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8 Apresentação

Prefácio

A educação não-formal e
10
o papel do educador social

13
O perfil do educador

19
As instituições

45
Catalogaçã o ltaú Cult ura l
O público participante
Não-fronteiras: universos da educação não-formal/ prefácio Olga
Rodrigues de Moraes von Simson; texto Maria da Glória Gohn; dados
quantitativos Renata Sieiro Fernandes; Ilustração Andrés Sandoval.
57
Mariana Zanetti. - São Paulo : ltaú Cultural, 2007. 96 p. : il. colar. ;
21 cm x 24 cm (Rumos Educação Cultura e Arte, 2). Resultados a observar

Bibliografia
ISBN 978-85-85291-63- l
67
l Educação e Arte 2. Cultura brasileira 3. Educação não-forma l Um novo Brasil
4. Pro1eto educacional 5. Projeto social 6. Brasil

CDD 707
75
Para saber mais
ltaú
cultural
avenida paulista 149
82 Agradecimen tos
são paulo sp O1311 000
[estação brigadeiro do metrô]
fone 11 2168 1700 fax 11 2168 1775
90
instituto@itaucultural.org.br
www.itaucult ural .org .br
r n

Trazido a público ainda em meio ao período de intensa Educação Cultura e Arte 2005-2006, Renata Sieiro Fernandes' , ' Renata Sieiro Fernandes é pedagoga, doutora
atividade do programa Rumos Educação Cultura e Arte 2005- em Educação pela Un1camp e autora de. entre
responsável pela primeira análise quantitativa do universo de
outros, Educação não-formal, memôria de
2006, o segundo volume da séne de três obras do programa projetos inscritos. jovens e história oral e Entre nós, o Sol: relações
convida leitoras e leitores a uma reflexão mais ampla sobre aquele Ao final do volume, há uma extensa bibliografia sobre entre infância, cultura, imaginário e lúdico na
que deu sentido à cnação do Rumos Educação: o educador. educação e áreas correlatas, organizada também pela professora educação não-formal.

Após abordar as h1stónas e os pro1etos dos cinco educadores Maria da Glória Gohn. O livro, que não poderia, neste caso,
não-formais selecionados pelo programa, no volume Educação de prescindir de alguns gráficos demonstrativos, é especialmente
saberes, poderes e quereres, lançado em 2006, a série volta-se enriquecido aqui e ali com a fala dos educadores mapeados.
agora para descobrir quem são os outros personagens do un iverso Esperamos contribu ir com o lançamento de um debate há
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de mais de 200 inscritos do Rumos Educação Cul tura e Arte 2005- muito aguardado. E esperamos que as leitoras e leitores, na prát ica
2006. Sem pretensão de oferecermos as respos tas, lançamos e na pesquisa diárias, possam se reconhecer no " universo da
diversas perguntas para, mesmo que palidamente e movidos pela diversidade " apresentado e enriquecer ainda mais essas reflexões,
curiosidade que ajuda a construir o conhecimento, começar a apenas iniciadas.
esboçar o perfil dos inscntos no progra ma, profissionais da
educação não-formal. Afinal, quem é o educador não-formal? Instituto ltaú Cultural
Olga Rodrigues de Moraes von Simson é Onde vive, quantos anos tem, que grau de escolaridade possui ? O
Cientista sooal. professora da faculdade de
que o motiva? Quem o apóia? Qual o perfil das institu ições com
Educação da Unicamp e coorde nadora do
Centro de Memória da Un,camp, com pós- as quais trabalha7 Quem são os participantes das atividades que
doutorado no Geograph1sches lnst1tut, na promove 7 Que resultados ele consegue ati ngir? A diversidade já
Universidade de Tüb1gen.
adivinhada por trás dessas perg untas parece-nos justificar a idéia
das "não-frontei ras", anunciada no título da obra .
Maria da Glória Gohn é SOClóloga, professora Para la nça r o debate a respeito dessas e outras questões,
trtular da Faculdade de Educação da Unicamp
contamos com a prof essora Olga de Moraes Rodrigues von
e do Programa de Pós-Graduação em Educação
da Un1nove e pesquisadora do CNPq, com Simson', que prefacia o estudo, a professora Maria da Glória Gohn ' ,
pós-doutorado na New School of Un1vers1ty, responsável pela organização e aná lise criti ca do mapeamen to
em No'la York.
desses educadores não-formais, e a consultora do Rumos
Prefácio e Arte conseguiu sensibilizar, a coordenação do programa
buscou uma intelectual que, por décadas, vinha estudando os
movimentos sociais na sociedade brasileira e as organizaçôes não-
governamentais que os sucederam - hoje o principal locus das
experiências educacionais não-formais -, solicitando a ela que
traçasse um retrato detalhado do universo dessa área da educação
em nosso pais.
A partir dos dados quantitativos e do conteúdo dos
Tendo participado durante dois anos do Programa Rumos formulários de inscrição dos educadores sociais, nos quais eles
Educação Cultura e Arte 2005 -2006 - primeiro como consultora, descrevem suas experiências concretas de educação não-formal,
na fase de planejamento do programa; posteriormente na etapa Maria da Glôria Gohn, após conceituar brevemente essa área de
de divulgação da proposta, realizando palestras e conversando atuação, realiza uma detalhada análise qualitativa e traça o perfil
com os futuros inscritos; em seguida como uma das três desses educadores, bem como das instituiçôes onde realizam seu
integrantes da comissão que julgou os projetos e, finalmente, trabalho. Em seguida, tenta perceber qual é o público que esse
como colaboradora do programa de formação dos cinco trabalho consegue atingir, o que a obriga a alargar esse olhar para
educadores premiados -, creio que posso avaliar com clareza a as comunidades do entorno .
importãncia e a pertinência da análise do perfil dos inscritos e do Além de necessário, devido à notória carência de bibliografia
11
mapeamento dos projetos, que aqui é apresentada. sobre o tema, este estudo certamente dará subsídios às
Trata-se da primeira iniciativa levada avante por um instituto universidades para repensar os currículos de seus cursos de
com tradição e renome no trabalho com arte e cultura e que, pedagogia, que, hoje, em sua imensa maioria, sequer incluem o
reconhecendo a importância na sociedade brasileira contemporânea campo da educação não-formal. A experiência tem mostrado

do papel social e político exercido pela educação não-formal, que, no fim das contas, o sucesso de um projeto educativo dessa

tentou enfocá-la através do olhar construído pelos profissionais natureza está não só diretamente relacionado à capacidade de

que a exercem. Ao constatar, também, a intrínseca relação dessa diálogo com a comunidade que o acolhe, como também ao

forma de educar com as áreas da cultura e da arte e possuindo envolvimento que ele consegue suscitar em diversos setores

fôlego suficiente para propor um programa de abrangência da sociedade.

nacional, a proposta que embasa a análise apresentada neste


Olga Rodrigues de Moraes von Simson
volume buscou atingir todas as regiôes brasileiras onde experiências
educacionais não-formais poderiam estar se desenvolvendo e
motivar os educadores, provenientes de diferentes campos do
saber, a descrevê-las.
Com um farto material, já organizado e analisado
quantitativamente por Renata Sieiro Fernandes, cobrindo o
universo formado pelos inscritos que o Rumos Educação Cultura
A educação não-formal e
o papel do educador social

A educação não-formal
é um campo de conhecimento
em construção

As práticas da educação não-forma l se


desenvolvem geralmente fora dos muros
da escola - nas organ izações sociais,
nos movimentos e nos programas de
formação sobre dire itos humanos,
cidadan ia, práticas identitárias e lutas
contra a desigua ldade e a exclusão
social . Essas práticas estão no centro das
atividades das ONGs e dos programas
de inclusão, especialmente no campo
das artes, educação e cultura .
A educação não-formal é voltada para questões que dizem
respeito ao dia-a-dia dos participantes . O principal obJet1vo dessa A educação não-formal
corrente educativa é a formação de cidadãos aptos a solucionar
problemas do cotidiano, desenvolver hab1l1dades, capaci tar-se pretende formar cidadãos
para o trabalho, organizar-se coletivamente, apurar a
aptos a solucionar
compreensão do mundo à sua volta e ler criticamente a
informação que recebem . Isso é feito pela valorização de problemas do cotidiano,
elementos culturais Já existentes na comunidade, às vezes
desenvolver habilidades, capacitar-se
mesclados com novos elementos introduzidos pelos educadores,
e pela experiência em ações coletivas, freqüentemen te para o trabalho, organizar-se
organizadas segundo eixos temáticos: questões étnico-raciais, de
gênero, geraciona1s etc.
coletivamente e apurar a leitura
Segundo Moacir Gadotti ', a educação não- forma l é mais e compreensão do mundo
difusa, menos hierárquica e menos burocrática que a educação
tradicional. Tanto o lugar onde se realizam as at1v1dades quan to
a duração dos programas variam, respei tando o ritmo de cada
turma, o rumo que o programa toma conforme a colaboração social como individual. O produto gerado nas atividades é reflexo
dos participantes e, principalmente, diferenças biológica s, desse despertar e dessa investigação.
culturais e históricas. A educação não- formal está muito associada O principal instrumento de trabalho do educador social é o
à idéia de cultura ' . diálogo. Não o simples "jogar conversa fora " , mas o diálogo
Ela não deve ser vista, em hipótese alguma, como um tipo de tematizado, estruturado com base nas propostas das atividades.
proposta contra ou alternativa à educação formal , escolar. Somam-se a ele o estudo de fundamentos teóricos e a prática de
Tampouco deve ser definida pelo que não é, mas si m pelo que é atividades. O trabalho do educador deve ter, sem dúvida, uma boa
- um espaço concreto de formação com a aprend izagem de dose de espontaneidade, mas só terá um efeito mais profundo
saberes para a vida em coletividade. Essa formação envolve tanto se for sustentado em princípios e metodologias de traba lho,
a aprendizagem de ordem subjetiva - relativa ao plano emocional que incluem estudo de indicadores socioculturais e econômicos,

e cognitivo das pessoas - , como a aprend izagem de habilidades contextualização da comunidade no conjunto das redes sociais e

corporais, técnicas, man uais etc., que ca pacitam os participantes temáticas de um município e pesquisa histórica .

para o desenvolvimento de uma atividade de criação. Segundo a pedagogia de Paulo Freire', há três fases bem
GADOTTI, Moaor. A questão da educação
formal/não-formal. Sion: lnstltut lnternational O educador não- formal tem um papel de animador do distintas na construção do trabalho do educador social, a saber: o
des Dro,ts de l'Enfant, 2005. diagnóstico do problema e do que é preciso para solucioná-lo; a
grupo: ele deve despertar os partici pantes para o contexto em que
elaboração preliminar da proposta de trabalho propria mente dita;
' Víde GOHM, Mana da Glóna. Educação não- vivem, o processo de formação histórica e cultural de sua
formal e cultura polit1ca 3. ed. São Paulo: e o desenvolvimento do processo de participação de um grupo, ou ' FREIRE, Paulo. Pedagogia do opnmido.
comunidade e o processo de const ituição de si m esmos,
Cortez, 2005. pp. 98-99. de toda a comunidade, na implementação da proposta . 14. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983.
desafiando-os a investigar mais a fund o a própria realidade - tanto
A educação não-formal funciona em mão dupla: o
educador ta nto aprende quanto ensina - o mesmo va le para os
participantes das atividades. É fundamental, assim, que o
educador tenha sensibilidade para entender e ca ptar a cu lt ura
local, a cultura do outro, as ca racterlsticas exclusivas do grupo e
de cada um dos participantes. A esco lha do tema gerador com a
com unidade não pode ser al eatória, pré-selecionada ou imposta.
A temática deve nascer a partir do cotidiano daquele gru po,
considera ndo as característi cas dos integrantes - como idade,
gênero, nacionalidad e, religião, crenças, hábitos de consumo - e
a cultu ra e o modo de vida locais - que incluem práticas coletivas, - como a televisão, o rádio, a internet e os jornais. Nesses lugares,
divisão do trabalho no interior das familias, relações de parentesco, o trabal ho com a comunidade poderá transformar o tecido social,
vínculos sociais e redes de solidariedade. Ou seja, todas as plantando as sementes pa ra que novas figuras de promoção da
capaci dades e potencialidades organizativas loca is devem se r cidadania su rjam e se desenvolvam, tais como os tradutores sociais
consideradas, resgatadas, acionadas. e culturais - educadores que se dedicam a buscar meca nismos de
Com seu trabalho, o educador social ajuda a construir diálogo com setores sociais geralmente isola dos, invisíveis,
espaços de cidadania no local onde atua . Esses es paços incomunicáveis ou marginalizados.
17
representam uma alternativa aos meios tradicionais de informação As atividades desenvolvidas pelo educador devem não

sobre
o papel do
apenas mapear o presente, mas também levantar prognósticos. As
possibilidades que o futu ro oferece são uma força que alavanca
mentes e corações em busca de mudanças. A esperança -
sobre
a educação
fundamental aos seres humanos - reaviva-se quando trabalhamos
educador social com os sonhos e desejos de um grupo.
não-formal
" Reconheço como um desafio defender O educador não-formal propõe, em suma. a produção de "Nem todas as pessoas ligadas à
saberes a partir da tradução de culturas locais existentes, educação acreditam no potencial
essa al ternativa de atuação na qual
procurando trazer novo alento a essas culturas .
são priorizados o desenvolvimento da educação não-formal, pois para

e a construção de potencialidades muitos as at1v1dades fora da sala

das pessoas, dos grupos, em


O principal de aula são vistas apenas como

contrapartida a uma perspectiva instrumento de recreação e não como educação

adaptativa, corretiva e de controle." trabalho do educador soci al propriamente dita."

é o diálogo M,chel 81en9 Schoor - Centro Cultural


Lis Albuquerque Melo -
Mordecha, Anilevirch - R,o de Jane,ro, RI
Projeto União - Fortaleza. CE
O perfil do educador

O educador é peça-chave.
Ele não pode ser apenas um
dinamizador, um ouvido amigo,
um facilitador ou um vigilante
das atividades

~ . .,·,
Ff . .,

f~t~! Os educadores não-formais do Brasil


constituem um painel amplo, rico e
estimulante. Trata-se de jovens que
realizam projetos inovadores - e
renovadores-, levando uma lufada de
'/,
cultura e educação às comunidades
em que atuam. Neste capítulo,
apresentaremos em primeiro lugar os
dados quantitativos do mapeamento
desses educadores, para em seguida
fazer uma avaliação qualitativa.
Aná lise dos dados quant itativos
A tabulação dos dados das fichas de inscrição do Prog rama Rumos
Inscrições por região
Educação Cultura e Arte 2005-2006 apresenta-nos um painel bastante peculiar. 69,37 %
Vejamos os destaques: 70

• 69,37% do total dos inscritos são da região Sudeste do pais; 60 ~


• a maioria dos projetos é proposta por mulheres (72.53%);
• o grau de escolaridade majoritário dos educadores é o superior 50
fs'
complet o (63,06%, incluindo os que possuem pós-graduação ou
especialização).
40 ~
30
{:i
O conjunto dessas três variáveis - região, gênero e escolaridade - nos
permite chegar a algumas concl usões e formular algumas hipóteses, a saber:
a maioria dos inscritos localiza-se em uma das regiões mais desenvolvidas do
20 8 16,67%

país, tem educação formal completa, possui bom acesso a informações e é 10


-ff 4,96 % 4,5% 4,5%

composta por mulheres. Porém, vale destaca r que há, dentre os inscritos com 21
grau superior completo, uma pequena parcela de ed ucadores que cresceram o
em lares e abrigos, ou que nasceram e vivem até hoje em zonas urba nas SE NE N co
deterioradas, e muitas vezes atuam na própria comunidade.
A maior pa rte dos inscritos está na região Sudeste, mas o estado de São eficiência nas grandes metrópoles. Se olharmos para o Nordeste, Salvador,
Paulo lidera, com mais de cem inscrições, cerca de 50% do total do Prog rama Recife e Fortaleza são os pólos concentradores das instituições inscritas. Na
Rumos 2005-2006, sendo que a maioria está local izada na capital. Seguem-se região Norte, os inscritos concentram-se no estado do Pará, basicamente na
Rio de Janeiro e Minas Gerais. capital, Belém.
Entretanto, essas concl usões não nos permitem deduzir que a maioria Muitos estados não tiveram projetos inscritos, como Amazonas, Acre,

dos projetos culturais inscritos real iza-se necessariamente em territórios Roraima e Amapá. A baixa participação da região Sul causou-nos surpresa de

compost os por contingentes populacionais aquinhoados, porqu e, na um lado e compreensão de outro. Surpresa porque o Sul tem tradição de
associativismo; compreensão porque seus estados não possuem grande
atualidade, a pobreza, a exclusão e as áreas de conflitos sociais existem mais
número de populações em situação de vulnerabilidade. Entretanto, no início do
nas regiões urbanas das grandes metrópoles e cidades de grande porte do
prog rama, supun ha-se que Porto Alegre apresentaria um leque grande de
que nos pequenos municípios brasileiros ou nas zonas rurais . Por isso,
projetos socioculturais e educacionais entre os inscritos, devido à fama que
programas governa mentais de apoio econômico, que buscam criar redes de
alcançou, até no plano internacional, com as edições do Fórum Social Mundial
proteção social, do tipo Bolsa Família, têm mais impacto em loca lidades de
entre 200 1 e 2007 (exceto em 2004, quando o fórum ocorreu na lndia, em
menor densidade demográfica , s1·t ua das em sua maioria
. . no .interior das reg .iões
2006, quando ocorreu na Venezuela, e em 2007 , quando ocorreu no Quênia),
Norte e Nordeste do país, mas en f rentam d1f1culdades
.. de penetrar com
Inscrições por gênero Grau de escolaridade
72,53%
1,80%
70
■ Fundamental
■ Médio
60 ■ Super,or incompleto
Super,or completo

50

40

27,47%
30

20

10

o
23
Homens Mu lheres Grau de escolaridade por gênero
Feminino Masculino
e por seu longo período de gestão pública governamen tal com programas
1,25% 3.28%
participativos. Mas não foi isso que os dados revelaram - registraram-se apenas
duas inscrições: uma na capital e uma no interior do Rio Grande do Sul.
A predominância das mulheres no quesito gênero reafirma pesquisas
já realizadas a respeito de projetos sociais em outras áreas de atividade ou
a respeito de movimentos sociais. Destaca-se com muita evidência a
qualificação educacional das mulheres, que possuem índices de escolaridade
com ensino superior completo (67,08%, incluindo pós-graduação e
especialização) maiores em relação aos homens (52,45%, incluindo pós-
graduação). A defasagem explica-se quando se observa outro dado, o de
experiência anterior em educação formal : 52,25% dos inscritos já
trabalharam na área da educação formal, carreira de predomin!lncia entre as
mulheres, especialmente nos ensinos infantil e fundamental.
A área de formação predominante é a área de humanidades, em
especial os cursos de artes, pedagogia, psicologia, comunicações, letras etc.
~ A analise das datas de nascimento dos inscritos indica-nos que a maioria
para o trabalho atual, e que aprendizado novo foi construido? Algumas
tem de 20 a 40 anos de idade, predominando os que estão na faixa etária dos respostas nos revelam que cursos feitos com mestres competentes ficam na
30 anos. São, portan to, pessoas nascidas sobretudo na década de 197 0. Por memória dos inscritos. Outras vezes foi a leitura ou a formação segundo algum
que a idade de uma pessoa é um dado importan te? Porq ue nos indica a

~~
educador ou estudioso. Entretanto, a formação profissional em uma dada área

~
localização do tempo histórico do país na vida dos inscritos e a conjuntura específica do saber - artes, por exemplo - é decisiva para o desempenho do
sociopolítica, econômica e cultu ral que eles vivenciaram . Provavelmente, as educador. Observe-se que consideramos o campo do saber como algo múltiplo:
pessoas nascidas na década de 1970 acompanharam ou pa rticiparam das há saberes científicos, artísticos, religiosos, corporais, populares etc.
manifestações pelo impeachment do presiden te Fernando Collor, em 1992, por O papel de educador exige ainda que o profissional domine conteúdos
exemplo. Dos inscritos que nasceram nos anos 1960, supõe-se que tiveram a relativos ao local e ao público com que está atuando. A educação não-formal
oportunidade de participar, nos anos 1980, da fase movimentalista de se faz, portanto, com o uso competente de saberes acumulados, com o

~
reconstrução do reg ime democrático no país e de grandes mobilizações da conhecimento construído durante a própria prática das atividades e com a
sociedade civil. articulação de um saber científico, pré-codificado e aprendido durante o
A origem sociocultural foi citada por apenas 12, 16% como fator processo de formação profissional. Esse saber não é transmitido ou repassado
relevante para a motivação para o trabalho, supondo-se assi m que a maioria ao público-alvo como uma técnica ou um acervo de informações. Ele é utilizado
não seja proveniente das camadas popu lares, categoria soci al predominante para desenvolver e fazer acontecer a verdadeira face do educador - a de

~
no público onde eles, ed ucadores, atuam . sensibilizador, formador, estimulador de um trabalho com o grupo, seja numa
No que se refere aos dados profissionais, o leq ue de cargos ocupados dança, numa peça de teatro, numa banda de latas, na confecção de um jornal, 25
pelos inscritos em suas instituições é grande. Há vários nomes para designar na criação de artesanato ou num coral, possibilitando assim a construção de

~ funções similares, tais como: formador, monitor, faci litador, articulador novos saberes.
comun itário, instrutor, oficineiro, apoiador pedagógico, recreador, animador Outras indagações também podem ser feitas a partir do item formação
etc. Todos são educadores sociais - um misto de professor com mediador anterior, como: de que modo os educadores repassam seus conhecimentos,

cultural. Mas o educador social pode ainda acumular funções que geralmente principalmente se pensarmos em grupos que não têm o mesmo perfil

~
~
são responsabilidade de coordenadores (em inst ituições de porte médio e socioeconômico e cultural deles? Quais as formas de comunicação e como se

grande), diretores ou presidentes (em instituições pequenas), como elaboração constroem os diálogos? Qual a capacidade de gestão que eles estão
e gestão de projetos. desenvolvendo? De que modo criam suas alternativas de sobrevivência,
financiamentos ou desenvolvimento auto-sustentável? Quais as redes sociais
A predominância de experiência anterior no ensino formal (52,25%
que se articulam? Isso depende bastante da capacidade do educador de
passa ram por ela) é um dado relevante, pois denota aprendizagem de saberes

~
encontrar uma linguagem que o aproxime dos participantes.
anteriores à ent rada no campo da educação não-formal. Verificamos ainda que
A formação do educador pode ser observada não apenas na trajetória
essa experiência pode ter exercido um papel importante na sensibilização do
passada, anterior ao trabalho na área da educação não-formal, mas também
educador para o trabalho na nova área . Como foi feita essa transição? Será
na busca de qualificação e no próprio desempenho do trabalho atual. O
que não há concomitãncia de trabalhos nas duas áreas, tendo em vista que

~
desempenho atual é um grande teste, pois se constitui em um momento para
muitos dos educadores inscritos atuam voluntariamente ou mediante baixa
articular elementos de um repertório teórico anterior às necessidades do grupo.
remuneração no campo não-formal? Essa dedução remete-nos ainda a outras
Os registros nos formulários com experiências aparentemente bem-sucedidas

~
indagações, do ti po: que aprendizado acumulado anteriormente foi relevante

~
A prática gera aprendizado e saberes,
Grau de escolaridade por região mas não pode ser apenas auto-referenciada .
■ Fundamental Necessita de conteúdos e


Médio
Superior incompleto formas de desenvolvimento
■ Superior completo
teóricas específicas
indicam-nos que o diálogo foi um dos principais instrumentos para
viabilizar resultados positivos. Foram trabalhos debatidos,
compartilhados, construídos. Outros pontos relevantes na
formação do educador são a consciência social, a cultura política

Sudeste e a capacidade de comunicação, ou seja, a capacidade de lidar


2,70%
com saberes abstratos em um linguajar acessível ao grupo com
que se trabalha . Trata-se de construir conhecimentos novos por
meio de estruturas dialógicas - que são diferentes das estruturas
escolares formais, mais institucionalizadas. Esse diálogo ocorre 27
não apenas entre o educador e os participantes, mas também
entre os próprios participantes, conforme atesta o registro de um
educador do Nordeste, ao relatar o trabalho com alunos aprendizes
de uma banda de pífanos e mestres tocadores (leia a respeito do
projeto Musicalização com Mestres do Sertão de Pernambuco no
volume 1 desta série).
Norte Nordeste O educador que atua na área da educação não-formal não
prescinde da educação formal. Entretanto, a titulação não é
suficiente para garantir um bom trabalho . A formação do
educador deve vir acompanhada do desenvolvimento de uma
consciência crítica da realidade onde ele vive e atua . O educador
que teve uma formação com conhecimentos básicos sobre
a realidade socioeconômica do país e sobre os direitos básicos
dos seres humanos desenvolverá seu trabalho de maneira
engajada e responsável, preocupando-se em conhecer a história
de vida das pessoas com quem está trabalhando. assim como a
história do lugar, articulando fragmentos dessas histórias com
Sul Centro-Oeste
Exp eriên cia anterior no en sin o fo rmal Ao buscar formação específica, os educadores costumam
parti cipar de cursos, oficinas, laboratórios etc. Vale notar que
100
os cursos destinados ao campo da educação não-formal
aparentemente têm um caráter estratégico-operacional, ou seja,
mais voltado para subsidiar a prática cotidiana e menos voltado ao
aprendizado de determinada área de conhecimento, que permite
52,25% 47,75% adquirir cultura e compor um acervo de saber. Essa constatação
tem por base dois indicadores. Primeiro, quando observamos as
instituições promotoras desses cursos, vemos que a maioria sit ua-
se no campo da prática, e não em ambientes universitários ou
centros de pesquisa (embora haja registros, com menor
freqüência, de cursos e visitas a museus, bibliotecas, faculdades
etc.): são órgãos da prefeitura ou do governo estadual ou federal,
entidades do sistema 5, como o Senac, casas de cultura, ONGs,
Possuem experiencia anterior Não possuem experiencia anterior fundações, escolas técnicas, centros já tradicionais de apoio a
jovens e adolescentes em situação de risco etc. Segundo, as
fatos e acontecimentos de um cenário mais amplo, de modo a auxil iar na referências feitas pelos educadores aos cursos e programas 29
construção da identidade do grupo. O educador com essa form ação vê as confirmam que eles geralmente são mais dirigidos à capacitação

técnicas e instrumentos de trabalho, como anotações de campo, diá rios de instrumental, ao como lidar e como fazer, e menos voltados ao

bordo, relatórios, registros de vivências, registros de momen tos de reflexão, processo de reflexão, análise e problematização dos temas com

rodas de discussão, fotos, vídeos etc. , como mui to mais que meros que os educadores deparam.

requerimentos cotidianos preconizados pela instituição. Os meios e técnicas Os projetos inscritos com indícios de sucesso e bons
resultados freqüentemente apresentaram os fundamentos teóricos
tornam-se parte da dinâmica de formação no dia-a-d ia, sendo utilizados
ou filosóficos da prática, incluindo autor de referência ou técnica
conforme as necessidades do projeto. Ou seja, a identidade e os
utilizada - reforçando a idéia de que o educador social deve sair
pertencimentos são construidos no processo de trabalho do educador. Esse
do ambiente de trabalho para buscar subsídios para sua prática .
procedimento foi relatado em algu ns casos dentre os inscrit os, e concentra-se
A prática gera aprendizado e saberes, mas não pode ser
justamente nos projetos bem-sucedidos. Muitas vezes, é ele que diferencia a
apenas auto-referenciada. Necessita de conteúdos e formas de
educação não-formal da formal. O domínio de habi lidades não se faz apenas
desenvolvimento teóricas especificas. As instituições que oferecem
pelo acúmulo de informações, mas pela maneira como o acervo de informações
capacitação instrumental são relevantes na formação do educador,
vai sendo repassado e assimilado. Nesse processo, o educador é peça-chave. Ele
porque a educação não-formal não pode prescind ir de
não pode ser apenas um dinamizador, um ouvido amigo, um facilitador ou um
metodologias operacionais que organizem o trabalho cotidiano.
vigilante de atividades. Deve ser ativo, partir do domínio de conhecimentos e da
Mas, para atuar de maneira crítica e transformadora, o educador
habilidade no manejo desses con hecimentos seg undo as necessidades do
social deve ter ainda uma formação que o leve a uma reflexão e
grupo para que novos saberes se constru am, continuamente.
compreensão maior de sua prática, que lhe possibilite fazer
uma leitura própria do mundo. Por isso, articular a prática com
Linguagem artística utilizada
conhecimentos sistematizados é uma necessidade.

Saber inerte
Muitas vezes tidos como templos do sa ber, os locais que
capacitam os educadores podem ainda revelar-se deficientes
na transmissão do conhecimento. O grupo em "ca pacitação"
muitas vezes apenas contempla um saber inerte, sem consegui r
apreendê-lo, ou porque não está suficientemente preparado, ou
porque os mestres têm dificuldade para transmitir os conteúdos
■ Linguagem plástJCil
de forma acessível. ■ Expressão corporal
■ Música
Certamente, bons mestres e uma grade curricu lar bem
■ Áudio e vídeo
organizada, que se concentre em análises de conjunturas, ■ Não pnonzam uma única
hnguagem
contextualização de temas e questões-chave, problematização
das relações e redes de articulações dos temas-objetos dos
cursos de formação, assim como aulas desenvolvidas em
31
museus, bibliotecas, centros culturais etc., são ótimas fontes de
formação, porque esses locais, metodologias de trabalho e Sendo assim, a cultura e os valores de cada um, e do grupo como um
profissionais são, em si próprios, pólos geradores de informação todo, são elementos fundamentais para analisarmos o conhecimento
e conhecimento. Os saberes, no entanto, são construídos; não construído, o que nos leva às seguintes indagações: quais foram os códigos
basta transmitir instruções porque não se aprende pelo acúmulo culturais e os va lores locais que os inscritos no Programa Rumos mobilizaram
das informações, mas por um processo de recepção e para processar as informações recebidas nos cursos de que participaram? Em
processamento dessas informações. Por isso, os educadores têm que medida assimilaram as informações?
um papel fundamental no sucesso de um projeto, como A análise dessas questões será explorada no tópico a seguir; para auxiliar

mediadores da formação e da emancipação de um grupo social, essa tarefa, vale examinar antes um último dado quantitativo, o quesito área

quer sejam crianças, jovens e adolescentes, quer sejam adultos de trabalho, ou linguagem util izada . A linguagem plástica é a que tem

ou idosos. O conteúdo, seus princípios e o modo como eles, maior índice vista isoladamente (26,58%). Alguns inscritos não atuam no
campo das artes propriamente ditas, mas em projetos sociais, tais como saúde
educadores sociais, atuam junto ao grupo têm relevância
e meio ambiente, e utilizam a linguagem artística para realizar seus trabalhos.
primordial. Isso é importante porque no campo do voluntariado
Na área da linguagem plástica destacaram-se trabalhos com cerâmica, pintura,
ainda predomina a visão de que bastam boa vo ntade,
desenho, colagem, construção de objetos, costura, bordado, artesanato etc.
disponibilidade de tempo e atributos similares - fatores que
Composição de figurinos na oficina do Os projetos com formas de expressão do corpo - dança, teatro, capoeira,
devem ser considerados, mas não são indicadores completos
Teatro Popular União e Olho Vivo. consciência corporal, circo -somam 24,32%. A música aparece com 13,52%.
para um trabalho de qualidade.
sobre
Projetos que lidam com áudio e vídeo (televisão, rádio e cinema) relembrarmos que a maioria dos inscritos é composta de jovens
representam uma fatia de 3, 15%. com poucos anos de inserção no mundo profissional, o panorama
Muitos trabalhos não priorizaram nenhuma linguagem ou torna-se bastante animador. Vislumbram-se esperanças a partir do
adotaram linguagens diversas (32,43%). Vale destacar os que trabalho desses educadores, numa sociedade dominada pelo
os métodos
envolvem a escrita e a produção de textos, voltados à elaboração medo, descrença e decepção com instituições públicas e privadas. de atuação
de jornais locais, fanzines, revistas em quadrinhos etc.; ou os Em alguns casos, a escolha do local de trabalho, e a opção
"A maneira participativa com a qual
dedicados a desenvolver o hábito da leitura, visando à reprodução de atuar com a educação não-formal, justificam-se pela
foram conduzidas todas as etapas
dos textos em escolas, famílias, amigos e comunidade. Traba lhos identificação do sujeito com o objeto da ação da entidade - por
com linguagens modernas, como o uso do computador e/ou da exemplo, ser portador de alguma deficiência ou necessidade do processo de construção teatral, a
internet (e a própria iniciação à informática), também marcaram especial (como síndrome de Down), ou ainda de uma doença
possibilidade de fazer escolhas, dialogar,
presença, embora tímida. hereditária (como hemofilia). Motivos de ordem religiosa também
trocar idéias, a utilização de recursos
foram registrados, utilizando-se às vezes argumentos sob uma
perspectiva mística, como o de que o educador "foi chamado ". variados, o contato com as diversas
Análise dos dados qualitativos
Motivos de militância política ou ideológica foram minoritários. áreas do conhecimento construído
Justificativas para o trabalho social
pela humanidade e principalmente
As justificativas dadas pelos participantes do Prog rama Objetivos dos projetos
A parti r dos argumentos e justificativas coletados nos o relacionamento dos conteúdos
Rumos para a escolha e desenvolvimento do traba lho na área 33
32
sociocultural, e mais especificamente com crianças e adolescentes formu lários, estruturamos os objetivos dos projetos em torno de trabalhados tendo como ponto de
(a maioria em situação de risco social), fundamentam-se sobretudo cinco eixos básicos, que se desdobram em várias temáticas.
partida o saber das crianças garantiu
em princípios e valores humanistas, em uma consciência social e
• O primeiro eixo abrange objetivos personalizados (não o sucesso de nosso trabalho."
na preocupação com o outro. Por isso o empen ho em uma
confundir com personalistas), porque focalizam indivíduos Lisandra Mansa Princepe -
atividade de baixa remuneração econômica, ou volunt ária,
isolados. Lar da Irmã Celesre - Guarulhos, SP
mas de grande retorno em termos de satisfação pessoa l, de
• O segundo se concentra, prioritariamente, na formação dos
reconhecimento social, ou, nos termos de Axel Ho nneth' , de
indivíduos participantes para o mercado de trabalho .
engajamento com causas que tratam da vida, com vi das e sobre a
• O terceiro constitui-se de objetivos comunitários ou
vida. Alia-se a esses propósitos o fato de a quase tota lidade dos
coletivizantes, porque toma como foco a repercussão dos
projetos inscrever-se no campo da cu ltu ra, das artes, da
trabalhos no contexto mais amplo em que se inserem.
criatividade e da descoberta do novo. É possível observar ta mbém
• O quarto abrange objetivos social izadores ou
um recorte político, de exercício de práticas cidadãs, um anseio por
socializantes, porque focaliza os indivíduos em relação ao
justiça social, uma vontade de contribuir para di minu ir as
meio social em que vivem e atuam.
desigualdades sociais por meio de ações que buscam a inclusão.
• O quinto eixo, formação do educador, refere-se a projetos
Há inúmeros registros de projetos que têm um olhar pa ra o
• HONNETH, Axel. Luta por reconhecimento: que visam a formar educadores para atuar como monitores/
a gramática moral dos conflitos sociais. interesse público, para além do mundo da vida privada, do
instrutores ou multiplicadores de projetos socioculturais.
São Paulo: Editora 34, 2003. consumo, denotando uma consciência política em form ação. Se
sobre
É preciso destacar que esses eixos são construções analíticas e nem sem pre No eixo dos objetivos personalizados, portanto , os
os encontramos na forma pura. É comum termos o cruzamen to dos objetivos. argumentos est ão sempre centrados no indivíduo, na pessoa , no
Mas sempre um deles se destaca mais, o que nos permi te caracterizar os projetos. desenvolvimento pessoal, em aspectos da personalidade dos
participantes das atividades. Neste grupo não se observa uma
os métodos
O primeiro eixo, que visa à personalização, trabalha no plano dos va lores preoc upação ma ior com o desenvolvimento da coletividade na de atuação
e destaca temáticas como: qu al aqueles indivíduos estão inseridos. Em alguns casos é " Partindo dessa relação eu-comigo e
■ formação dos jovens enquanto seres humanos - inclui cria r se nso de mes mo difícil vislumbrar a coletividade mais ampla, porque
eu-com-o-outro, a ação desenvolvida
responsabilidade, potencializar qualidades esquecidas , des pertar os joven s do local já foram "catalogados " como advindos
talentos etc.; de situação de risco, como ocorre numa unidade da Febem , se pa uta na construção de processos
■ desenvolvimento psicomotor e int electual - abrange trabalhos de por exemplo . Reconstruir uma identidade fragmentada, coletivos de refl exão e ação sobre temas
terapia ocupacional e técnicas de convívio socia l; desestruturada, passa a ser a meta inicial, no argumento dos
sociais e comunitários contemporâ neos,
■ exercício da subjetividade - envolve auto-estima, autoconfiança, educadores que preencheram os formulários . Trabalhar o
auto-expressão, aperfeiçoamento das capacidades, reconstrução da indivíduo no próprio grupo e nas condições em que ele vive mas articulados ao próprio cotidiano

identidade pessoal, autoconhecimento dos próprios limites etc.; naquele momento é a etapa complementar, pois a identidade de das crianças e adolescentes."
■ desenvolvimento de valores que estruturem hábitos cotidianos como cada um está dilacerada e precisa ser reconstitu ída. O foco
Magna Silva Fernandes -
assiduidade, compromisso na execução de tarefas etc. ; privilegiado no indivíduo também se faz necessário quando se
Projeto Familias Reunidas - Fortaleza, CE
■ contribuição para melhorar o rendiment o na escola; trata de projetos no campo da saúde - no trabalho com crianças 35
3d
■ o despertar para conhecer o próprio corpo;
com câncer, por exemplo. São grupos de indivíduos fragilizados

■ informação sobre o valor dos alimentos etc.


por uma dada situação. A ta refa é fortalecê-los, ajudando-os a

Há uma correlação entre objetivos persona li zados (do educador para se integrar no grupo, na família, na comun idade, de modo a
viver sua situação não como um drama ou uma desgraça, mas
com o público-alvo) e uma certa autovalori zação no relato do trabalho . Os
indicadores do sucesso estão, nesses casos, na persistência do próprio educador, um momento especial.

na fé e confiança que ele deposita em uma ca usa. A instituição não figura


O segundo eixo, formação para o trabalho, focaliza os
muito nessas auto-avaliações, nem o trabalho de uma equipe. Tudo parece obra
participantes como elementos de um grupo que tem de aprender
do sujeito informante, fruto de seu trabalho e esforços.
a trabalhar de forma coletiva , priorizando uma demanda, um
problema ou um bem sociocultural da comunidade. Assim como
no primeiro eixo, o trabalho inclui o desenvolvimento de va lores

Os objetivos do projeto podem ser morais, mas essa não é a única preocupação ou a ma ior delas. O
objetivo central é prepará-los para o mercado de trabalho, por

complementares aos da escola mas I


meio do ensino de uma habilidade específica - a arte da cerâmica,
por exemplo, ou o domínio da informática. Capacitar técnicos e
não uma extensão, uma continuidade artistas para atuar como especialistas em áreas como o

para tapar buracos audiovisual, exercitando a produção de documentários sobre


comunidades exclu ídas e/ou peri feri cas, são também alvos deste eixo. A
tematIca do empreendedorismo, do ponto de vista de fomentar nos Jo iens
ações voltadas para a geração de trabalho e renda, de modo a contribuir no
temát ica assinalad a neste eixo é a do desenvolvimento da
consciência em relação aos problemas sociais, tais como a
violência sexual contra cnanças e adolescentes, matéria de um
sobre
os objetivos
incremento da economia familiar, tambem e uma constante Ha a preocupação proJelO de 1eatro com Jovens de Salvador (/eia a respeito do projeto
com trabalhos que criem perspectiva de sustentabilidade, como o estímulo a Silêncios Senridos no volume 1 desta série) . Representações "Que [os jovens) descubram em cada
reutil ização de garrafas PET. para que gerem ações mult1pl1cadoras, por meio de teairaIs e desenho são as linguagens utilizadas para atingir gesto transformador de um material
cooperativas, por exemplo, ou desenvolvam um nucleo de produção e/ou os obJet1vos propostos. Destacam-se também os objetivos de
simples (papel, lápis, t inta, fotografia
formação ind1v1dual de profiss1ona1s para a geração de renda Reg,stre-se, cnar e desen olver espaços de lazer, cultura e recreação nas
entretanto, que a maioria dos que atuam segundo este obIet1vo não faz uma comunidades locais. etc.), em uma pág ina de livro, em cada

just1ficat1va meramente instrumental. A inclusão sooal, a reconstrução da roteiro de hist ória criado em roda,
memoria de tradições cultu ra,s, de uma técnica do fazer artístico ou de uma O eixo socializante trata os indivíduos como parte de um
de forma coletiva - muitas vezes
modalidade de artesanato tambem estão presentes Inscreveram-se ainda no grupo e procura fa zer a conexão entre indivíduo e sociedade. As

~
1ema1Icas que surgem são: longamente debat ido -, a força
eixo relativo ao mercado de trabalho propostas que pretend,am sensibilizar
■ inserção no contexto social; transformadora de um exemplo de
Jovens para uma dada profissão.
■ desenvolvimento de atividades (geralmente artísticas) com
generosidade, em que uma pintura
O terceiro eixo, coletivizante/comunitário, toma a comunidade ou o os Jovens, para que eles adquiram maneiras de conhecer o
mundo; ou imagem autoral passa a ser uma
grupo de pertencImento dos partIcIpantes das at1v1dades como ob1et1vo cen tral 37
■ pesquisa em arte-educação; página num volume construido
A solidariedade é fundamental nas ações desenvolvida . pois é o amcilgama da
■ forma ção de cidadãos com visão critica do mundo;
rede que se busca construir para atIngIr o ob1et1vo As temc1tIca que estru turam coletivamente, que posteriormente
■ oportunidade de conhecer a arte como uma forma de livre
o eixo são:
vai passar pelas mãos de pa is, irmãos
expressão;
levar algum tipo de arte para a comunidade,
■ uso da arte como ferramenta de transformação social; e pessoas que eles nem conhecem,
preservar a memória de um local, grupo ou tradição cultural,
■ conhecimento do processo econômico e de industrialização
■ formar público e platéias pa ra as at1v1dades; e que ao encontrarem-se com aquele
por meio do ensino da história da arte;
■ usa r a linguagem não- fo rmal falada pela própria com unidade no objeto livro vão acabar por aproximar-se
■ reflexão a respeito do contexto em que se vive para
desenvolvimento dos trabalhos;
melhor aproveitamento intelectual e das oportunidades mais de outros livros, e assim descobri r e
■ inserir socia lmente os indivíduos na comunidade;
existentes ao redor. se incluir na grande aventura do saber."
■ consci enti zar os pais qua nto às necessidad es de seus filhos;
Essas temáticas envolvem ações como implementar
■ cria r multiplicadores de idéias, conceitos e práticas de desenvolvimento Marcus Vínic,us Pereira - Fundação Orsa Criança
modelos de gestão comunitária que contemplem a autonomia dos
sust entável; e Vida - Carap,cuiba, SP
jovens, respeitar a diversidade cultural , estimular a participação
■ formar multi plicadores de uma determinada arte - a dança, por
sociopolítica e comunitária e o desenvolvimento de práticas
exemplo.
cidadãs, envolver os jovens em espaços de participação, debate
O pat rimônio imaterial de um grupo social ou uma dada comunidade é
e reivindicação de direitos, estimular os grupos de comunidades
sempre destacado. A diferença em rel ação ao item anterior é que não se
carentes socioeconomicamente a se fortalecer e sentir-se parte
prioriza a profissionalização daqueles que atuam ou a geração de renda . Outra
sobre
da cidade etc. Desco nstruir imagens negativas e estereo tipadas O ponto comum das proposições é a busca por incluir
valendo-se da reflexão crítica, por meio da apropriação de socia lmente os grupos com os quais trabalham, por meio do
novos significados à linguagem audiovisua l, por exemplo, desenvolvimento de valores humanistas. Projetos que fazem
os preconceitos transmitida vi a diferentes mídias, é um objetivo relevante deste referência a uma formação crítica dos participantes, ou seja, que
"Os 'pré-conceitos' ou a lógica do eixo. Instigar os participantes ao valor da pesquisa, ou da pretendem estimulá-los a refletir a respeito de si próprios e de seu
leitura, e orientá-los para o desenvolvimento de um olhar cotidiano, a politizar-se para entender o mundo em que vivem e
fracasso podem ser superados a
inquiridor, dialogando com os textos e os contextos em que se situar-se nele, são minoritários - o que causa surpresa, se
partir da ampliação de repertórios inserem, é outro destaque. considerarmos que a consciência crítica é fundamental para a
e do olhar frente ao mundo formação de cidadãos articulados. Independentemente do tipo de
O quinto eixo, formaçã o do educador, destaca-se por ter instituição, do campo de trabalho e dos objetivos dos educadores,
e à sua realidade, possibilitando
como objetivo o envolvimento e a formação de seu público-alvo, há um clichê bastante mencionado: auto-estima. Esse termo
o posicionamento do educando não apenas por meio da transmissão de uma técnica que poderá desempenha o papel simbólico de um "certificado de garantia"
enquanto sujeito de direitos contribuir para sua profissionalização futura, mas pelo de que a ação social coletiva é bem-intencionada. Muitas vezes
desenvolvimento de ferramentas de gestão, avaliação e é a chave para se apresentar como uma proposta moderna, em
e cidadão do mundo."
sistematização das atividades - para que os participantes se trabalhos de natureza mais assistencialista, todos bem-
Carolina Proerti /mura - Instituto intencionados, mas sem uma preocupação maior de contribuir
tornem futuros educadores e transmissores de conhecimento. Os
Sou da Paz - São Paulo, SP
objetivos sempre assinalam a preocupação com a pesquisa, por para a emancipação dos sujeitos atendidos. 39
exem plo, sobre o perfil dos adolescentes e sua relação com o
contexto histórico da infância e adolescência no Brasil, visando a Principais dificuldades destacadas pelos educadores

estimular a autoconsciência crítica. O desenvolvimento de Neste tópico também podemos observar alguns eixos, que

metodologias de trabalho para a formulação de políticas públicas


voltadas à juventude também é um objetivo registrado pelos
inscritos caracterizados neste eixo. Trata-se de um grupo
nos ajudarão a situar as dificuldades:

• políticas públicas;
sobre
as dificuldades
• território - da cidade e da comunidade;
minoritário de propostas, composto por educadores de cinco
• famílias; " A maior dificuldade é captar
entidades, dentre as 11 que têm como parte do nome os termos
• instituições-suporte; recursos para implantar o proJeto.
grupo, núcleo ou centro de formação. Algumas dessas
• equipes de trabalho;
instituições contam com profissionais que já tiveram experiência Depois é vencer a desconfiança
• o próprio educador;
em secretarias e entidades de pesquisa; os educadores inscrit os
• o público participante do projeto. da comunidade, que tem vivido
possuem ensino superior e mestrado. Suas trajetórias de estudo
e trabalho em outros projetos sociais provavelmente foram o que sucessivas promessas não cumpridas,
No plano das politicas públicas, as temáticas mais citadas
lhes forneceu a capacidade de analisar criticamente as vários projetos de fachada ."
são ausência, descontinuidade, falta de planejamento, apoio
experiências passadas e atuais, e ter alguma clareza quanto ao
financeiro de baixo valor, não-promoção de parcerias, existência de Letla Maria da Silva Barboza -
papel que desempenham como formadores de valores nos lsata - Cabo Fno, RJ
poderes paralelos ao estatal, sobretudo o tráfico de drogas etc.
grupos em que atuam.
possuem em relação a transporte, material permanente, recursos
A falta de apoio de outras instituições, para a compra de material etc.

até mesmo as que se localizam no próprio bairro, A falta de apoio de outras instituições, até mesmo as que se
localizam no próprio bairro, foi bastante citada . Isso denota
foi bastante citada. Isso denota dificuldade dificuldade de atuar em redes - estrutura moderna e fundamental

de atuar em redes - estrutura moderna no mundo contemporâneo . Embora haja inúmeras parcerias de
sucesso com escolas formais, ou trabalhos que visam a contribu ir

e fundamental no mundo contemporâneo para a melhoria do desempenho do aluno na escola, em alguns


casos os projetos encontram dificuldade nas relações com a escola
local. A educação não-formal deve ser parceira da escola, atuando
No caso dos territórios, destacam-se a falta ou subutilização de espaços de modo complementar, e não em oposição, ou isoladamente.
físicos para o desenvolvimento das atividades. A baixa remuneração profissional é também citada como um
Nas familias , as dificuldades giram em torno das condições empecilho - o que não é uma novidade. A novidade é o fato de
socioeconõmicas e da vulnerabilidade a que estão expostas, assim como dos os educadores não identificarem a estrutura necessária para o tipo
ba ixos níveis de compreensão das propostas na área das artes. Falta uma de traba lho que realizam - direitos trabalhistas, por exemplo.
cultura política que capte as artes como formas de expressão do ser humano, Nota-se que a insatisfação conseqüente dessa falta de apoio
tão importantes quanto a roupa ou os alimentos. Falta uma cultura de material provoca geralmente uma grande rotatividade entre os 41

valorização das raízes cult urais do povo brasileiro - o que leva aos estigmas e educadores, comprometendo a continuidade dos trabalhos. Esse
ao preconceito, por exemplo, em relação aos repertórios da cultura afro- problema, porém, diz mais respeito à instituição e ao modo de

brasilei ra, por parte de algumas familias de jovens atendidos em projetos que trabalho - geralmente por projetos que possuem período limitado

abordem esses repertórios. - do que aos educadores propriamente ditos.

A expectativa das familias também é um dado relevante: há registros de No trabalho cotidiano com as equipes, a principal dificuldade

pais e mães que esperam que as atividades desenvolvidas nas instituições seja m enfrentada é a fa lta de debate e reflexões sobre a organização do

uma extensão da escola para suprir as dificuldades de aprendizagem dos alunos trabalho cotidiano, a médio ou longo prazo . Algumas pesquisas

- e os objetivos do projeto podem ser complementares aos da escola, mas não acadêmicas sobre o terceiro setor têm mencionado a ausência de

uma extensão, uma continu idade para tapar buracos. uma lógica na gestão das instituições, com algum grau de
racional idade, como uma das causas das dificuldades '. Ocorre que
As instituições também respondem por dificuldades no traba lho
esses estudos tomam o modelo empresarial, baseado na
cotidian o do educad or, porque muitas delas são frágeis em termos
concorrência e na lógica do mercado, como exemplo para apontar
econômicos ou orga nizaciona is, trabalham com projetos de curto prazo, têm
as lacunas no campo do trabalho social. Como se trata de lógicas
visão assistencialista, dependem e contam com o trabalho voluntário como
' B051, Mónica Gestão de
articulatórias distintas as que organizam os dois campos, não basta
uma missão humana, não criam espaços para a reflexão e o planejamento das pessoas no ten:e,ro setor Dissertação
simplesmente aplicar as regras de gestão de pessoas e de pessoal de mestrado. ~o Paulo: Faculdade de
atividades e preocupam-se apenas com os números de atendidos a fim de
de uma empresa em um centro social ou um instituto cultural. Isso Economia e Adm1rns1raçáo da Universidade
justi ficar ou embasar seus relatórios e pedidos de apoio financeiro. Nesse
não significa que eles devam operar sem regras, sem organização, de ~o Paulo, 2004 .
cenári o, as fragil idades se evidenciam na dependência que os projetos
ro tinas, procedimentos, planejamento - ou seja, sem nen hum pessim ismo em relação à validade do trabalho, expectativa de receber
grau de racionalidade. algo pro nto, d ifi culdade de participar da elaboração de algo, expectativa
O que preconizamos é que as metodologias e os de co mportamento ma is dirigido por parte dos mon itores/professores,
procedimentos devem ser distintos e específicos pa ra o ca mpo desvalorização e descrença em si próprio por valores que assimilou e que se
sociocultu ral porque não se estão produzindo mercadoria s para encontram arraigados na sua visão de mundo sobre as coisas.
venda, mas sim trabalhando e forman do pessoas, cidadãos e Ao trabalhar com elementos da cultura local, o educador encontra
cidadãs. Mesmo quando se traba lha com a produção de difi culdades para transmitir determinadas linguagens: muitas vezes há
mercadorias - caso de algumas cooperativas, por exem plo - , o empecilhos técnicos tão complexos e difíceis quanto os que existem na
educação formal. Por exemplo, instrumentos melódicos rústicos podem ser

sobre
" produtivismo " não deve imperar como objetivo est ratégico
único, pois ele mata o caráter social e cultural do trabalho. mais difíceis de tocar que instrumentos modernos, devido à imprecisão das

O educador dos projetos inscritos, assim como o professor escalas, exigindo mais tempo e dedicação. Isso implica projetos com períodos

as dificuldades nas escolas, é vítima de possíveis falhas em sua própria formação . mais longos - teoricamente mais fáceis de existir na educação não-formal, em

Baixa qualificação profissional é um item basta nte citado ou que que o tempo não depende de um calendário escolar instituído por lei. Mas
"Outra dificuldade está relacionada
esses projetos são, também, muito mais difíceis de executar porque exigem
transparece nos depoimentos dos educadores, assi m como pouco
à visão assistencialista impregnada todo tipo de recu rsos para poder se manter por períodos maiores.
comprometimento com o trabalho vol untá rio, principalmente
nos projetos educativos desenvolvidos quando o público destinatá rio tem alguma especificidade - por
A expressão escrita dos educadores 43
por muitas institu ições. Os próprios exemplo, portadores de síndrome de Down. Falta de espírito de
Uma última observação: a análise dos formulários nas questões abertas,
equ ipe, pensamentos mecânicos e a perpetuação de estereótipos
jovens já chegam à ofi cina com um qualitativas, fornece-nos não apenas dados de conteúdo, mas também da
são outros sintomas que emergem dos depoimentos. Causa-nos
entendimento de que a atividade será forma de expressão dos inscritos. Podemos observar, de um lado, dificuldades
certa surpresa um determinado trecho de um dos formulários -
na escrita e na maneira de se comunicar ou de expressar os argumentos;
uma espécie de 'terapia ocupacional' " ranço pedagógico e escola rizado" - , que nos leva a supor que o
simplificação ou excesso de detalhes nas respostas; por outro lado, observam-
sujeito que emitiu essa o pin ião te m t ambém uma visão
para 'ti rá-los da rua '. Essa visão, muitas se vários casos de fluência na escrita, reflexão e análise nos argu mentos
estereotipada sobre as escolas, ou as toma pelo que têm de ruim
apresentados, e cuidado na forma de construir e expressar as fra ses. O
vezes, desqua lifica o traba lho artístico e de desestruturadas. Na verdade, o diá logo entre a educação
instrumento para viabilizar a escrita também denota diferentes tipos de capital
desenvolvido pelo jovem e pelo próprio formal e a não-formal é bastante produtivo - desde que se
(social, cultural e econômico) dos inscritos e diferenças marcantes entre as
preserve o espaço de liberdade que existe na educação não-
educador. É preciso reverter esse instituições. Vários questionários foram preenchidos por digitação, incluindo
formal. Concordamos com um dos inscritos quando diz: "A
quadros e anexos sobre suas instituições. Mas a maioria foi manuscrita; algu ns
estereótipo e ressaltar, todo o tempo, liberdade é fundamental e faz da educação não-formal o lugar
questionários evidenciam o cuidado de fazer tudo em letras de forma , outros
que a oficina é um espaço de criação no onde a inovação acontece com mais freqüência e frescor".
possuem "garranchos" e respostas bem curtas. Erros de gramática e de digitação
Um eixo recorrente nas respostas dos inscritos foi o das
qua l cada um tem uma valiosa e de vários tipos se apresentam . Em síntese, a simples leitura dos formulários nos
dificuldades com os participantes dos projetos. As temáticas
leva a hipóteses sobre o grau de domínio da língua portuguesa, a habilidade de
singular contribu ição."
desse eixo vão das de ordem pessoal - dificuldades econômicas da comunicação e expressão e o universo cultural dos educadores (valores, visões
Ana Tereza Melo Brandão -Associação família, problemas de saúde, falta de tempo, desi nteresse - às de de mundo, noções, idéias e ideologias, experiências ava liativas etc.).
Imagem Comunitária - Belo Horizonte, MG ordem cultu ral e valorativa - não-entendimento da proposta,
As instituições

Tanto nas inst itu ições novas


ti como nas antigas, predom inam
programas de inclusão social.
A arte é o foco centra l ou

lll o meio para viab ili zá- la

O primeiro elemento a destacar no


conjunto das 221 entidades é a
diversidade de instituições a que se
vinculam os inscritos no Programa
Rumos, assim como a variedade de suas
áreas de atuação . Iniciamos a análise
desse universo pela nomenclatura que
as define .

,...•
. .....
••
•••••
....

._!. .
,----i--- --- --
citar o nome do coordenador/dirigente, usam a denominação
Nomenclat ura " ONG patrocinado ra"; ou, ao descreverem as atividades

Nem todo o universo das inst1tu1ções pertence ao chamado realizadas, dizem "a nossa ONG ", a exemplo de uma OSCIP

terceiro setor, embora ele seJa hegemónico. Temos escolas (organização da sociedade civil de interesse público). As

públicas (estaduais e municipais), uma universidade e três 1nst11uições mais voltadas para o mundo do trabalho denominam-

secretarias de estado (de um mesmo estado e de uma mesma


cidade). O termo predominante nos nomes das inst1tu1ções é
" associação " , de diferentes naturezas: cultural, recrea tiva,
beneficente, caritativa, de cooperativas, de amigos de um dado
Uma importante
museu ou clube. Há uma associação especifica de mulheres. frente de trabalho da ed ucação
Predominam as "associações beneficentes" . Dentre as 22 1
entidades, 58 autodenominam-se "associações" .
não-forma l é a questão das
O segundo termo predominante no nome das inst1tu1ções, diferenças cultura is e o respe ito
com 25 ocorrências, é "centro" - cultural, educacional, voltado
para doenças especificas ou para crianças e adolescentes. Há um à d ivers idade cu ltura l dos povos
centro de cultura negra, outro de apoio a trabalhadores rura is,
47
outro de hemofílicos. As modernas organizações do tercei ro setor
estão, na sua maioria, nos "institutos" (ligados a empresas,
se " oficinas ". Uma só entidade foi encontrada com o nome de
bancos, redes comerciais, ambientalistas etc.).
" sociedade de am igos do bairro " - talvez porque esse nome seja
O termo "fundação" faz parte também desse bloco, mas
comum no estado de São Paulo, principalmente na capital
não é dos mais comuns. Há ainda um conjun to grande de
paulista, mas desconhecido em outras regiões, onde entidades de
instituições que adotam nomes específicos, ou porque inscrevem
moradores denominam-se "associações de am igos " , " associações
no nome sua identidade (trabalho com blocos de carnaval, rádios
comunitárias", " uniões de bairros " , " uniões de vilas" etc.'
educativas, Teatro do Oprimido, escolas de balé etc.), ou porque
Entretanto, se considerarmos que o ma ior percentual de inscritos
escolhem um símbolo que represente suas demandas (o nome de
localiza-se em São Paulo, capital, e só uma sociedade desse
uma flor, um ani ma l, uma região geográfi ca etc.). As entidades
gênero se inscreveu, somos levados a concluir que as sociedades
mais tradicionais, que adotam prát icas de fund o assistencial,
de amigos de bairro mais tradicionais provavelmente não estão
denominam-se "obra social", " legião", "ação social ", " casa
mu ito engajadas ou interessadas em desenvolver projetos
assistencial" ou "lar" . Destaque-se, entretanto, que um grande
socioculturais e educativos, nem têm a representatividade e
número de "associações" também possuem esse perfil tradicional.
importância que já tiveram no passado - quando freqüentemente
Causou-nos surpresa o baixo número de entidades que se eram a única voz em qualquer atividade coletiva que ocorria nos ' Vide GOHN , Maria da Glória . Teoria
denominam "ONGs" : apenas duas. Entretanto, várias entidades dos movimentos sociais. 4. ed. São Paulo:
bairros populares periféricos.
denominadas associações se identif icam como ONGs, pois, ao Algumas nomenclaturas usadas no inicio do século XX, Loyola, 2005.
#Ili sobre
principalmente pelo movimento operário da época, também Algumas das instituições registram-se como "projetos" ,
foram registradas. São os "círculos de cultura de trabalhadores", uma vez que a atividade desenvolvida caracteriza a instituição
bastante comuns no início do processo de industrialização,

#lf #lf
como um todo. Um outro destaque, que não foi propriamente
formados por operários imigrantes, sob a influência de ideologias surpresa: o pequeno número de entidades que se apresentam as instituições
anarquistas; o "educandário", tradicional destino de crianças como "movimentos". O termo "movimento" é utilizado "Apesar do engajamento gradativo
#Ili órfãs; as "sociedades artísticas", heranças da Semana da Arte atualmente no linguajar dos participantes dos projetos
#Ili Moderna e de padrões europeus; e os já citados "lares", socioculturais mais como sinónimo de ativismo e mobilização de
de artistas e educadores atuando

através da educação não-formal,

#lf #Ili
geralmente patrocinados por entidades religiosas, para abrigar
crianças pobres.
Os termos " núcleo", "grupo" ou "centro de estudo" -
protagonistas do que de movimento socíal propriamente dito.
Quatro instituições adotavam esse termo, e duas outras se
autodenominavam redes de movimentos. Esse número reduzido
ainda há uma resistência e visão

preestabelecida ou até mesmo


bastante utilizados no meio acadêmico para designar grupos de indica-nos que os movimentos sociais populares não atuam
estereotipada das instituições de
pesquisas - tiveram 11 ocorrências. Alguns se dedicam a uma muito no campo da cultura e das artes, embora tenham grande
presença no campo da moradia, da saúde e do trabalho, tanto ensino que atuam nas áreas de arte
na zona urbana como na rural'. e educação. Ainda se mantém a visão
Alguns registros isolados chamam-nos a atenção, como a
Não basta loca lizar uma região carente ou inscrição de uma proposta pela polícia militar. Trata-se de um dado
de educação e arte como restntas às

particularmente interessante, porque o tema da violêncía, paredes da sala de aula e dos ateliés."
49
48 próxima da sede da entidade. Instituições que princípalmente na zona urbana, é prioritário na vida dos cidadãos Eduardo Cómodo Valarelli -
promovem atividades socioculturais têm brasileiros. Nos grandes centros metropolitanos a situação é grave. Projeto Canntm - São Paulo, SP

Essa inscrição pode ser um reflexo da preocupação da polícia


que conquistar e formar seu público-a Ivo militar em atuar preventivamente e promover a conscientização
em relação ao crime, às drogas e às contravenções em geral, e não
apenas em combatê-los.
atividade artística específica, como a capoeira ou o hip-hop, ou
a um dado autor, como Vygotsky. Outros se dedicam a temáticas
que caracterizam as formas modernas de associativismo no Dat a de funda çã o
Brasil, abordando questões de gênero, sexualidade, faixa etária,
raça/etnia e necessidades especiais. Esse dado apareceu esparsamente em alguns relatos (o

Na área da educação formal, inscreveram-se 17 instituições, registro mais comum refere-se ao período de desenvolvimento do ' Vide GOHN. Mana da Glóna
projeto inscrito). Observa-se a presença de entidades muito antigas "AssociatMsmO em Sáo Paulo: novas formas
que abrangem um leque que vai da educação infantil (creche) ao
de paniopaçáo no plane1amento urbano da
ensino superior (num projeto relativo a rádio comunitária), - uma creche fundada em 1914 em Campinas, por exemplo,
odade". /n: NUNES. Bras,lmar Ferreira (org ).
ou entidades criadas nos anos 1940, 1950 e 1960. A maioria, Sociologia de caprra,s brasileiras:
passando pelo ensino fundamental e superior público. Uma
entretanto, dentre os que mencionaram a data de fundação, parric,pação e plane1amenco urbano.
biblioteca, uma associação de pais e mestres e um CEU (centro
Brasília: Uber LMo, 2006. pp. 129-178.
educacional unificado) compõem o cenário. indica-nos que elas foram criadas a partir dos anos 1990.
ões e de tacam Segundo Lavalle:

o clusivo I... J as entidades assistenciais exercem fund amental mente


trabalhos de prestação de serviços e assistência direta ao público
na as istencia para o qual trabalham. Suas feições distintivas são pacíficas na
literatura, onde costu mam aparecer sob combinações com
ênfases diferenciadas de quatro elementos recorrentes: ethos
Coordenador responsável cristão, prestação de serviços de índole assistencial, atendimento

O responsável pela instituição é muitas vezes um professor dos segmentos mais vulneráveis da população e fi nanciamento

urnversitáno ou um educador aposentado. Em dez casos, os provindo do setor privado, não raro mediante a figura da
fundação empresarial.•
educadores inscritos são também os presidentes das instituições.

As áreas de t raba lho dividem-se entre sociais (programas de


Área de atuação e temáticas abordadas apoio a crian ças, jovens, adolescentes, idosos, mulheres, minorias
etc.), prestação de serviços à comunidade (principalmente na área
nas institu ições
da saúde), projetos culturais e socioeducativos, apoio econômico
O Programa Rumos faz, a priori, uma pré-seleção temática ao (programas de geração de renda) e defesa de bens e patrimônio 51
destacar a arte, a cultura de modo geral e a educação. Ao incluir material ou imaterial.
no formulário a questão "Por que escolheu trabalhar com crianças Encontramos poucas instituições que atuam diretamente
e/ou jovens de baixa renda e/ou em situação de risco?", demarca- sobre a temática do meio ambiente. Ela aparece de forma paralela
se um recorte baseado em dois critérios: faixa etária e nfvel e complementar nos trabalhos com a reciclagem de materiais de
socioeconômico. Não obstante, pode-se observar, no conjunto das sucata , por exemplo, ou em alguns programas criados em função
instituições inscritas, uma amostra bastante representativa das da defesa de algum rio, córrego ou mata, desenvolvido com
formas de associativismo existentes na sociedade civil no Brasil. alunos de escolas.
Tanto nas instituições novas como nas antigas, predominam O tema do combate às formas de violência existentes no

programas de inclusão social. A arte é o foco central ou o meio Brasil atual se manifesta de três maneiras diferentes:

para viabilizá-la. Na análise dos no mes, já des tacamos a 1. O projeto como um todo atua em áreas que apresentam

hegemonia das instituições organizadas nos moldes assistenciais. altos lndices de violência (a maioria das entidades que trabalham

Um terço das "associações" já se ap resenta no pró prio nome nessas zonas de risco, favelas principalmente, enfrenta dificuldade

como associações filantrópicas. Se agregarmos a esse número as para desenvolver seu projeto justamente porque concorre com as

16 obras sociais, os 3 lares, as 1O casas assisten ciais e outros forças organizadas do crime e com as drogas para capturar a
' LAVALLE, A. A. G., CASTELO, G. e BICHIR, R.
nomes tradicionais, chegamos a 50 entidades. Ou seja, quase um atenção dos jovens); Redes, protagonismos e alianças no seio da
quarto do total de instituições inscritas. 2. Tendo em vista uma modalidade de violência, por exemplo, sociedade civil. 30' Encontro Anual da
Anpocs, Caxambu, 2006.
exploração sexual, trabalho infantil etc.;


sobre
3. Focalizando o tema da paz, atuando como formador regulares das outras disciplinas. O trabalho com percussão, canto
de uma cultura da não-violência, reconstruindo valores que e outros instrumentos a partir de canções populares propiciou um
contribuam para novas mentalidades e novas formas de encarar envolvimento tal que até as famílias colaboravam para ajudar os
o cot1d1ano. Nesses casos, pressupõe-se que a violência não é só filhos a aprender as letras das canções. Um exemplo cristalino das a arte e as formas
física e nem se localiza apenas entre as camadas mais pobres. possibilidades da música como um veículo de integração e. de expressão
Ela está disseminada na cultura moderna. A criação e/ou a portanto, de formação de crianças e adolescentes.
"Penso que a arte nos proporoona a
restituição de valores e comportamentos que reconstruam um O desenho, a pintura e a fotografia também estão muito
modo civilizatório é o que está em pauta. possibilidade de construir a nós mesmos
presentes nos projetos citados. Dignos de nota são os projetos
sobre a língua portuguesa, fundamental para a formação de em um corpo que não é o nosso, pelo
cidadãos e para o desenvolvimento da capacidade de expressar-se.
menos não literalmente; um corpo
Linguagens utilizadas e formas A produção de textos, bem como o estimulo à leitura (romances.
metafórico, mas ao mesmo tempo
lendas. literatura de cordel) numa sociedade marcada pela
de atendimento
oralidade e pelos meios visuais de comunicação, são um trabalho material e ruidoso, que possa mediar
No universo das formas de expressão e das linguagens instigante e que deveria ter mais apoio. No conjunto das os valores que o público traz e o que
artísticas. o teatro e a dança se destacam como experiências instituições, observa-se que aquelas que apresentam projetos com
o obJeto propõe, gerando um terceiro
freqüentemente bem-sucedidas. por seu poder de envolvimento uso de vídeo, cinema e informática, por exemplo, tendem a ter
e interação dos participantes. Alguns projetos fazem conexão uma procura e um interesse maiores. valor, o bem cultural."
57
com a escola local no sentido de serem um reforço para o Projetos no campo das brincadeiras e dos jogos, como a Marcus Vm1Clu:> !'Prelfa rundaç~1o Or.ia Cr,ant,1
desempenho escolar. Nesses casos, as instituições também fazem batalha naval, o dominó popular e outras formas de vivência do e Vida Carap,cul/Ja, SP

apresentações nas escolas locais. mundo infantil, também constaram das atividades inscritas,
Há muitos projetos na área da música. com predomínio de reforçando a importância da ludicidade, bastante citada nos projetos.
gêneros contemporâneos, como o hip-hop em suas diversas Muitas instituições que promovem atividades socioculturais
modalidades (rap, break etc.). Não encontramos muitos registros têm que conquistar e formar seu público-alvo. Não basta localizar
de instituições com ênfase na música brasileira, popular, clássica uma região carente ou próxima da sede da entidade. A escola, as
ou contemporânea - um campo da cultura que distingue e igreJas e as estratégias como aulas-espetáculo são meios e veículos
caracteriza a própria identidade brasileira. Essa modalidade para despertar a confiança na instituição e o interesse pelo projeto.
aparece no resgate de algum gênero, instrumento ou técnica Muitas vezes, após algum tempo, ou depois da apresentação de
tradicional ou antiga (banda de plfanos. orquestra de berimbaus, algum espetáculo, atividade ou produto do grupo fora da
banda marcial e fanfarra, por exemplo), ou em um coral de escola. comunidade, o problema inverte-se - criam-se filas de espera para
Houve também registros de oficinas com aulas teóricas e práticas a participação nos programas. O espaço onde as atividades são

sobre música, para instrumentos como a flauta, mas que eram desenvolvidas também fornece elementos para a análise da forma

apenas uma das atividades da instituição; ou um projeto de atendimento. Nem todos possuem sedes ou locais adequados.
Jovc11 b11lh,11n cm dprcscntaçéio Dependências de escolas, circos, teatros, espaços cedidos por
desenvolvido num colégio comunitário. Em um dos relatos. a
tio Bdllct St<1g1u111 . alguma obra social, sedes de ONGs parceiras, salões paroqu1a1s de
educadora descreve que os alunos não se interessavam pelas aulas
sobre
1greias, salas do Conselho da Criança e do Adolescente, praças
Instituições parceiras
públicas, ruas, hospitais e até restaurantes são utilizados. Em
alguns casos, a natureza do projeto determina o local - como os Alguns inscritos registraram a ocorrência de parcerias para 0
da área da saúde. Mas a conquista dos espaços não é fácil : são desenvolvimento de at1v1dades cotidianas com os seguintes tipos a arte e as f armas
são necessárias interações e negociações até que haJa a aprovação de ins111uição: outra entidade da própria comunidade, de expressão
para o projeto se realizar em dado local. departamentos específicos de universidades públicas localizadas
"E aqu que entra a dança, "As artes visuais constituem um
na cidade da inst1tu1ção (essas parcerias geralmente se
orno expressão art1st1ca, como modo singular de conhecimento,
concretizaram a partir da iniciativa individual de um professor que
Os objetivos das instituições
rS1'1..rento e autoconhec1mento e avaliou a 1nst1tuição ou ministrou palestras ali) e entidades interpretação e intervenção que

que complementa e ampl ia Na maioria dos casos, os objetivos estão inscritos no próprio governamentais.
possibilita ao educando promover,
nome da instituição, predominando o eixo assistencial, como já Como parceiros das entidades, destacam-se entidades
as possibilidades educacionais pelas vias da visão, infinitas formas
assinalamos. Mas diversas instituições se destacam por fugir do privadas e do terceiro setor, instituições governamentais e
das meninas. " foco exclusivo na assistência. Elas têm alguns objetivos mais entidades de matrizes religiosas. Cooperativas de artesãos, de leitura de uma mesma realidade,

Debora R1be1ro Cabral Domingues - específicos expressos, como "construir tecnologia social de associações voluntárias e cooperativas de caladores e recicladores de um mesmo mundo. Através do
Centro Soaal São Jose - São Paulo, SP educação para o desenvolvimento humano pela arte", "ensinar a de papel, papelão etc. também constam como parceiras dos
desenho, da pintura, do mosaico, da
ensinar", "ensinar a observar, pensar, questionar", "estimular a projetos inscritos. Pode-se observar ainda que a maioria dessas
construir sua própria história " , "descobrir sonhos e desejos" ou entidades é brasileira, embora algumas instituições contem com modelagem e da escultura, o educando,
55
"conscientizar a respeito dos direitos do cidadão ". apoio da cooperação solidária internacional. valendo-se de sensibilidade e
Resta destacar no perfil e nos objetivos das instituições o A parceria das entidades com escolas da região, que cedem
criatividade, realiza construções
aspecto religioso. Muitas são da área confessional, predominando espaço para apresentações dos projetos culturais (bandas, teatro,
a religião cristã católica (nota-se pelo uso do nome de santos no dança etc.), ainda que ocasionais e não fruto de trabalhos simbólicas que favorecem o

próprio nome da instituição ou das paróquias onde atuam). planejados e mais duradouros, é de grande relevância, porque vai redimensionamento do mundo real,
Mas há também entidades espíritas, e ainda cultos africanos, ao encontro do fato que preconizamos no início - a articulação da
questionando-o, transcendendo-o,
trabalhados como elementos culturais. Neste último caso, a educação não-formal com a formal. Essa articulação introduz
artistas populares nas escolas - mestres de bandas de pífanos, por dando-lhe novos significados e
demonstração do preconceito vem à tona - pais que confundem
candomblé com magia, ou segmentos religiosos locais que criticam exemplo -, ajudando a promover a cultura desses artistas junto propondo novos desafios."
atividades musicais com berimbau, por exemplo, associando-as a aos alunos.
Amábile Selvati Marchesi - Seai (Serviço de
"magia negra", conforme o relato de um educador. Descortina-se As parcerias não existem apenas em função do apoio Engajamento Comunitário) - Virona, ES
aqui uma importante frente de trabalho e de oportunidades para financeiro. A divulgação, o trabalho conjunto, a cessão de
a educação não-formal : lidar com a questão das diferenças espaço físico e o apoio à infraestrutura para uma atividade são
culturais, com o respeito à diversidade cultural dos povos. citados em vários casos.
O público participante

Em alguns casos,
f ~ os participantes se
~ interessam por culturas
r que não necessariamente
dizem respeito à sua
. --- comunidade

.. . . . O público-alvo participante nos projetos


inscritos foi caracterizado nos formulários
.. ·.. como pertencente sobretudo às camadas
populares e aos grupos mais vulneráveis,

e:i ou em situação de risco, que habitam


zonas urbanas desfavorecidas. Alguns
inscritos descreveram esse público

~
como "jovens, sem preparo profissional,
expostos a situações de risco, membros
1
sobre
O grau de escolaridade do público atendido foi pouco
mencionado nos formulários. A exceção ficou por conta dos

1
casos de instituições que atendem a crianças e jovens de
determinadas escolas. Essas instituições costumam ter uma o público
estrutura mais sólida porque acolhem as crianças ou os jovens participante
com mais regularidade, sempre no perfodo do dia complementar
"As experiências de vida trazidas pelos
ao horário da escola.
Em relação a interações diretas entre o trabalho desenvolvido adolescentes do grupo também servem
de famílias com desajustes familiares e com defasagem na escola". pelas instituições inscritas e as escolas formais dos bairros onde de material para discussão e análise,
Outros destacaram o mosaico de situações econõmicas e culturais atuam. há vários registros de melhoria no desempenho escolar,
em que aprendemos uns com os outros.
envolvidas. especialmente os que atuam em entidades das áreas sempre advindos de informações de mães de alunos; e de alunos
de saúde, manifestações culturais e direitos sociais (de mulheres, que foram " requisitados" (expressão de uma educadora) para O educador não é o dono da verdade e

indígenas, afro-descendentes). instituições de estudo e pesquisa e realizar apresentações artísticas nas escolas, auxiliando aulas de sim um mediador dos conhecimentos do
projetos de reconstrução de memória ou preservação de bens professores de artes e de português. Não é comum a existência
grupo, que se diferem e se completam."
históricos materiais ou imateriais. de planos de trabalho conjuntos entre os educadores não-
Flávio Santos da Conceição - CTO-Rio (Centro
A faixa etária do público-alvo predominante é de crianças, formais e os educadores das escolas formais, nos registros dos
de Teatro do Oprimido) - Rio de Janeiro, RJ
,a adolescentes e jovens. Em alguns casos, pessoas de todas as formulários. Os trabalhos existentes são ocasionais, articulados
59
idades participam dos projetos, ainda que a maior parte oralmente.
geralmente seja formada por jovens. O número do público atendido em cada projeto oscila entre

sobre
o público
Observa-se que os educadores costumam
nomenclatura da educação formal como parâmetro para
adotar a

denominar os participantes das atividades, freqüentemente


15 e 30 pessoas, sendo que a maioria dos casos possui ao redor
de 30 participantes. O atendimento a um público maior é sempre
citado como uma dificuldade pela falta de recursos - financeiros.
chamados de "alunos". Mas não estão equivocados por chamá- humanos, flsicos etc. -. e às vezes o público de apresentações e
participante los assim. Segundo o dicionário Aurélio. "aluno" vem do latim espetáculos é computado (nesses casos, há registros de até 12 mil
"A partir do momento em que o alumnu, que significa "aquele que é dado para criar"; de acordo pessoas atendidas) . Quando o projeto é desenvolvido em turmas.
com o dicionário Houaiss, aluno é "aquele que foi criado e vários dos inscritos anotaram o total dos participantes até a
indivíduo volta-se para si mesmo.
educado por alguém, aquele que teve ou tem alguém por mestre atualidade e não o número de cada turma. Em projetos com
ele reorganiza-se internamente, ou preceptor; educando". objetivos impactantes, tais como os que utilizam o Teatro do
reconhece-se, e, a partir do No que diz respeito ao gênero e à etnia, a maioria do Oprimido, o grupo costuma trabalhar com um público reduzido,
público participante dos projetos é composta por turmas mistas. de cerca de dez jovens, embora alguns deles tenham iniciado
momento em que produz algo seu.
Há, entretanto, projetos com públicos específicos, tais como com mais participantes. Trabalho e violência são citados como
conscientiza-se de sua capacidade." responsáveis pelo abandono de boa parte do público de alguns
comunidades indígenas e populações quilombolas. Em outros
Graziela Trefiglio Mandni - Centro de Educação casos, os participantes se interessam por culturas que não projetos. O registro de "alunos bolsistas" é ocasional, mas existe.
Especial Síndrome de Down - Campinas. SP necessariamente dizem respeito à sua comunidade. Entretanto, a grande maioria daqueles que desenvolvem
trabalhos com crianças e jovens nas áreas de educação e cultura assinalaram
que a demanda não atendida é grande. Pesquisas e sondagens a respeito do
público-a lvo foram mencionadas por alguns dos inscritos.
Como a contribuição dos participantes é decisiva para o desenvolvimento
dos projetos, na maioria dos casos os trabalhos foram construidos por etapas,
e cada etapa levava a novas descobertas e a novos rumos. Aliás, sair dos locais
onde se vive ou onde é desenvolvido o projeto com o público participante é
sempre citado como uma grande realização, com resultados muito positivos.
Os projetos com instrumentos musicais, teatro, dança etc. não
objetivam, geralmente, formar um profissional no uso do instrumento ou da
linguagem de expressão artística. São meios para viabilizar trabalhos de
inclusão que procuram resgatar a auto-estima, a cidadania e a autoconfiança,
entre outros propósitos já mencionados. Mas, muitas vezes, talent(!S são
descobertos ou despertados.
Alguns projetos não têm público fixo - são oficinas com alta rotatividade.
Outros têm o público demarcado por uma característica particular no
desenvolvimento físico ou psíquico, como pessoas com dificuldades visuais, 61
auditivas, psicomotoras etc.
Os multiplicadores das idéias do projeto na comunidade formam -se
durante as atividades e as disseminam mesmo após seu término. A confecção
de um artesanato ou objeto artístico que despertou atenção, por exemplo,
pode ser continuada por pais de participantes, como ocorreu em um dos
projetos, ou por outros integrantes da comunidade, para gerar renda extra. O
aspecto de aprendizagem de uma habilidade está presente em inúmeros casos.
A mentalidade do empreendedorismo se instala quando a curiosidade vai além
do mero desejo de conhecer a técnica e instiga a vislumbrar a possibilidade de
gerar um bem, um produto dotado de valor comercial.
Um outro indicador da repercussão do projeto na comunidade é o modo
como ele reflete na própria escola - além dos depoimentos já citados de mães
dizendo que o desempenho de seus filhos melhorou depois que começaram ª
participar dos projetos, há registros de alunos mais antigos ensinando técnicas
de pintura ou confecção de produtos para os mais jovens.
Alguns projetos destacam-se por disseminar saberes codificados e de
acesso restrito para públicos mais amplos e formar multiplicadores desses saberes.
sobre
formados por moradores de cortiços e prédios abandonados ou
O entorno por pessoas que vivem nas ruas•.
O entorno refere-se à comunidade, ente abstrato, mas que Embora em número pequeno, houve inscrições de projetos
geralmente designa os limites do território de um grupo, bairro, com jovens na zona rural. São projetos que trabalham com o entorno
instituição ou projeto social. Os projetos inscritos se desenvolvem, educomunicação, como o desenvolvimento de uma rádio rural. "A partir do segundo mês do projeto,
em sua quase totalidade, em áreas de moradia pobres e de risco Alguns projetos "vão" para a zona rural esporadicamente,
moradores (adultos e crianças) que
social, marcadas pela exclusão. Nas grandes cidades, são zonas trabalhando com manifestações culturais como a Folia de Reis, 0
urbanas deterioradas - favelas, áreas periféricas ou bolsões de moçambique, a catira, a dança de são Gonçalo e a congada. fazem parte do entorno da obra social

pobreza. Alguns projetos desenvolvem-se em regiões que já Há inúmeros reg istros de apresentações em espaços da que nos acolhe começaram a nos
possuem estigmas de "territórios do mal", tais como "polígono com unidade local - escolas, salões de idosos, praças, igrejas,
procurar, mostrando grande interesse
da maconha". Em outros, os projetos convivem com traficantes e associações comunitárias e outros lugares extramuros da
instituição. em conhecer e participar das
contraventores no mesmo território, tendo de "competir" com
essas forças na busca pela adesão do jovem a seu programa Alguns projetos abrangem uma região - muito além das experiências que as crianças do projeto
(e pela continuidade nele). Outros projetos atuam na luta de fronteiras do bairro. No Complexo da Maré, no Rio de Janeiro, por realizaram em suas comunidades.
combate ao trabalho infantil, tentando reconduzir crianças e exemplo, onde habitam 170 mil pessoas, 16 comunidades são
Organizamos então palestras e oficinas
adolescentes para a escola. incluídas num único projeto.
As áreas centrais das grandes cidades não tiveram muit os Um destaque exemplar é a preocupação que existe em vários para pais, avós e professores da região,
62 63
projetos inscritos. Cumpre mencionar que nessas áreas, em projetos com a recuperação da memória local, a história do bairro com o objetivo de mostrar a importância
algumas cidades, como São Paulo, localizam-se os movimentos e de seus personagens. Além de reconstruir a identidade do lugar,
e o resultado do resgate da identidade."
sociais populares urbanos mais organizados da atualidade. Trat a- esses projetos contribuem para desenvolver vínculos sociais e
se de movimentos que atuam na área da habitação popu lar e são tecer redes de solidariedade entre os moradores. Hélio Rodrigues de Souza - Obra Social Antonio
de Aquino - Rio de Janeiro, RJ
Os projetos que têm como proposta intervir na cena urbana,
por meio de apresentações ou pela elaboração de grafites e artes
plásticas, contribuem para a apropriação e ressignificação do

Sa ir dos loca is onde se vive ou onde espaço público. Há o caso de um projeto que trabalha com a
pintura dos muros externos da escola local, ilustrando a história
é dese nvolvi do o proj eto é sempre citado como do bairro.
Poucas informações foram registradas sobre a demanda da
uma grande rea li zação - os participantes comunidade por determinado tipo de projeto, ou se houve • Vide GOHN, Maria da Glóna.

conhece m novos lugares e ganham alguma interação com os moradores para a definição das "Associativismo em São Paulo: novas formas
de participação no planeIamento urbano da
atividades. Os coordenadores e/ou o presidente da entidade são
inspiração e estímulo quase sempre os responsáveis por essa escol ha. A maioria dos
cidade". ln: NUNES. Brasilmar Ferreira (org.).
Sociologia de capirais brasileiras:
inscritos assinala que desenvolve metodologias participativas, participação e planejamenro urbano.
registra, faz avaliações etc., mas há poucas referências à Brasília: Líber Uvro. 2006. PP· 129• 178 ·
sobre
interação 1n1oal, preliminar, no momen to de escolha do projeto .
A impressão que se tem é de que ele em geral é " levado " para a
comunidade, e não " demandado ". Teoricamen te, os resultados e
o entorno as possi bi lidades de desenvolvimento e susten tabilidade de um

"Os educandos dão referências para proieto são bem diferentes nesses dois casos.
Todos os projetos que objetivam revaloriza r campos da
outras pessoas da vila, como a
cultura local ou trabalhar com eles acabam tendo algum tipo de
internalização da disciplina como impacto no entorno, sendo o ma ior deles o de caráter educativo -
um habito da vida e a melhoria forma-se um saber, desenvolve-se uma consciência. Observamos
isso no reg istro de projetos que trabalham, por exemplo, com o
nos relaoonamentos pessoais."
desenho de pássaros, com idas e frutas regionais, além de danças
Manlene Rodngues dos Santos -
e manifest ações artísticas.
Assoaação Querubins - Belo Honzonre. MG

64

os multiplicadores das idéias


do projeto na comunidade
formam-se durante as atividades
e as disseminam mesmo
após seu término
Percussão corpo ra l com o grupo Barbatuques.
Resultados a observar

A gestão do processo
· poderia ser repassada
como um conhecimento
à comunidade local,
para que se formassem
pólos multiplicadores

Como os projetos inscritos trabalham


ou utilizam, de alguma maneira,
expressões artísticas com grupos de
camadas populares, o resultado inicial
e mais visível são as aprendizagens que
a habilidade artística fornece para o
cotidiano e o mundo do trabalho. Arte
e educação se entrelaçam, uma alimenta
a outra. A arte ajuda a conhecer e
transformar o mundo; a educação é o
sobre
os resultados
caminho e o processo de trânsito do não-saber para o saber, para
0 mundo da informação codificada, que será transformada em
con heci ment o. Alunos de teatro aprendem não apenas o
• a cultura humanista, que é um fundamento básico da
maioria dos projetos inscritos;
• a valorização da cultura local, quer seja de uma tradição,
desempenho da atuação, mas, a partir da representação de peças instrumento musical ou linguagem artística, quer seja de
"O impacto é direto, levando à clássicas, por exemplo, ficam sabendo que as tragédias tratam hi stórias da região e dos moradores pioneiros da
sempre dos chamados homens superiores - reis, príncipes, nobres comunidade . Cenários físico-espaciais, como uma praça,
ressignificação da história de vida das
e heróis. Já as comédias abordam dramas populares, e nelas se podem se alterar de locais abandonados para espaços de
adolescentes, possibilitando o sonhar
desenrolam farsas, sátiras, ações grotescas etc. de cunho político- convivência e manifestação da arte.
como uma realidade mais justa e social. São processos de aprendizagem decorrentes da educação

humana. Na medida em que as vivencial , presencial , nos dizeres de Mário Sérgio Cortella " . A arte, A importância do saber dos indivíduos atendidos e da
demonstram-nos cabalmente os projetos inscritos, é um poderoso comunidade local é citada em inúmeros projetos. O resultado
atividades com artes plásticas
meio de educação dos ind ivíduos, tanto para humanizá-los, como aparece nos relatos de recuperação de tradições esquecidas ou
e cênicas favorecem a autonomia para constitu í-los como cidadãos e cidadãs de um território. "acanhadas" diante de costumes modernos. A reconstrução de
e o protagonismo político, Uma outra aprendizagem relacionada à arte é a da saberes pode ser também uma ponte na restituição de vínculos
construção de caminhos para a superação de preconceitos e o afetivos dentro das próprias famílias. Os mais idosos deixam de ser
elas possibilitam também mudanças
respeito às diferenças culturais e religiosas - um exemplo é "caretas" e passam a ter algo para repassar para a "moçada",
positivas dos víncu los afetivos na o ensino da música pautado ao mesmo tempo por normas de ávida por criar mosaicos de manifestações culturais nas suas
;a 69
fa mília, na escola e na comunidade." conduta da religião católica e dos indígenas de uma dada região. maneiras de ser e atuar no mundo. Com tudo isso há uma
A relação dialógica, não-formal, que se estabelece entre revalorização do próprio ser humano no que ele tem de
Maria do Socorro Andrade Uma -
Centro Brasileiro da Criança
ed ucador e educando favorece esse tipo de traba lho. fundamental, que é sua forma de se expressar artisticamente e se
e do Adolescente - Recife, PE Diversos relatos registram que, muitas vezes, o projeto comunicar. Desenvolvem-se também competências cognitivas,
possibilitou a crianças e/ou adultos sair pela primeira vez do bai rro porque o pensar não se separa do fazer.
para ir ao centro, ou sair de suas cidades (caso de centros menores), A preocupação com a "autonomia do sujeito", manifestada
ou entrar em um teatro, instituição de arte ou órgão pú blico. em alguns projetos, denota também a busca por mais um
resultado positivo: o de valorizar a criação em detrimento da mera

Principais destaques reprodução de um objeto, uma dança etc. Trata-se de uma diretriz
fundamenta l para a construção do olhar e do pensamento críticos,
Dentre os resultados já mencionados ao longo deste estudo, um processo de emancipação dos indivíduos - que vale para
vale destacar: qualquer idade, mas, quando desenvolvido na infância e/ou na
adolescência, estabelece as bases para a formação de cidadãos.
" CORTELLA, Mário Sérgio. • a construção de conteúdos ao longo do processo. Para Isso se traduz no amadurecimento das relações interpessoais.
Contribuições da educação não-formal
alguns educadores, "a autonomia desenvolvida no interior O discurso contemporâneo das competências e habilidades
para a construção da cidadania .
Palestra proferida no Instituto do grupo de trabalho é a maior expressão do sucesso das est á presente em várias das propostas inscritas. Em alguns casos Encontro de gerações entre pifanos e
ltaú Cultural em 6 de dezembro de 2006. estratégias adotadas"; tambores de Tacaratu.
ela é vazia de significados, está posta para repetir chavões e dar
sobre
não contempla propostas de desenvolvimento auto-sustentável,
A preocupação com a
quer dizer, se a entidade ou o educador saírem da região após
"autonomia do sujeito", manifestada f,m do projeto, nem sempre se forma um grupo local para
0

continuar o trabalho . Até porque, em vários casos, o atendimento os resultados


em alguns projetos, denota também a busca por ao público se faz a partir de habilidades específicas. A gestão do "O impacto se estabelece no resultado
mais um resultado positivo: o de val orizar processo poderia ser repassada como um conhecimento à
pessoal de aquisição e na transmissão
comunidade local, para que se formassem pólos multiplicadores.
criacão em detrimento da mera reprodução
~
Relatos registram o efeito multiplicador dentro da própria de conhecimento por parte dos

instituição - alunos ou ex-alunos que passam a ser monitores, ou educadores, dos educandos e de seus
ainda ex-alunos que se engajam em trabalhos em outras
familiares. A arte é um meio oportuno
um ar moderno ao projeto. Mas. em outros, seu uso relaciona-se instituições a partir dos conhecimentos adquiridos na primeira.
ao respeito aos direitos e deveres dos cidadãos, aos valores éticos de descobrir suas potencialidades.
Há registros também de repasse de conhecimento do modus
e estéticos. Jovens deixam de ser vistos como "problemas" e operandi, já previsto no planejamento do trabalho. despertar a auto-estima e resgatar
passam a ser reconhecidos como promotores de transformações. O reconhecimento do trabalho pela comunidade local é por
aspectos culturais importantes
si só um dos grandes indicadores de resultados. Ele aparece
relacionados à história de suas vidas
Multiplicando os resultados também na replicação do projeto em outras comunidades. Há

sobre
os resultados
A participação sociopolítica e comunitária, promovida a
partir de projetos construidos coletivamente, leva a intervenções
sociais - por exemplo. numa praça pública, como já citado - e
até mesmo casos de elaboração de leis a partir de experiências
educativas não-formais.
no contexto social do ambiente

em que vivem."

Guilherme Gade/ha de Souza - Ação


71

Refletir e criar Comunitária - São Paulo. SP


"Penso. portanto, que a principal causa cont ribu i para a transformação da realidade do público atendido.
Resultados observados são melhorias urbanas. geração de renda A criatividade das propostas é um dos resultados mais
do sucesso é o interesse dos jovens
para familias, desenvolvimento e formação de cooperativas de prazerosos de se observar. Ela aparece não somente na arte de
pela proposta e a disposição para artesãos . Os projetos que fomentam a participação cidadã dos uma apresentação, de uma peça artesanal. ou em um trabalho de
o novo. Contudo, a manutenção jovens contribuem para o resgate da auto-estima, mas podem ir conscientização ou de articulação da cultura local com a cultura da
muito além, delineando projetos e trajetórias de vida. Há casos cidade e do mundo. A criatividade aparece também no processo,
do interesse e da participação
de adolescentes que moravam em abrigos e foram reintegrados quando se decide algo em conjunto para viabilizar a idéia inicial.
deve-se à relação estabelecida entre às familias. Nesses casos há trabalho reflexivo, e não apenas "atividades
educador e educando - pautada Dar continuidade aos projetos e produzir efeitos programadas" para ocupar o tempo das crianças ou jovens. Esses
multiplicadores são os mais problemáticos gargalos das instituições casos revelam também a versatilidade da educação não-formal.
numa relação dialógica, de respeito e
que atuam com educação não-formal. Os projetos são datados. Mas tudo isso depende da proposta do educador. Não basta dizer
reconhecimento do saber mútuo." Para iniciarem, têm um tempo de espera (formu lação do projeto,
que as atividades têm planejamento, controle, acompanhamento.
Carolina Proetti /mura - encaminhamento, aprovação, contratos etc.). Depois que termina ava liação. Tudo isso pode ser técnico e burocrático. O importante
/nstiruto Sou da Paz - São Paulo. SP o prazo, nem sempre são renovados automaticamente. E a maioria
é como são feitos os trabalhos, seus fundamentos e bases
A criatividade das propostas é um para serem atingidas logo no inicio da formulação do projeto
segundo os recursos disponíveis. Questões de ordem qualitativa,
dos resultados mais inte ressantes - tais como "desenvolver ou aumentar a auto-estima", são

seja nas idéias dos edu cadores, seja na considerados objetivos gerais, mas não resultados, na óptica
empresarial. Os resultados devem ser medidos e estar no escopo
contribuição dos participantes de gerenciamento dos proponentes do projeto. Nesse sentido,
vemos uma distância saudável entre o que a maioria dos inscritos
para o andamento do projeto registra como resu ltados obtidos e o que seriam os resultados
para uma agência de financiamento de um projeto, advinda do
mundo das empresas.
filosóficas . Concentrar-se no público-alvo como cliente, usuário ou Por conta dessa nova dinâmica de investimentos, a lógica
consumidor é uma coisa. Vê-lo como sujeito de direitos e dotado articuladora dos resultados no mundo das instituições de
de uma cultura e um saber é outra. Motivar crianças e jovens para educação não-formal inclui progressivamente a racionalidade
práticas cidadãs é um trabalho difícil e desafiador porque não se privada, que se preocupa com o registro e o controle dos
trata de regras e normas de moral e cívica . Trata-se de criar valores. processos em andamento. Mas essas instituições são também
E a arte-educação é um grande caminho. herdeiras da lógica do setor público, que tem como alvo, para
72 Os projetos mais bem estruturados têm até equipes de seus resultados, o universo da população, e tem de trabalhar
73
consultores para avaliar e redesenhar constantemente os rumos da com direitos - sempre universais. Assim, os resultados, como nos
instituição. Todos os inscritos afirmam que têm diários e relatórios projetos de investigação cientifica, são as descobertas feitas ao
para fins internos. Porém, a publicação de livros, artigos ou sites
na internet dos trabalhos ou das instituições é bastante escassa.
Cumpre registrar uma diferença básica entre a concepção
longo do processo.
sobre
os resultados
de resultado de um projeto social e a concepção de resultado no
"O resultado é a formaç~o de Jovens
mundo privado, empresarial, onde a lógica da eficácia e da
eficiência vem sempre em primeiro lugar, tendo como parâmetro conscientes, enquanto lideranças da
o lucro auferido. São duas lógicas, dois mundos. Ocorre que, comunidade, possuidores de uma v1s~o
cada vez mais, podemos observar o patrocínio de projetos sociais
crítica e ativa da sooedade Eles têm
por empresas (da indústria, do comércio ou do setor fi nanceiro,
ou ainda do setor educacional privado - universidades e centros formação baseada em valores humanos,
educacionais), sob o incen tivo das políticas de responsabilidade e ter~o a capaodade de passar
social. Quando esses projetos são elaborados pelas fundações e
os mesmos valores adiante."
institutos das empresas, a concepção de projeto é di ferente -
M,chel 81er,g SchOOt - Centro Cultural
segue a racionalidade do mundo privado. Resultados, nesse
Oficina de h1p-hop com Nelson Triunfo. Mordecha, An1/ev1tch Rio de JanPl(O, RI
caso, são coisas palpáveis, mensuráreis, quantitativas, já previSt ª5
Um novo Brasil

Atores e sujeitos desconhecidos


entram em foco, com projetos
sociais nas zonas periféricas das
grandes capitais e em cidades
distantes dos grandes centros

As inscrições no Programa Rumos


Educação Cultura e Arte 2005-2006
se constituem numa amostra impactante
de um novo Brasil, muito pouco
conhecido dos brasileiros e raramente
destacado nos veículos da grande mídia .
Essa nova realidade é desconhecida
também da maioria das universidades,
e tem recebido pouca atenção dos
pesqu isadores e intelectuais de forma
geral. Trata-se de grupos, instituições e coletivos socioculturais
preocupados com a questão social, com crianças e adolescentes
que vivem em zonas urbanas desfavoráveis, excluídos
Certamente há problemas das mais diversas ordens e
naturezas, relacionados à área onde atuam, à falta de apoio e de
recursos financeiros e estruturais para desenvolver os projetos, às
sobre
as avaliações
socioeconomicamente, mas plenos de vontade de mudar, atuando próprias instituições patrocinadoras - que na maioria das vezes
sempre com muito espírito criativo. O Brasil desenhado nas cerca não ultrapassam os marcos assistenciais, com projetos que não "A avaliação está vinculada às atividades
de 2 mil páginas do conjunto dos formulários do Programa Rumos têm continuidade -, assim como dificuldades para atuar em redes
desenvolvidas nas oficinas como parte
2005-2006 traz para o palco atores e sujeitos desconhecidos, em solidárias e congregar esforços. Internamente há muitos discursos
sobre a necessidade de respeitar diferenças e diversidades de todo o processo, sendo dinâmica,
projetos sociais desenvolvidos nas zonas periféricas das grandes
capitais, em favelas e em cidades distantes dos grandes centros. culturais, mas os educadores encontram empecilhos para colocar contínua, permanente e cumulativa.
Os projetos inscritos apresentam também profissionais que esses princípios na prática. E há ainda dificuldades advindas de Assim, a cada oficina é feita uma
têm escolhido outros rumos para suas carreiras e para suas vidas, carências na formação do educador que atua nos projetos. Apesar
avaliação do processo como um todo
longe de empregos estáveis, bem-remunerados e bem-localizados de esforços heróicos de uns, que trabalham voluntariamente e
(que, aliás, estão em extinção), atuando como educadores sociais. gastam recursos próprios para a compra de material para o com os participantes do projeto e,
A maioria desses educadores tem curso superior completo, é trabalho (tintas e pincéis, por exemplo, ou roupas para peças), há a partir daí, são revistas as propostas
formada em ciências humanas, compõe-se de mulheres, tem também o não-reconhecimento por parte de membros do próprio
realizadas, modificações e adaptações
idade média ao redor de 30 anos e possui mais de 5 anos de local onde a atividade é desenvolvida. Não obstante, um
experiência em projetos sociais. Por meio de estudo e esforço, importante trabalho está sendo levado a cabo por educadores são feitas, sempre visando à melhoria 77
emanciparam-se economicamente e hoje são professores de empenhados e com senso coletivo, sob o signo de uma do nosso trabalho e uma melhor
escolas públicas, profissionais liberais ou trabalham em projetos modalidade da educação sempre esquecida, ignorada ou
adequação das temáticas trabalhadas
sociais apoiados por órgãos públicos. As marcas em sua trajetória desdenhada - o ensino não-formal-, com um papel cada vez mais
criaram uma identidade cultural que inclui a solidariedade e relevante para a formação dos indivíduos, parte integrante da à faixa etária e realidade do grupo."

o olhar para os excluídos, canalizados principalmente no constituição dos seres humanos enquanto cidadãos. Keyfa Silva Rabelo - Federação dos
desenvolvimento de um trabalho artístico. Bandeirantes do Brasil - Salvador. 8A

Mudan ça em curso
o novo Brasil da educação O novo Brasil revelado na pequena amostra do Programa
Rumos vem na verdade sendo construido há alguns anos, mas só
não-formal representa fôlego renovado agora os resultados começam a aparecer. Entidades de cunho
para as culturas esquecidas; esperança de assistencial que desenvolvem projetos sociais têm mudado seus
discursos e procurado se adequar aos novos tempos, atuando
aprend izagem para jovens carentes; diálogo social tanto no plano simbólico, da criação de valores, como no plano

para a construção de saberes material - na busca de alternativas para o problema do


desemprego -, criando alternativas futuras para o trabalho e ª
e abolição de preconceitos geração de renda, por meio da aprendizagem de uma habilidade.
As entidades de perfil mais caritativo têm abandonado
" progressivamente sua tónica caritativa e apolítica para assumir
uma maior politização e publicização de seus trabalhos e
sobre
as avaliações
demandas", bem como deixado de adotar "discursos cifrados no
registro dos d1re1tos e da cidadania" 11 • "A avaliação é um processo de
Avaliações, impactos, resultados e desafios são partes do
aprendizagem e deve ser constante,
roteiro a ser seguido pelas entidades - e educadores - em seus
tanto de cada uma das atividades, corno
proietos de Inte enção direta . A nova realidade no campo do
associa11 ismo em que se situam as instituições inscritas tem como de mim mesma como educadora."
pressuposto um modelo diferente daquele que ocorreu no Brasil Carolina Proetti /mura -
nos anos 1980. Mobilizar pessoas envolve agora não apenas um Instituto Sou da Paz - São Paulo, SP
chamamento para uma ação diretamente relacionada com um
interesse de sua categoria ou classe social. No novo paradigma,
mobil,zar as pessoas deve ser uma tarefa integral: mobilizar
corpos. emoções, pensamentos e ações de forma a provocar
mudanças nos hábitos e no comportamento dos indivíduos,
alterando o resultado de sua participação social, inserindo-os na 79
comunidade próxima, ajudando-os a desenvolver um espírito
fraterno e comunitário. No novo paradigma, não importa a
ideologia política. Importa criar sujeitos políticos ativos com
capacidade de intervir no meio económico (leia-se economia
in formal), para melhorar a sua qualidade de vida e a de sua família.
Os dados apresentados nos formulários denotam a baixa
participação social ou cultura l do público atendido e suas famílias.
A religião ainda é o espaço de participação maior, fora do campo
moradia-trabalho. Além disso, falta muito para criar um sentimento
de pertencimento mais amplo nas comunidades atendidas; falta
,, LAVALLE, A. A G., CASTELO, G. e BICHIR,
articular instituições e projetos sociais. Falta criar uma comunidade R. Redes, protagonismos e afianças no seio da
educativa de fato" . sociedade civil. 30' Encontro Anual da
Entidades pertencentes ao terceiro setor, em sua face mais Anpocs, Caxambu, 2006. p. 13.

mercadológica, desvinculadas do contexto associativístico e ., Vide GOHN, Mana da Glória. "A educação
movimentalista, portadoras apenas de um discurso genérico de não-formal e a relação escola-comunidade".
inclusão social, têm dificuldades para superar o desafio de incluir ln: Revista Eccos, n. 2, vai. 6, dez. 2004 ·
pp. 39-65.
os excluídos em processos realmente emancipatórios porque eles
não mantêm com elas relação de pertencimento; os projetos são frutos de
ações desterntonallzadas; a abordagem focaVemergencial reduz os cidadãos a
usuanos de serviços. O trabalho voluntário individualista, sem preocupação com
o desenvolvimento de uma consciência social, leva somente ao estrelismo, ao
glamour, ao merchand1sing e à mercantilização, em que o que se busca é
agregar valor a uma marca, produto ou pessoa.
Algo mais é necessáno para que as entidades extrapolem o modelo hoje
implantado no país, de busca por eficácia, competência, resultados, talentos: as
ações das entidades devem ter vínculos com a sociedade civil organizada, com
os movimentos sooa1s e populares, com as associações de moradores, com os
grupos organizados e com todos aqueles que lutam por direitos sociais no pais
- estabelecendo assim uma rede de ações que favorece o trabalho dos
educadores.
Porém, prevalecendo sobre as dificuldades, o novo Brasil da educação não-
formal representa fõlego renovado para as culturas esquecidas; esperança de
aprend izagem para jovens carentes; diálogo social para a construção de saberes
e abolição de preconceitos. Trata-se de um Brasil constituído de entidades que
cada vez mais fogem da pecha de meras instituições assistenciais - e, acima de
tudo, um Brasil constituído de educadores jovens e cheios de disposição,
decididos a transformar positivamente seu meio e seu mundo.

Con tação de histórias com o grupo Girasonhos.


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Cebrap, n. 43, 1995. pp. 157-172.
singulares,
Visões
conversas plurais
Textos Olga Rodrigues de Moraes von Simson, Margareth Brandini Park,
Renata Sieiro Fernandes, Mario Sergio Cortella, Rita Amaral,
Ecio de Salles, Sebastião Soares e Carlos Rodrigues Brandão

São Paulo 2007

h
LEI DE
lNCENIB'O
ACULruRA
~
ltaú
~HHíl MINIS'rt.RIO
DA CUL11.JRA
ltaú Cultural
v i nteono1 cultural
Apresenta çã o

8 aprender a ensinar

Educação não-formal : um
11
conceito em mov imento

13 Olga Rodrigues de Moraes


von Simson
Margareth Brandini Park
A contrib uição d a
Renata Sieiro Fernandes Educação não-formal para
a construção da cidadania

Mano Serg10 Conella


43
ensinar a aprender

Catalogação ltaú Cultural


51 Diversida d e cultu ral:
força social e patrimônio
d e uma nação
Visões srngulares, conversas plurais / textos de Olga Rodrigues de
Moraes von Srmson, Margareth Brandrni Park, Renata Siei ro
Fernandes, Marie Sergio Cortella, Rita Amaral, Ecio de Salles,
Sebastrão Soares, Carlos Rodrrgues Brandão; Ilustrações de Andrés Ofício dos pontífices :
Rita Amaral
53
Sandoval e Marrana Zanettr. - São Paulo : ltaú Cultural, 2007. - a importãncia da
(Rumos Educação Cultura e Arte, 3) 112 p. il. color. ; articulação comunitária

65
21 cm x 24 cm.

Biblrografia Ecio de Salles

1. Educação e Arte 2. Cultura brasileira 3. Educação não-formal Projetos sociais e


4. Pro1eto educacronal 5. Pro1eto social 6. Brasil. 1. Titulo
part1Cipação popular

CDD 707 SebasMo Soares


77
ltaú Da turma de alunos à
cultural comunidade aprendente

avenida paulista 149


são paulo sp 01311 000
[estação brigadeiro do metrô]
91 carlos Rodrigues Brandao

fone 11 2168 1700 fax 11 2168 1775 Para saber mais


instituto@itaucultural.org .br
www.ita ucu ltu ral. org ,b r 102
Apresentação

Chegamos ao terceiro volume da série Rumos Edu cação


Ao término de cada texto, o leitor encontrará a seção
Cultura e Arte com a recompensa de novos encontros. Ao longo Estante, em que os autores apresentam comentários sobre
desse processo de trabalho continuado, que teve seu impulso livros novos e antigos que marcaram sua vida e que contribuíram
inicial em 2005, com o lançamento do prog rama, percebemos para sua formação, não de um ponto de vista profissional,
que o circulo de trocas se amplia e agrega interlocutores de mas de uma perspectiva humanista . O resultado é um elenco
diversas áreas do conhecimento. diversificado de títulos, revelados por olhares particulares, que
O primeiro volume trouxe o frescor e a energia de experiências oferecem possibilidades inspiradoras de leitura .
práticas que se destacam pela excelência dos agentes envolvidos. Esperamos que este volume possa se r também inspirador e
8 No segundo, um mapeamento criterioso buscou conhecer de gerador de idéias para educadores interessados em investigar a
9
perto os profissionais desse cenário. Agora, o objetivo é convergência entre educação, cultura e arte .
aprofundar as reflexões relacionadas à educação não-formal,
por meio do diálogo com pessoas ligadas tanto à teoria como Instituto ltaú Cultural
à prática nessa área.
Olga von Simson, Margareth Bran dini Park e Renata Sieiro
tratam da possibilidade de atividades edu cativas significativas e
condizentes com os desejos de educadores e educandos. Mario
Sergio Cortella analisa as contribuições possíveis da educação
não-formal para a construção de uma cidadania fruída
coletivamente e marcada pela paz. Rita Amaral traz um olhar
crítico sobre a idéia de diversidade cultural e sua importância
como força social. Ecio de Sa lles chama a atenção para o papel
da articulação comunitária na ampliação de direitos. Sebastião
Soares reflete sobre a convergência entre discurso e prática
no trabalho dos projetos sociais. Fi nalmente, Carlos Rodrigues
Brandão explora os múltiplos significados do aprender.
ffi aprender a ensinar
Educação não-formal: um
conceito em movimento *
Olga Rodrigues de Moraes von Simson
Margareth Brandini Park
Renata Sieiro Fernandes

O termo educação envo lve


um leque amplo de experiências
educativas, informativas e
formativas que não se resume
à experiência escolar, forma l

Embora a escola seja uma instituição


com muitos anos de existência,
participando ativamente dos repertórios
culturais de diferentes contextos e
deixando marcas indeléveis - positivas
e/ou negativas - nas memórias de
seus freqüentadores, desde há muito
tempo também aparecem experiências
formativas que ocorrem fora da escola
para diferentes públicos. A partir dos
anos 1990, no Brasil, tais experiências passaram a ser conhecidas
desafios - de outros modos de construir os processos de ensino e
como educação não-formal, ocorrendo paralelamente à
aprendizagem, tanto em locais institucionalizados como fora deles,
freqüência escolar. Diante disso, a escola procurou rever e transgredindo o que é instituído - quando for interessante e
repensar seus modos de acontecer e de existir em muitos necessário - e buscando novas formas de estabelecer relações com
momentos da história. o mundo, com o outro e consigo.
O modelo tradicional de ensino e aprendizag em foi o
que prevaleceu nos sistemas escolares; entretanto, em muitos
momentos, a organização do ensino passou por reformas e
educação formal quanto a
Tanto a
reformulações, baseadas em críticas à escola e em propostas de não-formal favorecem e estimulam a
alternativas metodológicas e/ou novos modelos de educação e
pedagogias fora dos sistemas formais.
ocorrência de experiências e de sentidos
Nesse ponto, tanto a educação formal quanto a não-formal, É, ainda, enfatizar a busca por práticas mais significativas e
pela potencialidade de lidar e de se abrir para outros modos condizentes com os desejos, necessidades e vontades de um
de fazer, de contribuir para e de construir o processo de público - tanto educandos como educadores - que se relaciona
aprendizagem e formação pessoal, favorecem e estimulam a e interage. E que, desse modo, os processos de formação
ocorrência de experiências e de sentidos. A educação não-formal, profissional sejam mais ricos de sentidos e possibilidades, fazendo
14 por poder lidar com outra lógica espaço-temporal, por não com que os educadores sintam-se, de fato, autores de um projeto 15
necessitar se submeter a um currículo definido a priori (ou seja, educacional coletivo. Que vejam e sintam-se incluídos,
• As discussões teórrcas e de experiências
praucas que embasam este texto surgiram de com conteúdos, temas e habilidades a ser desenvolvidos e participantes e atuantes de forma efetiva, reflexiva, consciente e
necessidades do cotidiano de profissionais planejados anteriormente), por dar espaço para receber temas, política nas possíveis mudanças e transformações do social que
que lidam diretamente com as v1ciss1tudes do venham a promover e ocorrer.
assuntos, variedades que interessem ou sejam válidos para um
exercício da educação não-formal, e ainda
público específico naquele determinado momento e que esteja As modalidades da educação, no seu sentido mais amplo,
dos pesquisadores que, refletindo teórica e
metodologicamente o assunto, cresceram participando de propostas, programas ou projetos nesse campo, são muitas. Entre elas, a educação não-formal ocupa um espaço
através de um relacionamento com tais cada vez mais significativo no cenário nacional e, por isso, vem
faz com que cada trabalho e experimentação sejam únicos. E, por
profiss1ona1s. Este texto, apresentado pela merecendo atenção crescente por parte de diferentes segmentos
prrmerra vez no livro Educação não-formal: envolver profissionais e freqüentadores que podem exercitar e
cenários da criação, teve sua republicação experimentar um outro papel social que não o representado na da sociedade.
autorizada pela Editora da Urncamp, e inclui
escola formal (como professores e alunos), contribui com uma
algumas revisões e incorporações de idéias
argumentos e reflexões das autoras. O artig~ nova maneira de lidar com o cotidiano, com os saberes, com a Os conceitos e seus autores
foi gerado durante as at1v1dades de um grupo natureza e com a coletividade.
de estudos e de pesquisa (Grupo de Estudos Diferentes autores têm se proposto a discutir o assunto, ao
Falar de educação em termos gerais e por diferentes vias é
Memória, Educação e Cultura - Gemec) longo dos tempos, enfocando aspectos que outros não
vinculado ao Grupo de Estudos em um possível caminho para atentar para alguns pontos da educação
mencionam, confrontando idéias, considerando, ampliando e
Diferenciação Sociocultural (Gepedisc), da não-formal não como alt erna t·1va ao ensino
. formal, pois
. que isso
.
Faculdade de Educação, e ao Centro redimensionando os significados do conceito em questão. A
nem é possível legalmente e nem desejável. o intuito é buscar
de Memórra, ambos da Unicamp. seguir, uma breve tentativa de revisão desses olhares.
moS trar ª contribuição - e os limites, os avanços, os riscos, os
Segundo Jaume Tri lia '. há uma linha tênue que separa
1) tem caráter voluntário;
a educação formal e a não-formal de um lado e, de ou tro, a
2) promove sobretudo a socialização;
educação informal. Esta última se caracteriza pela aprendizagem
3) promove a solidariedade;
em que não há planejamento. seja por parte de ensina ntes. seja
4) visa ao desenvolvi mento;
por parte de aprendizes (m uitas vezes autodidatas), que ocorre
5) preocupa-se essencialmente com a mudança social;
sem que nos demos conta - um exemplo bastan te forte é a
6) é pouco formalizada e pouco hierárquica;
educação familiar. Já a educação formal é aquela que tem uma
7) favorece a participação;
forma determinada por uma leg islação nacional, ou seja, que tem
8) proporciona a investigação e projetos de desenvolvimento;
critérios específicos para acontecer e que segue o que é estipulado 9) consiste, por natureza, de formas de participa ção
pelo Estado - a educação escolar, hoje compreendida pela educação descentralizadas.'
infantil e pelos ensinos fundamental, médio e universitário . A Ele também usa o termo não-escolar como sinôni mo de
educação não-forma l é toda aquela que é mediada pela relação não-formal:
ensino/aprendizagem; tem forma, mas não tem uma legislação
nacional que a regule e incida sobre ela. Ou seja, uma série de [... ] a recente valorização do campo da educação não-formal pode
programas, propostas. projetos que realizam ações e interferências, significar ou implicar a desvalorização da educação escolar. Por
que são perpassados pela relação educacional, mas que se essa razão, a justificação da educação não-escolar não pode ser
organizam e se estruturam com inúmeras diferenças - em suma, construída contra a escola, nem servir a quaisquer estratégias de
17
um leque bastante amplo de possibilidades. destruição dos sistemas políticos de ensino. como parecem
Segundo Almerindo Afonso, pretender alguns dos arautos da ideologia neoliberal. '

[... ] por educação formal. entende-se o tipo de educação Entendemos que o não-formal inclui o não-escolar, por
organizada com uma determinada seqüência e proporcionada aquele ser mais amplo e englobar este. O intuito é não fa zer ou
pelas escolas, enquanto a designação informal abrange todas as promover a oposição, por principio, à escola. Trata-se de campos
possibilidades educativas no decurso da vida do individuo, distintos. Essa situação constitui o acontecimento da educação
constituindo um processo permanente e não organizado. Por (não-formal), segundo Valéria Garcia:
último, a educação não-formal, embora obedeça também a uma
· TRILI.A. Jaume. La educación fuera de la estrutura e a uma organização (distintas, porém, das escolas) e A educação não-formal não tem, necessariamente, uma relação ' AFONSO, A. J. Op. cit. p. 90.
escuela: ámbiros no forma les y educación direta e de dependência com a educação formal. É um
possa levar a uma certificação (mesmo que não seja essa a
social. Barcelona: Ariel, 1996. ' Idem.
acontecimento que tem origem em diferentes preocupações e
finalidade), diverge ainda da educação formal no que respeita à
' AFONSO, Almenndo Janela. "Sociologia da busca considerar contribuições vindas de experiências que não são ' GARCIA. Valeria Aroeira . "Um sobrevôo: o
não-fixação de tempos e locais e à flexibilidade na adaptação dos
educação não-escolar: reactualizar um priorizadas na educação formal .• conceito de educação não-formal " . ln PARK,
objecto ou construir uma nova conteúdos de aprendizagem a cada grupo concre to., Margareth B. e FERNANDES, Renata S. (org.).
problemática? " ln: ESTEVES, Antonio J. e Educação não-formal: contextos. percursos
STOER, Stephen R. A sociologia na escola. Para Barrie Brennan, da Universidade da Nova Inglaterra, que e sujeitos. Campinas: Un1camp/CMU;
E isso leva a uma transformação social. o autor elenca as
Porto: Afrontamento, 1989. p. 78. tenta reconceituar o termo educação não-formal. o primeiro Holambra: Eduora Setembro, 2005. p. 27.
seguintes características da educação não-formal :
subtipo dessa modalidade de educação é descrito como um É importante notar que os três subtipos de educação não-
complemento ao sistema formal ' Trata-se das práticas que visa m formal propostos estão relacionados à educação formal, embora
a atingir aqueles objetivos e propósitos aos quais a educação para além dela e não como parte constituinte, ou com o interesse
formal não tem sido capaz de atender parcialmente ou, em alguns direto e aceito, da educação formal.
casos, totalmente. Os grupos-alvo incluem alunos que foram Brennan, ainda, apresenta uma discussão do conceito de
expulsos da escola ou adultos analfabetos. educação não-formal aliado a três aspectos: o sistema, o ambiente
O segundo subtipo de educação não-formal é descrito como e o processo. O primeiro aspecto, denominado sistema, desenha o
uma alternativa à educação formal. Essa modalidade de educação contraste com o sistema formal. Trata-se de um aspecto
não-formal procura reconhecer o campo da educação e do importante para mostrar como os sistemas de educação não-
aprendizado tradicional ou nativo. A educação e o aprendizado formal necessitam ser diferentes - e, talvez, radicalmente
nativos referem-se às estruturas e práticas que existiram antes da diferentes - do conhecido e bem-estabelecido sistema formal.
colonização - nos países-colônias - e que continuam existindo de O segundo aspecto, denominado ambiente, é importante
algum modo em traços da vida comunitária e pessoal após o em razão do forte elo entre o sistema formal e as instituições

momento de colonização. Trata-se de uma reação ao fato de que educacionais específicas do campo da educação não-formal.

a educação formal tem, consciente ou subconscientemente, O reconhecimento do aprendizado que ocorre para além das

reprimido ou negligenciado a existência de costumes de ensino e instituições educacionais formais é importante de ser levado em

aprendizagem e de práticas advindas da cultura de povos nativos. conta quando vemos a variedade de agências patrocinadoras 19
18
Um importante traço desse subtipo de educação não-formal é que envolvidas nesse tipo de educação e os muitos locais possíveis

suas estratégias e técn icas de ensino e aprendizagem devem para se ensinar e aprender.
O terceiro aspecto, denominado processo, fornece um
necessariamente ser redescobertas e reavaliadas.
meio para enfatizar as estratégias de ensino e aprendizado
O terceiro subtipo de educação não-formal é descrito como
da educação não-formal e mostra como essas estratég ias
um suplemento à educação formal. Essa modalidade de educação
necessitam ser apropriadas aos aprendizes, à sua cultu ra e aos
não-formal representa um rol de respostas educacionais que estão
objetivos dos programas.
relacionadas aos mais recentes estágios de desenvolvimento de
Kleis, Lang, Mietus e Tiapula (apud Brembeck), pesquisadores
uma nação. As origens desse subtipo de educação não-formal são
da Universidade Michigan, ao falar da educação não-formal,
encontradas nas mudanças que ocorreram como resultado da
incluem também o conceito de educação incidental, entendendo
queda do bloco comunista, da consolidação da abordagem
por ela o seguinte:
capitalista na economia e na política e da globalização do
comércio e dos negócios. Esse subtipo de educação não-formal
[ ... ] algumas experiências são educacionalmente não-intencionais.
relaciona-se com a aparente "decolagem econômica" de alguns
mas não menos poderosas. Os resultados são tão comuns e
países; ele emerge quando se busca uma rápida reação às produzidos tão completamente sem consciência ou intenção
' BRENNAN, Barrie. "Reconceptualizing ' BREMBECK, Cole S Program of srud,es m
non-formal education" . ln: Internacional necessidades educacionai s, sociais e econômicas de uma que são comumente pensados como "naturais" ou "inerentes" . non-formal educa1ion. East Lans,ng: M,ch1gan
Journal of Lifelong Education, vol. 16, n. 3 comun idade, e a edu cação formal é lenta demais para atender State Univers,ty. 1972 . Mimeografado.
o fato é, cl aro, que eles são aprendidos. '
(May/June), 1997. pp. 185-200. a essas necessidades.
Em seguida, completam
ocorrer em quase todos os lugares, inclusive no espaço
do trabalho;
As mesmas exper1ênoas ou s1m1lares podem ser consoentemente
6) método: a educação formal normalmente transmite
examinadas e deliberadamente incrementadas através de conversa,
conhecimentos padronizados e centrados no papel do
explanação, interpretação, instrução, d1sop/1na e exemplo de
professor e na sala de aula . A educação não-formal tende
pessoas mais velhas, de pares e de outros, tudo dentro do contexto
a ter ma is conteúdos específicos, com esforços que se
de v1vênc1a 1ndiv1dual e sooal do d1a-a-d1a Alguns incrementas
dirigem à aplicação prática;
podem pretender ser educativos, mas as propnas expenênoas não
7) participantes : os estudantes da escola formal
são plane1adas conscientemente para isso. Alguns incrementas de
normalmente são definidos por idade e são razoavelmente
experiênoas da vida real constituem a educação in formal '
previsíveis. Os professores são formalmente certificados.
Os estudantes da educação não-formal podem ser de
Brembeck, estabelecendo uma comparação entre educação
todos os grupos etários; os educadores têm uma grande
formal e não-formal, assume a educação como suporte para a
variedade de qualificação e não são necessariamente
mudança social pelo desenvolvimen to econômico, a partir dos certificados formalmente. Em termos de aprovação social,
seguintes elementos:
os estudantes que rejeitam o aprendizado ou "fa lham "
1) estrutura: os programas da escola formal são altamen te nas escolas formais podem sofrer de estigmas no convívio
estruturados em um sistema coordenado e seqüencia l. Os com colegas, familiares etc.; os participantes da educação
programas não- formais geralmen te têm muito menos não-formal podem rejeitar determ inada matéria ou
centralização e estrutu ra comum e podem ser descritos "falhar" com pequeno ou nenhum estigma social;
ta nto como um subsetor quanto como um sis tema; 8) função: as experiências em educação formal geralmente
2) conteúdo: a educação formal geralmente é acadêmica, são designadas para ir ao encontro das supostas
teórica e verbal. A educação não-formal normalmente é necessidades que as pessoas têm . A educação não-formal
centrada em tarefas ou habilidades, com objetivos que se mais freqüentemente acontece como resposta às
relacionam à aplicação prática em situações diárias; necessidades que as pessoas dizem ter. '
3) tempo: a educação forma l é orientada para o tempo Nessa revisão, falta ainda citar Ventosa Pérez, professor da
futuro; a educação não-formal é de curto prazo e Universidade de Salamanca, que tem uma vasta produção na área
orientada para o tempo presente; da educação não-formal desde a década de 1980. Segundo Pérez,
4) gratificação: na educação não-forma l, os retornos
tendem a ser postergados e são de longo alcance. Na [... ) a educação social é um con1unto fundamentado e

educação não-formal, os retornos tendem a ser tangíveis sistemático de práticas educativas não-convencionais realizadas
e imediatos ou a curto prazo; preferencialmente - ainda que não exclusivamente - no âmbito
5 da educação não-formal, orientadas para o desenvolvimento BREMBECK, C 5. Op. m pp.11 -12.
) local: a ed ucação forma l tem alta visibilidade e
adequado e competente da socialização dos tndivíduos, assim " VENTOSA PÉREZ, Victor J. tnrervencion
encontra-se fixada em diferentes locais. A educação
BREMBECK, C. S Op c,t. p. 1. socioeducauva. 2. ed. Madnd: CCS. 1999.
como para dar respostas a seus problemas e necessidades sociais."
não-formal normalmente tem baixa visi bilidade e pode
Para ele, a qualidade da educação social es tá em dar
afetividade com esses sujeitos . Para tanto, necessita-se de um
respostas a novas necessidades socioeclucativas que o atual
lugar onde todos tenham espaço suficiente para experimentar
sistema escolar e formal não pode satisfazer por motivos de
atividades lúdicas, ou seja, tudo aquilo que provoque, seja
saturação, rigidez ou excessivo formalismo. Seu âm bito de atuação
envolvente e vá ao encontro de interesses, vontades e
discorre predominantemente dentro da educação não-formal, ou
necessidades de adultos e crianças. As atividades de educação
extra-escolar - termo também usado por ele -, e abarca uma
não-formal precisam ser vivenciadas com prazer em um lugar
pluralidade temática e multidisciplinar fronteiriça com outras
agradável que permita movimentar-se, expandir-se e improvisar,
disciplinas e perfis sociais, culturais, escolares, de saúde,
possibilitando oportunidades de troca de experiências,
psicopedagógicos e jurídicos. As modalidades mais importantes da
educação social são: educação de adultos, educação especializada,
formação de grupos - de proximidade e de brincadeiras e jogos, É importante que
no caso das crianças e jovens -, contato e mistura de diferentes
formação sociolaboral, animação sociocu ltural e tempo livre.
idades e gerações. a proposta de
Ainda segundo Ventosa Pérez, a animação sociocultural:
Isso pode se concretizar por meio do envolvimento efetivo
dos educadores com o dia-a-dia dos educandos. Membros da
educação
[... ) constitui-se em um àmb1to da educação social e, por sua vez, comunidade do entorno podem contribuir com a proposta, não-formal
é um modelo de intervenção socioeduca tiva, caracterizado por fazendo sessões de conversa, evocando memórias sociais e
ocorrer através de uma metodologia participativa destinada a vivências de infância.
funcione como
22
gerar processos auto-organizativos, individuais, grupais e Para a efetivação dessa proposta, o educador busca propiciar espaço e prática de 23
comunitários, orientados ao desenvolvimento cultural, social e situações e oportunidades para diferentes vivências, sem esquecer
educativo de seus destinatários. " de aproveitar as já existentes - provocadas ou suscitadas pelos
vivência social,
próprios grupos. Atuando como organizador e/ou animador, ele que estabeleça
De modo geral, para a educação não-formal a transmissão não deve ter preocupações escolarizantes e pedagógicas em
do conhecimen to acontece de maneira não obrigatória e sem relação às ações dos grupos e deve exercitar o hábito de refletir laços de
a existência de mecanismos de repreensão em caso de o
aprendizado não ocorrer, pois as pessoas estão envolvidas no
sobre suas atitudes e posturas tomadas em relação a qualquer
situação na qual pretenda influir ou tenha influído.
afetividade
e pelo processo de ensino/aprendizagem e têm uma relação A educação não-formal considera e reaviva a cultura dos entre os
prazerosa com o aprender. indivíduos nela envolvidos, incluindo educadores e educandos, de
modo que a bagagem cultural de cada um seja respeitada e esteja
participantes
presente no decorrer de todos os trabalhos, a fim de não somente
O cotidiano, a cultura e o socia l valorizar a realidade de cada um, mas indo além, levando essa
realidade a perpassar todas as atividades. Segundo Certeau:
na educação não-forma l
A princípio é impo t t A cultura oscila ... De um lado, ela é aquilo que " permanece "; de
_ , r an e que essa proposta de educação
nao-formal fun cione c . outro, aquilo que se inventa. Há, por um lado, as lentJdões, as
" VENTOSA PÉREZ, V. J. Op. cit. orno espaço e prática de vivência socia l,
O latências, os atrasos que se acumulam na espessura das
que reforce contato com o coletivo e estabeleça laços de
mentalidades, certezas e mual12ações sociais, via opaca, inflexível, A educação não-formal vem ganhando espaço na
d1ss1mulada nos gestos cot1d1anos, ao mesmo tempo os mais sociedade devido à política social e econômica adotada no pais,
atuais e milenares. Por outro, as irrupções, os desvios, todas essas princi palmente em rela ção às camadas sociais mais baixas.
margens de uma invent1v1dade de onde as gerações fururas Assim, surgem, de um lado, 1nst1tuições, associações, organizações
extrairão sucessivamente sua "cultura erudita" A cultura é uma e grupos preocupados em propor alternativas que melhorem a
noite escura em que dormem as revoluções de ha pouco, forma de inserção de um grande contingente de pessoas na
inv1siveis, encerradas nas praticas - mas pirilampos, e por vezes realidade brasileira . Paralelamente, muitos segmentos têm a
grandes passaras noturnos, atravessam-na, apareomentos e preocupação de proteger as classes mais favorecidas da
criações que delineiam a chance de um outro dia marginalidade, que pode advir, em espeoal, de grupos de crianças
e adolescentes da periferia . Essas organizações procuram tirar os
A partir dessas primeiras caracterizações, fica claro que não jovens das ruas, oferecendo atividades voltadas ao lazer e à
há como pensar a educação não-formal desconsiderando a capacitação profissional.
comunidade, pois é difícil o envolvimento voluntário das pessoas No Brasil, o terceiro setor nasce vinculado à Igreja católica ,
com algo com que não se identificam. promovendo ações filantrópicas, fundamentadas em valores
Assim, o primeiro passo sena considerar os desejOs e anseios cristãos, no campo da saúde e da educação. No século XIX,
da população com a qual se pretende trabal ha r e, a partir de surgem as associações civis secularizadas: sindicatos e associações
estudos da realidade da comunidade em questão, in tegrar a todo profissionais, étnicas e abolicionistas. 25
momento essa realidade observada e estudada às características Entre os anos 1930 e 1960, há a tendência a um centralismo
levantadas anteriormente. estatal, por meio dos sindicatos corporativistas vinculados ao Estado.
Entre a década de 1960 e o final dos anos 1980, surgem as ações
civis pela luta democrática e por melhorias sociais.
Historicizando a educação O redesenho mundia l da década de 1980 traz altas taxas de
desemprego - a chamada "sociedade sem emprego" - , índices de
não-formal no Brasil
violência elevados e retração nos direitos dos trabalhadores. As

Quando reflet imos sob re tra balhos de educação não- relações entre capital e trabalho se alteram drasticamente. A
formal , não exc1 u·1 mos a poss1·b·1· globa lização impõe normas e desafios que sobrecarregam os
11d ade de existir
. . associações/
.

instituições que trabalhem ed ucacio nalmente de maneira não- chamados "países em desenvolvimento" . O Estado passa a não
formal e nã 0 d- . atender às necessidades dos cidadãos no que tange à saúde, à
se eem conta dessa teo ri zação . Essa modalidade
de educação ve m se ca r t d . educação, à moradia e à assistência social - a chamada "falência
CEPTEAL.J, A1chel de. A cultura no plural ac erizan o no Brasil com propostas de
Campinas: Papirus, 1995 tra balho voltadas para d . do bem-estar social".
as ca ma as mais pobres, sendo algumas
promovi das pelo seta · bl . A recessão da década de 1980 traz conseqüências terríveis
Mais recentemente, todas essas r pu 1co e outras idealizadas por
diferentes segme ntos d · d d .. pa ra a África, a Ásia e a América Latina, impulsionando o
organizações também recebem a sacie a e civil, de organizações não-
a denominação de OSCs governamentais a grupo 1 · . . . florescimento das ONGs. Nesse momento, vivia-se, na Europa, a
s re 1g1osos e 1nst1tu1 ções que man têm
(organizações da sooedade ov1I) crise do socialismo.
parcerias com empresas e ou tra s en tidades ".
o prim eiro passo de um 110,8 mil pessoas na miséria absoluta; 4,2 % das famil ias
sobrevivem com menos de 1 dólar ao dia; 23,6% das famil ias -
projeto de ed ucação não-formal é considerar que equivalem a 623 mil pessoas - vivem com renda inferior a um

os desejos e anse ios da população salário mínimo" .

com a qual se pretende trabalhar A forma ção dos educadores


Diante dessa rea lidade social, cultural , econômica e
educacional, a formação dos educadores que trabal ham com o
Vários foram os motivos que levaram ao su rg imento das lutas ensino não-formal é um aspecto decisivo para que eles possam
democráticas: além da recessão, a crise ambiental global, o atuar. Essa formação nem sempre é exigida, apesar de necessária.
aumento do acesso à informação e o su rg imento de uma classe Embora ela esteja vinculada às práticas educativas especificas -
média urbana, desejosa de melhorias na qualidade de vida. portanto, precisa ser ampla - , é necessário o con hecimento, por
Na década de 1990, a democratização vem acompanhada de parte do educador, das especificidades da educação não-formal.
uma forte crise econômica que, aliada ao discurso neoliberal, Desse modo, o ensino não-formal não pode desconsiderar o
estimula a sociedade civil a buscar saídas para as profundas contexto no qual está inserido e a quem está voltado.
desigualdades de nosso pais. As ONGs da América Latina vivem a Conforme o mapeamento apresentado no volume 2 desta 27
mais grave crise econômico-financei ra até então, o que as leva a série, o gênero feminino é o que prevalece nesse campo de
reengenharias internas e externas a fim de sobreviver. atuação, mesmo que voltado para faixas etárias mais amplas que
A necessidade de qualificação profissional se torna não a da primeira infância, período em que, historicamente, se
imprescindível, e essas entidad es - que, por serem não- concentra a ação femini na.
governamentais, muitas vezes despreza m ou negam o Estado - Também se nota que prevalece a formação acadêmica - os
passam a busca r parcerias para implementar suas políticas " . educadores são, portanto, sujeitos com nível educacional elevado
O município brasileiro que lidera o terceiro setor é Campinas, e trabalham preferencialmente em suas áreas formativas, podendo

em São Paulo. Existem ali 1.640 fundações privadas e associações desenvolver melhor as habilidades e os conteúdos que o trabalho

sem fins lucrativos, que empregam 23 .722 pessoas, pagando educativo e pedagógico toma como norteadores.

salários que totalizam 391,6 milhões de reais. Essas entidades Muitos desses educadores se iniciam em contextos formais e
escolarizados antes de adentrar no universo não-formal. Isso tanto
respondem por 49, 13% das 3.3 38 ONGs instaladas na região
mostra que eles buscam campos de atuação mais flexíveis e
metropolitana de Campinas, que abrange outros municípios.
desafiadores, como pode mostrar, ainda, que a memória escolar
Apesar de essa cidade figu rar como uma das que possuem
que carregam consigo - seja como alunos, seja como professores
" Vide CARNIC EL, Amarildo. O jornal
maior renda per capita no país, os estudos do Núcleo de Est udos
- funciona como uma âncora para balizar o trabal ho educativo -
comunitário como estratégia de educação da População (Nepo), da Unicamp, mostram que há dois cinturões
não-formal. Tese de doutorado. e, nesse sentido, colabora para uma sensibilidade pelo inusitado e
de pobreza e riqueza com desigualdades preocupantes na região " CARNICEL, A. Op. ot.
Campinas: FE/Unicamp, 2005. o novo que esse ca mpo do não-formal oferece.
metropolitana de Campinas. Os indicadores sociais loca is são:
Outro conceito importante para enriquecer a discussão é o de
grupos sociais diferentes e pertencentes a contextos sociais
" estudantes em situação de risco" . apresen tado por Schuller, em
e culturais distintos, transmitem, através de suas histórias de
um estudo sobre a importância da mC,sica no envolvimento de
vida . Só assim será possível construir um diálogo a partir dos
crianças e adolescentes na educação formal " . Tal t ermo diz
conhecimentos oferecidos por essa população e da bagagem
respeito às crianças e jovens que têm vinculo com a escola, mas
acumulada pelos educadores.
estão prestes a perdê-lo, não porque a escola não lhes dê
Faz-se necessário garantir a construção de um vínculo afetivo
informações suficientes, mas pelo fato de que essas informações,
entre as partes que integram essa proposta, visando à elaboração
na ma ioria das vezes, estão desvinculadas da realidade cultural na
de práticas significativas para a população envolvida . As atividades
qual esses jovens e crianças foram socializados.
educativas, nessa linha, costumam utilizar e explorar as mais
Menores em situação constante de risco constituem parte diversas formas de linguagem e expressão - corporal, artística,
do grupo do qual tratamos quando fa lamos dos envolvidos em escrita, teatral, imagética -, envolvendo, por exemplo, áreas
atividades de educação não-formal, contando ainda com crianças ligadas ao meio ambiente e às ciências naturais e lógico-
e adolescentes que já vivenciam o afastamento da escola formal e, matemáticas. Nessa multiplicidade de práticas, encontram-se
concom itantemente, uma aproximação com o mundo da rua. maneiras de reelaborar a valorização e a auto-estima da população
Portanto, a partir da anál ise desse cenário é que podem ser com a qual se trabalha, fornecendo uma pluralidade de
propostas form as alternativas e/ou pa ralelas de trabalho nas possibilidades de comunicação e, assim, abrindo "canais " para a
8 institu ições educacionais não-formais. expansão e a explicitação de sentimentos, emoções e desejos.
29
Uma sign ificativa parcela dessas crianças perde parte de sua Em uma dinâmica de exploração das diversas formas do
infância. Muitas deixaram de brincar ou de estudar para colaborar saber, existe a preocupação do envolvimento não só de crianças,
no orçamento da família, visando a adquirir bens de consumo jovens, adultos e idosos, mas também de toda a comunidade, na
divulgados pela mídia como essenciais. Mu itas se viram na busca da construção de uma identidade ou das várias identidades
necessidade de assumir, muito cedo, responsabilidades que lhes da popu lação envolvida. Dentro dessas perspectivas, estão
chegariam somente na fase adulta. Esse comprometimento com a inseridos trabalhos com a memória e a cultura, em que os costumes
sobrevivência faz com que o tempo da infância e do brincar lhes e tradições próprios da comunidade serão ressignificados, tendo
seja roubado, ameaçando a criatividade fut ura da sociedade " . como alvo desse processo a reapropriação dos conhecimentos da
A educação não-formal deveria ser acessível a todas as cultura popular.
classes sociais embora no B ·1 · . Para a consecução das diretrizes pretendidas, supõe-se a
, ras, SeJa uma prática para a camada
" SCHULLER, E. "Speoal focus mus1c and at de nível socioeconómico mais baixo da população; o trabalho formação de uma equipe de educadores que trabalhe numa
nsk students" . ln: Music educarors journal,
vol. 78, n. 3, 1991. pp. 21 -29.
wm _essa modalidade educa tiva não impli ca e nem exige, em perspectiva transdisciplinar " , na qual deverá haver também
'' Nesta discussão. o conceuo de
transd1soplmandade é assumido como sendo
principio, uma diferenciação de classes. Para que as atividades uma constante avaliação crítica dos trabalhos para esperados uma postura que permue a extrapolação
t redirecionamentos ao longo do processo . dos limites de cada d1sc1phna, poss1b1htando
" Vide MARTINS, José de Souza (coord.). propoS as se viabilizem na prática, é necessá rio existir uma
uma apreensão mais próxima do real,
O massacre dos inocentes: postura de sensibilidade por parte dos educadores que nelas Há necessidade também de criar mecan ismos que
na sua complexidade. Ver: MORIN, Edgar.
a criança sem infáncia no Brasil. trabalharão para num p · · possibilitem uma formação continuada dos educadores que Ciência com consciência. Rio de Janeiro:
2. ed. São Paulo: Hucitec, 1993 . . , nme,ro momento, captar os anseios e os
conheci mentos que · . trabalhem com educação não-formal, para que se mantenham Benrand Brasil, 1996.
as crianças, Jovens, adultos e idosos, de
As raízes sociais e culturais das
práticas assistenciais e educativas
Crianças, jovens, Seguindo uma perspectiva de longa duração, que permita
adultos e idosos devem en tender a razão das práticas socioeducat ivas de hoje, podem-se
engendrar propostas de atuação na realidade social que, por estar
participar juntos da embasadas ao mesmo tempo na cult ura das classes populares e

construçã o de uma entendendo as origen s das propostas das classes dominantes pa ra


os setores menos favorecidos, tentem revertê-las levando em
id entidade ou das várias conta aspirações, demandas e necessidades de setores sociais e

identidades da assim gerar programas mais democráticos e inclusivos de


forma ção das crianças e adolescentes.
população envolvida Tomando como base os estudos de Maria L. Marcílio" , é
possível traçar um pequeno histórico situando a condição de
abandono de crianças no Brasil. A sociedade brasileira foi gestada
as característ icas dessa modalidade educativa . Essa forma ção segundo modelos ibéricos de ra ízes lati na e católica mu ito
30 deve ser, também, patrocinada e financiada pelas inst itu ições diversos daqueles das sociedades anglo-saxónicas reformadas. A
31
empregadoras, não fi cando a cargo apenas de iniciat ivas realidade social do país, desde sua origem, é marcada por um
individuais e particulares - como é esperado e cost uma acontecer, duplo padrão de moralidade para os gêneros, que aceitava a
atua lmente, nas relações trabalhistas. existência de dois tipos de mulheres: a esposa e mãe de família,
Nesse quesito, inclusive, é preciso coloca r que, mesmo com a voltada para a gestação, cuidado e educação da prole, e a
desvalorização e crescente precariedade da profissão no decorrer mundana ou concubina, destinada a fornecer os prazeres do sexo
dos anos, tanto em termos de status social como de remuneração aos homens bem situados na escala social. Para esses homens, o
salarial - seja para a educação formal, seja para a não-formal-, os direito à manutenção de contatos sexuais e afetivos com duas ou

educadores ainda insistem em atuar nesse campo complexo das mais mulheres não pressupunha obrigatoriamente assumi r

relações socia is e cultura is, que exige deles um investimento em econômica e legalmente as crianças nascidas das ligações não-
" MARCIUO, Mana L HIStória sooa/ da
sua formação pessoal e uma reflexão constante de suas ações e oficiais, o que sempre gerou, à semelhança da metrópole, a criança abandonada. São Paulo: Huotec,
existência de um grande número de ilegítimos desamparados 1998. Optamos por tomar como referência
expectativas de alcance e interferência no coletivo.
essa obra por se tratar de um dos poucos
em nossa sociedade.
Para pensar propoS t as de atuação voltadas a instituições trabalhos acadêm,co-c,entificos que abordam
Seguindo ainda os modelos das sociedades mediterrâneas a históna das crianças abandonadas.
e/ou grupos que se dedicam à educação não-form al no segmento
e ibéricas, são criadas no Brasil, ainda no período colonial, Acreditamos que tal referência bibliográfica
de "crianças em situação d · ,, .. .
. e risco ou em vul nerabilidade social, reconstrói com propriedade a história da
faz-se necessário busca , . instituições voltadas ao recebimento, cuidado e educação desses
r as ra1zes socioculturais de práticas 1nst1tuoonalização das cnanças que foram
educativas e comun 1·tá · d . " enjeitados" . Essas organizações, interl igadas e segu indo uma sendo marg,nahzadas no processo de
. . nas e nossa sociedade, surgidas ainda
lóg ica comum, procurarão transformar os acolhidos em cidadãos const1tu1ção da sociedade CIVIi brasileira.
nos primórdios de sua constitu ição .
"úteis à Pátria e a si mesmos" " , afastando o perig o de ho rda s de Para facilitar o casamento das "desvalidas", instituiu-se o
crianças e jovens vivendo da mendicância, da prosti tuição e prestes dote financeiro, prática que facilitou a ocorrência de matrimônios
a cair na marginalidade social. São as irmandades de miseri córdia, forjados, obrigando as instituições a colocar em seus regimentos a
que, através das santas casas e rodas de expostos, cuidarão de especificação de que tais dotes só seriam pagos após seis meses
receber os expostos ou enjeitados e criá-los por meio das amas-de- comprovados de casamento.
leite até os três anos. Procurarão também colocá-los em casas de Com a implantação da escola normal no Brasil, no século
familia dos três aos sete anos para educá-los ou encaminhá-los aos XIX, essas moças tiveram uma nova oportunidade de forma ção e
recolhimentos, onde, posteriormente, receberão uma educação trabalho. Quando do exercício do magistério, essas professoras
para o trabalho. destinavam grande parte de sua remuneração para a instituição
Esse sistema de absorção, cuidado e ed ucação teve como onde foram acolhidas, com o intuito de restituir os gastos
resultado a manutenção do número elevado de " ilegítimos- gerados no período de sua criação . Além disso, também
expostos" ao longo da história brasilei ra, do período colonial até lecionavam na casa de recolhimento, tendo como públ ico-alvo as
meados do século XIX, pois garant ia o anonimato das mães meninas ali residentes.
solteiras, protegia a sociedade dos perigos dos bandos jovens e Muitas famílias se ofereciam para criar men inas
infantis no limiar da marginalidade e promovia os beneméritos abandonadas, garantindo suprir suas necessidades. Porém, na
responsáveis pela man ut enção e pelo funcionamento do prática, essas meninas tornavam-se criadas sem remuneração ou

esquema, encastelados nas irmandades religiosas e nas câmaras qualquer vínculo empregatício. 33
32
municipais. Forneceri a també m trabalho infantil legitimado As preocupações e as atitudes para com a educação dos

através dos aprendizes que, vivendo nas casas dos artífices, ali desvalidos mostram-se permeadas de mecanismos de exploração

aprendiam uma profi ssão, ou dos criados e criadas nas vivendas permitidos pelas normas institucionais. Senhores de escravos, por

de fa milias abastadas que os receb iam sob a capa protetora da exemplo, obrigavam suas escravas a deixar seus filhos na roda

caridade cristã. e a candidatar-se posteriormente como amas-de-leite. O futuro


escravo não dava gastos e o patrão ainda recebia o dinheiro da
No período pós-independência até a primeira metade do
ama-de-leite. Com a Lei do Ventre Livre, essas inst ituições se
século XIX, algumas províncias tomaram consciência da crescente
" Na Lisboa do século XVI, já existiam tornariam os lugares privilegiados para suprir a demanda da
problemática social dos abandonados. Surge, então, um novo
meninos vivendo nas ruas, alvos de leis
mão-de-obra a ser explorada, agora sob o lema da filantropia.
especificas que visavam ao combate da discurso baseado em idéias iluministas e utilitárias, que pregava
cnm1nalidade. Esses meninos eram chamados No final do século XIX, emerge um projeto de política
máximas como: " Tornar essas crianças úteis para si e para o
de velhacos, e o funcionário público c ·
Estado" " • om os men inos, a preocupação era encaminhar para pública em favor dos menores abandonados, inspirado na nova
encarregado de encaminhá-los às casas de mentalidade filantropo-científica . Médicos higienistas e juristas
0 t rabalho, alfabetizar, conduzir para um aprendizado prático sob a
familia para trabalhar em troca de amparo e
elaboram propostas de política assistencial, reformulando as
sustento - desviando-os, assim, do caminho orientação dos mestres-de-oficio. O garoto ganhava, desse modo,
do roubo - chamava-se pai dos velhacos práticas e comportamentos tradicionais, com o uso de conceitos
experiência profissional, porém tornava-se mão-de-obra explorada
(ver: Veja Especial: A Cultura do de higiene que aliavam saúde a educação . Eram preocupações
Descobrimento, n. 17, abril, ano 33, 2000). por vários anos, sem nenhuma espécie de remuneração. Com as
dessa "nova visão" o combate à mortalidade infantil e os cuidados
me.ninas, a preocupação se dava no sentido de proteger a honra e
" MARCÍLIO, M . L. Op. cit. p. 154. com o corpo, a amamentação e a alimentação, divulgados
ª virtude, pois "o melhor destino " para elas seria o casamento.
atraves de campanhas de saúde. Há a introdução da pediatria e da padrões de explicação e atuação que influenciam, na atualidade,
puericultura como áreas de conhecimento. tanto a área da educação formal como a não-formal. Quanto ao
Nessa fase fragmenta-se a designação da infância: o termo atendimento às crianças e jovens em situação de risco, o Estado
criança é empregado para o filho das famílias bem situadas se manteve ausente de sua responsabilidade, delegando-a à
socialmente, enquanto menor caracteriza a criança desfavorecida sociedade civil e aos governos locais - a saber, câmaras mun icipa is
e abandonada. Influenciados por debates na Europa, hig ien istas e irmandades religiosas.
empreendem campanhas contra a existência da ro da dos Atualmente, verifica- se que, durante e após a fa se
expostos, principalmente ao descobrir os altos índi ces de correspondente à ditadura militar, houve a centralização desse
mortalidade infantil dos enjeitados, pelo despreparo das amas . atendimento nas institu ições Funabem e Febem - central ização
Para garantir melhor qualidade de higiene e saúde às crianças essa que se mostrou inteiramente inoperante.
de até três anos de idade, são criadas as casas de amamentação, Restabelecido o estado de direito, o Brasil montou o novo
que substituem as amas-de-leite. Código da Criança, baseado nos princípios do Estado Protet or
Como parte da ideologia filantrópica, surge a preocupação e Interventor do Bem-Estar Social. O Estatuto da Criança e do
em educar e proteger a mulher como fator primordial para a Adolescente (ECA), de 1990, representa verdadeira revolução
formação das futuras gerações e para prevenir o crime e o nas questões da criança . Mas existe um abismo profundo entre
abandono. Era importante prestar auxilio à mãe para que esta as normas e a dura realidade da infância brasileira. Dá-se
chegasse ao término da gestação e não abandonasse o filho. o retorno da responsabilidade para o nível mun icipal e pa ra
Difunde-se a concepção de que a família, ou pelo menos a a sociedade civil por meio de instituições confessionais e
mãe, é fundamental para o desenvolvimento f ísico, psicológico, não-governamentais.
social e afetivo da criança. Surgem, assi m, os primeiros ensaios em Quanto ao trabalho infantil, verifica-se que ele ainda é

políticas sociais e programas de assistência à infância desvalida. visto por muitos como importante elemento formador, em

O Estado começa a tomar consciência de sua re sponsabilidade oposição ao ócio, encarado como algo prejudicial e que conduz

quanto à educação e à beneficência, assumindo um papel à marginalidade. No que diz respeito ao modelo educaciona l,
paternal e protetor, inclusive com a função de correção dos observa-se que as marcas das instituições coloniais uti lizadas na
menores infratores. divisão etária das crianças acolhidas - a fa ixa de um a três anos
equivale à fase da criação; a de três a sete anos equivale à
Assistir para prevenir - quando isso não era possível, a correção
fase de educação dos meninos e meninas; a de sete anos em
era aplicada com repressão rigorosa realizada em institutos
diante, à formação para o trabalho - também são reproduzidas,
correcionais, dentre os quais encontramos as colônias agrícolas.
persistindo na organização do sistema educacional atual do
Somente após a década de 1920 é que o Estado se volta para
nosso país na forma de creche, pré-escola e escola formal.
a infância desvalida, no sentido de proteger tanto as crianças
Essa escolarização divide-se em dois tipos: ensino para a elite
quanto as mães, manifestando a necessidade da criação de obras
- para os filhos dos grupos dominantes, tendo o objetivo de
como creches, dispensá rios, "gotas de leite" e jardins de infância.
educá-los para a liderança - e ensino público - para os indivíduos
Essa análise de como a sociedade encarou e tratou os
das camadas populares, visando a educá-los para o trabalho.
desvalidos ao longo do tempo permite encontrar e entender
SubJacentes a essa d1cotom1a, estão mecanismos de inculcação
E importante observar que a educação não-formal exige uma
que visam a estabelecer a aceitação, a conformidade e a
atitude pol111ca do educador pera nte a realidade, prns, ao abrir
culpabilização dos propnos 1nd1v1duos pelos insucessos Tais
novas perspect ivas de ação, permite negar um certo determinismo
mecanismos apontam como un1ca saída para a superação dos
que a visão his1orica de longa duração possa sugenr. Ela pressupõe
problemas o esforço 1nd1v1clual e a ace1taçao dos esquemas
a constatação de que os grupos domi nados não são passivos, mas
dominantes, promovendo a desvalonzação da cultura popular,
sim capazes de engendrar reações aos processos de dominação,
a imposição do modelo nuclear de familia burguesa e a
criando espaços de " resistência inteligente"".
não-aceitação de outros modelos de familia Observa-se ain da
Nesse sentido, enca ramos as práticas da educação não-
a presença da 1de1a de "desestruturação familiar" como
formal corno passíveis de ser aplicadas a todos os grupos etános,
geradora de problemas e de que os fracassos educacionais
de todas as classes soC1ais e em contextos socioculturais diversos,
são causados pela fragilidade soC1al - tida como elemen to
const1tu1nte dessa população
A educação não-formal exige uma at itude
Considerações finais política do educador perante a rea li dade; e la
Em sua análise das fichas de 1nscriçi10 do edu ,1dore que pressupõe que os grupos dominados são capazes de
36 integram o Programa Rumos Educaçao Cultura e Arte 2005-2006, II 11
constante do volume antenor desta séne, Manc1 dc1 Glónc1 Gohn criar espaços de resistência inteligente 37

apresenta um panorama da educação ncio-formc1I que envolve os


educadores, os lugares em que ocorrem as at1v1dades e o pu blico gerando oportunidades de crescimento individual e coletivo pela
envolvido. Com base nesse panorama, a autora percebe que a participação nos processos de transformação social que tais
motivação dos educadores no campo da educação não-formal experiências educativas oferecem.
advém de uma crença no compromisso soC1al - e, para assumir Acreditamos que boas propostas educacionais, não importa
esse compromisso, muitas vezes essas pessoas preC1sam deixar em se vindas da educação formal ou da não-formal, ampliam e
segundo plano uma colocação prof1ss1onal que lhes garanta oferecem espaços e conhecimentos para os sujeitos que compõem
maiores remunerações salana1s ou, ainda, melhores condições os grupos sociais, sejam eles crianças, adolescentes, adultos,
trabalhistas. Tendo em vista a quantidade de volun tános presentes velhos, pobres ou ricos.
nos espaços institucionais, a autora constrói um desenho que Mais do que procurar adjetivos para as práticas educativas,
figu ra como uma aposta em um novo Brasil, ainda desconhecido poderíamos assumir o desafio de pensar uma educação integral
da ma1ona da populaça b e integrada que ocorra em todos os espaços da cidade, seJam
o, que eng Io a esforços desenvolvidos nos " Vide GUSMÃO, Neusa M Mendes de e
mais diferentes locais do · d eles institucionais ou não, e que permeiem as fronteiras das áreas SIMSON, Olga R. de Moraes von. "A cnação
pais, v1san o a uma transformação social
cultural na diáspora e o exercioo da
pelo caminho da educaç- E . . do conhecimento com as contribuições que cada uma pode
ao. sse panorama permite a ela afirmar resistência inteligente". ln: Revista Ciências
que essa via pode ser como um lampejo - se não uma chama - oferecer - a educação, a cultura, a arte, a memória, a história , Sooa,s HoJe. São Paulo: Vé111ce/Anpocs, 1989
novo de esperança no coletivo e no mundo. a arquitetura, a antropologia ... pp. 2 17-243.
r um educação int gr
a rra em todos o e paços
e ,e nte com a contribuiçã o das
rsas áreas do conhe im ento
Este · texto busca olhar mais de perto os desafios, as Olga Rodrigues de Moraes
conquistas, os tate1os na construção tanto do conceito teórico
quanto da pratica pedagógica e educativa no campo da educação von Simson
não-formal, envolvendo igualmente educadores e educandos
e, principalmente, pensando-se em contextos ampliados de
educação. Pretende contribuir com a produção de reflexões, Campinas: memória poética , Obras completas de
discussões, análises, interpretações e proJeções para um co t1d1ano de João Proteti, livro de poesias para crianças e adultos Pedro Nava (Baú de ossos,
repleto de obstáculos socrais, culturais e econômicos e que, para sensíveis, focalizando, através de fotografias antigas e Balão cativo, Chão de ferro,
tanto, encontra-se constantemente em construção na busca belas ilustrações, a história e a ímportància de "lugares Beira-mar, Galo-das-trevas,
por novas ou outras possibilidades de conhecimen to, ação, de memória" da cidade. Constrói prazerosamente o O círio perfeito, Cera das
pensamento e realização nas sociedades . sentimento de pertencimento à cidade, base segura almas), contrapomo interessante
Em suma, o que buscamos foi partir de um "estado da para uma cidadania responsável. à obra de Cora Coralina, pois,
arte" sobre a discussão da educação não-formal assumida com enquanto a poeta enfoca o Brasil
Olga Rodrigues de Moraes von Simson
essa denominação, produzida em àmb1to in ternacional e interiorano, este memorialista

nacional, e mostrar como essa bibl1ograf1a se alia às práticas e Poemas dos becos de Goiás e estórias mais , reconstrói a vida nos dois
de Cora Coralina, bela e saborosa obra poética mais importantes centros
ações desenvolvidas no dia-a-dia por educadores e crianças,
de uma autora octogenária que nasceu e viveu político-culturais da primeira
Jovens, adultos e velhos, e vice-versa, em que os discursos
pelo interior do Brasil e reconstruiu, com beleza metade do século XX, Belo
são incorporados, relat1v1zados, desconstruídos, politizados,
Margareth Brandini Park e originalidade, aspectos da cultura e da Horizonte e Rio de Janeiro.
ressignificados de acordo com as problemáticas e situações
enfrentadas na contemporaneidade. sociabilidade brasileiras.

A este texto associam-se muitos outros produzidos por


Minha amiga dos olhos de gato,
diferentes autores, no sentido de reconhecerem-se como discursos
de Margareth Brandini Park, livro Resumo de Ana,
autorizados para abord ar o assunto, visto
• que empenhados e
que surgi u como um exercício de de Modesto Carone, romance que representa um claro
embasados em pesqwsas sobre o cot1d1ano e em reflexões teóricas
rememoração/homenagem de uma amiga exemplo de reconstituição da memória familiar, a partir de
Renata Sieiro Fernandes
e políticas que vão delineando um "rascunho" do campo da
para outra. Preste atenção em como os relatos orais que possibilitaram uma bela criação literária.
educação não-formal e .
que, nas tentativas de estabelecer Carone nos permite compreender e visualizar, através da
desenhos, feitos por crianças de 7 a 8 anos,
conversas e discussões, sofrem embates, conflitos, confrontos,
completam saborosamente as histórias vida de pessoas das classes populares, os últimos cem anos
mas também se enriq .
uecem, se a11am, se projetam com força da recente história social e política do país.
narradas pela autora.
maior - perm1t1ndo que esse "rascu nho se passe a limpo".
--------------------------

Margareth Brandini Park Renata Sieiro Fernandes

Momo e o senhor do tempo, O senhor das moscas, Calidoscópio.


O castel o dos dest inos de Michael Ende, conto-romance de William Golding. história de de Gastão Wagner de Sousa
cruzados, As cidades invisíveis, sobre uma garota pobre e órfã um grupo de jovens isolados em Campos. romance que
de ltalo Calvino. história de ltalo Calvino. livro de pequenas que salva as pessoas dos homens uma ilha. entregues às próprias apresenta um cotidiano
sobre pessoas que se Quando as crianças dizem : histórias contadas ao imperador que roubam nosso tempo e regras . Suas leis vão sendo estruturado em relações de
perdem em uma densa agora ch ega !, mongol Kublai Khan pelo viajante transformam-no em horas a construídas e desconstruídas em coronelismo. vinganças. traições
floresta. terminam por de Francesco Tonucci, que Marco Polo, sobre cidades ser depositadas em um banco, situações-limite. como tentativas e suspeitas. A chegada de um
encontrar-se num castelo parte do projeto A Cidade das conquistadas para o império. impedindo o desfrute e o prazer de montar uma sociedade personagem da cidade grande.
e se vêem no desafio Crianças. em Fano, Itália, para A criatividade, o inusitado e do cotidiano e das relações democrática que dê conta de que traz consigo elementos
de construir uma forma descrever como as crianças entre as pessoas. controlar as pu lsões internas e as de uma ou tra cultura, provoca
o impensado emergem nos
comunicativa que ultrapasse podem participar de decisões idealizações para a convivência emba tes e desenha outras
contornos das cidades trazidos
a oralidade e a escrita . importantes. muitas vezes ao social pacífica. formas de relação .
pelo narrador em seu traba lho
lado de engenheiros projetistas. de memória.
oferecendo uma visão original V de Vingança,
e audaciosa para as questões de Alan Moore. história em quadrinhos que reflete a respeito Sonhos de transgressão,
e problemas da cidade . da influência de regimes políticos totalitários e tirânicos sobre de Fátima Mern1ssI. narrativa que
os corpos e mentes das pessoas, que apenas supostamente apresenta. sob o ponto de vista de
O sorriso etrusco, controlam suas emoções e ações. Mostra formas individuais uma mulher que foi rnada em um
de José Luis Sampedro, romance sobre e particulares de resistência política. com traços de terrorismo harém, o esforço de que as mulheres
camponês acomelldo de grave doença que Os meninos da Rua Paulo, poético, como a subversão de ciladas autoritárias. ~ . são capazes para subverter regras e
vai se tratar na cidade grande. Vale notar os
momentos entre o avó e o neto em que a
1magInação toma conta e eles vivem situações
de Ferenc Molnár, descreve o cotidiano de duas turmas
de crianças que disputam um terreno baldio para suas
bri ncadeiras. Preste atenção na batalha final pelo
Um rio chamado tempo, uma casa chamada terra .
de Mia Couto, romance que con ta o retorno do protagonista
r leis altamente restritivas e buscar a
libertação de um cot1d1ano opressivo
e com pequenas perspectivas. A vida
como dois parceiros Inseparáve1s. mostrando à sua terra natal. após a morte do pai. Seu reencontro com as lá fora só é vista e conhecida por essas
terreno, que é traçada meticulosa mente com respaldo
que o convlv10 intergeracional pode ser mais raízes e referências culturais da tradição oral africana traz à tona um mulheres pelas frestas dos muxarab1s
em atividades do mundo adulto, assim como num
que benéfico - pode dar sentido à vida . imaginário envolvente e sedutor. cheio de magia e encantamento e pelas histórias que contam
forte código de ética .

~
,,
1 A contribuição da
'1111,
Educação não-formal para
Ili//;, /, ; a construção da cidadania
/, I ' ' Maria Sergio Cortella
~

É preciso deixar claro desde


o início: Educação não-formal
é um conceito que precisa ser
identificado com E maiúsculo,

de modo a não deixar qualquer


suposição de que se trata de
modalidade inferior, menos nobre
ou amadora! Não é inusual que
haja desvios na percepção sobre o
caráter plenamente educativo da não-
formalidade, em função da adaptação
a certos padrões de referência que
resultam exclusivistas.
Em nosso país, não é
possível falar em "resgate"
A "esquina da briga " ! A briga é uma (pela dign idade
da cidadania. Nunca tivemos coletiva); as esquinas das pessoas muitas são. A lguns brigam no
cidadania plena e, poder oficial, outros na escola; algumas brigam nas organizações
não-governamentais, outras no partido, outros na Educação não-
por isso a questão real é a formal, alguns no espaço público, outras no privado . Paulo Freire

construcão :,
da cidadania insistia : na vida, você pode até mudar de esquina; o que não pode
é mudar de briga ...
A Educação não-formal é uma das " esquinas " utilizadas por
muita gente séria para poder combater esse bom combate:
O fato de alguns ou algumas apequenarem a Educação, construir uma cidadania a ser coletivamente fruída, marcada pela
diminuindo a maiusculinidade que sempre deveria haver, decorre justiça e pela paz .
mais de equívocos e ineficiências presentes em quaisquer prát icas Precisa definir? Então, vamos: paz? Estar em ou ter paz é não
do que, de fato, de uma natureza própria ao não-form al. ser atormentado pela ausência de socorro de saúde, de t raba lho
Vale, também, marcar de começo: em nosso país, não é honroso, de religiosidade livre, de lazer frutífero, de sexual idade
possível, como vez ou outra ocorre, fala r em " resgate " da saudável, de escolaridade completa, de Educação libertadora, de
cidadania, pois esse termo supóe a existência de algo que se habitação acolhedora, de alimentação suficiente, de democracia
perdeu e que, agora, devemos ir buscar novamente. Nunca ativa, de amorosidade correspondida . Em suma : não ter carência
tivemos cidadania plena e, por isso, a questão real é a construção de vida abundante .
da cidadania. Só assim, podemos indicar certas contribuições da E justiça? É todas e todos terem paz ...
Educação não-formal nessa obra conjunta.
Paulo Freire, que em 19 de setembro de 2006 fari a 85 anos,
sempre dizia que há uma única "briga" na vida que vale a pena A Educação não-formal é
ser brigada: a briga pela dignidade coletiva! Era o que o utro Paulo
(o apóstolo dos cristãos) chamava de "bom com bate" , aquela lida
uma das "esquinas" utilizadas por
que honrava o combatente e justificava o esforço. Mas mestre muita gente séria para poder combater
Paulo, saudável criança crescida na Casa Ama rela, no Recife, dizia
ainda que cada um e cada uma de nós briga em uma ,, esqu ina " . esse bom combate: construir uma cidadania
Lembra-se, dizia ele, daquela história da esquina da briga? "Te
a ser coletivamente fruída, marcada
pego na esquina! Te espero na esquina!" Coisa de menino ou
jovem, em uma época em que a • 1- . . .
v10 enc1a Juvenil se resumia a
pela justiça e pela paz
rusgas episódicas, depois desfeitas com brevidade.
Gosto muito de retomar um trecho do discurso de Paulo Também nós não devemos "miopizar" nossa óptica. É
Freire quando, em 1986, recebeu em Paris o prêmio Educação inegável o papel massivo que vem cabendo à Educação formal na
para a Paz, da Unesco: atenção mais focada no direito subjetivo constitucional, aquele
que deve cumprir o mandamento "Dever do Estado, direito do
De anànimas gentes. sofridas gentes. exploradas gentes aprendi cidadão" ; cabe, inclusive, dar conta da exigência de laicidade,
sobretudo que a paz e fundamental, 1nd1spensável. mas que a paz publicidade e universalidade que a correta legislação requer. A
implica lutar por ela. A paz se ena, se constrói na e pela superação Educação formal, na vertente escolar público-estatal, atende a
de realidades sociais perversas. A paz se ena, se constrói na mais de 85% das matriculas da Educação básica brasileira, o
construção incessante da Justiça sooal. Por isso, não creio em que, sem dúvida, já dimensiona o impacto e a importância que
FRE'RE, Paulo. " Educar para a paz"
nenhum esforço chamado de educação para a paz que, em lugar essa atividade tem para uma democracia cidadã.
ln: Gadom, Moac,r (org.).
Paulo Fre,re: uma b1ob1bliografia. de desvelar o mundo das inJust1ças, o torna opaco e tenta No entanto, o aparato estatal em Educação formal não esgota
São Paulo: Cor:e::IIPF/Unesco, 1996. p. 52. miopizar as suas vítimas. 1 nem a demanda nem a capacidade civil; a presença de estruturas
compartilhantes de escolarização, como escolas públicas não-
estatais - sejam as comunitárias, sejam as confessionais -, se
soma ao setor privado (muitas meramente mercantis).
Ora, como Educação não é sinônimo de escola, dado que
esta é parte daquela, tudo o que se expande para além da 47
formalização escolar é território educativo a ser operado. Ademais,
se essa operação compartilhante na Educação não-formal
pretende a consolidação de uma sociedade com convivência justa
e equânime, a cidadania em paz é o horizonte.
É nesse momento, o do desejo sincero de construção de uma
cidadania repleta de justiça e paz, que a Educação não-formal

1
desponta como uma das fontes de elaboração de futuro. Afinal,
como sempre lembramos, a Educação formal (especialmente em
sua versão escolar) é necessária, mas não suficiente; o contrário
vale também. A empreitada para a edificação de vida coletiva
abundante é de tal dimensão que exige, claro, que redobremos
os esforços nessa direção.

1 1
Atenção no verbo propositadamente usado reclobrar1
Redobrar significa acrescentar mais ainda, pois, se o dobro Já
e "vezes dois", 1mag1ne fazê-lo crescer de novo. Redobrar não é
dividir; e multiplicar, assim como a tarefa que temos não pode
acolher uma d1v1são, mas, sim, uma repartição Pode parecer
mera filigrana semântica, mas, no sentido que dese1amos usar, Mario Sergio Cortella
dividir implica d1m1nu1ção, enquanto repartir reforça o con1unto.
Por isso, na construção da Cidadania, as Educações formal e
não-formal que forem eticamente comprometidas repartem Rei nações de Narizinho , Meu pé de laranja lima, Os irmãos Karamazov,
práticas que são amiúde diferenciadas, com freqüênCJa em de Monteiro Loba10, universo de José Mauro de Vasconcelos, de Fiodór Dostoiévski, obra
espaços não-1dênt1cos, com caminhos que nem sempre se da fantasia, da alegria e da tristeza e riso no encontro da estupenda, incomodativa, com
entrecruzam, mas com um obJet1vo comum. curiosidade infantil; um livro solidão e abandono que vive Zezé, aquela alma russa que mostra
Assim, esforço redobrado! que impregna as memórias para pobreza vitimante e dignidade o confronto teísmo/ateísmo,
sempre e que me deu o gosto bela, diálogos do humano menino aderente ao parricídio que
pela aventura, pelo Sítio do com a árvore frutífera (ambas expressa um pouco a derrota
P1capau Amarelo e pela unidades de carbono, na nossa vitoriosa dos desesperados.
poss1bil1dade de, como diz o química orgânica), gerando uma
centenário poeta Manoel de mistura de emoção, pieguismo
Barros, " voar fora da asa" ... delicioso e compaixão, construindo
minha eventual melancolia.

Quarup , O nome da rosa , Criação,

de Antonio Callado, romance de Umberto Eco, território do de Gore Viciai, história


que reconta a história do Brasil sagrado e do profano, o mundo romanceada de momentos do

dos meados do século XX até a da religião e do mistério policial, século V a.e. na antiga Pérsia,

ruptura da democracia e mais os assassinatos dos monges e a com passagens pela Grécia, lndia

além, tudo pela vida de Nando, tola causa para isso, o labirinto e China, os encontros de Ciro
Marie Sergio Cortella
de livros de uma biblioteca (neto de Zoroastro e embaixador)
padre, indigenista, militante
inesquecível, um século XIII na com Confúcio, Sidarta (o Buda),
político, amante; os conflitos
Europa que se aproxima de nós pensadores gregos e, antes de
existenciais que o livro traz à tona
com suspense e perturbação. tudo, a procura obsessiva por
só se comparam a aqueles vividos
entender as nossas origens.
por Ivan, um dos irmãos
Karamazov.
Diversidade cultural:
força social e patrimônio
de uma nação
Rita Amaral

Embora o homem seja


~ biologicamente igual em todo
o mundo, o comportamento
e os valores humanos diferem
de acordo com cada cultura
e até mesmo entre grupos de
indivíduos numa mesma cultura

Além de existirem cerca de 6 mil povos


em contato distribuídos pelo planeta,
há "subgrupos" que se diferenciam

-
quanto a religião, estilos de vida,
opções sexuais. ideologias políticas etc.
Esse conjunto de diferenças dá lugar
a uma variedade de visões de mundo,
valores, crenças, práticas e tradições que
constituem a identidade de cada povo e o esplendor de sua a diversidade, ela não analisa as diferenças observáveis apenas,
presença no planeta. Porque a diversidade cultural é um precioso mas atribui a essa noção um lugar específico na explicação dos
conjunto de experiências e inteligências, imprescindíve l às fatos. A antropologia tem como princípio metodológico a asserção
complexas formulações e atuações em diversas áreas da vida, de que a diversidade não existe em si mesma, como um dado real :
testemunhando sua singularidade e desenvolvimento histõrico, para ela, diferença é uma categoria social e relacional que se
constrói com base em experiências que se defrontam, cabendo ao
antropólogo o esforço de delineá-las a partir de seu ponto de
Entre as mais importantes tarefas que vista teórico . Para essa disciplina, ser diferente pressupõe o auto-
reconhecimento e o reconhecimento social como tal. A dimensão
se impõem às nações, há esta, bastante complexa da identidade (individual ou coletiva) inclui sempre, portanto, a

(e estratégica, pois influi nas demais): compreender da alteridade. É isso o que define a bidimensionalidade das
identidades: o "ser igual, mas de outro jeito", percebendo-se

os mú ltiplos pensamentos sociais semelhante aos outros e, ao mesmo tempo, afirmando a própria
diferença enquanto indivíduo ou grupo. Desde o século passado
tem havido um enorme esforço da antropologia em demonstrar a
pode-se pensá-la como um "código genético " que registra todo o unidade humana, estudando e comparando culturas e provando
potencial de evolução de uma sociedade. Além de idiomas que as diferenças são formas de ordenação estrutural que 55
particulares, cada povo desenvolveu distintas artes e mitos, correspondem a compreensões, formulações e soluções distintas
conhecimentos sobre meio ambiente, técnicas de cultivo da terra, de questões e de problemas semelhantes. No estudo comparativo
tecnologias, conhecimentos médicos e farmacológicos, diferentes das culturas, o problema principal tem sido o de elaborar categorias
modos de organização social, de parentesco, de traba lho e troca, suficientemente amplas para ser aplicadas a todas as culturas que
estilos de relacionamentos, formas de religiosidade, de moradia, de se estuda e, ao mesmo tempo, suficientemente específicas para
vestuário, de alimentação, de transporte etc., constituindo-se em diferenciá-las ou assinalar similaridades que sejam mais que
repositório vivo de saberes, fazeres e de entusiasmo criador. Assim, " aproximações" . Esse problema deu origem a duas posições sobre
entre as mais importantes tarefas que se impõem às nações - como a interpretação da "natureza" da cultura : a que sustentava a
combater a miséria e a desigualdade social, garantir os direitos relatividade das culturas e a que sustentava a universalidade das
humanos, preservar o meio ambiente e outras-, há esta, bastante mesmas. Os relativistas extremados negavam que se pudessem
complexa (e estratégica, pois influi nas demais), de compreender os elaborar categorias ou proposições que fossem ao mesmo tempo
múltiplos pensamentos sociais. Isso implica, também, perceber e exatas e universais porque sustentavam que cada cultura era única
valorizar os múltiplos sentidos da diversidade cultural como força e, portanto, devia ser analisada mediante suas próprias categorias.
social e patrimônio de cada nação e da humanidade. Segundo Franz Boas ', cada cultura é única porque é produto em
A antropologia analisa a diversidade cu ltural por meio de parte da casualidade e em parte de circunstâncias históricas
uma construção teórica que " produz" a dessemelhança no plano irrepetíveis. Boas também enfatizou a independência dos ' BOAS, Franz. Race. language and culture.
fenômenos culturais com relação às condições geográficas e aos New York: The Free Press, 1940 l1936I
dos conceitos. Isso significa que, quando a antropologia considera
determinantes biológicos, afirmando que a dinâmica da cultura canibalismo, a escravidão, a tortura física, a violência contra as
está na interação entre os indivíduos e a sociedade. Ruth Bened1ct 2 mulheres, simplesmente porque são práticas de "outros povos"?
dizia que cada cultura é uma expressão única e legitima das A crescente heterogeneidade das sociedades com a intensificação
potencialidades humanas e, em conseqüência, não pode haver das migrações e das interações étnicas, a globalização das relações
normas universais de prática cultural. Também Alfred Kroeber' interculturais e os movimentos em favor dos direitos humanos
pensava que não sena possível elaborar categorias gerais nas quais apontam direções que não podem mais se fundar nos conceitos
se pudessem incluir, de maneira exata, todos os fenômenos clássicos de cultura e de relativismo cultural. O respeito pelo outro
particulares de todas as culturas; portanto, as chama das diferente mostra-se cada vez mais em função do modo como
"categorias universais" eram inoperantes, e, conseqüen temente, são reconstruidas e modificadas as interações do que do
não funcionais quando se tratava de aplicá-las. Essa perspectiva apns1onamento dos homens nas fronteiras de definições estáticas.
teórica, denominada relativismo cultural, e as perspectivas desde Vê-se que as coisas não podem ser levadas a extremos e que
as quais julgava e analisava uma cultura implicaram uma série de é possível usar critérios antropológicos de maneira ampla para
avaliar o que poderíamos chamar de um " racionalismo universal",
como valores, instituições, padrões e costumes que contribuem
A g loba li zação das relações interculturais para a sobrevivência da espécie e para a integridade de cada grupo
social. O relativismo cultural se justifica, portanto, como uma
e os movimentos em favor dos direitos human os posição metodológica na investigação de culturas particulares e,
:ié
apontam direções que não podem ma is para isso, é de grande utilidade; mas não devemos usá-lo como
princípio orientador da análise antropológica ou política, uma vez
se fundar nos conceitos clássicos de cultura que contesta a adoção de valores de outras culturas - mesmo dos

e de relativismo cultural que se considerem vantajosos. A tendência para a marginalização


do relativismo resulta da evidente necessidade de comunicação
entre os diferentes numa sociedade em que o diálogo é uma
questões polêmicas. Ê o caso, por exemplo, do relativismo moral, condição sine qua non de seu funcionamento. O simples
para o qual os valores morais são válidos somente dentro de cada abandono do relativismo cultural não garante, entretanto, maior
cultura e, inclusive, de cada circunstância. De acordo com essa justiça social e respeito pelo outro (as questões de poder
proposição, não teríamos o direito de desaprovar a crueldade nem permanecem como sinal diacrítico no contexto das interações
a desumanidade aparentes de outros povos, porque estaríamos globais crescentes): a ruptu ra com os aspectos constrangedores do
projetando nosso próprio sistema de valores para além do único relativismo e do etnocentrismo precisa ser acompanhada pela
contexto em que este é legitimo. Portanto, o relativismo fechado democratização das instituições e pela promoção de reais
' BEMEDICT, Ruth. O cnsántemo e a espada. oportunidades (além das formais e legais) educativas, sociais,
cria um problema moral peculiar aos seus princípios: devemos
São Paulo: Perspectiva, 2006 [1946].
' KROEBER. Alfred. Antropologia general. aceitar como justificado qualquer costume, por contraproducente econômicas e pollticas.
Trad. Jav1er Romero. México: Fondo e angustiante que nos pareça, na medida em que faz parte de Se a igualdade humana ainda é um objetivo a ser perseguido,
de Cultura Econom,ca, 1947. "outra cultura" 7 Não temos o direito de condenar o genocídio, o desde os anos 1970 vivemos um novo contexto cultural e
ideologico, no qual se amplia a consciência da d1vers1dade problema em circunstâncias específicas, nas quais prepondera um
humana de fato: desde a cor dos olhos e da pele, passando po r t ipo ca racterístico de relação social : a de busca da integração dos
preferências sexuais diferentes, até a origem regional e fami liar, diferent es a essas totalidades. Não é por acaso, portanto, que
tradições, formas de religiosid ade, hábitos e gostos, estilos de vida hoJe se fala m ais em " multiculturalismo" e "pluralidade cultural"
etc. E tem-se buscado fazer dessa diversidade de fato uma e menos em " diferenças culturais" .
diversidade também de direito. Essa é uma busca extremamen te A 1dent1dade cultural é um dos requisitos para o acesso
complexa, uma vez que a identidade coletiva se define, cada vez à cidadania. A noção de Estado-nação, essencial ao conceito de
mais, em termos de et nicidades, cultu ra, herança, tradição e estilos cidadania, supõe o sentimento partilhado de pertencimento e
de vida, valorizando o direito à diferença e à au todeterminação, lea ldade consolidados pela língua, pelas tradições culturais e
caminhando na con tramão do processo de globalização. A pelos valores comuns. Assim, a cultura e a identidade da nação
pergunta inevitável é: queremos ser iguais ou diferen tes? Como fund amentam-se na herança histórica comum e, no caso do
proteger a igualdade sem desqualificar aquilo que marca a Brasil, numa memória oficial homogeneizante. A idéia de
identidade nacional, contudo, é uma abstração que oculta as
fraturas de uma nação carente de direitos. Como observou Paula
A perg unta inevitá vel é: queremos ser Montero', há mais possibilidade de sentir-se brasileiro nos
lugares sociais onde a solidariedade humana é possível, como

52
iguais ou diferentes? Como prote ger nos grupos organizados em torno das ações civis . Mas é

a igua ldade se m desqu alif ica r aquil o qu e necessário perguntar se o tipo de identidade que se pode
construir nesses lugares não é muito mais a de oprimidos, a de
marca a diferença cu ltura l? desprovidos de direitos, a de membros extraviados numa ordem
social perversa. Pode-se encontrar a positividade da diversidade
cultural desses sujeitos? Ou eles se identificam e se relacionam
dif erença cultural 7 As reivindicações de autonomia étnica cujos pela falta de direitos e pela impotência de transformar a
focos são voltados apenas para si , beirando a intolerância ou o desigualdade em diferenças? O " diferente", em muitos casos,
etnocentrismo, não podem ser vistas, pqr exemplo, como ameaças pode ser apenas aquele que não tem seus direitos reconhecidos,
aos mecanismos de integração até aqui assegurados pelos Estados como os idosos, os deficientes e os homossexuais. Ao resolver-se
e partidos políticos de massa? o problema dos direitos, perde-se a dimensão da diferença. Mas
As dif erenças cultura is não são problemas em si mesmas. Elas a diversidade cultural pode prosperar quando a sociedade for
são vistas como problemas quando pessoas, grupos ou instituições democrática e igualitária de fato e o bastante para permitir que
se empenham em fazer parte, com suas diferenças de costumes, os grupos - religiosos, imigrantes, estrangeiros, negros,
• MONTERO, Paula . "D1vers1dade
visões de mundo e valores, de totalidades relativamente mulheres, lndios, entre outros - resistam à discriminação,
cultural : inclusão, exclusão e sincretismo ·.
homogêneas, como a nação, a sociedade, a cidadania etc. Assim, desenvolvendo suas diferenças sem receios. /n: DAYRELL, Juarez (org.). Múltiplos
mesmo que as diferenças culturais constituam um dado das O multiculturalismo como premissa de conceituação em olhares sobre educação e cultura.
Belo Horizonte: UFMG, 1996.
sociedades humanas, a diversidade só se apresenta como vários domínios das políticas públicas e práticas sociais que
almejam a construção de uma sociedade multiétnica tem globais. É preciso reconhecer, portanto, o caráter político da
constituído, em alguns países, tema de debates e polêmicas noção de identidade cultural, que pode ser múltipla, contraditória,
intermináveis, confrontando diferentes posições ideológicas provisória e que, ao mesmo tempo, expressa um modo próprio de
quanto aos melhores meios de promoção da igualdade de ser, influencia as formas de ver, sentir, pensar e agir das demais
oportunidades. Nesses debates são utilizados conceitos de áreas identidades em relação às quais se afirma. Conforme se inserem
também diversas, como a biologia, a sociologia e a antropologia. no conjunto das relações sociais, diferenças, afinidades,
Esta última tem influenciado bastante o pensamento polarizações e antagonismos ganham conotação de estratégias
multiculturalista, que, de certo modo, pode ser visto como uma no jogo das forças sociais, permitindo a manipulação de
espécie de "antropologia aplicada" . Nele, os conceitos de cu ltura características e símbolos em codificações ou reificações de
e de relativismo cultural são centrais, embora com usos e diversidades, hierarquias e desigualdades. É assim, por exemplo,
implicações ideológicas diferentes dos da antropologia teórica, que as ideologias raciais tornam-se forças sociais determinantes,

Aqueles que vivem em


É preciso ter sempre em vista que a identidade sociedades pluriculturais podem
cu ltural é um momento da consciência social, conceber a realidade em seu dinamismo,
60 contemporânea e manifesta, mas transitória e em 61
pluralidade, policromia e polifonia.
constante transformação Podem conviver com a plenitude humana
o que é importante considerar. Porém, apesar dessa proximidade, o legitiman do e recriando hierarquias e desigualdades ditas
diálogo entre ambos não tem sido o desejável e nem constante. "raciais", mas que, na realidade, são sociais, no sentido de que são
Ê preciso ter sempre em vista que a identidade cu ltural é um ao mesmo tempo econômicas, políticas e culturais. Aqueles que se
momento da consciência social, contemporânea e manifest a, fecham numa cultura, nação, religião ou grupo tendem a crer que
mas transitória e em constante transformação. Os indivíduos e seu modo de viver e pensar é absoluto e inabalável, vendo aquilo
coletividades estão ininterruptamente se definindo e redefinindo que contradiz seus padrões como "anormal", inferior ou ruim.
mutuamente. Desenvolvem sistemas de idéias que classificam o Aqueles que vivem em sociedades pluriculturais podem conceber
" outro" como diferente ou igual, familiar ou exótico, antagônico a rea lidade em seu dinamismo, pluralidade, policromia e polifonia .
ou não. Elegem características étnicas e/ou traços físicos para Podem conviver com a plenitude humana.
marcar, aproximar, afastar, discriminar ou oprimir. De modo geral, A diversidade cu ltu ral é, como se pode perceber, necessária
o "outro" é socialmente (re)elaborado de modo a transformá-lo ao desenvolvimento social. Ela é o grande espelho em que a
em igual, diferente, próximo ou distante, exótico, estrangei ro, humanidade se reflete e se vê, impedindo a cristalização dos
potencialmente amigo ou inimigo, independentemente de suas conceitos humanos sobre si. É um vigoroso dinamismo coletivo
características étnicas, conforme atuem as forças políticas locais e que assegura e resguarda o desenvolvimento humano, pois os
valores culturais são a energia que mantém as sociedades vivas.
São eles, também, que permitem compreender o Homem como
ser social ao analisarmos as redes de significados que con formam
cada cultura e as particulares articulações de valores den tro de
cada uma. Não se trata, portanto, de meramente elencar a
contribuição de cada grupo para o patrimõnio nacional o u Rita Amaral
mundial, mas de compreender que a diversidade cult ural é uma
fonte inexaurível de criticas, inovações, intercâmbios, criatividade
e inspiração. De originais e const rutivas formas de vida, crença e Os pastores da noite, O que faz o Brasil, Brasil?,
organização, preenchidas por conteúdos coletivos a partir da de Jorge Amado, apresenta três histórias de Roberto DaMatta . Analisando as mais expressivas
afirmação da alteridade e da busca de novas linguagens para exem plares da sintese da diversidade manifestações culturais brasileiras, como o carnaval, e
exprimir os novos teores. Admiti-la e sustentá-la é reconhecer cu ltural brasileira, costuradas com a força procissões religiosas, os hábitos alimentares e o futebol,
que temos o direito e, às vezes, o dever de divergir; de ter e dos orixás na Bahia . Especial recomendação o autor mostra como vários "Brasis" se ligam entre si,
enunciar opiniões diferentes que expressem momentos e/ ou para o episódio "O compadre de Ogum". expondo o modo como o país pensa a si mesmo.
lugares distintos de compreensão de um mesmo f enõmeno. É
produzi r inteligência e favorecer as gerações presentes e futuras,
pois é por meio da cultura que uma sociedade se expressa e Novas cartas edificantes e curiosas do Aventuras de Robinson Crusoé,
pensa sobre si mesma. Deixar perder-se a prod ução cultural de Extremo Ocidente por viajantes chineses de Daniel Defoe, conta a história de
um povo e/ou impingir-lhe outra é empobrecê-lo, privan do-o de na Belle Époque: 1866-1906, Robinson, marinheiro inglês que sobrevive
sua principal força. de André Lévy, mostra, por meio do relato de viajantes, o a um naufrágio e passa a viver numa ilha
Se não quisermos vive r num mun do monótono, encontro entre os chineses e os europeus da Belle Êpoque, deserta do Caribe, enfrentando a fome, o
globalizado, desprovido de conteúdos, valores, símbolos e sob a visão oriental, para a qual o "resto" do mundo frio, os perigos da selva e a solidão. Trinta
tradições que nos digam respeito di retamente, é preciso aceitar também era terra de bárbaros . anos depois, chega à ilha um indígena, com
e valorizar a diversidade cultural, incent ivando-a, reconhecendo o qual Robinson estabelece uma " am istosa"
e respeitando cada povo, cada grupo cultural; garantindo seu relação de escravidão - a única que seu
direito à exp ressão, à li berdade de mudar, de fa zer parte da Maira: um romance dos índios etnocentrísmo permitia conceber.
cultura mun dial sem ser isolado, repudia do ou subestimado por e da Amazônia ,
Rita Amaral A importância de viver,
ser diferente. Pois será a força emanada dessa diversidade, de Darcy Ribeiro, conta a história de Avá, um
----~:Jcooça, ,jo ... ·cra err C. ra:,
sujeito e objeto de si própria, que, no processo de globalização, índio que, convencido a seguir o sacerdócio, de Lin Yutang, combina a milenar sabedoria
:::e a ..,r €f") dade c1= 5do Pa ... o
'=' ::.cs-do ... ·r:.rada ern Etnologia im pedirá que a vida hu mana seja reduzida a si mples pretexto questiona sua fé e entra em conflito por ter do Oriente com a experiência ocidenta l do
-~ . .o-3--a:s era,...~ e ~J 1..,seu de Ar11ueo1og1a para ci rculação de mercadorias. autor, que viveu nos EUA, apresentando a
abandonado seu povo. A narrativa nos
e E•-ooga da USP, dedca-,e
"arte de viver" e ensinando, entre outras coisas,
e,r rc ::ia r-'='.-+e ~; ...... t ... do d;;is e_. 1Yas permite desvendar a visão de mundo dos
t.ras F .. ~ e ,:/ro-bra., Pra, rfa "como se pode ser feliz ", " a arte de trabalhar"
índios urubus-caapores, a importância dos
r ú'- ... m da i:- da ryherru Jra e "arte de não fazer nada ".
mitos e o papel do homem e da mulher.
Ofício dos pontífices:
a importância da
articulação comunitária
Ecio de Salles

Em um conhecido poema,
João Cabral de Melo Neto
escreve que um galo soz inho
não é capaz de produzir
a manhã

Para isso, seria necessário que o canto


deste se unisse ao de outros, até que o
conjunto sônico de todos os galos
finalmente tecesse a manhã. Essa é uma
forma poética - e, por isso mesmo, não
menos importante que qualquer outra
- de narrar a força do coletivo, a
importância de os indivíduos ou grupos
de indivíduos se articularem no sentido
de potencializar suas ações.
O campo gravitacional no qual transi ta a expressão No tícias. Era um Jornal dedicado à divulgação da cultura negra em
articulação comunitária reúne pa lavras que se atraem geral, com ev1deme destaque, ao longo de sua história , para o
mutuamente: inclusão, fortalecimento, capacitação etc. São reggae, o mmo dos blocos afro e o hip-hop. O amadurecimento
termos diferentes entre si, mas que deixam perceber um destino político do grupo que editava o Jornal conduziu à idéia de
compartilhado: a perspectiva de ampliação ou universalização dos implementar uma ação social voltada para as favelas.
direitos e o aprofundamento democrático.
Por um lado, ela designa a capacidade de determinados
grupos em desenvolver o seu trabalho com organicidade e
os movimentos dos jovens têm sido
legitimidade nas comunidades onde se estabeleceram. Nos responsáveis pela produção de uma nova
últimos anos, os movimentos dos jovens - em especial dos
jovens negros e pobres - têm sido re sponsáveis pela subjetividade das periferias do Brasil
produção de uma nova subjetividade das periferias do Brasil.
Transformaram suas comunidades, a partir de uma dinàmica Em agosto do mesmo ano, qua ndo o AfroReggae já se
que combina comportamen tos de resistência com os das preparava para in iciar um projeto em outra comunidade -
redes sociais de produção, inaugurando espaços de criação e Cantagalo ou Aca ri -, teve lugar o evento que marcaria terrível e
de "trabalho comum" ' . sombriamente a história da cidade do Rio de Janeiro: a chaci na de
O caminho que levou ao êxito desses grupos passa, em parte, Vigário Geral. Ao todo, 21 pessoas inocentes mortas em uma ação
67
por sua inserção no cotidiano das comunidades. Nem todos os brutal de pol icia is militares disfarçados, que vingavam a execução
grupos mencionados aqui têm sua origem nos locais em que de colegas de farda , mortos no dia anterior por traficantes locais.
atuam (e mesmo essa "ori gem" não seria por si gara ntia de Esse episódio revelou a força de mobilização de um único
legitimidade). Aqueles que obtiveram os melhores result ados cidadão, indignado com a sucessão de chacinas ocorridas no Brasil
nesse processo são os que, ao entra rem em contato com o àquela época (com efeito, aquele começo de década destacou-se
contexto socia l no qual investiram, a um só t empo modifi caram e por uma escalada de violência impressionante, traduzida numa
se permiti ram modifica r por ele.
seqüência de massacres, como o dos ianomâmis, no norte do pa ís;
A trajetória do Grupo Cultural AfroReggae, ONG do Rio de o dos presos no Carandiru, em São Paulo etc. ). O cidadão em
Janeiro hoje presente em cinco favelas na cidade, forn ece um bom quest ão, de nome Henrique, mas conhecido simplesmente como
exemplo de negociação com a dinâ mica do cotidiano de uma Zé, na intimidade, resolveu promover uma caminhada unindo a
comunidade da qual o grupo não fazia parte. Também é expressiva Candelária, no centro da cidade - onde havia acontecido, com um
de um processo de articulação mobilizado, inicialmente, por um mês de diferença, outra chacina, de menores de rua - , a Vigário
único cidadão. Sua in iciativa e insistência acabaram resultando Geral , na extremidade da Zona da Leopoldina, já na franja da
numa rede de relações que tiveram impacto signifi cativo sobre a
IEGP.I, .Antonio e COCCO, Giuseppe. Baixada Fluminense.
Glob(ALJ: biopoder e luta em
favela de Vigá rio Geral, no Rio de Janeiro.
Apesar de um tanto quixotesco, o gesto do Zé deu certo. A
uma América Latina globalizada . O Grupo Cultural A froReggae foi fundado em janeiro de marcha aconteceu e, através dela, o AfroReggae entrou em
Pio de Janeiro: Record, 2005. p. 57 . 1993 com o lançamento da edição número O do Afro Reggae Vigário Geral. Uma vez estabelecido na comunidade, o grupo
1m rt nte foi a per epção,
1nterpessoa1s, a f,m de dar consistência ao processo de articulação
comunitaria A prática do diálogo no contexto do trabalho em

rup , de p áti a e saberes favelas requer atenção à dimensão afetiva Ao cuidar dos aspectos
sensíveis que marcam o desenvolvimento da política especifica das
re en e de algum modo ONGs nas comunidades onde atuam, as exigências de

1dia no da comun idade lucra11v1dade ou da "ef1c1ênc1a" ca pitalista ficam em segundo


plano. Não e um acaso que em depoimentos de gestores de
em,dades como Jose Junior (do AfroReggae), Tia Dag (Casa do
passou a desenvolver uma série de projetos sociais, com destaque Zezmho) ou Ja1lson de Souza (Observatório de Favelas) apareçam
para aqueles ligados à cultura, com oficinas de música, dança, relatos de 1m est11nentos sem capital - seus projetos e idéias,
circo, teatro e capoeira, entre outras. O dado mais importante foi munas ezes, se realizaram e continuam se realizando em
a percepção, por parte do grupo, de práticas e saberes Já presentes contradição com a planilha orçamentária .
de algum modo no cotidiano da comunidade - a sua linguagem Nessa perspect iva, abre-se a possibilidade de 1nvest1mento, a
fazia sentido aos ouvidos dos jovens moradores dali. Em pouco partir do campo cultu ral, em outra vida possível, afetando o
tempo, o AfroReggae se tornou parte de Vigário, assim como a movimento da vida socia l e associando-se a ele numa recusa
comunidade passaria a fazer do grupo. E não se trata apenas de dec1d1da de acomodar-se à ordem dominante. Ê por isso que,
um sentimento de pertença, que também houve, mas de um apesa r de a forma de organização pelas ONGs encontrar limites à 69
processo que se dá objetivamente: desde cedo, jovens de Vigá rio sua atuação - o risco de cooptação, devido a sua adesão à grande
Geral e de outras comunidades onde o grupo atua ocupam post os mídia; o desvio do sentido de suas lutas ao participar de redes
importantes na coordenação dos projetos e da própria instituição. abrangentes, com setores das classes dominantes etc. - , no fim
O AfroReggae não é um caso isolado. ONGs como a Cia. das contas não cessam de elaborar a cultura popular como
Étnica de Dança, o Nós do Morro e o Observatório de Favelas, no "gestos ritualíst1cos de produção de subjetividade autónoma por
Rio de Janeiro; a Casa do Zezinho, o Cedeca e o CD HS, em São parte dos pobres", como define Muniz Sodré'.
Paulo; o Espaço Cubo, em Goiãnia; o Magê Molê, no Recife; e o Por outro lado, o processo de articulação não se dá
pessoal do NUC - Núcleo da Unidade Consciente, em BH, entre apenas no interior das periferias. Uma vez realizado esse
tantos outros, não apenas oferecem seus su postos saberes a movimento, as próprias periferias, a partir da ação dos grupos
comunidades " carentes " . Antes, percebem a armadilha contida organi zados, promove um outro nível de articulação, agora com
no estereótipo da ca rência, procu rando estabelecer diálogos setores externos às comunidades - agências de fomento,
capazes de trazer à tona a potência que já está presente nos empresas, governo, mídia etc. -, visando a potencializar seus
sujeitos com quem desenvolvem seu trabalho. Com isso, form am
projetos e atividades .
quadros que - nas suas comunidades ou em outros lugares - Nas periferias do Brasil, os casos em que essa forma de
assumi rão seus destinos nas próprias mãos.
articulação foi determinante para o êxito das iniciativas -
A experiência do cotidiano, portanto, se combina com outros especialmente no que se refere a projetos ligados à educação e à , SODRÉ, Muniz. As estratégias sens,veis
fatores, como o recu rso à sensibilidade no trato das relações Rio de Janeiro: Vozes, 2006. p. 221 .
cultura - são numerosos, distribuindo-se de norte a sul do pais.
~
~:- 'J
-... 1
Nessas organizações. a música, a dança, o teatro, o circo e a
capoeira. entre ou tras. além de formas estéticas. são também
linguagens que promovem um certo diálogo, aquele capaz de
?~
produzir subjetividade - reescrever trajetória s de vida, modifica r
pessoas e comunidades. repensar a vida e transformá-la . Como
afirma George Yúdice em seu estudo sobre o assunto, a cu ltura
hoje " está sendo crescentemente diri gida como um recurso para a
melhoria sociopolítica e econômica" ' .

As exigências de Iucratividade ficam em segundo do Rio de Janeiro), este últ imo por meio de uma parceria com a
Escola de Música da UFRJ, entre outros.
plano - projetos e idéias muitas vezes se realizam Essas articulações demonstram que a organização de redes é

em contradição com a planilha uma característica forte desses agenciamentos. Não se trata mais
de fazer frente a um só foco de opressão, mas de agir junto à
orçamentária diversidade de grupos e instituições, que na maior parte das vezes
fala a partir dos m últiplos pontos de intersecção entre os vários
Esse é um aspecto, sem dúvida. fundamental do trabalho dos atores, interesses e discursos envolvidos no processo. Cada vez 71
grupos assinalados aqui . Ele está presente na maneira como mais, os grupos organizados da cultura e da educação alternativa
constituíram suas organizações: quase sempre, com a fina lidade se mostram capazes de construir esses elos. não apenas entre seus
de promover a cidadania. A Central Única das Favelas, organização pares. mas igualmente entre outras instâncias da sociedade, como
cari oca da qual faz parte o rapper MV Bill, informa que um dos agências de fomento e, às vezes, o Estado ou grandes empresas
objetivos da entidade é "desenvolver e promover atividades com privadas. É o que eu designaria como o "ofício dos pontífices ".
as comunidades carentes nos campos da educação, cultura, Nos grandes centros urbanos, os últimos tempos são
cidadania e desenvolvimento humano em prol da melhoria da marcados pelo recrudescimento da pobreza. da violência e da
qual idade de vida"'. lógica do conflito . São cada vez mais nltidos os contornos de
Ainda no Rio de Janeiro, a força do entendimento da cultura uma lógica de fechamento, de tensões aparentemente
como ferramenta de transformação social e humana suscitou a irreconciliáveis. Parte da classe média opta por se enclausurar em
criação da Rede Socia l da Música. Trata-se de um espaço de condomínios fechados, onde a segurança muitas vezes é mais
interação e cooperação entre ONGs, entidades e projetos que importante que o conforto - uma canção do grupo O Rappa
' YÚDICE, George. A conveniência da
cultura: usos da cultura na era global. trabalham com música. facilitando o intercâmbio de informações, expressa esse mecanismo: "Os muros do condom ínio são pra
Belo Horizonte: Editora UFMG. 2004 . experiências e conhecimen tos, além de promover iniciativas trazer proteção/mas também trazem a dúvida se é você que está
• Brazilian Artists.net. Disponível em: cooperativadas. Hoje, dezenas de organizações integram a rede, nessa prisão" ' . YUCA, Marcelo. • Minha alma
http://www.brazil1anartists.neVevents/mvbilV entre as quais a Associação Respeita Ja nuário (Recife), o Jongo da· Enquanto isso. as fa velas são cuidadosa e ha bilmente (a paz que eu não quero) " ln . RAPPA, O
cufa.htm. Acesso em: 5 jul. 2007 . Serrinha. o Centro Popular de Ópera de Acari e o CEASM (todos Lado B Lado A (1999). CD
conduzidas a conter as manifestações sociais e raciais mais violentas
Por outro lado, uma part e significativa dos grupos atuantes
u arti ulação omunitári a nas penf enas, not adamente os que se valem da cultura para

rminante para o exito da desenvolver as suas idéias, atuam na direção contrária : no


questionamento e constant e enfrentamento das "fronteiras" . A
qua e empre têm como finalida de impressão inicia l e a de que 1dentif1caram os fossos que dividem e

r mover a cidadania separam as pessoas - os quais passam por questões sociais, raciais,
econõmicas, geográf icas, de gênero - e decidiram " construir
pontes " sobre esses abismos.

em seu interior, nunca fora delas. As favelas se configuram como


uma espécie de limite para os aspectos mais danosos da violência e A organização de redes é uma característica
da pobreza. O narcot ráfico é apenas a parte mais visível dessa
questão. Portanto, o problema que se coloca é não tanto o da
forte desses agenciamentos. Não se trata ma is de
separação, mas o da fronteira entre a favela e a cidade. fazer frente a um só foco de opressão, mas de ag ir
Esses agenciamentos tendem a se complexificar ainda mais
no momento em que as desigualdades sociais e a violência urbana junto à diversidade de grupos e
passam a ocupar o centro das preocupações. Nesse momento,
algumas organizações, em especial aquelas que se valem da
instituições 73

cultura como recurso, passam a invest ir fortemente na criação de Seu desafio é justamente o de criar pontes capazes de abrir
modos de aproximação entre os espaços sociais antagonizados por ao menos uma via de acesso de um lado a outro. Dai a sugestão
questões sociais, raci ais/étnicas ou geográficas. de seu trabalho como o ofício dos pontífices. Trazendo o termo
pontífice para uma interpretação laica, ele procura expressar o
trabalho realizado pelos grupos organizados nas periferias.
Segundo a Enciclopédia católica popular' , o termo, "que alguns
crêem significar etimologicamente 'fazer ponte', equivale a
sacerdote que estabelece a ligação entre Deus e os seus fiéis". Mas
aqui essa " ligação" não teria nenhum conteúdo transcendente.
Na prática, além de se investir na produção de redes em seu
próprio campo de atuação, trata-se de ligar pontos dissociados na
experiência social : favela e asfalto, elite e popular, ONGs e
empresas . Eles não solucionam os problemas do mundo, não
erradicam as desigualdades ou os conflitos, até porque são ainda • Dispon,vel em: http://www.agencia.ecclesia.
poucos e detentores de escassos recursos para isso. No entanto, pt/catol,coped1a/art1go.asp 71d_entrada= 1505.
promovem as articulações - constroem as pontes - que tornarão Acesso em: 23 Jul. 2007.
v1aveis as perspectivas de travessia, de contato, de diálogo. Um
dialogo que tera de ser qualificado no percurso, porque, ao
mesmo tempo que se dialoga, também se medem forças. No final,
apesar das contradições, ele traz à luz do dia sinais " de um
discurso que é diferente - outras formas de vida, outras tradições

- -._.\.__, Sr... art. Da aiaspora. ·dentldades e


de representação"'; se essa diferença será capaz de mudar o Ecio de Salles
-ecaç6es ec,rua,s. Be,o Honzonte: UFll,IG, mundo é difícil dizer, mas, desde já, compõe uma força
Sras,lia: Unesco, 2003. p. 3.;2_ constituinte de um novo tempo, atuante e imprevisível.
Da di áspora: identidades Por uma outra globalização,
e mediações culturais, de Milton Santos, intelectual negro e militante que nunca deixou de acreditar
livro com doze ensaios e duas na possibilidade de transformação social e na criação de um outro mundo
entrevistas de Stuart Hall, passivei. Muitas das idéias do geógrafo estão expostas nesta obra, sobretudo
um dos mais importantes a crítica da globalização como perversidade e as indicações de uma outra
pensadores dos Estudos globalização, capaz de conduzir à emancipação humana.
Cultu ra is. Obra relevante
para o contexto brasileiro, Império e Multidão,
num momento em que as Da favela para o mundo, de Antonio Negri e Michael Hardt,
questões de identidade racial de José Junior. A trajetória do são dois livros que representam uma
ocupam um lugar central Grupo Cultural AfroReggae é instigante abordagem do mundo atual
nos debates políticos e culturais, narrada aqui por um de seus e merecem uma leitura conjunta . No
seja nos meios de comunicação, fundadores. Leitura de grande primeiro, há a critica das novas formas
nas universidades, nas interesse para todos aqueles de dominação do capital, a que Negri e
instãncias governamentais engajados em movimentos Hardt denominam Império. O segundo

e mesmo nas ruas. sociais e culturais, ONGs, livro indica o novo sujeito capaz de
associações e outras formas de promover a democracia: o conjunto

Cabeça de porco, investimento político, cultural político a que dão o nome Multidão.

de Celso Athayde, MV Bill e afetivo nas favelas/periferias


e Luiz Eduardo Soares, traz no Brasil e no mundo.
histórias incríveis das viagens
dos autores pelas favelas e A conveniência da cultura: usos da cultura na era global ,
Ecio de Salles
·ea· _.,-;i 3··a-:;1 eira ::ie,::: periferias do país. Um relato de George Yúdice, propõe uma reflexão sobre a cultura e seu papel no
~ .... ., .:rdv ~,., lor- ,..r1c-:1rdo e consistente de um lado basta nte contexto da globalização, abordando criticamente o papel de ativistas, Estados
r e.,~ a ..,;::;j; ~o roo,.rj,::.: ador e organizações não-governamentais. Há dois capftulos dedicados ao Brasil: um
~,} :; .. -:.gra~~ rjç. :.d ... (acdo do
complexo das cidades
brasileiras, enfrentado com sobre o fenômeno funk no Rio de Janeiro e outro sobre o trabalho de ONGs
-:. c0 ,,- ... t...,ra A'--0 P~ggr.:e
cariocas, em especial a Ação da Cidadania e o Grupo Cultural AfroReggae.
coragem e boa escrita.
Projetos sociais e
participação popular
Sebastião Soares

Os projetos sociais costumam


ser vistos como uma espécie
de "receita para salvar a
comunidade". Mas até que
ponto isso é verdadeiro?

Se analisarmos o universo dos projetos


de perto, veremos que mu itos dos
jovens e crianças que participam deles
sequer sabem por que estão lá. Os
monitores e arte-educadores, por sua
vez, freqüentemente se preocupam
apenas em reproduzir o conceito
preestabelecido do ensino em mão
única, deixando de contextualizar os
fazeres existentes na comunidade e
apenas transmitindo os saberes que possuem. A importância do mobilização da comunidade no sentido de se apropriar dos
saber local é muitas vezes desprezada. É natural que haja um certo próprios fazeres torna-se ainda mais relevante, pois permite que se
"cansaço participativo" da população, provocado pela falta de dê seqüência às ações sem depender indefinidamente da ajuda
oportunidade de contribuir, de falar, de opinar, de ser ouvida em desse setor.

reuniões organizadas justamente com esse fim. Em última análise, os projetos populares podem até mesmo
prescindir do terceiro setor, desde que se tenha no seu
desenvolvimento a garantia da participação popular na criação de
sucesso de um projeto, a população
Para o um sentimento de pertencimento; ou seja, a população terá que

deve ser consultada e ser ser consultada e ser parte fazedora e ativa do processo.

parte fazedora e ativa do processo A im portância da cultura local


Para que as ações de projetos desse gênero sejam bem- Para que seja bem-sucedido, um projeto social deve valorizar
sucedidas, é preciso que os educadores e responsáveis pelas os saberes da comunidade e procurar conhecer as raízes de seu
propostas promovam um amplo debate com os diversos atores acervo cultural a fim de resgatar a memória coletiva,
sociais locais, a fim de conceber propostas de atuação conjunta, redescobrindo, por exemplo, a origem dos moradores e a história
com maior participação popular. Só assim se constroem andaimes da região. Para isso, é importante que o projeto se baseie na
fortes e bem-estruturados, capazes de garantir que o edifício, a concepção de que cultura é o produto da convivência entre as
casa, a morada das propostas não desmorone. A participação pessoas - o modo de vida, os costumes e os gostos construidos no
popular deve se dar não somente com a presença nas reuniões - dia-a-dia, nas trocas e vivências coletivas. Nesse conceito, cultura e
nas quais as pessoas da comunidade ainda não têm voz e, muitas cidadania são inseparáveis. Não se pode falar em cultura sem falar
vezes, sequer conseguem contribuir com suas experiências, em participação e conquistas de direitos.
saberes, fazeres e sugestões -, mas também com a criação de A contraparte também é verdadeira: não há cidadania sem se
novos instrumentos que permitam e tornem indispensável a levar em conta os conhecimentos e os valores da comunidade. Os
atuação dessas pessoas. objetivos indispensáveis de um projeto social são despertar nos
Com base nesses princípios, a proposta de um trabalho participantes o sentimento de pertencer à sua localidade e
social deve consistir na promoção e potencialização de espaços incentivar o pensar a cultura como política pública. Atuar com
de convivência, participação e criação, em que grupos de esses objetivos em vista amenizaria o referido cansaço participativo
amigos, vizinhos e moradores da comunidade onde o traba lho é que, muitas vezes, reina na sociedade e na comunidade, por ela
feito possam trocar seus saberes, valorizando e ampliando a não participar das ações nem ter a garantia de que estas terão
própria cultura. seqüência, o que afasta os indivíduos da possibilidade de
Não raro, porém, as organizações do terceiro setor realmente sentir que pertencem a esse grupo.
pretendem assumir para si o papel do governo, cami nho oposto Entendemos que um projeto social deve partir, ainda, do
ao do investimento na participação popular; nesses casos, a pressuposto de que não devemos reinventar a roda, mas fazê-la
rodar. Há muitas atividades sendo desenvolvidas nas comunidades. promova um intercâmbio de saberes. Sem contar os benefícios Já
Cabe a nós enxergá-las com outros olhos, aproveitar ao máximo conhecidos do incentivo a manifestações artísticas - como 0
as experiências já vivenciadas por seus atores sociais e fazer valer a trabalho artesanal, a música, a poesia, a arte - e a melhora no
prática da educação compartilhada, a troca de saberes. Para que convívio e na relação de v1z1nhança propiciada por atividades em
isso aconteça, a opção pela simplicidade é sempre um método grupo, como a contação de histórias. Aprender a valorizar a
eficiente e inovador. própria cultura é o primeiro passo em direção à emancipação e
A ausculta social - diálogos permanentes com educadores, auwnom1a da comunidade.
educandos, gestores e comunidade - privilegia o "fazer com" ou É importante lembrar que um dos contrapontos à
"fazer junto" em contraposição ao "fazer para". As" ferramentas" globalização é o desenvolvimento de identidades próprias, ligadas
da auscultação social devem incluir conversas de rua, conversas à expenênc,a pessoal no lugar onde se vive. "Ser parte" das ações
em "pé de calçada" e rodas de conversa, aplicadas antes e aumenta o número de pessoas participantes das atividades
concomitantemente à realização das atividades, reuniões etc. reflexivas e dos debates nas instituições, fortalecendo sua relação
Amplifica-se assim a complexidade das experiências culturais com a comunidade e ampliando seu grau de pertencimento social.
contemporãneas, de modo que cada grupo, cada pessoa Assim, igualmente fortalecidas e em maior interação com a
identifique o seu jeito de ser e seus valores nas práticas cotidianas. comunidade, essas instituições podem formar redes que atuarão
Quando essa ausculta social serve não apenas como um de forma articulada, expandindo seu capital sociopolítico.
retorno avaliativo das atividades realizadas, mas tem uma função
81
estrutural - os cidadãos atuam diretamente na construção das
propostas -, o projeto se distingue positivamente daqueles Educação, t rabalho de garimpeiro
elaborados sem a participação desses atores, por um motivo
Moço, eu estou nesse negócio de catar pedras faz bem uns
simples: o trabalho do educador popular está embasado
cinqüenta anos. Muita gente me dizia para largar disso - cadê
sobretudo na troca de saberes. O educador tem muito a
coragem? Cada um tem que viver procurando alguma coisa. Tem
aprender com o que é trazido ou com o que já existe no seio
quem procure paz, tem quem procure briga. Eu procuro pedras.
da comunidade.
Mas foi numa dessas noites da minha velhice que entendi por
Vale destacar que a valorização da cultura local é capaz de
que nunca larguei disso: só a gente que garimpa pode tirar
promover melhorias evidentes na região trabalhada, sejam elas
estrelas do chão. '
objetivas ou subjetivas. A construção de casas de taipa com
material encontrado na localidade e utilizando fácil tecnolog ia, o Fernando Azevedo
que garante barateamento e agilidade no processo, é um
exemplo satisfatório. Podemos ainda interligar linhas de trabalho No âmbito dos projetos sociais aqui discutidos, o trabalho da
de acordo com os fazeres de cada comunidade - como no caso educação na área social - a chamada educação não-formal ou,
de alguém que tenha conhecimento em construção de casas melhor dizendo, educação não-escolar - pressupõe diálogos ' AZEVEDO, F. ln: GENTIU, P. e ALENCAR, e
saneadas por meio de artefatos de bambu ser levado para rea liza r constantes e contextualizados, fazeres e refazeres. O "fazer saber" Educar na esperança em tempos de
obras desse gênero em outras comunidades, de modo que se desencanto. Petrópolis: Vozes. 2002. p. 62.
deve ser uma contrapartida ao "saber fazer".
e n veitar a e periên ias Para evnar os equívocos quanto às diversas linhas
pedagogicas exis1entes, o prImeIro passo é diferenciar os
a a re ociais da comunidade conceI10s de educação e escola. A escola é um lugar importante

rática da educação
onde acontece a educação, mas não o único. A educação
azer aler a 1ambem é munas vezes confundida com as linhas pedagógicas

artilhada e da troca de saberes que pregam o ensino de mão única, o que vai de encontro à
,dé,a da escu1a e da ausculta como aliadas na apreensão e
Assim como o garimpeiro que busca no chão a preciosidade wação de saberes e fazeres.
das estrelas, o educador deve interligar noções como preservar e No entanto, talllbelll é perigoso crer que há um modelo ideal
adquirir, para criar saberes com a comunidade. Isso significa que, de pedagogia. O lllelhor método é aquele que se adapta à
aos grupos populares, cabe não apenas preservar o saber que comunidade, levado a cabo por um educador atento aos
possuem, mas se apropriar do que lhes é negado na construção de movimentos cultu1a1s. E impo11ante que o educador reflita sobre a
sua identidade. pratica cot1d1ana e não se intimide pela segurança com que alguns
No interior das culturas, podemos perceber fazeres pretensos espec1al 1s1as no assunto e em projetos sociais
considerados desimportantes, desprovidos de valores por não apresentam, de forma magnânima, novas modas ou fórmulas
serem legitimados pela cultura emergente ou de massa. Mesmo os mágicas de educar sem levar em conta o universo dos educandos.
proponentes de projetos sociais, interessados na cultura local e Na escola ou em outros espaços onde a educação acontece, 83
pregadores do respeito por ela, carecem saber antes de que munas vezes, especialmente nós, professores, nos afastamos do
cultura estão a falar e a respeitar. Muitas vezes, empregam-se simples, da possibilidade dialógica, do respeito ao saber-
discursos sem se preocupar com seus efeitos; torna-se cada dia fazer/fazer-saber local, do respeito a cada manifestação que vem
mais necessário prestar atenção ao que se pratica para não correr de dentro da alma ou de dentro de cada cultura. Não oferecemos,
o risco de potencializar as causas maléficas que se deseja sequer, a possibilidade de aprender a aprender.
combater; ou seja, é preciso se ater mais ao que se declara nesses Uma comunicação educativa de fato - entender o que se
projetos, seja por escrito, seja por meio de falas, para garantir que está dizendo e dizer entender o que se quer dizer - estabelece-se
os resultados sociais sejam alcançados ou, pelo menos, que haja a partir da troca de linguagens e saberes. É possível, é
indícios de mudança. Aqui cabe a questão: as nossas práticas necessário "ler o mundo antes das palavras", como diria Paulo
correspondem às nossas expectativas? Freire; compreender o entorno antes de transmitir saberes;
A má compreensão das novas linhas pedagógicas que se contextualizar descontextualizar e recontextualizar.
sucedem em curto espaço de tempo, a pouca experimen tação Não se r~lata uma história que não conhecemos. É preciso
prévia e, especialmente, o quase inexistente acompanhamento entender, compreender e promover a aprendizagem nas múltiplas
dos resultados da utilização de cada uma das novas tendências dimensões do olhar. Perguntar e perguntar-se em várias dimensões.
têm várias conseqüências graves. Uma delas é a gran de É preciso perguntar mais que responder. Procurar transformar
insegurança que mudanças precipitadas causam ao prof essor, respostas em novas perguntas. Mediar o desejo e a necessidade de
arte-educador, monitor, enfim, a todos os que atuam nessa área. aprender; conhecer e reconhecer. Ou seja, retirar do anonimato ou,
no mínimo, mobilizar-se no sentido do desejo de aprender. Tirar local, aos saberes oferecidos pelas diversas cultu ras ou costumes
estrelas do chão, ofício de garimpeiro. E isso é ético e também vindos dos muitos cantos do Brasil.
estético; haJa vista na palavra estética estar contida a palavra ética. Essa d1vers1dade de saberes é uma riqueza que a escola ainda
A qualidade estética nos faz participar das realidades humanas, não incorporou completamente como prática social, no sentido de
costurando-se entre a racionalidade e a afetividade. abrir perspectivas para uma educação transformadora e
libertadora. Isso diz respeito ao fazer, ao saber ser, que
normalmente se proíbe ou se ignora, talvez por não se desejar a

O exemplo dos Barracões Culturais democratização do espaço, que, por natureza, seria um local de
questionamento, de busca constante do conhecimento. Na
O projeto Barracões Culturais e Cidadania, implantado no conversa em pé de calçada, se pratica e se constrói um outro saber
município paulista de ltapecerica da Serra em 1997, ilustra a muito rico, por fazer parte e pertencer à comunidade. Ao mesmo
importância da cultura comunitária na elaboração de um projeto tempo, amplia-se nessas ações o repertório, incorporando a
social. Trata-se de um empreendimento inovador, pela sua geração de outras ações na comunidade, por meio do projeto a ser
enorme capacidade de transformar as relações da comunidade proposto - no caso, o dos Barracões Culturais.
com a cultura e o conhecimento. Por meio da vivência e do ensino
da arte, o projeto ajuda a promover o resgate do exercício da
cidadania, além de recuperar o desejo de aprender dos jovens, 85
antes esquecidos ou postos à margem de seus próprios anseios.
Metodologia freireana
Os Barracões Culturais da Cidadania nasceram a parti r de Toda a construção do conceito dos barracões está baseada
um convite feito pela nova administração munici pal de na metodologia de Paulo Freire: o respeito ao saber local na
ltapecerica da Serra, que então se iniciava, para a implantação de rea lização de rodas de conve rsas; as escutas culturais; as
um projeto de desenvolvimento cultural no município, ca paz de auscultas sociais; as conversas em pé de calçada - tudo isso
ir ao encontro dos anseios da população e contribuir para a traduz o diálogo permanente e contextualizado com a
implantação de políticas públicas transformadoras. Daí passou-se comunidade. Em ltapecerica da Serra, durante a implantação dos
a uma ausculta social, incorporando a prática da conversa em barracões, detectou-se que havia um enorme distanciamento
"pé de calçada" junto à comunidade, problematiza ndo e
ouvindo dos cidadãos e cidadãs quais eram seus problemas e
suas necessidades.
Tal experiência contribuiu para o enriquecimento do respeito É preciso procurar transformar respostas
em novas perguntas. Mediar o deseJO e a
ao saber cultural dessa comunidade, onde hoje se preserva a
convivência agradável em torno de assuntos do cotidiano.
Cotidiano esse que tem muito a ve r com a memória da
comunidade e que, na maioria das vezes, era antes esquecido ou
necessidade de aprender; conhecer e reconhecer
marginalizado por não se dar muita importância à experiência
entre as escolas e as comunidades do entorno, pois, apesar de público de diálogo, que interaJa com uma proposta de

ex1st1r demanda por espaços institucionais que dessem conta das contribuição social e ação política.

necessidades culturais dos habitantes da região, as escolas, de O barracão e da ordem do outro, porque é público, faz parte
modo geral, mostravam resistência a trabalhar em conjunto com a da rua . E a escola? Também faz parte da rua, ou está longe disso?
comunidade, procurando evitar o que chamam de atividades Essas inquietações e constatações, por meio das diversas reuniões
com a comunidade, nos remetiam a outros olhares em relação a
que upo de proposta política haveria de ser elaborada de maneira

a conversa em pé de ca lçada , se pratica e se a incluir a rua como espaço e que as pessoas pudessem enxergar,
a partir da rua, o seu entorno. Que atividades e com quem? Onde?
constró i um outro saber, muito rico, por fazer A escola, por princípio, deveria ser um lugar da rua. Lá as

parte e pertencer à comunidade pessoas, crianças, jovens e a comunidade têm a chance de se


encontrar, participar de atividades etc. Mas isso não tem sido uma
prática. A escola precisa ser mudada, e essa mudança deve
extra-escolares. Assim, o contato comunidade-escola restringia-se possibilitar a participação democrática da comunidade, a partir da
às reuniões pedagógicas em que se discutiam problemas, compreensão de que, mais uma vez, a escola é um dos lugares
organização de festas, arrecadação de verbas etc. onde acontece a educação - mas não o único. A escola, para ser
Além disso, constatou-se também que havia ausência de democrática, tem que ter qualidade. A democracia na escola terá 87

equipamentos públicos em todos os bairros da cidade, o que que implicar qualidade científica e pedagógica para todos os
cnava um vazio preenchido pelas instituições mais fortalecidas na alunos, para que seus participantes tenham prazer de estar lá,
comunidade - o crime organizado, de um lado, e os templos permanecer, ou seja, pertencer a ela. O sentimento de
religiosos, de outro -, tornando ainda mais distante a chance de pertencimento traz à tona uma compreensão do exercício da
os jovens encontrarem alguma perspectiva de crescimento cidadania, em que o ser humano possa se reconhecer como sujeito'
educacional e cultural para suas vidas. participante de sua cultura e de seu meio. Dessa forma, afirma
A partir daí, optou-se por fazer um trabalho de Milton Santos:
desenvolvimento cultural na cidade que abarcasse todas as
possibilidades de participação e pertencimento da comu nidade, Assim como cidadania e cultura formam um par integrado de
procurando preservar as heranças culturais que mostrassem o significações, assim também cultura e territorialidade são, de , Termo emprestado do mestre Paulo Fre,re
em Pedagogia do opnm,do, quando o
caminho a ser trilhado e valorizando o enriquecimento socia l e certo modo, sinõnimos. A cultura, forma de comunicação do
autor se refere à consc,ent1zação do povo,
existencial dos cidadãos, especialmente os jovens. e do grupo com o universo, é uma herança, mas
indivíduo no sentido de que lhe é possível inserir-se
Mas diversas discussões, tentou-se mostrar que a rua é também um reaprendizado das relações profundas entre 0 no processo h1stonco como suJe1to,
espaço de alegria, de fazeres e refazeres, de encontro, lugar da evitando o fanausmo e inscrevendo-se
homem e seu meio, um resultado obtido através do próprio
na busca de sua af,rmação.
arte e da cultura em suas múltiplas manifestações, e, como ta l, processo de viver. Incluindo o processo produtivo e as práticas
um lugar onde também a educação ocorre - assim, a parti r SANTOS, MIiton. O espaço do odadão.
sociais, a cultura é o que nos dá a consciência de pertencerª um
São Paulo. Nobel, 1987 p. 61
dessa constatação, buscou-se torná-la de fato um espaço grupo, do qual é o cimento.'
Resultados e perspectivas
Diante do que foi exposto, reiteram-se alguns aspectos
considerados relevantes para a elaboração de um pro1e to
social responsável.
Em primeiro lugar, se não houver part1c1pação da Sebastião Soares
comunidade nos processos culturais, torna-se impossível a
construção da cidadania plena A população deve vol ta r-se
para a sua realidade social, ambiental, cultural. Em seguida, o Pedagogia d o oprimido, Pedagogia da autonom ia,
projeto social poderá ser um instrumento para a melhoria da de Paulo Freire, e a base do processo educativo que se também do mestre Paulo Freire, é uma
qualidade de vida da população, constituindo espaços que desem oh e m proietos sociais. É um norte para quem trilha espécie de extensão da pedagogia do
abriguem diferentes formas de expressão, nos quais deverá esse caminho, pois não é possível desenvolver uma proposta oprimido. A obra sugere práticas em
acontecer uma efervescência social e cultural contextual izada de transformação sem ter, minimamente, o alicerce de um que os educadores estabelecem novas
nas dinâmicas da comunidade. Nesses espaços. deve-se destacar povo - isso de se encontrar com a possibilidade de "ser". relações e condições de educabilidade.
a idéia do reconhecimento do bairro como lugar do convívio
e da sociabilidade. A invençã o do cotidiano: artes de fazer,
Esse é, sem dúvida. um grande passo no sentido de fazer de Mlchel de Certeau, sugere uma organização do melhor Para sair do século XX,
com que o direito à individualidade seja não só garantido, como caminho a seg uir, a partir da reinvenção do cotidiano, graças de Edgar Morin, suscita novos
estimulado, ao mesmo tem po que se combate o individual ismo e às artes de fazer e à possibilidade das táticas e das resistências. questionamentos a partir das perguntas
se pro move a diversi dade. Encontram-se meios viáveis de agregar estratégias para "Quem somos", "De onde viemos"
e "O que queremos". A obra diz muito
alcançar metas de longo prazo.
da necessidade de olharmos para nós
mesmos, além de levantar reflexões
Morte e vida de grandes cidades,
sobre temas como o jogo econômico.
Sebastião Soares
de Jane Jacobs, busca debater e compreender o espaço
público como espaço da vida social e do saber. Questiona-se
a compreensão da rua como espaço público, hoje privatizado
por outras culturas.
o espaço do cidadão,
de Milton Santos, tem muito a ver com o
Culturas híbridas,
que se pretende desenvolver nos espaços
de Néstor Garcia Canclini, busca entender as complexidades
onde acontecem o debate e as reflexões
culturai s na América Latina e a multiplicidade de lógicas de
acerca do indivíduo, questionando-se o
desenvolvimento. São investigadas as transformações das
individualismo em contraposição à
relações entre tradição, modernismo cultura l e a modernidade
individualidade.
socioeconômica na América Latina; incluem-se aí as queS t ôes
das chamadas culturas locais.
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Da turma de alunos à
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comunidade aprendente
- 1 Carlos Rodrigues Brandão

Muitas vezes somos levados


a pensar que ensmar e
aprender são uma viagem de
ida e volta que se passa inteira,
ou quase toda, em e entre
as salas de aula da escola

Em boa parte, isso é verdadeiro,


pois em sociedades como a brasileira a
escola é o lugar social da educação.
E podemos mesmo falar de uma
cultura escolar, como aquela que é
construída, ensinada e aprendida entre
estudantes e professores nas escolas -
instituições da educação formal. Eis uma
idéia correta, mas não inteiramente. A
educação que vivemos na escola, como
estudantes, como professores, como as duas coisas ao mesmo deles ca rrega consigo uma fração do processo pelo qual, aos

tempo, é uma fração importante de nosso aprendizado, mas não poucos e ao longo de toda a vida, nós nos socializamos. Nós

a única. A educação escolar é o momento de um processo aprendemos, em diferentes e integradas dimensões de nós

múltiplo. Um acontecimento ao mesmo tempo pessoal (em você e mesmos, os diversos saberes, as sensações, as sensibilidades, os

para você), interativo (entre nós) e social (de nossa comunidade). sentidos, os significados e as sociabilidades que, juntas e em

Um acontecer cultural com vários rostos, momentos, sentidos interação em nós e entre nós, nos tornam seres capazes de
e vocações. Algo vivido entre diferentes situações a que alguns interagi r com uma cultura e em uma sociedade.

estudiosos, nas áreas de pedagogia, psicologia, antropologia e Quase todas as sociedades criam, transformam e preservam
sociologia, costumam dar o nome de socialização. unidades sociais, ou instituições dedicadas especialmente a
Podemos mesmo pensar que, ao longo de nossas vidas, experiências mais motivadas e mais sistemáticas do ensinar-e-
vivemos pelo menos duas dimensões do acontecimento da aprender. Elas respondem por nossa socialização secundária .
socialização, às quais chamaremos primária e secundária. Assi m, aprendemos a lidar com uma dimensão da gramática da
Desde o momento de nosso nascimento, atravessamos uma língua em casa, junto a nossos pais e parentes, quando um dia
longa, fecunda e complexa fase de socialização primária. Ela começamos a falar. Mas quase sempre é na escola e sob os
acontece quando aprendemos com nõs mesmos, com o lidar com cuidados de um profissional do ramo que aprendemos a lidar com
o nosso corpo, atividade a que crianças pequeninas dedicam boa outras dimensões de nossa língua: o ler-e-escrever.
parte de seus dias. Acontece quando aprendemos interativamente, 93
por conviver com os "mundos de nosso mundo". Aprendemos por
Seres que aprendem
meio de inúmeras e diferentes interações com nossa mãe e nosso
pai - com cada um e com os dois ao mesmo tempo. E com as Estamos acostumados a pensar que somos seres humanos
porque somos seres racionais. O que não deixa de ser verdade.

A educação possui na própria criação da vida Leia o que está escrito aqui para o seu cachorro ou o seu gato de
estimação e observe a reação dele. Depois, leia para um filho
humana um lugar bem mais essencial na escola, ou uma colega de trabalho, e observe o que deverá
acontecer. Estamos também acostumados a nos imaginar como
do que costumamos supor seres humanos porque somos seres políticos. Os animais são
solitários ou são coletivos; vivem a sós ou vivem nas comunidades
outras pessoas de nossos círculos de vida: os demais integrantes da para as quais foram geneticamente talhados. O ser humano é um
familia nuclear, nossos parentes, vizinhos, amigos e tantos outros. ser social. Criou as sociedades humanas, diversas e múltiplas, que
Ao longo de nossa vida - e não apenas durante a infância e
remodela e que transforma para viver e conviver.
a adolescência-, convivemos em e entre diferentes grupos sociais.
Mas podemos pensar também que somos humanos porque
E dentro deles aprendemos: com nossos grupos de idade - como
somos seres aprendentes. Os indivlduos da nossa espécie não são
uma "turma de amigos"-, nossos grupos de interesse - como um
apenas condicionados ou treinados, mas sim educados e formados
time de futebol - , nossas equipes de vida e de trabal ho. Cada um
para passar de indivlduos biológicos a pessoas. Nós aprendemos.
Vivemos a vida entre círculos de ensino e de aprendizagem, de aprendem e sabem, mas não se sabem sabendo -, mas reflexiva.
que a escola é o mais notável exemplo. E bem sabemos que a A consciência de seres que se sabem sabendo e sentindo.
educação possui na própria criação da vida humana um lugar Seres que, no lugar de reproduzir uma pequena gama de
bastante mais essencial do que costumamos supor. Na verdade, sons gu1uraIs (latir, grasnar, mugir, urrar), inventaram a palavra
como seres inteiramente dependentes de processos culturais " fogo " para designar um fenômeno da natureza, e passa ram a
de socialização - de transformação de um individuo em uma dizê-la e escrevê-la de infinitas maneiras diferentes, em várias
pessoa -, somos e seremos sempre moldados conforme línguas Alem disso, carregaram essa palavra de múltiplos
a educação que criamos e que criaremos, para que ela se nudos, conforme o contexto em que ela aparece - seja num
continuamente nos recrie . li ro de fls1ca, num escrito religioso ou num manual de
Ao longo de nossa trajetória, saltamos do mundo da bombeiros, seJa no poema com que um jovem apaixonado diz à
natureza, de que somos parte ainda e sempre, para o da cultura. mulher amada o que sente.
Nós, mulheres e homens de todos os povos de antes e de agora, Com as palavras, criamos as ciências, as teorias, os mitos, as
possuímos uma mesma herança genética. E somos tão iguais em crenças e as religiões, as artes e outras formas culturais de gerar,
nossas mínimas diferenças biológicas que bem poderíamos ter ensinar e difundir preceitos, saberes, valores e significados às
criado uma forma única de viver, um único modo de vida, uma nossas vidas e destinos e também aos mundos em que vivemos.
única língua de todos e uma só cultura universal. Mas, ao longo As abelhas e formigas constroem, respectivamente, colméias
da história humana e das inúmeras histórias dos povos humanos, e formigueiros como extensões de sua biologia. Nós construímos 95
criamos uma infinidade de maneiras de ser e de viver, de pensar e nossas casas primeiro em nossos sonhos e em nossas mentes
mesmo de sentir, de falar e de expressar sentimentos, saberes e para depois as edificarmos sobre a terra. Por isso começamos
sentidos da vida por meio de imagens e de idéias. aprendendo a viver em cavernas e hoje, pelo aprendizado
adquirido, construímos as primeiras casas fora do planeta, nas
Da pa lavra estações espaciais. Aprendemos a transformar quase toda a
natureza que nos circunda.
E, afinal, o que aconteceu conosco para que seja assim? Somos seres que aprendem a saber, a sentir e a lembrar. Seres
Aconteceu que, em vez de continuarmos sendo os mesmos do
que vivem suas vidas não em um terno e generoso presente único,
momento inicial, quando fomos criados pelo mistério da vida,
como os lobos, mas dentro de um tempo que é uno e triplo:
nós começamos a nos tornar o que aprendemos a fazer de nós
passado, presente e futuro. Por isso construímos berços para os
mesmos. Criamos tantas culturas e modos de vida diferentes
que ainda vão nascer, e abrimos covas para os que já morreram.
porque aprendemos a saltar do sinal - como a fumaça que indica
o fogo - ao signo - como os movimentos da dança nupcia l de
alguns pássaros -, e deles para o símbolo. Esta pequena e
gigantesca invenção humana. Uma criação livre e arbitrá ria do
imaginário e da mente de mulheres e de homens. Algo nascido de
uma consciência não apenas reflexa, como a dos animais - que
presente, nos damos conta de que não é sempre assim. A começar
As comunidades do ensinar-e-aprender
por nossos pais e outras pessoas mais velhas da família, boa parte
Quase tudo o que vivemos em nossas relações com outras do que aprendemos no começo de nossa vida provém de pessoas
pessoas, ou mesmo com o nosso mundo, como no próprio que não fizeram cursos especiais para ser os nossos primeiros
contato direto com a natureza, são momentos de aprendizado. educadores. E, quando chegamos à escola e convivemos com
Podemos estar ou não conscientes disso, mas pessoas que se pessoas especializadas em ensinar, já aprendemos uma imensa Boa parte do que
encontram, conversam e dialogam deixam passa r de uma a
outra algo de suas palavras, suas idéias, seus saberes, suas
pa rte do que nos acompanhará ao longo de toda a vida.
Do lar ao círculo mais amplo de parentes e de vizinhos, deles
aprendemos
sensi bilidades. Querendo ou não, estamos, no conviver com outros aos pequenos grupos sociais em que vivemos o nosso dia-a-dia, de no começo da vida
e com o mundo, constantemente ensinando e aprendendo. um time de futebol a uma igreja, de uma equipe de trabalho à
provém de
o aprender Acostumados ao mundo da escola, aca bamos por imaginar associação de moradores do bairro, estamos sempre envolvidos em

é um a avent ura
que o processo formal da educação ao mesmo tempo aproxima e
opõe uma pessoa-que-sabe-e-ensina e pessoas-que-não-sabem-e-
e participando de pequenas e médias comunidades de vida e de pessoas que
destino. De lazer, de vocação, de trabalho, de participação social.

interi or e pessoal,
aprendem. De algum modo, é assim mesmo que se dá o ensinar- Aprendemos os gestos e hábitos que dão sentido à família, ao não fizeram
mas o que
e-aprender. E o respeito que praticamente todas as culturas têm
pela pessoa e pela figura do "mestre" é bem uma imagem desse
grupo, à equipe - e, cada uma a seu modo, essas comunidades são
também protagonistas de cenas e cenários do ensinar-e-aprender.
cursos
aprende mos
fato universal. Nessas diversas "salas de aula", junto da turma de alunos, espec1a1s
Quando se olha essa imagem de perto e de dentro, vivemos variadas situações pedagógicas. Em cada uma delas e da
para ser os
prové m de entretanto, pode-se pensa r que ninguém ensi na ninguém, porque interação entre todas é que, ao longo da vida, nos vemos às voltas
o aprender é sempre um processo e uma aventura interior e com trocas de significados, de saberes, de valores, de idéias e de nossos primeiros
trocas, de pessoal. Mas é verdade também que ninguém se educa sozinho, técnicas disto e daquilo.
educadores
rec iproc idades, pois o que eu aprendo ao ler ou ao ouvi r provém de saberes e
sentidos de outras pessoas. Chega a mim através de trocas, de
Assim é que podemos chamar cada uma dessas unidades de
vida e de destino de comunidades aprendentes. Pares, grupos,
de interações reciprocidades, de interações com outras pessoas. eq uipes, instituições sociais de associação e partilha da vida.
Conhecimentos, valores, teorias e receituários de como fazer Lugares onde, ao lado do que se faz como o motivo principal
na prática estão permanentemente em flu xo, sendo passados, do grupo - jogar futebol, reunir-se para viver uma experiência
transmitidos de uma pessoa a outra - e não apenas do mestre ao religiosa, trabalhar em prol da melhora da qualidade de vida no
aluno. A própria idéia de pessoa já é a de um organismo original ba irro e assim por diante -, as pessoas estão também trocando
e único, transformado pela socialização por meio de múl tiplos
saberes entre elas. Estão se ensinando e aprendendo.
momentos de aprendizagem. Pessoa: o ser humano capaz de
conviver socialmente em um mundo interativo de cultura.
Temos o costume de imaginar que apenas pessoas treinadas Fontes únicas de saber
para tanto são capazes de ensinar, de educar. Assi m é, de fa to, em
Com o crescimento e a diversificação das unidades de ação
várias situações. Mas, ao rever a nossa própria vida passada e
socia l, como as organizações não-governamentais, essa dimensão
educativa presente nas comu nidades aprenden tes tornou- se cada estão ali são fontes orig inais de saber. Cada um dos integrantes
vez mais clara, focada e motivada. Algumas dessas " agências de de um grupo humano trabalha, convive e/ou participa dele a
fazer e aprender" atuam no campo da própria educação, como os partir e através daqu ilo que traz, como os conhecimentos, as
grupos e os movimentos de educação am biental ou as associações sensibi lidades e os sentidos de vida originados de suas experiências
de pais e mestres. pessoa is e interati vas. E em cada uma ou um de nós elas são
Outras atuam na área da saúde, dos direitos humanos, da únicas e originais.
promoção e valorização do trabal ho da mulher. A tuam no campo Conheci mentos, práticas e habilidades são diferentes uns dos
do cooperativismo, como uma cooperativa de produção de outros. umas das outras, como os/as do servente de pedreiro, do
agricultura orgãnica; atuam como um si ndicato de classe, uma pedreiro, do mestre-de-obras e do engenheiro. São diferentes.
associação de moradores, uma comu nidade eclesial de base, um mas não são desiguais.
movimento em favor da preservação do meio ambiente ou, de Nós nos acostumamos a ordenar e classificar conhecimentos
maneira mais direta e específica, pela proteção do mico-leão- e culturas mais ou menos assim: "selvagens" e " civilizados " , Nas comunidades
dourado, por exemplo. " populares " e " eruditos", "cultos" e "incultos " . No entanto, na
Ao lado daq uilo a que elas se dest inam por vocação direta, realidade, cada tipo cultural de saber - como o de nossa religião,
aprendentes, a
em todas existe t ambém uma dimensão educativa. Tanto é assim
que todas as pessoas que participam de uma ou algumas dessas
de nossa família, de nossa comunidade - e cada unidade pessoal aula expositiva
de saber - cada um de nós - cria, renova, guarda e comparte eixos
unidades sociais de vida, traba lho ou ação social reconhecem e feixes de conhecimento próprio. Saberes de pensamento e ação, pode ser cada 99
sempre "o tanto que eu aprendi ali".
Assim, ao lado das instituições sociais de educação formal,
significados do mundo e sentidos de vida vividos e pensados de vez mais
forma única e criativa . Algo que, por isso mesmo, possui em si um
como colégios e universidades, convivemos todos os dias e ao valor não comparável com outros. convertida
no círculo de
longo de toda a vida com várias comunidades de trabalho, de
serviço de participação e de mútuo ensino-aprendizagem. Dentro
Círcu lo de diálogos
e fora da escola, estamos sempre envolvidos com diferentes tipos diálogos
de comunidades aprendentes. Em momentos de planejar ações e estabelecer procedimentos,
Estamos sempre, de um modo ou de outro, trabal hando a integração entre diferentes experiências de vida, entre diversos
em, convivendo com ou participando de unidades sociais de modos de senti r e pensa r é fundamental. É por isso que, em
vida cotidiana, onde pessoas aprendem ensinando e ensi nam trabalhos recentes sobre a educação ambiental, por exemplo, ª
aprendendo. Pode bem ser que em algumas delas haja dimensão da comunidade aprendente é tão marcante. Qualquer
especialist as em ensi nar - os diferentes tipos de educadoras e . o contexto em que se esteja · do uma experiência de
· v1ven
que Seja
educadores - e não-especialistas que aprendem . Mesmo um ti me · em um " círculo de
educação ambiental, as pessoas que se reunem
de futebol de bairro tem o seu técnico, e é de esperar que ele saiba experiências e de saberes " possuem sempre algo de seu, de
ensinar ao " time" os segredos do ofício. . . . . E trabalho mais fecundo
próprio e de originalmente importante. o
No entan to, no interior de qualquer grupo humano que seja
é aquele em que, em uma comu111 a e aprendente • todos .têm
•d d
criado para viver ou fazer qualquer coisa, todas as pessoas que r e algo a ensinar.
algo a ouvir e algo a dizer. Algo a apren de
-
Conhecemos e compreendemos algo não
apenas por assimilar novas informações, mas por
participar dos círculos de saber em que
aquilo é compreendido Carlos Rodrigues Brandão
Lugares de trocas e de reciprocidades de saberes, mas também de
Humanizar o infra-humano, Ofício de mestre,
vidas e de afetos, onde a aula expositiva pode ser cada vez mais
de Marcos Arruda, um dos mais de Miguel Arroyo, que se volta nessa obra para
convertida no círculo de diálogos.
ousados e renovadores livros de questões nem sempre bem estudadas na educação,
Alguns pesquisadores de pedagogia têm procurado mesmo
educação publicado nos últimos e com grande densidade. O que é ensinar? O que é
compreender de outra maneira o processo do ensinar-e-aprender.
anos. Economista e educador, aprender? Quem é o mestre? Que saberes deve possuir
Podemos com eles partir da idéia de que a menor unidade do
Marcos Arruda é um dos mais e vivenciar quem ensina e quem aprende? Professor
aprender não é cada pessoa, cada aluno, cada estudante. Ela
importantes e ativos militantes da universitário, educador e ativista das causas da JUSllça,
é o grupo que se reúne frente à tarefa partilhada de cria r
socioeconomia solidária. O livro da paz, da liberdade e da educação, Arroyo traz para
solidariamente os saberes do grupo, da pequena comunidade
resgata o sentido mais densamente a pessoa do professor uma identidade CUJO reencontro
aprendente, através dos quais cada participante ativo vive o seu
humano da educação, ao trazê-la à nos é tão urgente e inadiável.
aprendizado pessoal.
atualidade desde as próprias origens
Há uma idéia que poderia nos ajudar a encerrar estas
do ser humano. O autor propõe Un iversos da arte,
reflexões provisórias. Em geral, pensamos que compreendemos
uma educação da práxis, onde a da gravurista Fayga Ostrower Obra
algo quando incorporamos algo novo ao nosso repertório. Essa é
partilha da vida e a solidariedade que surgiu a partir de um curso que
uma visão correta, mas limitada a respeito do ensinar-e-aprender.
entre pessoas e povos é o eixo. a autora ministrou para operános de
Na verdade, se tudo na vida são trocas e interações, se tudo são
diálogos contfnuos, múltiplos e crescentes, então, na verdade, uma gráfica. É uma sensível lrçào sobre

conhecemos e compreendemos algo quando fazemos parte dos como viver a arte. Como saber olhar

círculos de vida e de saber em que aquilo é compreendido. Formação humana e capacitação, um quadro e compreender com
de Humberto Maturana e Sima Nisis de Rezepka. densidade "o que está ah" . Um livro
Eis o que poderia ser uma nova concepção do viver como
Um biólogo e uma educadora chilenos propõem em que as sucessivas edições apenas
partilhar experiências, saberes e sensibilidades em situações e
uma série fecunda e criativa de oficinas de confirmam a sabedoria com que frn
Carlo s Rodrigues Brandão contextos regidos cada vez mais pela partilha, pela cooperação,
relacionamentos interativos em contextos de escrito e ,lustrado.
Psicóloq, ,u11roróloqo ,, ,,rlucarJor pela solidariedade, pela gratuidade. Por tudo aquilo que ajuda a
Profr>';iSOr cio Doutorcido rrn 1\mb1ente c 4

educação. Textos teóricos no começo e no fim do


construir os caminhos em direção ao "mundo da vida". O justo
Soc1edr1dl1 rltl Univcrs1dr1de Estr1dut1I dt•
e dlTif')llld\; pc•SqlHScldor Vl'>llilnlf' dr1: oposto de uma educação regida pelo individualismo, pela livro são esclarecedores e desafiadores. Maturana
lJfllVPrs1rJ,1d(l dfl Monlt 'l (lrHOS, inh•CJrdnt<
1
competição, pelo exercício do poder e pelo interesse utilitário que é um homem profundamente ligado à educação,
do Conselho do Instituto Pnulo freire transforma pessoa em mercadoria e a própria vida em mercado. tendo publicado diversos livros na área.
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l 00',
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GARC IA Valéria A . "Educação não- formal: do hi;tóri co ao trabalho local •·
ptt 1ll'''t'' l'tlllLt1C1vo, nt1" t1t/rt:H11t1(,,ÕE''i pJuhstas. Trt1b..1lho de conclusão de curso de ' ô e meio-amlJ1rmtr> Campina;
Formação de educadores: memóna, patnm mo
l\•dd<.Jti<.11\1 ( t1r11~111 1l1'i U 111t t1 rnp , 1QOS
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LJ\KNIL H . .J\111dr1ldu O 1om\1/ tomtm1 tJno tomo es trateg1J de educação não-formal. Tese - - - - - · Con1ecturas conce,tua,s sobre educação não•formal lerto Jpr11:,P11ld o no
dl' d1..1 ut<.11t1do l t1111p1n\1" FE/Un,ltltn p, 2005 7003
Seminário Nacional Estado e Políticas no Bra,il, ern Cascavr,I (PR),
LJ\\AHINI, lt1 w ll'lll' dr ArdUJo f(;porte. t:'lluct11,;Jo riJo-formal e terceira idade. Trabalho de GARCIA, Valéria A . e ROTTA, Daltro C Cartografias da educação náo-lormal Carnpin,,•,
u 111d l 1,ti ll Ut.1 cur ,;;o de PeU~1qoo1d Cc.1111pmds Unicamp, 200J.
\.. HI \ 1l , U,;.",lllll1t1 " f tlutt11., ,lo nlio-fonnal u, 1J an,3l1se d.as praticas educac,on.a s VOitadas
Un1Camp, s/d Mimeografado. P~tÓf?"., P urna tu:,tóna :,r,brP <1
GH./TILU, Pablo "Ocupar a terra. ocupar as escolas dez qu , , , ILVA L
t''-''ll 1.r1Jt11., J'i ,;;em mfjnua de um,3 1nst1twção publica Pro1e to Sol João d século" ln SM~TO,, l , • , '
educação e os movimentos sooa,s. na vira da O P01 1
\r,m11d'f\1ulir11d Sf-' ftt1 b~1lho d1= 1..--ondusdo de curso de Pedagogia Campinas H. e AZEVEDO J C Identidade socral e ª comtruç.io do rorih'"""''"'º ,,
U1111..t1rnp. 1ui.r 1999
A legre Secreta;,a h'1un1opal de Esportes/Prefeitura I.Aun,cipal,
Educação de saberes,
poderes e quereres

São Paulo 2006

1• reimpressão 2007
8 Apres_e_nt_aç_,___ã__:_o_ _ _ _
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O processo de seleção

10
15 Além do Som

Silêncios Sentidos

25
Musicalização com
do Sertã d Mestres
_ ___:_::..:º'...."'e"Pernambuco
Catalogação ltaú Cultural
45
2~~~A
Educação de saberes, poderes e quer
Sandoval.
-
- São
21 cm x 24 cm (R::10:
ltaú Cultural,
os Educação Cultura e
//ustração Andrés
2 P- ,1. color. ;
Comunicaçã .
na Febem o Audiovisual
Bibliografia

ISBN : 978-85-85291-61-7
rte, 1).
55
4. Pl.ro1eto 2 -- pCro1eto , ______:P~a'.'._r~a__<;saaober mais

64
Educação e Arte 5
educacional ul_tura social
brasileira 3 Ed ucaçao
6. Br~sil - não-formal

- - - - - -- l(C[DD 707

ltaú 66 Agradecimentos
cultural
a~enida paulista 149
s[ao paulo sp O1311 000

-
ia
estação bri ad .
fone 11 21 1e7,ro do metrôl
00 fa 1 l
instituto@itaucult x 2168 1775
www ·t ural.org.br
.1 aucultural.org .br
de cada um. No fim de cada projeto, buscamos inspiração na cultura popular dos
re e tacão
:, almanaques para apresentar temas relacionados aos projetos, de forma a abrir
portas para a curiosidade, responsável direta pela construção do conhecimento.
Além de depoimentos dos próprios educadores, presentes nos textos sobre os
projetos, contamos com a fala da comissão julgadora (veja "O processo de
seleção", na p. 1O) e suas impressões desse universo tão amplo e especial que
reúne num mesmo cenário e com toda gente a arte, a cultura e a educação.
Os próximos volumes trarão o resultado desse mapeamento de
Olhar para trás ao fim de um processo é, por si, enriquecedor, no que isso
educadores e instituições e o aprofundamento das questões levantadas nos
pode significar de aprendizado humano, individual e coletivo. Com o programa
projetos, por meio das falas de especialistas nos assuntos diversos.
Rumos Educação Cultura e Arte não seria diferente. Sabemos que, em tudo o que diz respeito à cultura e à educação, os
Criado em 2005, o Rumos Educação veio somar-se às outras categorias
méritos são coletivos. Por isso, não podíamos deixar de fazer agradecimentos
Rumos (Dança, Cinema e Vídeo, Artes Visuais, Jornalismo Cultural, literatura,
a parceiros que nos acompanharam durante todo o processo ou em parte
Mídia Arte, Música) para promover o mapeamento, a formação de educadores dele. Listamos ao final do volume as instituições visitadas tanto no processo
não-formais e a difusão de seu trabalho. seletivo, quanto nas diversas ações de formação perpetradas em 2005 e
O processo de seleção realizado em 2005 mapeou 222 inscritos, após a 2006. De qualquer modo, por seu envolvimento em todo o processo,
visita a várias cidades brasileiras para divulgação do programa, com palestras gostaríamos de fazer um agradecimento nominal aos membros da comissão
sobre temas diversos e aulas-espetáculo. A Comissão Julgadora chegou a 11 julgadora, Denise Grinspum, Mara Felipe e Olga Rodrigues von Simson, e à
finalistas, cujos projetos foram conhecidos in loco numa série de viagens pelo consultora na primeira fase do programa, Renata Sieiro Fernandes.
Brasil, que também rendeu o rico material utilizado no documentário Aqui, A todos que estiveram e estão conosco, construindo a história do Rumos
acolá, além-muros.· caminhos da educação não-formal, retrato de todo esse Educação, o nosso agradecimento. Boa leitura.
processo, que pode ser visto no DVD encartado no fim deste livro.
Dentre os projetos finalistas, cinco foram escolhidos: Além do Som , Instituto ltaú Cultural
de Va lmir Alcãntara Alves, o Bodó; Silêncios Sentidos, de Carla Lopes;
Que Cidade É Essa?, de Gustavo Arantes; Musicalização com Mestres do
Sertão de Pernambuco , de Gustavo Vilar; e Comunicação Audiovisual na
Febem , de Maria Helena Santos. Em 2006, após visitar os locais onde os
projetos aconteciam, esses educadores principiaram um conjunto de viagens
para divulgar sua experiência a outros profissionais das áreas correlatas.
Este primeiro volume, que inicia a série de publicações do programa
Rumos Educação, apresenta os cinco projetos selecionados e os ed ucadores
responsáveis por cada um deles. A seção "Termômetro" descreve o modo
como o projeto é avaliado por educadores e participantes; a seção
"Impressões" traz depoimentos dos educadores, acompanhados da biografia
O processo de seleção além de livros, filmes e materiais educativos. As instituições a que estavam
vinculados receberam 1O mil reais. O objetivo aqui era incentivar a continuidade
de seus trabalhos de excelência.

Formação e multiplicação
O programa Rumos Educação Cultura e Arte 2005-2006 teve sobre si as O verdadeiro prêmio do programa está na formação e na possibilidade

atenções de educadores de todo o Brasil, com trabalhos que contemplavam de multiplicação do conhecimento acumulado. O ano de 2006 foi dedicado Mara Felipe é pedagoga,
ao desenvolvimento profissional dos cinco educadores selecionados, por meio Jornalista e coordenadora
linguagens artísticas e práticas educativas diversas. Para selecionar apenas cinco
de encontros e conversas dirigidas com especialistas e uma maratona de da Escola Olodum.
educadores não-formais em um universo tão amplo e variado e, ao mesmo
em Salvador. Bahia.
visitas a projetos sociais que relacionam educação e cultura nas quatro
tempo, conceber sua formação e a multiplicação de seus saberes, foi preciso
cidades-sede das experiências, incluindo os projetos uns dos outros. Este foi
sistematizar o trabalho em três etapas:
também o ano da realização dos Percursos de Formação, que levaram a 12
cidades encontros sobre linguagens artísticas e metodologias de trabalho
Criação e divulgação para ampliar o círculo de diálogo e a articulação entre profissionais da área.
o A idéia não era apenas selecionar os projetos de ma ior destaque, mas
Em um primeiro momento, ainda em 2004, houve o desenho do programa
também "promover a formação continuada dos selecionados, transformando-
feito com a colaboração da consultora Renata Sieiro, que ajudou a estabelecer
os em multiplicadores do processo", explica Olga. Durante o percurso de
os critérios de avaliação e seleção e acompanhou todo o processo seletivo.
formação, os cinco educadores selecionados saíram pelo Brasil, acompanhados
Nessa etapa, a participação da professora Olga von Simson e sua experiência na dos membros da comissão e palestrantes convidados, para divulgar suas
área da educação não-formal já se mostraram valiosas. No início de 2005, experiências em encontros e palestras.
foram realizadas palestras e aulas-espetáculo pelo país afora, combinando "O Programa Rumos Educação Cultura e Arte promove assim ações
formação e divulgação do edital.
educativas junto aos projetos premiados", afirma Mara. Denise completa: "O
programa tem importância por sua abrangência nacional, por valorizar ações
educativas de natureza não-formal e por se tornar referência na forma como
Seleção
desenvolve a capacitação dos educadores".
Em seguida foi constituída a comissão julgadora, com três especialistas em Para Mara Felipe, o que mais chamou atenção no universo de inscritos foi
a postura humanista e de forte conteúdo social dos educadores. "Os projetos Olga von Simson
diferentes áreas de educação não-formal. Olga von Simson, Denise Grinspum e
é oent,sta social,
Mara Felipe afinaram os parâmetros e iniciaram a análise dos relatos de primam por diretrizes pedagógicas na busca da formação de cidadãos
Denise Grinspum é professora da Faculdade
experiência, as visitas da comissão aos finalistas e a seleção final dos inscritos. atuantes dentro da comunidade, dotados de espírito crítico, pluralismo de
doutora pela faculdade de Educação da Unicamp
"Dos mais de 200 projetos mapeados, cinco foram escolhidos atendendo a idéias, ética e respeito ao individuo e ao meio ambiente. O que possibilitou, e coordenadora do
de Educação da USP e
diretora do Museu Lasar diversificação de linguagens (teatro, música, audiovisual, dança) e origens dentro da minha área de atuação, perceber que não estou sozinha no caminho Centro de Memória
Segai!, em São Paulo. geográficas diversas", explica Denise. Os selecionados receberam 5 mil reais, que venho trilhando." da Unicamp.
" Os educa dores selecionados destacam-se por terem desenvolvido "A educação não-formal permite que grupos ou comunidades passem por
práticas educativas com forte contribuição social, potencial criativo e situações de aprendizagem mais próximas ao ecossistema da produção artística
possib ilidades de continuidade", afirma Denise. Na opinião de Mara, "dos do que as desenvolvidas no âmbito escolar, submetidas a programas curriculares,
projetos inscritos, os premiados possuem uma relação muito Intima com a seriados e com forte limitação de tempo e espaço físico", aponta Denise.
comunidade na busca por uma transformação social e pessoal dos educandos". Para Olga, a questão da auto-estima é central nesse contexto : "A maioria
dos projetos de educação não-formal é voltada para grupos que sofrem
discriminação, ou seja, a população de baixa auto-estima", afirma a professora .
Educar com arte, resgatando valores "Para trabalhar com eles e desenvolver atividades educacionais, é preciso
reconstruir a auto-estima. Isso se dá por meio do resgate da memória: a
Para as integrantes da comissão, a arte exerce um papel fundamental na
identidade só se forma quando você sabe de onde vem . A memória familiar traz
educação. Olga chega a colocar a arte na frente da ciência nesse quesito: "Arte
o sentimento de pertencimento, base para a formação da cidadania." Em
é liberdade e ousadia; a arte levanta questões candentes antes da ciência".
poucas palavras, memória traz identidade, que traz cidadania.
Na visão de Den ise, o mérito do programa Rumos Educação Cultura
Então, a educação não-formal pode contribuir para melhorar a educação
e Arte é "valorizar a formação de educadores que se dedicam ao
no Brasil? "Por meio da promoção da cidadania, a educação não-formal
desenvolvimento de ações educativas de natureza artística, no âm bito da
possibilita a inclusão daqueles que carregam o estigma da diferença, seja pela
educação não-formal, voltadas para crianças e jovens de baixa renda ou em
sua cor de pele, seu grupo social, sua orientação sexual ou simplesmente por
situação de risco . Entendendo como ações de natureza artística aquelas que
ser diferente daquilo que é considerado ideal ou padrão" , acredita Mara. " Sua
promovem o desenvolvimento de percursos criativos e de projetos que não
contribuição maior é buscar caminhos de emancipação, de forma participativa,
necessariamente tenham um fim predeterminado".
para os exclu ídos, desenvolvendo identidades mais positivas e promovendo a
Isso não impede que a arte seja também "um fator educacional".
elevação da auto-estima de todos - educadores e educandos."
Segundo Olga, "ela auxilia os outros processos educativos, promove a
cidadania e até mesmo a revalorização da escola formal".
O resgate de valores é igualmente importante para o educador não-
formal, que encontra na própria comunidade suas melhores fontes de
referência. "A educação não-formal se apropriou de valores ancestrais
esquecidos, tais como o respeito aos mais velhos, a organização grupal
diversificada e a solidariedade entre os diferentes, para oferecer uma leitura
mais harmoniosa do mundo e das relações humanas, onde todos podem viver
com autoconfiança, dignidade e respeito", diz Mar a.
Na visão da professora Olga von Simson, o debate a respeito da educação
não-formal ajuda a valorizar a atuação desses jovens e a qualificá-los com o
nome que merecem: educadores. A conseqüência natural desse processo é
abrir caminho para a profissionalização.
Além do Som
Bodô

Quando falam
de f aveia na televisão,
o que aparece? Crime,
prostituição, violência, chacina.
Mas a f aveia não é só isso,
existe poesia dentro da favela.
Existem pessoas ali que
têm uma vida, uma história , ,

A favela Morro do Querosene, em


Belo Horizonte, entrou na vida de
Valmir Alcântara Alves em 1999.
Estudante do curso de História do
Centro Universitário de Belo Horizonte
O quê Música (Uni-B H), começou a trocar experiências
Onde Morro do Querosene,
musicais com crianças, adolescentes e
Belo Horizonte, MG
jovens do morro a partir do tambor.
Quando Desde 2003
Quantos 150 meninos e Dava prosseguimento, assim, à vocação
meninas entre 6 e 18 anos de arte-educador, que descobrira dois
~' Tinha criança aqu i que
anos antes, ainda em ltaobim, sua cidade natal, quando repetia de ano três vezes, e essas crianças
começou a trabalhar com as comunidades ribeirinhas do rio
Jequitinhonha. "Quando pensei em um projeto que me levasse a
pararam de repetir de ano com a vinda
experimentar outras musicalidades, pensei antes em algo que me dos instrumentos, com a vinda dos
tambores pra comunidade 4'4'
transferisse também para um contexto social bastante expressivo.
Acredito que a favela é esse lugar." Em 2000, Valmir - ou Bodô,
como é mais conhecido - começou a trabalhar com meninos de Cláudio Fonseca, morador do Morro do Querosene
rua no projeto Miguilim, patrocinado pela prefeitura de Belo
Horizonte. Foi quando se deu conta de que esses meninos não
vinham de outro lugar senão da favela . Assim, em 2003 Bodô
voltava ao Morro do Querosene, dessa vez com o projeto Além do chegar em vários lugares. A arte aproxima as pessoas." Ainda

Som, desenvolvido até hoje. assim, a aproximação dos meninos do Recanto do Menor teve

O Além do Som atende a 150 crianças e adolescentes de 6 a seus percalços. Bodô conta que no inicio seu trabalho era visto

18 anos, em oficinas de percussão que atualmente compreendem com desconfiança, devido à associação preconceituosa entre o

os ritmos nordestinos, o congado mineiro, as cantigas de roda e tambor e o candomblé. Os moradores também reclamavam do

até marchas de origem européia. O trabalho é realizado no barulho da oficina de percussão. Recanto do Menor
Recanto do Menor, uma instituição mantida pelas Obras Sociais da Superadas essas barreiras - com paciência mineira e um O Recanto do Menor foi fundado

Paróquia Santo Inácio de Loyola . Por que o tambor? "Lá na minha trabalho de formiguinha -, o projeto passou a ser respeitado,
há 11 anos e é mantido pelas Obras
entre outros motivos, por proporcionar prazer à garotada e
torná-la até mais concentrada na escola. "Hoje reconhecem que Sociais da Paróquia de Santo Inácio

, , É através da arte estamos fazendo um trabalho educativo", diz Bodô. E continua: de Loyola. A instituição funciona
"O tambor conseguiu trazer ônibus pra buscar a gente, pra
no Morro do Querosene, em Belo
que trabalho diversas gente tocar no parque. O tambor conseguiu trazer estudantes
Horizonte, e atende a 230 crianças
noções e experiências para a comunidade, o tambor está ajudando a galera a
conhecer outro mundo". entre 4 meses e 18 anos de idade,
cotidianas dessas crianças, com o objetivo de dar a elas o

como por exemplo as As oficinas apoio necessário para que se tornem

relações de gênero e raça 4'4' O Recanto do Menor abriga as crianças do morro quando
pessoas conscientes e preparadas

elas não estão estudando. Ali, meninos e meninas se alimentam, para a vida. O Recanto do Menor
Bodô, educador
brincam, praticam esportes e recebem reforço escolar. Duas vezes oferece alimentação e atividades
cidade, eu levava arte com meu tamborzinho. Eu era da beira por semana, eles participam das oficinas do projeto Além do Som.
culturais variadas, além de aulas
do rio, mas ia até o clube da cidade com meu tambor, ia pro A cada 15 dias, Bodô e os outros educadores se reúnem e definem
sitio dos caras. Então descobri: com este tamborzinho consigo um tema para as semanas seguintes, que é trabalhado de formas de dança, percussão e informática.
diferentes dependendo da faixa etária de cada turma, mas sempre
com alguma proposta de musicalização. Assim é possível, por
exemplo, falar da literatura de cordel e juntar à discussão os
ritmos nordestinos.
Esse planejamento minucioso comporta até um improviso. A
oficina E Agora, José? - inspirada no poema de Carlos Drummond
de Andrade - pode acontecer a qualquer momento. No dia
escolhido, os educandos decidem se vão tocar dentro do galpão
Termômetro
ou se vão sair pela comunidade, explorando as sonoridades da rua No Recanto do Menor, a avaliação
e seus cantos, como as caçambas de lixo, os balcões dos botecos, dos trabalhos começa com uma anál ise
os ecos nos becos, a música cantarolada por personagens da
mensal feita pela equipe de educadores,

que busca uma compreensão global

da participação dos alunos em todas


' ' Esse projeto é muito bom as atividades, inclusive as oficinas
pra mostrar que a gente do projeto Além do Som . A segu ir,

pode fazer cultura aqu i a discussão é levada aos demais

dentro, mas a gente tem que funcionários da instituição, que avaliam

mostrar a cara lá fora, os resultados com a direção das Obras

Sociais da Parõquia de Santo Inácio de


mostrar que sabe Loyola . Além disso, existe a Cartilha de
fazer alguma coisa • • Aval iação, que traz perguntas genéricas

Frederico Santos, sobre o trabalho da instituição e é


integrante do Blackouts do Rap distribuída aos pais, responsáveis e

visitantes do projeto. Por fim, a cada


comunidade, os botijões de gás. Trata-se de um momento de
descoberta. "O prazer e a ligação com a realidade cotidiana estão semestre os próprios alunos respondem
diretamente relacionados à aprendizagem de conteúdos. Acredito a um questionário no qual
que a concretização do prazer musical pelo educando, sem a
são estimulados a falar do que
cobrança tlpica da escola tradicional, também contribua para
uma liberdade de criação maior e para que o participante realize gostaram ou não em cada projeto.
um dos objetivos do trabalho, que é fazer a troca cultural , V)
expor a cultura que eles vivenciam, como o hip-hop, o funk, o a.;
pagode, o pop rock, a capoeira, numa nova chave de entendimento
tQ
do mundo." V)
V)
a.;
Os frutos ~

As oficinas de percussão do projeto Além do Som contam hoje


o...
com três grupos musicais: a Bandalém, o Blackouts do Rap e o
Quero Rap. São elas que efetuam a interlocução cultural com a
E
comunidade local e com as outras comunidades, em apresentações
conjuntas. A Bandalém é um grupo formado por 25 integrantes
Bodô,
que se revezam com os outros participantes do projeto. Já se ou Vallr,r Alcártarõ Alves, nasceu

apresentou no evento Tambores de Natal; na Semana da em 5 oe agosto oe 1976, em ltaob,m,


Consciência Negra da PUC-MG; no encontro dos Mil Tambores,
no vale do Jequ1tinhorha, Minas Gerais
com Milton Nascimento; no projeto Brincando no Museu, do
20 Comecou a tocar tambor na
Museu Histórico Abílio Barreto, e até no parque do lbirapuera, em
São Paulo, para um públ ico estimado em 1O mil pessoas. adolescência, quando reunia os amigos
Já os dois grupos de rap são fruto do trabalho de Bodô na para batucar no fundo do quintal.
comunidade. O Quero Rap é formado por crianças de até 13 anos.
Elas se organizaram sozinhas, fazem as letras e as músicas, cuidam "Falar desta idéia que se concretizou é mergulhar InteIramente
Em 1997 to, com,dado por urna ONG
de tudo . O Blackouts do Rap foi criado por Adilson Santos, ou em um processo de conquista que poucos acreditavam que dana para dar aulas oe percussão para as
Bala, que conheceu Bodô em 1999, quando ele trabalhou no certo. Penso que existem várias formas de uma pessoa se realizar
cnancas das comunidades r,be,rinhas
Morro do Querosene pela primeira vez. Adilson aprendeu a emocional ou profissionalmente. No meu caso, a realizacão veio
Não parou mais. Mestrando em
tocar tambor com outros meninos, que, como ele, não tinham com o projeto Além do Som. Para qualquer artista, a felicidade
muito o que fazer da vida. Com a chegada de uma rádio está no reconhecimento da sua obra. E para um educador que Educação pela Unrvers1dade Federal
comunitária, logo depois, ele descobriu o rap e o movimento hip- não sabia se era artista ou educador) A minha maior descoberta
da Paraíba (UFPBl, na linha de pesquisa
hop . "Ficava ouvindo e pensava: 'O que é que eles estão foi me encontrar. Como ser o líder se não gosto de me Impor 7
Educação Popular e Movimentos Sooa,s,
falando 7 O que estão querendo expressar?'" Quando o primo Como se r o artista, o músico de referência, se não me sinto à

comprou um par de pick-ups, Adilson se animou a tentar escrever altura dessa responsabilidade I A resposta veio de forma lenta, Bodõ cursou Historia no Centro

algumas músicas. Gravaram uma fita, mandaram para a rádio, mas def1nit1va. Após dez anos de luta eu me encontre, como arte- Univers1tano de Belo Horizonte (Uni-BH)
formaram um grupo. "Hoje nós estamos ai no movimento graças educador, e esse proJeto me deu a certeza de que eu e os
e foi agraciado recentemente com
Um dia de muita batucada na oficina de ao Bodô, que inspirou a gente a procurar cu ltura. A gente nem meni nos e meninas do Morro do Querosene nos tornamos
percussão do projeto Além do Som. sabia o que era cultura, entendeu?" sujei tos de nossa p1ópria história." uma bolsa da Fundação Ford.
~'
~
u
Rufam os tambores
O tambor é utilizado desde os
primórdios da humanidade.
Acredita-se que as primeiras
versões tenham sido troncos
Tambo r-de-min a
Manifestação religiosa do estado
do Maranhão, de origem jeje
e nagô, realizada em terreiros.
Tambor-de-crioula
Freqüente no Maranhão, é uma dança
,
ocos de árvores. O tambor pode Ao toque de cabaças, triãngulos em louvor a são Benedito ritmada por
desempenhar diversos papéis, e tambores, os iniciados dançam três tambores: o roncador, que faz a
entre eles o de produzir a música e incorporam entidades espirituais. marcação para a umbigada; o sacador,
dos rituais e o de estabelecer que marca o ritmo; e o crivador,
comunicação direta com responsável pelo repicado.
a coletividade, graças ao seu
poderoso som. No Brasil, ele
está presente em inúmeras
manifestações da tradição africana,
,, São tambores os tambo res
como o batuque, o tambor- [ ... ] cura a dor de amo r com
de-mina, o tambor-de-crioula,
mais amores ,,
I
'
o jongo e o carimbó.
Chico César, "Tambores"

Jongo Carimbá

,
O jongo é uma dança banta, ancestral do samba e do O carimbó é uma dança paraense

,
pagode. Essa tradição se mantém no vale do Paraíba típica da miscigenação brasileira.

'
e é realizada em praças públicas, em torno de uma fogueira, Teve origem entre os índios
cujo calor ajuda a manter os tambores afinados. Como tupinambás, mas herdou dos
no tambor-de-crioula, o jongo é uma homenagem africanos o som vibrante dos

_,
a são Benedito. atabaques e, dos portugueses,
as palmas e o estalar de dedos.

Hip-hop
O hip-hop surgiu em Nova York, nos anos 1970, entre a
\ O ritmo é marcado por dois
tambores (curimbós, ou
atabaques), ganzá, banjo,
pandeiro, flauta e duas maracas.

população dos subúrbios negros, mas é cada vez mais


um veículo de expressão dos oprimidos nas periferias das
Break
grandes cidades de todo o mundo. Trata-se de um O break é uma dança Rap
movimento artístico com três elementos básicos: de rua que mistura Do inglês rhythm and poetry

o rap (música), o break (dança) e o grafite (arte visual). movimentos "robóticos" ("ritmo e poesia"), originalmente
O hip-hop chegou ao Brasil nos anos 1980 e,
com malabarismos era uma adaptação do canto
influenciado pela cultura local, ganhou traços e coreografias solo. falado africano à música jamaicana
diferenciados. O break incorporou movimentos da Tem diversas vertentes. da década de 1950. Tem letras
capoeira; o rap misturou-se ao samba; e os grafites Entre seus adeptos, os com forte conteúdo político,
ganharam cores vivas. dançarinos são chamados de conscientização e denúncia
de b-boy ou b-girl. contra a exclusão social.

,, Na antiga era o funk


agora é o rap Gra f ite


vem puxando o movimento O grafite é a atividade de pintar ou desenhar em
muros e paredes públicos, geralmente com tubos
como o negro de talento ,,
de spray. As modalidades de execução incluem
Rappin' Hood, "Sou negr~o" ~
~
desde a utilização de máscaras (papéis com o recorte
dos desenhos) até técnicas de desenho em 3D. ~

fM
Silêncios Sentidos
Carla Lopes

' ' Na adolescência eu era mais


uma jovem confusa, com medo
e com muitas questões, tendo só
a ausência como resposta e sem
qualquer perspectiva, como
todo adolescente brasileiro
oriundo de classes populares.
Ter tido a oportunidade de fazer
teatro-educacão mudou
radicalmente~ a minha vida , ,

O quê Teat ro Pelourinho, Salvador, Bahia . Um grupo


Onde CRIA (Centro de pessoas de diversas idades encena
de Refe rência Int egral um espetáculo baseado na mitologia
de Adolesce ntes),
afro-brasileira; é a primeira vez que
Sal va dor, BA
alguns deles tomam contato com o
Quando Desde 2002
Quantos 12 pessoas teatro . É a primeira vez que boa parte
en tre 14 e 65 anos da platéia assiste a uma peça de teatro .
' : : 1 1 ·, ' 1 ' 1 ;

, , Nós, arte-educadores I

Uma emoção quase inexplicável toma conta de todos os não estamos sentados no
participantes desse evento singelo e mágico. Emoção que não
vem apenas do divertimento gerado pela novidade; vem, antes lugar do saber absoluto.
e principalmente, do sentimento de inclusão, aceitação,
Eu, particularmente, não
identificação, identidade - em outras palavras, de pertencimento,
tanto à comunidade como ao mundo em que vivem. acredito na formação que
vem só de um lado 4'4'
O grupo Abebé Omi foi criado em março de 2002 na sede do
CRIA (Centro de Referência Integral de Adolescentes), no bairro do
Pelourinho. A idéia era fazer um grupo teatral, mas, para isso, era Carla Lopes, educadora
CRIA
preciso escolher um tema a ser encenado. De onde viria a O Centro de Referência Integral de
inspiração para a escolha desse tema? "O recorte proposto para a Carla resgata temas caros à comunidade negra baiana, como
Adolescentes (CRIA) foi criado em
montagem de Silêncios sentidos [a peça encenada pelo Abebé a mitologia e a ancestralidade africanas, passando pela história da
Omi, que dá nome ao projeto] surge do nosso contexto de cidade escravidão. Não à toa, o nome do grupo (Abebé Omi) vem da 1994, no Pelourinho, em Salvador, pela

majoritariamente negra e da coincidência entre negritude e língua ioruba e significa "espelho-d'água", ou "espelho de Oxum". atriz, diretora de teatro e psicanalista
pobreza", afirma Carla, "e está voltado para as questões do
Maria Eugênia Milet. A princípio um
enfrentamento à violência sexual com crianças e adolescentes."
trabalho individual, logo tornou-se um 27
Nesse processo, a energia positiva da arte, da educação, do axé,
Vozes do silêncio
aos poucos tira de cena toda a negatividade contida em qualquer projeto coletivo - uma ONG voltada ao
tipo de violência. O Abebé Omi encena o espetáculo Silêncios sentidos, e é
trabalho educativo com adolescentes
formado por 12 integrantes que mudam a cada montagem da
a partir do teatro e da poesia. Hoje,
peça, mas são sempre provenientes das diversas comunidades

, , As pessoas sempre populares de Salvador.


A peça aborda a questão da violência e do turismo sexual,
a organização conta com cinco grupos

de teatro - entre eles o Abebé Omi -


sabem tudo - só não utilizando a mitologia afro-brasileira para contar a história.
e um grupo de poesia, formados
Gera lmente, o abuso sexual ocorre em casa, cometido pelos
sabem que sabem 4'4' próprios familiares. Como se sentem os participantes, na maioria por pessoas de diversas faixas etárias,
jovens, ao encenar um tema tão marcante? "Poder desnaturalizar que produzem, além dos espetáculos,
Carla Lopes, educadora
situações de violência que acontecem no dia-a-dia, ampliando a
material impresso e em vídeo.
discussão a respeito da violência e da exploração sexual contra
crianças e adolescentes no cotidiano" é o processo pelo qual No CRIA, o conhecimento é uma obra
A idéia de usar o combate à agressão sexual como ingrediente
motivador do trabalho teve influência do próprio CRIA, onde Carla passam os integrantes do grupo, afirma Carla. "A forma como ele coletiva, a toda hora alimentada pelos
participou de um curso com a socióloga e pesquisadora Marl ene passa a se pensar e questionar-se diante do mundo sempre vai
integrantes dos grupos, oriundos de
Um dia de ensaio do grupo Abebé Omi Vaz, de março a julho de 2002. "Marlene, especialista com além do esperado. Trazer a família para mais perto do
no CRIA. desenvolvimento do jovem também é um grande impacto." mais de 20 comunidades de Salvador.
reconhecimento internacional, é nossa consultora sobre o tema."
~
1
t i : 1 1
1
: i 1

'ebate que sucede a peça da a chance a atores e platéia de


a,scut1rem o tema e aprofundarem suas ideias, levantando novas
U\ 1aas e soluções dentro do contexto da comun idade. Mas de onde veio a idéia de usar a mitologia afro-brasileira

O espetaculo funciona como um veiculo de informação para como substrato para a encenação? "O trabalho criativo começou

as comurndades em que e apresentado, exercendo assi m um papel com a investigação da forma como cada religião percebe as

eaucauvo não so para os participantes, mas também para a relações de poder entre homem e mulher. Durante a improvisação,

p1ate1a. " E a provocação pa ra que seja quebrado o pacto do apareceu fortemente o movimento tribal e ritualistico que estava

s1lênoo ", afirma Carla. Com muit a dança e música, a peça aborda, escondido na memória corporal de cada pessoa presente. O grupo

ale do abuso sexual de crianças e adolescent es, quest ões como em formação foi convidado a conhecer e entender a simbologia aí

a aes1gualdade social e o papel da mulher na sociedade. "É a embutida e deixar que isso viesse à tona com toda a força . Da i veio

forma mais sutil e menos chocante de levar essa informação às a escolha da mitologia africana", explica a educadora .

pessoas", explica Sandra Pinho, integrante do grupo.


" Para falar das violências (miséria, fome, discriminação,
Laboratório de criação
dominação), escolhemos falar da vida, do nascimento, do amor, da
uansformação da lama em vida ", complet a Carla. É justamente o A sim biose entre a idealizadora Carla e os participantes é
fu ndamental para que a mágica do espetáculo aconteça. Ao bolar
Termômetro
as atividades, Carla observa antes de tudo as características do Ao fim de cada atividade, é feita uma 29

' ' Quero q ue as pessoas, assim como eu, grupo com o qual vai trabalhar. Em seguida, pesquisa propostas aval iação, ora escnta, ora fa lada . Após
cult ura is relacionadas aos participantes . "A escuta do grupo é tão
te nham a poss ibili dade de se reconhecer e importa nte para o planejamento quanto as pesqu isas, análises
cada apresentação do grupo, rea liza-se

de encontrar seus espaços no mundo


um mapeamento da receptividade
de especial istas, m úsicas, poemas, filmes, conversas e textos
produzidos pelo próprio gru po." do público, do envolvimento dos
sendo o que e las decidam ser, rompendo com Então, estruturas rígidas e engessadas não têm vez aqui?
participantes e dos desdobramentos

os ciclos viciosos e dolorosos da exclusão•• " Cada at ividade é planejada para ser um laboratório de criação em
que cada um é um participante fundamental", afirma ela . " O que
que surgem duran te a encenação, por

Carla Lopes, educadora foi vivenciado em um dia é orientador do próximo planejamento." meio do debate que se segue à peça .
que represent a Oxum, que dá nome ao grupo: vida, fertilidade, O resultado é uma criação coletiva, fundamentada na Relatónos semestrais com as impressões
beleza . " Com o fortalecimento do feminino, da identidade negra, expressão individual. Os indivíduos, por sua vez, inspiram-se na
de cada participante, do educador e do
do respeito à religiosidade afro-brasileira, propomos que cada um convivência socia l pa ra criar suas formas de expressão, num
se veja e encontre a sua verdadeira história, sua própria voz, que estim ulante ciclo criativo. "A gente discute bastante e passa para grupo como um todo avaliam o avanço
cada um se enxergue e enxergue o outro ", diz a educadora . E vai as improvisações, com Carla nos mostrando as técnicas de do traba lho, bem como as dificuldades
além: "Que passemos a ser autores de uma nova história que se teatro", explica Dani lo Santos, aluno do CRIA. " Depois a gente
encontradas, possibilitando aprofundar
sobreponha à da exploração e da dominação de uns sobre os começa a se observar mais, pega coisas do dia-a-dia, traz para cá
outros, entendendo que todos nós somos sagrados ". e põe nas cenas. " o processo de aprendizagem .
1 ! l ; 1 : 1 I

\ i encias anteriores V)
uando criou o grupo Abebé Omi, Carla já trazia na (1)
oagagem outras expenências no CRIA. "Silêncios sentidos foi a tQ
segunda peça que dirigi aqui; a primeira foi Diálogos, com o grupo V)
Pais e Filhos, que fala da prevenção em todos os ãmbitos, do V)
diaiogo na familia, da questão da familia ampliada - é um grupo (1)
~
que trabalha com crianças, adolescentes, adultos e idosos, tem
essa perspeaIva [de abordar diversas faixas etárias]. O Abebé é a
Q.
segunda geração. Antes fiz um trabalho em Moçambique
tambem, o segundo em direção a essa perspectiva de prevenção a
E Carla Lopes
DST e aids."
nasceu e"' 7 de outuoro de , 973, err

, A forma como Carl a traz isso pra gente, Salvador. Bari,a Estudan:e oe escola

pública. conheceu o teatro aos 16 anos,


ela tem um ângul o ce rto, um objetivo ... e através dele rede' 1rIu ;oda a sua
E consegue atin gir esse objetivo, até porque "O teatro-educação me fez despertar e me encontrar no
h1stona. Faz pane do CR,A desce 31

o nosso obj etivo acaba co in cidindo com O dela 4'4' mundo. A partir dai entendi que a minha realidade, apesar de quando a msuu,ção surg,u, em 199~
dura, não podena ser motivo de conformação e acomodação
Começou como monnora. passou a
Sandra Pinho, aluna do CRIA
(porque nós estamos no mundo por nossa própria conta). No
assistente, orientadora e ho1e coordena
Carla faz questão de ressaltar a importãncia do CRIA em seu processo de formação através do teatro, pude entender e transpor
desenvolvimento como educadora. "Até a parte de criação de um a minha realidade, afirmar minha 1dent1dade, respeitar minha o núcleo de teatro. Pedagoga com
grupo não foi uma coisa que partiu especificamente de mim. Eu já ancestralidade e encontrar a minha estética negra. Foi tudo tão
espec,aI1zacão em orientação
fazia parte do CRIA antes de ele surgir, com Maria Eugênia Milet intenso que em alguns momentos me sentia tão grande no
educaoonal, e responsavel por
[fundadora e coordenadora-geral da organização]; era uma jovem mundo, mesmo tendo pouco, e assim me descobn educadora'
atriz e desenvolvia o mesmo trabalho [que hoje fazem os atores Nesse momento estudar era mais que necessáno e com muita luta ,dent,f,car iovens e montar e ding,r
dirigidos por Carla]. Fiz uma peça sobre gravidez na adolescência, ingressei e conclui a faculdade de educação. Trabalhar com este pecas. acompanhando art,st,ca
uma outra sobre violência, a gente trabalhava com Hamlet de rua, público é escolha, missão e combustível!"
e pedagog,carnente grupos
e trazia essa coisa da vivência do menino de rua para sempre
discutir as possibilidades desse universo maravilhoso, nesse processo "Pelo teatro, as pessoas podem se revelar e se descobrir no de teatro. Um dos grupos que
da jovem atriz que é mexida e estimulada por várias coisas - quando mundo nesta sociedade; assim, elas são desafiadas a fazer Carla coordena e o Abebé Om,.
o mundo me foi apresentado de outra forma, eu me descobri escolhas. Esse trabalho pode transformar uma situação conflituosa
responsavel pela montagem
educadora. Ai em 1994 o CRIA foi fundado, eu já era monitora e em possibilidade de mudança Entretanto, a transformação é
fui seguindo, cada dia a mais era um desafio, uma perspectiva ." atitude, decisão pessoal, depende de cada um." da peça Silêncios sentidos
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Os iorubas
Alguns historiadores calculam que cerca
de 4 milhões de homens, mulheres
e crianças africanas foram escravizados No mund o dos ori xás
pelos europeus durante três séculos Segundo a mitologia ioruba, os orixás teriam sido criados por

e meio. Outros chegam a estimar até Oloru m, o Ser Supremo . Feminino ou masculino, cada um

cerca de 13 milhões. Pertenciam deles está ligado a um elemento da natureza e é responsável

a diferentes povos e etnias, dos quais por determinados aspectos da condição humana . Conta-se

predominaram os iorubas, também que, um dia, um mensageiro chamado Exu foi incumbido de

chamados nagôs, que desembarcaram ouvir os dramas humanos: relatos de vitórias e derrotas,
no Brasi l - principalmente no Nordeste - sofri mentos e aleg ri as.
durante os séculos 18 e 19. Os iorubas Era preciso ouvir as histórias até o fim e descobrir que
introduziram no pais o culto aos orixás. tipo de oferenda cada um havia feito aos deuses a fim
de resolver seus problemas . Exu conseguiu um número
, , Uma coisa que se revela nos mitos praticamente in finito de relatos, que continham em si
os mistérios da vida e o destino dos homens.
é que, no fundo do abismo,
Transmitiu, então, esse conhecimento a lfá, deus do
desponta a voz da salvação,, oráculo, que forn ece assim as respostas e os conselhos
Joseph Campbell (1904- 1987), dos orixás. Para consultá-lo, jogam-se os búzios.
um dos maiores especialistas em mitologia do século 20

Oxum
Oxum é o orixá feminino ligado aos rios, à
fertilidade, à gest ação, à vida, à beleza, à
sedução e à riqueza. Seu símbolo é um espelho, ~ De como Oxum f icou pobre
abebé, em ioruba; daí o nome do grupo de
Carla, A bebé Omi (Espelho de Oxum).
~ para conquista r Xangô ...
Conta o mito que Oxum desejou
Seg undo os mitos, Oxum é m uito bonita, Xangô tão logo o viu na aldeia.
vaidosa e ri ca, sempre cercada de jóias e Jovem tocador de tambor, Xangô era
espelhos de madrepérola . Muda muito belo, ta lentoso, mas adorava esbanjar
fáci l de humor, e por isso suas águas tudo o que tinha. Apaixonada, Oxum
correm ora calmas, ora tumultuadas. se ofereceu a ele, mas foi rejeitada;
Quando está furiosa. é capaz de usou ent ão de todos os artifícios para
destruir qualquer embarcação que ouse conquistá-lo, até que Xa ngô cedeu,
atravessá-las. Boa mãe, costuma atender embora cont inuasse a desprezá-la.
aos pedidos das mulheres que desejam Tempos depois, pobre e esquecido,
eng ravidar. Foi a seg unda mulher Xa ngô abandonou os tambores e foi
de Xangô, orixá do fogo e do trovão viver bem longe da aldeia. Oxum
e protetor da justiça. conti nuou sendo sua amante, e, para
satisfaze r as vontades de Xangô,
desfez-se de t udo o que tinha: as
jóias, os vestidos e até os espel hos.
Seg undo o mito, ficou apenas com
um vestido branco, que, de tanto

é pe lo m ito que se alcança


Para os io ru bas, ' ' lava r, amarelou. Nesse dia, Xangô
amou Oxum. Ela ti nha fica do
o passado e se exp lica a origem de tudo, pobre por amor.
é pe lo mito que se interpreta o presente e se
Baseado na obra M,rologia dos onxás,
prediz o futuro, nesta e na outra vida,, de Reg,na ldo Prandi

Reginaldo Prandi, sociólogo, es tudioso da mitologia africa na


Que Cidade É Essa?
Gustavo Arantes

' ' Penso nas minhas


necessidades como educador
e tento sempre me desafiar
de alguma fo rma. Lido com
o grupo como educador, mas
também como artista, de
modo que procuro sempre
r- ·- um tema late nte no grupo
1GAVW· e em mim, e mu itas vezes
deixo-me levar pela intuição , ,

\11 . .
t.:;~\.., •I 1 •

São Paulo, capita l. Um grupo de crianças


~~~;...,&.:11~
~
;
, -=
....... - -- ---- ---
O quê Teatro
Onde Centro Comunitário
entre 6 e 13 anos passeia pelo Vale do
S%.fÍ!\te.:r r,,f 11 · Anhangabaú, no centro da cidade, e visita
e Recreativo do o Teatro Municipal. Até então, muitas
Ja rd im Macedôni a,
delas jamais haviam saído do bairro onde
São Paulo, SP
moram, o Jardim Macedônia, na região
Quando 2004
Quantos 26 cria nças de Campo Limpo e Capão Redondo .
Brincar na fazenda do senhor
Os 26 garotos e garotas preparam com Gustavo Arantes, e da senhora Macedo
mentor do projeto Que Cidade É Essa?, uma peça sobre a caótica
A primeira med ida foi resgatar a brincadeira . Partindo do
metrópole em que vivem - da periferia onde fica a comunidade
princípio de que o teatro também é uma forma de brincadeira e
at é o cent ro que os pequenos estão visitando nesse dia, e por fim
de que o brincar é uma atividade natural para as cria nças, além de
de volta à comunidade .
ser uma forma de elas elaborarem o mundo, Gustavo passou a
observá-las. E concluiu: "Acho que tem uma coisa de resgatar a
brincadeira também, que hoje em dia é uma coisa que está meio
Periferia-centro-periferia
perdida, de brincar com o am igo, brincar numa roda . Isso mudou
Final de 2003 . Fazia alguns meses que Gustavo dava aulas de o clima dos encontros . Aprendi brincadeiras novas e ensinei ta ntas
teatro uma vez por semana no Centro Comunitário e Recreativo outras. E percebi que besteira era aquela de querer ter um método O Centro Comunrtáno e Recreativo
do Jardim Macedônia, mas sentia que seu método de jogos para ensinar teatro. O negócio era brincar" . do Jardim Macedónia.
teatra is não atend ia às necessidades e anseios das crianças. Sentia- Em seguida, as atividades se deslocaram da sa la de aula para
se incomodado. Queria ir além da técnica, buscar um resultado as ruas. O grupo saía entrevistando os moradores, principalmente 37

, , O mais estético que fosse proveniente do encontro que ele tinha com as
crianças . Percebeu que não conhecia a comunidade onde
os mais antigos, procurando retomar uma memória neg ligenciada.
Além disso, as crianças transformaram-se em gu ias e levaram o

legal é: a gente trabalhava, que atuava mecanicamente, sem se envolver de fato.


Propôs então saírem todos juntos para conhecer o bairro
educador para conhecer suas escolas, suas casas, suas igrejas,
enquanto lhe contavam histórias sobre seus vizin hos e su as
aprende coisas Jardim Macedônia. "As crianças também o conheciam pouco", famílias. A educadora Gabriela Andrade, também do centro
conta o educador. Surgiu assim o projeto Que Cidade É Essa?, comunitário, sempre os acompanhava e contribuiu muito para o
novas se um movimento periferia-centro-periferia que tinha como objetivo resgate de histórias do bairro, pois nascera e crescera ali.

divertindo 4'4' reinventar a história da cidade comparando duas realidades e O processo levou as crianças a valorizarem sua origem e a se
utilizando o teatro como suporte. descobrirem também. Elas redescobriram sua sociedade e
Bianca Palma, 11 anos, O tema lhe ocorreu porque ele não se sentia ligado à perceberam que tudo tem uma história. Como aq uela a respeito
:.,,,. aluna da oficina de teatro
comunidade como gostaria. "A minha realidade cultural precisava do nome do bairro, Jardim Macedônia. Para Gustavo, até então
do Centro Comunitário e
Recreativo do Jardim Macedônia se impregnar da realidade das crianças e vice-versa. O meu mundo ela estava relacionada às conquistas de Alexandre, o Grande.
precisava se abrir para o mundo deles. Considero este projeto o "Mas descobrimos que antes aquela terra havia sido a fazenda
marco de uma nova forma de eu encarar a educação através da de um senhor chamado Macedo e que um dia ele e sua família
arte, e para a comunidade também foi uma experiência a deixaram", relata Gustavo. " O motivo exato não desvendamos,
significativa, de valorização da cidadania no convívio coletivo", ma s inventamos, já que o teatro nos dá essa possi bilidade",
explica Gustavo. diverte-se ele . do centro comunitário.
Coração Macedônia
Eu nu ca tinha conhecido o Teatro
Mun icipal. Ano passado, com a oficina A peça final foi construida totalmente a partir das
improvisações do grupo. Gustavo fez questão de observar o que
de teatro, tive o prazer de ir lá, entrar. as crianças mais tinham vontade de representar, sem forçar
nenhuma emoção e deixando que fossem o mais sinceras passivei. A praça Nilze
E é as im, tem crianças nossas aqui que podem Todos improvisavam com base no que tinham visto, vivido e e Rosilene
chegar e falar: 'Eu já fui em tal museu, , escutado: a part ir dai, consolidou-se um roteiro . Coração
Durante as peregrinações pelo bairro.
Macedônia. o título escolhido para a peça, refletia o orgulho do
eu VI tal coisa' 4'4' grupo pelo bairro e o sentimento de que "ali era o centro, onde a educadora Gabriela Andrade revelou

tudo pulsa". nas palavras do educador. algo que muitos dos moradores não
Gabriela A ndrade, ed ucadora do Centro Comun itário e Recreativo do Jardim Macedônia
Ao final, Gustavo acabou atuando como narrador onisciente
sabiam : a praça Nilze e Rosilene, uma
para dar mais segurança aos atores mirins - mas eram eles que
das principais do lugar. devia seu nome
criavam todos os diálogos para a cena . Para ensaiar, foi adotado o
método de Bertolt Brecht em que todos os atores experimentam a duas irmãs que morreram atropeladas
O barbeiro de Sevilha
Termômetro O segundo movimento do projeto, periferia-centro, partiu da
vivenciar todos os personagens, o que serviu para realizar uma
divisão de papéis mais orgânica. Adotou-se ainda um modelo
por um ônibus enquanto iam para a

A avaliação se dá em duas frentes escola. Todos ficaram chocados com a 39


pergunta " Que cidade é essa7" e levou o grupo até o centro de "work 111 progress": eram realizadas algumas apresentações para a
no Centro Comunitário e Recreativo São Pau lo. onde visitaram o Vale do Anhangabaú e o Teatro comunidade ao longo do processo. para que as crianças se revelação. A presidente do centro. Ana
Municipal. " Foi um pretexto para levar as crianças ao centro e a acostumassem com o estar em cena e pudessem verificar quais Maria Agostinho de Carva lho, morava
do Jardim Macedônia. Uma, junto
um t eat ro, pois na minha opinião é inconcebível fazer uma oficina cenas exerciam maior impacto sobre o público.
aos educadores, com quem são perto da família das meninas e marcou
de teatro sem que os participantes tenham a oportunidade de Para os educadores do centro comunitário que atuam em
organizadas reuniões mensais. Out ra. conhecer um " . explica Gustavo. " Ao conhecerem a cidade longe período integral, a experiência ampliou o desenvolvimento das uma visita . " Foi um dos momentos mais

de seu ba irro. as crianças perceberam que podem. sim, ter acesso crianças, tanto social quanto escolar. " Hoje eu vejo que elas são emocionantes do processo " . lembra
com as crianças: através de dinâmicas,
ao mundo lá fora", continua . mais articuladas, têm um interesse pelas coisas. têm uma vontade
são determinadas regras de convivência Gustavo. " Aos poucos. as cnanças
Durante o passeio pelo Municipal, assistiram a uma de perguntar, de saber o porquê, têm maior facilidade de conviver
em grupo, de saber a hora de falar, hora de deixar o outro falar, foram se soltando e fazendo perguntas
pelo grupo. Ao fin al de cada atividade, pequena mostra com trechos das principais óperas e seus
compositores e intérpretes mais conhecidos. As crianças de ouvir o outro". comenta Gabriela Andrade. " Elas estão mais aos familiares. Lembrei-me dos
há a "Roda Aberta" . para refl exão
se encantaram com O barbeiro de Sevilha . Mais tarde, nas soltas. falam, [têm) mais segurança, [estão) menos tímidas. mais
momentos em que eu. ao trabalhar
sobre o processo artístico. Há ta mbém
improvisações. sempre aparecia um barbeiro e um cliente que criativas . [Perguntam-se:) ·o que é isso. em que lugar eu vivo? E o
como ator. fazia 'laboratórios· de
um painel em que o grupo escreve regras pagava seus serviços com uma galinha, e todos se divertiam que acontece de que eu não estou participando? Ou como eu
mu ito com isso. segundo o educador. Nas cenas de improvisação posso ajudar?' Então a transformação é o conhecimento - como criação da personagem e fiquei feliz
pa ra entrar em cena. e que f unciona
posteriores ao passeio, apareceram personagens do centro. essa criança mais tarde vai poder ajudar e, conhecendo a história
ao perceber que estava oferecendo
como uma espécie de "manual
como mendigos. madames e policiais. que depois foram do bairro. ajudar a própria comunidade". completa Maria
a mesma oportunidade às crianças ."
do ator mirim". incorporados à peça . Aparecida da Silva, diretora do núcleo socioeducativo.
Todo o processo vivenciado pelos educadores na montagem
(./)
da peça levou não só a uma maior desenvoltura e sociabilidade
1nitario dos envolvidos, mas também, segundo Gustavo, a uma
(1J
e "ecreativo valorização tanto do que está lá fora, no centro de São Paulo,
tQ
(./)
Jardim como do bairro onde eles nasceram. "Para que tenham orgulho (./)
iacedônia de suas raízes. mas ao mesmo tempo percebam que podem ter (1J
1
acesso a uma coisa que às vezes não conhecem, ou não sabem L Gustavo Arantes
=t..r'aaao em l 985, surgiu devido à que podem [usufruir]." Q_ · a;ce Pm • 5 de r1a ro de · r6
necess,daae das mães do bairro de

,erem um local onde deixar os íilhos


E er Soo Paulo. For~ ado Pr Artes

CE-n cas e a o· e raba a co o


ao sa,rem para trabalhar. O terreno

•o, cedido pela prefeitura, mas a

casa '01 construída em mut irão pela ~a or,G Pro e;o Árco•a pe o 1 re os

comun idade. As 50 crianças que ' ' A arte é onde a da cr,anca, oo aoo escer e e ac, dose,

"reqüentam o centro atualmente, na criança pode se expressar, na Casa de Cc •ura oo B ·a à CO!T'O 41


'a ,xa de 6 a 15 anos, cursam a escola coordenaaor aa 0 1 e na de -ea·•o
espelhar a família, a vida "Eu acho que o teatro é uma arte completa; \ océ pode ter
todas as manifestações, tanto plast,cas. quarto sonoras. lv'las.
formal. Esse é o pnmeiro critério de Exper rner• a e professo oe ·eatro
do dia-a-dia. especialmente, o teatro coloca vocé em con ato consigo mesrrio e
pan:iopação do lugar, que oferece dz O' c na r:eg·ada e ~;i p•o eto

0 1 :c1nas de arte, acompanhamento


Estudar é essencial com um âmbito coletivo. Vocé d,v,de e estabelece cortato com
alguém que está ass1st1ndo. Ele transita entre essa co,sa pessoal e

escolar, alfabetização, higiene e também, mas tem o o coletivo; isso eu acho muito interessante." coorde1 ador da o· : na de e •rc e

onentação alimentar, além de brincar, os jogos, "Aprendo muito com as comunidades em que trabalho, ou
mor tor 0a t c pau oe ou' cs pro etos

passeios externos, atividades


a criatividade •• Seja, ocorre uma troca. Acredito estar apenas estendendo a elas a
minha maneira de fazer arte. Penso que estou apenas 1nclu1ndo
de arte-educa áo er1 cor ur dades de

culturais e festas comunitárias, onde •isco - er Gua, u hos e na Freguesia


Maria Aparecida da Silva, essas crianças no meu projeto de vida. algo em que acredito
as crianças se apresentam. Para os diretora do centro socioeducativo do Centro do O e"7 :ão 0 auio Ho e ec ona
Comunitário e Recreativo do Jardim Macedônia o CEU Pera ✓ z n1e o, ~oba r;:, do
adu ltos, são oferecidos cursos de "Trabalhar com crianças de baixa renda e/ou em s,tuacáo de

artesanato e culinária. O centro risco é um prazer, po,s me permite transformar toda a n1 nI,a Ja agu, e ,·or ao wt eo 2 do Te2• o
bagagem teatral e acadêmica em uma pratica teatral, na med,da
também real iza a entrega de leite Fóbr ce Sao PaL o e esta ria rnortaqeIT'
em que preciso transformar meu conhecimento numa hnquagerri
para cerca de cem famílias. oa oe,a A mãe, de Berto t B •e 1t
acessível a esse publico e numa pratica soc,al efetiva."
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u
Da emoção à razão
O alemão Bertolt Brecht (1898-1956) foi um dos escritores que mais Aristóteles
influenciaram o teatro no século 20. Para o dramaturgo, o teatro que se Importante pensador grego,
fazia até então, baseado ainda nas idéias de Aristóteles, não conseguia Aristóteles (384 a.C.-322 a.C.)
responder aos anseios e inquietações da sociedade moderna . estudou a poesia, a tragédia
Assim, Brecht criou, na década de 1920, o drama épico-dialético, e a comédia na obra Arte
com a intenção de fazer a platéia refletir, e não apenas se emocionar. poética. Para ele, as ações
Os espectadores deviam enxergar as causas socioeconõmicas que estavam nobres ou horrendas eram
por trás do conflito encenado. Para isso, diretor e atores jamais podiam encenadas com o intuito
apresentar os acontecimentos como algo natural ou fruto do acaso, de emocionar o homem,
mas sim como resultado de um contexto histórico e social - a esse que experimentava aquelas
procedimento dramático Brecht chamou estranhamento. situações sem ter de vivê-las
No Brasil, um dos grupos mais famosos a seguir o teatro de verdade - a isso Aristóteles
brechtiano é a Companhia do Latão (SP), fundada em 1997 deu o nome de catarse.
e dirigida por Sérgio de Carvalho .

,, O teatro transforma a quem


assiste e a quem o faz ,,
Bertolt Brecht
Brincando no palco da vida
Você sabia que, em inglês, a palavra "ator" (player) remete à palavra
"brincar" (p/ay)? No Nordeste brasileiro, os artistas populares - que
cantam, tocam, encenam e dançam - são chamados de um jeito
bem especial: "brincantes".
Em 1938, o historiador holandês Johan Huizinga (1872-1945) Homo ludens
lançava a obra filosófica Homo ludens. Ele argumentava que A própria definição de
a idéia de jogo, de brincadeira, é central para a civi lização Huizinga faz graça com o
humana. A filosofia, a guerra, a arte, as leis e até a nome científico do homem
linguagem, tudo seria resultado de brincadeiras - ou seja, (Homo sapiens): ludens vem
de atividades espontâneas que não fazem parte do dia-a-dia . do latim ludus, que quer
dizer "jogo, divertimento"
- daí deriva a palavra


"lúdico" - , enquanto
sapiens. também uma
palavra latina, significa
"sabedoria, razão,
bom senso".

, , Para um artista popular, sua função é a de


um brincador, de um folgazão, de um
divertidor cujo espetáculo é o Brinquedo ••
António Nóbrega, fundador do Teatro Brincante (SP)
Musicalização com Mestres
do Sertão de Pernambuco
Gustavo Vilar

, , O patrimônio cultural
já estava lá.
Nosso trabalho foi
valorizá-lo e fazer
a comunidade
refletir sobre ele~~

Tacaratu é um município com cerca de


17 mil habitantes localizado no sertão
de Pernambuco, a 450 quilômetros de
Recife. Seu nome significa "serra de
O quê Música muitas pontas ou cabeças" na língua
Onde Tacaratu, PE, e a dos pancararus, índios que vivem na
reserva indígena pancararu reserva vizinha à cidade. Em Tacaratu,
Quando 2004 e 2005 centro de forte devoção a Nossa
Quantos 30 meninos e
Senhora da Saúde, a renda familiar
meninas entre 6 e 15 anos;
8 mestres tocadores
média é de 70 reais.
expressos eram ensinar aos jovens a arte de tocar pifano, caixa
Er,cre 2003 e 200-+, sob a supervisão de Carlos Sandroni,
e zabumba e as normas de conduta dos rituais católicos e
ecr-o L.S:cologo e docente da Universidade Federal de Pernambuco,
indígenas; prover educação musical com vistas a uma possível
aesq1..1saaores da Associação Respeita Januario realizaram um
prof1ss1onal1zação; estimular a freqüência escolar; valorizar os
apea emo us1ca l nos es,ados da Paraíba e de Pernambuco
mestres tocadores, estimular sua auto-estima e remunerá-los pelas
seguindo o mesmo roteiro da Missão de Pesquisas Folclóricas
aulas. "O projeto de musicalização foi um desdobramento do
mapeamento musical e representou um retorno concreto à

, Eu tinha o desejo de que aquele comuntdade", diz Gustavo.

trabalho tocasse as cri anças e as


A didática dos mestres Termômetro
fizesse mergulhar na música .... O projeto Musicalizaçâo com Mestres
Objetivos tão amplos exigiam um bom planejamento.
Gustavo Vila r, educador Como ele foi feito? "Tínhamos por principio não levar uma do Sertão de Pernambuco passou
coordenada por Mário de Andrade no final da década de 1930. Foi
dura nte esse uabalho que Gustavo Vilar entrou em contato com didática pronta. Queríamos que os mestres se colocassem como por avaliações interna e externa.
os mesues das bandas de pifa nos. "Percebi que essa banda tinha agentes produtores de uma pedagogia, de uma didática deles."
Todas as semanas, deprns das aulas,
a peculiaridade de transitar pelo universo indígena e não indígena Assim, pela primeira vez os mestres foram levados a refletir sobre
os coordenadores se reuniam 47
e que, nos dois casos, ela tinha uma estreita ligação com a sua prática. O projeto foi dividido em três momentos. Primeiro,
re<1 g1osidade ", explica Gustavo. No processo de mapeamento foram selecionados os oito mestres tocadores - quatro na cidade com os mestres e conversavam
musical, foi diagnosticada uma situação critica: a banda de pifanos informalmente sobre as práticas
não vi nha sendo valorizada nos locais onde ocorria e sua existência
, , A própria comunidade pedagógicas e a evolução dos alunos.
eS1ava ameaçada. "Percebi também que os mestres eram pessoas
bem velhas, que não despertavam o interesse dos mais jovens. passou a se ver de Uma vez por mês as dificuldades
Por outro lado, não havia oportunidades para a formação musical
de crianças e adolescentes." O projeto Musicalização com Mestres
maneira diferente•• e os pontos pos1t1vos eram discutidos

e avaliados em um encontro na
do Sertão de Pernambuco nasceu dessas percepções, da Gustavo Vilar, educador
observação da dura vida local e da visão de que educar é cria r a Associação Respeita Januário.
possibilidade de sobrevivência, inclusão social e cidadania. e quatro na reserva indígena - que iriam atuar como instrutores, A avaliação externa foi feita por
Capitaneado pela Associação Respeita Januário com recursos e uma coordenadora local. A escolhida foi Ligia da Silva,
professores do Departamento de
do lnstitu10 Júrna Rabello, o projeto durou um ano e foi realizado professora da rede pública de Tacaratu, que voltava para a cidade
de setembro de 2004 a setembro de 2005, em duas localidades - depois de algum tempo morando fora. A seguir o projeto passou Educação Musical da Universidade
debaixo das mangueiras da sede do Programa de Erradicação do a ser divu lgado em aulas-espetáculo, nas quais os mestres se Federal da Paraíba, que acompanharam
Trabalho Infantil, no centro de Tacaratu, e numa palhoça da aldeia apresentavam e explicavam como tin ham aprendido a tocar. No
um dia de trabalho de mestres
de Brejo dos Padres, na reserva indígena pancararu. Gustavo tocou terceiro momento, foram rea lizadas aulas semanais de trés horas
o projeto sob a coordenação de Carlos Sandroni. Os objetivos de duração. e educadores.
,,o pr~jeto de musicalização
Os alunos foram escolhidos em grandes o fi ci nas que
aconteceram nas pri meiras aulas semanais. Apareceram cerca de aJudou esses meninos a se
cem candidatos, muito mais do que a coordenação tin ha em
mente. "Sabíamos que era uma empolgação na tural, que nem
inserirem na sociedade••
todos iriam ficar", diz Gustavo. " Na semana seguinte ti nha menos Líg1a da Si lva, professora de f ilosofia
aluno, na outra menos ainda." E assim foi. O gru po final - dez e coordenadora local do projeto
alunos na cidade e 20 na aldeia - resul tou de uma espécie de
seleção natural pelo desejo. Ficou quem quis.

Conquista diária Em seis meses, todos tinham aprendido a tocar e já participavam


ssoc1acão das novenas da região .
O projeto enfrentou diversas dificul dades, do descaso das
espeitâ Januário autoridades locais às dificuldades técn icas oferecidas pelos O projeto Musicalizaçâo com Mestres do Sertão de
Januario era o pai de Luiz Gonzaga. instrumentos, passando pela motivação dos envolvidos. Segundo Pernambuco culminou com algumas apresentações formais, de

Gustavo, " embora os co mbinados com horário e freqüência grande importância para que os alunos percebessem o que tinham
Tocador de sanfona, mestre do fi lho
fossem reforçados regularmente, alguns mestres faltaram às conquistado e divulgassem o trabalho realizado, despertando
famoso, ele empresta o nome a essa assim o interesse em outras crianças e adolescentes.
aulas e a presença dos al unos era uma conquista diária". A 49
organização sem fins lucrativos que estrutura de uma aula semanal de três horas de duração teve de

busca pesquisar, divulgar e promover


Novas perspectivas
as músicas trad icionais do Nordeste.

Fundada por pesquisadores da


' ' A educação não-formal "A música já entrou no sangue deles." É assim que a
professora Lígia, que coordenou as ações locais, avalia o impacto
Universidade Federal de Pernambuco
estabelece um diálogo do projeto sobre a vida dos men inos e meninas aprendizes.

e coordenada atualmente por Sandro muito mais próximo com Segundo ela, na maioria dos casos os envolvidos eram jovens que
Mestres de Tacaratu em ação.
repetiam de ano, abandonavam a escola, tinham diversos
Guimarães, a Associação Respeita a comunidade•• problemas e, ao se identificar com a música, encontraram outro
Januário também apóia a sentido para a vida . Gustavo concorda . Segundo ele, além de
Gustavo Vi lar, ed uca dor
ajudar a preseNar as tradições populares, o projeto "abriu uma
profissionalização e a produção de
perspectiva profissional para crianças e adolescentes " , já que as
eventos, gerando intercâmbio entre ser repen sada . O pífano, instrumento melódico e rústico, é muito bandas que tocam nas festas são remuneradas. E os mestres?
cantadores, promovendo cursos difíci l de ser t ocado, exige mai s tempo de estudo e dedicação. A O que isso tudo significou para eles? Além de terem sido
solução encontrada foi dar mais uma aula no meio da semana remunerados pelas aulas - completando assim o orçamento
e seminá rios e dando assistência de
aos alunos interessados no instrumento, correção de rumo que familiar-, eles adquiriram um outro papel social na comunidade,
todo tipo aos músicos tradicionais. exigi u um esforço maior de todos. Mas o empenho va leu a pena.
o de mestres e educadores.
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Gustavo Vilar
nasceu em 3 de ma o oe 19-.:, 51

em Rec fe Per'lõrnbuco E 'o,r,iado

em H1stona e especa 1zou-se em

Etnomus1co og a pe a un ers daoe

"Para mim, esse proJeto representou um grande exerooo de Federal oe Per<1ar-1ouco ~tua na area
desprendimento da estrutura formal de educacão, na qual venho de educacão e cu '.ura oesde 1999
trabalhando há sete anos, embora Já tivesse alguma expenênc,a
E pro'essor de 1-< stor a e mus,co.
com educação não-formal. Outro resultado pos1t1vo foi poder
dialogar com um universo de aprendizagem onde havia questoes Corno pesquisador fe: o í'lapearnento

técnicas, conceituais e, sobretudo, valores sendo trabalhados Foi musical oe Pernarbuco ,unto da
muito grat1f1cante aplicar um projeto de educação em uma reg1ao Assooacão Respe ta Januano, tendo
tão carente de ações como as dessa natureza, envolvendo cnanças
a,noa real,:ado g,avacões em
e adolescentes. Perceber as conquistas e o envolvimento de
mestres e alunos desperta em m11n o desejo de cont111uar can1po e part,c pado da gravação
trabalhando com projetos de educaçao não-formal voltados para do CD qesponde a roda ourra ,,ez
grupos sociais 111arg1nalizados e de extraordinano potencial de
produ:,do pela associação.
desenvolvimento."
u
Missão de pesquisas folclóricas
Em 1938, Mário de Andrade, então diretor do Departamento
Oh, roseira
de Cultura da Cidade de São Paulo, enviou ao Norte e ao
Oh roseira, oh rosa!
Nordeste do país uma expedição composta por um arquiteto,
Balança o galho
um músico, um técnico de gravação e um auxiliar geral.
Da roseira meu amor
O objetivo era mapear com fidelidade e riqueza de detalhes
Se a roseira fulorar,
o folclore musical dessas regiões . Já naquele tempo, ele temia

'
Temos rosa pra luxar
que o processo de urbanização do país fizesse desaparecer
Temos rosa pra luxar,
as manifestações populares.
Se a roseira fulorou
Em seis meses de viagem pelos estados de

t
Balança o galho
Pernambuco, Pará, Minas Gerais, Maranhão e
Da roseira meu amor
Paraíba, os pesquisadores registraram em fotos,
(canto iradicional registrado
vídeos, desenhos, textos e gravações fonográficas
as cerimõnias religiosas, as danças populares e saMo,àoó, " ")
uma série de cantos, acalantos, modinhas e cantigas
de roda do lugar.
••o brasileiro é um povo
esplendidamente musical ,,
~ Mário de Andrade, Ensaio sobre a música brasileira

A banda de pífanos
A banda de pífanos, pífaros ou pifes é um conjunto
instrumental de sopro e percussão típico do Nordeste brasileiro .
Sua composição varia de estado para estado, mas os instrumentos
básicos são o pífano, a caixa e a zabumba . Quem comanda
a banda é o pífano, uma espécie de flauta de bambu com sete
orifícios - seis para os dedos e um para a boca.
Em geral, os integrantes das bandas de pífanos são Lampião
agricultores que cultivam roças de subsistência. Virgullno Ferreira da Silva
Não têm formação musical, tocam de ouvido, (1900-1938), o Lampião, foi
e ensaiam o repertório antes das apresentações. o cangaceiro mais conhecido
No início, as bandas acompanhavam a coleta de do Brasil. Seu bando, que
oferendas para o Divino Espírito Santo, depois perambulava por todo o
passaram a animar as festas, novenas e procissões. Nordeste no início do século
A mais famosa é a Banda de Pífanos de Caruaru, 20, ajudou a disseminar
que foi criada em 1924 e tocou até para Lampião . lendas, cantigas, festejos
e danças locais, inclusive
o xaxado. Diversos poemas
e cantigas populares são
atribuídos ao próprio
Lampião, como a famosa

•• Eu faço pife, toco pife, vendo pife, Mulher rendeira.

por isso estou assim pifado! ••


João do Pife, de Caruaru

~
Comunicação
Audiovisual na Febem
Maria Helena Santos

' ' Escutar dos jovens


ao final do curso 'Eu nunca
pensei que pudesse fazer
isso' sinaliza que plantamos
sementes em suas vidas ,
humanizamos seres humanos , ,

Quando Vinícius Monteiro da Rocha


chegou à Febem, sabia que a medida
O quê Linguagem
socioeducativa era o menor de seus
au d iovisual
Onde Unidades da
problemas. Mesmo após cumpri-la,
Febem, SP qualquer possibilidade de reintegração
Quando Desde 2001 social e liberdade estaria fechada: ao
Quantos 360 jovens sair, estaria condenado à estigmatização
internos da Febem entre
permanente da sociedade. A certeza
14 e 18 anos por ano
durou até ser apresentado ao curso
(seis turmas de 20 alunos
de Comunicação Audiovisual da ONG
por quadrimestre)
Associação Navalhar. De repente, a vida se tornou maior do que
sua infração e a vivência na criminalidade. Com a câmera, era
" A arte, a música, o vldeo dão existência; esses jovens não
possível dar voz a seus anseios, redescobrir-se humano, inventar e
aparecem na televisão, só aparecem quando tem rebelião, para
reinventar o mundo e a sua própria realidade - e, portanto, 1.
serem nomeados de violentos. A arte mostra que não, o vídeo
reinventar a si mesmo.
mostra que eles existem, que criam; a arte dá existência para
quem não tem existência e nos humaniza", diz Maria Helena

' ' Acho que a grande pegada [do projeto] é essa; Santos, 37 anos, psicóloga de formação e atual coordenadora do
curso, que existe desde 2001. A Navalhar, criada por Paulo
não adianta o cara virar um câmera , um Santiago no bairro do Bexiga, em São Paulo, hoje atua em três
unidades da Febem (Brás, Tatuapé e Internato de Taipas) e
músico, sem ter nada, sabe?
forma 360 alunos por ano, em seis turmas de 20 alunos a cada
Acho que a pegada é levar consci ência .. . quadrimestre.

senso de direitos, de deveres , , Termômetro


Elton Santana, professor de vídeo da Navalhar
Vídeo, imagem e reflexão No Curso de Comunicação Audiovisual

da Febem realizado pela Navalhar, 57


Em comum, os cursos de cada turma têm apenas a estrutura:
duas aulas semanais, uma de vídeo e uma de áudio, e a produção os educadores participantes reúnem-se
Luga r de pertencimento, de um grande trabalho de conclusão. As turmas têm interesses semanalmente para analisar o processo.
bastante diferentes: algumas desejam falar sobre seu dia-a-dia na
não de exclusão
~
Ao final do curso, os jovens fazem
Febem, outras preferem produzir clipes musicais ou curtas de
A história de Vinicius é dele e dele apenas, mas encontra uma auto-avaliação - oral, já que

~
ficção, e outras ainda optam por realizar documentários sobre
pontos de intersecção com a de muitos outros jovens internos das problemas que vivenciaram em suas familias, tais como o muitos têm dificuldades com a escrita.
unidades da Febem da cidade de São Paulo que passa ram ou alcoolismo. O trabalho dos educadores é afinar essas vontades.
Os resultados são levados aos
passam pelo mesmo curso. Como ele, esses jovens percebem que " Não é só ligar a câmera e apertar o botão. Nosso trabalho
a linguagem audiovisual confere existência ao sujeito "marginal" funcionários e ao gestor do projeto
é outro", explica Maria Helena. " É desenvolver exercícios de
- invisível à sociedade-, já que lhe oferece não mais um luga r de pensamento, de criticidade. É fazer com que eles entendam esse na Febem. Além disso, existe
exclusão, mas de pertencimento. Ao transforma r a fala em mundo onde estão inseridos, entendam a produção da
uma mostra final com os trabalhos
imagem da palavra, o vídeo se torna um recu rso ca paz de cri ar desigualdade social nesse pais e reflitam sobre o que desejam.
produzidos naquele quadrimestre,
transformação - primeiro individual, e depois a da comu nidade em Esses jovens pensam que a criminalidade é a alternativa para ª
que vivem. Indivíduos antes expostos à alienação e à ignorância se conquista do que sonham para suas vidas. Atuo tenta nd0 para a qual são convidados
transformam em sujeitos de direito, em cidadãos. Acreditar, sensibilizá -los para outras opções de existência, de modo que as familias e os funcionários
reconhecer-se humano, é ter esperança de mudança, crer-se ca paz Possam manter-se vivos. Provoco: o mundo é maior, que outras
de subverter a realidade social. das unidades participantes.
Possibilidades existem?"
As au las têm como ponto de partida a sen sibili zação, por - mas, infeliz m ente, ainda não podem ser exibidos fora dos
meio de músicas, obras artísticas, poesia, cin ema , literatura e mu ros da inst it u içã o . De acordo com o Estatuto da Criança e
muita discussão. A palavra, prin ci palmente, é usada como do Adolescen t e (ECA), as imagens dos jovens devem ser

Associacão preservadas da sociedade civil, como forma de protegê-los.


A qu est ão, portanto, passa além da formação profissional.
Novolhar ' ' Quand o eu vi a câmera, Pa ra participa r do curso, basta ter o desejo. Nem é preciso saber

falei: pô, meu, câmera!


A Novo lhar foi criada em 1998 pelo ler e escrever: o interesse maior da Novolhar com esse projeto
não é capacitar profissiona is da área audiovisual, e sim capacitar
jornalista Pau lo Santiago . No ba irro do

Bixiga, em São Pau lo, começaram as


Sempre ti ve vontade de fazer cidadãos de d ireito a ressignificarem suas trajetórias e refletirem de
que maneira podem operar transformações em si e na sociedade
oficinas de vídeos com jovens que filmagem, de regist ra r através em que vivem. " O vídeo é uma estratég ia de aproximação para

viviam na rua . Atua lmente o projeto da imagem . chegar até o adolescente que está ali . Depois a gente vê o resto:
aí é aumentar, é repertório, consciência, uma série de coisas " , diz
tem t raba lhos voltados para a
Mergulhei de cabeça, acho Elton Santana, professor de vídeo da Novolhar.

qu e esse é meu caminho,


comun idade local e um curso de vídeo

- o projeto Comun icação Audiovisual 59


e t ô seg uindo em frente , , A esperança na contramão
na Febem, para jovens internos da
da sociedade
institu ição de São Paulo. Os jovens Vi nícius M ont ei ro da Rocha,
pa rtici pante do projeto "Andamos na contramão " , desabafa Maria Helena,
egressos da Febem compõem
explicando que normalmente a comunidade local e a sociedade
o programa Novolhar na 711, onde instrumento de circulação de sentimentos, de forma a constituir
temem e discriminam o adolescente que cometeu um ato
novos laços socia is. A partir desse trabalho de base, são ensinadas
concebem e executam integ ral mente infracional. " Poucas pessoas entendem nosso trabalho. É ma is fácil
as partes técnicas do audiovisual: operação de cãmera, construção
acreditar que esses adolescentes não têm jeito, que são marginais,
reportagens exibidas uma vez po r mês de roteiro, fotografia, edição e produção de áudio. Em média,
e fechar a questão, do que refletir: que situação é essa do nosso
nas TVs PUC de São Paulo e Ca mpinas . cada turma real iza de seis a sete projetos e mais um CD de música,
pa ís? Esses jovens são jovens como outros quaisquer, que pensam
todos produzidos integralmente pelos próprios alunos.
Após o Novolha r na TV, os jovens e criam, e que estão na marginalidade por um contexto social, por
Ao final do curso, os trabalhos são exibidos em um evento na
uma violência produzida socialmente. São os jovens que eSt ão
seguem para a Pro dutora Social Novo unidade onde os adolescentes estão internados, para o qual são
pagando uma conta maior. E que violências são essas, produzidas
Olhar Comunica, onde trabalham con vidados não só os internos, mas também suas familias e os
em todos os setores, em todas as camadas sociais? "
profissionais que trabalham na fundação . Como forma de divulgar
como estagiários nas diversas áreas Apesar das muitas dificuldades, a educadora é esperançosa:
a produção, disseminar a proposta e servir de incentivo para outros
do mercado audiovisua l, preparando acredita que a realid ade não é estanque e que sua atuação, bem
jovens, esses materiais audiovisuais depois podem ser veiculados Reunião de participantes (imagem do
como a de outras ONGs que trabalham com educaçao - nao-
· formal ·
o início de sua inserção profissional. em todas as unidades da Febem, na capital e no interior do estado documentário Aqui, acolá, além-muros).
pode fortal ecer a implantação de políticas públicas, criar novas
metodologias de intervenção na sociedade. Como exemplo, cita LI)
que a própria participação efetiva dos jovens nos projetos da G.J
Novolhar mobiliza a comunidade a rever seus valores e conceitos: lQ
antes temidos, os adolescentes passam a ser respeitados e vistos LI)
como agentes de mudanças, pois podem multiplicar os novos LI)
conhecimentos para a família e a comunidade. Muitas mães, G.J
~
durante a apresentação dos projetos, afirmam: "Nunca imaginei
que meu filho pudesse ser capaz de fazer um vídeo". Q_ Maria Helena
Para Maria Helena, é importante ter em mente que a
educação não-formal passa pela criação de espaço e existência E Santos nasceu no a.a 3 de 10,embro

de 1969, err Sao Pauro. e crescev na


para aqueles que, muitas vezes, se encontram fora dos laços
periferia aa c,cade onde seus pa,s
sociais. Para isso, os profissionais precisam se dispor a ter suas
visões de mundo transformadas pela relação com esses jovens, •rabalhavar" em comun caoes ec'e, as
precisam se desvencilhar da cultura assistencialista, que muitas
de base For-naoa em Ps co og,a
vezes se manifesta por meio da imposição dos valores dos
• ~ão aceito a cond ção desumana ern que vrver1 mu,,as trabalha na area ca educacão 'lo "'ª s
educadores sobre os educandos. "Os jovens e as crianças em
pessoas Crescr e vrvr na per fer,a da c,dade de São Pa0ro.
situação de desigualdade social devem ser tratados como sujeitos de 20 anos. Ar.tes oa 10,0 ·ar, a;uou 61
vrvencrando na próprra pele as drfrculdades de privações básicas -
de direito e não como coitados, pois é um direito deles serem como eoucadora erri corrur,aaoes oa
e a arte for me mostrando que e possrvel acred:tar, que e possrvel
cãmeras, serem cinegrafistas, serem tantas outras coisas que eles
sonhar, que é possível ser um suie,to de d1re1to. Da mesma forma. perrfena, cooroenaoora de p·oie:o
quiserem - e não só faxineiros, mecânicos. Nosso papel como
a arte tem sido um recurso para que esses Jovens que estão na
educador é dizer: 'Vão! Vão! Vocês podem! Acreditamos em da Assoc,acão F,que \'11 o, s0perv1so•a
Febem encontrem possibilrdades concretas de continuarem vrvos,
vocês!' E dar possibilidades concretas de novas formas de est ar no ao Pro1eto Qu:xote, oa U:1,vers,daoe
de se transformarem e de transformarem suas v,das; perceberem
mundo. Provocar o desejo."
que são capazes, que são gente." Federal de Sao Pauro 1Ur 'eso,

consultora oa EMEF Hernque


"Como educadora, no processo de trabalho reconhece como
Fontenelle e docente cio Programa
fundamentais os aspectos sub1et1vos de cada educando, o que
possrbrlrta o enrrquecrmento e as transformações permanentes na Educando oela D,;erença, da
ação com os Jovens." Universidade Feoera' oe Sáo Carlos

(Ufscarl Alem do Ruí'lOS Eoucação


"No exercicro da linguagem. a palavra que se endereca
ao su1e1to retira-o da solidão e lhe abre outras poss,brlrdades Cultura e Arte, Mana Helena fo,

A escolha da linguagem artrst,ca como veiculo de inserção e contemplada em 2005 cor,


expressão se dá por tudo O que esta oferece no exercrc,o dos
uma bolsa da Fundacão Ford
sentidos e da sub1etiv1dade "
..
n u
Documentário: ficção ou realidade O documentário
O documentário é um gênero de filme que cada vez mais ganha espaço no Brasil de hoje
entre o público, com prêmios e festivais específicos de sua categoria. No Brasil, a produção ganhou
Normalmente, atribuímos ao documentário a veracidade que nem força com a criação de
sempre encontramos no cinema, considerado obra de ficção, embora prêmios específicos para a

a
possa ser "baseado em fatos reais". categoria e a facilidade dos
Há diferentes versões para a origem do documentário. Uma novos equipamentos;
delas atribui aos irmãos Lumiere, criadores do cinematógrafo O prisioneiro da grade

~
(aparelho que está nas origens do cinema), a produção das
primeiras reportagens cinematográficas, como A coroação do
~ de ferro (2003), de
Paulo Sacramento, é um
czar Nicolau li, filmada em Moscou em 1896. exemplo recente. Alguns
Em 1922, o filme Nanook do Norte, de Robert Flaherty, gerou polêmica documentários geram ampla
ao reencenar situações como se fossem verdade. A partir dele, os repercussão e debate na ~
documentaristas cerraram as discussões sobre o que é ético no sociedade, como Falcão: 'W
documentário: afinal, ele deve ser realidade ou não? meninos do tráfico (2006),
de MV Bill e Celso Athayde,

ad exibido na televisão.

Onde todos se encontram


Um dos festivais de documentários mais famosos no Brasil e que
estimulam a produção desses filmes é o É Tudo Verdade, CUJO nome foi

~
inspirado em um documentário realizado pelo famoso cineasta Orson
Welles, mais conhecido pelo filme de ficção Cidadão Kane . Fundado
e dirigido pelo crítico Amir Labaki, o festival comemorou dez anos
em 2005 e é realizado em São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília .
Filmes como Brevíssima história das gentes de Santos (André
Klotzel, 1996), Nós que aqui estamos por vós esperamos

~ (Marcelo Masagão, 1998) e A margem da imagem (Evaldo


Mocarzel, 2002) tornaram-se conhecidos do público após
sua premiação no festival.

Janela da alma
O documentário Janela da alma (2001),
de João Jardim e Walter Carvalho, é um
bom exemplo de como esse gênero tem
colaborado para uma nova forma de "ver"
a realidade, literalmente. O filme traz
entrevistas com personalidades que possuem
graus diferentes de deficiência visual, da
simples miopia à cegueira completa - o escritor

~
José Saramago, o músico Hermeto Pascoal e o
cineasta Win Wenders são alguns exemplos.
De forma poética, o documentário "ouve"
os depoimentos dessas pessoas sobre
sua maneira de ver o mundo, mesmo
quando a elas falta a visão.
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an u
Documentário: ficção ou realidade O documentário
O documentário é um gênero de filme que cada vez mais ganha espaço no Brasil de hoje
entre o público, com prêmios e festivais específicos de sua categoria. No Brasil, a produção ganhou
Normalmente, atribuímos ao documentário a veracidade que nem força com a criação de
sempre encontramos no cinema, considerado obra de ficção, embora prêmios específicos para a
possa ser "baseado em fatos reais". categoria e a facilidade dos

4
Há diferentes versões para a origem do documentário. Uma novos equipamentos;
delas atribui aos irmãos Lumiere, criadores do cinematógrafo O prisioneiro da grade
(aparelho que está nas origens do cinema), a produção das de ferro (2003), de
~ primeiras reportagens cinematográficas, como A coroação do Paulo Sacramento, é um
czar Nicolau li, filmada em Moscou em 1896. exemplo recente. Alguns
Em 1922, o filme Nanook do Norte, de Robert Flaherty, gerou polêmica documentários geram ampla
ao reencenar situações como se fossem verdade. A partir dele, os repercussão e debate na
documentaristas cerraram as discussões sobre o que é ético no sociedade, como Falcão: ~
documentário: afinal, ele deve ser realidade ou não? meninos do tráfico (2006),

aq de MV Bill e Celso Athayde,


exibido na televisão.

Onde todos se encontram


Um dos festivais de documentários mais famosos no Brasil e que
estimulam a produção desses filmes é o É Tudo Verdade, cujo nome foi

~
inspirado em um documentário realizado pelo famoso cineasta Orson
Welles, mais conhecido pelo filme de ficção Cidadão Kane . Fundado
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em 2005 e é realizado em São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília.
Filmes como Brevíssima história das gentes de Santos (André
Klotzel, 1996), Nós que aqui estamos por vós esperamos

~ (Marcelo Masagão, 1998) e A margem da imagem (Evaldo


Mocarzel, 2002) tornaram-se conhecidos do público após
sua premiação no festival.

Janela da alma
O documentário Janela da alma (2001 ),
de João Jardim e Walter Carvalho, é um
bom exemplo de como esse gênero tem
colaborado para uma nova forma de "ver"
a realidade, literalmente. O filme traz
entrevistas com personalidades que possuem
graus diferentes de deficiência visual, da
simples miopia à cegueira completa - o escritor

~
José Saramago, o músico Hermeto Pascoal e o
cineasta Win Wenders são alguns exemplos.
De forma poética, o documentário "ouve"
os depoimentos dessas pessoas sobre
sua maneira de ver o mundo, mesmo
quando a elas falta a visão.

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