gilberto gra-
·--;:!.-~
vou "Chega de saudade;·-,:.•·t~}·~t1.~
~•e, l~...--; ...., u o movifil~tl~f;clâ-hossa-nova.
-,,-....-,_~/ ,
Ela fazia referência à
ligação dualista da bossa-~~itf~bm o ot~in~ft~cional e a inovação musical "desafi-
nada" em relação à ~ convenciofi'ã,~i~:fml~a da era da bossa-nova como um ale-
gre carnaval para a n~~Ei1,(~ ue chegoU;{~? '[ iH' com o golpe militar de 1964, marcando
oinício de um~;Bff l?~gada "Qua~'f~tl{~·de Cinzas":
:'> '\~t~;:i' ,.;f~?~i;~_:••<
eu VO~~_çepois
•· -;:;-;;,~,,
...:~~:~},-l -,
,~:V.-
quâ!rtàtitêffa de cinzas rífõ'.f~~ís
.s~';~;*Í~ dissq~t~fcis;,~:~i;-/·
1.frftf ~lntegraram ao sd$-:.pós imbecis
!ji;, :·-~1(' :,t;z- .eft~~-:- ~~-~
J;.:>;t~ -final da mús~ l i-aetano entoava repetidamente "chega de saudade". Na can-
f.~~> i~B;âe Tom Jobi~ !ê~ rucius de Moraes, essa frase se refere à separação de dois aman-
:\,.,. _ __J~- Na músid [~i,Çaetano, ela funcionava como uma renúncia literal da nostalgia
'·\'~itfuelancólica;J j-@(füiciava a busca de novos rumos criativos. Quando Caetano a apre-
'!'{:~.
sentou enf'.1Q,lvino maravilhoso", exclamou "chega de saudade!" ao final da música e
·,f .,.;.-. ~

anuncidut.· ~4:tp úblico: "Vamos mostrar o trabalho que temos feito. Uma tentativa de

171
Christopher Dunn

conseguir o som livre do Brasil".43 Na interpretação de Gal Costa para "Saudosismc


(1969), a exortação final "chega de saudade" é repetida vár~ syezes ao som de um
guitarra elétrica de Lanny Gordin, num arranjo que negav<J,> -~,' ~tica da bossa-nov:
Para os tropicalistas, a única forma de seguir as inovaçó<;~,·~ /.A{'is da bossa-nova e1
,: ~~_;: ,,,l')/[~?·

criar uma estética diametralmente oposta. *, _•;,,.


Em um dos episódios finais de "Divino maravilh{w1~i~:os tropicalistas encenarai
um "funeral" televisionado no qual solenemente ,~ ·~ª~rátam o movimento. Era ur
gesto vanguardista de fechamento, no qual mostt~> _;,:}~ cartaz com os dizeres ''Aqt
''i.\,~i.Y<:." ~•,f
jaz o Tropicalismo". A Tropicália tinha se esgo,f,i ~,l 8ntõ projeto musical coletivo. N
·•;:~ / ~· ::j~3,~

último programa, no final de dezembro, Caet~ JÉantou o samba de Natal "Boas fo


tas", de Assis Valente, um compositor baj,~Q._d e samba dos anos 40 e 50, apontand
~ '.:.• \ ;.~.)''J~.-

um revólver para a cabeça. O público chiii\t1e~ sáo, em sua maioria do interior de Sã


e,{:;~::··. .-(;,:,;y

~ Dl;JÍ:~1'í'c~UI
q,:~•iw
Paulo, começou a escrever cartas de p~~Yi~w à TV Tupi e o show foi cancelado.

11•í~jfA0
;V

. :1(_·,)t' dif' liit~?;,


Na manhã de 27 de ª~ig!'Bro de 1968, fi-~:fS~no Veloso e Gilberto Gil foram pres<
pela polícia militar -~ ~,~ , ~~partament9s e~.Sio Paulo. Na ocasião, o motivo da pr
são não era claro;;:', •,;;:.,_' i ~l~s em gé'1tUtJiíD:iet~ percebidos como artistas abertamen
de oposição. Na -~~r a ~~ artistas e .~~t-~l1~tuais da esquerda criticavam sua música, se
envolvimento,,., ,'_ '1.,a indústria áà1.kl;;J:f'Mlfseu sucesso popular. A maioria dos músicos (
.,,( .? .:1\P,?i,
protesto escap:~:!fb:,:.J prisão, en _ tó'Ôs líderes do movimento tropicalista foram pres1
e exilado~.,,~!,µ L~~dres por ,~~i~.--, ·bs e meio. Como observamos acima, a censura e
,~·fr~,~·t?· . :,t 'ff\-:~~~;~-
repress~di :~ Rêcialmente ' · µção cultural, eram em grande parte arbitrárias. O qt
w:-· ---~>)(:\~t"~-- <·? ,__::
mais P:i~~na explicar as,·' á de "São São Paulo" e não de "Divino maravilhoso"? C
•\•, . "'-i)•.-s,;-~ _;·.-,
de:~f ., ··'Quixote", · utantes, e não "Caminhando", de Vandré, música que f;
si~.,, , só d~Jqi ... - _é\ido apresentada, gravada e distribuída?
,r::::Ê;'.•~t(~tii':;~ gumas,,~i)?'~jç~ções possíveis para a ação das autoridades. Os tropicalist:
f·"':Cti ~eram problé~ ~ ;i~,m o regime militar à medida que sua crítica irreverente à ordei
1bficial e ao, l:f~~~:ft osto se tornou mais evidente. O fato de fazerem isso na televis~
e não apei~&êfu_ teatros e clubes, parecia particularmente perigoso a um regime qt
usava~~( los de comunicação de massa para projetar sua própria visão h arm•

, ~~;{{
.f"fVé)j Chega de saudade yê, Última H ora-Rio, 30 out. 1968.

172
Brutalidade jardim

niosa do Brasil. Ramon Casas Vilarino revelou vários arquivos do DOPS relativos à
prisão de Caetano que o descreviam como "marginado [sic] viciad6J~ drogas", uma
descrição que era falsa, mas provavelmente de acordo com as pew~;~ii~s oficiais da
imagem de hippie do artista. Esses documentos também indi~ ;j~f''as· agentes do
'-:' ..... '''. , ~~'

DOPS acreditavam que Caetano havia planejado incorporar ,;~\% :M;Iino Internacional
Comunistà' à música "Tropicália" para o programa de telev~r: "'"!ida, paixão e bana-
na do rropícalismo" (Vilarino, 1999, p.88). Como a de~~~ãfã e Randal Juliano ao
show no Sucata, muitas dessas alegações se baseavam e ,, ,,,,.,.;, es, mas proporcionam
evidências convincentes de que os militares viam gs\ 1c;l istas como subversivos
-;,:-_,

potencialmente perigosos. Essa suspeita provavelmen ,. i exacerbada pela denúncia


pública de Caetano contra o agente do DOP~tfti:%.:~ucata - um evento amplamente
divulgado pela imprensa carioca. A visibilidÍ~~i:,f. :~ notoriedade de Caetano e Gil
passaram a ameaçar as autoridades militar~_t:·" :.,; té então, ou ignoravam os músicos
populares brasileiros ou os exaltavam cqffi'í o .. ~esentant . ·--- · ,nacionais da cultura
brasileira. Caetano Veloso coment • · J~tTiidade do ~ii<=~~•!'m ilitar brasileiro:
;tf :.~_?N.:i;;;:·
,,>..•. ' i f
Os militares nos viam com 4fiji\~'desconfi~Ç4ji1p . ue nós tínhamos apare-
r ·:;K.~~...... :Y{' ,-~~},"· '''!-,l:f~,.,/,'

cido em 67, durou um aó;t ,;t?tí}Éles não sabt 9;que era tropicalismo, se era
. ~::4:--::~t:\ . "·&/· ~1.

um movimento poijpc:$]:~ ~"viam que çra ' ..,à'coisa anárquica e temiam. E


algumas cabeças A~t!~f(~~ dentro;'~ , ,,- -~& çif~tinham consciência, eles fo-
ram as pessoas ~~f\H . entes que;;,gêori:;l iharam nossa prisão. Eles achavam
que era desagr~gor, que era pitjgó\)ifsfbunn, 1996, p.131).
f
:f h;':Jii .J:fi,S/,i.{;1'
Caetano descreve~r~~a sessão .,vli '~ffit~rrogatório realizada enquanto ele estava na
prisão, na qual éi\t>?Jicial militai;;ii ~ii{fá que a música tropicalista era mais subversiva
". \/f'
•~f' •S-:, . - ._,, .-.~~·<~~;
do que a de . . ~iist~ porque pléi~m,!va "desestruturar" a sociedade brasileira (Veloso,
1997, p. . . '~ apresenta,~~~· ·:;i~verentes do grupo tropicalista alarmaram as au-
toridad~ f;aiJ!tares, m~~n~ li::~'l~'rítica dos artistas em relação ao Brasil moderno nas
_'J.'~:~"f.,, . "'{.~J_•.o~•,. , ~·r,•,Jt, >"' . ~,~~.~-'

z(;;~/ .,.
l~":.

letras ~~:m.iliicas tenhi',. . ·cto despercebida.


~

Em d r:q;.d e 1968, aproximadamente um ano após sua irônica "cruzada tro-


picalistà' ti~it\pn Morra publicou um curioso anigo baseado na famosa lista de Nor-
man Mâ'ii~ /~ Íacionando o que era hip ("bacana") e o que era square ("quadrado") nos

173
Christopher Dunn

Estados Unidos. Na época, as atitudes e práticas de uma contracultura emergente no


Brasil foram em grande parte suplantadas pela jocosa celebra~~,,,1 o kitsch tropical.
Apresentamos abaixo uma versão abreviada da lista de Morta c9pÍ:J f<tue era "bacana"
•;?-·" '\:)i?-1:~
e o que era "quadrado" no Brasil no fim de 1968. J)~_)r:1
5
"':;•?1•'

Bacana Quad~f ijijii>


Dom Helder Do,g1_:3lg4úd
gim puro eh~ '\,.. e
·;,:f~~
guitarra
Rogério Duprat
cabelos molhados ,;:/;" laquê
Inglaterra >1\l;;;~:~'%:-França
Bob Dylan <,, · Frank Sinatra
panfleto edito.tifff',\,-
_,:/·'-.{_ ·\·<_§~:
maconha
Guevara
P'f\ ~~e
·;- '

Stokely Carmlçp:açf i tt:Y&.; on Johnson


Estados U ,-.· 1 ;,~~\ii< ~~.>·
.Se. ·~'{5•:f:~:;-
;;// .ç,µropa
,.~ .,

líder ~~ft.,;,:· · 'lith'::ft ~lítico de Minas Gerais

"É{~~i~"-'";··li~/ ~roibir" '•, , "Caminhando"

5;::i~!wi' ~::::~:;::::'º
º\,:~fw
Paúlinho da '(Jgl¼7:tt: Zé Keti
ii,\(tffeatro Teatro Copacabana

A ~1Jói.1ib rasileira d~;:§~ç;fâ utilizava parte do conteúdo elaborado por Mailer,


mas ~ ,-,g ~nde par~e -~• -:' É~~f~rência ao contexto local. 44 Ironicamente, essa lista foi
p~ti~!tem 13 d~1~~'.?ÇJibro de 1968, o mesmo dia em que o presidente Costa e
,~jf!~~\~sinou o A 8i ;,In,~~ftucional Nº 5 (AI-5), que autorizava o regime a impor uma

cit
44 Vale expli
;;+t1· referências: Dom Helder e Dom Sigaud representavam as facções progressista e conservadora
da Igreja ,~ t .· . no Brasil; Rogério Duprat foi o principal arranjador tropicalista, e o Maestro Carioca foi um
arranjad:iá,Ê'ê ''Ifâff de banda em produções no estilo de cabaré; Kosygin foi wn burocrata soviético da era de Brezh-
, ·-:~Çavakauti apresentava programas de variedades na TV que aspiravam ao "bom gosto", em contraste
~bículos populares do Chacrinha; Zé Keti foi um sambista induído no programa musical "Opinião" e
o ·. pacabana era conhecido como um teatro "burguês" no Rio.

174
Brutalidade jardim

rígida censura sobre a mídia, fechar temporariamente o Congresso Nacional e as as-


sembléias estaduais e municipais, suspender os direitos políticos ded:m~víduos, anular
mandatos de eleitos e nomeados, demitir funcionários públicos e J~;rrêler o habeas
corpus em casos envolvendo a "segurança nacional" .45 Em res~pL{ ;P'.·S dava ao re-
gime os recursos legais e institucionais para suprimir todas as iti.;;1fÍicles de oposição,
1
independentemente de ser "bacanas" ou "quadradas". ::~;~:;~ t~)f·l,>
No dia seguinte à promulgação do Al-5, a revista n~ t~ãt?o Cruzeiro divulgou
um longo artigo intitulado "Marginália: arte e cult .)4ade da pedradà', que
se concentrava em uma ampla variedade de manif~·,:· 'Jtísticas de certa forma
rt ::~-- '.~:r :i ·
relacionadas ao movimento tropicalista. Uma fotogr'a(t:~i?'e m cores de Caetano Veloso
usando um dos parangolés de Hélio Oiticica adg'~J%1Va a primeira página do artigo. O
,•. -: .: -: ·-.~-•:·t~-<:'. ~
texto começava com os slogans de uma geraçi~;/'O' novo de hoje pode estar morto
amanhã. Abaixo o preconceito. Arte e cultJfi~j \\;.~o totalidade. Nova estética. Nova
moral. Comunicar através da polêmica,r~;J?ná de Andr4~~:tiNáo estamos mais na
·:·· .~~!.. .{f ::•.~fi~t--- •"·\"ª 4

Idade da Pedra, mas Idade da pedr~J:fã'_'.,,_~(l'é:!.m undo é e,,~,í~f-I~,físsil. O fóssil. Abaixo


:J;t •. ..~:/_..?~·:·:·.;":\:~ · ,{~tr:;:(;.
a cultura de elite. 'A arte é a eciquetlidéní'.iuspenso'. l'f,, ·· 'ê!;,engolir obras feitas. Par-
ticipar. Cultura e arte sem deus , tt iJ~'ili::o pra c.i,;+,l, "t do mudou. A imaginação
no Poder. Terceiro mundo. Art~fii'.ê . t Íete.
.-.. .:,~-:,~!\ ~'!..,
Artistil( o'•~;ixote. Marginal, marginália.
·,\ ?lJ''f•·-!../::-;,J~'

Eles, os rebeldes, pensam 1~5~;,]f~;Àimpren~~ pripilfar deixou de perceber a Tropi-


cália simplesmente com,9 _; ;~:, •· ''t!:gem de,•ítij~\ ~;;lgtfch da cultura brasileira. O artigo
:··-/:•"t-+:.-~-. ,. . ti,-:,_.~~•.''.•~-,.-.,-·,<

apresentava frases de pêffó'h ,, ades com dg~tio Duarte (um instigador do grupo
baiano), o escritor exRsrimental José;,~ •J/b de Paula, os cartunistas Ziraldo e Ja-
guar, os cineastas Gl(~bij1Rocha e Rq< ~ Sganzerla, o ator Renato Borghi, os poetas
':tf/{§~:~-i ~f~ i:,:,.?;? ··.
concretos, bem corno ·o·· grupo baiap.O"',:~ : f:Caetano, Gil, Torquato Neto e José Carlos
Capinam. Trac~y~g-~t ao mesmo ,F. :f''i,ij,:;J;t ie um resumo da Tropicália para as massas e
_:··.:· ·•JiV~~--,:}(" . ::3 _·
do canto do .çisrí:ê;·<fo movimen-': .. . 't
:lt1}5?~~~-'. ~--~-· . :~l~
Em re,e~f!?'.êlto, a promajg ,,,.' do Al-5 e o subseqüente desfecho do movimento
tropicalis~ r ·: eciam 7~r
.,.- ._, . ---~1,;,_. •·,
~~ç~âl
"=~"-•''...
--~ir:,!,;_,.-,:~ -
o fim dos anos 60 como um período cultural no
.......
Brasil.iiiAt~êN:là tinha êõi~J:,çââo com experimentações radicais e otimistas na mobi-
::t"<'í\I,:--~ -,~-' ~'>-"j._Jf~'
ÜZq, .:[ õ\j'9lítica e no ,tRvi~tJlº cultural, impulsionadas por um governo populista de
· a. E acabot1Jt;~., a consolidação de um autoritarismo linha-dura, a margi-

{{~'ft, /i 41,"}j;'\..
. ''<: 45 Para mais de~&~õ:bre o AI-5, veja Alves, State and Opposítion in Military Brazih p.95-6, e Skidmore, Politics of
Military . · ,:azih p.81-3.
46 Marisa AJ '~llma, Marginália: ane e cultura na idade da pedrada, O Cruzeiro, 14 dez. 1968. Esse artigo foi
reprod .:+:e;, , ' livro de Lima publicado em 1966, de mesmo título.

175
Christopher Dunn

nalização de líderes moderados civis e militares e a brutal repressão de movimentos


de oposição. Os cinco anos subseqüentes costumam ser cham~~.2s de os "anos de
,·. 1 ~.-';"6• , ,

chumbo" ou simplesmente "o sufoco", expressões que descrev~ ,,~ '-t,lima restritivo
vivenciado pelos opositores do governo militar. Nesse período,1 a destruição do gf~tri'ti'
movimento de guerrilha numa operação que dependia subst~ çj.J'rii:e nte da utilização
-~i.~:;~t~ .... :(:t•. --~

de tortura, além do exílio forçado de professores, jorn~~ -e ·artistas da esquerda. ,\f~ .. :}f•

No governo de Emílio Garrastazu Médici, que assum~j 1 1ji t-ê'1idência em outubro de ,1'
4
1969, o governo autoritário atingiu seu auge no Bra$ir'• i&~y:,
.,:4~
~
:~~~r:·;~·
~ ~--f

r: t2;' ·-'().,
l~i.RMl-11(0.({ J,:f.l:@.Pl(-ALIST.flf
.,~i:,;~(1r;;:,::-:i:
Caetano e Gil ficaram presos duranté ~oif rmeses no Rio de Janeiro e depois con-
denados a prisão domiciliar em Salvad.8t. ~1ês
de poder~fü*cl~xar o país. Nas vésperas
de embarcar, receberam permi$.~â~,cRt
? ~·--·
ãf{~resentar .:iit~
t:;,,:,,, ...
lbo~ ao vivo em Salvador,
.:.l.t'-'; ~"(" ~'~

posteriormente lançado como o t'P-.Qii}ra 69. CoqM,;>,\~ i ?âmento musical, a Tropicália

't
rsj/"'~~ ···~tt: · ;~-- • 'i/:::,.i
chegava ao fim com a prisão ~d1~1:ê~~ artistas, 11J;~{t ~}r,rJ€stética e suas estratégias conti-
nuaram a orientar e fund~~ f '<i' ' produçáo <\~J~-~ l no Brasil. Em 1969, Gal Costa
f lançou seu primeiro áll:i,:~ ~~~~'com algu~J de ~?t s sucessos do período tropicalista e
"'
i
composições de Jarq~it~ I ~ e Jorge B~ 11t is?:;_fiados do Rio, e das estrelas da Jovem
Guarda, Roberto Carlos e ··Erasmo Cáflos:~:ver imagem 5 do caderno de imagens).
•' • ~;J"~:: · n~~.:

Com a prisão e ~ s~t:~seqüente exll¼<?_..,cltt:@aetano e Gil, Gal Costa se tornou a mais


tJ6
visível artista do·g t1 tropicalisç~ 1 -~"'iri-
No mes~~;. ano, Jorge Be~;;lt&&ü seu próprio álbum inspirado na Tropicália.
Cantor ~i,fQ:\ «:~~ésitor negr~:;f('5;~!fº de Janeiro, Jorge Ben tinha elaborado um som
própri~./iij!:~1frando bossy;; P.?~J samba e rhythm and blues no início dos anos 60.
Ele cfi~q~
..,;.. . \l,
~t ~u a popula:itd~\1e
. .-U,.,.,.,,
em 1963 com o samba pop "Mas que nadà', que se
to,.1:~ifli~~ . sucesslliiJ1t~~; ~r~nal com as interpretações de Sérgio Mendes e Miriam
+--~.1. ~,.-r..i:....
. ,l

l~t~Bà.
·~: .-:.. ..,.,~,.::~.'

No auge dó§:{estivais de música televisionados, Jorge Ben caiu nas graças


.· '.:f 1RJ,Üblico, oct1,p~ '"1 dh1m entre-lugar entre o grupo da MPB e a Jovem Guarda. Sua
,{f?~~ ~eira foi r~iiti~ da em 1968, quando se aliou aos tropicalistas e se apresentou
~-~ )·.:,, <_::r ··.-t.::{,/4\;-.:;:._· ~:~'··
/t >i;Ji\rárias vezes, ~~,'pr ograma "Divino maravilhoso".
tj{ttç;i:;,?f A cag_f~l{:.filbum de 1969 de Jorge Ben apresenta seu retrato em preto~e-branco
emold~ â ó•i:por uma colorida montagem psicodélica de super-heroínas dos quadri-
nhosf ~~~istas, plantas tropicais e uma bandeira do Brasil (ver imagem 6 do caderno
0

de ~ ns). Com um tucano empoleirado no ombro, Jorge Ben segura um violão

176
Brutalidade jardim

com a insígnia de seu time de futebol, o Flamengo. As correntes quebradas ao redor de


seus pulsos são urna homenagem às lucas nacionais e internacionais {ct(j§,p.egros. Várias
músicas do álbum faziam referência explícita à história afro-brasilei,1 :/~~yfda contem-
porânea nas favelas. O álbum todo foi profundamente influenci;~ J ·_{ ~ ~úsica soul
afro-americana e por sua identidade como negro brasileiro. Es~fJ~~~Ji.d ade é mais bem
exemplificada no soul-samba "Take it easy my brother Ch;ifl _ que aconselha um
jovem negro com o refrão bilíngüe: "Take it easy my brotbª' :tCffi&ies / take it easy meu
irmão de cor". Em "Crioula'', ele canta louvores a uma . ,~1Jifs11egra que trabalha em
urna feira, mas também é a rainha do carnaval. Ele a,,.[i~a\çJiã f corno "filha de nobres
africanos / que pelo descuido geográfico / nasceu no B~~il, num dia de carnaval". O
último verso cita a contracapa do :álbum-solo de ®ii~3/.,_,é. fº Gil de 1968: "E como já dizia ,,

o poeta Gil / que negra é a soma de todas as ç:·_ / você crioula é colorida por natu-
reza". A celebração da beleza da mulher negfr;~~~;J~rge Ben -~··ª afirmação do orgulho
racial relacionado à nobre-za africana anteoliav~ 'um dos te;qfiill}pminantes na música
j i:ç-, ::t}~';-l~'I;..;:?~'. tt::~}t'!.<~ '
afro-brasileira da década seguinte. Cfjri~f;~êtfuio observq~;.,-"J'órge Ben não era apenas
··;._:f.•.f,:\'-q'..i'•·~--'t/,;; . V>':<~:~ ~

o primeiro grande autor negro desde '.i:f'l,q~â-nova (...) :. .. · fiFprincipalmente também


~;

'\~f
l{--:';o,.· '":/;'.f.,:~ , -:S:..-:

o primeiro a fazer desse fato urna jt~nante estiii~rt~ 1J1'


Depois da experiência tropi~ ? ô s Mutant~~!f~uaram a aprofundar suas in-
~:: :-:· . . '·"::-í.1.J{ ' -;:'-,~:~}/"''
venções auditivas de rock psf~~~\ pop rock, ~lues.,f,vários gêneros brasileiros antes de
•.,.! ~--ó', -. ,;;:"• --;:-~~·..:: -r.
t

mergulhar em rock pro~~¼i~~:i década dé~t ~~.~&}8.f u melhor trabalho foi registrado nos
.-. •.,.~,/;~~)>.?'~-'~~-b - . ,,,, : ~"-1-i~~:.
três álbuns gravados entre 196'8' e 1970. -~;''tno:·ji banda que acompanhava Gil e Cae-
tano, Os Mutantes reB!~ ~ taram um có~~ .{e-chave do lubrido som tropicalista. Em
1969, foram convida~ ~:,~~~articipar dq;il:, uêfite festival do Midem em Paris, onde foram
calorosamente r ~f~id~t como um,f Jf~i1~! de rock vanguardista no mesmo nível dos
1
Beatles (Calad9,f)Jt~~~ p.165). De,y &l~lSão Paulo, Os Mutantes assinaram um lucrativo
'\;:?~!(§-'-;'
l{i_.-:;· :-:(j,\\ -~<:.-f._~r·
contrato para~ àr 'quatro coll}êfbf~~ de televisão da Shell para o mercado brasileiro. Os
comerciais ·1 '':'-~ ig~tavam brevi$" ) i~os narrativos baseados em músicas d'Os Mutantes,
como ~'N"• •<i~'ante nqt\J,,W~~~~~Ío vá se perder por aí" e "Dom Quixote", uma música
que y~t'.~id~"l rerada pdl8§~~~ores no festival de 1968 da TV Record (ibidem, p.174).
Errt;l,~G9Êeles tambémf ~ iparam de um musical, "Planeta dos Mutantes", escrito com
,,:,· · '''~\\;,,.ppino de f, .._, tordo romance experimental Panamérica. Os Mutantes sur-
/j.k '~ corno a ha4.i 'Wl.rock mais aclamada do Brasil, atingindo sucesso tanto de crítica
:f~~~l{i!:~ mo comerciatt · :ira Lee sair da banda, em 1972, para seguir carreira-solo.

47 Veloso ~ f.~~8ue ele e G il admiravam profundamente a música de Jorge Ben, com referências específicas à música
1
"Se manck"'ffi5''álbum de 1967, O Bidú. Veja Verdade tropical p.197.

177
Christopher Dunn

Assim que foi libertado e submetido à prisão domiciliar em Salvador, Caetano


começou a trabalhar no seu segundo álbum-solo, gravado em de 1969 pouco J°'lmk?
antes de embarcar para Londres. Com arranjos de Rogério DuR~~i,,':} ~lllbum apresen-
tava um mix de músicas, incluindo um samba tradicional da ij;ih(:i,;:t~11vfarinheiro só"),
uma composição vanguardista baseada na poesia concreta ('~~Mi;i~o"), um irreveren-
te tango argentino da década de 1930 ("Cambalache"),i!fÍriiJ;do original português
("Os argonautas"), um rock no estilo tropicalista ("NW· -~&tificado"), duas composi-
ções originais em inglês ("The Empty Boat" e "Lost \;;:,, ';;, :.} se") e um animado frevo
(''Atrás do trio elétrico"), que se tornaria um clás§Jtit.5?"êe~aval
:.r:•: ,J~·
baiano. \~.>)

O álbum de 1969 pode ser considerado a leitt.Ír:j:)pêssoal que Caetano fez da expe-
riência tropicalista por apresentar a espécie qjiti~~~aposições lu'bridas típicas do movi-
mento em sua fase coletiva, mas sem a pre.C?~Íp,içi~ geral de alegorizar a modernidade
•1:"-';:-~•; ;-,. . -,;,

brasileira. O distanciamento que Caetamt · · rava em relação aos problemas sociais e


políticos da sociedade contemporâneaft P , vel; a maio ·"'\~™' músicas diz respeito ao
âmbito pessoal e existencial. U.q}jb·q ~:~~inplo dissqf,.~,. ffãdo "Os argonautas", uma
música que traz a figura do expíâ1;.i1l~lZnavegadorJ? •::x";ú;,{l avenrura marítima repleta
.,,..,:,(.; ' ;,~.ft~-' y-11.
de angústia. O refrão cita o pQiµ:1~ . Ódernista P,.gfttiit Fernando Pessoa - "Navegar
é preciso. Viver não é preciscils1i~ . · o refrão fi{\it.Ftrmina simplesmente com 'Viver",
,j. :.;,•!(,.~---- ~~;,:,~·:. :::·¼'~:;

sugerindo uma visão im,\p.éiit:$-jj'~ existência,'.coti4lâna (Perrone, 1989, p.74-5).


f',':~J, : ~,1·,•· _,. , ._ r/,-J·
Outras músicas do,m~rno -álbum dizi;,\ - . . Íto ou retomavam os veementes debates
-:::f_k;t-:-?s;;"t:"J:} .
'l f
e},;.,

referentes à música popu1Itt%rasileira. áói~{dentificado", por exemplo, começa como


uma música pop rqm@tica, com a ~bi.,:.:~ ~~va em primeira pessoa falando da intenção
, .../.:::' '·':;\i,;;--;_ ' -.1/._!:~·:·::i ,

de compor uma "~,~t> singela, bra,.iêi1~para uma mulher: "Eu vou fazer um iê-iê-iê ro-
mântico / U~)MJ~ic;;;;_putador S~Q;~;gilntal". O verso seguinte, contudo, parodia o gênero
--~~(-•!;;,.;.\:-:-- ~':o ' • -:~<-;;-~; ..

das bala~ ii-~ ~ticas quandf il ;i~zfnarrativa anuncia que sua canção de amor é "para
:..?.;, . ,.,,,-..•:.,:,,,., __.;,.-_.,._, ;,._.?,,,

gravar ~~sêô. voador" d~,"fo~à que sua paixão possa brilhar "como um objeto não
iden~êi-~fr ;-rio céu notur,i~l~~t~ ª cidade provinciana. Nesse ponto, o ritmo se acelera
e a .~~t~~~ amor;f .:,:"":;i~t~e perde em meio aos urros de uma guitarra elétrica distor-
.1 ..-~-!:!;):_"'.> ''r ,-. ,;- .•
. .,.,...••. , .;,\. •

q~'',i~ ~refftío final te ·:,::~a ·com a repetição de "como um objeto não identificado", um
1/i~g que ao mesm~gfefi1~~ transmite a distância e a ambigüidade de seu amor, bem como
1

;;:r•Jji ;;~àetennina~ 1[~it,rópria música. Recorrendo igualmente às tradições dos seresteiros


0
Ft\tlw#irais e do acii{fb~k.itnais atual do final dos anos 60, a música propõe uma estética musical
. -h.tbrida qu ' •\t\. com uma espécie de tensão entre nacional e internacional, acústico e
·-. :•'"·''"'·""~;;;;•,- elétrico,~~.il/iurbano e terrestre e cósmico, que definiu o exercício tropicalista.
A ~if},- mais controversa do álbum nem era uma composição de Caetano, mas
umá'[;~ ê!'º despojada, de certa forma letárgica, de "Carolina'', de Chico Buarque,

178
Brutalidade jardim

uma bossa romântica bastante orquestrada apresentada em seu terceiro álbum. Como
resultado do incidente no festival de 1968 da TV Record, no qual o;G llif ~postamente
vaiou sua música, Chico Buarque na época tinha se distanciado d$1~,jpi~stas. Os
.-.} ·-;.! :'/,--:;;•

críticos interpretaram a versão de Caetano para "Carolina'' cg~o·1t:µna paródia do


lirismo de Chico Buarque. Em uma entrevista publicada n' ql};}tjlfim, Chico expres-
sou certa irritação com referência ao conflito real ou imagiriÍ 4~Jjom os tropicalistas,
argumentando que nunca foi um defensor ortodoxo q 'dú',,à na música popular
brasileira.48 Explicou que não gostou da interpretaçã!/ '' . ".cstano para "Carolina''
basicamente por razões técnicas, mas que não tinha.,~ ~~" d1~~r se de fato ela repre-
<·..-:Af-;. _./.:
sentava uma crítica. Fica claro na entrevista, contudo, 'q tie a versão de Caetano tinha
irritado Chico.
Na mesma entrevista, Luiz Carlos Macie, · . os primeiros defensores da Tro-
:f!fo• À,..
picália e jornalista de O Pasquim, tentou ~xp,;,.,,fi'.iJo posicio'}w;p.enro
::~{{'' ;,;J;~~-.?,;'3/:'.'l.
.,,:-t~•
de Caetano. Ele
vinha se correspondendo regularme.~~e <i~,.JZaetano, q113'1~;Í ,:õtasião estava exilado
em Londres e também escrevia p~ _ ,/jrf'f15quim.49 M~l~krêlatou a insistência de
.,;~~h---,a; ,..:,;,... _. ·_;., .~- , 1:.~,:""~
Caetano de que sua versão de "C~2J~f! foi total~ft'.~~ sfocera, baseada em uma
profunda identificação com o l~~iij~fda música'.'iJ~~t;6prio Caetano escreveu um
texto enigmático para O Pasqi!'ifi*;iiõ qual tenta~~f#larecer suas intenções, mas o
texto não foi publicado na~ô'~tHft,fo arti_go~3t:le R~ppunha que a figura da Carolina
~~· ,~r.t. .. ·.::- .. ·,;
.-... .· 6t"•'' •\, , . ,

na música de Chico po.d:~~, · r, entendidát-~~tjm21;,f «antimusà' da Tropicália, simbo-


lizando o tipo de lirismo r~~[ntico q~e 4i~q;i~ento buscava criticar. No entanto,
r·;•.,•.~ '::-1::•:--<.•.• ,];,~.'·

Caetano argumento~~:tJ~i, o momenttf it~piêhlista já tinha passado e que múltiplas


avenidas criativas hat ~f sido aberta'.~JkJJ~hdo que fosse possível e necessário uma
releirura sem ir<;}~ii da música deé{!'t~bs~>Buarque. Desse modo, a interpretação de
Caetano par~";;@,,~;ffna'' poder}~ ~~~}f i;ta mais como um pastiche no qual a música
fora simple_~~~~f.f assimilada,, i · .,,w. \i stilo pessoal entre muitos outros, sem nenhuma
pretensãoif~'?~!:~~scendê-la. ·-::,,. trovérsia ao redor de "Carolina'' nos proporciona
um b~1m,'.'\, .':,.~ lo dasi~~'f°'"' .~d~des da música tropicalista, na qual a fronteira entre
sin :t'''f"~''e ;tcasmo e". plicidade e crítica, muit;s vezes não era clara.
t ... . ?io artístiq .' Gilberto Gil ao martírio da prisão foi mais desafiadora. Ele
.~:;1.~,,t.,~ · i~é-!.:.~ tl{fk.~ t ·;_:}Jf~_.-
~m~u a praticarJ ~''e macrobiótica, práticas que manteve nos anos subseqüentes.

Íw,:i,é;\
11

R~~§i' "~
,>¾8 Veja En~? tfü:ÍÍÓ;~ co Buarque, O Pasquim 16 (9- 15 ouc. 1970).
49 Maciel pubJ!.ç ó'~;.çssa correspondência em seu livro Geração em transe, p.223-41.
50 O texto _dl.:fc!:í~~ sobre a polêmica em relação à sua interpretação de "Carolina", "Nossa Carolina em Londres
Secenta",V~ ~,-chegou a ser publicado em O Pasquím por medo de o artigo também ser mal interpretado. Ele foi
publicado p~~t~riormente em Alegria, alegria, de Veloso, e em Geração em transe, de Maciel.

179
Christopher Dunn

Quando estava em prisão domiciliar em 1969 ele também gravou um álbum, apre-
sentando várias músicas compostas na prisão. Como o álbum p~~~9picalísta de Ca-
·,\lf!f '-
etano, o disco de 1969 de Gil foi mais tarde orquestrado com~~ ~Jbs de Rogério
Duprat, apresentando o mesmo grupo de músicos de rock. Ür(~hJ~\ontinua repre-
sentando sua mais audaciosa incursão no rhythm and blues, W~}(.9~k psicodélico e na
.~,~~t}t,;. !,.::;/·

música eletrônica experimental. <{ '\.;;


Nesse álbum de 1969, Gil também intensificou o estl16!o~ tffti1ação entre a tecnologia
.,·-~f·, ~-J~,lv ·
e a consciência humana. Em várias músicas compost~ 1~g~,~to estava preso, a tecno-
logia se mostrava um substituto do humano. Mais e,êiplicou: "O fato de eu ter .~at,~f
~~ ·h ..._..

sido violentado na base de minha condição existen~iM~ meu corpo--e me ver privado
da liberdade de ação e do movimento, do domíí~ ~pleno pe espaço-tempo, de vontade
;l"'r (-:,~r ~

e de arbítrio, talvez tenha me levado a sonha?;&~m ' substitutos e a, inconscientemente, ,.,,: ' ..~ .,.._ ',. - ~~

pensar nas extensões mentais e físicas do h'i~ib::~·.,, (Gil, 19_96, p.103). Em uma dessas
1•,,,,. -.(•ffl; ,\~ J\•••J,-':~

músicas, "Cérebro eletrônico", um 1-1ar(~~o~J m primeira.Jt1s!ql;l,:,questiona os limites da


tecnologia cibernética descrevenq( ~ jf'3ffiputador ~ !'18:,t fazer tudo, mas mesmo
assim incapaz de falar, andar, reHe{1:r S}?,~re a existêl\Ç,i~1,qe-1'eus ou expressar emoções.
"'tr. •--.•~ ~-

O cérebro eletrônico não po~e , ~g; ada para ~


f <

o "caminho inevitável para a ,W~!jy?


,,.>. ,_. ··'.' .

morte", um fato que parado;:à~ip.tê dá sentido,:\~~tância à vida. Em "Fururível", no


entanto, a tecnologia esp~<Si t9:JP.e se transf9r ma ~?·veículo para entrar em um estágio
novo e mais esclarecic;l~.,~ ~ ~sciência h~,~~ti.t :;;.oz poética é a de um cientista ou ser
extraterrestre que transformà humanosif1n p_ü ra energia, transportando-os a anos-luz
. \ .. -.:S:1

de distância para s~t'.f.!fOnstituído~Ét~l7Jõbôs cintilantes, felizes e mais inteligentes:


,,ç\i .-:·-i •~,•. .;:~~~,.,..,
"O mutante é maí~f<t\lz' / feliz porq~fi/ rúfnova mutação / a felicidade é feita de metal".
0

O desejo ucópJgR de ~onciliar osl~v~~'S tecnológicos e a espiritualidade pessoal voltou


's,'.:::--",.\i~, :;,,,• '~\~.:;'!..

com freqüê,n~j 4~ composiçõ~~º.<?.


\~~ '.-~~~~ ; ....;.--~,--,
; teriores de Gil.
O ál6~ ,de 1969 de Sl:!1i,.\ ~ bém incluiu sua composição mais experimental,
1
...!:·-:::.""1-:~,.
,,,,-~! ~

~<'.d~-a
.f_,.:;..! '. _d.

"Obj~~~f~~r1f -identificadcr colagem verbal esotérica baseada em conversas com


Ro,&~f~~{f arce, o ~}?, ~~tq:I~\ii~no e artista gráfico que foi um dos principais interlo-
1
9!iQr~f?âo grupo trop't-~ ta. No estúdio, o compositor e arranjador Rogério Duprat
,~ ; il~ de acresc~nm.u ~a montagem sonora de tons dissonantes, buzinas, efeitos de
,f!li}i;/~ fragment9.ftij~jlê:ais.
;\·.. _c-::(c -=;/t-....::.~~..-~
A montagem sonora também incluía fragmentos de outras
_/,l':· ·:i;;;f:,;;;tiiúsicas de G'il1:.éõffiO "Cultura e civilização", um rock conrraculcural posteriormente
[:\,:,,. ,;.i} apresentadéf(~ \:~egundo álbum de Gal Costa. 51 A música começa com um refrão
-:~,.i'.;'.~-.,-- i,~J~6;}
•i•,~·.-
·i\lt~J&.
51 Ui:&1ttt ~Íf;~ento desse álbum, incluído na coleção de C Ds Ensaio Geral (1998), apresenta a longa e até então
inédita vecio acústica de Gil para essa música.

180
Brutalidade jardim

similar a um slogan, repetido várias vezes ao longo da composição, que expressa uma
contradição fundamental na cultura e na civilização no sentido ilú~1;nildo, universa-
lista (i.e., nas artes e humanidades): "a cultura/ a civilização/ el~ilY,~;_! \ ianem / ou
não". Nos versos seguintes, Gil propõe um entendimento da cu_ltiliJ~~Í fu~ as práticas
comuns da vida cotidiana. Ele cita aspectos da vida na Bahia cq~~;l;);~~r
,~...
papo e tomar ~ . . ' •, '

licor de jenipapo com os amigos nas festas de São Joáo, co ; _, :r;~ coentro e deixando
o cabelo crescer "como a juba de um leão". O projeto t~J~~ta tinha chegado ao
fun e Gil estava começando a explorar temas de identi \! :Jt:~~soal.
. -~_/{j /

110.PIC.ÁLI-A .f -All48lP-A D.f


/;.j;:~'.~}tj;s·,g;-
fredric Jameson afirmou que o radicalism,~ ,§:qftico e cul~iM dos anos 60 na Europa
.:.){°?' -~'f~:t 1 lfit.~:\ ;.~.--
e nos furados Unidos foi inspirado, e1~,P~~-~-e f/as lutas antiim,eeh®stas de libertação no
Terceiro Mundo Uameson, 1988, P· lÍ9J±V~ ;~ hguardismd;,~tito no Brasil se originou
do nacionalismo radical da década d;:J§.5,~ fdos experi.qít "''á o CPC e de outros movi-
..~i~~f~-~;-). .. ,_,. \.ft\. .'
mentos sociais do período de João ~ ,~lli,~t. Ele taml~ {~Jtinfluenciado por discursos e
-J--~i-·, _ -~~-~:~i:·;;;-:· ;q,:( -~ ; ,,

práticas antiimperialistas na~éfi~ ¾pítina (especi. t e em Cuba), na Africa e naAsia.


Em resumo, o Brasil foi ao iií.Ç{> _,, -,_, po llil1 g - dofii um consumidor do que Jameson
chama de "terceiro--mun~,m~!f~;,A. década di 1í;) ,,, ., , bém testemunhou a articulação de
.. ..:. i·;;•."',. 'i.f{,;;•:.6:.- ,~\t ',J\:.-~·~~
novas identidades individuais eéoletivas b~ das,;êm raça, etnia, sexo e orientação sexual
nos furados Unidos t;úw.i:8rrropa. Jam~: ,-i l~ã~Í~na o surgimento desses novos "sujeitos
da histórià' a "algo co" ___ -/"'-\ a crise na ~,iorfK mais universal que até o momento parecia
~3;.::;...
incluir todas as v · gades de resistê~Í~j pé1al, em outras palavras, a concepção clássica de
classes sociais" r'i. ;,:,/,-_.,? , p.181). ~ ,itl~~'.-4;~crita por Jameson foi em certos aspectos similar
, _r,i,.:.. '·' -··:'~,- ·.':.'1;:,..,:e:.. · :\

ao dilema d1F~q~erda brasileir~,pô/~ al dos anos 60.


·,._,<-l1}- -~ ??i<f -·•. 'j~~ ~:;-,)

Rogérj~,r~gaite mais tard'ê ,,., )\'i-eveu o contexto brasileiro na época: "Na visão eli-
tista d)t rifiqí.l~via ~~,~~;â~ pseudonadonalismo purista, que era aquela idéia de
noss_ _- . \t riÔ'Úlo, nossó'~~ba autêntico, tudo isso como se fosse uma forma estagna-
. ~~> .. .
da;. , ,' Hfstinada a llill'.a?r& esso de transformação... O momento internacional na era
'-''.~:-:..:._-:-'.•: __,:,.\if,;i.., ~, i '!é• .

g&1i;t.pp1calismo m,~·,~;Wê'&i: basicamente uma visão terceiro-mundista... um momento


;:;f.\. ~i-~: ·:,-;; t;q,:(~:-;-:t\:
Ba:~ ticolonialistn~i tima abertura muito grande para o pensamento negro-africano, ou
., ~-branco, oficial, começa a nível de estética a se esboroar".52
·,r&~:~~
_____,;j~;.\~~t;~;~~.
52 Duarte;'fyf~~ tos do movimento. Tropicália: 20 anos, p.47. Ver também o livro de textos organizado por Narlan
Manos, Tropílàos, p.147.

181
1
;
Christopher Dunn

Os movimentos culturais do início da década de 1960 tentaram introduzir uma


crítica de classes, mas eram limitados pelo populismo paternâlí~f~ e, eqi algumas
'"~{

ocasiões, etnocêntrico. A esquerda tradicional no Brasil, repres.~m;t:~dif$iprincipalmen-


.-,; ·: hVi.~·~-~....
te pelo Partido Comunista, não dedicava muita atenção a qy.es~~"'de desigualdade
social e sexual, concentrando os esforços na resistência ~ :~i~1ge;lalista e na luta de
classes. Em uma entrevista em 1979, Caetano disse que ifsêq:tia alienado da política
de esquerda desde o início dos anos 60, quando estu<!iv:i~i·'Universidade da Bahia:
tt'·~~t:{J,~~.

Em princípio, eu achava que as pessoas de;:-:ê '/~:;~Jtram boas e inteligen-


tes e as outras burras e más. Ao mesmo ;erui'~,
eu me sentia um pouco
solitário, estranho, porque não consegírI~;.~ntrar em nenhum partido, nem
',>e'
., ..>

naquelas coisas de chapa de diretó~i9: ,~~~ culdade. E sempre tive um pouco


de grilo com o desprezo que se vót~yá~-'coisas como sexo, religião, raça, re-
. ,,... ·•-:-:..~'J_~·,.-r ...~rJ::tt.
-lações homem-mulher...Tudo ~ a côfisiderado aJJenfüi_o, pequeno-burguês,
~~~~• ~µ~·t,r.1,~•~'/, ,"' /~;ti{1\"'·
embora todo mundo na.Ji'.niyefsfdàde fosse qà\ vetdade pequeno burguês.
"'~~i{t~\~. '\/,i~ ~~f<fY?•.
(Pereira e Buarque de Holl'anJ a.1 1980, p.IQa}~~ ,·,:-e:
~::J1\/~·
1 . ~~}Jr1)Ji
:h

Além de reagir ao aut<?,ríi~i~th6 militar, o~Í{~pl~istas também elaboraram dis-


1
cursos previamente igri:9/ff4~% ~ u subesti:1;llad~i pela esquerda brasileira. Liv Sovik
'\,V.·~,,.. ✓,.-~,I -,~!;,. ;.< li•·

detectou na Tropic:4li~ ~~ indinaçãêt~~Jiçclíkamente pós-moderna a evocar a vida


'~ ~ 'i:,.,...,':,, .\~~,-~.-.~if •·.,. ""1,k~f.,:~

cotidiana dos "outros intêthos" - subéij'.tern3s'sociais, raciais e sexuais - sem os exaltar


.,.~_-,_ ,ç~~i _ ' ~;~
como uma fontffª ~ttf utenticida<i~5E~~1rhl e transformação revolucionária (Sovik,
1998, p.60-7). ©_~;Jjõpicalistas PlQ in1 uguraram uma política multiculturalista no
Brasil, mas Ji?~;Vib~íram com ~ ~~!\\ursos e as práticas emergentes concentradas nes-
sas novas ~~¾j~#idades. o ,giiJ;i?.;tíamento de Gilberto Gil foi especialmente signifi-
cativo n~t.sentido. Co.rn,~:ti:li~ acima, Gil começou a afirmar uma afinidade com a
mús~4,f~
9iÍ
durante os:tR}Ê~bs meses de 1968, principalmente nas eliminatórias do
FI,S ~'.1~j.1 o apre$~:&tf6úl~;~Úestáo de ordem" .
.fG~i~ftes ·de dcix:U -~?BtasHpara o exílio em Londres, Gil fez uma gravação ao vivo
,.,j'.~ ~._ :'ltquele abr3:,ç:<tJ,k un\ samba eufórico apresentado em seu álbum-solo de 1969. O
,,.i;.!i.
.. •-~.•\:~· !_~,... .. .; t:1;:,/"'-+.,.-...::·"~~-
~i>·;1 túlo e o refsi2 !..~ $ihúsica eram uma expressão utilizada em um popular programa
)-•·' ·•" ' ;,.. '"'"·. t::·~ {i·.}

4f· (J':~~/ tle televisão -~pfi1~,-qual os guardas da prisão cumprimentavam Gil quando ele estava
'>{~;'?½'éf preso nof~?i~fde 1969 (Gil, 1996, p.110). Tratava-se de uma exuberante expressão
de aleg{;~i t'âriTíte do desespero provocado pela repressão militar. Ele dedicou a música
a Dç,fi'ihliCaymmi, João Gilberto e Caetano Veloso, três compositores e músicos baia-
1•..1•i... il';. .

nos,,,fi.ftit'amentais para a consolidação de momentos distintos na música brasileira: a

182
Brutalidade jardim

era dourada do rádio, a bossa-nova e a Tropicália. Na música, ele manda um abraço à


cidade do Rio de Janeiro, aos moradores do bairro popular Realerf~>,aos torcedores
do Flamengo, à moça da favela, à escola de samba da Portela e à --,~ ;41:le Ipanema,
ao Chacrinha e, por fim, a todos os brasileiros. Sua iminente -para Londres
tomava a música ainda mais penetrante e querida pelo públic '. _ mesmo um órgão
•·:-·'t·· . .
,,t ,:.i-~

do governo considerou a música atraente e útil apesar do fª'jff ~ Gil ser persona non •.. ... ,,,.J,

grata no Brasil. Enquanto Gil era deportado, a Perrobras,,.~?Brlfpanhia de petróleo do


governo, utiliwu "Aquele abraço" em uma campanha,{' ,.,,. · · o o progresso indus-
....F _'J,

trial da nação (Vilarino, 1999, p.97-9). /t'' .,.,


Enquanto estava em Londres, Gil foi agraciado J J'---> ntía com o prestigiado prê-
mio "Golfinho de Ouro" pelo Museu da Imag~t;i;¾,,,,Ç do Som no Rio de Janeiro por
"Aquele abraço". Lançado em 1967 e patrociif~j~la Secretaria de Turismo do Es-
tado, o "Golfinho de Ouro" era conced.id~;J~;},,-~-'~· categorias: artes visuais, cinema,
teatro, literatura, música popular, músiç@"ar· - ·ca e espor;/tf{fQ prêmio "Golfinho
de Ouro" foi criado para promoveJftâ" J ~:1Wfasileira e "• publicidade para o ô~;;
53
governo do Estado. Gil não era ~ i~ f}lidato proyj · 1 · a o prêmio, concedido
...-..,·:;v,~ · l?·~ ~h- -~- .-
anteriormente a Chico Buarque e ,f~yi-~ o da Vio\~;a tttre as autoridades do museu
.,:,~;/:_, .~.. ,- · ·'.·r •-,/ •., -,.~•'.·'.,,,)

viam a música tropicalista com ,~;[i,.õ~,Wegativos. (~i _.;);,


•,!'F~:;.~-..,.. ·L'J.f,:·}{ff.'"
Em uma crítica mord~. aq:;;,M}S, posteriormerífe•·publicada em O Pasquim, Gil
·••:::_:- ·~<.:C/ffCf~ /: ?f·~
rejeitava o prêmio: "Em~or' -uita gente :,, ·• ;.:,Jiiíente respeitar o que fiz no Brasil
(... ) acho muito difícil ;~u ,) Museu v~~i~~miar a quem, claramente, sempre
esteve contra a pate~g;~M.~ çáo cultt.ui#µ ii]', .__·
te, moralista, estúpida e reacionária
que ele faz com rela&9.l }~úsica bras · iEtfi}í1, E eu não tenho dúvida de que o Museu
.·r.,Jf >\,-.1~ ,
realmente pensa que ~quele abraç.9'.~,; .,_ _ ba de penitência pelos pecados cometidos
contra 'a sagrad~t ~ ica brasilei-!Jit;::'Õ sque começou como uma crítica ao MIS por
_-: -~~-~\'.f; ~-/;<1 --t·· tó~ih-.;:~:,•,t
sua concep~~fófükirizante da m~têi popular brasileira transformou-se em uma crí-
. ~\•:t:St½ ,,... - , ~-'-'f'-~'
rica mais ~1;.g~ia do paterrwl.\ii)é ' e do racismo na sociedade brasileira:
ttJ{~:\}}{Ji ifíit)j:,~~h{':J·
_,:fi,.
ij!ti:'i;P#Mtenho
-,~; .\ \}: ,·,-::;;-
p6~;;qtA:~3tio
':•,t['.~1
recusar o prêmio dado para um samba que eles
.1Jf'§ ~õem ter sid~,/eiy~ ·zelando pela "pureza" da música popular brasileira...
"r'{;{ifci ; que :fique ..,, ,i p ~a os que cortaram minha onda e minha barba que
0

;e/1i~;j{t J~i,;.j,,,'f,
'''53 Em uma ca9;~t:~O-·tle novembro de 1967, o diretor do museu, Ricardo Cravo Albim, escreveu ao governador
Francisco ·..- \ ,ç e Lima dizendo que a premiação poderia representar um "verdadeiro ovo de Colombo em ter-
mos de B!!1? __ ''dê, repercussáo popular e originalidade". Essa carta pode ser encontrada nos arquivos d.o Museu
da ImagifüiX ·:~-Som no Rio de Janeiro.

183
Christopher Dunn

"Aquele abraço" não significa que eu tenha me "regenerado", que eu tenha


me tornado "bom crioulo puxador de sambá' .como eles qü~i~ que sejam
todos os negros que realmente "sabem qual é o seu lugar':t~~.~ _rião sei qual
é o meu, e não estou em lugar nenhum; não estou mai~_
.~. ·•:' ,"''""'
ier-#itlffe a mesa dos
senhores brancos, e nem estou mais triste na senzala errt-i{:¾f.~Í~s estão trans-
-~'i'-t';i}' . l.,-;

formando o Brasil. Por isso talvez Deus tenha me titãüõº~ e lá e me colocado


numa rua fria e vazia onde pelo menos eu possa,5 ~1f-ãfüig~mo o passarinho.
As aves daqui não gorjeiam como as de lá, mas~ j~~orjeiam. 54
.:PSf~1i,:t··J1
Mais uma vez, Gil recorria ao poema românti~~'i t,t "Gonçalves Dias, "Canção do
Exílio", que expressava o anseio de ouvir o gorj~t~s~ps pássaros tropicais no Brasil. Com
i-,~ ~':-,_·, "',i,·

a intensificação da repressão sob o regime li~t.;lµrâ. de Médici, a referência irônica de


.-."':·'r:'~\• ' ;-._; -~
Gil ao poema foi particularmente astuta. ~ri)f:~ ndres, os músicos não cantavam como
-~-~- ....~-:.~ ~:·.... ~

os brasileiros, mas pelo menos podiam siht# ;rsem medo g~J-ê~n§ura e da prisão.
O argumento de que a dom~ç~9~p;~rialista e ojf6~no militar escravizavam
; ~ : . l,.. ~•-{1ts.~ t,•?~:~,::<, .
todos os brasileiros, ind.ependentrtne.~yê de raça, _füi; ~~Stentadó por artistas e inte-
:·/,t;r ~-..r .· .(~ ❖~• -:
lecruais de esquerda durante a dt~ldg. 'd e I 960. Ain r,pq.b.çáo de I 965 de Arena conta
Zumbi, pelo Teatro de Arena/ ~~f {t~~mplo, aleg§f!~ a resistência ao governo mili-
~ -~: \•,.' ",,< -:;;.\';-'1,,.:f:i_,t

tar com base na históri~~-&•~~bi, o líder -~erói/ ~·-de uma comunidade de escravos
·--4;'- ~,- ' ...... ',.\.

foragidos, ou quilorwt:g~;:,~~ante o sé~~,~~ - 55 O comentário de Gil sobre os


"senhores brancos" que 'ês~tãv.am transfqfl'ha~'â.b o Brasil em "senzalas" pode ser inter-
pretado, em um nji ek;,como uma -~~~ii_t:r1l da opressão em geral. No entanto, suas
referências aos "n~fBil1ue sabem:~df:f.6~10 seu lugar" também sugerem uma crítica
específica a hi_~r~rq~i.i.s raciais r~f~ir~[&ís pelo governo autoritário.
i'v--·•.;.i:.·,. !: .,.., :·•1 :~í•'·..
~

Consider~ti. ~ história do _,~ gà~e do poder do governo desde a década de 1930, a


°'.• . ·,•fo.. /'.y,:,f• •~ --~•} _.,__
,?d~'\

rejeição exíil{çitéi''â e Gil das ~ ~ ldominantes de autenticidade constituía uma crítica


-~ -t-«'7~ j,. .1::l ...1::-, •:9_•
ao B~jh:i :4~ço tal comqf ~,ii1}a sido institucionalizado pelo Estado. Isso com certeza
não_~, .í~l{
,,..'--' ~-r
1 ·-·~..,d·
que GJ ~~~\~~:i~:,;~epudiando a mestiçagem como uma realidade cultural
1 -~ • h 1 ··•".;!

b_\1:iMtlrlr; ot'.f que estiveÍ!{t~~rÍltando defender a pureza da cultura afro-brasileira. Como a


--t\~~ÔÍ'ia. dos outros i(\ps~:e intelectuais, os tropicalistas celebravam o sincretismo cultural
._,6 t~ -~
.r:f?'~~,Brasil. A dec}-ati~êi'.:de Gil pode ser interpretada como uma crítica àquilo que Carlos
tfí,, ·11k9 fülherme M~i B4fhnou de a "ideologia da cultura brasileira', que tende a minimizar o

"'-~4:xl' ,.t~~iib
•, ......
54 Gil, ~ ~1~{{,:ii;_Aceiro = Receito, O Pasquim 16 (9-15 out.1970); reproduzido em Gil, Gilberto Gil, p.43-6.
55 Velt f lf~-?i'ii:' de Arruda Campos, Zumbi, nradentes, p.74-6. A produção apmentava atores brancos cantando
bossas:Íáfut>as populares de Edu Lobo, como "Upa neguinho" e "Tempo de guerra",

184
Brutalidade jardim

conflito e a diferença na construção de uma identidade nacional homogênea e unificada


(Mota, 1977, p.48-51). A imagem estereotipada do "bom crioulo p~ por de samba'',
que Gil denunciava, adquiria um starus simbólico como a representa.,:; · ;,· ~htenticidade
culrural no imaginário nacional. O samba era associado, acima de ry,do~5_..•, à brasilidade
e raramente servia como veículo de protesto racial. Gil suspeita~1;~q ~; :,½.quele abraço"
tivesse sido bem recebido pela elite culrural justamente porqu~f iJbJ:;'o samba, a música
~,1»,, ~ -~'+l
1
podia ser situada em um repertório aceito de práticas culru_, · ·' pht parte dos negros que
"sabem qual é o seu lugar" na sociedade brasileira. Ao recu,~ ~,i 1 • urso da brasilidade, ele
se posiciona à margem da identidade social. Gil insistt;;ijt\L" ::,1io;\'tstá em lugar nenhum".
Sua rejeição da "pureza'' é especialmente visionária, ao,q · ionar os limites impostos aos
artistas negros em nome da autenticidade racial qvt~µ,}llral,
,;}•' "'/ :";.tt~:-
uma questão retomada anos
mais tarde pelos músicos africanos e afro-diaspórf<t•§ió redor do mundo.56
ATropicália se consolidou como movimenf ,, _ :y968, durante um período de intenso
.-:'., ~~,..,-;"ê,; .,ti~:--·;.,
tumulto político e culrural. No início foi aji:trp~~fada como , '·'I":1á,~ção irônica do kitsch
e do mau gosto na cultura brasileira. .,: ,f:.• ,9'.~!~sras recicla ·Qnsciememente materiais
anacrônicos, como os estilos mel · \'~s anterior~.f~f,P.Ô -nova. A releirura de ele-
mentos datados feita pelos ttopical.i .~\\:f%êyfubinava UW.~ ~ ~a de paródia, que envolvia
uma crítica irônica, e pastiche, qti:'~h - ,,Jfia uma me4Í4~~~ cumplicidade. As autoridades
'"'.·· ' --~·:i~?:• \:_,/';;·t.<~:{
militares se mantinham, enf?gê~ fi ,,~'jHiferentes ~,,,atua~Ô dos tropicalistas, mas se mostra-
-o"'=·•-:- ' ,.,.,-,~.-· 7. -·1-· -~ ~-,

ram cada vcr. mais ~~s;W~i;las irônicas ~f •. ,,~ções televisionadas e pelos "eventos"
,.:,,•f••-i-.'_V:"'•;·.•':'"., ,-?:.-;-:,- ,,·:

do grupo. &sas apresentaçõéf'tãmbém int~ s' .. as tensões com os nacionalistas de


esquerda, que assumi ,, a postura cfftj~:w e do Berte dos tropicalistas com o consu-
mismo e a culrura dd,i~,c,'!;. Em uma ,,, ·«,.Yf~paixonada do movimento e num ataque ao
"policiamento daJnúsi;tpopular b ,, .· · · tk, Caetano reagiu a seus críticos argumentando
que ele e Gil tiv~ •.t~'a coragem •q~
~-\; ·1,.z;i.1,:r-,1::?.~< - ·'.:..'
t~."';;:"'.ir--f Y:;em todas as esttururas e sair de todas".
Mais par~1~.fi'füil do movi,,·.··· ;tos tropicalistas também começaram a adotar os
movime . ·~ i:itErnacionais ::< , tracultura, uma postura que acelerou ainda mais o l ;f
exílio d ;· . --1: Caetaq._q _e~~J'.R:áres em 1969. Mais ou menos na mesma época, eles
{~¼t:.:\?:: ·é~ _ fi•"t~~~ ...:.ti~~~>- -r.Y..)/"
tamq~p''e~rriêçaram a efl,~rar posições que ocasionalmente divergiam dos discursos
~";,i,:·;.t-?~-:- •~;,..
co~f a.gfidos sobre a i-d.\~ntiµ ade nacional. Gil, em particular, exerceu um papel funda-
;!:Íl1~Ç,~I''na inttodll:~~:â~~ esrilos negros em sua música e forma de se vestir. Sua apro-
)~~Íção da cul~ ltã:S-bdiaspórica no final do movimento tropicalista viria a orientar
.....~ . .,~. "\'\~;:
nde parte d~J~ _):o bra ao longo da década seguinte.
/t;: .%~~2
4:0.·:··,·-~~:-~~~;:L
-56_Vi_e-ja-a- .. ',>;~·"de Timotliy Taylor sobre "pureza" e "autenticidade" em relação aos artistas contemporâneos afri-
.~-. .""'
canos Yo~6í{N'Dour e Angélique Kidjo em Global Pop, p.125-45.

185
itt:{f:.;'ifi;tt >-
orno projeto col~t~v~.~ ;, Tropicáli~:}~l\~i~ôti. ao fim em dezembro
de 1968, mas hj~g~,;_;_ artistas emergentes identificados 9;,\RI
com uma cor -·,. · '~ t,? iós-tropical{iti'.jaa MPB. Para o grupo baiano
:· ··,;'):,,'~ .:tf;
e seus ali~ .:·Rio e),,.:.em.-.São Jaulo, a experiência tropicalista
>5;t , ·· fk ~\?'
contm,,µ_qúií'~rientando stf\; · · · tde modo difuso e não sistemático.
,,>\::~,~1-~-/~r~,.:t;,j ·J?, ·.-:- ~.,,.-.
Com o Ató'' lh.stitucional '"' ero 5 e a intransigência do governo
militar, o contexto c4Jt;t1.r~ e político ~ftü;-{it'UtHTu.mente alterado. Apesar do contexto
de repressão e censuJi/: ~:J ossível arg~~Íillfr
.,._.,,,,., ,.,,,.,-,:,i,,.
que a música popular brasileira foi a
área mais resisten,J...da produção cµ~J}J:~.hY.Os artistas incluídos na segunda onda da
., ' ~1' .-; r_j,'' '·0:t··

bossa-nova, m, ·: _, ,."fl.~ s quais e _, .-·,. · _I fram reconhecimento nacional nos festivais


r:.~ ,:s::"!!.::·.{:'b .-/:...:~ ~-•
televisionadosJiç música dos ai,/i5s,:~ p, atingiram a maturidade artística, produzindo
em alguns ,,. '":'t~ melhores &/'.~'- ·' ~ sua carreira. Elis Regina, Maria Bethânia e Gal
Costa f9i_ · sagracJ1~,Ji&~~;1~s principais divas da MPB. Milton Nascimento e
i-'.)i.:, .. .• •,•,
<}{(1~ ' ~~·,t,.... :=4' :-~1, ...

seu" ::" ·~ €':g a Esquinà' :f5't~ jlziram impressionantes fusões de jazz contemporâneo,
roe . ·• ';&a, nueva can~ión~il~~ino-americana e estilos musicais tradicionais de Minas
G,~:tiiit \Ü ma nova g€ff~' de "cantores universitários", como Ivan Lins, Luiz Gonza-
~t.;. -~i>,1;~ ,;;.•;':;?.!; .• . ~;,·>.:.

gi~JJ?fê João Boscq;/gà'rlnou projeção nacional no programa da TV Globo "Som Livre


{!,:,. :S~ ortação". M";~, ,,,,.,_, s artistas como Joyce, Sueli Costa e Marlui Miranda conquis-
. ·.'\\ .,: , ·.,~. ~,: ~•. '.i :,·-.· ~-· . ·.,i,:•·.

'1:'<;4fãram a aprctj:~~~'\d a crítica como intérpretes e compositoras. 1 Depois de voltar do


1
'

:!j.'

\L
-----,;~...·-~...~·~x0~
1 Ana MariiWall'i~ta, A 'linha evoluáva' prossegue: A música dos universitários. ln: Bahiana et al. Anos 70, p.25-39,
Christopher Dunn

exílio, em 1972, Gilberto Gil e Caetano Veloso consolidaram sua posição como artis-
tas populares e intelectuais. Tom Zé, cuja produção pós-tropicaki.~Ja discutiremos no
Capítulo 6, continuou compondo e gravando, mas permaneceu 1 ':-tii.'a.:.t,:gem da MPB,
.\~\;:,:_;.;;; ,

tendo optado por uma linha de pesquisa musical mais experi_llI~t;\}â,f.-? ·


Ao longo da década de 1970, o movimento tropicalista c(\:~ité'iit~ influenciando a
',.. ._, : .!t('~
produção cultural no Brasil, em especial a música popul~f~stas que antes haviam
criticado as estratégias culturais e as inovações estéticas .fl.oC:í. r:,tf~o tropicalista passaram
/;~;.;,.--? \>,,.

a dialogar com o movimento e seu legado. As tens~ ·'n,j~pnalistas que fundamen-


tavam os debates referentes aos rumos da música JJ~fµti°iJ Üminuíam à medida que
1- :r-::.,:'I',.:~- ·~
os artistas se envolviam em uma diversificação de' fri}fl tnaçóes musicais e culturais de ·•; -:~'.t'

fontes nacionais e internacionais. Os conflito$,e~t/,,.~rivalidades


..
dos anos 60 arrefeceram,
·:~,.·.t,c,.•

possibilitando colaborações antes inimagi~t~!.{,;''E:m 1970, por exemplo, a cantora


...,,.-'!",,_ • ~ ;i;,.;

de MPB Elis Regina gravou um dueto c~ i-B.;_çantor de soul Tim Maia, que antes se
aliava à Jovem Guarda. O uso de instr-i:únetltõs elétricos ~,til<,>,,arranjos musicais típicos
/)).' :~. . ,}~~ "''':'t~·"
do rock parou de provocar granq~ '--co,# itplérsias. A t~rnou ao mesmo tempo ~Jm~~<
menos controversa e mais heterâ~~ife~~ l,â medida 9,'&f ,:~ ,;~t,tistas se dedicavam a proje-
. ·.t•t,J ._~_:-;. • ½.,r1·~.
tos individuais com menos ansJ~~aj? ';q uanto à q{~"~; ~.: do nacionalismo cultural.
No início da década de ~~t';f¾experiêncfj\ ;,~icalista também foi o principal
ponto de referência pa.i,:,..i!:'.• J•~~~ ~:d a classe rnédi~/fttbana
-.........;t•G!: •::; .":"'.\.
que se identificavam com a
incipiente contracult{!ra:{.qR Bràsil. Ape~,a f.àf~\çptkados por não articular uma oposi-
/";.:;~A.. ~ ,~-. ~J;:f.S;i"'·"'~':;.t\,..
" :'.i,i'-~.... ,.:,

ção coletiva ao goverii'S,\rfnnitar, os arti{>J fts''e~4efensores da contracultura propunham


novos discursos e ..,i j[jticas que vi~~~füf-t 1iistir ao controle social autoritário. Mais
.•,/',~""-· ·'•,.JO':'l, r.~P.~

tarde naquela dê~~~~f;; as práticas~t 66.t\~culmrais brasileiras assumiram outras for-


-TI'<'~-..
,,....· ·.~--9~

mas, convergindo, êin algwis c~~p}f qmi novos movimentos sociais e culturais. Gil e
Caetano maiÍ~ ~ram um di~!gk~~ârticularmente produtivo com as contraculturas
musicais ;~!!.? ~Í'.5f~ ileiras, qu~i~i'{t~naram sua principal fonte de inspiração cultural e
polítiCjf~&r ãnos seguin t~t )í:~i periência tropicalista. 2

J"!;rt;, "'t:.'i{'.:'~~' ~
;;;,t•;e;~~~-- . f~-'SJAS-: .fl (0ITTiSTA{.fl0 410 li(,lffli
(;t'i~; ~~:~-~ . 1'i5~rf};}F
.ç-1,1 \tjJ~rr/· Com o es~J:5'êlé~imento de uma censura mais ampla e a ascensão da facção linha-
rt. _A; dura dos ~ ~' o agitado contexto cultural dos anos 60 deu lugar ao que alguns
.\5).W,itf ,.., iyl:~ú;it)(i>
1
2 Veja_,;
.... ,,., ~
,.:,
s ão de Armstrong sobre a Tropicália e a múska afro-brasileira em Third World Literary Fortunes,
p.20'5;;:.1:ÃzY

188
Brutalidade jardim

críticos descreveram como um vazio cultural, no início da década de 1970. Após a pro-
mulgação do AI-5, em dezembro de 1968, o regime militar intensifid:;q\J; OS esforços de
silenciar a oposição e monitorar atentamente a produção cultural. f\1aj~Jlltrinta filmes ., ,, -~,...,;~•.·-;,,.t.

e quase uma centena de peças de teatro foram proibidos entre li?9•:{tl97i. A música
popular também foi um alvo para os censores que interditavarti~ ; .. 'f..'~:-- . .i~i'-tf
almente centenas
de músicas desde o início dos anos 70. Antes de gravar, 3
eram obrigadosqf ~ cas
a submeter suas composições ao Serviço de Censura Fe~!tlPât~ obter aprovação. A
censura intervinha no processo criativo de alguns compd~tsi~~1:forçando-os a elaborar
e:•vl:i e - -~-
uma linguagem poética cada vez mais sutil e ambígua ~~ij',j prés'sar a vida cotidiana sob
~,( ~li :,;' -'i\

o regime militar. Como a.firmou José Miguel Wisnik, atf:Rúsica popular se desenvolveu

i,~~
para se tornar uma "rede de recados" transitandg::.:.~~}l:.~ os artistas e o público, muitas
vea:.s submetido ao radar dos censores (Wisnik/1'.kt..B~ana, 1980, p.8).
O mestre da crítica política e do duplo foi Chico Buarque, a estrela dos
festivais de meados de 1960. Com exce~ o· <f~l tun breve ,eili~do de exílio italiano
de 1969 a 1970, Chico permanecei''ns/ )~ ;t ãfil e rapid~~t"f··;e
•..;,;.'~:~:f.'!.".: ~~-••
consolidou como
_r~•.,,.

uma das principais vozes de prote5tl8iíi'~f:rnúsica pog , · ";Rrasileira. Considerando


~;1:._.......'. ";:_.f:J' _'·. .--
seu presúgio como cantor e com,;,p@1tpr aclamad,p •,; -~-.t 'crítica e comercialmente
~=· •·_~" 'i_l' i•, .~ -:o/.,~Jt

bem-sucedido, ele passou a ser:,yj§Íâ'á?pelos cens~jes~J~'.m uma entrevista de 1971,


. ~',;!':/':,:\ 1;Jf:1h-i,._:.it'
afirmou ter medo de submzt~:f ~flfÍs com~osi<tes ~~§'censores porque naquela épo-
ca eles aprovavam apro18J:f?$W:~ente apenât~;.t9"rço de suas músicas, forçando-o a
pr.tticar uma espécie de "â:ür·· • , sura". 4 D~ oiftte ter várias composições proibidas,
Chico Buarque passoo4:~,, ~ submeter $ a$,._:~~icas sob o pseudônimo "Julinho de
..,.,,,.,_•··-\·•
~- -.~;•.·•-~

Adelaide" para enga~i r ~~: censores. ~ "fát::ma surpreendente, o samba de protesto


'"~-'~"<1~~~::,->',- <?~:-,:.6,,
''.Apesar de você" foi inicialmente ~Riôvi,,:do pelos censores e lançado em maio de
~.:.;,J;,.-t . i!.,.,a..-,,.:;._-3;~ -~
1971, vendend~f t;P'Q1; mil discos,•(~'t!t.ff fâe ser banido pelas autoridades. A música
. - /::l-·:~, .,•i';./' -. ✓-~-
,:v~~~:-'e-,,

foi posteriorq;J.i nfê'f.


,v --~-- i ncluída em'~çJ1.álbum
' ~\ ,o;.; ·•.
de 1978, Chico Buarque. Velada como a
queixa am~rsi;?tum enamot~~1j~prezado, a letra era obviamente dirigida ao re-
gime mili.t~;,,JjVocê qu~,i~i!1:J~l-a tristeza, ora tenha a fineza de desinventar". Em
~.. ....., ...~-.... ,>z:p,. ;.
•1_;.:;'~

grande~ '~q4.a:l¼eguindô'l~tfdas músicas de protesto dos anos 60, essa canção fala
;>..:--;,,:••C ~ ... • -~•;,,";-

do cUr "'~ *µ-edenção fi..1,,~ura~k,J~ esperança e da promessa expressa no refrão: "Apesar


J•~;t~~I~ ~-- - ~ , -~ ~i..~
\~+ '--· . ,,
de.,y. .ocej1amanha ha,.ôer:s'e,r outro dia .

~k~)
4
~:•;~!~~,"'
'•' L'.'3'A crise da cul~tt':iiille}í-a, Virão, 5 jul. 1971. Para uma análise da censura e da música popular brasileira no início
dos anos 70,..ve~Moby, Sinalfechado, p.127-43.
4 Veja a enrr~J k ~'@:.:Chico Buarque com Tarik de Souza em Viia, 15 ser. 1971. Essa entrevista foi reprodu'lida em
Souza, Rl/ftM2"tâi:rtos,
~T
p.61-8,

189
Christopher Dunn

Os tropicalistas foram relativamente menos afetados pela censura, em grande parte


porque sua música em geral não era associada ao protesto político..:~Ç,Smo assim, tanto
·-.~f'i.},,
Gil como Caetano compuseram músicas que criticavam o regi~~i-? l~,pois de voltar
do exílio no início dos anos 70. Esse período também marcou ~;i~ffciliação pública
1
entre os tropicalistas e Chico Buarque, após vários anos de di§li~~iâ"mento. Em 1972,
Buarque e Caetano gravaram um álbwn ao vivo, Chico e _§ liltf.~~juntos e ao vivo, no
qual interpretavam as músicas um do outro. Gil e Cl}:J/õ)~fupuseram juntos uma
importante balada de protesto, "Cálice", que também: ftflf~çluída no álbum de Chi-
co de 1978. O refrão cita uma passagem bíblica 4@J. ?' tr.iifg~o de São Marcos: "Pai,
{ ··.: .::'..-, -~t~...,(

afasta de mim este cálice". Homófona do imperàtit Jf~cale-se", "Cálice" relaciona o


ritual católico ao contexto da censura e da re_Ri;,~~~o política (Perrone, 1989, p.33-4).
Na primeira vez em que Chico e Gil apresti~ii/âib a música, policiais desligaram o
microfone, dramatizando involumariam<;rtJ >i ~ensagem da música ao literalmente
forçar os músicos a "calarem-se". Caer~·úo ~,.,..rJ
J~ bém comi;( · ., ;,.úsicas para Chico, in- (,._._t ,,.,... ~. ___ _..

duindo "Festa imodestà', um s~ ~!).~ l~i:Jifilante sobr$!:fi~â do malandro que atua


à margem da sociedade, recorrenlfô'?ff~imanhas ai;-Q.ilçsâ$:para iludir as autoridades:
....., : ,,:<,-;.~t-: :~~--~·-~-Á~Jii.
"Tudo aquilo / que o malandrofif~~'i1cia / que o ~JNfP silencia/ passa pela fresta da
cesta/ e resta a vidà'. Sob o r€%,~fi?i it! censura, ~fiS~~ensurados como Chico foram
-~:r•ti:t."· .-~~ ,' ,- 1:'~ >i,:i'
forçados a adotar os e~g a ~m%s habilido~os i\
a3r:ínalandro,
,.....
,!Jo(;_ - # J,~h\;,
comunicando-se pelas
"frestas" do crivo do J~~fi'tf,~/V~concell~ ~)i~ l14i/p. 72).
···R~~~l~~?t~;~.:.~~;~ffl· ,:-'~i •. .

~
çf:}; (.AR(~)J,0 ªIU0
,(;;i:"',i~~,
Sob o r~ij~~.fj;Médici, o f&Õ,fí:(Ydeológico e de coerção dos militares atingiu o
l};:~~i
ápice. Ent;i_ij?Jts e 1974, a/'Wtt~.~~·mia do Brasil cresceu em média 11 %, com a aju-
.... . _·-...:,<::,..,):.:, _,;-::"'::,t...... · ..,<:
da da d;iâmiHêa expansã<i.J1ijctllf.strial, agrícola e de exportação de minérios, também
''-'" IJ;•·:·; '! ,. '.~

facil\!~~;iiia supre,~ãi.?dt'·â itnandas por direitos trabalhistas. O chamado "milagre


0

esii'?ÍAfi~6i )"d esfav;Jt~~;; ~lasse operária, privilegiando o crescimento em detrimen-


.( J J tbem-estar col~_rivtj;·e exacerbando a desigualdade socioeconômica. No entanto,
...t.~-~-. ~--... ·- . ~:.,:--:·~~
1,t(?~f,regime desenyoij-êu?\meticulosamente uma campanha de relações públicas ao redor
:_{F i ft,~,-~ conceito de;~
.. ,;,i ·.,).V' #.,.
Pitl Grande", chamando atenção para os abundantes recursos naturais e
~P}.•
~{~ . t:.? industriais ~ :n~ç-ão que impulsionavam seu crescimento econômico. O regime linha-
1 .,_,_:--,-,f:-:
'1'-~-. ! d-;···· .. '.1:i'·)

· -.'.'.';:tv dura se :,l;iflftéh:ou da vitória do Brasil na Copa do Mundo de futebol na Cidade do


""(·::" .

México:1.i [qiando-se a primeira seleçáo nacional a conquistar três copas. O hino da


torci8:~.,Íiâ.'.ta o time da Copa do Mundo, "Pra Frente, Brasil", foi apropriado pelo regi-

190
Brutalidade jardim

me e executa.do por bandas militares em paradas militares oficiais. Em outdoors, imagens


de Pelé, a celebridade do futebol, vinham acompanhadas do slog~ '<;Le encorajamento
do regime, "Ninguém segura mais este país". 5 Para os oponent/;, -,.\~gime militar,
que rejeitavam a badalação patriótica, o governo tinha um outfli · -; "Brasil: ame-o
ou deixe-o". Esse lema repetia o slogan "!ove it or leave it" util~ p, ~~s Estado Unidos
" ···•·, .. · .;;,

para os que protestavam contra a Guerra do Vietnã. 6 tt'•W '"i), ·.·• ·


Na final da década de 1960 e início da de 1970, o le 1i!.ffõt' F~gime teve conseqüên-
1

cias concretas para milhares de brasileiros que foram e~ J:";rt~ país ou optaram pelo :i~º
exílio voluntário, para evitar a prisão e a intirnidaç~c:f~;J isf~Jf exilados estavam políti-
cos da oposição, líderes estudantis, ex-guerrilheiroi ~:;4:~dêrnicos proeminentes, escri-
tores e artistas. Vários dos artistas mais impor:~ ff.S identificados com o movimento ~ . 'ti. ' <,,;:·~ .-;•

tropicalista. buscaram refúgio e trabalho no::/&~t.çr1or. Glauber Rocha trabalhou na


, trt~'•f,,. ·.,•i.}rJ
Europa e naAfrica entre 1969 e 1976, pro~·-t•-·'.•::) lo quatro filmes, incluindo Der Leone
Have Sept Cabeças, uma alegoria ao co . "-, sfuo e seu S~~~~ no Terceiro Mundo,
, ...ii,.•.· -~_,;?,, ,..,••.
l filmado na República do Congo ~-~ ô
_..,v .,.'
>ti;· 1984, p. }/fJ~j;~Q). Zé Celso, diretor do
~'!°..;~~'%,,.~
Teatro Oficina, buscou exilio na li{ :Ji em 1974,,g,~.gõt~·' de ser preso e torturado
-:{i.,~~t "t:...Y .._,,;{V\
l pela polícia de São Paulo. Viajo ~J(ífoçambiql,!-l ··975 para um documentário
;::.!.+.'· ·~'.l::t •.
1 chamado 25, sobre a indepen4i,;.. ~ãa nação q(fi s_<tt ibertava de Portugal após uma
1

s prolongada luta anticolopJaI~i~JGeorge, 19,?.2,


/~;~. -, ~-:e·•;,:\;·.>· r!·'.~'. ·: ' .
~;3/3).
Ao longo dos anos 70, Hélio
-~~-';";i

Oiticica dividiu seu tewr,éft~tre o Rio e'•~ ~~¼trk, onde continuou a trabalhar com
f,---~?w·:··~·J .-~~...; ..., ,. , -:::•\>
arte experimental e amtíênt~:· ···::··tt'f!> ~t
Em 1970, mui~::: 4 f-5 maiores esttel~
:r{i:--.,~,.r,::, / .
1;drt MPB, que haviam se tornado famosas ~;i,..

na década de 196~,jJJitavarn viv~ :. '!R:p exterior por razões tanto políticas corno
profissionais. As coridições de era , r-;~?~tpara os artistas brasileiros eram precárias, já
·.//';.,:_;.. ,; J.1,.,.
) que a indústri~',.-i::;\
.°Sf;~ri_9gráfica
•- .....-•-:;;
nacj;·:
_
,,.,_J 'ê"mostrava cada vez mais dominada por artistas
11· -~~9 ;:-.

.- estrangeirO$:JWftiAs artistas b~ -~1ros chegaram a adotar nomes artísticos anglici-


(1 zados e i ,· ·•ii;fl tb. músicas {átj~i~
inglês, ao passo que outros gravaram versões em
po · · ' , hais. 7 Enquanto isso, muitos cantores e compositores
l-

>,
)f
",;;:;;::;;, ~J~;
e
ff5 P~4 uma análise da.t1l:f@~fla Copa de 1970 no conrexro do regime Médici, ver Giberro Agostinho e Francisco
i\~Yík(r,;rulos T. da Silva.i · · ''''jj~ morrer.
l- § ;P~steriormente, . a década, Gilberto Gil viria a parodiar o slogan patriótico em "O seu amor", uma sim-
e ,,. ,Jl;"t ples evocação ~o afetiva ("o seu amor/ ame-o e deixe-o livre para amar"), apresentada no álbum Doces
lo if;{,':;tf-: Bárbaros. iy,;.,
la 7 Em 1970.A e todos os discos fabricados no Bra5il apresentavam artistas estrangeiros e rnuiros outros eram
versões r.,b ' de suces.ms internacionais. Veja As duas invasões da música brasileira, V.ga, 11 mar. 1970. Veja
rambé@r , ·daAutran, O Estado e ,o músico popular. ln: Bahiana et al., Anos 70, p.94.

191
Christopher Dwm

dos anos 50 e 60 tentavam desenvolver sua carreira no exterior. Sérgio Mendes e


Oscar Castro Neves se mudaram para Los Angeles em meados d~t4écada de 1960 e
~,.;:•"

posteriormente foram seguidos por Edu Lobo, o organista Walt~p;: · ~derley, o acor-
deonista e arranjador Sivuca, o percussionista Airto Moreira :j}Vct;~,1~-ta·Flora Purim.
Outros artistas da bossa-nova, como João Gilberto, Carlos 1-Y.~ f Leni Andrade, mo-
raram no México por um tempo, ao passo que Vinicius di M ~ta~ e Dori Caymmi se
mudaram para o Uruguai. Chico Buarque morou e t~~~i~'.fem Roma por mais de
um ano, participando de uma turnê pela Itália com !~q.~~Í~? e a cantora e dançarina
afro-americana Josephine Baker. Outros músicos ,t ~/?tw:tofçados a sair do Brasü por
razões políticas. Geraldo Vandré, autor do famoso ~ífo de protesto "Caminhando",
seguiu a trajetória de muitos exilados da esq~ ,i:,ga, fugindo primeiro para o Chile
.,. :if~ -~,):..;.,;..::

socialista de Allende e depois para a Europ~{q4~ do Allende foi deposto e morto por
. ~-~~;~'G, :'l 'ló • ,,

golpistas da direita sob o comando de Pii$o?fi;êr, em 1973.


1
Gilberto Gil e Caetano Veloso moff a~ ;! in Londre~J~l4Jho de 1969 até janeiro
de 1972. Caetano recebeu pern(J;jJ;>l:~~toltar ao B,i~~'tluas vezes em 1971 para
•.•·::r..--r.:- ~'. ·,:.,. "'i:f--... ~ t . .

comemorar o 402 aniversário de c,~~#hto dos pai~-~I:JMJvâr um especial musical para


a TV Tupi com Gal Costa e J~Ji!~ iiberto. ~~E~f~} primeira visita, Caetano foi
detido por várias horas no aef~It?'.f'tó do GaleáO:;,'.ppi'l io, enquanto policiais tentaram,
-:. . '•,,~t· <';:i;,:,.~:-..,+~' f

sem sucesso, forçá-lo a c~ni~ f ~ma músi~,;.em afrôio à Rodovia Transamazônica, um A,~ t . .._ : ..~~ ._•. ~,

projeto de desenvolvk ro.~ii~ segundo c>'~dã~S.


'·'4:~~::-,_·•...,-': -~- r,-__ _ ··,,;?;,: ~-,,,
!il'do regime, o "Brasil Grande". Cada
visita provocava uma ~~t i lffura na ilJ\j "reri'j ~Fnacional, consagrando Caetano e Gil
/ • e marat&.
como h ero1s / • . ·v,,,,
º4)· -.
-i.'?z'J{
~:bt --i'::_,!'

~-':J-'!1;•:.
:"";:-,: :•+~:,!)1-J '

Apesar dessas ~ ~rf*isitas, o ex#fr 'â ~JCaerano em Londres foi extremamente an-
gustiado, esp~çi~ ~ ·~~te no . pri~~~ i no. Ele enviava comunicados periódicos que
1 ;--,.:..-· ✓t'\~J _ ~-!~~ -~rt<.r! ~·
eram publi.g f~2ii 'ª revista CJ_,J lif,~/tn. Muitos desses textos se referiam a experiências
cotidianas~t,"swinging L?,if.cr~f
e descreviam o cenário musical local, como o fa-
0

moso J~ t~i&''da Ilha de Wi~f;


·ao qual ele assistiu com Gil. 8 Em uma das primeiras 1

~~~~ Pasq11~~f ld!tfi~feriu ao sofrimento na prisão, citando o samba de Gil,


'~~'§?f€~;ab"fiço", c01i{õ\ 1ui·gesto de desafio às autoridades militares: "Talvez alguns
-~~~~º Brasil tenfirun ,querido me aniquilar; talvez tudo tenha acontecido por acaso.
jfff~ 1'eu agora q~fr:i'~ fzer 'aquele abraço' a quem quer que tenha querido me aniqui-
/t·, ·:~t?: •~;-~ 1;·~·r/:;,¼,;,. 1

,;.i 1
:.,fi%t.l~ porque o d,~_rtseguiu. Gilberto Gil e eu enviamos de Londres aquele abraço para
);:f. .•. ".~
J:, .àt esses caras. ~âó;ijhuito merecido porque agora sabemos que não era tão difícil assim
~t{{Mi~11f -il:if(:\;t;Ji'.
.,i,,~7\\~
;·: ..,...:'"',i\{: ~-(";,:";;

8 Essa.~ ~!~ relatórios foram reproduzidos em 1977 na primeira compilação de textos de Veloso, Alegria, alegria.

192
Brutalidade jardim

nos aniquilar. Mas virão outros. Nós estamos mortos. Ele está mais vivo do que nós"
(Veloso, 1977, p.49). Caetano explicou que a última frase foi uma:ri farência indireta
a Carlos Marighella, o líder guerrilheiro assassinado pelas forças de ·•'.•,t>:fmça logo de-
pois que os baianos chegaram a Londres. A capa de uma revista "aà.presentava :t/ ;,
a foto do cadáver de Marighella ao lado das fotos de Gil e Caef 't. · .no exílio (Veloso,
1997, p.427). ;J} ~ j~:f
Várias músicas do primeiro LP de Caetano no exílio,.;FQffi(f)'In the Hot Sun of a
Christmas Day" (Sob o sol quente de um dia de Natal);}t rii'i t~~ aludiam à atmosfera
repressiva no Brasil, no Natal do ano em que ele fq.ji::' ,,:,J 'Ívfachine gun / in the
~t?' ·;~- 2:}1.:,~:
hot sun of a Christmas day / they killed someone elsét J!-'f the hot sun of a Christmas
day" (Metralhadora / sob o sol quente de um dJ;i;;d,ç, Natal / eles mataram uma outra
pessoa/ sob o sol quente de um dia de Natal). '~~,w1'tienovas composições em inglês,
-,,;•,:~~ .-.,\4,";;',:;

Caetano gravou uma longa e melancólica tj·' 1 de ''Asa branca" (1947), o clássico
baião de Luiz Gonzaga e Humberto Teiteir~J:q_~e narra a;:;f fifttria de um migrante
rural forçado a deixar a amada dur ;tit "'' J:f' terrível se ,-:;;\{'iit,,Ú1terior do Nordeste.
O narrador promete voltar assim ' ;/'i ff erde dos ofü.g,R,·, ,j: amada se espalhar pelo
-.: ·_!::r;;: :~<.'t=•'·' - -; /.,_',~·.i},

campo. Considerando que Caetan:


tamente interpretada como wnt / '. ·ra canção ,:.-~Jn~,
i / brçado a sai.1:'{~ 9..~ Ms, a composição foi pron-
expressando seu desejo de
voltar ao Brasil. c;~\;.,f~j~'.?::{S( , .r... ""t:!:?t
A reação existencial Ç,artii: ·ca·ae Gilbet (;t, · ,,i ;vida no exílio foi mais leve. Quase
desde o início, ele mer'~' ·h avida cty;'."'"' . ;!td~Londres. Seu quarto álbum-solo
\1 f' .k
(1971) apresentava n2x<!§. músicas emstiqglf~/~ um rico estilo folk-rock que evocava
/t,,),IJ;";J,;,t,,;, ;tJ.::'f",· ·
Richie Havens. A cd~lf~:c;.~pa do discç,J,p r8~ àrna o impacto sobre Gil da vivência lon-
drina: "Alguma cois;·iJf~~gou, poi;g;~::ê ttsons e as músicas deste álbum apresentam
1·-'<·-;.-ft·.• -. -i:t~·<,r:;.:,._
uma sutil pulsagifüfà~fina e uma f~~ri'frnte sensação folk-rock, diferente de tudo o que
já ouvimos".;,f ]JBilin London,;Jittl$:,~11: estava em sintonia com a contracultura inter-
nacional, i~t; ~fttando mús· ' - ·-_% o "The Three Mushrooms" (Os três cogumelos),
r~ '\t~~ -..
que alu . ~:.· xper· .·• ~ Ç.~ o compositor com alucinógenos para estimular a
invem;,í!Viij~~;;ái ística'. ·. ·,· _~, .
-:~f~·- ·<tl ·,. ;;/:
i;~{}i<~ ndres, Cae~!1º ;~.'Gil escutaram pela primeira vez o reggae que surgiu na
J~ l ât no fim da dt~i~ de 1960 e que rapidamente se espalhou com a diáspora ca-
~9~~ ª- Apesar qt·ti\t~;s privilegiados que a maioria dos imigrantes caribenhos, eles se
--~~~:,;~
\'.f\ ">f!-;.: ~;

Í~fntificaram cf!t~:tJuta por direitos e respeito na sociedade britânica. As experiências


>,t/t \~::útit: ,
9 Calado (If,9 270) afumou que Gil foi muito influenciado por Policies of Ecscasy, de Timothy Leary, e tomou
quase 8í:Fd6&é~t<le LSD durante seu exílio em Londres.

193

--------
Christopher Dunn

de recusa e alienação de Gil foram registradas em uma música escrita com Jorge Mautner
chamada "Babylon'', um termo utilizado pelos rastafáris para , _ otar um local de
exílio fora da terra natal africana: "When I first carne to Babyloµ, _~ t~lt so lonely / I
;/']~-},~~{;,___ -..:"

felt so lonely and people carne along to mistreat me / calling, rifÍ~;~·Ç?1línany names in
~i•.l· '':::-v.,...;j';:
the street" (Quando cheguei pela primeira vez à Babilônia ~1,~~'tf tão sozinho/ me
senti tão sozinho e as pessoas vieram me destratar / me xi~:Íf\~~ftle tantos nomes nas
ruas). Por sua vez, Caetano se tornou o primeiro artis~ B'r,~~tl~iro a fazer referências
/'f~r"}~~
explícitas ao reggae na música "Nine out of Ten'' (1'-J:§.' vé~~ --p.
\~\~·-·. ~.;~~:
cada dez), incluída em ).~

Trama (1972): "I walk down Portobello Road to th, 'Jig Jõf reggae/ I'm alive" (Eu
caminho pela Portobello Road ao som do reggae ~ "<,,/ti ;i~o"). Apesar de ambos os /f'
artistas ainda registrarem maior afinidade mUJ>}S~ e;~ o folk-rock anglo-americano,
sua condição de exilados políticos provenien .}''''d€stimpaís periférico em contato com
imigrantes caribenhos abriu novas perspe~;f '" ~bm base na diáspora africana que eles
exploraram posteriormente, na déca~tl~;IÓ. ,t(~;'P
(0L.fl~RS:1i .P.flllffllKtW0{
, ,:;;~e;~ 't'½fi'
Em Londres, Caeta.n,t;\d ~~Jrj_féio a novos_~xp .. entos musicais que radicalizaram
. :1::-0~, ":.~:,~~l:i' • . ·,- -~~•~:.t
ainda mais a estética çl~ c'$~em da TróJti . -~th segundo álbum gravado em Lon-
dres, Transa, apresei:t!tti}'€;ifuposiçóes J?l'Í ·s em inglês contendo breves citações
da história da músic-a brasileira. TmnsJ;
:l.1(f:{(b~--
fó:1,idG. um "mosaico de referências" sem uma
.. if:/f,h·-·_--~t::-:·,,..-.:.--
única pitada de ~~s~jbamento i:Hriêl\>t{Chaves, 2000, p.74-5). A primeira faixa,
"'"":-1<·:,:c~..- · ·fi::.;r:X..,,_

"You Don't Know Mê" (Você nãµ,,roê{~çmhece), citava músicas dos anos 60, incluindo
, 'Jf'·'; .,,p}:;,:,.c. . '
"Maria Moit~tiLx,ra-Moraes),,11
-~~-~':, _.. "_·~-
'? _ ,. (Lobo-Guerra) e "Saudosismo", composta pelo
. :-~-· .,,_.· ·-:>
próprio Ç~\.i:;iii{fEm "It's a/:Ê~J2g~Way'' (É um longo caminho - uma homenagem
>:-Af,Ji....,, ,.;··~--:- · >.:.:❖t~-:,;,
a "Long:~lWinding RQáéU. Õs Beatles), Caetano citava músicas de sua infância,
., ·>t. ·-:~}ki': .....~ t/; .,,
indum')·~,.
\t,9.;, ~íX lenda..;çp ~~~~~~Jt
""-J:,:·.--~.. . ,.f.~,.-.....
de Dorival Ca.ymmi. Ao utilizar a técnica da colagem,
.••.-j ·,.\:- ·-;,

C<\;~~Qj,-Úttêrligavt r, . ,§_ ;_r referências espaciais e temporais, transitando continua-


- 'i.~a - ~-..:.~- ..,..~

,,.,>•·, :7t~:do presenteti P p~ ·~-~do, de Londres ao Rio e Salvador.


,:i:fi(l;:~/fJt_ composiçádt ~t~ ~biciosa de Transa foi "Triste Bahia", baseada em ''A cidade
éi' "~tl;:1g_~Bahià', ~ J~itodo século XVII do poeta barroco Gregório de Matos, que, por
1

\w,i~:e::;.:;~,.p.2~~•~:::::,~=t~a~:i;t:e~:~::i~~!:F=~~º~~:~:P~~
--:·1~• ' ·,

mente .él.. ·· _e mercantilista e do clero, Gregório de Matos acabou sendo exilado para
a col@h;i, p ;~guesa de Angola, de onde vinham os escravos e um local conveniente
~,,,.....

194
Brutalidade jardim

para enviar excomungados e críticos. Em ''A cidade da Bahia", Matos lamenta sar-
casticamente a corrupção e a decadência da capital baiana sob o ~ ,!);.p:ole de colonos
avarentos e comerciantes portugueses. O soneto alegoriza a Bahi~tfffrh.q/uma cidade
em ruínas após o declínio da indústria do açúcar. ~- :,t
;_·,
tfv ·
•)~)/·

"Triste Bahia", de Caetano, também é alegórica, apresent~~ ;~ã'"colagem de di-


versos referenciais históricos que nunca se consolidam em #~'efôtalidade coesa. No
entanto, diferentemente do soneto de Gregório de MatO§J _4,.1'iisêé Bahia'' vai além do
.::~)l';~~ ._.
olhar melancólico, escavando as "ruínas da história'' e ~pôíld~,as fundações africanas
~?-:: .....,,.-:;, ;. i~1

da cultura e da sociedade baianas. Nenhuma outra re~~~~tfJífuil foi tão dependente


-u. ·;-, •·~· ;,:)..

de escravos africanos como a Bahia. Após a aboliçãó~li{êscravos e seus descendentes


ocuparam posições subalternas na economia locajf~Opasso que manifestações da cultu-
\·r...;,.·~~;t-)·~\\•
1
ra afro-baiana, como o candomblé e a capoeira:ii~,ráin. ~!.li.:
depreciadas, sujeitas ao controle ,. ~•.-j•·

oficial e muitas vezes suprimidas. Até 1976, ~/:>l~;fu.plo, os terreiros de candomblé em


Salvador precisavam ser registrados na poJJ~ia 'ê:hbter auroriz.:~~-para realizar festivais
públicos. "Triste Bahia'' é mais bem .i9.tertl~#la como uw~~:~ ~çha de retalhos sonora,
•.r· .• ':"•~-. ~-~- -..
composta de fragmentos musicais e)i~~H~9s heterogê~i.i !f~ u referencial espacial é a
.·, t~·- .f'.J"f/•. .·-r.~~

Bahia, em especial Salvador e o R~~:{!c~'Vb, a região ~ ~~:Caetano cresceu. O escopo


~ \ .:.·f . ;\, .... ·::~?f::•-·-:..:~'-:-:.,;,
temporal é amplo, inlcuindo a es_é\~gffi_al, o sécul~~~ :.ê o presente.
A perspectiva histórica,.ril¼J.tji~¾1poral encont;~?êêb nas propriedades formais da
~~::'- -.-.-0.•, _, ~:•/ ./ ,; •
música, que consistem ení-~ iàt.'camada.h f.ll ip9!J,tiitmos superpostos. Começando
.-r•,1. ,. •,-;,:Ü~- ~?Ç{~•...:~>:1s::.t\~
com as notas em staccatiJ'icrei~berimbau ~•;µ m{f•§alva de atabaques, a introdução evo-
ca: os rituais de convo~çáo que dão i.gjçio;;, ,r.;.-~•.\.:~-,
~~g.~ ça/luta de capoeira. Caetano canta as
<:':>" _, -:."' -~.:\·"
primeiras estrofes do/ib"rl~o de Gregó11;9·::~ 1Matos com a lenta pulsação de um ritmo
,:: ,·:··\ · -~.::.\~~- _:hi,j~ _ "·'
de capoeira acompari1í~da por um _:;7J~t'i~~ O lamento é abruptamente interrompido
por uma referêq;~f-#,h:1-. Vicente P3i~,t W°W;._~; o aclamado mestre da capoeira de Angola:
<l·~..._...~t -J:, 1,t i: ~,,!~-:t-r,
"Pastinha já (~ ."~1~ rica / pra ~J,.i'ãf'a capoeira do Brasil". Nesse verso, Caetano se
.r.-;;s-... "..,..,,.
refere à ~ t#iqi e Pastinha ~~~~! em 1966 para representar o Brasil no primeiro
4~
Festival l~,f-~~donal ~ .~~:~f!;a em Dakar, Senegal.
Ap~f:~J;~ fê;;ênda f'i:J?~{ip_fii,
o ritmo é intensificado e a elegia barroca à "triste
Bahi;tt!~ J tigar ao câ.IJtico_.J é capoeira. Nesse ponto, Caetano cita diretamente a fa-
.. _ .'. ,,;._,_., .._, _..;,_· ,C.•':Sl

mo}ic'f~ çlainha de P~ t ~·que expressa desilusão em relação ao mundo: "Eu já vivo


1t:-:.-. ·7':':lh_ ·~ ~~:t~_;;"'l_."~:.~~-
~ ~ sado / de yi~~t/Jtqui na terra/ minha mamãe, eu vou pra Lua/ eu mais a mi-
..,
~~
-'"':(.
'thmlher / va_w~~s;i~r
'.l:,~,•.1,., ..;;::-...~~--
um ranchinho / todo feito de sapé" (veja Browning, 1995,
ifAttftÍI 11-2). O ,-Yii ~:t_p resta homenagem a Pastinha, mas também insinua o próprio
-sentimentq_,~~~:i ienação em que Caetano vivia no exílio. O ritmo se acelera com o
acrésci~~fl~Jif':lis camadas rítmicas, incluindo o ijexá (um ritmo utilizado por grupos
... .·-f~~O?~f-'.·

195
Christopher Dunn

de percussão afro-baianos chamados afoxés) e o samba-de-roda. Caetano canta breves


fragmentos de músicas de afoxé e sambas tradicionais baianos.rtEm um ponto, ele ··:,-';•~\_"-,,,

cita um cântico litúrgico católico à Virgem Maria, seguido de lY.?,Jr f~ferência a urna
"bandeira branca enfiada em pau forte", símbolo comum em ~éif~~~'\ de candomblé.
:'~-~ ts,.w
No final da música, as camadas de ritmos são velozes e abmí.~-~t~,
- :,:.-
lembrando a at-
mosfera de um candomblé, quando os devotos começamj ,r,-ê'~tclf em transe e receber
~1- ~
os orixás. "Triste Bahia'', de Caetano, representa o qu~ .Rôb.,ert Stam chamou de "es-
,111, i.
tética do palimpsesto", um conjunto em camadas dc;!:(;â~h~ culrurais superpostos ou
~,;;""Í.;._- -~- =-~· ·~·
justapostos de diferentes épocas e locais (Stam, 19t;l1::,[~1']ftÍ~ pesar de começar com o
lamento de Gregório de Matos pela Bahia, a músi~~~ifé aetano sugere a possibilidade
de recuperação por meio das expressivas cultW,:i¾, afro-brasileiras.
Caetano radicalizou ainda mais seus exp_;~¾~~ntos com a estética de colagem e
palimpsesto em Araçá azul, seu prirneiro,J:ljl?~~exílio, de 1972. O araçá é urna fruta
tropical que Caetano colhia na infâng:;r~ Jtrf ~ão existe.q)/&zyªçás azuis. A música traz
1t•..,_ ~~~ -t· -r: ,:r~;-·
memórias de um passado que n~~~a ~fatju, ou de ~ ipâ'.i~o obscuro e desconheci-
,;:/$ .~\,,:·:~•-· .,li , ·'.\~''>+ •·. _ .. O:•,
1
do. Na comovente e bela faixa-tírof&'; G,àetano ide~tlfiçâ':~ ~araçá azul com um "sonho-
segredo" e com um "brinque4,? ~rtQ f fato, a deu a Caetano carta branca P?Ifir~
para "brincar" no estúdio e ~lfi¾.-fu álbum p~~gtnente pessoal e críptico. Araçá
. · ·-~~~-lte\,. ~-\--;t:~,~:;tt~-
azul foi seu álbum mais.i~ l ~ êntal e se provo1fffiacessível a todos, com exceção dos
·.,.-.,.f-!. "~'-·'•r.·;r .f;..• ~~,,

ouvintes mais auda~i8J~?0'.;f~i-nou-se o•~ i1$R-fPl devolvido ou trocado da história da


indústria fonográfi~ l5iliit<t1ra (Veloso,i-199g~ p.486; Calado, 1997, p.294-5).
-~_;i ..,·~·
Durante a fas~tfif}calista, Caet~41t :&-~t1'.Õrnou uma popular celebridade na mídia,
defendendo a rntÍ.SÁf~\p op como ~ pi{)..,duto cultural para o consumo da massa. Foi
·-::It.f'!_4t,'·' ~~:.--~~..
justamente seµ status de artista__ c9,11'Sâgrado que lhe permitiu fazer um álbum experi-
<···-·~--r-:~~- ,.;_'.\'-•\·~,f;"'~'

mental co~_rrlf j~1~o apelo po~ ( nie ironicamente comenta em uma música: "Des- .
tino faço.i•~~ô"'p êço / tenho •qsiêô ao avesso / botei todos os fracassos / nas paradas
de suc~ça1;}I~.-raçá azul erfffe'iJs uma renúncia ao seu entusiasmo da juventude pela -
ind~g~,i ~ltural e:,,p iª-'iS!-)Hffe/afirmação de seu contínuo interesse pela exploração do .
·~r'o-.. --.,"i..:J, ·- 1
~w.;~. ~:- ·l;,, ~> 1· •

"~j#s~f~(t'f , o expéf~;µtalismo de vanguarda e práticas musicais tradicionais) da ·


-1i~lêa popular (~rro~:·1989, p. 77). Uma homenagem pessoal à vanguarda brasi- .
;J,':J~+{~'t:ii, especia~~~;~1itüswald de Andrade e aos poetas concretos de São Paulo, Araçá •
'.,:.-~.: :_.',\·:,:", :,lY.~i~dzul represeqÍÍ\:ftina continuação dos experimentos vanguardistas iniciados duran- •
~~.~:;-~•~.
. . ,._..;-;.;"!~.
:iN te o períod~ ii t ;fropicália. Estruturado como um mosaico de fragmentos musicais .
...:.., "':"..... , ..
•,~~;t'f/1.-•- incluingJf'b~a-nova, rock, sonoros "objetos encontrados" nas ruas de São Paulo,
t~• ·,,

arranjQS::Ôooecafônicos de Rogério Duprat e sambas-de-roda afro-baianos, Araçá azul


foi dt:~~~~' como um "álbum cubista'' (Risério, 1973, p.4). Para os sambas, Caetano ·

196
Brutalidade jardim

convidou Edith Oüveira, uma mulher de sua cidade natal, para cantar e tocar percus-
são com uma faca em um prato de porcelana. "11~r;!}t ,
A estética da colagem é mais bem demonstrada em "SugarcaJ},itf!,â'~ Forever",
uma alusão óbvia a "Strawberry Fields Forever", dos Beatles, 9~1l~~t'.Alternando
10

entre sambas tradicionais afro-baianos, sons dissonantes de o,&~íi~tr;, bossa-nova e


jingles no estilo do rock, os elementos constituintes nunca ,~~CJ~~·etizados em uma
1
fusão estável, mas permanecem suspensos em um estad . _i, '"' t!t;ão dialógica. Justo
quando o ouvinte começa a se acostumar com a voz estri / Edith Oliveira, uma
orquestra cacofônica intervém abruptamente, só para,,§ f't~~eclítia por uma suave bos-
,,, <j' ~1.

sa-nova, que, por sua vez, é interrompida pelo retornol~ samba-de-roda. A música
não pode ser consumida passivamente; ela nun9flffe~!:WÍte que o ouvinte se acomode.
Em vez disso, ela convida à reflexão sobre as e conexões entre a experimen- ~iP~~;;
tação de vanguarda, a música popular tradiciõ' ,. '+formas contemporâneas urbanas,
como o rock e a bossa-nova. ~·l"'.:.

Como a revisão do soneto barroq:{:Sij. 'g6rio de Ma~ ? i&ugarcane Fields Fore-


-~J{/..: ·1.4:! ~/>,...~~<;., '
ver" também escava a história baiana. Eíf :"' ijto os campÇ,1~Ôy}n.Õrango (strawberry fields)
dos Beatles evocam um paraíso bucf,-;,,:i:,,,~d~al para "1,J~f;:~ ucinógenas, os camposde
cana-de-açúcar de Caetano servdtti.:,. ,ó lembran~ t9,ê A~ida nas plantações na Bahia,
fundadas no trabalho dos ~ Fr:Í~Q§,;l icanos. 1'{9 e~~;~o, a música também alude a
uma história consolidada ,de:~'\& ig~~ação e cultural, que constitui a própria
•.~\t;'.tJ}\ I :-:
ffl~~r.4:is:trt~,-
: ~ «'.\~~-i{t-·,.
identidade do compositor. Errf'uin interlúd+9!Yno,::estilo da bossa-nova, ele entoa repeti-
·" ·;,t,,'. . .,., ,
damente: "Sou um mulªt9 no sentido t1fo.;>,"t.i"'t'hlfm ulato democrático do litoral". Refe-
i .t~..· ···t?fr .i~--··<J:~->~_.,_ ,
rindo-se a identidadei\~siffes, políticas 5Sr«!~gÍô'nais, a auto-afirmação de Caetano como
um "mulato demo.Ç,riti;~;; do litoral/ °':·v;;~ questionava implicitamente as pretensões
r:;_1-~.r -.-i:· . .
do regime autori ,r;, •
.J~ue alegava ,f
·~ ~L
.~.rrtocrático, ao mesmo tempo em que também

se referia às d( ,tisoe~ raciais de ,qtl:~qti~r luta pela democracia no Brasil.


Araçá a#,Jtl:.i~,.,:}{llitas vezes ç;i~~\~;~ado a última experiência da fase tropicalista de
Caetano__ f" , ,:iS!-t to, 19~({i,fp~ijjj::~;,O álbum retomava e radicalizava os experimentos
'\~-;-:-~---: ·:''.''f-·-~1,-!:-- ·-~:'{;r.\:.:-.. ••· f~•:.

poéticp,#?\~·~ us'icais da Tr • : ' ia, interrompidos pelo regime militar. Nele, Caetano
:>;-t/Ç/."}-i:, ' •.,,

acen:~;iviitãs produtiv~ r;lcUS$ posiçóes exploradas pela primeira vez em 1968 entre a
111:~ ~i *) hpular e o_ef¾1~tímentalismo de vanguarda, o arcaico e o ultramoderno; o
,;S'
z
r~xJio
'·'"'
urbano. ~b
,,. .;,..
1
~iiifanto, tendo em. mente que os tropicalistas também estavam
l. e11i plvidos na pé'' .· -..,- o da "música pop" para o consumo de massa, Araçá azul quase
':;i;~~€N~ga a cons ...i'i'f.;t i-i1ma anomalia na obra de Caetano. Sua obra subseqüente, embora
l ,.J te comercial, foi mais facilmente assimilada pelo mercado da música

197
Christopher Dunn

0{ T-80.PIC.AUST.fl{ .( .fl (0011.fl(UL~ I


. . ·\V:t.· ,..,.
/c1'i<t:~. ';)
Gil e Caetano voltaram definitivamente ao Brasil em jan~,ii-\iij~?í ,1··:· ~'t.:_.,,..
972, durante a
fase mais repressiva do governo militar. Na época, a oposiçãõ}ª,pnada foi em grande
5
parte liquidada e muitos ativistas políticos estavam na p~f#:í '5~~~ ~o exíHo. O contro-
verso terreno cultural do final da década de 1960 de~;hii~?i desilusão política e às
~~t· ' ~ 1-::-~;,.
mazelas sociais. Com quase todas as vias de oposição:~[~~ organizada bloqueadas,
a juventude urbana da classe média se voltou par~}~'ú~,êis"l ais pessoais e espirituais,
t;• ~•._ :;.•-tr
muitas vcr.es recorrendo ao consumo de drogas, àlp§icanálise, dieta macrobiótica e
religiões orientais. Como no resto do mundof ~~9.ntracultura brasileira produziu seu
f.:-{6' -~--:~~~ ~ ,
próprio repertório de modas e códigos li.l)gitffi,ticos para marcar distinções entre os
~~':';f:':.,,,;_.> ·--,;,_y

"bacanas" e os "carecas". Apesar de Caeta$íci '?Moso gostar de dizer que era careta (em ,_-1. ' , ,.':/ r'-' ·-~

parte porque não usava drogas), t~rn9:~~se::frfu formado_r; ~ê~o.piniões da contracultu-


.;, ·-- ·• ;;o;- ,---· .r,-"'!i-:·•
ra, com seus cabelos longos e ro~t,_,. .•~p'~, ás, ,}, !'};ilrôginas.
.,~-t .J'1::.:. ·~1•~
,;~·,_:K '· '?ti>
_.t:l•.
A nova inclinação contracul~ ~ i.Jttuitas veze15'~ ~da de "desbunde" ou "cur-
tição", encontrou expressão eiiê~}9cticos alte_~g,â!iM:Sikomo Flor do mal, Bondinho,
Verbo Encantado e uma ediçâ,2;:;fW~ileira de v~~ ç;ttrta da revista Rolling Stone. En-
/1. '"·•t;}:_?~: 'ef:~t~Jii.:::,;--
q uanto isso, uma nov~ _~ ef-à,~9" de direto{~ dg'"pós-Cinema Novo fazia filmes de
baixo orçamento, c9~ ~~~1?s, como '\~ \~ji:'i~?~-lixo", ou simplesmente undigrudi
(i.e., underground). D a"m~hla forma çfjmó~;Jiétidade de São Paulo, agitada e saturada
~h, i._~•

pela mídia, foi o p;tlçp para o mo~~Htôfftropicalista, o Rio de Janeiro se tornou o


epicentro da noJ-ii~~ilência con,p i~Jf-ntlral. Artistas, intelectuais e simpatizantes se
reuniam em ---~?· ~al;dos pontos ,\'";g. ~,:~~~ntro na praia de Ipanema, com nomes como
~?-:•" -'\) .,t'\~.: .··.·.,
1
"Hippilândit;/ A.JDunas do B~:4tQ~ , r~~ •(. ~!..;.'1'1'(,;i,l,.'f" J;'!J.:~•
;~ "Monte da Gal", nome em homenagem à mais
•,:-"

famosa re~iç~~~'t ante, Gal Ç6\~,~


·--~-- ' ".J' 'it,::\. 41:-;,t,... ,•:·•;,·
J ~~rite com expr~ ~da contracultura internacional, que circulavam na forma
:~~'\;'.. .J'''';,;, .~,t ..,.....:-,;.
de r,~yf§t~! f µvros, film~~§t:os, a Tropicália foi o principal ponto de referência para a
.;·.:- .:~.,. ·.,..,·,r,;; •y·./'í~<i ~-i~..

~g.i~a'éh}u.íra brasileirâ,~)3 irucio dos anos 70. Vários tropicalistas surgiram como impor-
·i,'4R_t~l'ícones cul~s qo cenário da contracultura. O compositor Torquato Neto, por
::f;)~êfiiplo, transJ.tl~ ;gfu meio a produtores e diretores de cinema que se posicionavam
.~...... ,:-.f ~Jl;....,._.·'•· ~:,
ál· 't/r:t1pôntra os co~raaôs diretores do Cinema Novo. Antes de cometer suicídio, em 1972,
'.ti;,,,,. ,Ji~ ele mant:,:7lf~ coluna regular na edição do Rio do jornal Última Hora, chamada
,,,_,,,i,-Y "Geléia ,g~i~f~
fo título de sua mais famosa composição tropicalista. Com Waly Salomão
e Hélii{ffifi.cica, Torquato Neto organizou o Navilauca, uma coletânea de poemas, prosa
e artt ~~ ~s, apresentando os principais proponentes da contraculrura brasileira.

198
Brutalidade jardim

Gal Costa passou a ser foco da atenção da mídia, surgindo como a mais importan-
te voz da contracultura brasileira. Seus álbuns desse período mantivet:~ a tendência
tropicalista, apresentando uma mistura de interpretações de clássi5,ot I~iinúsica bra-
-· .. .,,~i.,.~-
sileira no estilo do hard rock, blues, samba e bossa-nova. Em ~..-l:~6@;i,
lYi
f la começou a
. ,,:,._.
trabalhar com Waly Salomão e Jards Macalé, que foram inter!.1~J~res do grupo tro-
picalista. Salomão e Macalé compuseram "Vapor barato", 4..~ ;fqn~ da contracultura
~.i.,":-i:--~·i'·'
gravado por Gal Costa em seu álbum ao vivo de 1971, (ji,l:J4.l;_iifâl, A todo vapor. Uma
'~t.. ~•;... .'>~--

balada acústica blues ao estilo de Janis Joplin, a músié\ti:5:!ti~ um hippie vestindo


"calças vermelhas, meu casaco de general, cheio de q;Ít~to/{~~ucÍ1~bandona sua "honey-
baby" para embarcar em uma viagem pessoal de aut~d:gsi~berta.
Na época, também surgiram outros artistas (~~das que se identificavam com a
t:;:.; '\·-·:J·
contracu1tura brasileira pós-tropicalista. Em J9ti'i"': um outro grupo de jovens músi-
cos e compositores de Salvador se uniu paràf(9tiji;r os Novos Baianos. Liderado pelo
. .~:,,_, -!.ff~Sl; ·-.:?t~-·,,,
cantor e compositor Moraes Moreira, c~ ~;êbmposito~,J iuí-\ ~'.Çalvão, o guitarrista
.-: ,._. ,.-;..:~ ... '-~ \{, ~~:

Pepeu Gomes e os vocalistas PauliJ''/,•-~.j-1,{C>~tJlqcã"de


;,:;:?s,r....c;..-g:
Cantor,~~~ B'i'mcy Consuelo, os Novos ~'-i:, -;.~•·

Baianos desenvolveram um som distinh ~i-ãcertadame,&t~:d'i'Jêrito como um encontro


.:~/~t~>-.. . ··t i·~· .:t' · '"C</,:r
do carnaval baiano com WoodstcfçWt~ ::Misturandg_
<,..
~;,p~o
-:~-t'·
veloz do frevo dos trios
-'º•i'.? . :,.>'_...,j.·

elétricos, o rock conduzido P~.: :,: ~ f~fas e a boss~~~?~• o grupo exerceu um grande
impacto na música pop b~ ~ -:i_'::qçpartir da déqida g~ 1970. Por um tempo, o grupo
morou junto em wna,,t;o!ri~id;de
'·?i\:~.::!.'.:¼-~:.,
alteitfà'iit 4~(t~ i-rural no Rio de Janeiro, fun-
·~.•.1:·.;:~-:,.-,
.:1 't

cionando como um coletivõ·m usical. Diffie.rifeinente dos tropicalistas, contudo, os


Novos Baianos nunc~p'.Qpuseram ne~ á 'tê'§pécie de "movimento", visando criticar
- ~~ :,,.~ ~, . ~) ... :'-.
as tradições musicaii~~"ª'f1deologias 9,ª1niifils.
Outro músisR;-~ai~o que surgiµ:: tJm o importante personalidade da contracul-
tura brasileir~.., i~i¼'ul Seixas, t~ {r; f~eiro cabeludo e barbudo que combinava um
::--:. ·''-2-';',,i'' ~\..:.~~ \:, \

rock 'n' roll i9:~~~tilo de Elvis R f~lt~-y com formas musicais do Nordeste, como o baião
..... ·..... ·i::•'l'-'?. :f•;,t" "l~;::.. "·

e a capoçif-â~~l.)ául é, em cert!ps{ã$,Pectos, único em sua geração por aparentemente ter


ignor;d.f~~~~ente,~ p~-~~~t~â?a, a Tropicália e até mesmo as inovações d'Os Mu-
ta.nf_~ ,·jiõ }foc~. Raul Secr~:~e posicionou conscientemente fora do âmbito da MPB,
de~f~;IBdo abertamé~ e
~ - .s.,-'.~~,~~~. ~,~·,... ,. ·1.
'';°J.
éfu
uma música de 1974 que não tinha "nada a ver com a
~~ 'êvolutiva d~--~ ~.fh Popular Brasileira'', uma referência à famosa declaração de
r ~,.- • - ;, i!,
. ~'!,.; f( -.~. ,'1;•,

\ ~~6 feita por O~ t:inó. O próprio Caetano afirmou anos depois que "tudo o que não
~- ,;:.... _--~~~---,
,.

;-1_,

'•ii~• ~i~l·
. ,l -ra americand.·\~ i)Raul Seixas era baiano", sugerindo que sua trajetória ·musical do

10 McGoi$9,~~;f~anha, Brazilian Sound, p.130. Para uma história dos Novos Baianos, veja Luiz Galvão, A nos 70:
Novos &iâ'fwt

199
Christopher Dunn

Nordeste do Brasil aos Estados Unidos não passou pelo Rio nem por São Paulo, os
centros tradicionais de influência cultural (Veloso, 1997, p.49). 1?;c.h,., . ~·, 'i •; ·-1..

Seixas ganhou fama por suas composições radicalmente não-_5:e,~tórmistas e gestos


performáticos, que incluíam encorajar uma multidão de fãs a Js>i~t:{Ji-a os documen-
tos de identidade e tirar as roupas durante um show (McG~~ç; :,~:-·Pessanha, 1998,
p.19). Com Paulo Coelho, Seixas compôs alguns dos gr~tÍêi~t~'~ks da contracultura
brasileira, como "Ouro de tolo", na qual ironiza sua f ': lwl~trela pop, "Metamor-
fose ambulante", uma veemente defesa da mudança c~h,s (_. · · e das contradições inte-
,'.'_/f;,~2(:.:l~~,, t<
riores, e "Sociedade alternativa", um convite para ~'.&\~;ijf llffea "sociedade alternativa"
durante o período de governo militar. 11 •.; X:i~Jfi'

A tendência contracultural também enco4.r:~y expressão em artistas que desesta-


bilizaram as distinções entre os sexos e, em ~ ~~~asos, afirmaram abertamente sua
'·~t-~ ,,_,,"j'r.~;.,'.,'.

homossexualidade. Com uma voz aguda ~êJé!Ji~>r alto, Ney Matogrosso se apresenta-
.:,.,• •-~ .ç .-"
va no palco com um estilo provocativ~ i've1~ao com po~~âst!9upas, totalmente ma-
quiado e enfeitado com plumas (:,llévi~lif ~OOO, p.2~~i§1f\;;Matogrosso conquistou
1~r. .,. (· .( '':.)\:/~>- . .
proeminência nacional aproxima-a·~ Jte na mesl1},;,k;{!5&êa em que Caetano Veloso
lançou seu primeiro álbum exp : · Araçá ,, -•" texto de capa anuncia que çpi~, ~
:j
Araçá azul é "um disco para e1ª-tt'fi'J
,,r~:~•.~·-·
' .':6s", um ter#i~ ~~;,~
~ bíguo que convencionalmente ,•;.~-~<·~·

se refere a pessoas esclar~;Çi: ·,:?is que rarqbém'? '{1tilizado coloquialmente para se


·..h+i , .·.,_ .:f , _ / :7.:. ..:;;Jt
referir a gays. Apesar g~ ',"''.I__ úsicas náoit.{ ~?~ffl:referências explícitas à sexualidade,
.·,>.•,;;'.,;·);s;:.;,:,.. .)'(;.~<;<';~-.• :. ..

a foto de capa do álb{írii"•"' shando o ç{>rpõ1~ sbelto e pálido de Caetano diante do


espelho sugere am~~Á¾fade sexual.:;t&>:~~~i'i?l2
Na qualidade cti~V4fres exilados.~~ 'tti~3-m ovimento cultural em grande medida re-
conhecido com9 o ~6Inento inaµgyiãl:Jda contracultura brasileira, Caetano e Gil fo-
,.._:;,..~,; ,::;,.~_. :/!.t.,< ·--.";'-':'-~.'f-'
ram recebidoiiÊ,~ilh.e ntusiasmq;_ ,:, ,.,}étrativa quando voltaram do exílio. No entanto,
·.•--· ..i;~ ,·:,.t._ . .•-..:/.·~ , ._-!;· ;

os dois dei~Ji#rt"i'f laro que nã~~:P,; ·am nenhuma intenção de liderar um movimento
'•~>
·i• (~I'°•~-<" , 1r.':;,_~

ou de açf~~i!olno porca-v($i~ itâ nova contraculrura. Ao chegar ao Brasil, Caetano


anunciõi ,·'·fff prensa_: "i~;).i1r{quero assumir nenhum tipo de liderança. Quero só
.:i/ir ~.-- ' ·;, .tf+:--,. -f~t'.':k·.}f . -•~;>.f t·
cantjrr''.~ ::,p íilíhas músiêt~i,J?àra as pessoas verem que continuamos cantando e traba-
+ iji,Não existe ~~s :¼Í;n huma esperança de organizar as pessoas em torno de um
i(*~r-~;:ii:omum".l~
:~: ··~,: bém expressou indefinição em relação às expectativas de que
~,;;~,:-

,., 1-','~:~,~l~:~>
- - - -..._· .0::;:~~r
11 Mesmo a · . :f'mon e, em 1989, Raul Seixas continuou a atrair jovens brasileiros de todas as classes sociais na
qualidaq;ç,~~$tW ícone do não-confonnismo e da rebeldia. Veja André Barcinski, O general do exército de malu-
cos, !i«{{,)f WSiÚJ Paulo, 16 ago. 1999.
12 Caetàrió~n'J;templo do caetanismo, Vqa, 1 jan. 1972.

200
Brutalidade jardim

ele assumisse um papel de liderança cultural e política. Em uma entrevista, ele disse:
"Teve um momento em minha vida em que eu achei que tinha of:Ír-Jigi,ções políticas
com a sociedade, no sentido de contribuir o mais intensamente po ,·;, /,; a as trans-
formações desejadas. E, de uma certa forma, eu ainda penso ass~ âa faço assim, e".·.
só que eu tive desilusões muito grandes, eu aprendi que a gel], êÍfi\9 pode tanto, não
pode. A gente pode outras coisas, mas não necessariamente, .· ·) ormar o mundo da
..·
noite pro dia" (Gil, 1982, p.161). .,.,,
Foi Gil quem demonstrou mais interesse pessoal p~Í~:, · Jrito e o estilo de vida
da contracultura. Ele seguia uma dieta macrobióti -, ,.,, . ert~~a a platéia com refe-
rências a suas buscas espirituais. O primeiro álbum pbt'~'xílio de Gil, Expresso 2222,
foi o que melhor expressou a mistura de desi\j "' · _J;mlítica e libertação pessoal dos
-·-,.,;..,_
;'.·. ·,r
participantes do universo concracultural brasij, '•í'\ 1:;A música "Oriente", composta em
Ibiz.a, Espanha, um santuário da contracultJi quanto els .-~ nda estava no exílio, é
um bom exemplo da obra de Gil no ,iní , ~ anos 70. ~,!;~~;e
meditativa música
~-.<ff: };~\S!f~\!~ t
evoca o som de uma raga indiana, " · 6 com o co ·.•· '~ ê:~YSe oriente rapaz / pela
constelação do Cruzeiro do Sul". A,,5~~pr:~sáo "se orie~tê!ftf / bígua, sugerindo que a
autodescoberta ou a orientação pe~i;~:;i)~de ser en.9ifil:t-~ l no Oriente. Durante esse


período, a juventude da contrat~~tyt'
•,';¾•·. '-ih!f.,
e m rodo o ijs::i~énte
\:;K,.t f,;~l~-:;
1
era atraída por religiões e
filosofias orientais. Gil ob w'ó\i~i'íé a refe~ên~ja aqtÇruzeiro do Sul, um símbolo na-
cional incluído na ban4.~i 'J J~ileira, foi .-:~,- q:, ' :'i~são de "saudade do Hemisfério
,.,··;i,--it \Jt;:Jf< 4t 0'·\~ •'
Sul" (Gil, 1996, p.127). A riiê'nçáo ao m.~l ,,, empo lembra o lar e atua como um
guia celeste para ouq,~ :i 9ntos do gldtq~:~~\hit~J
Nos Estados Uni§~~,,,;,i~ movimenrjt ~6~traculturais foram submetidos a várias in-
terpretações co~f~t~-: 1heodore1 ·•,:i'JJt; argumentou que a contracultura foi produ-
zida pelos "filbJi""",fF~•.'i,:%
,if\1;t ecnocracia'.'.-
,1-,,Y
í?uilj:,Ja,leração
~.-:.,,... --.."'.;\.•
excepcionalmente afluente que atingiu
a maturida~~?lij~?f~~ada de 192~":âtt;~te a luta pelos direitos civis e os protestos contra
a Guerra < 'ihã. Para Ros~,L d: . maior importância da contracultura foi sua recusa
·.•. •

,, ,' ' ,,.•, ., >',-,>e,.;.,


do co . pJ,â~f.-,, _ilitar-ini~ttT~ê-'sua visão profundamente destrutiva e antiecológica vi-
~ t ':/f:y'· -:'l;.~:•_·-:r.t,;::,. -,,~

sanq~'.,;,.:« n0;~rescimentõ?~~onômico. A contracultura exigia novas formas de encarar


a ~~i~fi~de, a comuf{~çla€le, a natureza e a psique individual (Rosnak, 1995, p.156).
,:§iJil~i'críticos ard,~iikam que a contracultura, com sua imagem de juventude re-
f\,:·. ---.~t: .--:'ª-.:{~~º!?~;~
Mâ.ldé e sua me~êfü; de não-conformismo, era típica do desenvolvimento de uma
~~iii'f~ tura de c~~ ~~ih·obusta e segmentada. Com base em vários exemplos do setor de
,,,,:;,, ,'í:>ublicidadeh-{Jlrõífias Frank demonstrou que executivos do setor exerciam papéis fun-
damentais~\1.,~\} ivenção e no marketing de estilos contraculrurais e na promoção do híp
consuâ it({consumismo da moda) nos Estados Unidos (Frank, 1997, p.26-33).

201
Christopher Dunn

Apesar de influenciada pelo fenômeno norte-americano e europeu, a contracultu-


ra da classe média brasileira surgiu em diferentes circunstânciJ f~ s,_tóricas. O Brasil
tinha uma sociedade relativamente pobre vivendo sob um regiqf~~; i.Íltar brutal. Cer-
tos aspectos do estilo da contracultura freqüentemente surgf!~ ,,J ?"; evistas de moda,
mas relativamente pouco esforço era feito para promove.r;,_,{ ~t~ nsumismo da moda"
no início da década de 1970. Por outro lado, a crítica¼~ri~f~~nológica e ecológica
identificada por Rosnak era menos proeminente do q~ ·:~::Êfí~ica à violência militar e
ao contro1e soc1·a1 . ·if . \;;;J\
'')ti,~,it; ?,: ~,...,-: ">',-._i,J.:Ç;.- •...::.~

O antiautoritarismo da contracultura brasileir.t'


,.._,:
· ·.~:is~funiu a forma da conscien-
f(:"

rizaçáo coletiva que caracterizou os movimentos dêéprotesto dos anos 60. Por esse
motivo, os observadores criticavam o fenôrtj,~(f;Çomo uma forma de escapismo não
politizado. Em uma análise da "geração_,~~:: :~ ~:5", por exemplo, Luciano Martins
".,1,, ''"·-.
argumentou que a contracultura brasileif '!:f1-"uma expr~~~áo de alienação produzida
pelo autoritarismo" (Martins, 197?, lfffl4);;'· * · álises m~ i-·- Ji\)~ráveis da contraculcura,
4-.:~,-, ,•..;~:.~-,,,,.. Y-~":. · .' :,•,:<:_? ·\~-:~,
contudo, apontavam para a re~j~tçgyÍf ':~f cultura inS:r).1;µêitfoalizada, à racionalidade
:;)'.~r::J:-;•.:J"'\'• '•...-;,?: ••.. C •,;:,;i~T~? ''

tecnocrática e à miríade de for~~, ,gi Fcontrole sg!,iiâlt#bh o governo militar. O viés


1
antiimperialista que orientou ::·~,(:; ~ ;so revoluçid\~i~ da década de 1960 tornou-se
menos relevante à medida .q\':· f~ tistas queJti9,"'º#,~am a própria noção de "cultura
nacional" unificada. Sillidw~t ·:,àhtiago_arra!me~;i ~~ que a contracultura inseriu "no
;3//· ..:::-:..~.
' i"!(i<, ' . .. \;.,?"

contexto universal ~fL '· alores que( ·. 'rfüarginalizados durante o processo de


construção da cultur;·'br~ Í~irà' (San~~go·r:~f 978, p.134). Foram feitas tentativas de
t:j~;, t~\i:-•;!.:.-Vi~x:
criticar a cultura Jf · · nal a partir" · ~"'.'.fuargens, inspirando-se nas contraculturas
internacionais e g~-;;S~hiunidades,{ ,~ú,. >;:sàmente marginalizadas no Brasil.

.i:~
_,1~&0(.(í Úll-1110(
,/:t:'&i:'" 1
<1:.~":J--~f

,., , 'J 3uarqti~;:. •tJf1nda observou que a contracultura urbana do início da


4i t:"'"" e 1'970 t~ndflíki ,~~ identificar menos com o povo ou com o proletariado
'~M,p}il~ionário e.,i ~i~ ~óm minorias raciais e sexuais (Buarque de Hollanda, 1992,
iit .. ·6). Essas c~j!if~des pareciam oferecer um refúgio simbólico a hippies e outros
·,· • r,• t/'~•-· •'f,::..;;:§7-";~-..- \ '..:.·

AÔ'
;\\t;t( efensores 4:r:~ritraculcura que se sentiam alienados do discurso patriótico do "mi-
lagre ec01',Q:
-~~~::,·-:.;:":;.::v:J,--;.>,_
?1 alardeado pelo regime militar. No início da década de 1970, mui-
tos deles;'.~ ,,,,,,, ,_,r,;, para a Bahia, que consideravam um local privilegiado para prazeres
telúri~J~~" . ' dicos, longe da vida alucinada do Rio e de São Paulo. Caetano lembra
{:~·/':;. '' ?:.::~;
que '°Sfil'viidor - com seu carnaval elétrico e libertário, com suas praias desertas e suas

202
Brutalidade jardim

praias citadinas, com sua arquitetura colonial e seus cultos afro-brasileiros - tornou-se
a cidade preferida dos desbundados" (Veloso, 1997, p.469). DepOi~t~,ç; voltar do exí-
lio, Caetano e Gil logo surgiram como personalidades do carnavajt,t í~Jb. Em 1972,
Caetano se apresentou no próprio trio elétrico chamado Caet~ ~t,;~ palco móvel
no formato de um.a espaçonave. Ele compôs vários frevos J}g;Y.&'s.ftfOCados pelos trios
elétricos. No ano seguinte, Gil entrou no afoxé Filhos de ,K'i'''t"í) um grupo fundado
por estivadores negros e que na ocasião estava quase d~f~ (I,\C . _:ido. Ele compôs uma
homenagem popular ao afoxé, intitulada "Filhos de d{~ · ,;f, que invoca todos os
orixás para assistir ao desfile do grupo no carnaval C;_:, ,}'\ ;;~9dfp.146). A participação
de Gil nos Filhos de Gandhi estimulou a revitalizaçãtNio grupo, que se tornou um
símbolo consagrado do carnaval baiano.
1
~tt.:J~It;%t'
Nessa época, Antonio Risério notou u A .,.,Í'~Fª recíproca de discursos, práticas
e estilos entre a contracultura em grande pfu,Ê · ·rmada pel.~,classe média e a juven-
_,.. . ''"' , <rt-•·.,, ...
rude negra da classe baixa da Bahia ( "' rii •1981, p.2_ 'f' M'&uve o ressurgimento
1
das músicas pop celebrando a culrif.;~é .,;:j;>';:B;asileira, e <..·._
_ ·ial o candomblé, uma
corrente religiosa temática desenv~Jf i~;;J ~r Dorival,:;~ ~~~li desde o final dos anos
30.13 A confluência dos pontos d ',. ~~~ntracultqRJ~l~1Jlfo-diaspóricos foi enfatizada
em 1976, quando Gil, Caet~ "º•' · : ·'t :osta e M~i~,;J,ethânia embarcaram em uma
turnê nacional para prom~;y_ éft®,);tPoces Bárba,rps, 4W, álbum duplo reunindo o grupo
baiano original que se <;!-'MJ?:> -~~ em Sal~i~2~rii1964. Doces Bárbaros sintetizava a
cosmologia do candombll1~o · a astrolog~~ ~$~ prática espiritual que ganhou popu-
laridade no Brasil nosíâinos
.'.;".}~; · v.;t~)\
70. f?-•': ~t1,,,. <iç;t;;,P!
_. ,;,~~~it~~}·
Comparando-sel~Jfárbaros qm:,invlãi'í-am Roma, o grupo baiano decidiu "con-
quistar" as cap1t ~o -Brasil, an~i~1â8' na faixa-título de Caetano: "Com amor no
·-~/; -·1~·$-:J..

coração / prep · · fr>'s a invasão fA~,b~Jós de felicidade / entramos na cidade amadà' .


.r;;;- ,!, ,:.;._ . . . >~ -~:,.-•·~~:
Em ve:,,, de 4~19.uistar a cidaq;{l~!a·•força, os Doces Bárbaros propunham tomar a
.... _:·-''."'"·• -,','r.·:•!, ,~; ·t

cidade tr · ,.i ihando-a emz7ÍÍ~âê'spaço dionisíaco de eterno carnaval. Utilizando o


linguaj,,,;·_ :) ·ppiesl p;~~ · ·r::~;· o refrão anuncia a irradiação do "alto-astral, altas
J:tlt/;,,,,½ _:- :•~f-il-··- -'';'

transiit'lt
~~- •.z~:t("::.' ·;.
, ·· canções / âr@xés, .;~'/
astronaves, aves, cordões". Evocando as divindades io-
ru~(':~~ttandomblé, Q~orikás, os Doces Bárbaros propunham uma insurgência com a
•)!:'•~-Jt--, -.:!' :

,:q;jtit~'tia "espada g_. . . ", da '"bênção de Olorum" e do "raio de Yansâ'. Uma outra
\~~- -:;·~ _<nt:--~,,~.,~\""iJ;
\~ ;~ ifca popular ,~ 'IDlfom, "São João, Xangô Menino", celebra o sincretismo religioso

---~";~~!!~ .J, The Expansion ofBlack Religion in White Society: Brazilian Popular Music and the Legitimacy
Trabalho apresentado no 20th Congress of rhe Latin American Srudies Association, Guadalajara,

203
Christopher Dunn

na Bahia, no qual cada orixá é identificado com um santo católico específico. O que
começou como uma reação estratégica à perseguição oficial e à supt~J.~ão da religião
africana no Brasil cresceu até se transformar em uma nova religião ~,i4i~pórica com
um panteão próprio de divindades africanas, católicas e indígen~:f~'.;;_1i iiú.sica, Caeta- .t,. ·". "<1:r.~-~

no e Gil faziam referência ao festival de inverno de São João, ~ §~Çii,do a Xangô, orixá
do fogo e do trovão. Durante a turnê, os Doces Bárbaros at!t~f~~~~am várias outras
músicas celebrando o candomblé, não incluídas no álbu.m .Í'ht~; Bárbaros, entre elas
_~:,•,~_,~,;::-~

"Oração para Mãe Menininhà' (1972), o tributo de D t~:t·','.i t, aymmi à mais famosa
mãe-de-santo de candomblé do século, e ''As ayabás:( · J;rlfó-Gil), baseada nos rit-
mos sagrados dos orixás do sexo feminino. Apesar d; fiif ·· um dos quatro baianos ter
sido criado nas tradições religiosas afro-brasileir.f l ~~-s passaram a se envolver cada vez
mais com o candomblé durante os anos 70. , -~ittfk,··< ;j,' _ "-'·'•

Enquanto as músicas dos Doces BárbJ'''º ;radas acima tinham a Bahia como
principal ponto de referência, "Chuck B~~ ;,> '.ds Forever~f ~~-~ il, uma outra alusão
ao sucesso dos Beatles, esboçava as{f6,g~}~~~1~rodiasp ' · ._ a música popular. Em
certo sentido, a música é uma cod1im~:,~ "SugarcaJ};~tiJ~l~ Forever". No estilo do
rock 'n' roll dos anos 50, essa cançitJâ~~~evia ~r~·f~:r..· ,,._-;.:
em t~_ rií..9.$~Íticos a gênese transnacio-
;'.->_/· '•V<_'~ -::~ ~

nal do rock na África, na Améd~aJ~:j tina e nos Eifü1d4\S Unidos. No Brasil, como no
resto do mundo, o rock co§:t~:J~r:~isto corno do~~\i o cultural da juventude branca
· \ [,;-;. ~:·! ~Y _:.,.. F·:\, \Jf
das classes operária e .111.,~. • ·--:; ' pm o surgr · \ _:;ie Elvis Presley como a primeira es-
trela internacional do r~~ke -l ~bseqüent,~·'im(â§áo inglesa, as origens afrod.iaspóricas
., ~'i;:c;.r._ _f ..\

do rock 'n' roll foram,:f-.,,.2~:tll,g rande parr~?mi,:ttfmlzadas. Na música de Gil, Chuck Berry,
'\1i~ ·,· ~,-, ,,._..,1·.

o inovador afro-amé~iç~jb ~°t,'11tJ:'-


do rock 'a:itr~11tflserve
,9 ;·t~>;:!,?-y..
corno símbolo desse esquecimento.
Gil retrata o sur ·uienro do rock ' ,, · ·i;dómo a colisão entre uma Europa feminina e
. ?\:';.;J)

;e erga a virg~~}\~:mca tomba sob o sol


;~~;. . em m\tif{à~Si}P,,i f@T'machado de Xangô
,.n}tE''â&i ·gerados, â:/f~ba, o mambo, o samba, o rhythm'n'blues
i <'-Y..-{>"-(~·'.':., -•-..__...

/{t,,.·'tHtnaram-se aIÍ~fStl)~s, os pais do rock and roll


;r(J-5:tit\'!)' ;\,,.:~t?{::!itr-
,jf> ;:f}p:JJ;(ii..' cultura eu~gp~' representada como a "virgem bancà', é dilacerada em vários
lt\. .P.:t daços por _./ ·,,:·,,; a divindade guerreira na religião iorubá, gerando um conjun-
-.~;;j;);,,.• Afd
l -::\~p . . ·_... :! ,
"'i;\f.)~)fo de ritmq/ /êü~;p óricos em Cuba, no Brasil e nos Estados Unidos, que viriam a se

tornar as:~~ do rock moderno. Nesse mito, os Doces Bárbaros surgem como os
quatro .. ., iros do "após-calipso", um inteligente trocadilho para se referir ao ritmo

204
Brutalidade jardim

de Trindade, outra forma do pré-rock diaspórico. O maior valor de "Chuck Berry


Fields Forever" reside em sua recusa de construir a cultura african~1çomo vítima pas-
siva do domínio europeu. 14 A música também chama atenção p ·•·:~:t tsrir na gênese
transnacional, diaspóríca, do rock, localizando-a além de oupi' turas musicais
afro-atlânticas. _;~~~~{¼:
A turnê dos Doces Bárbaros foi um símbolo da contracultiif~~râsileira da década de
1970, expressando as aspirações de uma geração da juve_n. classe média urbana \;\tJik
durante a ditadura. Em uma declaração, Caetano aíirflÍ-9 o grupo baiano não se
interessava em discutir leis, moral, religião, política Em vez disso, os Doces <J~,t-:i~é~i~f
Bárbaros buscavam irradiar "uma imensa carga de.\fo~)~~ vidà' em cada cidade que
"invadiam" (Veloso, 1997, p.214). O desfechq;:;(~t . de hora da turnê foi igualmente
~ ;,f..' • -·":'"-. .<·t l''.~º

simbólico do Brasil contracultural sob o regimê'll~!J!lt:tr. Durante a visita a Florianópolis,


a capital de Santa Catarina, os policiais locai,l~J~flÍ~am os quartos de hotel dos músicos
•\. ,j t: ~. .~;-- .
em busca de drogas ilícitas. Gilbeno Gilt.~"º Bilíkrista do gr~pPJt9ram presos por posse
ilegal de maconha e posteriormenc~&~ te,t~1 em uma ~'t~y ; aúde.
Gil uansformou o incidente e~.ó~~tunidade P~F.iJ!f.êwocar um debate público
. ., -.;,f'":~ -t--_. . ··\~~:.;:.
sobre o uso de drogas. Enquant . · yê·internado,f u,}júma entrevista na qual afir-
mava seu posicionamento sob~ ;,'.:. '.si/ de drogas{}jtE 4:ii.Ú10 que é importante, é uma
coisa que foi culturalmen~~ d~§,ç ifiàa em níveis piõfdhdos no mundo inteiro. Por que
,.~~¾~\ _. :,'.~,,f~r~~1; ._ jk ~·71
não no Brasil? Por que ~•má:ntçr
..~-"-. ·,?):1:\
dse obscUw,~{Í~Wlf'todo,
;.::')-~-< ·;,;;.-?,'.·J~':r·
~.f._
esse medo da modernidade,
esse medo da arualida<Íé;;'.ê s~I;fhedo de es.r~·,n ~;mundo de hoje?" (Gil, 1982, p.143).
É evidente que o us<>,,8'~?-Iogas certa..l'.!}~~1-;f~;aJt estava sendo discutido "no mundo in-
teiro", mas com cerf ra tema de 1t 6it~J em algumas regiões da Europa Ocidental
e nos Estados Unidos:'. · o govern~.tH?Jét:_;_ry Brown, por exemplo, o Estado da Califór-
nia legalizou a {~ts~,de pequen~ ;~?l~idades de maconha para consumo pessoal em
1975, um ~~Í~'';ij~ítf:c~áo passotitJi,~~~fcebido pela imprensa brasileira depois que Gil
foi detid9t.J}~,1$rentou rran,~ -,. ,,:-,. seu tormento em um plebiscito sobre o consumo
de drog.:ef,~f,r-5:: }fu polici?-D1~1%t91it,he propôs como um dilema de modernidade e não
.. ---~;"1.ft~~- :/{t-·;,_.,,•, ::;:;:··'" -~"J·/-/ ,•.-;
como;~ ~
,,;::·2J~ .
ª
,f_:.! f
) ít~tão de'~r,éillffade
-. )~{~~
e criminalidade.
,,)~liâ\{Jeferência à µ_pçã9,
--<~1:':;._'. .
~ ''~};i.::}·
,J artriana de "estar-no-mundo" lembra o posicionamento
--~yr,,·
_,Bf:éY:là;tnente esbo :. los tropicalistas em relação à influência das tecnologias e
~~?!?:~l~
Aparentement;.t.~ cieme das implicações de "Chuck Berry Fields", afumando tratar-se de uma reafirmação
dos ªarquéà~ i" es" referentes à virilidade africana e à racionalidade européia. Veja Gil, Todas as letras, p.179.
15 Depois dç, · · preso, o Jornal do Brasil publicou uma piada na qual Gil informa ao policial que o prende que
as drog:1//',, egalizadas na Califórnia. Quando o policial replica: "Mas nós estamos em Florianópolis", Gil
arrema-titt,:;J:Éfanas
. •-,~?~~r
eu pensei que era a Califórnia" (Gil, Gilberto Gil, p.1 51).

205
Christopher Dunn

dos estilos estrangeiros sobre a música popular brasileira. Como o rock, experimentar
drogas era fundamental para as práticas e os discursos da contractJi\,;l;,l:ra internacional
que muitos brasileiros estavam absorvendo. .,,,")t;-

{0RJ.IUICUL~W~IL~ f
,r1.;:i~t1!;
Concentrando-se primariamente no Atlântico Nort;'' "Vi'f 9fono, Paul Gilroy enfa-
tiwu o papel da música popular na gênese e no des~~~~-i; ,,. mif
nro de uma "contracul-
tura da modernidade" do Atlântico Negro, posici~~{~i simultaneamente dentro do
legado do Iluminismo no Ocidente e contra e~~et{S:gado (Gilroy, 1993, p.74-5). Gil-
roy enfatiza o fluxo dialógico e multidireciorlit~
.' ,...,r,,;.
qê"
,._::_,.•
t ~ltura no mundo afro-atlântico e
menciona a música popular como um veí._, _--~ª· .,, "'ave para essas trocas transnacionais.
Junto com Cuba, a Jamaica e os Estadol Uri}~ôs, o Brasitf6i~(~ dos mais importan-
-~ ;\L"i,, :::-< ,:E,~".\.,. .. "-.;':·

tes produtores e receptores de for~ 'as ·,q,._~kais do m~ êtõtj~fro-atlântico. Nos anos


70, esses fluxos culturais transna~-- }fforam part,~S~!~:ô.ente significativos para o
desenvolvimento de novas form~f:§ê,:;J iúsica brasp~;i1::ii-bana que denunciavam de-
-::i..:: a-::;.; ,..lJ '\:i;°-;'.•,ef.\S·'
-"Ü,-;- _,

sigualdades raciais, confirmav@ ;yt'htulos histó( ,:culturais com a Africa e articu-


lavam uma identidade n$g_rl . \,<iva. Com<\ no ,,,.. ante do mundo afro-atlântico, a
música popular no Br~§,{~~~u como o--p~i4ª1R~:t eículo para a circulação de valores
de oposição baseados -;:;·.;i?íH\theras orig~s'~~snacionais (Lipsitz, 1994, p.31).
Personalidades [~,2sas da MPBt- ,f,. _ihíram para esse avanço. De particular
importância foi a '. ,; , e Jorge Be ;i· ício da década de 1970, ele produziu vá-
rias composiç~t;~ _e~pf~rando te~:~i>'., \fuistória afro-brasileira. Sua música "Zumbi"
;i\}:-,~>.::: t~.~- . .,,,,,1':??·:
(1974) é u111 '1:' "')ttenagem ao:{ ?'"tio famoso Quilombo dos Palmares, a grande
comunida4iL §~ravos forag1i!'9§. '. ~ século XVII. Apesar de não ser uma música de
protesto;fõ,,i'.lÊf o governo . / . ·;;)!'ela expressava certa medida de orgulho racial e de
questid~~~hto políJJc º'ª\J:9_ g:Ben conquistou um enorme sucesso em 1976 com
:;.-":':,:";,;•-.. "'':~:('¼~- "fJ<~t,r:
··,;.:~~{k/:..-... _

"Xiçl'•;f'fri\Sil~f', um irr" H funk-samba apresentado como a música-tema do filme


q~i~~lo; Diegues $~~r~;1;. amante negra de um abastado comerciante de diamantes
:Si~ ~:M inas Gerais ~fi~ ulo XVIII.
i;fL?s?•l!A década <il i}ti?:'Otestemunhou a proliferação de formas commoditizadas da
.i·J~?- ··:-:~.•. ;•'
ll, ,;.'.f ultura pop -, ;.,~ o-americana no Terceiro Mundo, com ressonância especialmente
1
'' Ul)fuf;;Y:f<intensa n~tlí~~es pós-coloniais da África e do Caribe. Em vários contextos, a mú-

sica so ' .,,;,;,,J µmes que exploravam o estereótipo dos negros e as celebridades afro-
ameri~t~:: dos esportes exerceram um grande impacto sobre a juvenmde africana

206
Brutalidade jardim

e diaspórica, gerando expressões que muitas vezes divergiam das culturas nacionais
sancionadas pelo governo (veja Joseph, 1998; Diawara, 1998). Jovég:§_,afro-brasileiros
··•·"f..' t
se apropriaram desses produtos e ícones culmrais para contestar ,. · ':cl i:ifação nacio-
nalista de brasilidade, que tendia a minimizar a discriminação i;il ~· '!: aldade racial
.;>;-· ·.•.• ?''
exaltando a identidade mestiça. Culturas transnacionais, di~lm;icas, muitas vezes
foram utilizadas para criticar as tradicionais noções rnod(:i.i-fí~t}~,rde identidade na-
cional. Quando a juvenmde afro-brasileira urbana com5f&,~ ~1ibntestar abertamente
a hegemonia racial na década de 1970, ela muitas vez~t;~:~~t:f eu a outras formas de
música diaspórica como o veículo mais eficaz de afi_gd' 'f~Ief,i~~ial.
Em meados da década de 1970, um movimerii: vtural apelidado de "Black
Rio" ou "Black Soul" surgiu nos bairros da d · . perária na zona norte do Rio de
Janeiro. Inspirado diretamente pelo movirnl . __ h. consciência negra nos Estados
Unidos e seus estilos musicais, visuais e d½~~i~4_rio, o movimento foi rapidamente
reproduzido em outras capitais brasileir _'.; ci~b São Pau1:2t~il~J<> Horizonte e Salva-
. .,., · -: :J-:r ,Y/:··-;::-- . 'f·

dor. A palavra inglesa black entrou,Q õ v ··1.ffilário da jtJ,;~ê,nt~ç{e afro-brasileira como


indicativo de identidade pessoal / -~'- ,.,· . O movi . ·•,,~?ti;sl~ck Soul girava princi-
:•=i~..... .,~,~-•- :·J;":,

paimente ao redor de festas danejj:tj'f~,;"atraindo !Ilf!t.,.;,. de jovens com estilos de


cabelo afro, sapatos plataforrn~\:r··· ,, ::f boca-de~ÍP.-d; D isc-jóqueis com sistemas de
som portáteis tocavam os W,~ ~'i,J ífcessos do ~oul
·l••.t ?••. $-(./
nos Estados Unidos (veja
·'-'.•?~;J/ .' (' :.
1-tfJfunk
~s~

Bahiana, 1980, p.218-Q)_. (:;~:vadoras cotfJ;~-~~,,J investir em cantores renomados,


como Tim Maia, CassflifB\8~f!hlz Melod!~t'l'.~ i· grupos locais de fusão funk-samba
• {)i.: ?i
como a Banda Black· .:/;kr:,:,
J.o. ... 'tJ;:i(f;?
\{/~~-., .,.. ~.tt .

Em certo nível, · ~Y»nento Blacl9~otilifoi um empreendimento comercial baseado


no reconhecimento dàs:,,~omunida~ ~?s ~,ras urbanas corno mercados potencialmente
· · ·.: \\;.~·wf:r-\•.,1.
lucrativos para ." ··~ as rnultin~~páir e suas .filiais brasileiras. No entanto, isso tam-
bém deu ím~ o a fl~ emergeri{i;; ; tirnento de consciência negra no Brasil liderado
pelo Movj,,-.:. >Negro Unif~J~iJMNU), fundado em 1978 após a morte de um jo-
vem trab~~ -:b r negrQ sqb,:.~~Í~Jdia policial em São Paulo. O movimento Black Soul
•~·· •;}/t~-- ,. -<-~1
t;:~·--,_<,Fa.. ·'-,~;lii(S:,
salien# . ,· '<''.iêlades ctH~::riif transnacionais, muitas vezes com implicações políti-
~ 1,~;~li~~~t;aíram mttj~gs iê~~ns
afro-brasileiros. Como Jorge Watusi, artista e ativista
afrô]l5ta.sileiro, obsé';t\r,~Ú~
/~--~•:.\'::\t(.
-1 ·- ~
ironicamente sobre o fenômeno do Black Soul em Salvador,
" ,~,;._,-~-_-_-·:~.(~

;~ " '}nsciência v~õ\fti~'t no modà' (Risério, 1981, p.31). A expressão de consciência


. r.aci~ no movimi.~Jo Black Soul se baseava mais no estilo, tanto musical como visual,
5tlii:id,~
i:t:t1tift.~~ que no lírico das músicas dançantes.
O mo ··'ç,, to Black Soul foi criticado na imprensa brasileira sob vários ângulos.
Críticos'.~~~f~Ívadores aliados ao regime militar, como Gilberto Freyre, atacavam a

207
Christopher Dunn

música soul dizendo tratar-se de uma mera importação insidiosa dos discursos cultu-
rais e políticos afro-americanos irrelevantes para a «democracia racial" ..... ....
no Brasil (veja
. ~ ~ -:,

Turner, 1985, p.79; Hanchard, 1994, p.115). Alguns ativistas afr9_;;:2lã~i!,eiros, incluin-
do sambistas, criticavam o movimento pela falta de autentici<4}d~J yJtural. Negros da
~;;: .•,/tfr
classe média também expressavam certa ansiedade em relação i ~~•tnovimento, temendo
a intensificação de tensões sociais. Esquerdistas cradicion.#"s::h ?B~avam o Black Soul
,.']o. ,.,,

alegando tratar-se de mero entretenimento, produzidoifi•~~ oditizado pelo capital


multinacional, que desviava a atenção da política de cl~1;s6'~~ movimento soul era, em
.;-:,-~.:-,:,·""'-. -,..;:_•

última instância, ambíguo: por um lado era um tQ-'="'f~Ütô,.. .?}~\r:~.. ,;{•


(~°bmmoditizado, mantido
por empresas fonográficas internacionais, mas, por{~~fro, também desenvolvia uma
identidade diaspórica autoconsciente entre jo.~~ntafro-brasileiros.
--~-~ ·•, ·J -~1,·.:.~

Em Salvador, o movimento Black Soul ~ ~.,, r epercussões específicas, contribuindo


j·•~'!.:,

para um fenômeno local conhecido com~tJ i1apkitude baianà' (Risério, 1981, p.23).
Entre 1974 e 1980, novas organizações,: f e ~ 1val conhe~~~;j omo blocos afro, entre
eles Ilê Aiyê, Malê Debalê, Olodwtt·e Mu:i~nza, forarq i~ ~~~ para protestar contra a
"'~.-. ~,~-l~ ·,;.... ;,;_, :..~. ~-~

desigualdade racial e promover a ~ ~j Wi-o-brasil~lfitl~s~es avanços foram inspirados


tanto por práticas culturais lo~;fc]Jtriõ , /.,.... ,.-.
o candomb\ê
~
.,,,t q~amba, quanto por fenômenos
e~;;,., -..~-~-
transnacionais, como o pan-~fj;J~ i mo, o mo,y¾P1~iJfu de libertação anticolonialista
(particularmente na Áfri_ca-::~ ifdha) e o movirrl~riêb Black Power, além do soul, do
·,-;-::,. •tç.;~1.{,).; ~,(Í. ~-

funk e, posteriormentç, di:)~çggae e do rap.;


, ~.~- .·. ~. ·1.-,. }/:-"~-
~Qwisê
~-)':·~._;,_lf :,;
desde o início, a nova música afro-
_,,7"';t

baiana foi transnacior'í.~~:f ~,,;~1lpórica em,<(errti,s de valores musicais e discursivos.


Gil e Caetano !jt~t_tiram seu cct~1[iê~y.tl capital cultural nesses novos movimen-
tos culturais afrof"it~ilJeiros, tant9 1:~!rii~~~p.trevistas como em suas composições. Em
resposta às de~tncÍit ê:ontra o ~J~&IfSpul
divulgadas na imprensa naci<;>nal, Caetano
defendeu o 11Í~~ento em teq!il~ política de identidade: "Eu gosto quando vejo
.: ,,_ ....~~.'t/"l•~:•'./ ',· ·. ,, ·!'-{~~•;

o preto b{~lleiro· identificad~1:çv_rrf o preto americano. Eu adoro o Black Rio. Acho


que os ,g~i{l~ficam mais ~Í~1l~scomo pretos do que como brasileiros, e isso é im-
port:0t~JiJ Risério, _ J.. .,2~.lit~I3, Í'). Lélia Gonzales, uma das líderes fundadoras do Mo-
- ,~-
',.\~"'""' ---:-:~) . :-~ -.

v~,i ,t~fil:~1-Mêgro Unilí~ ~8:'füsse que Gil deu um grande impulso à organização ao se
i ;~ê'.ntar em evenJ~s ~ Úocinados pelo MNU, quando outros artistas se recusavam .
;'/Í;'~;.,. •f,·t.iêr o mesmo,tt~~ndo
•t!" ,',... -~,-.
ser associados a um movimento percebido como radical e .
/(tf· :,1'!::/f\t'sagregador ,(f~êlp. e Buarque de Holanda, 1980, p.210). Apesar de outros artistas •

~~~:,z$Ír' ,,s;}~~\'
16 H á umi ~çl té~ li'' bibliografia sobre o carnaval afro-baiano. Para um relato do surgimento do movimento, veja
Risério,1 ~ vai ijexá. Vários arógos sobre o movimento na década de 1990 podem ser encontrados em Sansonc
e S3):J!,Q~t:/{Hmos em trânsito. Para um bom histórico sobre o movimento, com excelentes focos, veja G uerreiro, A
tra.,;,à''111/i!'i?imbores. •

208
Brutalidade jardim

e estudiosos criticarem esses movimentos, muitas vezes com base no argumento de


que não eram autenticamente brasileiros, os tropicalistas os defenâi ~. com uma ex-
1
pressão da modernidade afrodiaspórica e um componente vital d~§t~!i~J geral contra
o autoritarismo no Brasil. ;t Í{ti?' ·
.,.,;,':."·':· ·

ú'°e~~:
MIOV{nTflRD0 0 1~ ~;;·P
Sob a pressão de setores moderados da sociedade ~f: regime militar deu início a
um período de distensão desde meados até o final da d · 'da de 1970. Novas possibili-
··(>•.
dades e necessidades vieram à tona com o surgugf'rltG!;9e movimentos sociais e políticos
independentes representando negros, mulher~;;~'.$'~ trabalhadores. Esse período tam-
bém marcou o ressurgimento de controvérs,_
?.~; ,,.;_,~~~-½-..
!~ ,f~,licas
entre .. ' ios setores da oposição.
·:,).,;A'· ,;:,; ,,..✓;' .;. ·\\• .

Muitas dessas discussões referentes ªº~Pª · i 'ârtistas e iq.f · ,':fü.is, à eficácia social e
política da arte e à relação entre pro4!i~~~~,: ~@rurais, ind~{ir,f~·:da mídia e o Estado já
vinham sendo ensaiadas desde a dé9# '·a fJf960. A pe . /'"'. ;.:~dque para a polêmica mais
:;//.-!. ~'/ ·-· t· ' ' :";.·
acalorada foi uma entrevista cone · ".§em agosto ;d:e''\1~18 pelo cineasta Carlos Die-
gues, que denunciou o fantasm/â~;p~trulhas ided{~g';i~s" para denunciar seus críticos
da esquerda ortodoxa. Os {~Jii~t'f'revistas tr~d,.icio;~s e alternativos imediatamente
1
começaram a solicitar 01f ,:.· ~i>f '• intelec~ Ít~{~;f~i§'~as. Dois professores universitários
·,-:t::'•./ ., .-
><..i. l~ .,~.lf?>

compilaram uma coletânea dâs"próprias en{ievi,if& relativas à polêmica.


Vários artistas e ia:rêlectuais entre~i.f ', ,;~inham acabado de voltar do exterior
:)t: Jt~,:?; ;_>~?"' ,. ::/~<-.
devido à promulgaçãõb~~iiftma lei de a ,... ia para exilados políticos em agosto de 1979.
Muitos assumi~}½:111ª postura de;j~\i,fü_[Ífuo em relação a projetos revola.cionários e
criticavam os -l?~~t~tfo.amentos.,tfii:!Qgkos
1
da década de 1960. Fernando Gabeira,
um ex-guerdl'Y' .·•-i :~rbano en,¼.~ fiçt~''.'. no seqüestro do embaixador norte-americano
em 1969, l ' Ôu: "Nos aniliitfiz uma crítica da minha condição de intelectual
peque~q,;~ ~~; ago~~\,/ : · ';,1;ii6s 70, estou fazendo uma crítica um pouco mais
avan~1{tfi'
~~,f....,.; ;.~,t~·-\...
ii_e ·'°&iticand;"ciiiiu~to
,... ,·
macho latino, enquanto branco e enquanto in-
teldt:(/µi~i'(Jbidem, l?,:,l~)~f.Em uma época na qual os adversários do regime militar
· ...
ç§Íilê;çi%'
-.tf..
1
.am a quesµ~({Wi~
~:·,:·: '.:i.',}:tt/-tr•l•>1:
ti autoridade intelectual, os privilégios raciais, a identidade
ti· s~~ e a prefenf d l iexual, o movimento tropicalista representou um importante
l;:J;,J,~,hto de refe~f,.~é.•
~--~~,,,,,- No final 4~f'ân'ês 70, tanto Caetano como Gil compuseram e gravaram músicas que
,~""'-,.;:; igüidade sexual e relações homossociais, envolvendo-se diretamente em
. li_,".i_,_
a.... 1~H, ,·,:"
.'L
· '

·êõs à sexualidade no Brasil. Em "Pai e mãe" (1975), Gil expressa a afeição

209
Christopher Dunn

homo~ocial como uma extensão do amor filial pelo pai: "Eu passei muito tempo apren-
dendo a beijar / outros homens como beijo o meu pai". Posteriomigli~ ,gravou "Super-
homem (A canção)" (1979), na qual declarava sua "porção mulher";ttB!m o~s de confessar
que no p~do acreditava que "ser homem bastaria", ele prod~ i ~ l '\ 1tinha porção
mulher / que até então se resguardara / é a porção melhor / qg~{i~ ··. p em mim agora / é
que me faz viver". Caetano foi ainda mais explícito ao aprestjlt iijmia persona andrógina
;~'.:~;_.;_;.·n-r.
no palco e em público, e suas letras ocasionalmente indru~ i :ffesejo homoerótico. Uma
~.. ~-.:X.¼-:,;;~
de suas músicas mais famosas, "Menino do Rid' (1979);lA-. ',: da a um jovem surfista
·,,.r• ..~";;..- •

do Rio com um "coração de eterno flerte". A música ç~i~\ ,~a cõhl. a declaração: "Quando
eu te vejo / eu desejo o teu desejo". Esses preâmbulos liõffioeróticos eram ambíguos por-
que os dois artistas eram casados, insistiam em §f (~;w,ar como heterossexuais e também
;:;->'.~'- ··,:~-.'
compuseram várias canções de amor para m~~J~y;:N o entanto, a ambigüidade sexual de
suas músicas e apresentações (especialment&'f.i, ('i ~ Caetano) g>ntribuiu de forma difusa
•"';?/ t,,;').:_:•:;, ~tl(-i:~,;'.-,
para uma crítica da masculinidade tradidtfnal j,íõ Brasil. ,.t•· "'i&:i:t~
~.:f:,,,. t·;f...... r-:r:_q ,/,;..i/k;:. ·
Gil e Caetano participaram d,,Nfox~ ;f níais decisiv;(fqo1Írovimenco •;~'[-;1• ~-
de afirmação
"'.-:~': ~~i;_~•-=i:'!'•t;',( •

da cultura afro-brasileira e seus v(~2aj,~~~com a ¼ i~,; i:'~i1tros pontos da diáspora.


,;,)l{\":? 1 · /•t>, · ',~::;_:, :./•:

Em 1977, fizeram parte de uma(~faie~ ção de 169:i~m-:-~ ~ntantes enviados para o Se-
gundo Festival Mundial de 1ft~i~t~ê'c ltura Negr~.k~~rsTAC), um importante evento
internacional envolvendo/ Z5•l~4.$és. Com UJ.P. grande grupo de artistas visuais, cine-
~,~.;4,_ .... · -.:li.. -l\! -~- ·>
astas e professores unif.~~l~:fs, a delegã~~l it ~ileira incluiu uma mãe-de-santo do
candomblé, Olga de Alaketô; o grupo d§'datj'ça da Universidade Federal da Bahia e
o saxofonista Paulq:~~_1,1ra. 17 Sob l i ~ tP? ~ iíl dos Ministérios de Relações Exteriores
:: ,-.~ '<
~"1'"'",
;1, ,i, ·•-.:.

e da Educação, a -~~Il-tlípaçáo
·-
oficii, dtiI'Brasil nesse evento cultural internacional
,,,,,i,;.
foi repleta de ~ igüidades e co.,dif.~i?ões. A participação no FESTAC atendeu aos
_r.r· ;;_~ .• . ~ ~~- . ~-·.t~
interesses dq,,g,t t ~/ ho brasileir~:ft'â9~ibso por se beneficiar dos vínculos históricos e
culturais .c6~,/ ,. . "':.\~~:1~,
Ãfrica Ocid,i,&t àL'é:ríticos veementes das relações raciais no Brasil,
,.;.";.:~f:t.,'!·~ ··~•..:·

como o.ifi{1jil;'
,;,.'1.: :,I',
~ativista Aliá[~t]do
...? ,.-r
Nascimento, foram excluídos da delegação oficial
1 r'•i
1
brasilf-v.Íi: :~:~ o entatiw) B',(ǧti~al também deu ímpeto à aproximação afrodiaspórica
~6"t9tihi/"
0

dct ;i I ~ lf::h~'f uúsica Depois do festival, Gil e Caetano gravaram álbuns ins-
pJ~â1em suas ex1fêJ;jêfibas na África Ocidental e nos novos movimentos culturais
-ç:.tãfr-0-brasile1ros
~:~~. ---~·~;· . . -~=•ri: .~.-;7\-./
-,:,-,·~,~'

(., ;,;, ,5;J;~t,


;:•.-._/~t' 17 Veja Rum9f ?isl~ gens, Veja (19 jan. 1977), p.99.
l 8 O govei;:nó'~t,isil~ico estava desenvolvendo extensas relaçóes diplomáticas e comerciais com a África pós-colonial
(especi:d~ t~ as nações lusófonas recentemente independentes) ao mesmo tempo em que governava uma nação
marca~, ~; ~a pronunciada desigualdade racial e manánha vínculos estreitos com o regime de aparthcid da .
África d~'s&l. Veja Dtidzienyo, Afocan Connection, p.135-53. .•

210
Brutalidade jardim

O álbum de 1977 de Caetano, Bicho, apresentava uma mÚSic;;J: baseada no estilo


-.::~1'~·.i ..
musical nigeriano juju, "Two Naira Fifty Kobo" (o preço de uma ~'õí:±t~a de táxi em
Lagos, na época), que cita uma força divina que "fala tupi, fal{t;f',rr~i'. e confirma
as afinidades culturais entre o Brasil e a Nigéria. Bicho tambtW: úi~Í'Úía várias músi-
··· ··•i,J,"

cas alegres e dançantes como "Odarà', wn termo iorubá -~}fthente utilizado por
praticantes do candomblé significando "bom" ou "positivJi:.~N\ música de Caetano,
"odarà' significa wn estado de êxtase atingido pela q~~s;?beixe eu dançar / pro •-,/yc_ e.-,:)>.••-;,

meu corpo ficar odara / minha cara / minha cuca,_j ê:r.J8#rà'. Essa utilização do
., -f..·'"·~l-,--... f.t,
termo "odarà' deve muito à perspectiva contracult:'tÍf@'frbmântica que normalmente
associava a cultura negra à liberação corporal --~-- à e-~ ftria coletiva. Por outro lado,
,•5~i,::.:.:~...
músicas corno "Odarà' colocavam a cultura aftõ-'Bi:âSileira no centro da modernidade
<<!?:~:.\ "
brasileira em vez de lhe atribuir um papel,i~~~~ oderno como detentora da pureza
...... ,;>~;,'.-'.,;~,

cultural. Caetano promoveu o álbum cqp;í:\.~~ -série de ª.Rf~ ,~ntaçóes com a Banda
f '.=' ·:"··'.,. }'_~- -,, .·;,;".';·'"1
Black Rio chamada "Bicho Baile Si1?f.w\~:.:J 1centivava ~{P~-$~8b a dançar, o que era
incomum em shows de MPB. -1i,::iri5:;t.:~ .'t.¾;}l . '
Em outra música dançante do %~4fll~JfGenre", C~t~2 ~~lebra a força vital dos hu-
manos lutando para sobreviver, g~ j~f sfazer as n~lf5si!ã.tles do corpo e atingir a pleni-
tude espiritual, mesmo nas cirf~il~ncias mais ad-V-et~~i•A convincente simplicidade de
,s ,'•• ,'{.t;.~~'l'j.,_

afirmações como "gente é p~ 6?ilhfú, não pw, Jl!l-)rreride fome" dividiu os críticos. Versos
h

.\~.,, "••K~~.. ~'""•>O' •~"<'

como esses provocavamftí~ ,~fw ização Pºf ,r~~:aos céticos eªº mesmo tempo eram
utilizados como slogans de crítica soei,µ pf4}iacl:ç,s nos muros da cidade. Bicho também
incluiu os sucessos i~ ozinho", '.f .

líomenagem ao signo astrológico de Ca- u_n\l l>~f


-.;·~-~ ~:;.;~--l'!-~

etano, e "Tigresà', ins~ da em Sônit:')};(~ , estrela em ascensão no cinema nacional.


Em uma aná.li~:!:cl~h~ºntrovérsia aq:/~eldo álbum de Caetano, um crítico ºperguntou
.,ili,!..~;.\,
. ,, ' .. ,. '.f· ~

incisivament~~,'!{~ffumpositof!~~ió;;~dornar suas letras com convites à ofensiva social


ou lhe é facuf~ 9 o direito de:,~r.?r::apenas wn universo somente povoado de borbole-
tas, felinq~f r~;inhos
e gemi~~h.?" 19 Os críticos mais incisivos de Caetano foram os
articulj~~~tãs;'4.j\.•1K:·i1tf;;'.:quim, o jornal satírico que dava ampla cobertura dos
.:J,:'t""'-:_ ;-:.-•.(, --:,:.,~ '.,...,•.

bai~~~1~~tlàndo estav':°1 e~"àdos. O celebrado cartunista de O Pasquim, Hen@, afir-


mo~$;?~ sarcasmo g~~.:f.i'~tano era o líder da "Patrulha Odarà'. Caetano se apropriou
,d6}~li.do e rea.~~,.:i ~ do os críticos de preconceito contra os baianos, chegando a
fr(f, ,:.~.('! - , • ,.\,J;·-.,·•v·.~~
·<jdi1npará-los cotJi~ -~-suf-africanos brancos no regime do aparcheid.20

·--: _~-,/~"f'.;-
':fi,:,.>;:.~·.«:'"-··..·.. ·.:·•.-......,.·.•C~...
,i;;~:/'''--~~{~~t
fúrJ{$'
------
19 Nirlando ~--
' .
aiunos? Baianaves?, lstoÉ, 10 ago. 1977.
20 Reyniva(dJ>\l};ijtÓ~ Caetano desabafa: sou da patrulha Odara. E daí? A Tarde, 2 mar. 1979. Veja também Ridenti,
Em busca dõ pÍi;o brasileiro, p.220.

211
Christopher Dunn

No mesmo ano, Gil produziu &favela, uma brilhante e extensa reflexão sobre a
África e os afro-brasileiros, dentro de uma perspectiva diaspóric/~-~remporânea. A ••. ~'l.

capa do álbum apresentava uma foto em close up de Gil usando,1~~-;~}b~ca bordada


e um colar de contas do candomblé. Aquele era o segundo 4! ~fh.ir'~érie de álbuns
intitulados com o prefixo "re", sugerindo um período de ,;~lt~tnção e regeneração
~,..:,.~.:.~~-1 ,íi.}.< .:

do artista e da nação, à medida que ela entrava em um pet,{q~9.;ae


.,.,,_, ... gradativa abertura
política. O álbum de 1975, Rejazenda, sintetizou divgt§\~,1?'Rexóes pessoais sobre a
natureza, a renovação espiritual e a herança rural nor9~\f!,iqt) artista. Por outro lado,
&favela era dedicado à concraculcura urbana negri.{a1\~o 'él~Janeiro e Salvador.
A faixa-título celebrava as favelas como local de Itft~~cotidianas, ativismo social e
movimentos culturais emergentes como o Bl~_ç*\1~ p. "Refavela'' contestava as noções
familiares da favela como um espaço de 9.!iffethalidade e anomia social, sugerindo
!fi:" ~-~r,<~~~

o modo como seus moradores particip;vft -~t\Vida econô,w,J.ca e cultural da cidade.


.,-.;~f :.•d/#' 4(."1,) --{0:"'~. .

Combinando elementos de funk, 5jfogª~ÍfJo/- nigeriano afro-baianos, o estilo ,~;i~fds


musical é sui generis, refletindo ~Jg~!,r transnaci~~~ ~~fmúsica. Com referências
específicas ao movimento Black~•~ ig?. t Refavela'' si?t~~~t) óvens afro-brasileiros urba-
nos em uma "contracultura d~ ti}.gçl~fnidade", p~râ'."\í:tlllizar a expressão cunhada por
d~ ~N~ ~ ,

Gilroy. Uma estrofe, por,?x?~~I~i:·descreve a reláij9fparadoxal" entre a cultura dias-


pórica local e a transnadQ;l~~'-t ~·'. refavel~J r~ ela ~ escola de samba paradoxal / brasi-
leirinho pelo sotaque Am~t~ língua in~i!~~~~rtàl". "Refavela'' é uma colagem verbal
e musical de referências sodáis e cuJ_rur.4ls, i~.'tluindo favelas, projetos habitacionais,
r:.·•· ,.. ",_,_:.1~::~~r:;;;-,
-!-~·-·

escolas de samba e:,~"6& de dança. t ;~~{f}S'foclama uma das estrofes finais, a música
:;:~. i-,.; ·,~"' ":',t;J:.·:~

é uma alegoria da viil!l'1úrbana negt~,~,f cf~cada de 1970 (Perrone, 1989, p.123-4).


No mesm91'álgum, Gil gravoy;~~ersão funk-pop da música do bloco de carnaval
~;-.::; ·?, ,~ ·,..: ·-:. ...... -,;-:. ~ .....!.:-'

llê Aiyê, de,;}'9{.:;".),.{ ''Que bloc8i tê~?", uma rebelde confirmação do "mundo negro"
diante d~~'.~f~~~mceiro raci*~1~ilturando o humor sardônico com a política racial, a
....,.'t.... .,•,1· . ......( .·.·\ ' ,:_,,,;,.:(_. .

músi'4;l e pt~entava um~/ q ~~iiío simbólica do branqueamento, uma perniciosa ideo-


·,.J't,·-,.r.c·:'. '• •"i,f" · ~'.l•~if~~-~ - /-.,-.,,;-'

logi~~~ptq~esso ra~~~é~:tda nos modelos eurocêntricos de beleza e modernidade:


.}?~~~~;;:t~f- ~ "~- ~:~:
.. ;~~t;~\
/l(,f;-,_i:'.'» · "
branco se Yll~~~óubesse
· :\!Í-' '·\r,, :Í,i"•
f ' \% o valor q:\;!-,e:'yrêto tem,
;~~#:irl
/-:ij)' tu tom.Í~~ ~ -banho de piche

}~11titftf§ e fi~~~fgto também


;;,~i.;;::l,'.;;.f
O,,g~~tr .de Gil foi
particularmente oportuno, já que o Ilê Aiyê era repreendido
-~•):.~q-~:-•.~-~~t
1

com freqifência pela imprensa baiana por suas incisivas críticas contra o racismo em

212
Brutalidade jardim

(~~'.~
. _,]:;,.,''~st -.~·
Cercado de fãs locais, Gr!bt?f6"Gil (à e§,çtu4pa) ·éa mãe-de-santo do candomblé
5
(no centro) recebem J~,;i;~liff (à dir;j\&}i;&::1eroporto de Salvador, 1980. Gil
e Cliff vestem a fantasia de ~arnava.h~o•:~!9g~·-afro Ilê Aiyê e seguram o tecido do
it~i':lt:/ afoxé B.J .. Tarde) ;r'tÃ
:~~';;,·,,}'i .' .~,;;;r
j{'(r,> ;, ,:,t!tt1;;;f
Salvador. Out.r~l;,sc[í'nposições jjê"lit1favela salientavam os vínculos culturais histó-
-::-~· A_,\•,'(°1"' ~!--&""....,... M

ricos e cont~p_orâneos
~,. ·:-.,,,'f_:,.\
emre, -, i:>~ . ica Ocidental e o Brasil, especialmente a Bahia.
:':f}.1'",r:,t·,•

A músicaif tllti~J Apalá'', co1~i,r&{~~-exões do funk, por exemplo, conta a história de


··1-A êf.<-;,_ . -,:.,,:,., >!....,_',)~\_~

Aganj~~::~m~1jpanife~~~'{-a_itórixá do trovão, Xangô, e seu vínculo ancestral com


-~,---•. ,.. '• .,, ••. -.,">:,.,

os af;fhfhífüel'ros con_tempi!l:râneos. Versões em inglês dessas músicas foram gravadas


pos~~{~fineme no ~.,~JP 1ae 1979 Nightingale, a primeira tentativa de Gil de entrar
,\~-s:~érê:ado pop 1}9[is~'~ ericano.
-, f{lttRefàve/,a prov~;~üc:;Êontrovérsia na imprensa popular, sugerindo que esse tipo de
~-~ ;.~~- ":~~j"•

~t, gfsco
~)..'._;.t- >~ ·•/
de afirrpl~~tfkacial impunha algumas dificuldades a cercos setores da classe
~.·.-:;,f~11.-. ,)'-Ji
••r.:~.::•,,Kdominante \i.a%fütíra. Dois anos mais tarde, em uma entrevista para o ]ornegro, Gil
0

esboçou JiiÍ~álise das reações desfavoráveis a Refave/,a, salientando a tensão entre


a articuf~~~hacional e a diaspórica de identidade racial implícita nas denominações

213
Christopher Dunn

"negro" e "black", respectivamente: "Ainda teve a imprensa que caiu de pau em cima
por causa da aàtude do disco que era black e eles na época estavam'tô,~?s contra black,
não contra o negro, mas contra o black, a consciência que vem : t~i~:1 /i'nternacional
e está ligada a tudo e não é uma coisa brasileira só".21 Em tHD para a Vqa,
Tarik de Souza rotulou o esforço de Gil de "rebobagem" e d.~sôt~veu o álbum como
.;i;t.•,•),
'~º
l'.,.;r

uma imitação da música soul com "letras confusas".22 Ele s~!üf~;~u particularmente
-t,:C'\,:~"r-;• 1v-'

irado com o fato de Gil ter "reduzido ao mero soul" a c~~piê'á composição da bossa-
:;/t ·. i--f,;;~ '- •
nova de Tom Jobim "Samba do avião". Outros críticos[f{~J~IT}1rizaram a nova estética
,.,.. ,,,;...l~ti,J·>Y •::'. .:-~ .,.

pessoal de Gil, quando ele começou a usar trançasl~J~jÇÔn'êhas e dashikis da Africa.


Lélia Gonzales, do MNU, observou na época que GiÍhi!;to Gil "é um cara que inco-
moda" por atuar no nível "simbólico" (Pereira/; ,$.;~rque de Hollanda, 1980, p.209).
Em outras palavras, a críàca de Gil contra a.J~-çJi'farismo, o racismo e as pretensões
universalistas de "identidade nacional" dep~"3~1t·menos de suas declarações verbais e
• :.-. •.J'j,_{·{ ~~1-:-.:
mais de sua expressa afirmação de uma;,~Stéd',t']'. musical e,,i a.rtô.:tial africana.
O maior sucesso da carreira d~(qjJ.; ;~~ chore mJ : ·: \t_~~ versão para o portu-
guês da balada reggae de Bob Maitif
:.c:' '16 Woman,)1it~i:lt', foi composta em 1979.
Essa versão coincidiu com a a~i l ~política e ~ ~:! ;~f~fada a um movimento social
exigindo a anisàa para os e~ã4~( 'fiôlíticos. Se@;¼J9,f?' Gil, a música buscava associar
·!·· ~ ,,,.... ·1 : '.~.''li' ...

os rastafáris jamaicanos 4ef1:::·~ ;~ ppies ,~r,geiri~; que eram perseguidos por fumar
maconha (Gil, 1996, ,R-.,t ~l?~Mas tamoê~:/Ji:lJ'ãta de uma balada de luto pelas vÍti-
mas do governo autoritário ·? ruma canç~~~-déJsperança, incentivando os brasileiros a

se concentrar no f~~r~;: , - ~.:_._-.:_·- '-·.:~'-:.· .:.,'.~~--


: ,·~.--:.~11
tti~.,'fyl -;>, ~- •

amigos nrc;sos f'•.'.')/>,•,,.:;,<;;


• $~ -....~~ f,!~ ~ • .,;;.·~i'fi,,,,,~Jt~::,;::
am1gqs>:st\I]l-'tndo assim .:.'f;1:-,:1,,;,; .,
"· ~i.( -'~•., . ~;.. . . .,. .,).
. .;f?.~;-~.
p~!~~~~a mais d.;:~::::~i;'::
~s•t~cordaçóes ·ti> ;j · (í·
Gi:t;i~!~t~~ m~;t
do Y
ti;~;\;t
,;1;f;i~,.ihelhor é deixar p~ ,;rrás
. .'~~t::tf
/;~?:í}:;.;;1,\ : No final da
\i,,~.. -;,.,
,w

.tp~' \ ., ,,,,,,o ritmo se acelera até se transformar em uma batida dançante _


y. ..,__ --:=
-st-:.r"~""' •

.,1~f• ".~/i~OO'ti,uanto Gil ~~Ói~'.fi:udo, tudo, tudo vai dar pé", urna tradução literal de "everything ·
~;l.. ,_:,}is gonna be :il1½ tÍght", de Bob Marley. O efeito geral da música é situar as aspirações ·
'''A,'ii''" ,ii!\l.~f
21 Veja:G"µ~~-•Gil,Jomegro 2, n.7 (1979).
22 Tarik de Sâka, Rebobagem, Veja, 20 jul. 1977; reproduzido em Souza, Rostos e gostos, p.227-8.

214
Brutalidade jardim

democráticas do Brasil no contexto do Terceiro Mundo e das lucas afro-diaspóricas.


Em 1980, Gil realizou uma turnê pelas principais capitais brasileir~~-gW uma estrela
do reggae, Jimmy Cliff. A gravação da música de .Marley e a turnê,,t1xt~.~;e&_'Uente com
,{: -.~/ •,v,_~ ;t;• •
Cliff posicionaram Gil corno o principal expoente do reggae no ~tasi(l~§úas contínuas
incursões nesse estilo contribuíram decididamente para a expanf'f'q'.~.a ·~acionalizaçáo
do reggae por todo o Brasil nos anos 80 e 90. fi'f:t~~f ·"'
Ao longo da década de 1970, o grupo tropicalista co _· ,{5\!i{ttde diversas formas
para as contra.culturas jovens que se interessavam rneno(p_. \ rotesto político con-
.. <,_ ·•,\~~-\; :':,.!:(

vencional e mais pela articulação de novas identida~~·:~ ijoai! e coletivas. Gilberto


Gil e Caetano Veloso se posicionavam no cruzamen;~ iàJ~' fenômenos da contracul-
tura da classe média, como o desbunde e os ern:11/" ~f~,s movimentos afro-diaspóricos
envolvendo o soul, o reggae e a nova música n ' .i9-º carnaval da Bahia. Esses fenô-
menos culturais fizeram parte, de forma difut , ·..,,,ma arnpl~ iniciativa da sociedade
civil em defesa do retorno a um governo {1Íêm!tfitico no !}{iillitF undamentais para
essa ampla exigência de abertura fo~ d~X~~õios "movi . •... · {
_ ~ sociais", incluindo o
ativismo popular dos trabalhadores, gué"f,iJtm à funda ~
.~i,p'··artido dos Trabalhado-
res (PT), o movimento afro-brasileif~r{:~;f'N U), o ID.8, , o gay (SOMOS) e várias
organizações feministas. . :ffft;!::ffi;' i!~;"F}1; .
Em "Pipoca modernà', .~p"ã'.l~,\ li jóia, ~e ~? 7\iF aetano Veloso abordou o sur-
gimento de formas difus~ ,.P. · m irrepreeiiS:t~ _·3~··protesto contra o governo auto-
ritário. Originalmente id~J ffif t como c~}rlposição instrumental por Sebastião UilJ'i
Biano para a Banda de,fj(~os de Caruárl¼J§itiiiupo de flauta e percussão do interior
~~:-if. ~-~i-.:,~:,. ' ~ - ~.;":ó{...,'.

de Pernambuco, Cae~p,;,tcrescentou;,:jçrsõ~ifaliterativos que denunciavam a violên-


_;',;,r1(:_;~t/ -...~.;~t<~""~--

cia do governo militar como em "e · ·,~êle nunca mais". No refrão onomatopéico,
o aquecimento ef~/.v'
uro da pi >: "~gerem o surgimento das forças de oposição:
"Pipoca ali aq,1Jt /p1p~ca além (â~iifl~itece a manhã/ tudo mudou". Apesar de cri-
ticados coqtf ·, ':'fi~ncia por
·--~-:r.: ·,:· ·J,
qf.
~·"politizados", os tropicalistas inspiraram vários
<\ .-.i~}
movime~t<J' ,.,,_;:'"ais e ~~ fqtâ!~J}lie começavam a pipocar para contestar o autorita-
• .Jt;,~ •rf}f€••,;
e -,;;:\f:t\{t -'·~r~-.,
nsrno Jló"ó t asu·+ '""'· . .
~~¼,;, r . '"'\\J

215
6 ~:tt\:;,,
Tll{0S" ~ Tl~lfiiLMI ..,.;-.;,~.,:.

Jií):,X;·;fh,
o longo dos ari'8l7QXf 80, os tro , · permaneceram extrema-
mente sensív~;i!;, ,fg'ntínuas tr,.. :r: ções e inovações na música
·.tp~~:- :-'rr á·y,: ··-·.:t
brasileira e•~i€rtlikional. Seus,iBriroeiros experimentos com instru-
ment 'i; t · ;'?!~ e con1 o ,~ock:~;~pararam o terreno para uma ex-
plgiJ>~. -,> rock brasil~~.;Jª1)'§lêcada de 1980. Sua apropriação do
•;,,;:.::•.•··::-{,''.:-·-· 1.;•,i, .· . . ··\;,.):•:?·:
reggãe:lmto, soul,juj~ fófinas musicais afro-baianas contribuíram
para vários movimente_s,J;r1usicais afro~ta$i'l~ãt"õ1 nesse mesmo período. Os tropicalistas
também contribuír~ ;j;; lificativame .· ·~-~~ a dissolução das hierarquias culturais pro-
duzindo música B~ª o consumo d~i~ ",. ,. o mesmo tempo em que utilizavam técnicas
literárias e mus•f:':•;:,;,i'r.~ tes associaq~ft,g'"ãfubito da arte erudita. Eles desenvolveram uma
,a;.:.
:-1 --..;'.~':. : t~~~;. \,.-:1.::i'·
proposta par~}~ p 'dução culru,/~li;~f:'p rida, gerando uma tradição própria na música po-
pular br~#ii"~)l\íburante a d~~~;~; 1990, os tropicalistas sustentaram uma ampla pre-
.·. ,·f
1nacionalt,.c . .,. . •t-f.:;cl~ a produzir músicas inovadoras e muitas vezes foram

•',;{:; .
d;;-g imo
.
~ i1" ., ~., ~~ante influência para artistas emergentes. Gil e Caetano,
-· ~·
elIJt~ ;., · ar, ex:ercer~ "urtpa enorme influência na música popular brasileira, que excede
,~ · · ,,~, pularidade errl;k~~os de vendas de discos. Os anos 90 também testemunharam a
,,K:; 1\~~ação do intti~~e público e crítica por Tom Zé, o mais radical inovador do grupo
1!,,,,. _,,,i ~;icalista, qué'l ~~~~ por muitos anos à margem da MPB. Seu extraordinário retorno ar-
. ·tf;,i;>tístico e prq~i(ij~ colocou em primeiro plano dimensões da Tropicália antes ignoradas.
Os prq-~~~as e necessidades da produção cultural no Brasil sem dúvida mudaram
desde a:f~r~~ Tropicália. No final do século, havia consideravelmente menos ansie-
Christopher Dunn

dade em relação à hegemonia cultural dos Estados Unidos. A variedade da produção


musical aceita como "brasileirà' aumentou e atualmente inclui vár~ffl~ ,espécies de es-
tilos originados fora do Brasil, como o rock, o reggae, o funk, o ra , ·~;:'ô ,wetal, bem
como novos híbridos resultantes do diálogo com as tradições brasif i·.Ê-m muitos
aspectos, a experiência tropicalista e suas reverberações ajudararti~ \ e· ~f'as condições
•.,,,s,,.,,,.
que possibilitaram a proliferação desses estilos lubridos. ArtisJ,? f~~pgressistas também
abdicaram do papel de vanguarda política voltada a orient~/~112:~~o na direção da re-
volução social. Isso não significa, é claro, que a música pç:fül\\:.;:krasileira tenha setor-
nado apolítica ou acrítica, mas que suas mensagens tç~J~fflit
:t~•·'··'.'.:' ;,.r_-~.
f ~r menos redentoras.
· t:r-k

Já se foram os tempos da figura do músico de protestb~f;~ iando verdades ao violão,


como Geraldo Vandré. Em seu lugar, no entanto,;;i~i,~te ~ri-ia miríade de artistas e gru-
pos envolvidos com as modernas tecnologias daviJ~i~;: apresentando críticas incisivas
à desigualdade social, ao racismo, ao machisf ,. º:"~iolência política, às depredações
ambientais, à corrupção política e outros"_~ ifettl~ da socied~~:,~rasileira. Apesar de
extremamente heterogênea, grande p;ir,te i~-~i i:ir1úsica se d •.•- 'Jplf{ mais indiretamen-
~~ ~-~~ ,~
te que seja, à experiência dos tropic~~~'1 f.1 década de · ·
-'~~r
·:.{!/<

.O MT<:1miõ.o D.o TR~flll.O


i~ :!i7\f;~ff ,g;,,6,:
;.;e
Talvez a primeira reavj!ih1' . auroconssJfrifo1~o momento tropicalista tenha sido
realizada em 1989 co~.,,. 2)ançarn,e nto ,q.,Jí\~t#
Estrangeiro, de Caetano Veloso, gra-
::_i.,.::•,1.-~~;- ,,,:;;,:1_-.:1.., .. . . .

vado e produzido Pºti~~j} Sherer e ~\õ-::mt,dsay, duas importantes figuras do cená-


rio musical da arte-rocl{tle Nova. Yqrt ifi~ ;-magnífico cenário expressionista de Hélio
Eichbauer para l~iigp.ndo ato d~;l:'~~ tli~áo de 1967 de O rei da vela pelo Teatro
( l(~({\ /:A;f _~t:':.••-,..:{:;?ç-;·!_;
Oficina foi u~i,llzàÜ'õ''~na capa do(i i§fÕ:,,ê como cenário de palco para as apresentações
de Caetan9< '-"'-if'.'lvto. A faixa-~~t~f~;~õ álbum evocava a visão do Brasil da perspectiva
de estrangç,t ,'.'; .: orno Cple 1fí3f~&t,:1:C laude Lévi-Strauss e Paul Gauguin, que visitaram
_,.•~--<~. ·,: ,-.- . - l:tf;.,,,,, J· ,-- ...~:r .,t._;r:
1

o Rio.j,P?út~;.,, ):ano, aj:5"~?Rictlva distanciada e deslocada do estrangeiro define seu


J

..t:{!f::'t:-~- ·- :-- , '~'!l'..c?


próg~Iul~so de alienfl,ção,.,;Êúquanto ele vaga pelas ruas: "E eu, menos estrangeiro no
1 ·t;?, 1tte ,n o momen;,t;,t1ijg~ mais sozinho caminhando contra o vento". A referência
.,
;'!- , a seu pri~i'~f~;;esso pop do período tropicalista, "Alegria, alegria", reinsere
1
i~{ o §Sllitário urb~.;\,~f '~caminha contra o vento" no contexto contemporâneo. 1
'tt}~;(:{1f-' <~:~j;\~}iji'lf·,
,,;··.•, i;
~·~1;.
1 Lucchesi e 'Qi;' Caetano, p.203. Veja também a discussão de Veloso sobre a música em Dunn, Tropicalista
Rebellio,i;f . Caetano Ve/,oso: Tropicalismo Revisitado, p.108,

218
Brutalidade jardim

Diferentemente do jovem artista de ''Alegria, alegrià', o narrador em primeira pes-


soa de "O estrangeiro" se sente fora de sintonia com o presente e ali~~~~º do espaço
urbano pelo qual vai passando. O mundo antiutópico que Caetan; ·"~tQca em "O
' '~t.<;;..
estrangeiro" é sustentado por ideologias reacionárias e uma violênçj , _i ,~oficial, que
são o legado do governo autoritário. Em grande parte como as "~:, a.s·tf~picalisras da
~;.,;.::._,., ..:~~~·
lógica militar, Caetano cita os discursos mais retrógrados que ,wtó~\rn.am que "o certo
é louco tomar eletrochoque" e que o melhor é manter "o ma,ç;~~~dhlto branco sempre
no comando". Na música de Caetano, a elite no poder as~~p{J}~1tposcura de "reconhe-
cer o valor necessário do ato hipócrita / riscar os índio,~is~t~[lçi{,erar dos pretos".
,~--.,:, )P---'~:'.;n..,•
A pesada batida dançante e a guitarra penetrante di~ ; um clima bem definido e
perturbador que contesta as percepções escrangeira~:y ill relação à música brasileira como
sempre suave e melodiosa. Caetano comenta essa g$h~'{ Lção e sua própria relação com
, ., . .,;.-•..:.1.•

ela no verso final da música, parafraseando Bol f ~: "Some may like a sofc Brazilian
singer / but I have given up ali attempts at p~ff~d!~; (Alguns p, l ~,gostar de um suave
'.;t;.; t :•.' ,.·- . ~-~.; .

cantor brasileiro / mas eu desisti de to _•'' -as1'~~tivas de pe · , . . Essa observação foi


; >,,,.(12:,-, ,, '
retirada do texto de capa do álbum de f~xlan de 196~., ll:.:.:, :,:ng It Ali Back Home, no
qual ele usou o rock elétrico pela pri~i~::f & para o ho ·:"~•• '-~õs puristas tradicionalistas.
O Rio de Janeiro dos anos 50 e 6.-_-- '.;h,.'-/. ,:1oduziu o 1 fuv$~, ~ tor brasileiro', deixou de
existir, levando o artista a cri3J~.~ /t~:é~-etuosa esté,dd~ t:~perfeição.
Traços da experiência t!ºr'~'- -~i~ també -:J} tl~er vistos no álbum de 1991 de
,\f/~J,~;". '-._ • .
Caetano, Circuladô. O coridêt ral do álb~,n boçado na faixa de abertura, "Fora
de ordem", uma incisiy~,,E~sposta à pr~~t · · :}5 triunfalista de George H.W Bush
~'-:_"'l:::•~-4.~<r'.'- i-'s1}}~:. ,
de uma "nova ordem 11\µnJ al" após o Ç,·'•".J._ !\llâj)iç. do socialismo do bloco oriental. Nessa
'.·»•_jd:--':.· .-~ -~,, i',

música, uma voz narra-êi't'ã"''em primeixi"J?~soa alegoriza o Brasil contemporâneo com


1
cenas fragmenta }i&/ ti 1Rio e de Sã9it'~" ':',&'; da mesma forma como a canção-manifesto
·'-~ - ! ( •.\'; .- k "·" -~:.:._
de 1968 "Tro_Bi{: .-'Utilizou Br~i(k,., '' ãra alegorizar a nação sob o governo militar. A
música co~; '·*t~ih uma refeff~&1;:, i•descoberta do cadáver de um jovem traficante
d.e drogas J~;,, ., / ·em construção,,, uma imagem alegórica de deca-
dência · :iij};'
.,.:-:,·
:: ugere fção entre a juventude que opta por entrar no mundo
do c~l . ,/ ,];,a falta de in€.ç,_a-e~;rutura educacional. Referências subseqüentes a crianças
órf* :i•.Y - do pelas ~~?~t~~ite, um monte de lixo e um esgoto aberto no elegante
~t-f ' . . ;_- ~ ·. -~:.,. -~
,•.,, b~iftw~o Leblon J?stf~'completam o retrato do Brasil urbano contemporâneo. Esse
_x..:,,~11• --~~/1~{/'f' •,:;~:h.
t~f é ~;)putro lado ~ti~a ordem mundial, sustentada pelo capital global e pelo poder
'-\1$:;p'õ1'.ítico e mfüJãt:d~
<•t'.=-._ ·-~,-•,\:,T
Estados Unidos. Apenas momentos efêmeros de prazer aliviam
o desespero,f:::2'.l~ ista se envolve em um rápido flerte com um michê em São Paulo e
~;-t-l'•-~;'.':,:-f
um caso G~~JJ!iyna "acrobata mulatà', provocando uma "pletora de alegria, um show
· r,;

219
Christopher Dunn

de Jorge Ben Jor dentro de nós". No fim, não há resolução ou redenção, apenas "di-
versas harmonias bonitas possíveis sem juízo final". {~j>:-,
Apesar de menos explícitas~as músicas de Gil compostas na d~~J~\t~ 1990 também
retomaram e atualizaram as abordagens tropicalistas à ootura;,~~'.~~ijh-a.-Como Caeta-
no, ele produziu muitas críticas sociais ao racismo, à pobreza~i·~ t~~/tupçáo e à destruição
ambiental apesar de sua postura tender a ser mais otimisti~' .-r~lação à vida contem-
porânea. Sua música "Parabolicamarâ', de seu álblllll11, é~'.\1991, Parabolicamará, por
exemplo, celebra a expansão mundial dos meios de o8Ji{';;•·· ção de massa como uma
força de unificação global: "Hoje mundo é muito gt· .;: , órque terra é pequena / do
tamanho da antena / parabólica". O título da móÍl,~;~ ·um neologismo que se refere a ··>~"'-··

"antenas parabólicas" e "camará", uma palavr~:~9P;umente utilizada em cânticos de ca-


poeira. Com base no ritmo e na vocalização d~§i ~ricos de capoeira, a música retoma o
sucesso de Gil "Domingo no parque", q4t ·:·J~ a lançar o "som universal" em 1967.
Em termos do entusiasmo pelas utiliza.W;;_}1~f~ncialmen;ê;Ti~~rtªdoras da tecnologia, a
música também lembra algumas,:~ ·s ':\, i&.icas com_ ;ii ~i~; prisão, em 1969.
Nos anos 90, Gil também s·· :· um entusi_,., ·· ,.i:1 internet e montou um s0-
i·'t•:1? ~

fisticado website documentandtf;! uJf ·atividades · .· ·s, sua obra e conversas com
:;x't~,~f }t .--r~, , -rr
importantes intelectuais brªw~it:õ:.f Em uma;lrriús;.çâ do álbum Quanta (1997), ele
1

comparou a internet ~ja :, ,,~h\i:\'t dos pesca_d o;~ '#i6rdestinos. A jangada cibernética
-~~-~?-:. . .:·- J. -,1·..-.,·

conduz seu oriki (a a!fJ~õf· sagrada dei~~Ji]J.p tla.de iorubá pessoal, ou orixá) através
de uma maré de in~fÍ ·, s para ch$gitlJ;p m computador em Taipei. Na estrofe
final dessa música,..,,ç;hamada "Pelé:!iJin,t ~~ffe\ ele cita "Pelo telefone", uma música de
.J/"i:.'hZ~lD·,,. - ~:l~t:~~--. ,,'-';t-,<)i,,
1917 considerad , ~f;i.meiro sam~t grá~p,do. Como em muitas de suas canções tropi-
,1: _._.-.. ·-- ~·-:.,· ,.,._!~~,!

calistas, a tecnologil ~oderna . ·;c}(}~a como veículo de reflexão sobre as tradições.


_.;1,?;r!t;:~ .r ·.. ·
O anivedãriõ,.de 50 anos , •; ano e Gil, em 1992, ocasionou dezenas de tribu-
\✓,.., ~':-~{ ' ,>'::-' l.~ ..... ~ f.,;.,: .

tos retro~i~2fi~l5; na impretl~i)i1itional. A TV Manchete transmitiu um documen-


t ::.'fa,J:,i!=•·. ',•'C:,··. _
· ·":"i:( ~:~~\,,.
tário e,ffl¾~f.h~ó episódios 1fú~~~ aetano Veloso, cobrindo rodas as principais fases de
sua ~ - ,,>, artístic;,;i, ~!ijfi:-0!0
especial na Tropicália. Depois de anos compondo,
1
g~ · 1: :~: e apre;~J{W~:;~eparadamente, Gil e Caetano voltaram a se unir em 1993
. •· ?{,gravar o Tropjfáli,~_'2 , em comemoração ao 25º aniversário do movimento. Os
;i}?t,:,,?1s' baianos r~~~~- uma turnê pelo Brasil, Europa e Estados Unidos com o show
Ii~;.,,~1:fustico "Tr .· ,;<)::~ "buo". Apesar de haver um elemento de nostalgia no álbum, o
-,,,,d ueto baiau · ' , rmava a contínua relevância e vitalidade do projeto tropicalista. N a ;
década d ; - ~ p~'"os tropicalistas fundiram gêneros locais como o samba e o baião com ·
.r.,: •.J"':'1

o roc¼i~·,:, · .,ul. Em Tropicália 2, o dueto baiano misturou o rap com o samba-reggae, .


um ii:,~p.J ííbrido da Bahia, surgido na década de 1980.
< ·r •,'?:f)-~

220
Brutalidade jardim

.::\:-:(.:'°'
O álbum apre~eii;: ya uma mist4lt'd1ê~novas composições e releituras inovadoras
1
de conteúdos da;~ ;A' de 1960 ª8~Y;. · os 90. Gil homenageou uma de suas princi-
pais fomes de;/ · ·.. ção, Jimi ij ~ "-~t gravando uma versão de "Wait until Tomor-
,, f:1f}-t-:fW.:f~. . ·.: fji · ? \:tt' _, " . / .
,, row . Caetª~P 'q'~oso recomq_p
-,,;"'1{:t.~:~/f' ,):};... ~:.~~
l:t
. ~,,;.;,
içao , de Gil, uma musica que fala sobre crescer
em Salv'\~~\lJP,'ÉJ'S{;;~nos 50}Jt~j}t> ··lmente apresentada no álbum Realce, de Gil. Eles
3
)s
tambéJ#~)~~i;rraram a II},}1-Si;~~~tro-baiana contemporânea, com uma nova interpre-

w
raçã~:.:,tt1:fJ~ssa gence;y1;,\~\-~16 co afro Olodum. Várias músicas novas eram tributos
o
.a
.,;(e\i'.' ',
~,ffi~ e movimen~~'.[gps quais a Tropicália se baseou. O samba-enredo "Cinema
"'=?;,)'-;"f., ,..,.,_ i/.:.õ;:' '. ,;._.. ,.:~.-.: .

,t\r'Nov&lI!i'conra a hisk.. '• dó cinema brasileiro dos clássicos dos anos 30, corno Ganga
\,\?; /jl1~· :_:~~}t<. )"'>~:
,._,1t?/é,, ··, de H umhM,t~,)vfauro, às superproduções da Embrafilme da década de 1970,
,m ....ü·-1"t: .}.. ·.''. - ···•~'f'J?~...::~~~~t

como Xica dq_ ~"ih1a:·ae


,.,•...
Carlos Diegues. Eles salientavam a fundamental intervenção
1e, ~;•..:,:,: ·, · "'":_.

do Cinern~. ::·; . ,} na década de 1960 e seu impacto sobre outras áreas da cultura
·•:•..,.q,.-;,.,.:>.
brasileira. ü~'fifs faixas retomavam o diálogo com as vanguardas musical e poética de

22 1
Christopher Dunn

São Paulo, corno no poema concreto musicado de Gil ("Dadà') e na colagem sonora
de fragmentos de cantores de rádio brasileiros do século XX, es~fu~dos digitalmente
de forma aleatória ("Rap popcreto"). Uma homenagem mais »~?~:i~i!ié apresentada
em "Baião atemporal", de Gil, um baião nordestino que coqJji i .Witória de "um da ,.::,.,. \-~·i-:.t.•

família Santanà, (uma referência à familia estendida de Tom;zí),1 que deixa a pequena
. :">'~. r·~•i

cidade rural de Irará em um pau-de-arara na direção da '4'tifíqç 'grande.


Tropicdlia 2 foi mais do que um simples projeto nost~gftblS~
._...,,_"'\l<f~
urna demonstração de
orgulho pelos feitos do passado. Como no caso da maiqr_p #4t~;da obra de Caetano e Gil,
·- !.;•.t-:..:..~i.--} !fa..>-
0álbum também incluía grandes doses de crítica soff~i f~ a de abertura, "Haiti", por
exemplo, é uma poderosa denúncia da violência do~tado contra a juventude urbana
negra. Para compor a música, C aetano e Gil r~~{am experimentações com o rap, um
gênero que conquistou wn grande número d@·f.~$iitre os jovens urbanos afro-brasileiros
na década de 1990. Breves citações rítrni~ j ~ ;;~ba-reggae preenchem a lenta batida
rap e os arranjos dispersos. A letra de Q,h ~ó"~documen~~Y~ i:_cena que presenciou no
Femadurn (o festival de música a_p{iàl dti~@Íodum) de ,i$.9'3~'ua.ndo recebeu o prêmio '
-:...~ ,_ ...,~9;-~:.-:t:;. tf:.-.. . ~'v, •

"Olodum de Cidadanià, concediâ61tõ~s os anos a ~~âs:que contribuíram para a luta


.,;,::·-/!
,f ..\J;.. ':'~Y!./ '·l~\:ii:.

pela justiça racial e social. Consij:]êfàt.lêlo


'.>·:_,\-< .,.;,.
os objetiyó~fÍ'3êos ~~
imbuídos de elevados ideais
>,..~;-,•',.;.~•

do evento do Femadurn, Ca~ ~~-li't ôu ultrajad~;p<>~}t~s incidentes de violência policial


~ '"•.lt'.~\... \'t?J:~i r:',!;.,
que testemunhou do P~S?''iÍlJ.2,iJ:kdo na_frei re d~;'.Easa de Jorge Amado, um prédio de
frente para o Pelour~ ;;~ ; { entro histó-i\,j,~~;;Sâlvador. Na música, ele descreve urna
fileira de policiais, em sua 'ãioria negr~ji' espâhcando jovens negros, mulatos e brancos
. _i'."-. .::!ç

pobres. O ponto <Jt~½f!ª privilegiadb:g§:(G-a;êtano, que estava no palco, permitiu-lhe tes-


temunhar a brut~r,fipl essáo polici,i f~i'Jó\rens identificados e estigmatizados tanto pela
--:..-,,::· ;;;;~:---·

cor da pele coJno


·.~;"·:::~~1:-1,,
pela pobreza. ~ ,.~ns
;_:.·,•~- ;i,,~t~, . .
ruos públicos do Olodum no Pelourinho vêm há
muito temg~~~t~9º ocasiões .fü'f~Jb~quenos crimes, brigas de rua e confrontos violentos
com poli~iij~ bfandindo caceti;!%ÇS-Mas, dessa vez, Caetano chama a atenção dos "olhos
.'tf;~~Ai,.,_ 'l!i;;{-,~~-- ";.;_ '.~

do mujrt!l:iJrtteiro ... volta4fl:ll};µ"a o Largo":

,)!;~~ port~tt-J~;:~i
J~t_'~Jif? nem o traç<t 4o $:pbrado
,~éi:tf;:t:,, nem a lerf ' ,;Fantástico" ~dt
,r.if, iJ.t, J:!~
,,._,"-"·t''.,r
;!-!l~i
nem o.tfü ide Paul Simon
j';.,~·r~ . ., ·1.'. ,{.· "\~,

(~1:;f_:,_._,_._;_..·f_
'._({f; ningtiJ~~j.ninguém é cidadão
~ .;;\;;;f{~:t,i{:it
El~~-fàz{~eferência à majestosa mansão colonial que abriga um museu dedicado ·
à vid'fü{:~ii -~~bra de Jorge Amado, o mais consagrado novelista da Bahia; à equipe de .

222
Brutalidade jardim

filmagem do "Fantástico", e, por fim, à aclamada colaboração entre o Olodurn e Paul


Simon. Apesar dos vínculos do grupo com indivíduos e instituiçó~$ci âe~entoras de
poder econômico e cultural nos âmbitos local, nacional e i..nternact · ·· 1ái:aques fla-
grantes aos direitos básicos continuam a oprimir o público do OJ â.
Nas estrofes de "Haiti", Caetano denuncia uma ampla v __,· · .· de de injustiças
~:-·.:~·.·.:,~-... -, /1
sociais e políticas, incluindo o parco financiamento para a e i:~ o, o massacre dos
presidiários, em sua maioria negros, em uma prisão de Sãfti, > · :; e o boicote norte- 1r
americano a Cuba. "Haiti" é urna música multifacetada / º'"' :.')~~? comentários sobre
~".,'_í ft .- "'.~~;

várias questões relativas à cidadania no Brasil e a conf!j«:'~ :cfilêínas globais. O refrão


compara a Bahia e, mais adiante na música, o Brasil e~~jk l~, ao Haiti de 1993 sob o
regime militar de Raoul Cedrás. Trata-se de uma Pat~~a,.do refrão do sucesso de Caetano
"Menino do Rio" (1979), composto para um f~?Wi,:~urfista do Rio de Janeiro: "O
Havaí, seja aqui, tudo o que sonhares..." Corj; ,;~a citação melódica do refrão ori-
~ •-!-?ra~:-:~ .. •"f'"

ginal, ele altera o ponto de referência geog~ c . Pense noJi'âl~.reze pelo Haiti / o
Haiti é aqui/ o Haiti não é aqui". A ?\~J;~
~ ff;p
com o~,:::,,, ' _:·;~ggae, dois idiomas
musicais associados ao protesto raci ·,- ?fç~'ta
ainda maj§;;;~~fadigma afrodiaspórico
,,,;::"~-- -:·.)~;{ .;_,? t --,::1{~;
que estrutura a música (Brownin ' ,S, p.4). Cop{~;,,''ª""1ptincipal faixa do álbum,
"Haiti" estabelece o tom do trab '_ ,... tlo, que at .,f ' ';~
; ~projeto tropicalista à luz
• ~~~- 1
de outros avanços na músi~ e6:tt½!l.,à
. tbrasileira. ,. .

J~à~::,:~
fAZ.fnD~\c:Jé<.fCrA{ .; , x;,.t!ADl{0.f~: 10m z.t:
"
\;p'···õ1\\ .,i(
Talvez o fenÔIIJf po mais notáve ,,, -·r?4t\~.italização tropicalista na década de 1990
,.'.tv-3:'~<.~?
tenha sido a r~btj~o profissi~ \ ê Tom Zé. Após o movimento tropicalista,
.;~;~~ ·--~~-,~~;.:·' .;t-~~ .•·
Tom Zé conti4,,~Q~··compondo e.·gt~:1f:~ndo, mas sua trajetória foi marcadamente dife-
rente da do~•;;,;, .•,:,g t baianos. ~~lã~da de 1970, enquanto Gil, Caetano, Gal Costa
e Maria -~j <' ,,., ,. usufr~~{~:ii ~Êesso comercial e a aprovação da crítica, Tom Zé
caiu em i
: './j?,!_{}~.-.. .
;ftlade. DiF€f~!l,t~~ente
---•,<"•
dos outros baianos, ele ficou em São Paulo,
per~;mf~êndo à mar~é~ . d'.i indústria da MPB e do cenário da contracultura, ba-
se1,. ·" .,",~fincipalme~ .,, .; ·o de Janeiro. Na imprensa brasileira, foi descrito corno
~
,:t{;, ufiitsi~ttante
' 6µ
naveg,1?
0
. 'esponsável por várias opções erradas que comprometeram
!%L suª ~;carreira profiijl~_~ l.2 Tom Zé desenvolveu as implicações mais experimentais da
·,-;:.;~~;~~~~~·:~?sY~- ~· .-

----,j,:_,:1i~1. .,
2 Veja Rodrigó:Jiêi~:b, Errante navegante, Jornal de Brasília, 23 jan. 1991.

223
Christopher Dunn

Tropicália, apropriando-se seletivamente de elementos da música de vanguarda con-


temporânea, da música tradicional do sertão rural, do samba mo~~Wº e do rock. Sua
trajetória artística pode ter sido "errante" em termos de apelo co ·•,::Íil; mas também
gerou algumas das músicas mais inovadoras do final do sécul~. · início do século
1
XXI. Quando algumas músicas suas da década de 1970 {:<;t "' . ~~mpiladas em um
CD, cerca de vinte anos mais tarde, foram considerad guarda pelo público
no Brasil, na Europa e nos Estados Unidos.
A carreira de Tom Zé foi revitaliz.ada no início da ,f 1990 depois que David
Byrne, o produtor e artista de Nova York, descobriu;;f ?~~~. s~fÊstudando o samba (1975)
enquanto comprava discos no Rio.3 Com base prind~inence nesse álbum e em Todos
os olhos (1973), Byrne produziu uma compila~~'.'i ~lo selo Luaka Bop intitulada, com
ironia intencional, The Best of1om Zé-. MastÜJ'!!,-fiits (O melhor de Tom Zé: sucessos
estrondosos). A compilação recebeu apla~f ''. , -,~'" críticos musicais norte-americanos e
europeus, resultando em comparações é~ÍU Zorn, Fr~~i-appa e Captain Beefhe- fSH~
art, bem como o próprio Byrne. ~à , Yr1rk Times, , tlê,•,.. :i~~ observou: "O público
americano nunca ouviu uma arri8~i ·ais empol ,.'. . .vigorosa inteligência que
4
tende a se ocultar por baixo das(&{f~;.superficiali_cJ.,ªiijt~ pop brasileiro". Em 1991 o
disco permaneceu durante ván~~~ifhmas na lis ·i:r .:·;llboard na categoria Alternativos
Adultos e chegou ao q11~;~ ~;l~ ~',n o levantagient9realizado com críticos musicais pela
revista Downbeat par~!~: ·:·tt•;:,:~~ :~· Melhof:t~{~::~ categoria de world music.
Com o marketing' " a sica de Tog{ l J}:Ii) público fora do Brasil passou a notar
,¾;r.. ::t-

a diversidade da 111M~'b<;;él popular brà'siJ~f~ t Jlbm Zé conquistou um substancial grupo


de fãs na Europa:{;,~ Estados l fai!:d~~st!Com destaque para ouvintes que não eram
.. ~,:~1:~f-.'>- . :J,:,'.".l.ff.i:,
W?í~t'.êram atraídos pelos experimentos sonoros do
entusiastas da) p.Úsica brasileir~;l:r,,,-:<f.•:t••<o ;;....:1~,,...... :-~)i:,

artista. Os ~~r:,'•l."ifos també~i~§~J~â'm a notar esse importante tropicalista negligen-


·•:1, . .. . :·· ..· ., . ,)t.
ciado dur~ ie"'ãrios pela ind · .P."lonográfica e pela mídia. Depois de anos se apre-
sentançl,$ i,it~"pequenas itI~~"t~/ de músicos, estudantes universitários e críticos, ele
pass2~~L, fY quista:';:',ge,1/~~{~t reconhecimento no Brasil entre o público mais jovem.
~,~f~b\p: ê*l999, f â~;tt ~fse apresentou no festival de música ProRock no Recife,
· ffóco em areis(~_e,-p,ergentes do Nordeste. Foi recebido calorosamente por uma
-1P, ,{ J{{;~~/(JJ:'
:i,-.~_:·,:,_.,:.·.' :~;;-:,;,·.·•·,_.___, ·:.':::·,_f_.::,;~,i f.\.:~'·\ ,,;-,;,-.
·-.. ... ,/~~~~::;;' .,ff
3 David Bryne vl;[f~ i :Brasil em 1986 para o festival Rock in Rio e novamente em 1988 para filmar o documentário
sobre a religi~~1i;fié~baiana, 71,e House ofLife. Na ocasião, ele estava no estágio de planejamento das compilações
de músid{{9FàsíÍ~a extremamente adamadas e de grande sucesso, incluindo Beleza tropical, O samba e Oforró. Em
uma l~ t !~~~cos d~ Rio de Janeiro, de co~prou uma cópia reeditada de Estudando o samba, de Tom Zé, achando
que~ ,ct?-t.is.~e um disco de samba convenoonal.
,.,...'i:,\:" •--·:'\<,
4 Veja à'reii\iitó de Julian Dibbell, Tom Zé: "Massive Hics", New York Tímes, 9 dez. 1990.

224
Brutalidade jardim

Tom Zé e John ,,:,;:,,-,


l:;íetJJQ.ó'.~1ida
t ,;~;k,','
banda Tortdi~ltem Chicago, 1999
~t ,',.;:l•
_. .:_yf.-.,~f.?)i/. J v'-V

·. \'.~\ '('Christoplitesr ~ nri}"


.,ttt(t;;~;J;~~;., ,:~~'.l)j*~t~;r~·'
multidão de 5 mil joV,,::ft•·~ ~~:11{ãs
-~-?J
do rock, l%tii:l: ; ::Í Gs quais provavelmente desconheciam
;<::.. ""3,.~'...\;:~,, :.
a participação do m~[~Q~O movime , ú . ti'êfpicalista. 5
1
Tom Zé náo ~:-tü1;ha
:>",ti~•=r ,
·; ~elo de ma$S~-; ;I!Ô~1nício dos anos 70, mas continuou a con-
. <:;__ · ·~-t~}F
quistar a aprox, ,. _ ,,,1.p'e outros a( ' · d!é críticos no Brasil. Ele exerceu um impacto
sobre jovens ~~(~i;,como It~fi:,. ,, ;umpção, Arrigo Barnabé e Walter Franco, que
t~m
se identifi' ·' "" ,·. uma varig{ff-õa
_., ,~~o'-:-,.:.;''
paulista dos anos 70 e 80.6 Sua música também
chamo~ J •~:~ção de c~~T &~:tpJf~s de vanguarda no Brasil que admiravam a utiliza-
ção d tii ~ff e de c~~~~;~s incomuns e dissonância calculada. H ans-Joachim
Ko . r, o compos:itot¾~ emão que introduziu a técnica dodecafônica no Brasil
''"'t,,,.,._ \ l>' ~

~ it~os 40, disse ~.q.~;"f'fóm Zé em um documentário que ele "representa uma nova
(4:~
ij{ de pen::~~*i{:l"~ múcsica), cujas características ain<l'1 não compreendemos".
7

5 Sílvio Essinger.'~,z:ederição do rropicalisra esquecido, Folha de São Paulo, 20 abr. 1999.


6 Pedro Só, A ;;:t,Ji}~:r cima de Tom Zé. Jornal do Brasil, 2 set. 1993.
7 A ciracâo
~
<;:gr,d'w;n,·ê"~re
'•h•'.•':I'.::;,~,•~.)f.:0-
de uma emrevisca com Koellreurter em Tom Z é, ou quem irá colocar uma dinamite na cabeça
do séndfJ (2O'00}ium maravilhoso documemário em vídeo dirigido por Carla Gallo.

225
Christopher Dunn

Talvez mais que qualquer outro músico brasileiro, Tom Zé realizou uma significativa
contribuição para dissolver as barreiras entre a música erudita e PC!J?:;~ar.
Tal qual o instrumentalista brasileiro H ermeto Pascoal, Ton:t { 6:um inventor
de sons que experimentou incansavelmente e muitas vezes de (Çiir-
r.,_,
_)ídica com uma
;;, :.a,.::f~·
ampla variedade de materiais naturais e mecânicos da vida cb'.i j~ruí;,. Recorrendo ao
que aprendeu na Universidade da Bahia com o músico e tf~êi\~Ói suíço Walter Sme-
,.~·',i";;.:J,, '·~ ~-.; .

tak, ele começou a criar os próprios instrumentos nos_,~~~~fl'Õ. Em 1978, fundou a


,1.,,·.,....ç'.;;,~-,.~..,

Orquestra de Hertz, na qual os músicos t~)Cavam vá~!çs)rii,,t:rumentos inventados e


:..: '·"'"· ,,·.~ -:, .
"descobertos". Um desses instrumentos, o HertZé, :~.r'&J:i fpi ,::efkrsáo primitiva e análoga
~~! ..-~:- r,,;:·i /

do que mais tarde viria a ser chamado de sampler: i p,.volvia uma série de gravações
de diferentes freqüências de rádio conectada,'$'.f~:,;~m painel de botões. Cada botão
-;.-i' -~;-~(--
acessava uma gravação diferente, permitindo:q~F o~instrumentalista produzisse breves
,tl°'t~·-".''-;..•. '~'\·
explosões de sons aleatórios de várias grafâ;çõ~~-
.. .. Outros músicos tocavam eletrodo- ..,: ';.

méscicos e ferramentas elétricas (liquid~§ta{ê,:f máquina _{ ~11\y.íll roupas, enceradeira,


motosserra), enquanto Tom Zé 111f1t'iti_~)ã;;,-: i~strucura r:it~i~i'._.básica tocando um ago-
.,. :. .. ' .-:,J. . ·"-'.?..-~~·
gô com um afiador elétrico, prod~ W~g;rtm estride~~j§ht·metálico. O equipamento
de Hertz foi acidentalmente des@:lb:ic/ 'no final dos mas reconstruído no final
i"~ · .,. ·.'i .--,~
~.qi;JO,
~~-;-~~j,· t •

da década de 1990. Quando t~.q {~tvoltou a r~ iz~ turnês nessa época, ele dedicou
: ,,;;), ;;.1;:·· ~,:~~'{;,,;
parte de seus shows a es~~ - ~ 1~ lfo.entos SOIJ-Oro·s: c:ôm ferramentas elétricas. Usando
~",:~. . -~• fr° . ..;-; ,;:.
um capacete, pesadas,r:\ ij~~~f couro, ócij.,R Í~~~;:pfoceção e uma capa de chuva, criava
no palco uma atmosterf "ct~•.-oficina q1.1:$f"'aprêsentava a invenção musical como um
"trabalho especial~§!.,~(,
.\·,vl •..',·•..•_{
similar a <µiajJ&s~,~·u tra forma de construção .
~t;:,-.,

Em conjunto JRID~§~us experin)~~~cf~+:formais na música, Tom Zé também conti-


nuou a pesq~~:~ ~.,p~~sia van~~~~ií:a; dialogando com os poetas concretos de São
~-'-"r.,.
A,.... \_"-" "A;,; 1\y ,,,,.

Paulo e crianlf-0ib.;que um crítj _ · -áfuou de "poemúsica" (Avila, 1973, p.4-5). Com


Augusto d~JiÇ_~ ;~s, escreveu\\,:;;.,~ -~mar" (1973), uma letra consistindo em uma frase
básica .ft~~frtada em g~ ~,/ i~êmicos, produzindo duas perguntas separadas sem
respcd&-~fplô cadê ~ fÍ'€tt:i ~ ~hão vem". Em outras músicas, Tom Zé utilizou técnicas
d~_ i ,d~t/~tficreta p;'à~çpli'figurar
-~..,. t ... ,,.. ..,..,;
significados discursivos com traduções homofôni-
~ .,) !tê recorria co~,Jre~üênda a esse tipo de jogo lingüístico como veículo de humor,
•·...,_;~,...t ~..

,'.:?~~s'1bem exemplilí,~~o pelo rock "Jimmy, rende-se" (1970), que, em português, soa
4t,- }'-:<
r-'f-
'S-t~
:,ç--. ..
·:;)_
mo " ]llill
· • ii•ity,,;;r~
Hw:ic.trfX/
-~
. Outros versos, como " Bob dica, diga", " Biliy Rolleyflex,, e "Jams
.
'·. ,~{} Chopp", se âJftí:~tmavam dos equivalentes fonéticos Bob Dylan, Billy Holiday e Janis
·,.,_,ff;;'¼?'' Joplin. Q ,~~~r -irônico da música dependia da transformação desses nomes de consa-
grados ~ ~ norte-americanos, pronunciados de forma conscientemente "errada'', em
expr~ _b"anais e itens de consumo da vida cotidiana no Brasil.

226
Brutalidade jardim

A questão da "tradição" musical da música brasileira tem sido fundamental na


obra de Tom Zé, desde a época da Tropicália. Como vimos em cai§.:i14!os anteriores,
os tropicalistas se envolveram profundamente na tradição da mll:~; -.,bt&ileira, mas
também buscaram subvertê-la por meio da utilização calculada qilf- , ,,,s,,,,tlia·e da sátira.
. ti ·<•:..,
De todos os tropicalistas, Tom Zé talvez tenha sido o mais exp1JtitP em sua crítica à
tradição, particularmente quando era utilizada para acusar ~ l ~'d e inautenticidade
.~;,!,";"I:~.. ·t":.i .;

ou alienação da cultura brasileira. Em uma música de sçii, '· ftmeiro álbum, "Quero
sambar meu bem", ele considerava o samba como uma fk,p; ·"'' prazer, mas também
rejeitava seu status de objeto mumificado de conte~f%~~-ó -~ ~lancólica para os tra-
dicionalistas musicais: \:: -~H;1r
quero sambar também
mas eu não quero
andar na fossa
cultivando tradição embals~da.,.,
,~Yr?:F•;x:,: <~ • -> .é
Em outras composições, Tom ~ -: ~uif}â a formas,, · ,. ~~s a tradição foi construída
ou "inventada'' no processo de (,{-@.~6nacionalHfÍ~o~,i~~is rica e vibrante que a tra-
dição musical brasileira po~_a ,~i~~'.~Í~também i.pspJ&ctffn.a reverência exagerada e uma
t.:.~rr. '·:.f[-:f{i:/:º-'.r _)?}. :5yr~
timidez que, em última i,nst~çia/ impede á?íf!:~\4'ç~.ó'. Um de seus shows de 1971, por
,rt~Jd;;~,"''_k·_. :'~>~
_ ·_'' ·(:-:·??::_º''."'" _--...._•,
exemplo, foi provocativâ.ffiêfti~fintitulado 1;\C6-ii1/ quantos quilos de medo se faz uma
tradição?", um verso -~·~ ',:núsica «Sr. <¾i~;~i~~;t}:iA implicação dessa crítica é multifa-
)·•.- :';. •:.<-<~-•--. ,,. ,x.::,.

cetada, referindo-se {{.t,n~i aneamente.\ 'rlg,t,d.ez


,·>V,t'-•-N
criativa imposta pela "tradição", mas
r:~-.<;{,~~~.:;,::-~·

também às convençõe's' '~ ciais manii,4?fp:~lo ((senhor cidadão", descrito por Marilena
;1-: > -,. ' .;~,~:~-~:J;;,,...:,.
Chauí como o fwfg~ês conserv~,\,!,_:q ffe "conserva a cidadania como privilégio de
classe" (Cha, ._'1~13i~, p.33). A:í~{i{íl:à à tradição é direcionada especificamente aos
músicos bf ·· 'tos em "Co~· · <trrde Épico", no disco Todos os olhos. Na música,
i · --· .:.··-~ ,~J'. ~

Tom Zé új,9:Yl ,e humqr Pi:tti/ipi'nafrar o compositor brasileiro que faz tudo - falar,
parece,çyt~~;:''l tttir, ch'J ?itt~;~rf~~ar e amar - "tão sério". As tradições musicais cris-
t ~e~t;p~lo tempo ~~eç;~%_ pairar sobre os compositores brasileiros como frágeis
f. ' ·:::a.s do passadÇ · .- ·,orno se algum pesadelo / estivesse ameaçando / os nossos
,Ril~sos I comi ~~f~ de roda''.
,_ ,J-;; Seria um en:~1:l,p.tudo, concluir que Tom Zé buscava uma total ruptura com o
~ -7 ,?,;-, ··~ -~

\~~~i;;!:pfuado. Na,iv:'.t1~-4J!,~e, ele manteve um diálogo com as tradições musicais e literárias


que em al : "'· ·.·.---~s revela uma afeição sincera. A música '½.ugusta, Angélica e Con-
solação",{~~Jj_J;' por exemplo, é um tributo a Adoniran Barbosa, o mestre ftalo-brasi-
<.... ~,;-

227
Christopher Dunn

leiro do samba paulistano, uma forma que costumava documentar a paisagem urbana
sombria e nublada da cidade de São Paulo. Como em seu sucesso·•'â.i)968 "São São
Paulo", a composição também foi uma homenagem à sua cidade.~~J~ pção. A letra
antropomorfiza três famosas vias do centro de São Paulo, repres1
.i:•i:. "'- i%J.;
como três sfti;it-as
mulheres com personalidades distintas. As mulheres incorpâf.~Rl as características
desses locais. A Augusta era uma rua de lojas elegantes, enqf!~ i -~' Avenida Angélica
-\~-·~ .,.::.:=.
abrigava muitos consultórios médicos. Na música de Tq;p .~é)~a primeira "gastava o
{;P.1fi
,,~.•~;,~-ti 1~••

meu dinheiro com roupas importadas" ao passo que "andava com a roupa
cheirando a consultório médico" e sempre cancel~,~~~ }gnflntros. Como o nome
sugere, só a Consolação lhe dava algum conforto n ~#lidão urbana de São Paulo.
Tom Zé desenvolveu ainda mais sua peculiar re!e'iWJª da tradição da música brasileira
em um álbum de 1975, sugestivamente intit~~~-8~Êstudando o samba. Nele explorou
várias formas de samba, incluindo as formail'i ~1i;, e urbanas de São Paulo, samba-de-
1
roda, samba-canção, maxixe e bossa-no,:(it -~~
,:.-'!
fuesmo tempô1~,
_.;:":i.~::.
p que introduzia ele-
..,,_: •..., ;;:1,.:·,:

mentas da música de vanguarda e f)?-:&iJia:toncreta ('(ji~&Qçellos, 1977, p.75-6).


Em 1992, o Luaka Bop lançou 'f.!J})t 1flps ofTraditi9pxciflt'f:'CD apresentando em sua
maioria músicas novas que fazia.rrt;~~}t::-
·>'·~~,~·"' ,,â
~i ~cia explícir~;~))tversas
.~.-.~~•• ~ -.• J~•·_-t
tradições fundamen- 1

tando o processo criativo de T~ -~ :t~•.,,.


::~~~-Quase
_
todcr.'t,~\-~-.~~I.
f as ~,; úsicas eram acompanhadas de
uma breve referência a wu,p. ó.15,t,)Íf~rária, inc~µindif'-fbccos de autores canônicos como
--~..,.~{;. •-;; !~•·>' ·., 1rJ.-_ r~
Cervantes, Guimarães~~it~[}f illiarn Faúi,~ ,i;'I,liômas Mann e os poetas concretos
brasileiros, além do lingüista;Sfanislaw Leg;e d~fáutor de livros infantis Elifas Andreato.
Algumas músicas fif~N,inspiradas P ~-fi~~e,&l roqueiros brasileiros ou simplesmente
pelas "dificuldades ~,y}jla cotidian¾çm·'Sã:o Paulo". Conforme o texto de capa, Tom
Zé descreve sua ,,rriú~i~; como
-t'!~~:}-'
um~~)}tfua
~{'•-'S'j_'.()~.
de Beethoven, Arnold Schoenberg - um
compositor 4éiit~1W1arda - e o J 3ft;~p âno Jackson do Pandeiro, famoso por seus rirmos
híbridos e -(~?it
ricas que,}~t.9 ffi ~ a fontes tanto regionais como internacionais.
Jackson ~ B~iitleiro é mais:t~~i:t~ido por sua gravação de "CWclete com bananà', um
.:··j'-~. 1\·· _ J :.;~--- -i;
com~~J:t,j t ? nico s,~a[.f~E:~~fêtcâmbio desigual de influências musicais entre o Brasil
e ~:i t~ tàdos t1'nidos (veJ~ffrrone e Dunn, 2001). Inspirado em Jackson do Pandeiro,

:- . ~- ?...~
Tç'Ji::~
utilizou um~gra~e variedade de fontes musicais, incluindo formas nordesti-
"· .. . ~-r,~
i;fl~~êômo a emb.!?Iir?Jfuê/o baião, além de reggae, rock e funk.
A~¼,· ;:~;.:; ;jJbiferentemitf-:"iÍas músicas anteriores, nas quais a "tradição" era evocada como
}J,:.'t ', ·{ .•~·.

t~., jim transtorrt~1;~ gerava conformismo, as músicas desse álbum abordam a "tradi-
: 1::1-_.t~:ir1/t~?r ..·~.'..1. _\f:~.~
··i-:-i,~.i · ção" comgi~ "liiterlocutor em constante diálogo com a inovação. Em "Tatuaram.há'',
um neol~gi~l10 que combina "samba" com "tatuagem", ele começa com a exortação
"·f,.,.
.'-r.• .•

cantat'fiheii'inglês "to expose the hips of cradition / to the burning iron of ads" (expor .

228
Brutalidade jardim

as ancas da tradições / para o ferro em brasa dos anúncios). Na qualidade de uma


parte do corpo que proporciona sustentação e gera movimentos sé~~~s, as "ancas"
simultaneamente denotam estabilidade e atividade. Para Tom Zé,,i11Si;rt.ia~ições musi-
:". / •li'<lft· ·
cais não devem ser preservadas e reverenciadas com deferência,;~mt:{J esmontadas e
-H•:i; . ..
eternamente reconstituídas, utilizando novas informações p~~f_~~f musicais. Trata-
se de wna operação ao mesmo tempo lúdica e dolorosa, co~b-~9'gere o último verso
da música, no qual ele propõe "coçar, fazer cócegas nas t~í:,· tÍ itching, scratching
•• » ~
the tradit1on . 'trl;~,.
Tom Zé avançou ainda mais suas reflexões sobr~/c .. o no CD Fabrication
Defect: Com defeito de fabricação, um projeto que coi~·i'.· .· · explicitamente a intertex-
tualidade em primeiro plano, um conceito prov.r·· . te da teoria literária que propõe
que todos os textos mantenham uma relação _!f~\1gíca com os outros. O reconheci- ?i~.fh -,.-.,~

mento da intertextualidade questiona qualq}'' :.... egação de gue determinado texto,


ou qualquer outra forma de expressão cul~ ral~:l?~riginal e · ·· ··,. \tmdente. Cada texto
. .,; :·.~- ·\!~:-~:-. 0\tr'
necessariamente plagia outros textql;~:m,,;~gúma exten( '
'.-;~(f!'._éf ..._"',t:~-:::..~:t~ . -:., .,.,.__.
"arrastão" para descrever as implicâçóês ;§;Ôciais e cu1~:If: .,,, ·-a.a intertexrualidade no
contexto brasileiro. Normalmente ,iii~~a
1;1~.r , -.. .,;-s,.;;
para de§,Çf~
._f;.~•.?
~iZYim tipo de rede usada por
-..,,_.,,_.

pescadores, a palavra "arrastão">f:~; tt'iS:ú no vocab, _~ j coloquial brasileiro para se


referir a um tumulto coord,~~-a?lt,)tk' local púbJ!co lit.ido, permitindo que os ladrões
fujam com dinheiro e q\>j.~·y;,:,•., de valor. Nt fi :,.•: · J :da década de 1990, os arrastões
-r~.-,.i:[l'}\ .:, ,,
provocaram pânico e fúria ·~h ê moradore;;f, 'HaJdna sul do Rio e contribuíram para
i'.i>L, :;~,;'

a repressão das "galer 'cI~Ãa classe tral)~jiditif '•."):f:-:.


....,.,-;: : ,: \ _,
constituídas predominantemente de
_",•

negros e associadas a ., }~vimenros ~fk ·,t;i,ip hop, acusadas de provocar confusão


nas praias. 8 , _. ' · . ,,. ,'.;?:'::;:::tJ<d
Nas músicas '· ,:{texto de cag.i'' :tbm Zé, o arrastão atua como uma metáfora
/ ·-:• . •e,: y :<•-",. ,?,.,., ..J
mulrifacetada.Iti éâ""âs práticas Iff~jsaís que utilizam a paródia, o pastiche e outras
formas de Ç.Ít' .,,,~lí?para gerar · ..,., ti1;1: stética do plágio". Ele propõe o conceito como
uma esrrat~-
::)tt " ·. :: ...~ ·-
ara reci.d
··\\}J{
'ff~t civilizado sonoro" coletado dos ruídos do dia-a-
._:}}
dia n~.,~ cr~J;::o emporâri ssa elaboração lembra a estética do lixo dos cineastas
u ~ -.. pós-tropi~J}st~ dos anos 60 e 70 que reciclavam o material e os detritos
s~~ j ~ôs de uma s&~i:t'.ijãde industrial periférica (Stam, 1999, p.69-70). Como es-
-t~/ . 1\~~ :;\~,,' ?>,::.
J;f' tf~<Ji$/a para a prqi#~tniterária e cultural, o arrastão também atualiza a antropofagia
tf d~{P swald de ~ .: ·~t:,._e, que recomendava a canibalização da herança cultural dos co-
·'·1~?,tftiit ,:;f~:;:&;J~
sobre os arrastões e a contrac.u ltura funk no Rio de Janeiro, veja Yúdice, A fonkificaçáo do Rio.

229
Christopher Dunn

Ioniza.dores. No entanto, Tom Zé se distanciava da estética antropofágica: "Eu nunca


li Oswald de Andrade... Eu não ouvi o pop internacional dos anos ()~"'p orque não tive
tempo quando estudava na Faculdade de Música da Universida41 11i)tàhia. Eu não
pude me envolver no ócio antropofágico. Trago diferentes el~~ ê4i~-B'tdas músicas e
danças do meu mundo primitivo, junto com a Escola de Vienâfihido depois de Scho-
enberg: atonalidade, polifonia, dodecafonisrno, serialismot~; f\ ~ar de grande parte
da obra de Tom Zé sugerir uma tendência similar à ~tfif1fàgia oswaldiana-tropi-
calista, seu quadro de referência é uma tradição seculg.; g'?t~ ropriação intertextual
,. "' --;-)•,A~~,;~~,- ?.-i~,

musical e literária. t(:¾ft~;,_;:, &::' 0

.:.;: ~~' r,f;/


Como no álbum anterior, cada música faz refer~.fit:Has musicais ou discursivas a
diversos textos, composições, estilos e gênero~'>~ ,;:W,:aterial apropriado ou "plagiado"
"i}~ -':-;:~.

do álbum forma uma densa rede de referênc;_(f~?itçêí-árias e musicais multiternporais,


incluindo Santo Agostinho, trovadores pF9~â~ais, Padre Antônio Vieira, Gusta-
'-· t't ' ;.,( lr'c·•.

ve Flaubert, Alfred Nobel, Jorge Lui~il3oigês, os poet~ ·~'ê ~~cretos de São Paulo,
Tchaikovsky, Rirnsky-Korsakov, ~~~.~JJ~:~~ Renascí~tfói;i~·a liano, pagode, músi-
·-:;.~~!i,~~··-~" :,('!:;.. ~-~"' '.fn
ca caipira, acordeonistas nordestJf~~s_,JJGilberto 9 j!.:;;t;;Ç~l'êtano Veloso. Na faixa de
abertura, "Gene", ele chegou a 'if~;u"
alguns ~f~~!;,SÍ'e "Escolinha de robô", urna
de suas próprias músicas do i-f'iíq{ç,'\ ::ios anos 70f.A.o.J inal de sua declaração que soa
como um manifesto, el~l5t~t o
. b · d ,, •-::,, · :Jf
v~},1:{'·t,.,:;,
.,_ ••{.-";-+_.•,.•,

d~.f ra
,;:;t. '~~- _-,.1
fin:
compositores e o início da "era
'

i~t
do p lag1com ma or k~ ..,,,,. ,~"'º· "-~c:,,.,.,,t;~,t;.?'
•<, •

. .;~:t~)-i1-·_,.:ff;-,. .__. ··~?::ç,:..,,


Fundamental para o -prõjho de Toni?Zé'lf a figura do andróide, um autômato
1~- :,~t. ~~-
hurnanóide explor~~Q'/6ºmo máo-di ".'.:e Btifb'arata, regrado e controlado pelo capital
transnacional. Coií,{,~it4te a formul~~~,-,êt~ artista, essas entidades, fabricadas com o
propósito excl~~i~~ d~ produzir
~{;_,. í;•.!f
~'~~atirtede capital, têm "defeitos de fabricação". Ele
-•: ~ \_,~:i'.', \.·

explica: "O ,l~ill{o


Mundo ~~F4?t,fi' crescente população. A maioria se transforma
em uma esf#.!rie de "andrói9-?sft:9.uase sempre analfabetos e com escassa especializa-
ção par.,~tõ1 tt,;~hlho.... Mastf~}{lâ~ alguns 'defeitos' inatos como criar, pensar, dançar,
so~~\:~~t~~áo deftt~~,~jfbs perigosos para o Patrão Primeiro Mundo". A capa-
ci~~~,(llê· agir é restaurãa~'.j )Or meio de práticas culturais do cotidiano, apesar de, em
úlw~:~stância, es'ii§._pqderem ser comrnodificadas para o consumo de massa.
J'i.!(l;';~;I f melhor ef~~~Í'~· da estética do arrastão de Tom Zé é a música "Esteticar",
~~~ ;.~{,~ ~,~}: ;7' \1,;,~
f:f:P· '·,f(,4ile, no refrá~iJ i~?"referência à teoria por trás do projeto corno um todo: "Se
'-}._. .,, '!, ., -~~~-:.

)Y[t;".•·· .. Atsegura rnilot4::,lfiN que o mulato baião / (tá se blacktaiando) / smoka-se todo /
·.:,.?-:-;:'.~" -1:,t·,t:·J,ff
,;1,::~'.~t%:-
9 Com~~~ do auror com Tom Zé, 4 nov. 1998.

230
Brutalidade jardim

na estética do arrastão". A música é um baião modificado que dá voz a um mi-


grante nordestino pobre em São Paulo questionando os preconi~j,fps dos ricos e
poderosos: "Pensa que eu sou um andróide candango doido / ·::• iRiamulengo
molenga mongo / mero mameluco da cuca lelé". Ao se refer,kr'"''a;, 'mamelucos",
termo arcaico usado para descrever pessoas de ascendência JftJ~fna e indígena, o
artista chama atenção para a discriminação contra os mig(iüf§ ;ordestinos, espe-
cialmente os .de pele escura, que moram em uma cidad · ·"~:S't'":'í ~ada por brasileiros
·-1

de origem européia. ;t~r


1
·
Tom Zé elaborou ainda mais o conceito do arrastf / ~7ogos de armar (2000),
um disco que propunha um conjunto de práticas 'f>~~das na teoria esboçada em
Fabricatíon Defect. Cada música foi concebida e~p}jf}!amente como uma composição
a ser plagiada por outros músicos. Ele vinh~,~~~~;"·t m CD auxiliar com faixas dos
fragmentos constitutivos de cada uma das,ift!~~~ para facilitar a apropriação dos
ritmos, melodias e coros vocais para outfís s~ffiposiçóes. ,Wiiit:9s desses sons foram
produzidos usando versões reconstr~'tl \}"M ibstrument, ;;,~ifginais de 1978, como o
HerrZé. Várias letras chegam a conrt 7 . s para possi, · · '\~boração, que não foram
. -".;;,:s..... _.;~'

utilizados na versão gravada. De ~tgf<lg com o tex;.tctr;, ç.j'.Çàpa, cada faixa é "um tipo
· -~i;:~· :.~1
~~"_;·,;;'.'. . :•"J<:' -..::::.~-.,\

de canção-módulo, aberta a in~~~b;-~ersóes, re .,,:; tiya à interferência de amadores


,.--, ~-~{~-:~1t:· --~-- ·..¾~~-
ou profissionais, proporcioe,;~<iftJ~gos de ar~.~r noJ:"~uais qualquer interessado possa
fazer, por si mesmo". C9mp:9çl~
,, 1.•:' .'(;~."(."'•,-:·~.::~..., )"".:: :
~úsica j~~J;jggc~bida como um arrastão plagiado
,•;:-:;··-5 --·

de outra música ou estilo;··'81r;('.3~' buscava qijt in':í~ío a uma cadeia intertexrual colabo-
rativa de citações mu~½ffi~~i:1º .. J\ii~::~f,~1,;l'
Antes mesmo de i~Y# fogos .de a ·.·· '•:ar;?timúsica de Tom Zé já era citada ou sam-
1

pled por músicos W?S Ê;f;dos Unid.,, ,.· ., •·,o após o lançamento de Fabrication Defect,
várias de suas c•' '.t;•\?~içóes foram,;g(':\:Yt8;s por importantes personalidades do cenário
musical exper/~ ~rti!l, como J?~~iM2Íntire, da banda Tortoise, Sean Lennon e Yuka
Honda, d~J~{~~'b Mato, e ct!~:f'!:i~h
Llamas. O álbum remixado Postmodern Platos
(1999) s '· ·.· ~-• ou pai:. · •:: fite adequado ao projeto de Tom Zé, que promovia
4
a estéf .:,i}'ff a;fA;:~~ligico~bi ·. ._,.9,r '. Essa colaboração coincidiu com a moda tropicalista
do rish década de ilt99Q~;~s Estados Unidos.
't'.{i7t1 ;/t;~i:ii~f ,,
,,,
~t~}:1~·~1i~f}}

~:s~~
10 Pa ra uma, ;: o mais extensa de Jogos de armar, de Tom Zé, veja meu artigo Tom Zé põe dinamite nos pés do
século, {J*'; ti ·de São PauÚJ, 25 fev. 2001.

231
Christopher Dunn

Ti0PIC.ALIS"f.A lnT~llA(l01lAL ".tif:\['.)i. ~t,i


.,;,~:~t::1i)r~~
Diferentemente da bossa-nova, a música da Tropicália não 91.ég;,qJ \e~eber muita
atenção fora do Brasil no final dos anos 60. 11 Há várias razões poi~~s para explicar isso.
~:,,i1:-:~rt. ...~ ·
Em primeiro lugar, a música tropicalista apresentava pou<:af~~niçlhança
-~-="'t°~:,,._
., :~,,
com a bossa-
nova e, dessa forma, foi ignorada por entusiastas europe~ }~t~?f'f~-arnericanos do jazz,
os principais consumidores da música brasileira no exte~9.h~41 segundo lugar, o mo-
vimento coincidiu com uma explosão do rock anglo~~~.t~~ t ligado a vibrantes mo-
vimentos da contracultura concentrados quase exclusi~ ente em contextos nacionais.
Em terceiro lugar, o mercado para a música W~ internacional era extremamente ~:gf
pequeno na década de 1960. O fenômeno da/J'ôli'fd music levaria ainda vinte anos para
·- ......--:~-.. -~ ~

surgir. Mesmo com o surgimento da world nitt,SJ~êomo uma ~_91:tegoria -!:':"~;,.:


de marketing no ./-~ -v~.~',k;;,,1,•

final dos anos 80, aTropicália era um,-~ WdaJ9:~ improváve.\)R~~\,:er sucesso intemacio-
.-:-~: :;:·'· !f.., ,..._.,_;,,t,;,. 11l~ b:~<;',h·

nal já que muitas vezes não seguia :_.,..., ~tió•iipos dos p4,i~:(Môminantes em rdação a
1
como a música popular de outros P.~ ~~p,everia soar;.{~ ({f? pkália era um movimento
,,,.,,... ,,,_,, ·~ ,,.,. (11

cultural basicamente concentrado;;wf çontexto nactd~ ;Os tropicalistas não tinham


. •.. •~-,:,~-;;'5~.:,, .,,f' ·.· ,V

interesse em desenvolver a -~ ~ti7f~ôfa do Brasil, t~~ muitos músicos da bossa-nova


estavam fazendo na épocal ~ à~ ~ e Gil trab~ arélfP na Inglaterra no início da década
de 1970, mas conquist~il1ti lsucesso p~p.8,\M?!frilitado e voltaram ao Brasil assim que
as condições permitiram. Âp'JJ~ de e':'ent~ ~ ~iite conquistar alguns fãs no exterior, a
i,:.·.,C; ,~· - . '~

experiência tropicali~~'4~~
·;.:~~·: \:,i!
anos 60 nú'h~J&f
.;~,..,, ~.•1·,(~..
funa referência para ouvintes estrangeiros,
como a bossa-nova f~h1?fora os fãs int(tiJld bhais de Tom Jobim e João Gilberto.
Essa situaçã_st-:;~ udou na décaqt \9;;: 1,':í-990. Em 1989, o selo Luaka Bop, de David
.._..;_-: _~;(.• ·• _ . .·IV ·-~/ -..r
Byrne, lanço~, ~effff}i tropical, º'~ ~i~t~p'Inpilação de música popular brasileira que fez
muito suceJ~~,eresentando C., i~~0, Gil e Gal Costa e contendo um texto de capa que
descrevi'.'!1~;,:~ ~;i~ento tropi~t~~- O lançamento em 1990 do álbum Tom Zé: Massive
Hits, ~ ~pela Ln4~.~'~P't~Pi ~vocou uma mudança em como a música brasileira era
.~~~-,, ·• ~~:-S,-;r:,.-c ~-~ •" .,:,._ ,..:

om;t~~,i~·iexrêrior. P~a m~~tos, essa coletânea de músicas gravadas na década de 1970


ch'.egq~,<com a for~ ...~ ;;.úfüa revelação. Era música popular brasileira "de vanguarda"
• -;••oi!:'· q ~,;· ~::·.;ir.•.-::>_,._ •.
Jqii,11,rião soava c91Ji~{t '.MPB pós-bossa nova nem se enquadrava dentro do esquema
....-. ·,.:!·
,i : -~t· 1
/,lff.z"i:;_·•,·1~\~.• ; · ·.•:

Jf' ·:·world music, apd/W:_'ttitser premiada nessa categoria pela revista Billboard. A música de
·¾;,i,,,, .<iffom Zé sug~fi{ ~~~ s afinidades com a música experimental de Nova York. O próprio
'•·"'" i.;;::;;i
11 Chris·ri~~gJ~unn, Gringos amames do Brasil, Revista Bravo, agosto, 2007.

232
Brutalidade jardim

David Byrne declarou sua irmandade anística com o ex-tropicalista. O texto de capa da
compilação subseqüente de Tom Zé também o apresentava como l.J.tii'f~c;t,erano do mo-
vimento tropicalista. Em 1991, Caetano Veloso publicou um longo,~r · ,, _}qio New York
.:·..-.:<. >f• .

Times sobre Carmen Miranda, explicando a importância da anis9.;$~~s t~opicalistas.


Foi esse artigo que levou um editor de Nova York a convencer ·Gi~,~ o a escrever sua
biografia tropicalista, Verdade tropical. Na época, referências : icália eram comuns
,,. 12
em textos jornalísticos sobre a música brasileira nos Estad, os.
Em algum ponto em meados da década de 1990, d J~picalistas
,., do final dos
anos 60 começaram a circular entre músicos, crítico&t ci¼fistas norte-americanos
em busca de novas tendências na música popular. i\1,~ &m o sucesso comercial do
rock pós-punk (i.e., o "grunge" de Seattle) no}ff{çj;g dos anos 90, a categoria "rock
alternativo" parecia cada vez mais obsoleta. , ,,:rr, .,,~ tistas do rock se voltaram para
o rap e o hip hop em busca de inspiração, iíÍ~,.. •~··rando em sua música pesadas bati-
'.;::·(,_~\~,'> . ··-~ ../-=-::_

das fun.k, turntab/,e scratching e produçãqlõi li'M. Outros · ~idesenvolveram uma


estética pós-moderna baseada em pd(' . f€~icos de :,:;,.,, /e•'.p la variedade musical,
. ·- .. -... ··.;;(f/:0., .
incluindo trilha sonora de filmes, ~ -- 1535founge e 04~ i>Bras obscuras descobertas
~}.i-t~-'.i.~ - ., ?f . -:~t i'-'·'

na história da música popular do dí · · 4o todo (H,p,yê~;:~0 1).


Com o desenvolvimento ~~;?~~ !~cias pós-,!::~i ~;~ música popular, as condi-
ções eram propícias para ~ijét~::~ ósica tr,?Pi,~}llisti /osse recebida com entusiasmo
fora do Brasil. No final,rg:._· , da de l 99Õl::t }~tãibria dos álbuns tropicalistas tinha
sido relançada em CD e ~rà cilmente e ,,t,. nJt!da nos Estados Unidos e na Euro-
--., _.,i}:
pa. 14 Um crítico do /i; · ..York Times ~'b,'1,,,, ' tf: "Dizem que algumas das bandas de
rock underground m:ii~,,
·:(;::,,:f.:-t
erenciadas:t:tl.t~ ;~&mento, particularmente o Stereolab e o
--~~:: ú:;~·>x-,'

.J~
.5)}!~- .• .::t/~f.
12 Veja, por exempf~.,Julian Dibbell, A Br -~sic, Spin, jul. 1989, e Notes on Carmen, 7he Vil/age ¼ice, 29 out.
1991; Chri~-, · àn, A Naáon of; ... ;tls, 'lhe Beat 10, n.4 (1991); e meus artigos lt's Forbidden to Forbid,
''- · 1993, e TakingJ;liêiftçi,~ from the Cannibals, Rhythm Music Magazine 3, n.9 (1994). Encon-
trei ap~, ;,-. .•.·. . crência ~'E:i? _,,. ·· ''~ff~acional da Tropicália no ano de sua ocorrência. A ediçáo de julho de
1968 ~ •t~~- ·b\irânica Wo:/-fil ;;'gf;.,. ~ apresentou um artigo de capa sobre o movimento intitulado Tropicália:
rãzilian Wave! ·•1';,f
13 V~' das americanas , ~flitam a música uopicalista anos antes de o movimento atrair tanta atenção da
,.:_:.'.! " "~
•.:.,.-,' .J aa~~esrsa~otabdeoms ll.1!
.:um : esde o final dos anos 80, a Birthday, banda de art-rock de Boston, já tinha gra-
'
... -. •. "' e nonsense de "2001 ",masque nunca foi lançada comercialmente. O grupo de
,1J?, i'.t_i~~)\ngeles Tarer T9 ' .. ntou uma versão de "Baonacumbà' no álbum de 1988, Alien Sleestacks from Brazil.
J\;' _:~ Cobain, da~, -. \Wirvana, se tornou fã de Os Mutantes depois de obter alguns de seus discos durante uma
'íNt\. .,,.,;Viagem ao Brasa êffi{l®~':
<:'..:{!*t1:i l A Polygram !:JÀ~ }~,na coleção de cinco discos incluindo álbW1S tropicalistas de Veloso, Gil, Gal Costa e Os
Mutantes, a)é _o álbum-conceito coletivo de 1968. A gravadora Omplatten relançou os três primeiros discos de
Os Mutant' ·... 999, a gravadora Luaka Bop também lançou uma compilação de Os Mutantes, Everything is
Possible!,.,_,Q;p,@.Jeiro da série World Psychedelíc Classícs. No mesmo ano, a Hip-O Records (um selo da Universal)
produziu ;1@1\~~leção, Tropicália Essentials.

233
Christopher Dunn

Gilberto Gil se apre~?,n~~i~f~~Nova Orl~?ns,

xti1~;1~:ft~f';;'.,., .(~: ~i~\~; 1~·''

Tortoise, adoram esses discos; elas fal,é!_m .,121,êles em entrevistas para os fás". 15 Os
..(''·, ,. f:~~ •':'· .. ~1~1-"
tropicalistas foram ª•,,,.•" ·... os como pit~~'
, ._, ,, ·.~--.{·.•
fes de grupos dos países dominantes em
busca de uma estétic1:B'ã ·a da na apr6~fiªçã6 irônica, na justaposição e na reciclagem
de material data,4~1t~ diversas fo11:r~~~~ii~icos e críticos expressavam um sentimento
--~, ,r.: _•.!<
•- · ----~·..-_:?· -__ '·•··
de "finalment~, ;ili~Jiçar" o tipqii~t~~úsica recombinante e híbrida desenvolvida no
1
Brasil, mais ;f , .in~a anos atrá - .-- - ,'r~picália se tornou a última encarnação da "poesia
,'.J~ .\;}'.·:' .
de expor/~ de Oswald d -..;.,.,; fade.
T: _ ·;;:f,;;; :e,lhoreitii~~!~~~,rd o tipo de canibalização irônica típica da Tropicália
pod~~is\~r'bu~idos nos di~~is d'Os Mutantes. O som da banda se inspirava indiscri-
mi~i~~me em rR •·• _SÍÉodélico, blues-rock, iê-iê-iê, os Beatles, bossa-nova, pop
·,:::~'."\'..;\ . ·••i:'./ ;~~f..>~· :",-:.$;:,

.tià'.'ffü.es e italiano,,c l, :-r latina e uma série de formas brasileiras. Em muitas de suas
1(~~;F /J~\
15 Ben Racliff, FlÍ,),m fií-'fu.il, the Echoes of a Modernist Revolt, New York Times, 17 maio de 1998. Para uma análise
mais exrens_$idil.9picália incluindo uma discografia anotada, veja Ben Ratliff, The Primer: Tropicália and Beyond,
·,r .,.
The Wiry1::A~j:~Ji1n. 1999) .
16 Gerald Mill~'tá.ci, Tropicália, Agora!, New York Times Magazine, 25 abr. 1999.

234
Brutalidade jardim

músicas, eles brincavam de forma divertida com "erros de tradução" estranhos e en-
.,
graçados do pop metropolitano, transmitindo afeição e um irôn:1~~;Qistanciamento
...~,t"i: . -.·-~
em relação ao rock anglo-americano (Harvey, 2001). Um dos icq · '~i:as pop mais
aclamados da década de 1990, Beck expressou surpresa após <>,p~i :...· ~ primeira vez
Os Mutantes, com suas misturas baseadas na seleção e combirf ':~i?iÍ~e fora praticada
pela banda trinta anos antes da estética de colagem do próg_p ,,~ eck. 17 Em 1998, ele
lançou um álbum intitulado Mutations, apresentando '\}'.lird.o rádio "Tropicália'', ?.: ;
/t':J \ ~.-•.
um samba que lembra "Aquele abraço", de Gil, e os so~;\~·z,·,.;,;, '~as de Jorge Ben do iní-
cio dos anos 70. A letra da música também sugeria %tlli~~aY filegórica de "Tropicália''
(1968), de Caetano, mas de um ponto de vista decist ~ente dominante. "Tropicá-
lia'' de Beck é contada na perspectiva de um expji'tift.fil!o desencantado, vivendo em um
><\w,• •.1.;._~> •

lugar que "reeks of tropical charros ... where t,àntí's~s snore and decay'' (fede a encantos
tropicais... onde os turistas roncam e se de~( .. . . · m).
,y.. -1~f~:;;f?

A onda tropicalista nos Estados Unifõs a.tingiu o ápic .. -~e rão de 1999. Várias
JS·. ?.::t~. .:.-.:~~:!' /{~~J;• ~-.-
revistas convencionais e especiali~p ~ .t~ifii~êntaram ar~'ç> .· bre o movimento e as
atividades dos principais participdWt~(:~bm Zé, C.~~;73:AVeloso e Gilberto Gil se
apresentaram em vários locais no i. ~ )los Unido"~-' -· 1Jiatraíram grandes platéias e
foram citados em resenhas alta~ •· ., Íogiosas e~tçyjst~ ,;.-.,,.., ,,~
·-.;•.
de música e para o público
geral. Caetano Veloso viaJ~lY. -~~_,fft:rnê com urpa b~fiãa de doze pessoas com material
do disco gravado em e..,; ,çv4i1,J},li;~oe o ál~ fij~t;ivo Prenda minha. Gilberto Gil e
sua banda apresentar~,
1
~iTutJls do CD cití~I~Y
/:l~- ,.:'IP
âe 1997, Quanta, e do álbum ao vivo,
Quanta Live. Enqu~J~ri~so, Tom Zé::s'e., ' íéiihtava em várias cidades norte-america-
nas com a banda To'l~2Jjj; um grupqi:::" ental de Chicago.
No verão de 20?.0: '~ grupo Po~i~i~tit (um projeto paralelo de Mac McCaughan,
-~1 k) lançou u~~!ffl~izded play (EP) de músicas brasileiras, De mel
da banda Supe-.. . ·< •.;-- -"'-:.'" • :•r. -~\:{,''''

de melão, ap~ tThdo covers i~~t~çri os de "Baby" e "Objeto não-identificado", dois


1

clássicos ..-,.. '/>.Jfàno Veloso.; "' ~.~ghan explicou no texto de capa que se inspirou a
gravar.~tti\[\'r~-tas pori\t:.1t1f~~êFgia, a emoção e as melodias puras concebidas pelos
artistaí''õ'~irtls são un'ilitj.ifinente empolgantes". O disco foi bem recebido pelos
en · · !,~ da Tropicá!it n~s·Estados Unidos. Um crítico musical expressou na inter-
i~.t~'··-iS:::-._,, ,'.ema alegria;':~p~
~~f- .:}~---• . -~~t<,_,
ntemente com uma pitada de ironia: ''Ainda bem que existe
\ ··-~.,~-•,:if.
:gl,~balizaçáo. ij~"; 'dcil'fcioso novo EP da Portastatic, Mac McCaughan se inspira na
·-•r~:J,:.:~
IjfVª onda da Tf~Ji~~ia brasileira do final dos anos 60, que, na época, se inspirava nos
~'!;-? ~-'~i;;z~;!~'.:·
17 Jackso~.;@i~~~% oogaloo with Beck, Pulse/ 188 (dez. 1999), p.81; Eric Gladstone, Música, Mutato, Muto, Mu-
tante, M'.úiãtii/ Rtrygun 63 (jan. 1999), p.42-9.

235
Christopher Dunn

movimentos acid e pop dos Estados Unidos e da Inglaterra. E agora, t rinta anos mais
tarde, garotos universitários conseguem interpretar as letras com a ajudru,q_e ferramen-
tas de tradução on-line em um cibercafé, enquanto comem rosquinh , © s críticos 1.'?~
brasileiros acompanharam com interesse a onda da Tropicália queiras dos epif ,_,,
Estados Unidos e da Europa. Escrevendo para a Folha de São Patff,i)~' %ij~;~ano Vianna
,.:{:,/J:",,., , i>i',
cautelosamente afirmou que «o lugar da cultura brasileira no ~ õH:'~~rto das nações' já
sofreu um pequeno, mas decisivo, deslocamento com o tal/ -·;fõ t8.o tropicalismo." 19
1

Após conversar sobre a tendência com um observador no _,r, --,.ricano, Vianna con-
cluiu que a Tropicália não foi recebida no exterior coq1~ :4wa·ct~riosidade exótica da
.,.t, .;!:;, :.;_::'~:
world music. Na verdade, o movimento foi "saudado qui&i!f'c omo se fosse uma escola
de vanguarda dentro da já longa história do roc~ij~1.4a música pop internacional".
.,>i-. ·•¼:,,o
No entanto, a interpretação dos países dominagJ:êi~ ,·-.::-.,
relação à Tropicália como um ---_;-·• ;:):_,

movimento precursor da estética musical pós#'° .'erna global muitas vezes ignora a
intenção crucial do movimento e seu impa,~'t"o J~il3rasil.
gs:I~:''.;:'ifr

Tl0fl(.ÁIJA -' fflÚ{l(.ft;~f-~#f lL-'lil J' !tm,0itn~ 1


1
, •½t1i; ~~~!~~ ~ -J~;~:;t~1Ji;"'
Tom Zé observou que o lili, ~~Tropk~ia.,$fm ~ ais relação com a "arquiteturà'
da criação musical do qu~;~pm,\;;@jmitação dê~':,,"!' - --\lfC om "arquiteturà', ele se referia
·-~~·J.,~$.'i;!~(;J;t&t.'' / ;> '7{:.

à forma na qual os artistas se utiii"zam de i~i ênçfàs locais e internacionais, novas tec-
nologias de produção e,'(~ ~~irnismos de
:~:t
âr(~:16\!~
:~,i., ~-::~.\;i;f~,.
mídia em qualquer dado momento
histórico. Referindo-sêr :t.. StO vangu~J,~â'l:j_ue concluiu formalmente o movimen-
to no final de 196§:!': ,9m Zé prosseg1tj ~:si~~o se pode imitar as coisas do tropicalismo,
elas já se esvazi~,i/ ' ,:JDunn, 19?jf~t1p:_i~:~XO). Qualquer revitalização formal do "som
universal" do n'~gl. d~década dç.i'~J,:~~ --i'nevitavelmente seria sobrecarregada com um
' ~~:;:L~"-: _..:,; ..
kitsch nost~ :..' ?. ti.
. Nos últimos12
·. ,--~:--f
-· os, contudo, a experiência tropicalista tem sido

.,, 'ada e r<ta.rtf-7 1t"de forma surpreendente.


'· ~ ,..(~ '.l,,~·-·:'.'!;:-{?Ji,~ ./
·. f' o 'sucesso "Aif~{~ , alegrià', de Caetano, foi inesperadamente retomado
com6'?·1»~~- ' de prote~~~u2el'lí' juventude urbana da classe média que saiu às ruas para
d9ffefüí~ilf um escân9,.il~;~~~é:orrupção envolvendo Fernando Collor de Melo. A música
d~~~a:~bo foi es f · •f > para ser o tema para Anos rebeldes, uma popular minissérie

\{
18 Veja a rese,. _ ~ent DiCrescenzo sobre De mel, de melão na revista on-line Pitchfork (pitchforkrnedia.com),
19 H ermano Vi : A epifania tropicalista, Folha de São Paufn, M ais!, 19 set. 1999-

236
Brutalidade jardim

exibida durante seis semanas pela TV Globo. Escrita por Gilberto Braga, Anos rebeldes
foi a primeira telenovela a dramatizar os conflitos políticos e cul~ ~- sob o governo
militar desde o golpe em 1964 até 1979, quando a Lei da Anistia p~,f~!Í&'.b retorno dos
exilados políticos. Vários episódios abordavam o clima de opress~ _:é ~j~68, mostrando ~. ,.: .,; > . •••.•

imagens de arquivo de manifestações populares no Rio de Jan~H:~;:;5:,~; confrontos com


batalhões da polícia. A série retratava os acalorados debates ,P'-\~ 'g~~ ~ da .M PB por meio
.,.fj_':

de personagens que discutiam os méritos relativos da m6§i,,... -'protesto, do rock e da


.---~-.;':-,~,. . . .~. r:~1-
MPB, com referência a Caetano Veloso, Chico Buarq~j,;,~,~~~raldo Vandré. Em uma
. -,~;,.,t_}..'.,'' J.i_,:..

cena, o protagonista e a namorada discutiam ternpes:;;,t;ú.'.~~ejte sobre os resultados do


Festival Internacional da Canção de 1968, no qual f ~irJhbirn e Chico Buarque foram
vaiados pela platéia depois de vencer o festival, Jf{I~ da enorme torcida popular pelo
hino de resistência de Geraldo Vandré, "C · ., s·,-,~{(:',:é
.. ·a~.''
A popularidade da série provavelmentc;:[i it~ resultado da representação da luta
política contra o autoritarismo em um~if~P ·, .:-:,na qual a .•'i' ~9,.estava decepcionada
com a Nova República e enojada;r,_ê'ó :c~ i';escândalo, .· ·. ~pçáo (Xavier, 1998, ·é

p.193). Anos rebeldes também apreslii""°' _;ijb s jovens da,,,Gti~J~hiédia brasileira os debates
u:~ft~ ;\~f;,.?. "'o ;:{t~
políticos e culturais que haviam e ,.,.' gàâo a geraçã.~i~;§~b.s pais. Muitos jovens mani-
~~ . ',t: ,-i•f:./:-:~ t
·r :""5~~·;/

festantes se inspiraram na séri ·'., i~âlíflb invadira.ii1.;;,:1 , as para exigir o impeachment


de Collor, ocorrido vário~;;;rn ~i,3iJ?ós a trans.giis;ã-~; .· a série. As marchas de protesto
-~~::E ~f:t~;,,.-. . . '. <?~
incluíram um sistema g~~Ó~}tii-ierante t6 ~;;;f-êpetidamente "Alegria, alegriá', que
2
os manifestantes acon{pifiHii~m cantan .· uma irônica reviravolta, o primeiro / '~

sucesso tropicalista q~;~Ç~etano sobre1Ji.rri . ,-ffekr solitário pouco interessado na políti-


;J!\·.1'-,·-::.t·:,.~t _ _ ..-..\r;;~~·-•.
ca acabou ressurgin:~2,.swhio um hi11 . . ê':p,-otesto coletivo, 25 anos mais tarde.
Ao longo do.~
~?e·.!~\-,
~6i't90,
a Trogk:'.;_, :ufoi tema de várias celebrações públicas, es•
i+:'"'i':fv:;~,
pecialrnente d n-.,--- "'~~ o carnav~~JijJJ: "'"1:994, a famosa escola de samba da Mangueira
,;j;f -:··: ' ,/y/(~~-
o mênagem aos ·. · -
-
Bárbaros (Gil, Caetano, Gal Costa e Maria Be-
J:"'
s'
Ôs artistas baianos que, na maior parte do tempo,
';"' ·o de J.an~m, . sele a década de 1970. O samba-enredo de 1994 da
,,:: . _
-/ ~. .-:;,,\.tfti.;:f -·--~t:~~~··
Man -~' .. '4A:trás da vêfiiJ-;;i2rosa só não vai quem já morreu", foi uma homenagem
. - -~1
a _i+. "~µ.o trio elétri_q~", ;~ Caetano, composta em 1969, quando o artista estava em
~;;;.; ~!~•- ·. .<":-;_1.';. ...,~•

"'~ .~}ô'.ifdomiciliar. 2~S~ :i~ ba também fazia referência a momentos fundamentais do


,. . da carreirl:,~l-ica do grupo baiano, como as aclamadas apresentações de Be-
;:··inia em l 9G,-~ (~~. shows do Opinião, ''Alegria, alegrià', de Caetano, "Domingo no
.'.\~r\:{~"''.

20 Veloso"lii •-_-.de inchúu essa m úsica em seu álbUIIl ao vivo, Prenda minha (1998).
·::,.

237
Christopher Dunn

parque", de Gil, e o sucesso de 1969 de Gal, "Meu nome é Gal". Caetano retribuiu o
gesto vários anos mais tarde em uma música de seu álbum Livro (1'.\ ~Z), que procla-
" • , ., .• ,, ,.-::;rr
mava que a Mangueira e onde o Rio e mais baiano . A:t:l:5-,:.·
ll .,tt i •0f. . .
O bloco afro Olodum, de Salvador, também celebrou a TropiçIUii,,~'ºseü legado no
----~·:·- -(~,~:->
carnaval baiano de 1994. Combinando crítica social com um"'à J~p pop, o Olodum
· -i/ <;:,-, '.)• {?~·-'
ganhou fama nacional e internacional no final dos anos 80\t rnf~io dos anos 90 com
suas fusões percussivas de samba, reggae e outros ritmo~r ~'p~~~ribenhos. Nos anos
80, o grupo surgiu como um importante defensor da a ff'' ·, cultural e da política ;:p
negra. No início dos anos 90, o Olodum alterou s~t,' at{f acrescentando instru-
mentos elétricos à sua bateria, em uma tentativa d~· ·c~~orrer com o mercado pop
local. O grupo continuou a apresentar e gravarJJ~~icas de protesto político e racial,
.f-..-: '-~ft;'~ât
mas também expandiu seus temas. Apesar de "· .e parte das músicas da década de
1980 se referir às histórias e aos heróis das 1~:t egras no Brasil e na África, o sucesso
de 1994, ''Alegria geral" (uma alusão a "i)~gríf;1~ egrià' e é:lJ êJ'ij~ia geral"), proclama-
...-. - 1r:~~1~, -~·-tr _,.;~~::~"i:- "\'
va abertamente: "Olodum tá hippi~tt Q!ili:t:ün
;-r,';t- ' . ,;(:~3.':':J:\:i-1',:·,
tá pop / ~Jôtli4m
..,_(~:;:~)•j-: .
tá reggae/ Olodum
tá rock/ Olodum pirou de vez'. ,.~H~fif
música d9,1r~i?mo álbum, O movimento,
-· ·.<:'~: t;-:;~~ . ---.i;J - ~ :}?.' . . ;<:)

abordava a modernização tecnolój!9,â'Jfê dois fam<?~~firiJ~,ffeeiros do candomblé, mui-


tas vezes associado à tradição am;(~ft "Parabóli~ ~ B:tÔ Gantuá / computadores no
- -·. ..1-1'(ál"'" :r;;;!.t,<,.:.':-?:!

Opó Afonjá / tropicalist~r;t?~fêr,~,,Jiê luz". O Q}oduJft'escolheu o legado da Tropicália


como plataforma para
,·;r.':- 1 :t~:-;?,,;-~ --:'~{-~'
§~i;fi,~%
•. .-;:~,.,
1
; "'"moder · :~i'!rift t italidade da cultura afro-baiana.
A virada tropicalista na Í::rÍÕ:~íêd.e no disc~só''&ti' Olodum teve resultados ambíguos.
Para alguns críticos, ,i~t'.·,~rejudicou Oi~~j[!1pJfunento do grupo como a principal voz
da consciência negr~J,Jf!;f~ ahia. Por -~ J!iõt½ado, a manobra também permitiu que o
grupo transmitis§.~,- s~i '~ensagem,~ijtµ,µ ftpúblico mais amplo nos mercados pop local
e nacional (vej {. "':';-reiro, 200Q, '·i~S'-7).
Como d~~tri'~cf'rios parágra_,,. ~r~~bertura deste livro, a badalação comemorativa
ao redor 4~i~f icália no B .t·'''··I»ii~giu o auge em 1998, no 302 aniversário do mo-
vimentd}({~ Jl::onjunt9., c :J.'.Y-iffi tividades do carnaval, a prefeitura e a Bahiatursa de
-"'.':t{";.~,-;, •/ '.~-:~ 1

u"' , ,
,_.t;'.i(.,_";._ ··::;.;..';-:.-'-;.~.-

Salv1 ' ti:\btgiftizaram rito comemorativo, "30 anos de Tropicália", envolvendo


mÇ:~, ·. e artes visu~ _~, l~~uras dramatizadas e palestras no Museu de Arte Moderna
J~i;;i . ·ia.21 Artista~¼~~;~»íticos afumaram para a imprensa que a Tropicália exerceu
t~\t '.;.:.~ ,:~.:t;·~. .
.1:}~" •;,~r:;n,3profundo i ftô sobre o carnaval contemporâneo da Bahia, com trios elétri-
ti:,. ~;; tocando di/:~µ:io, desde frevo até hard rock, e blocos afros apresentando novos
-~t}t?f}lV.; (K\!2Il}{~ .

;>~gti1T ropicalismo: Banquete pós-antropof.ígico, A Tarde, 12 fev. 1998.

238
Brutalidade jardim

ritmos híbridos, como o samba-reggae. 22 Caetano afirmou que o novo carnaval da


Bahia, "eletrificado, rockificado, cubanizado, jamaicanizado, popifi€~9", se originou
-r..,, l'.!;;:i

da experiência tropicalista em oposição ao carnaval do Rio de Jane;,~i~t9,u"e ainda é do-


·-,;.: - .-~r \4-~,t -
minado pelas escolas de samba (Veloso, 1997, p.50). O carnav,-~l tr~ifcalista resultou
na gravação de novas versões de clássicos tropicalistas por b~2"?J~b:~ ros e bandas pop
da chamada ªaxé music".23 Durante o carnaval, grupos de J~ij~g~upos de percussão
. '"-~-~..;_';\;-: ;{ú'i'"
percorriam a cidade tocando músicas tropicalistas. Gilt ""•:-âiídou um trio elétrico
)5'.; ':·.
especial (apelidado de "Trio Eletrônico") com convidad:~i-e ;'p Milton Nascimento,
Djavan, Elba Ramalho, Carlinhos Brown e a prinef~i l ~y;clâista feminina do movi-
mento tropicalista, Gal Costa. Enquanto Gil, Caet~d~ G al apresentavam seus suces-
sos do período tropicalista, as celebridades qu~ffü'~~ vindo para os festejos, como
o renomado escritor Jorge Amado e o patri ,., f~~ política baiana, Antônio Carlos
Magalhães, aplaudiam nos camarotes VII~Z:f
Como em qualquer celebração corfi,~m qf fiva ou r _ . t-,~ctiva, o carnaval da
, :1} ,_, Zi~~t?" :,;~:t· f
Tropicália tendeu a reduzir os cont:õ'rn,qs.•tãâ; memória e .· turru, transformando-a em
:t,~~\t{Í:~'.),~~ft:)~ --:•-~·Srf~t~,
ícones e estilos prontamente consu'llitvç~;
~- -~.t ~,?
enquantq1õúir,i6f'aspectos
:;i1"1' ··t}:C¼
do movimento
foram deixados de lado. As ave :,;.,da cidade ,{9~~rfêrifeitadas com imagens de
cartoon de Caetano, Gil e Cos · "'i~ es maneqt~~ -. Carmen Miranda e símbolos
kitsch da vida nos trópicq~~. in~ly~ndo
•r--,',~.::- ·--~.t,' t'
banap.as
_..
; ·iªbacaxis. Referências a Tom Zé e
fo~i!mil7''
\ )! ~"t'.-·.'.f

outros tropicalistas entavelmerli~:1si !~tês. o carnaval de 1998 tendeu a


dar destaque às representaçô · ais abert ( r, e~f~1kitsch da "vida nos trópicos" que, no
início de 1968, havi . ·çlo objeto di ~~tL ' -'8 picalista. Todo um complexo conjunto
i\F ;..; ;;,.,_···1~,•:}~L_.;.
de referências histói;~Ji
.-,.:...·11,:-f.·...
oi resumid,2fa.-r'êpresentações
i~-'-i".'-\').:,.,
festivas, em grande medida
destituídas de distanciamento críticfh-"'--;,,r;:;
J)if:~d:t, .:t~"" ,~-~;{~:'<·,
2
A influênci 'i~ opicália vai{:'- · "âlém das homenagens mencionadas acima. Di-
-~\,..,. ·"i.~··: -i::-:.,~

versos artisC¾~Íi ~ àfuados que ir "' '-:x§tÍrgir no cenário nacional na década de 1990 de-
monstr~ 'iê ,",."19'àfinidades cf < ) '.p,rojeto tropicalista. A música popular brasileira dos
anos 9Q,'Fii!ffir!cada Pi!t "f!Qfi~fí11zação de algumas práticas musicais de origem exóge-
i~:,~ó~k, o reggi~;~ :f;P e o funk) e pelo surgimento de novos híbridos combi-

4~ Baby Consuelo, ·• .;:,:-·Sta dos Novos Baianos e uma eterna favorita do carnaval baiano, observou que "o tropi-
ti{~f;f'calismo é a rait( ,, que se vê hoje no carnaval de Salvador". Veja Christiane Gonzalez, Tropicalistas derrubam
axé mu.sic e 'Í-, Folha de São Paulo, 24 fev. 1998.
23 fusa grav , ~ icália: 30 anos, apresentou Batmacumba, interpretada pelo Ilê Aiyê, Domingo 1UJ parque, inter-
pretada: ,a,.. . gareth M enezes, e Alegria, akgria, interpretada por Daniela Mercury.
24Amemô'' · 1ebraçáo da Tropicália, A Tarde, 25 fev. 1998.

239
Christopher Dunn

nando gêneros de fontes nacionais e internacionais. Isso não representa uma novidade,
já que a apropriação de esúlos estrangeiros tem sido fundamental ·-'p.._Ata a gênese da
música popular brasileira desde o século XIX. Como demonstrou C ~ii,h~Magaldi, a
novidade reside na forma como esses novos esúlos musicais se posi_ç ;i~fti~ em relação
,., ~~.. 1"!'.3.~~
às noções essencialistas de "cultura nacional". Segundo Magaldi;tft :,,prasilidade deixou
.·.{,'t•'"-', •_;.. ~:~·
de exercer um papel central na produção e no consumo da J,nfis-i,ça' popular e formas
musicais exógenas foram "uúlizadas e reinterpretadas no ce9-JJ;Í~ :!J~ileiro para articular
as identidades sociais e étnicas locais" (Magaldi, 1999, P-~l QJ?%fêneros como o rock,
o rap e o reggae foram "abrasileirados" de forma a ser.t iti~çiki&s como um repenório
mais amplo de práticas reconhecidas e aceitas como b;~ Jrii';as.
Grande parte da música popular produzida l~Jc'<1b.~,·
.,:·t
.apresenta marcas da Tropicália e
da musicalidade da contracultura do início da él&adi"de
1
1970. Músicas desse período
, •f~•~i\~ ..( •:~~,-J
foram reinterpretadas por artistas como M.~ i)ãtMonte, Daúde e Andrea Marquee.
. !~ , JC ,·• •

Outros cantores e compositores se inspir~ m ~"ef que Tom .~l?~~ma de "arquiteturà' ·


da Tropicália para produzir novos e~-fE~ji~ntl ~na músii p&~, ~nvolvendo a poética
e as técnicas musicais vanguardist~ !f*~ ~do Antu~~-?;;i~?líder da banda de rock
Titãs, concentrou-se na convergên{ i~!qi."música br~ij~y:i1om a poesia concreta, ex-
'(:r-_-.. . ...-::r- I' ·-'?-- ~~1-, . ! .'

piorada pela primeira ve:z pelos ;~ ,~ ~iOOistas. Carlit .?,f:,Brown, a cosmopolita estrela
pop da Bahia, desenvolve1;11.~ .;;çsf'érica decisivanif'Hte híbrida, inspirada em várias
'/i_. ·- -·~:.· ·.:.•I -S .:.:~~
formas musicais do No_~~~~· ' '"-4? Brasil, bi~~~'1?:m.9--'ó reggae, o funk e a música dan-
çante tecno. Outro J. ovem co pop bahfuo/~
ftJ ~
Jiliucas Santtana, fez uma homenagem
explícita aos tropicalJ~!~ em seu álbtllr}-,._~t -~ sfréia, EletroBenDodô. O disco começa
·?-~·- -~:'t',};, _. . -~~\'~,i
com uma amostra dlitil}ô.e "TropicáJ,if /ffê" Caetano, com sobreposições de guitarra
elétrica distorcida<e uci';; amba toc~4,~}\:pandeiro.
••..--::\l ;;;L,, ;;J:.., -!•t,1;t;\,

Os melhoresi~iêmplos de múfit\:~'tcó'fú:emporânea inspirada nas estratégias da Tropi-


fr• ✓·-?:\t·.- \~}'" -~~.\~ <\o/:Z-.N
cália são pro~~j~nfes do Recife,,:?1~fórdesre do Brasil. Nos anos 90, Recife deu origem
ao mangu~:t,~~;1i.im movime,ti fSt:wusical que combinava as formas locais do baião, da
1 ,c,r: •,,,r · ;f,. _;1
emboladâ'.i.:4& maracatµ ç,&~,,,~l émentos de heavy metal, rap, funk e reggae. Antes da
.-.:~11,.3 . ~-;J_:;~~ --~:~-~~·,. ;~~-:~:±··
mo1J~f~~ci~ctfâe seu lídé5f;~~,,banda mais aclamada do movimento mangue beat foi o
gru,l?,o.}rfülti-racial Chfi9. S§ience & Nação Z umbi. O texto de capa do primeiro álbum
,.~6,J i$o, Da !.a~ ~ ~J, continha um divertido manifesto sugerindo afinidades com
(Í/~- ~,.;;: ,t r-, _•_:, ._, -·~ '. -',~,,

~~bpicália, a co~!t'lêtiltura dos anos 70 e a música afrodiaspórica: "Os mangueboys


'Wf,. ~)nanguegirls ·tQ}¼ divíduos interessados em quadrinhos, TV interativa, anúpsiquia-
'l,{t;11!if1~a, Bezerr~::,~1 ,'8i!td,
hip hop, midiotia, artismo, música de rua, John Coltrane, acaso,
sexo não ·,Y k~~, conflitos étnicos e todos os avanços da química aplicada ao terreno
da alter~~~f~/ expansáo da consciência". O segundo álbum da banda, Afrociberdélia,

240
Brutalidade jardim

incluiu samplings de discos tropicalistas, vocais de Gilberto Gil e uma versão do hino
pós-tropicalista de Jorge Mautner, de meados da década de 1970, "~iir~çacu atôrrúco",
que fundia o ritmo maracatu com música dançante d.rum and bass~t!J-,r,:,_;?,\
·!); :-, ~.•,<

Hermano Vianna se referiu à música de Chico Science &,;:~ aç~ Zumbi como
J ....i\t,-,

"uma versão pós-moderna da obra de seu conterrâneo Gilbcrtil~~:e" (Vianna, 1995,


p.144). Com efeito, uma música desse álbum, "Ecnià', traç{:{eô_f..ias sobre a produção
,!t:;;·~·-':"~~ ·~
da música híbrida que reflete sobre a identidade cultura,,~tJ:' isr:tt mestiça do Brasil e a
celebra: "Somos todos juntos uma miscigenação/ e náo-Jµçii itjos fugir da nossa etnia
/ índios, brancos, negros e mestiços / nada de errad,!cfJ~@~ti-.princípios". A música
.• ~~,:-:. .f':
celebra a identidade nacional mestiça e confirma a unidide cultural de uma nação he-
terogênea. No encanto, ela também incorpora fqr~, ~~-
híbridas transnacionais ("é hip
'! 1";( •

hop na minha embolada'') que não se restringç~~~;penhum nacionalismo cultural de


kl'.:.·.:.;-:-._; ....
definição estreita. O nome da banda, "Na,ç io,~~))mbi", sug~f~/ormas alternativas de .
nacionalismo com base na experiência de;:jP~~es, o quilqm_?"&;de escravos africanos
"-~~ t,y.'··r,.._,.;J;··c ·.'"·t.,~. ;_:,~·i-::.
foragidos, índios e brancos marginalitaq~J1úe, no século)~It ; ,};~,_J:-:,.;:.:,"t·•-.,,; i ,.,tr..,
viveram juntos sob a
• :1 t •

liderança de Zumbi, seu maior guerr~~'fb::q!gro. A ban$;1 '~ ipt6u uma forma democrá-
-~~~-~-:... ·.~ ·' •·n,:.·~ ~-\"1

rica e utópica de "brasilidade", coqf k:!\~ na históri~;~fJitas afro-brasileiras.


Os anistas que conquistaramf~ if26nhecimentd~Qp/p úblico e da crítica na década
,-~·- '•l_~i~0' ~ .:~:~-;-:-,:·
de 1990 sem dúvida tambçm.'•tijns'eguiram se J~Hstinguir dos tropicalistas em termos
de estilo, repertório, ut¾?.~1,s.d;
,r,ç'Jivr<~.;~.•.ff;:.,
···ú· .
tecnoló'gr~t ..
t:~"· pr~priações de material musical in-
cernacional. Chico César~-dii'.tàt""e composXfôr }?sucesso, chegou a alegar que os tro-
·,.;. '1"; ~.. . .i."!{;

picalistas tiveram um .;t ftjto sufocante<:s'g~~.r{t::l/sua geração de artistas. Alguns nomes


da MPB surgidos na i{~ç~!a de 1960 .diJ;~6"mantiveram um nível extraordinário de
influência que vai__Ip.~g;iém da PPR~iiêi.ade e do prestígio cultural dos artistas da
l';.,1f ~~·• ::~r ' •1:,;c,.~."•

mesma geraçá? ~9fW5tados Uni~~~t,~::.a\1 Europa. Chico César sugeriu que os cro-
J: j. ,_.•.
• .'.~> ~.. -f~,1 • _ · ~:.:,·'
picalistas se v~1eràm aos int~/~~. éomerciais e deixaram de produzir novidades.
1
Falando pariit~wf
,~"1,. . .).•.·
público not~t~; . ;~,., ,
ricano no Festival de Jazz de Nova Orleans, ele
•~<t>

al.finetott,=~~H..Bf~, Cae9c~~j W:~~Jti é um pop star. Gilberto Gil é apenas um grande


~-~~. t - ,~•;, .,,..,.. •. ~ ....

anista.c~ft ';(½l ê!ósta virm?tima·senhora que se dedica a cantar bossa-nova. Até Tom
Zé, q[?i;t &eu durante ~ osfip.~ semi-anonimato, virou um darling da mídia brasileira
depó~ le receber a. b'W4A't> de David Byrne. O tropicalismo já virou stablishment,
i,§r ~~"'f/Parte do sisciif ~{is Considerando o fato de que Chico César também usufruiu
\~. u~ sucesso cori~1i~fivel como artista pop tanto no Brasil como no exterior, esse
'q,1,\li,t!";:~
25 Veja Carl!J,S,J)iid'ó, Chico César esquenrn. debate sobre Tropicália, CliqueMusic (diquemusic.com.br), 5 maio
2000. , ' '~'l-ilif'

241
Christopher Dunn

ressentimento parece mal colocado, especialmente em relação a Tom Zé, que ainda
permanece à margem da música popular no Brasil. 4-~~r~.,:,
A publicação da autobiografia de Caetano Veloso, Verdade ~ · ·''· t/ em 1997,
li . ,·· .
provocou ou tra rodada de discussões em relação ao moviment_o; ': ~-,· legado e sua
relevância contemporânea. A Folha de São Paulo dedicou U!Jl,f {~~-~ ~"inteira no ca-
,:f:'1!'.'.•:>, ':·.
derno dominical de artes ao movimento tropicalista e à int~ pf~?J-ção de Caetano. A
maioria dos críticos considerou a biografia uma grande s~~i5fBliiçáo às intermináveis
discussões em relação à modernidade no Brasil, sua ide.à,
,...
¼
s\1•.
~â~ nacional, música po- :~•i· .:- :-; ~

pular e produção cultural sob o governo autoritário.t-~ ~fpta:títo, outros a criticaram


como uma narrativa pretensiosa e auto-elogiosa, escN:fi° para consolidar a posição
hegemônica de Caetano na cultura brasileira. .ffa%~:&sande contraste com sua análise
entusiasta dos tropicalistas em 1977, Gilberto-;Vâ;$ç;ncelos comentou com sarcasmo
que Caetano escreveu a biografia "de olho &Gi};; ~ga na A~ demia Brasileira de Le-
tras".26 É improvável que Caetano tiv~ss~, ~ q,:â ~mia em ~Ífli~quando escreveu sua ·
1 2.:,.-i·, "'t~~:;;,.,~,•·{'.' i.i,rt1;'.~~/
autobiografia, mas, ao mesmo temf}'.\~\it-Iforguntar: ~~fi,,~ri~·não? Considerando a
complexidade e a variedade da obr:~ê pé;½~ de CaetiQ~;t~fft~ ue não nomeá-lo para a
instituição literária de maior presú··~· ·tt<? Brasil? Co!Il'\ ~ cinqüenta anos de carreira
artística e seis como ministro d l s~ '.i. 'fira no gove.t'i ft ~;Ja, não caberia a Gilberto Gil
, -!'.·,; . ':'J.;JJ-/ ·.-;i:.~i~>'."·
uma cadeira na instituição?~e1~ ~-inzou n~ caµ a d~,:.~eu álbum de 1968?
Liv Sovik: argumen~:~}¾( ! j :opicália é '~ .;~tlp' canônico", cujas estratégias formais
se tornaram uma prárica-p~diã'i nas artes ltrfu;ilç1tis. As misturas ecléticas e pastiches de
f
elementos locais e glo~pit 1 ém de jusra~~~/;!ê§;'fi~icas de realidades sociais contraditórias,
perderam a eficácia q~ ~t:p;iham na déqi~la dê·'l960. O debate ao redor da Tropicália tor-
nou-se "uma forw~~~e fctlar sobre o~~ §'.~~ifas" (Sovik, 2000, p.114-5). No fim da década
.•.;._:,~· :'f-'; ~. •. ..:: ~,'-;tf>-+~

de 1960, a Tr~,rJ(~,l~#'. era a pedr,~;de~~~que para a controvérsia em relação à cultura e à


política sob ótt'ilerno militar. S?l ii~~ates da década de 1990 sobre o movimento tendem
a dizer rew 'ê:'i & J "globalizaçãolêJ~§i7ímpacto
~,. .:-·- .l/, - ':"').,- ~
sobre a cultura, a economia e a política bra- ,! ..

sileira.~,Nl/~do,
tl~-t~J:-. •\-....~::!;-
tat+~R ~~õ
- -"":.-•.:3/~ ._,.~
como Gil apoiaram publicamente o então presidente
do l?t:~ifFêrnáhdo
:::t~:--:.,.\~-~.~.. .
Henriqut·•.'Cardoso (FHC), um ex-sociólogo reconhecido por seus es-
tu~ :# ;;t eoria da d~J>if 9-êfiba e que se tornou defensor do liberalismo de livre mercado.
_,...,_,_--;-,. "(·~i1.,..-,;. 4• -1',., :,J~

/fin;~ a entrevi~ ;:; ;/·elogiou a dupla tropicalista por suas qualidades "universais" e
~ft.. , :.,~ cterizou Chi<(~: Buarque, que manteve o leal apoio da oposição de esquerda, corno um
";í,i!;;,J!litY.~ sta
'-·.,e,,._
"conv~g,!~irda "elite tradicional".
-:-·. --1}~--~~i:'
27

- - -'","'/;~"':"',:~;~}§l; ·
26 G ilben~,,Visçódédlos, Sem mentira não se vive, Folha de São Paulo, Mais!, 2 nov. 1997.
27 Veja SiK&Íidiíde Reveladora, Revista Época 14 (24 ago. 1998). How to Organize a M ovnnent, p.109.

242
Brutalidade jardim

Os críticos de Caetano acusaram-no de ser cúmplice da ordem neoliberal pós-dita-


l::r,,__
torial durante a época de FHC. Vasconcellos diz que o sucesso comeréiij~4f Caetano e
a aprovação da sua crítica foram legados do governo militar: "DeBf-15,~ ;:p~oprietário
da Rede Globo e do atual presidente da República, o cantor trqpi~ ~ calvez tenha
,\::;,.:-~,.::}':
sido o grande beneficiado do golpe de 64". Vasconcellos eco~t*~tf-tíca de José Ramos
Tinhorão, quando diz que a Tropicália era a vanguarda cut%,._~-~~ : do regime militar.
~- , \?:,'-é.,:'l
Apesar de Caetano de fato ter tido uma carreira de suce~S(Íf,l
. ..
)\'.,"
g_~sde a década de 1960, "

sua situação atual não é resultado da modernização c?t~~~f~t! ª sob o governo mi-
litar nem da transição neoliberal conduzida por Collqf~? ''~HC: Como muitos outros
artistas da MPB, Caetano certamente se beneficiou dJ l Ípansáo institucional da in-
dústria cultural desde a década de 1960, mas el~;f ~/m expressou sistematicamente
Js.-...:,;. '
críticas incisivas à sociedade brasileira conte11;,g9,]~ea.
Caetano é sem dúvida um artista consa{i~~.:j b Brasil e, W~º diz Sovik, a Tropi-
-.;;.;;i. ••,-\• ;_ '.'lo-•~--~

cália de fato entrou para o cânone da C!:lln{~ brn.sileira. Em'c11w)e*ruttamento de 1999


Y,i}f •.'}'./(~• •.i)''"•''1.,_.~:::.\;.,., ,; _,.".:'.I~•

realizado pela revista brasileira IstoE.;tt onttii'.~c{ Chico Buatqwt foi eleito "O Brasileiro
·-·•;7:.:{'f:.f~----yei --~-~- . -~:t }._
,
do Século" no mundo da música, pqf ~~5Júri de críti9pft1iP1Úsicos. 28 Foi seguido de
Tom Jobim, Vinicius de Moraes e Nascime.ql of·ª f irincipais articuladores da ~ti'iç!)
Tropicália, Caetano Veloso e Gill5'~}l~~t il, foram eiiJJ,g~)i.·espectivamente em quinto e
g-...,. '\1tj_':f• ·--~•..

décimo lugares. A Tropicálit ~pó~;i ei- canôriica,.vn~,J?.áo há um consenso em relação


a seu legado na cultura 'fi{~t~:l;,;~./:t,f
~.
hJ?°a{ju;Iª'.
~,(._ ' ·/'.,., '"'
.,,,, ~··r'..ttI~!:' li' ' .~1-
/:}i:l~::;,,;_ ~
~fir.Jl011(j Ll~~f"N {ILIDID-'
á~•-'· ,,~,• ~;i~;f:;:,\~l
O projeto tt;,Qj~J~ta manifestj:>"1i~;d urante um período de intensos conflitos po-
..-r:- ·•·...·Nw· , ·t!:~!':•,, . •·I
líticos e culrur~
..
_
f l-O
..,._~-
Brasil, criti~:ríi~
•~•t~ •
~
simultaneamente o governo militar e o projeto kj,,_•.

nacional-piifüt,~--d a esquerda B~ifflra. O posicionamento ambíguo dos tropicalistas


- ~1:t«1?º
f'- •.., t,.,
1
;, ,é;! ~'<•, ':t.f·,,.. ·:(:.~-~

gerou um curiõ.t~j!!i'~âl eles foram vigorosamente criticados pela esquerda


e tam~J Yfrseguidos pel~'fêgime militar corno subversivos. A Tropicália contribuiu
f ·, ..

iguahfi,er.Í ª' para debatê~§.çbie a questão da modernidade e nacionalidade brasileiras,


. .. "'·'r..:·•·-'! :.i::~:...r.-,;¼-. /1~;-
t~&ftj..~âs
,._, - :. ~'
e repres59.:t~#sf'
,,,,\Jr,;.,··.:.,;,., .,_
n as várias correntes e fases do Modernismo, um projeto
/Jf'' o.iiêumdo tanto pe~ .-~ip~rimentação formal como pelo nacionalismo cultural.
{iL.!!J;;•::fe;-".
"'¼•'-:;
. }~e pudésse~&:} JÍf~ntar o início e o fim do Modernismo no Brasil, há razões con-
:;·.)/\;:.: ~~~-.
-~~lncentes par.t;-Jjiar€âr seu início em 1922, quando o grupo modernista se consolidou,

----~:'.~;!~~
28 Veja ediçáÕ ~pl6i~ de lstoÉ, O brasileiro do século: música, mar. 1999.

243
Christopher Dunn

e seu término em 1968, com a Tropicália. Em sua análise do cinema, Isrnail Xavier
caracteriwu a produção cultural do final dos anos 60 no Brasil coni~';'.l\J'!la "situação
de fronteirà' marcando o "estágio final" do Modernismo e o lirajà';;\:J~t ,condiçáo
4

pós-modernà' no Brasil (Xavier, 1993, p.26). O movimen to tr9pl'clíJA~t~ ;e esquiva


de qualquer tentativa de rotulá-lo corno "rnodernistà' ou "pós:::,@t:l:4~r~istà'. Em seu
questionamento sobre o nacionalismo populista, o envolvi$.~~ -~ m a cultura de
-~·.--.).:.,:,;/,::

massa e a sociedade de consumo, além da adoçá.o da estétiç}<•,; ''"'"•ê de uma iconografia


kitsch, a Tropicália parece ser claramente pós-moderna{~ :_ to, o movimento
.; _;_..,. .,, . ~.:t. <.lo.,
tropicalista também deve muito ao projeto modern~'"çtê1{€)s'W''âld de Andrade e sua
antropofagia cultural da década de 1920, ao vanguardÊ~ o internacional dos poetas
concretistas dos anos 50 e, em certa medida, ~1t:'.títt.,:F ª do protesto "revolucionário
romântico" da década de 1960. A exigência d~1-~;gt;~~ de "retomar a linha evolutivà'
~-.J-·::,•'-,.t~{ -:'(·•

da música popular brasileira certamente s~gêrs] 1ma visão tet!7ológica normalmente


associada ao Modernismo. A experiência j ~pi~~ ista sugerç,.fÍÍY~~ práticas e estraté-
gias modernistas e pós-modernistas .i:l t ~~~ lf~~m freqüêtiêtt;t
.!~"'"'r··~ ,::~,";t?· . ., .•
fu.am em séries contí- ;flt~,t."

nuas e não como uma sucessão or~ (~i&tle estágio~tt nf~8nctiçóes.


As ambigilidades fundamentais ~çfp_~.ojeto tropi'jli&~~O particularmente notáveis
em relação à "brasilidade", o disc~ ~:ft\•~dernista P~ :,.~Jdentidade nacional. Nos anos
.~}~, ~ -~~~-~, ··,\..i .A~--
60, os tropicalistas criti~ij}~ ~am ~~,; ~f s ~ ursos de brasilidade, seja em sua
vertente progressista "naç\~~ !fl-participanr.&:1Ir}.!~ª?ha forma patriótica conservadora.
A autobiografia de Caetano estt'repleta de i Eferêptias depreciativas aos "nacionalistas"
-'•·t~ "'·
no Brasil durante a dé.qjiêlã:de 1960. Co1~t!,,~-~~:~{;encialismos do regime e sua oposição,
'"':l·. .~·~
•:; : • ~• ~<'-'

os tropicalistas prop~ ~T uma alegof ~ .~Ó'iftraditória e fragmentária do Brasil. Mais


tarde, eles iriam -z~J_ar práticas con,r~~!~úrais posicionadas contra as construções do-
minantes da '~5f~~jnacional" ~j :~:~ ;; gem dessas construções. O envolvimento dos
tropicalistas cô~ f2 reggae, o so.!it;~~ nk, o hip hop e a música dos blocos afro-baianos
. : .{....., . . ..,..,_,_, ~ -- - __,e. 1>\

aliou-os a.# t J~pmenos culcumtt ~;l'.fe salientavam a especificidade da experiência afro-


brasileifAl lli~~ conttj\9 :Itf~{~_~ bmada desigualdade racial. Algumas composições de
Torn.:~ if ies~ri~am ress~rfiffç1;~ similares na forma como o artista denuncia a discrimi-
naçãÍ!i ~~tihl e de cl~é~'2,nfra os migrantes nordestinos em São Paulo.
•"-~- .. /.f ~~t,;.,--... ·t~

t;(P~~ fo, fropicalist~.,. :\i,;,'~\! ffi, também manifestaram um profundo comprometimento


_-.t ?~ .tv . ·· ?,i~-:~-

j'F cõ11f á "tradição nt .. . ·tiíà ' da cultura brasileira, demonstrando largo conhecimento da
~i~~~~ fuica popul~{ ~l~eira, desde os anos dourados do rádio nas décadas de 1930 e 1940
1
1
_
•. ~:<~\!..... ... \.f:z:1...... _·;\,..r, --~,
,
,., até o lúp hoe_,éôntemporâneo de São Paulo; da tradição do samba à onda do rock da
~·•~ ~:~:ít: ..
década d~Vl'.~BO; da bossa-nova ao pop contempodneo afro-baiano. Apesar de teorizar
,;, ,.~.&- ·,;."·,
a praticaf e'1~ântropofagià' da cultura internacional, a Tropicália e seu legado não pode-

244
Brutalidade jardim

riam se limitar a uma celebração da globalização. Segundo Marcelo Ridenti, os tropica-


listas, especialmente Caetano, oscilaram corno um pêndulo entre "o:1ií1,t~~acionalismo
crítico", enfatizando um envolvimento produtivo com tendências
.1. -:i,r '"'~••;f:.'· •
concempo- ç~wJ§'
râneas no exterior, e o "nacionalismo radical", concentrado na ~rhl,~qao das culturas
-~~/:.. .. -~·-
de expressão brasileiras (Ridenti, 2000, p.284-8). O movimen(tf'14~ se pêndulo marca
os contornos do que Ridenti chama de "brasilidade tropicali1,i;!~ a reformulação do
nacionalismo cultural com vistas à renovação estética, à ~~~~ô da núdia de massa e
•l\•~•'.'>-! -. ~<;.l

aos movimento culturais na esfera internacional. tf&«:, };'};,~


Nos últimos anos, as dimensôes nacionalistas do/ g~~~~~-.:t ?opicalista tornaram-se
mais evidentes, panicularmente no discurso de Caeta;~'J~ loso. Ele chegou a expor um
posicionamento sobre a raça e a nacionalidade '!~êrt~j.a agradado Gilberto Freyre. Em
1999, ele disse a um jornalista norte-ameri~_q"'~ <;; "uma nação não pode existir sem
~::,.~ '•,7

um mito. Acho que Freyre foi muito impo~ t~tpara a elab_oração do nosso melhor
mito como nação, o mito da democra~ia r~ iar:~~Para muit~,~~~\t~stas afro-brasileiros e
~ricos das relações raciais, essa afir~t~~gfo-Vâ~elrnente ~ gênua, se não perigosa. SQ
~f
E possível argumentar que esse é o piÕ'r'.''ini;l :, justamen~ ,~,l~gli~r
:1:ê-X '·•~-...
cúmplice na manuten- •'-!•_.... . --~1>~{: ~

çáo da hegemonia da eÜte branca _R$, 't;fuçio da camajl~ç~{cla


-~-.,. ~- ... )' --·B'
desigualdade racial. No
entanto, Caetano se mostra cien(<_:l-:a ~tr~plicações~~ ~,,i~oção do mito da democracia
..... \~;."\1t~· ·-~~:'.~)i
racial e não demonstra int~5~ êff$J?iimanter o ~~tusJJUO racial. O posicionamento de
Caetano é um gesto utópiso··~\. p ; tível cdÍii;i~J~ /ldéias sobre a relação do Brasil com
•'.--~·,.~ .., • . ~)$,' • . . ·,/t':;;·~

a modernidade ocidental ·t~'t1 t ontribuiçã~:~ ~~Êffica para esse projeto, na qualidade


-· ,.,J'' ' ::~
de nação americana mW,f;:t:,Iacial e lusófôn~ J2áêtano escreveu que seu desejo de esboçar
novas utopias cornpe~ .~Jj. "participa~ç,-~ :~êriação de um sentimento de desencanto"
durante a época d9 ,.!11~;~ento rrop~~1~ Segundo ele, "nunca canções disseram tão .'J.. ._~ _;:.,~--;,

mal do Brasil qui~t6.,s canções t~ifi!,çil§ras, nem antes, nem depois".


·~ l.,1 ~'
30

Como moy,!Jp~Jlg· cultural s~ ~ i"aurante um período de crise politica e cultural, a


Tropicália IJ!~~ê' urna relaçã~ ~ )?,{gua, se não antagônica, com a brasilidade na forma
1
1
,•!>!• ·~f'; :·f~::; ··l'~'.
como esta tõj:~ª,fnculada lfQS
,-;:;~"-
all~~p()-.
·:tls/':,.; :.~$.::·
·,t(?-,";--li!:.
A própria noção de uma ''cultura brasileira' unificada

tomou.,~~~:•~ efênsável, devi:(19,,.,éfu parte, à intervenção tropicalista. Ao questionar as no-


ções;:i f~ antes d~ â?Jel\tj~idade, o movimento abriu novos direcionamentos na mú-
sis.1·(I?9Pillar e inrrod~ t:i~ as práticas contraculturais que dialogavam com fenômenos
_J. ., ~< ~ ~t>-'..-- ~--{'··.,_ •

c~~~t os na esferé\~~têrnacional. Com isso, a Tropicália ajudou a redefinir as prioridades


culturais e políti~ :Ji,i una geração que atingiu a maturidade em tempos sombrios.
1,;~~;ft( ,á~r-~;~;~i ..
·J'l,i:;.__
_ _ __ ,:~::~!~~~\.:
29 Veja Ben.~ µJft The Fresh Prince ofBrazil, Spin 15, n.6 (jun. 1999).
30 Veja o art:igo:ctiVVeloso, Utopia 2, Folha de São Paulo, Mais!, 25 ser. 1994.

245
Brutalidade jardim

II-RU0~-Afffl

P~l0D1(0S"
Bondinho (Rio de Janeiro)
• ~ • • .,;;;{!:~),.,.:
Correio da Manha (Rio de Janerro).;y "'"J;i:0,
i;~t~- . lf
O Estado de São Pau/,a ';W!f%l'
Folha de São Pau/,a
Jornal da Bahia (Salvad~J,_\:'i:0,.
Jornal da Tarde (São Pafil~Ilt
Jornai de Brasília (13, <1s íli;f§
Jornal do Brasil (Rio/ C'' '~ dro)
The New York Times,, ·: a York) .1,.f•'1•( /:

O Pasquim (Iy& .·· · eiro) s,-,~,.


. ~// t .. . . .t} · (./~! ~ - ..
O SolJRi. · · e .' ,ane1ro) ,,k'.'i,,,,, -,~,,
:-:,f ·/f:
,:;,'/f' :•;:) ·.. t~:{'{:::.x

Suplemento Literdriot '•'''Gerais (Bel~'{J;;fôrfaonte)


A ·e:,:. i:J alvador) Jfe~t;;:'.;t~,
Última Hora (edi , \ . Rio de ]al)çilth~}Sáo Paulo)
The · ~¼ice (Nov~%ii~r

'Cruzeiro
Imprensa
lstoÉ
Manchete
·•.·" 'e New York Times Magazine
Pulse
Raygun
Rhythm Music Magazine
Spin
Veja
Vtsáo
Wire

247
Christopher Dunn

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