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Prefácio
A educação não-formal e
10
o papel do educador social
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O perfil do educador
19
As instituições
45
Catalogaçã o ltaú Cult ura l
O público participante
Não-fronteiras: universos da educação não-formal/ prefácio Olga
Rodrigues de Moraes von Simson; texto Maria da Glória Gohn; dados
quantitativos Renata Sieiro Fernandes; Ilustração Andrés Sandoval.
57
Mariana Zanetti. - São Paulo : ltaú Cultural, 2007. 96 p. : il. colar. ;
21 cm x 24 cm (Rumos Educação Cultura e Arte, 2). Resultados a observar
Bibliografia
ISBN 978-85-85291-63- l
67
l Educação e Arte 2. Cultura brasileira 3. Educação não-forma l Um novo Brasil
4. Pro1eto educacional 5. Projeto social 6. Brasil
CDD 707
75
Para saber mais
ltaú
cultural
avenida paulista 149
82 Agradecimen tos
são paulo sp O1311 000
[estação brigadeiro do metrô]
fone 11 2168 1700 fax 11 2168 1775
90
instituto@itaucultural.org.br
www.itaucult ural .org .br
r n
Trazido a público ainda em meio ao período de intensa Educação Cultura e Arte 2005-2006, Renata Sieiro Fernandes' , ' Renata Sieiro Fernandes é pedagoga, doutora
atividade do programa Rumos Educação Cultura e Arte 2005- em Educação pela Un1camp e autora de. entre
responsável pela primeira análise quantitativa do universo de
outros, Educação não-formal, memôria de
2006, o segundo volume da séne de três obras do programa projetos inscritos. jovens e história oral e Entre nós, o Sol: relações
convida leitoras e leitores a uma reflexão mais ampla sobre aquele Ao final do volume, há uma extensa bibliografia sobre entre infância, cultura, imaginário e lúdico na
que deu sentido à cnação do Rumos Educação: o educador. educação e áreas correlatas, organizada também pela professora educação não-formal.
Após abordar as h1stónas e os pro1etos dos cinco educadores Maria da Glória Gohn. O livro, que não poderia, neste caso,
não-formais selecionados pelo programa, no volume Educação de prescindir de alguns gráficos demonstrativos, é especialmente
saberes, poderes e quereres, lançado em 2006, a série volta-se enriquecido aqui e ali com a fala dos educadores mapeados.
agora para descobrir quem são os outros personagens do un iverso Esperamos contribu ir com o lançamento de um debate há
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de mais de 200 inscritos do Rumos Educação Cul tura e Arte 2005- muito aguardado. E esperamos que as leitoras e leitores, na prát ica
2006. Sem pretensão de oferecermos as respos tas, lançamos e na pesquisa diárias, possam se reconhecer no " universo da
diversas perguntas para, mesmo que palidamente e movidos pela diversidade " apresentado e enriquecer ainda mais essas reflexões,
curiosidade que ajuda a construir o conhecimento, começar a apenas iniciadas.
esboçar o perfil dos inscntos no progra ma, profissionais da
educação não-formal. Afinal, quem é o educador não-formal? Instituto ltaú Cultural
Olga Rodrigues de Moraes von Simson é Onde vive, quantos anos tem, que grau de escolaridade possui ? O
Cientista sooal. professora da faculdade de
que o motiva? Quem o apóia? Qual o perfil das institu ições com
Educação da Unicamp e coorde nadora do
Centro de Memória da Un,camp, com pós- as quais trabalha7 Quem são os participantes das atividades que
doutorado no Geograph1sches lnst1tut, na promove 7 Que resultados ele consegue ati ngir? A diversidade já
Universidade de Tüb1gen.
adivinhada por trás dessas perg untas parece-nos justificar a idéia
das "não-frontei ras", anunciada no título da obra .
Maria da Glória Gohn é SOClóloga, professora Para la nça r o debate a respeito dessas e outras questões,
trtular da Faculdade de Educação da Unicamp
contamos com a prof essora Olga de Moraes Rodrigues von
e do Programa de Pós-Graduação em Educação
da Un1nove e pesquisadora do CNPq, com Simson', que prefacia o estudo, a professora Maria da Glória Gohn ' ,
pós-doutorado na New School of Un1vers1ty, responsável pela organização e aná lise criti ca do mapeamen to
em No'la York.
desses educadores não-formais, e a consultora do Rumos
Prefácio e Arte conseguiu sensibilizar, a coordenação do programa
buscou uma intelectual que, por décadas, vinha estudando os
movimentos sociais na sociedade brasileira e as organizaçôes não-
governamentais que os sucederam - hoje o principal locus das
experiências educacionais não-formais -, solicitando a ela que
traçasse um retrato detalhado do universo dessa área da educação
em nosso pais.
A partir dos dados quantitativos e do conteúdo dos
Tendo participado durante dois anos do Programa Rumos formulários de inscrição dos educadores sociais, nos quais eles
Educação Cultura e Arte 2005 -2006 - primeiro como consultora, descrevem suas experiências concretas de educação não-formal,
na fase de planejamento do programa; posteriormente na etapa Maria da Glôria Gohn, após conceituar brevemente essa área de
de divulgação da proposta, realizando palestras e conversando atuação, realiza uma detalhada análise qualitativa e traça o perfil
com os futuros inscritos; em seguida como uma das três desses educadores, bem como das instituiçôes onde realizam seu
integrantes da comissão que julgou os projetos e, finalmente, trabalho. Em seguida, tenta perceber qual é o público que esse
como colaboradora do programa de formação dos cinco trabalho consegue atingir, o que a obriga a alargar esse olhar para
educadores premiados -, creio que posso avaliar com clareza a as comunidades do entorno .
importãncia e a pertinência da análise do perfil dos inscritos e do Além de necessário, devido à notória carência de bibliografia
11
mapeamento dos projetos, que aqui é apresentada. sobre o tema, este estudo certamente dará subsídios às
Trata-se da primeira iniciativa levada avante por um instituto universidades para repensar os currículos de seus cursos de
com tradição e renome no trabalho com arte e cultura e que, pedagogia, que, hoje, em sua imensa maioria, sequer incluem o
reconhecendo a importância na sociedade brasileira contemporânea campo da educação não-formal. A experiência tem mostrado
do papel social e político exercido pela educação não-formal, que, no fim das contas, o sucesso de um projeto educativo dessa
tentou enfocá-la através do olhar construído pelos profissionais natureza está não só diretamente relacionado à capacidade de
que a exercem. Ao constatar, também, a intrínseca relação dessa diálogo com a comunidade que o acolhe, como também ao
forma de educar com as áreas da cultura e da arte e possuindo envolvimento que ele consegue suscitar em diversos setores
A educação não-formal
é um campo de conhecimento
em construção
e cognitivo das pessoas - , como a aprend izagem de habilidades contextualização da comunidade no conjunto das redes sociais e
corporais, técnicas, man uais etc., que ca pacitam os participantes temáticas de um município e pesquisa histórica .
para o desenvolvimento de uma atividade de criação. Segundo a pedagogia de Paulo Freire', há três fases bem
GADOTTI, Moaor. A questão da educação
formal/não-formal. Sion: lnstltut lnternational O educador não- formal tem um papel de animador do distintas na construção do trabalho do educador social, a saber: o
des Dro,ts de l'Enfant, 2005. diagnóstico do problema e do que é preciso para solucioná-lo; a
grupo: ele deve despertar os partici pantes para o contexto em que
elaboração preliminar da proposta de trabalho propria mente dita;
' Víde GOHM, Mana da Glóna. Educação não- vivem, o processo de formação histórica e cultural de sua
formal e cultura polit1ca 3. ed. São Paulo: e o desenvolvimento do processo de participação de um grupo, ou ' FREIRE, Paulo. Pedagogia do opnmido.
comunidade e o processo de const ituição de si m esmos,
Cortez, 2005. pp. 98-99. de toda a comunidade, na implementação da proposta . 14. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983.
desafiando-os a investigar mais a fund o a própria realidade - tanto
A educação não-formal funciona em mão dupla: o
educador ta nto aprende quanto ensina - o mesmo va le para os
participantes das atividades. É fundamental, assim, que o
educador tenha sensibilidade para entender e ca ptar a cu lt ura
local, a cultura do outro, as ca racterlsticas exclusivas do grupo e
de cada um dos participantes. A esco lha do tema gerador com a
com unidade não pode ser al eatória, pré-selecionada ou imposta.
A temática deve nascer a partir do cotidiano daquele gru po,
considera ndo as característi cas dos integrantes - como idade,
gênero, nacionalidad e, religião, crenças, hábitos de consumo - e
a cultu ra e o modo de vida locais - que incluem práticas coletivas, - como a televisão, o rádio, a internet e os jornais. Nesses lugares,
divisão do trabalho no interior das familias, relações de parentesco, o trabal ho com a comunidade poderá transformar o tecido social,
vínculos sociais e redes de solidariedade. Ou seja, todas as plantando as sementes pa ra que novas figuras de promoção da
capaci dades e potencialidades organizativas loca is devem se r cidadania su rjam e se desenvolvam, tais como os tradutores sociais
consideradas, resgatadas, acionadas. e culturais - educadores que se dedicam a buscar meca nismos de
Com seu trabalho, o educador social ajuda a construir diálogo com setores sociais geralmente isola dos, invisíveis,
espaços de cidadania no local onde atua . Esses es paços incomunicáveis ou marginalizados.
17
representam uma alternativa aos meios tradicionais de informação As atividades desenvolvidas pelo educador devem não
sobre
o papel do
apenas mapear o presente, mas também levantar prognósticos. As
possibilidades que o futu ro oferece são uma força que alavanca
mentes e corações em busca de mudanças. A esperança -
sobre
a educação
fundamental aos seres humanos - reaviva-se quando trabalhamos
educador social com os sonhos e desejos de um grupo.
não-formal
" Reconheço como um desafio defender O educador não-formal propõe, em suma. a produção de "Nem todas as pessoas ligadas à
saberes a partir da tradução de culturas locais existentes, educação acreditam no potencial
essa al ternativa de atuação na qual
procurando trazer novo alento a essas culturas .
são priorizados o desenvolvimento da educação não-formal, pois para
O educador é peça-chave.
Ele não pode ser apenas um
dinamizador, um ouvido amigo,
um facilitador ou um vigilante
das atividades
~ . .,·,
Ff . .,
composta por mulheres. Porém, vale destaca r que há, dentre os inscritos com 21
grau superior completo, uma pequena parcela de ed ucadores que cresceram o
em lares e abrigos, ou que nasceram e vivem até hoje em zonas urba nas SE NE N co
deterioradas, e muitas vezes atuam na própria comunidade.
A maior pa rte dos inscritos está na região Sudeste, mas o estado de São eficiência nas grandes metrópoles. Se olharmos para o Nordeste, Salvador,
Paulo lidera, com mais de cem inscrições, cerca de 50% do total do Prog rama Recife e Fortaleza são os pólos concentradores das instituições inscritas. Na
Rumos 2005-2006, sendo que a maioria está local izada na capital. Seguem-se região Norte, os inscritos concentram-se no estado do Pará, basicamente na
Rio de Janeiro e Minas Gerais. capital, Belém.
Entretanto, essas concl usões não nos permitem deduzir que a maioria Muitos estados não tiveram projetos inscritos, como Amazonas, Acre,
dos projetos culturais inscritos real iza-se necessariamente em territórios Roraima e Amapá. A baixa participação da região Sul causou-nos surpresa de
compost os por contingentes populacionais aquinhoados, porqu e, na um lado e compreensão de outro. Surpresa porque o Sul tem tradição de
associativismo; compreensão porque seus estados não possuem grande
atualidade, a pobreza, a exclusão e as áreas de conflitos sociais existem mais
número de populações em situação de vulnerabilidade. Entretanto, no início do
nas regiões urbanas das grandes metrópoles e cidades de grande porte do
prog rama, supun ha-se que Porto Alegre apresentaria um leque grande de
que nos pequenos municípios brasileiros ou nas zonas rurais . Por isso,
projetos socioculturais e educacionais entre os inscritos, devido à fama que
programas governa mentais de apoio econômico, que buscam criar redes de
alcançou, até no plano internacional, com as edições do Fórum Social Mundial
proteção social, do tipo Bolsa Família, têm mais impacto em loca lidades de
entre 200 1 e 2007 (exceto em 2004, quando o fórum ocorreu na lndia, em
menor densidade demográfica , s1·t ua das em sua maioria
. . no .interior das reg .iões
2006, quando ocorreu na Venezuela, e em 2007 , quando ocorreu no Quênia),
Norte e Nordeste do país, mas en f rentam d1f1culdades
.. de penetrar com
Inscrições por gênero Grau de escolaridade
72,53%
1,80%
70
■ Fundamental
■ Médio
60 ■ Super,or incompleto
Super,or completo
50
40
27,47%
30
20
10
o
23
Homens Mu lheres Grau de escolaridade por gênero
Feminino Masculino
e por seu longo período de gestão pública governamen tal com programas
1,25% 3.28%
participativos. Mas não foi isso que os dados revelaram - registraram-se apenas
duas inscrições: uma na capital e uma no interior do Rio Grande do Sul.
A predominância das mulheres no quesito gênero reafirma pesquisas
já realizadas a respeito de projetos sociais em outras áreas de atividade ou
a respeito de movimentos sociais. Destaca-se com muita evidência a
qualificação educacional das mulheres, que possuem índices de escolaridade
com ensino superior completo (67,08%, incluindo pós-graduação e
especialização) maiores em relação aos homens (52,45%, incluindo pós-
graduação). A defasagem explica-se quando se observa outro dado, o de
experiência anterior em educação formal : 52,25% dos inscritos já
trabalharam na área da educação formal, carreira de predomin!lncia entre as
mulheres, especialmente nos ensinos infantil e fundamental.
A área de formação predominante é a área de humanidades, em
especial os cursos de artes, pedagogia, psicologia, comunicações, letras etc.
~ A analise das datas de nascimento dos inscritos indica-nos que a maioria
para o trabalho atual, e que aprendizado novo foi construido? Algumas
tem de 20 a 40 anos de idade, predominando os que estão na faixa etária dos respostas nos revelam que cursos feitos com mestres competentes ficam na
30 anos. São, portan to, pessoas nascidas sobretudo na década de 197 0. Por memória dos inscritos. Outras vezes foi a leitura ou a formação segundo algum
que a idade de uma pessoa é um dado importan te? Porq ue nos indica a
~~
educador ou estudioso. Entretanto, a formação profissional em uma dada área
~
localização do tempo histórico do país na vida dos inscritos e a conjuntura específica do saber - artes, por exemplo - é decisiva para o desempenho do
sociopolítica, econômica e cultu ral que eles vivenciaram . Provavelmente, as educador. Observe-se que consideramos o campo do saber como algo múltiplo:
pessoas nascidas na década de 1970 acompanharam ou pa rticiparam das há saberes científicos, artísticos, religiosos, corporais, populares etc.
manifestações pelo impeachment do presiden te Fernando Collor, em 1992, por O papel de educador exige ainda que o profissional domine conteúdos
exemplo. Dos inscritos que nasceram nos anos 1960, supõe-se que tiveram a relativos ao local e ao público com que está atuando. A educação não-formal
oportunidade de participar, nos anos 1980, da fase movimentalista de se faz, portanto, com o uso competente de saberes acumulados, com o
~
reconstrução do reg ime democrático no país e de grandes mobilizações da conhecimento construído durante a própria prática das atividades e com a
sociedade civil. articulação de um saber científico, pré-codificado e aprendido durante o
A origem sociocultural foi citada por apenas 12, 16% como fator processo de formação profissional. Esse saber não é transmitido ou repassado
relevante para a motivação para o trabalho, supondo-se assi m que a maioria ao público-alvo como uma técnica ou um acervo de informações. Ele é utilizado
não seja proveniente das camadas popu lares, categoria soci al predominante para desenvolver e fazer acontecer a verdadeira face do educador - a de
~
no público onde eles, ed ucadores, atuam . sensibilizador, formador, estimulador de um trabalho com o grupo, seja numa
No que se refere aos dados profissionais, o leq ue de cargos ocupados dança, numa peça de teatro, numa banda de latas, na confecção de um jornal, 25
pelos inscritos em suas instituições é grande. Há vários nomes para designar na criação de artesanato ou num coral, possibilitando assim a construção de
~ funções similares, tais como: formador, monitor, faci litador, articulador novos saberes.
comun itário, instrutor, oficineiro, apoiador pedagógico, recreador, animador Outras indagações também podem ser feitas a partir do item formação
etc. Todos são educadores sociais - um misto de professor com mediador anterior, como: de que modo os educadores repassam seus conhecimentos,
cultural. Mas o educador social pode ainda acumular funções que geralmente principalmente se pensarmos em grupos que não têm o mesmo perfil
~
~
são responsabilidade de coordenadores (em inst ituições de porte médio e socioeconômico e cultural deles? Quais as formas de comunicação e como se
grande), diretores ou presidentes (em instituições pequenas), como elaboração constroem os diálogos? Qual a capacidade de gestão que eles estão
e gestão de projetos. desenvolvendo? De que modo criam suas alternativas de sobrevivência,
financiamentos ou desenvolvimento auto-sustentável? Quais as redes sociais
A predominância de experiência anterior no ensino formal (52,25%
que se articulam? Isso depende bastante da capacidade do educador de
passa ram por ela) é um dado relevante, pois denota aprendizagem de saberes
~
encontrar uma linguagem que o aproxime dos participantes.
anteriores à ent rada no campo da educação não-formal. Verificamos ainda que
A formação do educador pode ser observada não apenas na trajetória
essa experiência pode ter exercido um papel importante na sensibilização do
passada, anterior ao trabalho na área da educação não-formal, mas também
educador para o trabalho na nova área . Como foi feita essa transição? Será
na busca de qualificação e no próprio desempenho do trabalho atual. O
que não há concomitãncia de trabalhos nas duas áreas, tendo em vista que
~
desempenho atual é um grande teste, pois se constitui em um momento para
muitos dos educadores inscritos atuam voluntariamente ou mediante baixa
articular elementos de um repertório teórico anterior às necessidades do grupo.
remuneração no campo não-formal? Essa dedução remete-nos ainda a outras
Os registros nos formulários com experiências aparentemente bem-sucedidas
~
indagações, do ti po: que aprendizado acumulado anteriormente foi relevante
~
A prática gera aprendizado e saberes,
Grau de escolaridade por região mas não pode ser apenas auto-referenciada .
■ Fundamental Necessita de conteúdos e
■
■
Médio
Superior incompleto formas de desenvolvimento
■ Superior completo
teóricas específicas
indicam-nos que o diálogo foi um dos principais instrumentos para
viabilizar resultados positivos. Foram trabalhos debatidos,
compartilhados, construídos. Outros pontos relevantes na
formação do educador são a consciência social, a cultura política
técnicas e instrumentos de trabalho, como anotações de campo, diá rios de instrumental, ao como lidar e como fazer, e menos voltados ao
bordo, relatórios, registros de vivências, registros de momen tos de reflexão, processo de reflexão, análise e problematização dos temas com
rodas de discussão, fotos, vídeos etc. , como mui to mais que meros que os educadores deparam.
requerimentos cotidianos preconizados pela instituição. Os meios e técnicas Os projetos inscritos com indícios de sucesso e bons
resultados freqüentemente apresentaram os fundamentos teóricos
tornam-se parte da dinâmica de formação no dia-a-d ia, sendo utilizados
ou filosóficos da prática, incluindo autor de referência ou técnica
conforme as necessidades do projeto. Ou seja, a identidade e os
utilizada - reforçando a idéia de que o educador social deve sair
pertencimentos são construidos no processo de trabalho do educador. Esse
do ambiente de trabalho para buscar subsídios para sua prática .
procedimento foi relatado em algu ns casos dentre os inscrit os, e concentra-se
A prática gera aprendizado e saberes, mas não pode ser
justamente nos projetos bem-sucedidos. Muitas vezes, é ele que diferencia a
apenas auto-referenciada. Necessita de conteúdos e formas de
educação não-formal da formal. O domínio de habi lidades não se faz apenas
desenvolvimento teóricas especificas. As instituições que oferecem
pelo acúmulo de informações, mas pela maneira como o acervo de informações
capacitação instrumental são relevantes na formação do educador,
vai sendo repassado e assimilado. Nesse processo, o educador é peça-chave. Ele
porque a educação não-formal não pode prescind ir de
não pode ser apenas um dinamizador, um ouvido amigo, um facilitador ou um
metodologias operacionais que organizem o trabalho cotidiano.
vigilante de atividades. Deve ser ativo, partir do domínio de conhecimentos e da
Mas, para atuar de maneira crítica e transformadora, o educador
habilidade no manejo desses con hecimentos seg undo as necessidades do
social deve ter ainda uma formação que o leve a uma reflexão e
grupo para que novos saberes se constru am, continuamente.
compreensão maior de sua prática, que lhe possibilite fazer
uma leitura própria do mundo. Por isso, articular a prática com
Linguagem artística utilizada
conhecimentos sistematizados é uma necessidade.
Saber inerte
Muitas vezes tidos como templos do sa ber, os locais que
capacitam os educadores podem ainda revelar-se deficientes
na transmissão do conhecimento. O grupo em "ca pacitação"
muitas vezes apenas contempla um saber inerte, sem consegui r
apreendê-lo, ou porque não está suficientemente preparado, ou
porque os mestres têm dificuldade para transmitir os conteúdos
■ Linguagem plástJCil
de forma acessível. ■ Expressão corporal
■ Música
Certamente, bons mestres e uma grade curricu lar bem
■ Áudio e vídeo
organizada, que se concentre em análises de conjunturas, ■ Não pnonzam uma única
hnguagem
contextualização de temas e questões-chave, problematização
das relações e redes de articulações dos temas-objetos dos
cursos de formação, assim como aulas desenvolvidas em
31
museus, bibliotecas, centros culturais etc., são ótimas fontes de
formação, porque esses locais, metodologias de trabalho e Sendo assim, a cultura e os valores de cada um, e do grupo como um
profissionais são, em si próprios, pólos geradores de informação todo, são elementos fundamentais para analisarmos o conhecimento
e conhecimento. Os saberes, no entanto, são construídos; não construído, o que nos leva às seguintes indagações: quais foram os códigos
basta transmitir instruções porque não se aprende pelo acúmulo culturais e os va lores locais que os inscritos no Programa Rumos mobilizaram
das informações, mas por um processo de recepção e para processar as informações recebidas nos cursos de que participaram? Em
processamento dessas informações. Por isso, os educadores têm que medida assimilaram as informações?
um papel fundamental no sucesso de um projeto, como A análise dessas questões será explorada no tópico a seguir; para auxiliar
mediadores da formação e da emancipação de um grupo social, essa tarefa, vale examinar antes um último dado quantitativo, o quesito área
quer sejam crianças, jovens e adolescentes, quer sejam adultos de trabalho, ou linguagem util izada . A linguagem plástica é a que tem
ou idosos. O conteúdo, seus princípios e o modo como eles, maior índice vista isoladamente (26,58%). Alguns inscritos não atuam no
campo das artes propriamente ditas, mas em projetos sociais, tais como saúde
educadores sociais, atuam junto ao grupo têm relevância
e meio ambiente, e utilizam a linguagem artística para realizar seus trabalhos.
primordial. Isso é importante porque no campo do voluntariado
Na área da linguagem plástica destacaram-se trabalhos com cerâmica, pintura,
ainda predomina a visão de que bastam boa vo ntade,
desenho, colagem, construção de objetos, costura, bordado, artesanato etc.
disponibilidade de tempo e atributos similares - fatores que
Composição de figurinos na oficina do Os projetos com formas de expressão do corpo - dança, teatro, capoeira,
devem ser considerados, mas não são indicadores completos
Teatro Popular União e Olho Vivo. consciência corporal, circo -somam 24,32%. A música aparece com 13,52%.
para um trabalho de qualidade.
sobre
Projetos que lidam com áudio e vídeo (televisão, rádio e cinema) relembrarmos que a maioria dos inscritos é composta de jovens
representam uma fatia de 3, 15%. com poucos anos de inserção no mundo profissional, o panorama
Muitos trabalhos não priorizaram nenhuma linguagem ou torna-se bastante animador. Vislumbram-se esperanças a partir do
adotaram linguagens diversas (32,43%). Vale destacar os que trabalho desses educadores, numa sociedade dominada pelo
os métodos
envolvem a escrita e a produção de textos, voltados à elaboração medo, descrença e decepção com instituições públicas e privadas. de atuação
de jornais locais, fanzines, revistas em quadrinhos etc.; ou os Em alguns casos, a escolha do local de trabalho, e a opção
"A maneira participativa com a qual
dedicados a desenvolver o hábito da leitura, visando à reprodução de atuar com a educação não-formal, justificam-se pela
foram conduzidas todas as etapas
dos textos em escolas, famílias, amigos e comunidade. Traba lhos identificação do sujeito com o objeto da ação da entidade - por
com linguagens modernas, como o uso do computador e/ou da exemplo, ser portador de alguma deficiência ou necessidade do processo de construção teatral, a
internet (e a própria iniciação à informática), também marcaram especial (como síndrome de Down), ou ainda de uma doença
possibilidade de fazer escolhas, dialogar,
presença, embora tímida. hereditária (como hemofilia). Motivos de ordem religiosa também
trocar idéias, a utilização de recursos
foram registrados, utilizando-se às vezes argumentos sob uma
perspectiva mística, como o de que o educador "foi chamado ". variados, o contato com as diversas
Análise dos dados qualitativos
Motivos de militância política ou ideológica foram minoritários. áreas do conhecimento construído
Justificativas para o trabalho social
pela humanidade e principalmente
As justificativas dadas pelos participantes do Prog rama Objetivos dos projetos
A parti r dos argumentos e justificativas coletados nos o relacionamento dos conteúdos
Rumos para a escolha e desenvolvimento do traba lho na área 33
32
sociocultural, e mais especificamente com crianças e adolescentes formu lários, estruturamos os objetivos dos projetos em torno de trabalhados tendo como ponto de
(a maioria em situação de risco social), fundamentam-se sobretudo cinco eixos básicos, que se desdobram em várias temáticas.
partida o saber das crianças garantiu
em princípios e valores humanistas, em uma consciência social e
• O primeiro eixo abrange objetivos personalizados (não o sucesso de nosso trabalho."
na preocupação com o outro. Por isso o empen ho em uma
confundir com personalistas), porque focalizam indivíduos Lisandra Mansa Princepe -
atividade de baixa remuneração econômica, ou volunt ária,
isolados. Lar da Irmã Celesre - Guarulhos, SP
mas de grande retorno em termos de satisfação pessoa l, de
• O segundo se concentra, prioritariamente, na formação dos
reconhecimento social, ou, nos termos de Axel Ho nneth' , de
indivíduos participantes para o mercado de trabalho .
engajamento com causas que tratam da vida, com vi das e sobre a
• O terceiro constitui-se de objetivos comunitários ou
vida. Alia-se a esses propósitos o fato de a quase tota lidade dos
coletivizantes, porque toma como foco a repercussão dos
projetos inscrever-se no campo da cu ltu ra, das artes, da
trabalhos no contexto mais amplo em que se inserem.
criatividade e da descoberta do novo. É possível observar ta mbém
• O quarto abrange objetivos social izadores ou
um recorte político, de exercício de práticas cidadãs, um anseio por
socializantes, porque focaliza os indivíduos em relação ao
justiça social, uma vontade de contribuir para di minu ir as
meio social em que vivem e atuam.
desigualdades sociais por meio de ações que buscam a inclusão.
• O quinto eixo, formação do educador, refere-se a projetos
Há inúmeros registros de projetos que têm um olhar pa ra o
• HONNETH, Axel. Luta por reconhecimento: que visam a formar educadores para atuar como monitores/
a gramática moral dos conflitos sociais. interesse público, para além do mundo da vida privada, do
instrutores ou multiplicadores de projetos socioculturais.
São Paulo: Editora 34, 2003. consumo, denotando uma consciência política em form ação. Se
sobre
É preciso destacar que esses eixos são construções analíticas e nem sem pre No eixo dos objetivos personalizados, portanto , os
os encontramos na forma pura. É comum termos o cruzamen to dos objetivos. argumentos est ão sempre centrados no indivíduo, na pessoa , no
Mas sempre um deles se destaca mais, o que nos permi te caracterizar os projetos. desenvolvimento pessoal, em aspectos da personalidade dos
participantes das atividades. Neste grupo não se observa uma
os métodos
O primeiro eixo, que visa à personalização, trabalha no plano dos va lores preoc upação ma ior com o desenvolvimento da coletividade na de atuação
e destaca temáticas como: qu al aqueles indivíduos estão inseridos. Em alguns casos é " Partindo dessa relação eu-comigo e
■ formação dos jovens enquanto seres humanos - inclui cria r se nso de mes mo difícil vislumbrar a coletividade mais ampla, porque
eu-com-o-outro, a ação desenvolvida
responsabilidade, potencializar qualidades esquecidas , des pertar os joven s do local já foram "catalogados " como advindos
talentos etc.; de situação de risco, como ocorre numa unidade da Febem , se pa uta na construção de processos
■ desenvolvimento psicomotor e int electual - abrange trabalhos de por exemplo . Reconstruir uma identidade fragmentada, coletivos de refl exão e ação sobre temas
terapia ocupacional e técnicas de convívio socia l; desestruturada, passa a ser a meta inicial, no argumento dos
sociais e comunitários contemporâ neos,
■ exercício da subjetividade - envolve auto-estima, autoconfiança, educadores que preencheram os formulários . Trabalhar o
auto-expressão, aperfeiçoamento das capacidades, reconstrução da indivíduo no próprio grupo e nas condições em que ele vive mas articulados ao próprio cotidiano
identidade pessoal, autoconhecimento dos próprios limites etc.; naquele momento é a etapa complementar, pois a identidade de das crianças e adolescentes."
■ desenvolvimento de valores que estruturem hábitos cotidianos como cada um está dilacerada e precisa ser reconstitu ída. O foco
Magna Silva Fernandes -
assiduidade, compromisso na execução de tarefas etc. ; privilegiado no indivíduo também se faz necessário quando se
Projeto Familias Reunidas - Fortaleza, CE
■ contribuição para melhorar o rendiment o na escola; trata de projetos no campo da saúde - no trabalho com crianças 35
3d
■ o despertar para conhecer o próprio corpo;
com câncer, por exemplo. São grupos de indivíduos fragilizados
Há uma correlação entre objetivos persona li zados (do educador para se integrar no grupo, na família, na comun idade, de modo a
viver sua situação não como um drama ou uma desgraça, mas
com o público-alvo) e uma certa autovalori zação no relato do trabalho . Os
indicadores do sucesso estão, nesses casos, na persistência do próprio educador, um momento especial.
Os objetivos do projeto podem ser morais, mas essa não é a única preocupação ou a ma ior delas. O
objetivo central é prepará-los para o mercado de trabalho, por
just1ficat1va meramente instrumental. A inclusão sooal, a reconstrução da roteiro de hist ória criado em roda,
memoria de tradições cultu ra,s, de uma técnica do fazer artístico ou de uma O eixo socializante trata os indivíduos como parte de um
de forma coletiva - muitas vezes
modalidade de artesanato tambem estão presentes Inscreveram-se ainda no grupo e procura fa zer a conexão entre indivíduo e sociedade. As
~
1ema1Icas que surgem são: longamente debat ido -, a força
eixo relativo ao mercado de trabalho propostas que pretend,am sensibilizar
■ inserção no contexto social; transformadora de um exemplo de
Jovens para uma dada profissão.
■ desenvolvimento de atividades (geralmente artísticas) com
generosidade, em que uma pintura
O terceiro eixo, coletivizante/comunitário, toma a comunidade ou o os Jovens, para que eles adquiram maneiras de conhecer o
mundo; ou imagem autoral passa a ser uma
grupo de pertencImento dos partIcIpantes das at1v1dades como ob1et1vo cen tral 37
■ pesquisa em arte-educação; página num volume construido
A solidariedade é fundamental nas ações desenvolvida . pois é o amcilgama da
■ forma ção de cidadãos com visão critica do mundo;
rede que se busca construir para atIngIr o ob1et1vo As temc1tIca que estru turam coletivamente, que posteriormente
■ oportunidade de conhecer a arte como uma forma de livre
o eixo são:
vai passar pelas mãos de pa is, irmãos
expressão;
levar algum tipo de arte para a comunidade,
■ uso da arte como ferramenta de transformação social; e pessoas que eles nem conhecem,
preservar a memória de um local, grupo ou tradição cultural,
■ conhecimento do processo econômico e de industrialização
■ formar público e platéias pa ra as at1v1dades; e que ao encontrarem-se com aquele
por meio do ensino da história da arte;
■ usa r a linguagem não- fo rmal falada pela própria com unidade no objeto livro vão acabar por aproximar-se
■ reflexão a respeito do contexto em que se vive para
desenvolvimento dos trabalhos;
melhor aproveitamento intelectual e das oportunidades mais de outros livros, e assim descobri r e
■ inserir socia lmente os indivíduos na comunidade;
existentes ao redor. se incluir na grande aventura do saber."
■ consci enti zar os pais qua nto às necessidad es de seus filhos;
Essas temáticas envolvem ações como implementar
■ cria r multiplicadores de idéias, conceitos e práticas de desenvolvimento Marcus Vínic,us Pereira - Fundação Orsa Criança
modelos de gestão comunitária que contemplem a autonomia dos
sust entável; e Vida - Carap,cuiba, SP
jovens, respeitar a diversidade cultural , estimular a participação
■ formar multi plicadores de uma determinada arte - a dança, por
sociopolítica e comunitária e o desenvolvimento de práticas
exemplo.
cidadãs, envolver os jovens em espaços de participação, debate
O pat rimônio imaterial de um grupo social ou uma dada comunidade é
e reivindicação de direitos, estimular os grupos de comunidades
sempre destacado. A diferença em rel ação ao item anterior é que não se
carentes socioeconomicamente a se fortalecer e sentir-se parte
prioriza a profissionalização daqueles que atuam ou a geração de renda . Outra
sobre
da cidade etc. Desco nstruir imagens negativas e estereo tipadas O ponto comum das proposições é a busca por incluir
valendo-se da reflexão crítica, por meio da apropriação de socia lmente os grupos com os quais trabalham, por meio do
novos significados à linguagem audiovisua l, por exemplo, desenvolvimento de valores humanistas. Projetos que fazem
os preconceitos transmitida vi a diferentes mídias, é um objetivo relevante deste referência a uma formação crítica dos participantes, ou seja, que
"Os 'pré-conceitos' ou a lógica do eixo. Instigar os participantes ao valor da pesquisa, ou da pretendem estimulá-los a refletir a respeito de si próprios e de seu
leitura, e orientá-los para o desenvolvimento de um olhar cotidiano, a politizar-se para entender o mundo em que vivem e
fracasso podem ser superados a
inquiridor, dialogando com os textos e os contextos em que se situar-se nele, são minoritários - o que causa surpresa, se
partir da ampliação de repertórios inserem, é outro destaque. considerarmos que a consciência crítica é fundamental para a
e do olhar frente ao mundo formação de cidadãos articulados. Independentemente do tipo de
O quinto eixo, formaçã o do educador, destaca-se por ter instituição, do campo de trabalho e dos objetivos dos educadores,
e à sua realidade, possibilitando
como objetivo o envolvimento e a formação de seu público-alvo, há um clichê bastante mencionado: auto-estima. Esse termo
o posicionamento do educando não apenas por meio da transmissão de uma técnica que poderá desempenha o papel simbólico de um "certificado de garantia"
enquanto sujeito de direitos contribuir para sua profissionalização futura, mas pelo de que a ação social coletiva é bem-intencionada. Muitas vezes
desenvolvimento de ferramentas de gestão, avaliação e é a chave para se apresentar como uma proposta moderna, em
e cidadão do mundo."
sistematização das atividades - para que os participantes se trabalhos de natureza mais assistencialista, todos bem-
Carolina Proerti /mura - Instituto intencionados, mas sem uma preocupação maior de contribuir
tornem futuros educadores e transmissores de conhecimento. Os
Sou da Paz - São Paulo, SP
objetivos sempre assinalam a preocupação com a pesquisa, por para a emancipação dos sujeitos atendidos. 39
exem plo, sobre o perfil dos adolescentes e sua relação com o
contexto histórico da infância e adolescência no Brasil, visando a Principais dificuldades destacadas pelos educadores
estimular a autoconsciência crítica. O desenvolvimento de Neste tópico também podemos observar alguns eixos, que
• políticas públicas;
sobre
as dificuldades
• território - da cidade e da comunidade;
minoritário de propostas, composto por educadores de cinco
• famílias; " A maior dificuldade é captar
entidades, dentre as 11 que têm como parte do nome os termos
• instituições-suporte; recursos para implantar o proJeto.
grupo, núcleo ou centro de formação. Algumas dessas
• equipes de trabalho;
instituições contam com profissionais que já tiveram experiência Depois é vencer a desconfiança
• o próprio educador;
em secretarias e entidades de pesquisa; os educadores inscrit os
• o público participante do projeto. da comunidade, que tem vivido
possuem ensino superior e mestrado. Suas trajetórias de estudo
e trabalho em outros projetos sociais provavelmente foram o que sucessivas promessas não cumpridas,
No plano das politicas públicas, as temáticas mais citadas
lhes forneceu a capacidade de analisar criticamente as vários projetos de fachada ."
são ausência, descontinuidade, falta de planejamento, apoio
experiências passadas e atuais, e ter alguma clareza quanto ao
financeiro de baixo valor, não-promoção de parcerias, existência de Letla Maria da Silva Barboza -
papel que desempenham como formadores de valores nos lsata - Cabo Fno, RJ
poderes paralelos ao estatal, sobretudo o tráfico de drogas etc.
grupos em que atuam.
possuem em relação a transporte, material permanente, recursos
A falta de apoio de outras instituições, para a compra de material etc.
até mesmo as que se localizam no próprio bairro, A falta de apoio de outras instituições, até mesmo as que se
localizam no próprio bairro, foi bastante citada . Isso denota
foi bastante citada. Isso denota dificuldade dificuldade de atuar em redes - estrutura moderna e fundamental
de atuar em redes - estrutura moderna no mundo contemporâneo . Embora haja inúmeras parcerias de
sucesso com escolas formais, ou trabalhos que visam a contribu ir
valorização das raízes cult urais do povo brasileiro - o que leva aos estigmas e educadores, comprometendo a continuidade dos trabalhos. Esse
ao preconceito, por exemplo, em relação aos repertórios da cultura afro- problema, porém, diz mais respeito à instituição e ao modo de
brasilei ra, por parte de algumas familias de jovens atendidos em projetos que trabalho - geralmente por projetos que possuem período limitado
A expectativa das familias também é um dado relevante: há registros de No trabalho cotidiano com as equipes, a principal dificuldade
pais e mães que esperam que as atividades desenvolvidas nas instituições seja m enfrentada é a fa lta de debate e reflexões sobre a organização do
uma extensão da escola para suprir as dificuldades de aprendizagem dos alunos trabalho cotidiano, a médio ou longo prazo . Algumas pesquisas
- e os objetivos do projeto podem ser complementares aos da escola, mas não acadêmicas sobre o terceiro setor têm mencionado a ausência de
uma extensão, uma continu idade para tapar buracos. uma lógica na gestão das instituições, com algum grau de
racional idade, como uma das causas das dificuldades '. Ocorre que
As instituições também respondem por dificuldades no traba lho
esses estudos tomam o modelo empresarial, baseado na
cotidian o do educad or, porque muitas delas são frágeis em termos
concorrência e na lógica do mercado, como exemplo para apontar
econômicos ou orga nizaciona is, trabalham com projetos de curto prazo, têm
as lacunas no campo do trabalho social. Como se trata de lógicas
visão assistencialista, dependem e contam com o trabalho voluntário como
' B051, Mónica Gestão de
articulatórias distintas as que organizam os dois campos, não basta
uma missão humana, não criam espaços para a reflexão e o planejamento das pessoas no ten:e,ro setor Dissertação
simplesmente aplicar as regras de gestão de pessoas e de pessoal de mestrado. ~o Paulo: Faculdade de
atividades e preocupam-se apenas com os números de atendidos a fim de
de uma empresa em um centro social ou um instituto cultural. Isso Economia e Adm1rns1raçáo da Universidade
justi ficar ou embasar seus relatórios e pedidos de apoio financeiro. Nesse
não significa que eles devam operar sem regras, sem organização, de ~o Paulo, 2004 .
cenári o, as fragil idades se evidenciam na dependência que os projetos
ro tinas, procedimentos, planejamento - ou seja, sem nen hum pessim ismo em relação à validade do trabalho, expectativa de receber
grau de racionalidade. algo pro nto, d ifi culdade de participar da elaboração de algo, expectativa
O que preconizamos é que as metodologias e os de co mportamento ma is dirigido por parte dos mon itores/professores,
procedimentos devem ser distintos e específicos pa ra o ca mpo desvalorização e descrença em si próprio por valores que assimilou e que se
sociocultu ral porque não se estão produzindo mercadoria s para encontram arraigados na sua visão de mundo sobre as coisas.
venda, mas sim trabalhando e forman do pessoas, cidadãos e Ao trabalhar com elementos da cultura local, o educador encontra
cidadãs. Mesmo quando se traba lha com a produção de difi culdades para transmitir determinadas linguagens: muitas vezes há
mercadorias - caso de algumas cooperativas, por exem plo - , o empecilhos técnicos tão complexos e difíceis quanto os que existem na
educação formal. Por exemplo, instrumentos melódicos rústicos podem ser
sobre
" produtivismo " não deve imperar como objetivo est ratégico
único, pois ele mata o caráter social e cultural do trabalho. mais difíceis de tocar que instrumentos modernos, devido à imprecisão das
O educador dos projetos inscritos, assim como o professor escalas, exigindo mais tempo e dedicação. Isso implica projetos com períodos
as dificuldades nas escolas, é vítima de possíveis falhas em sua própria formação . mais longos - teoricamente mais fáceis de existir na educação não-formal, em
Baixa qualificação profissional é um item basta nte citado ou que que o tempo não depende de um calendário escolar instituído por lei. Mas
"Outra dificuldade está relacionada
esses projetos são, também, muito mais difíceis de executar porque exigem
transparece nos depoimentos dos educadores, assi m como pouco
à visão assistencialista impregnada todo tipo de recu rsos para poder se manter por períodos maiores.
comprometimento com o trabalho vol untá rio, principalmente
nos projetos educativos desenvolvidos quando o público destinatá rio tem alguma especificidade - por
A expressão escrita dos educadores 43
por muitas institu ições. Os próprios exemplo, portadores de síndrome de Down. Falta de espírito de
Uma última observação: a análise dos formulários nas questões abertas,
equ ipe, pensamentos mecânicos e a perpetuação de estereótipos
jovens já chegam à ofi cina com um qualitativas, fornece-nos não apenas dados de conteúdo, mas também da
são outros sintomas que emergem dos depoimentos. Causa-nos
entendimento de que a atividade será forma de expressão dos inscritos. Podemos observar, de um lado, dificuldades
certa surpresa um determinado trecho de um dos formulários -
na escrita e na maneira de se comunicar ou de expressar os argumentos;
uma espécie de 'terapia ocupacional' " ranço pedagógico e escola rizado" - , que nos leva a supor que o
simplificação ou excesso de detalhes nas respostas; por outro lado, observam-
sujeito que emitiu essa o pin ião te m t ambém uma visão
para 'ti rá-los da rua '. Essa visão, muitas se vários casos de fluência na escrita, reflexão e análise nos argu mentos
estereotipada sobre as escolas, ou as toma pelo que têm de ruim
apresentados, e cuidado na forma de construir e expressar as fra ses. O
vezes, desqua lifica o traba lho artístico e de desestruturadas. Na verdade, o diá logo entre a educação
instrumento para viabilizar a escrita também denota diferentes tipos de capital
desenvolvido pelo jovem e pelo próprio formal e a não-formal é bastante produtivo - desde que se
(social, cultural e econômico) dos inscritos e diferenças marcantes entre as
preserve o espaço de liberdade que existe na educação não-
educador. É preciso reverter esse instituições. Vários questionários foram preenchidos por digitação, incluindo
formal. Concordamos com um dos inscritos quando diz: "A
quadros e anexos sobre suas instituições. Mas a maioria foi manuscrita; algu ns
estereótipo e ressaltar, todo o tempo, liberdade é fundamental e faz da educação não-formal o lugar
questionários evidenciam o cuidado de fazer tudo em letras de forma , outros
que a oficina é um espaço de criação no onde a inovação acontece com mais freqüência e frescor".
possuem "garranchos" e respostas bem curtas. Erros de gramática e de digitação
Um eixo recorrente nas respostas dos inscritos foi o das
qua l cada um tem uma valiosa e de vários tipos se apresentam . Em síntese, a simples leitura dos formulários nos
dificuldades com os participantes dos projetos. As temáticas
leva a hipóteses sobre o grau de domínio da língua portuguesa, a habilidade de
singular contribu ição."
desse eixo vão das de ordem pessoal - dificuldades econômicas da comunicação e expressão e o universo cultural dos educadores (valores, visões
Ana Tereza Melo Brandão -Associação família, problemas de saúde, falta de tempo, desi nteresse - às de de mundo, noções, idéias e ideologias, experiências ava liativas etc.).
Imagem Comunitária - Belo Horizonte, MG ordem cultu ral e valorativa - não-entendimento da proposta,
As instituições
,...•
. .....
••
•••••
....
•
._!. .
,----i--- --- --
citar o nome do coordenador/dirigente, usam a denominação
Nomenclat ura " ONG patrocinado ra"; ou, ao descreverem as atividades
Nem todo o universo das inst1tu1ções pertence ao chamado realizadas, dizem "a nossa ONG ", a exemplo de uma OSCIP
terceiro setor, embora ele seJa hegemónico. Temos escolas (organização da sociedade civil de interesse público). As
públicas (estaduais e municipais), uma universidade e três 1nst11uições mais voltadas para o mundo do trabalho denominam-
#lf #lf
como um todo. Um outro destaque, que não foi propriamente
formados por operários imigrantes, sob a influência de ideologias surpresa: o pequeno número de entidades que se apresentam as instituições
anarquistas; o "educandário", tradicional destino de crianças como "movimentos". O termo "movimento" é utilizado "Apesar do engajamento gradativo
#Ili órfãs; as "sociedades artísticas", heranças da Semana da Arte atualmente no linguajar dos participantes dos projetos
#Ili Moderna e de padrões europeus; e os já citados "lares", socioculturais mais como sinónimo de ativismo e mobilização de
de artistas e educadores atuando
#lf #Ili
geralmente patrocinados por entidades religiosas, para abrigar
crianças pobres.
Os termos " núcleo", "grupo" ou "centro de estudo" -
protagonistas do que de movimento socíal propriamente dito.
Quatro instituições adotavam esse termo, e duas outras se
autodenominavam redes de movimentos. Esse número reduzido
ainda há uma resistência e visão
particularmente interessante, porque o tema da violêncía, paredes da sala de aula e dos ateliés."
49
48 próxima da sede da entidade. Instituições que princípalmente na zona urbana, é prioritário na vida dos cidadãos Eduardo Cómodo Valarelli -
promovem atividades socioculturais têm brasileiros. Nos grandes centros metropolitanos a situação é grave. Projeto Canntm - São Paulo, SP
Na área da educação formal, inscreveram-se 17 instituições, registro mais comum refere-se ao período de desenvolvimento do ' Vide GOHN. Mana da Glóna
projeto inscrito). Observa-se a presença de entidades muito antigas "AssociatMsmO em Sáo Paulo: novas formas
que abrangem um leque que vai da educação infantil (creche) ao
de paniopaçáo no plane1amento urbano da
ensino superior (num projeto relativo a rádio comunitária), - uma creche fundada em 1914 em Campinas, por exemplo,
odade". /n: NUNES. Bras,lmar Ferreira (org ).
ou entidades criadas nos anos 1940, 1950 e 1960. A maioria, Sociologia de caprra,s brasileiras:
passando pelo ensino fundamental e superior público. Uma
entretanto, dentre os que mencionaram a data de fundação, parric,pação e plane1amenco urbano.
biblioteca, uma associação de pais e mestres e um CEU (centro
Brasília: Uber LMo, 2006. pp. 129-178.
educacional unificado) compõem o cenário. indica-nos que elas foram criadas a partir dos anos 1990.
ões e de tacam Segundo Lavalle:
O responsável pela instituição é muitas vezes um professor dos segmentos mais vulneráveis da população e fi nanciamento
urnversitáno ou um educador aposentado. Em dez casos, os provindo do setor privado, não raro mediante a figura da
fundação empresarial.•
educadores inscritos são também os presidentes das instituições.
programas de inclusão social. A arte é o foco central ou o meio Brasil atual se manifesta de três maneiras diferentes:
para viabilizá-la. Na análise dos no mes, já des tacamos a 1. O projeto como um todo atua em áreas que apresentam
hegemonia das instituições organizadas nos moldes assistenciais. altos lndices de violência (a maioria das entidades que trabalham
Um terço das "associações" já se ap resenta no pró prio nome nessas zonas de risco, favelas principalmente, enfrenta dificuldade
como associações filantrópicas. Se agregarmos a esse número as para desenvolver seu projeto justamente porque concorre com as
16 obras sociais, os 3 lares, as 1O casas assisten ciais e outros forças organizadas do crime e com as drogas para capturar a
' LAVALLE, A. A. G., CASTELO, G. e BICHIR, R.
nomes tradicionais, chegamos a 50 entidades. Ou seja, quase um atenção dos jovens); Redes, protagonismos e alianças no seio da
quarto do total de instituições inscritas. 2. Tendo em vista uma modalidade de violência, por exemplo, sociedade civil. 30' Encontro Anual da
Anpocs, Caxambu, 2006.
exploração sexual, trabalho infantil etc.;
•
sobre
3. Focalizando o tema da paz, atuando como formador regulares das outras disciplinas. O trabalho com percussão, canto
de uma cultura da não-violência, reconstruindo valores que e outros instrumentos a partir de canções populares propiciou um
contribuam para novas mentalidades e novas formas de encarar envolvimento tal que até as famílias colaboravam para ajudar os
o cot1d1ano. Nesses casos, pressupõe-se que a violência não é só filhos a aprender as letras das canções. Um exemplo cristalino das a arte e as formas
física e nem se localiza apenas entre as camadas mais pobres. possibilidades da música como um veículo de integração e. de expressão
Ela está disseminada na cultura moderna. A criação e/ou a portanto, de formação de crianças e adolescentes.
"Penso que a arte nos proporoona a
restituição de valores e comportamentos que reconstruam um O desenho, a pintura e a fotografia também estão muito
modo civilizatório é o que está em pauta. possibilidade de construir a nós mesmos
presentes nos projetos citados. Dignos de nota são os projetos
sobre a língua portuguesa, fundamental para a formação de em um corpo que não é o nosso, pelo
cidadãos e para o desenvolvimento da capacidade de expressar-se.
menos não literalmente; um corpo
Linguagens utilizadas e formas A produção de textos, bem como o estimulo à leitura (romances.
metafórico, mas ao mesmo tempo
lendas. literatura de cordel) numa sociedade marcada pela
de atendimento
oralidade e pelos meios visuais de comunicação, são um trabalho material e ruidoso, que possa mediar
No universo das formas de expressão e das linguagens instigante e que deveria ter mais apoio. No conjunto das os valores que o público traz e o que
artísticas. o teatro e a dança se destacam como experiências instituições, observa-se que aquelas que apresentam projetos com
o obJeto propõe, gerando um terceiro
freqüentemente bem-sucedidas. por seu poder de envolvimento uso de vídeo, cinema e informática, por exemplo, tendem a ter
e interação dos participantes. Alguns projetos fazem conexão uma procura e um interesse maiores. valor, o bem cultural."
57
com a escola local no sentido de serem um reforço para o Projetos no campo das brincadeiras e dos jogos, como a Marcus Vm1Clu:> !'Prelfa rundaç~1o Or.ia Cr,ant,1
desempenho escolar. Nesses casos, as instituições também fazem batalha naval, o dominó popular e outras formas de vivência do e Vida Carap,cul/Ja, SP
apresentações nas escolas locais. mundo infantil, também constaram das atividades inscritas,
Há muitos projetos na área da música. com predomínio de reforçando a importância da ludicidade, bastante citada nos projetos.
gêneros contemporâneos, como o hip-hop em suas diversas Muitas instituições que promovem atividades socioculturais
modalidades (rap, break etc.). Não encontramos muitos registros têm que conquistar e formar seu público-alvo. Não basta localizar
de instituições com ênfase na música brasileira, popular, clássica uma região carente ou próxima da sede da entidade. A escola, as
ou contemporânea - um campo da cultura que distingue e igreJas e as estratégias como aulas-espetáculo são meios e veículos
caracteriza a própria identidade brasileira. Essa modalidade para despertar a confiança na instituição e o interesse pelo projeto.
aparece no resgate de algum gênero, instrumento ou técnica Muitas vezes, após algum tempo, ou depois da apresentação de
tradicional ou antiga (banda de plfanos. orquestra de berimbaus, algum espetáculo, atividade ou produto do grupo fora da
banda marcial e fanfarra, por exemplo), ou em um coral de escola. comunidade, o problema inverte-se - criam-se filas de espera para
Houve também registros de oficinas com aulas teóricas e práticas a participação nos programas. O espaço onde as atividades são
sobre música, para instrumentos como a flauta, mas que eram desenvolvidas também fornece elementos para a análise da forma
apenas uma das atividades da instituição; ou um projeto de atendimento. Nem todos possuem sedes ou locais adequados.
Jovc11 b11lh,11n cm dprcscntaçéio Dependências de escolas, circos, teatros, espaços cedidos por
desenvolvido num colégio comunitário. Em um dos relatos. a
tio Bdllct St<1g1u111 . alguma obra social, sedes de ONGs parceiras, salões paroqu1a1s de
educadora descreve que os alunos não se interessavam pelas aulas
sobre
1greias, salas do Conselho da Criança e do Adolescente, praças
Instituições parceiras
públicas, ruas, hospitais e até restaurantes são utilizados. Em
alguns casos, a natureza do projeto determina o local - como os Alguns inscritos registraram a ocorrência de parcerias para 0
da área da saúde. Mas a conquista dos espaços não é fácil : são desenvolvimento de at1v1dades cotidianas com os seguintes tipos a arte e as f armas
são necessárias interações e negociações até que haJa a aprovação de ins111uição: outra entidade da própria comunidade, de expressão
para o projeto se realizar em dado local. departamentos específicos de universidades públicas localizadas
"E aqu que entra a dança, "As artes visuais constituem um
na cidade da inst1tu1ção (essas parcerias geralmente se
orno expressão art1st1ca, como modo singular de conhecimento,
concretizaram a partir da iniciativa individual de um professor que
Os objetivos das instituições
rS1'1..rento e autoconhec1mento e avaliou a 1nst1tuição ou ministrou palestras ali) e entidades interpretação e intervenção que
que complementa e ampl ia Na maioria dos casos, os objetivos estão inscritos no próprio governamentais.
possibilita ao educando promover,
nome da instituição, predominando o eixo assistencial, como já Como parceiros das entidades, destacam-se entidades
as possibilidades educacionais pelas vias da visão, infinitas formas
assinalamos. Mas diversas instituições se destacam por fugir do privadas e do terceiro setor, instituições governamentais e
das meninas. " foco exclusivo na assistência. Elas têm alguns objetivos mais entidades de matrizes religiosas. Cooperativas de artesãos, de leitura de uma mesma realidade,
Debora R1be1ro Cabral Domingues - específicos expressos, como "construir tecnologia social de associações voluntárias e cooperativas de caladores e recicladores de um mesmo mundo. Através do
Centro Soaal São Jose - São Paulo, SP educação para o desenvolvimento humano pela arte", "ensinar a de papel, papelão etc. também constam como parceiras dos
desenho, da pintura, do mosaico, da
ensinar", "ensinar a observar, pensar, questionar", "estimular a projetos inscritos. Pode-se observar ainda que a maioria dessas
construir sua própria história " , "descobrir sonhos e desejos" ou entidades é brasileira, embora algumas instituições contem com modelagem e da escultura, o educando,
55
"conscientizar a respeito dos direitos do cidadão ". apoio da cooperação solidária internacional. valendo-se de sensibilidade e
Resta destacar no perfil e nos objetivos das instituições o A parceria das entidades com escolas da região, que cedem
criatividade, realiza construções
aspecto religioso. Muitas são da área confessional, predominando espaço para apresentações dos projetos culturais (bandas, teatro,
a religião cristã católica (nota-se pelo uso do nome de santos no dança etc.), ainda que ocasionais e não fruto de trabalhos simbólicas que favorecem o
próprio nome da instituição ou das paróquias onde atuam). planejados e mais duradouros, é de grande relevância, porque vai redimensionamento do mundo real,
Mas há também entidades espíritas, e ainda cultos africanos, ao encontro do fato que preconizamos no início - a articulação da
questionando-o, transcendendo-o,
trabalhados como elementos culturais. Neste último caso, a educação não-formal com a formal. Essa articulação introduz
artistas populares nas escolas - mestres de bandas de pífanos, por dando-lhe novos significados e
demonstração do preconceito vem à tona - pais que confundem
candomblé com magia, ou segmentos religiosos locais que criticam exemplo -, ajudando a promover a cultura desses artistas junto propondo novos desafios."
atividades musicais com berimbau, por exemplo, associando-as a aos alunos.
Amábile Selvati Marchesi - Seai (Serviço de
"magia negra", conforme o relato de um educador. Descortina-se As parcerias não existem apenas em função do apoio Engajamento Comunitário) - Virona, ES
aqui uma importante frente de trabalho e de oportunidades para financeiro. A divulgação, o trabalho conjunto, a cessão de
a educação não-formal : lidar com a questão das diferenças espaço físico e o apoio à infraestrutura para uma atividade são
culturais, com o respeito à diversidade cultural dos povos. citados em vários casos.
O público participante
Em alguns casos,
f ~ os participantes se
~ interessam por culturas
r que não necessariamente
dizem respeito à sua
. --- comunidade
•
~
como "jovens, sem preparo profissional,
expostos a situações de risco, membros
1
sobre
O grau de escolaridade do público atendido foi pouco
mencionado nos formulários. A exceção ficou por conta dos
1
casos de instituições que atendem a crianças e jovens de
determinadas escolas. Essas instituições costumam ter uma o público
estrutura mais sólida porque acolhem as crianças ou os jovens participante
com mais regularidade, sempre no perfodo do dia complementar
"As experiências de vida trazidas pelos
ao horário da escola.
Em relação a interações diretas entre o trabalho desenvolvido adolescentes do grupo também servem
de famílias com desajustes familiares e com defasagem na escola". pelas instituições inscritas e as escolas formais dos bairros onde de material para discussão e análise,
Outros destacaram o mosaico de situações econõmicas e culturais atuam. há vários registros de melhoria no desempenho escolar,
em que aprendemos uns com os outros.
envolvidas. especialmente os que atuam em entidades das áreas sempre advindos de informações de mães de alunos; e de alunos
de saúde, manifestações culturais e direitos sociais (de mulheres, que foram " requisitados" (expressão de uma educadora) para O educador não é o dono da verdade e
indígenas, afro-descendentes). instituições de estudo e pesquisa e realizar apresentações artísticas nas escolas, auxiliando aulas de sim um mediador dos conhecimentos do
projetos de reconstrução de memória ou preservação de bens professores de artes e de português. Não é comum a existência
grupo, que se diferem e se completam."
históricos materiais ou imateriais. de planos de trabalho conjuntos entre os educadores não-
Flávio Santos da Conceição - CTO-Rio (Centro
A faixa etária do público-alvo predominante é de crianças, formais e os educadores das escolas formais, nos registros dos
de Teatro do Oprimido) - Rio de Janeiro, RJ
,a adolescentes e jovens. Em alguns casos, pessoas de todas as formulários. Os trabalhos existentes são ocasionais, articulados
59
idades participam dos projetos, ainda que a maior parte oralmente.
geralmente seja formada por jovens. O número do público atendido em cada projeto oscila entre
sobre
o público
Observa-se que os educadores costumam
nomenclatura da educação formal como parâmetro para
adotar a
pobreza. Alguns projetos desenvolvem-se em regiões que já Há inúmeros reg istros de apresentações em espaços da que nos acolhe começaram a nos
possuem estigmas de "territórios do mal", tais como "polígono com unidade local - escolas, salões de idosos, praças, igrejas,
procurar, mostrando grande interesse
da maconha". Em outros, os projetos convivem com traficantes e associações comunitárias e outros lugares extramuros da
instituição. em conhecer e participar das
contraventores no mesmo território, tendo de "competir" com
essas forças na busca pela adesão do jovem a seu programa Alguns projetos abrangem uma região - muito além das experiências que as crianças do projeto
(e pela continuidade nele). Outros projetos atuam na luta de fronteiras do bairro. No Complexo da Maré, no Rio de Janeiro, por realizaram em suas comunidades.
combate ao trabalho infantil, tentando reconduzir crianças e exemplo, onde habitam 170 mil pessoas, 16 comunidades são
Organizamos então palestras e oficinas
adolescentes para a escola. incluídas num único projeto.
As áreas centrais das grandes cidades não tiveram muit os Um destaque exemplar é a preocupação que existe em vários para pais, avós e professores da região,
62 63
projetos inscritos. Cumpre mencionar que nessas áreas, em projetos com a recuperação da memória local, a história do bairro com o objetivo de mostrar a importância
algumas cidades, como São Paulo, localizam-se os movimentos e de seus personagens. Além de reconstruir a identidade do lugar,
e o resultado do resgate da identidade."
sociais populares urbanos mais organizados da atualidade. Trat a- esses projetos contribuem para desenvolver vínculos sociais e
se de movimentos que atuam na área da habitação popu lar e são tecer redes de solidariedade entre os moradores. Hélio Rodrigues de Souza - Obra Social Antonio
de Aquino - Rio de Janeiro, RJ
Os projetos que têm como proposta intervir na cena urbana,
por meio de apresentações ou pela elaboração de grafites e artes
plásticas, contribuem para a apropriação e ressignificação do
Sa ir dos loca is onde se vive ou onde espaço público. Há o caso de um projeto que trabalha com a
pintura dos muros externos da escola local, ilustrando a história
é dese nvolvi do o proj eto é sempre citado como do bairro.
Poucas informações foram registradas sobre a demanda da
uma grande rea li zação - os participantes comunidade por determinado tipo de projeto, ou se houve • Vide GOHN, Maria da Glóna.
conhece m novos lugares e ganham alguma interação com os moradores para a definição das "Associativismo em São Paulo: novas formas
de participação no planeIamento urbano da
atividades. Os coordenadores e/ou o presidente da entidade são
inspiração e estímulo quase sempre os responsáveis por essa escol ha. A maioria dos
cidade". ln: NUNES. Brasilmar Ferreira (org.).
Sociologia de capirais brasileiras:
inscritos assinala que desenvolve metodologias participativas, participação e planejamenro urbano.
registra, faz avaliações etc., mas há poucas referências à Brasília: Líber Uvro. 2006. PP· 129• 178 ·
sobre
interação 1n1oal, preliminar, no momen to de escolha do projeto .
A impressão que se tem é de que ele em geral é " levado " para a
comunidade, e não " demandado ". Teoricamen te, os resultados e
o entorno as possi bi lidades de desenvolvimento e susten tabilidade de um
"Os educandos dão referências para proieto são bem diferentes nesses dois casos.
Todos os projetos que objetivam revaloriza r campos da
outras pessoas da vila, como a
cultura local ou trabalhar com eles acabam tendo algum tipo de
internalização da disciplina como impacto no entorno, sendo o ma ior deles o de caráter educativo -
um habito da vida e a melhoria forma-se um saber, desenvolve-se uma consciência. Observamos
isso no reg istro de projetos que trabalham, por exemplo, com o
nos relaoonamentos pessoais."
desenho de pássaros, com idas e frutas regionais, além de danças
Manlene Rodngues dos Santos -
e manifest ações artísticas.
Assoaação Querubins - Belo Honzonre. MG
64
A gestão do processo
· poderia ser repassada
como um conhecimento
à comunidade local,
para que se formassem
pólos multiplicadores
humana. Na medida em que as vivencial , presencial , nos dizeres de Mário Sérgio Cortella " . A arte, A importância do saber dos indivíduos atendidos e da
demonstram-nos cabalmente os projetos inscritos, é um poderoso comunidade local é citada em inúmeros projetos. O resultado
atividades com artes plásticas
meio de educação dos ind ivíduos, tanto para humanizá-los, como aparece nos relatos de recuperação de tradições esquecidas ou
e cênicas favorecem a autonomia para constitu í-los como cidadãos e cidadãs de um território. "acanhadas" diante de costumes modernos. A reconstrução de
e o protagonismo político, Uma outra aprendizagem relacionada à arte é a da saberes pode ser também uma ponte na restituição de vínculos
construção de caminhos para a superação de preconceitos e o afetivos dentro das próprias famílias. Os mais idosos deixam de ser
elas possibilitam também mudanças
respeito às diferenças culturais e religiosas - um exemplo é "caretas" e passam a ter algo para repassar para a "moçada",
positivas dos víncu los afetivos na o ensino da música pautado ao mesmo tempo por normas de ávida por criar mosaicos de manifestações culturais nas suas
;a 69
fa mília, na escola e na comunidade." conduta da religião católica e dos indígenas de uma dada região. maneiras de ser e atuar no mundo. Com tudo isso há uma
A relação dialógica, não-formal, que se estabelece entre revalorização do próprio ser humano no que ele tem de
Maria do Socorro Andrade Uma -
Centro Brasileiro da Criança
ed ucador e educando favorece esse tipo de traba lho. fundamental, que é sua forma de se expressar artisticamente e se
e do Adolescente - Recife, PE Diversos relatos registram que, muitas vezes, o projeto comunicar. Desenvolvem-se também competências cognitivas,
possibilitou a crianças e/ou adultos sair pela primeira vez do bai rro porque o pensar não se separa do fazer.
para ir ao centro, ou sair de suas cidades (caso de centros menores), A preocupação com a "autonomia do sujeito", manifestada
ou entrar em um teatro, instituição de arte ou órgão pú blico. em alguns projetos, denota também a busca por mais um
resultado positivo: o de valorizar a criação em detrimento da mera
Principais destaques reprodução de um objeto, uma dança etc. Trata-se de uma diretriz
fundamenta l para a construção do olhar e do pensamento críticos,
Dentre os resultados já mencionados ao longo deste estudo, um processo de emancipação dos indivíduos - que vale para
vale destacar: qualquer idade, mas, quando desenvolvido na infância e/ou na
adolescência, estabelece as bases para a formação de cidadãos.
" CORTELLA, Mário Sérgio. • a construção de conteúdos ao longo do processo. Para Isso se traduz no amadurecimento das relações interpessoais.
Contribuições da educação não-formal
alguns educadores, "a autonomia desenvolvida no interior O discurso contemporâneo das competências e habilidades
para a construção da cidadania .
Palestra proferida no Instituto do grupo de trabalho é a maior expressão do sucesso das est á presente em várias das propostas inscritas. Em alguns casos Encontro de gerações entre pifanos e
ltaú Cultural em 6 de dezembro de 2006. estratégias adotadas"; tambores de Tacaratu.
ela é vazia de significados, está posta para repetir chavões e dar
sobre
não contempla propostas de desenvolvimento auto-sustentável,
A preocupação com a
quer dizer, se a entidade ou o educador saírem da região após
"autonomia do sujeito", manifestada f,m do projeto, nem sempre se forma um grupo local para
0
instituição - alunos ou ex-alunos que passam a ser monitores, ou educadores, dos educandos e de seus
ainda ex-alunos que se engajam em trabalhos em outras
familiares. A arte é um meio oportuno
um ar moderno ao projeto. Mas. em outros, seu uso relaciona-se instituições a partir dos conhecimentos adquiridos na primeira.
ao respeito aos direitos e deveres dos cidadãos, aos valores éticos de descobrir suas potencialidades.
Há registros também de repasse de conhecimento do modus
e estéticos. Jovens deixam de ser vistos como "problemas" e operandi, já previsto no planejamento do trabalho. despertar a auto-estima e resgatar
passam a ser reconhecidos como promotores de transformações. O reconhecimento do trabalho pela comunidade local é por
aspectos culturais importantes
si só um dos grandes indicadores de resultados. Ele aparece
relacionados à história de suas vidas
Multiplicando os resultados também na replicação do projeto em outras comunidades. Há
sobre
os resultados
A participação sociopolítica e comunitária, promovida a
partir de projetos construidos coletivamente, leva a intervenções
sociais - por exemplo. numa praça pública, como já citado - e
até mesmo casos de elaboração de leis a partir de experiências
educativas não-formais.
no contexto social do ambiente
em que vivem."
seja nas idéias dos edu cadores, seja na considerados objetivos gerais, mas não resultados, na óptica
empresarial. Os resultados devem ser medidos e estar no escopo
contribuição dos participantes de gerenciamento dos proponentes do projeto. Nesse sentido,
vemos uma distância saudável entre o que a maioria dos inscritos
para o andamento do projeto registra como resu ltados obtidos e o que seriam os resultados
para uma agência de financiamento de um projeto, advinda do
mundo das empresas.
filosóficas . Concentrar-se no público-alvo como cliente, usuário ou Por conta dessa nova dinâmica de investimentos, a lógica
consumidor é uma coisa. Vê-lo como sujeito de direitos e dotado articuladora dos resultados no mundo das instituições de
de uma cultura e um saber é outra. Motivar crianças e jovens para educação não-formal inclui progressivamente a racionalidade
práticas cidadãs é um trabalho difícil e desafiador porque não se privada, que se preocupa com o registro e o controle dos
trata de regras e normas de moral e cívica . Trata-se de criar valores. processos em andamento. Mas essas instituições são também
E a arte-educação é um grande caminho. herdeiras da lógica do setor público, que tem como alvo, para
72 Os projetos mais bem estruturados têm até equipes de seus resultados, o universo da população, e tem de trabalhar
73
consultores para avaliar e redesenhar constantemente os rumos da com direitos - sempre universais. Assim, os resultados, como nos
instituição. Todos os inscritos afirmam que têm diários e relatórios projetos de investigação cientifica, são as descobertas feitas ao
para fins internos. Porém, a publicação de livros, artigos ou sites
na internet dos trabalhos ou das instituições é bastante escassa.
Cumpre registrar uma diferença básica entre a concepção
longo do processo.
sobre
os resultados
de resultado de um projeto social e a concepção de resultado no
"O resultado é a formaç~o de Jovens
mundo privado, empresarial, onde a lógica da eficácia e da
eficiência vem sempre em primeiro lugar, tendo como parâmetro conscientes, enquanto lideranças da
o lucro auferido. São duas lógicas, dois mundos. Ocorre que, comunidade, possuidores de uma v1s~o
cada vez mais, podemos observar o patrocínio de projetos sociais
crítica e ativa da sooedade Eles têm
por empresas (da indústria, do comércio ou do setor fi nanceiro,
ou ainda do setor educacional privado - universidades e centros formação baseada em valores humanos,
educacionais), sob o incen tivo das políticas de responsabilidade e ter~o a capaodade de passar
social. Quando esses projetos são elaborados pelas fundações e
os mesmos valores adiante."
institutos das empresas, a concepção de projeto é di ferente -
M,chel 81er,g SchOOt - Centro Cultural
segue a racionalidade do mundo privado. Resultados, nesse
Oficina de h1p-hop com Nelson Triunfo. Mordecha, An1/ev1tch Rio de JanPl(O, RI
caso, são coisas palpáveis, mensuráreis, quantitativas, já previSt ª5
Um novo Brasil
o olhar para os excluídos, canalizados principalmente no constituição dos seres humanos enquanto cidadãos. Keyfa Silva Rabelo - Federação dos
desenvolvimento de um trabalho artístico. Bandeirantes do Brasil - Salvador. 8A
Mudan ça em curso
o novo Brasil da educação O novo Brasil revelado na pequena amostra do Programa
Rumos vem na verdade sendo construido há alguns anos, mas só
não-formal representa fôlego renovado agora os resultados começam a aparecer. Entidades de cunho
para as culturas esquecidas; esperança de assistencial que desenvolvem projetos sociais têm mudado seus
discursos e procurado se adequar aos novos tempos, atuando
aprend izagem para jovens carentes; diálogo social tanto no plano simbólico, da criação de valores, como no plano
mercadológica, desvinculadas do contexto associativístico e ., Vide GOHN, Mana da Glória. "A educação
movimentalista, portadoras apenas de um discurso genérico de não-formal e a relação escola-comunidade".
inclusão social, têm dificuldades para superar o desafio de incluir ln: Revista Eccos, n. 2, vai. 6, dez. 2004 ·
pp. 39-65.
os excluídos em processos realmente emancipatórios porque eles
não mantêm com elas relação de pertencimento; os projetos são frutos de
ações desterntonallzadas; a abordagem focaVemergencial reduz os cidadãos a
usuanos de serviços. O trabalho voluntário individualista, sem preocupação com
o desenvolvimento de uma consciência social, leva somente ao estrelismo, ao
glamour, ao merchand1sing e à mercantilização, em que o que se busca é
agregar valor a uma marca, produto ou pessoa.
Algo mais é necessáno para que as entidades extrapolem o modelo hoje
implantado no país, de busca por eficácia, competência, resultados, talentos: as
ações das entidades devem ter vínculos com a sociedade civil organizada, com
os movimentos sooa1s e populares, com as associações de moradores, com os
grupos organizados e com todos aqueles que lutam por direitos sociais no pais
- estabelecendo assim uma rede de ações que favorece o trabalho dos
educadores.
Porém, prevalecendo sobre as dificuldades, o novo Brasil da educação não-
formal representa fõlego renovado para as culturas esquecidas; esperança de
aprend izagem para jovens carentes; diálogo social para a construção de saberes
e abolição de preconceitos. Trata-se de um Brasil constituído de entidades que
cada vez mais fogem da pecha de meras instituições assistenciais - e, acima de
tudo, um Brasil constituído de educadores jovens e cheios de disposição,
decididos a transformar positivamente seu meio e seu mundo.
Listamos a segui r uma bibliografia básica - incluindo as referências Popular. v. 3. Petrópolis: Vozes/Nova, 1983.
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singulares,
Visões
conversas plurais
Textos Olga Rodrigues de Moraes von Simson, Margareth Brandini Park,
Renata Sieiro Fernandes, Mario Sergio Cortella, Rita Amaral,
Ecio de Salles, Sebastião Soares e Carlos Rodrigues Brandão
h
LEI DE
lNCENIB'O
ACULruRA
~
ltaú
~HHíl MINIS'rt.RIO
DA CUL11.JRA
ltaú Cultural
v i nteono1 cultural
Apresenta çã o
8 aprender a ensinar
Educação não-formal : um
11
conceito em mov imento
65
21 cm x 24 cm.
[... ] por educação formal. entende-se o tipo de educação Entendemos que o não-formal inclui o não-escolar, por
organizada com uma determinada seqüência e proporcionada aquele ser mais amplo e englobar este. O intuito é não fa zer ou
pelas escolas, enquanto a designação informal abrange todas as promover a oposição, por principio, à escola. Trata-se de campos
possibilidades educativas no decurso da vida do individuo, distintos. Essa situação constitui o acontecimento da educação
constituindo um processo permanente e não organizado. Por (não-formal), segundo Valéria Garcia:
último, a educação não-formal, embora obedeça também a uma
· TRILI.A. Jaume. La educación fuera de la estrutura e a uma organização (distintas, porém, das escolas) e A educação não-formal não tem, necessariamente, uma relação ' AFONSO, A. J. Op. cit. p. 90.
escuela: ámbiros no forma les y educación direta e de dependência com a educação formal. É um
possa levar a uma certificação (mesmo que não seja essa a
social. Barcelona: Ariel, 1996. ' Idem.
acontecimento que tem origem em diferentes preocupações e
finalidade), diverge ainda da educação formal no que respeita à
' AFONSO, Almenndo Janela. "Sociologia da busca considerar contribuições vindas de experiências que não são ' GARCIA. Valeria Aroeira . "Um sobrevôo: o
não-fixação de tempos e locais e à flexibilidade na adaptação dos
educação não-escolar: reactualizar um priorizadas na educação formal .• conceito de educação não-formal " . ln PARK,
objecto ou construir uma nova conteúdos de aprendizagem a cada grupo concre to., Margareth B. e FERNANDES, Renata S. (org.).
problemática? " ln: ESTEVES, Antonio J. e Educação não-formal: contextos. percursos
STOER, Stephen R. A sociologia na escola. Para Barrie Brennan, da Universidade da Nova Inglaterra, que e sujeitos. Campinas: Un1camp/CMU;
E isso leva a uma transformação social. o autor elenca as
Porto: Afrontamento, 1989. p. 78. tenta reconceituar o termo educação não-formal. o primeiro Holambra: Eduora Setembro, 2005. p. 27.
seguintes características da educação não-formal :
subtipo dessa modalidade de educação é descrito como um É importante notar que os três subtipos de educação não-
complemento ao sistema formal ' Trata-se das práticas que visa m formal propostos estão relacionados à educação formal, embora
a atingir aqueles objetivos e propósitos aos quais a educação para além dela e não como parte constituinte, ou com o interesse
formal não tem sido capaz de atender parcialmente ou, em alguns direto e aceito, da educação formal.
casos, totalmente. Os grupos-alvo incluem alunos que foram Brennan, ainda, apresenta uma discussão do conceito de
expulsos da escola ou adultos analfabetos. educação não-formal aliado a três aspectos: o sistema, o ambiente
O segundo subtipo de educação não-formal é descrito como e o processo. O primeiro aspecto, denominado sistema, desenha o
uma alternativa à educação formal. Essa modalidade de educação contraste com o sistema formal. Trata-se de um aspecto
não-formal procura reconhecer o campo da educação e do importante para mostrar como os sistemas de educação não-
aprendizado tradicional ou nativo. A educação e o aprendizado formal necessitam ser diferentes - e, talvez, radicalmente
nativos referem-se às estruturas e práticas que existiram antes da diferentes - do conhecido e bem-estabelecido sistema formal.
colonização - nos países-colônias - e que continuam existindo de O segundo aspecto, denominado ambiente, é importante
algum modo em traços da vida comunitária e pessoal após o em razão do forte elo entre o sistema formal e as instituições
momento de colonização. Trata-se de uma reação ao fato de que educacionais específicas do campo da educação não-formal.
a educação formal tem, consciente ou subconscientemente, O reconhecimento do aprendizado que ocorre para além das
reprimido ou negligenciado a existência de costumes de ensino e instituições educacionais formais é importante de ser levado em
aprendizagem e de práticas advindas da cultura de povos nativos. conta quando vemos a variedade de agências patrocinadoras 19
18
Um importante traço desse subtipo de educação não-formal é que envolvidas nesse tipo de educação e os muitos locais possíveis
suas estratégias e técn icas de ensino e aprendizagem devem para se ensinar e aprender.
O terceiro aspecto, denominado processo, fornece um
necessariamente ser redescobertas e reavaliadas.
meio para enfatizar as estratégias de ensino e aprendizado
O terceiro subtipo de educação não-formal é descrito como
da educação não-formal e mostra como essas estratég ias
um suplemento à educação formal. Essa modalidade de educação
necessitam ser apropriadas aos aprendizes, à sua cultu ra e aos
não-formal representa um rol de respostas educacionais que estão
objetivos dos programas.
relacionadas aos mais recentes estágios de desenvolvimento de
Kleis, Lang, Mietus e Tiapula (apud Brembeck), pesquisadores
uma nação. As origens desse subtipo de educação não-formal são
da Universidade Michigan, ao falar da educação não-formal,
encontradas nas mudanças que ocorreram como resultado da
incluem também o conceito de educação incidental, entendendo
queda do bloco comunista, da consolidação da abordagem
por ela o seguinte:
capitalista na economia e na política e da globalização do
comércio e dos negócios. Esse subtipo de educação não-formal
[ ... ] algumas experiências são educacionalmente não-intencionais.
relaciona-se com a aparente "decolagem econômica" de alguns
mas não menos poderosas. Os resultados são tão comuns e
países; ele emerge quando se busca uma rápida reação às produzidos tão completamente sem consciência ou intenção
' BRENNAN, Barrie. "Reconceptualizing ' BREMBECK, Cole S Program of srud,es m
non-formal education" . ln: Internacional necessidades educacionai s, sociais e econômicas de uma que são comumente pensados como "naturais" ou "inerentes" . non-formal educa1ion. East Lans,ng: M,ch1gan
Journal of Lifelong Education, vol. 16, n. 3 comun idade, e a edu cação formal é lenta demais para atender State Univers,ty. 1972 . Mimeografado.
o fato é, cl aro, que eles são aprendidos. '
(May/June), 1997. pp. 185-200. a essas necessidades.
Em seguida, completam
ocorrer em quase todos os lugares, inclusive no espaço
do trabalho;
As mesmas exper1ênoas ou s1m1lares podem ser consoentemente
6) método: a educação formal normalmente transmite
examinadas e deliberadamente incrementadas através de conversa,
conhecimentos padronizados e centrados no papel do
explanação, interpretação, instrução, d1sop/1na e exemplo de
professor e na sala de aula . A educação não-formal tende
pessoas mais velhas, de pares e de outros, tudo dentro do contexto
a ter ma is conteúdos específicos, com esforços que se
de v1vênc1a 1ndiv1dual e sooal do d1a-a-d1a Alguns incrementas
dirigem à aplicação prática;
podem pretender ser educativos, mas as propnas expenênoas não
7) participantes : os estudantes da escola formal
são plane1adas conscientemente para isso. Alguns incrementas de
normalmente são definidos por idade e são razoavelmente
experiênoas da vida real constituem a educação in formal '
previsíveis. Os professores são formalmente certificados.
Os estudantes da educação não-formal podem ser de
Brembeck, estabelecendo uma comparação entre educação
todos os grupos etários; os educadores têm uma grande
formal e não-formal, assume a educação como suporte para a
variedade de qualificação e não são necessariamente
mudança social pelo desenvolvimen to econômico, a partir dos certificados formalmente. Em termos de aprovação social,
seguintes elementos:
os estudantes que rejeitam o aprendizado ou "fa lham "
1) estrutura: os programas da escola formal são altamen te nas escolas formais podem sofrer de estigmas no convívio
estruturados em um sistema coordenado e seqüencia l. Os com colegas, familiares etc.; os participantes da educação
programas não- formais geralmen te têm muito menos não-formal podem rejeitar determ inada matéria ou
centralização e estrutu ra comum e podem ser descritos "falhar" com pequeno ou nenhum estigma social;
ta nto como um subsetor quanto como um sis tema; 8) função: as experiências em educação formal geralmente
2) conteúdo: a educação formal geralmente é acadêmica, são designadas para ir ao encontro das supostas
teórica e verbal. A educação não-formal normalmente é necessidades que as pessoas têm . A educação não-formal
centrada em tarefas ou habilidades, com objetivos que se mais freqüentemente acontece como resposta às
relacionam à aplicação prática em situações diárias; necessidades que as pessoas dizem ter. '
3) tempo: a educação forma l é orientada para o tempo Nessa revisão, falta ainda citar Ventosa Pérez, professor da
futuro; a educação não-formal é de curto prazo e Universidade de Salamanca, que tem uma vasta produção na área
orientada para o tempo presente; da educação não-formal desde a década de 1980. Segundo Pérez,
4) gratificação: na educação não-forma l, os retornos
tendem a ser postergados e são de longo alcance. Na [... ) a educação social é um con1unto fundamentado e
educação não-formal, os retornos tendem a ser tangíveis sistemático de práticas educativas não-convencionais realizadas
e imediatos ou a curto prazo; preferencialmente - ainda que não exclusivamente - no âmbito
5 da educação não-formal, orientadas para o desenvolvimento BREMBECK, C 5. Op. m pp.11 -12.
) local: a ed ucação forma l tem alta visibilidade e
adequado e competente da socialização dos tndivíduos, assim " VENTOSA PÉREZ, Victor J. tnrervencion
encontra-se fixada em diferentes locais. A educação
BREMBECK, C. S Op c,t. p. 1. socioeducauva. 2. ed. Madnd: CCS. 1999.
como para dar respostas a seus problemas e necessidades sociais."
não-formal normalmente tem baixa visi bilidade e pode
Para ele, a qualidade da educação social es tá em dar
afetividade com esses sujeitos . Para tanto, necessita-se de um
respostas a novas necessidades socioeclucativas que o atual
lugar onde todos tenham espaço suficiente para experimentar
sistema escolar e formal não pode satisfazer por motivos de
atividades lúdicas, ou seja, tudo aquilo que provoque, seja
saturação, rigidez ou excessivo formalismo. Seu âm bito de atuação
envolvente e vá ao encontro de interesses, vontades e
discorre predominantemente dentro da educação não-formal, ou
necessidades de adultos e crianças. As atividades de educação
extra-escolar - termo também usado por ele -, e abarca uma
não-formal precisam ser vivenciadas com prazer em um lugar
pluralidade temática e multidisciplinar fronteiriça com outras
agradável que permita movimentar-se, expandir-se e improvisar,
disciplinas e perfis sociais, culturais, escolares, de saúde,
possibilitando oportunidades de troca de experiências,
psicopedagógicos e jurídicos. As modalidades mais importantes da
educação social são: educação de adultos, educação especializada,
formação de grupos - de proximidade e de brincadeiras e jogos, É importante que
no caso das crianças e jovens -, contato e mistura de diferentes
formação sociolaboral, animação sociocu ltural e tempo livre.
idades e gerações. a proposta de
Ainda segundo Ventosa Pérez, a animação sociocultural:
Isso pode se concretizar por meio do envolvimento efetivo
dos educadores com o dia-a-dia dos educandos. Membros da
educação
[... ) constitui-se em um àmb1to da educação social e, por sua vez, comunidade do entorno podem contribuir com a proposta, não-formal
é um modelo de intervenção socioeduca tiva, caracterizado por fazendo sessões de conversa, evocando memórias sociais e
ocorrer através de uma metodologia participativa destinada a vivências de infância.
funcione como
22
gerar processos auto-organizativos, individuais, grupais e Para a efetivação dessa proposta, o educador busca propiciar espaço e prática de 23
comunitários, orientados ao desenvolvimento cultural, social e situações e oportunidades para diferentes vivências, sem esquecer
educativo de seus destinatários. " de aproveitar as já existentes - provocadas ou suscitadas pelos
vivência social,
próprios grupos. Atuando como organizador e/ou animador, ele que estabeleça
De modo geral, para a educação não-formal a transmissão não deve ter preocupações escolarizantes e pedagógicas em
do conhecimen to acontece de maneira não obrigatória e sem relação às ações dos grupos e deve exercitar o hábito de refletir laços de
a existência de mecanismos de repreensão em caso de o
aprendizado não ocorrer, pois as pessoas estão envolvidas no
sobre suas atitudes e posturas tomadas em relação a qualquer
situação na qual pretenda influir ou tenha influído.
afetividade
e pelo processo de ensino/aprendizagem e têm uma relação A educação não-formal considera e reaviva a cultura dos entre os
prazerosa com o aprender. indivíduos nela envolvidos, incluindo educadores e educandos, de
modo que a bagagem cultural de cada um seja respeitada e esteja
participantes
presente no decorrer de todos os trabalhos, a fim de não somente
O cotidiano, a cultura e o socia l valorizar a realidade de cada um, mas indo além, levando essa
realidade a perpassar todas as atividades. Segundo Certeau:
na educação não-forma l
A princípio é impo t t A cultura oscila ... De um lado, ela é aquilo que " permanece "; de
_ , r an e que essa proposta de educação
nao-formal fun cione c . outro, aquilo que se inventa. Há, por um lado, as lentJdões, as
" VENTOSA PÉREZ, V. J. Op. cit. orno espaço e prática de vivência socia l,
O latências, os atrasos que se acumulam na espessura das
que reforce contato com o coletivo e estabeleça laços de
mentalidades, certezas e mual12ações sociais, via opaca, inflexível, A educação não-formal vem ganhando espaço na
d1ss1mulada nos gestos cot1d1anos, ao mesmo tempo os mais sociedade devido à política social e econômica adotada no pais,
atuais e milenares. Por outro, as irrupções, os desvios, todas essas princi palmente em rela ção às camadas sociais mais baixas.
margens de uma invent1v1dade de onde as gerações fururas Assim, surgem, de um lado, 1nst1tuições, associações, organizações
extrairão sucessivamente sua "cultura erudita" A cultura é uma e grupos preocupados em propor alternativas que melhorem a
noite escura em que dormem as revoluções de ha pouco, forma de inserção de um grande contingente de pessoas na
inv1siveis, encerradas nas praticas - mas pirilampos, e por vezes realidade brasileira . Paralelamente, muitos segmentos têm a
grandes passaras noturnos, atravessam-na, apareomentos e preocupação de proteger as classes mais favorecidas da
criações que delineiam a chance de um outro dia marginalidade, que pode advir, em espeoal, de grupos de crianças
e adolescentes da periferia . Essas organizações procuram tirar os
A partir dessas primeiras caracterizações, fica claro que não jovens das ruas, oferecendo atividades voltadas ao lazer e à
há como pensar a educação não-formal desconsiderando a capacitação profissional.
comunidade, pois é difícil o envolvimento voluntário das pessoas No Brasil, o terceiro setor nasce vinculado à Igreja católica ,
com algo com que não se identificam. promovendo ações filantrópicas, fundamentadas em valores
Assim, o primeiro passo sena considerar os desejOs e anseios cristãos, no campo da saúde e da educação. No século XIX,
da população com a qual se pretende trabal ha r e, a partir de surgem as associações civis secularizadas: sindicatos e associações
estudos da realidade da comunidade em questão, in tegrar a todo profissionais, étnicas e abolicionistas. 25
momento essa realidade observada e estudada às características Entre os anos 1930 e 1960, há a tendência a um centralismo
levantadas anteriormente. estatal, por meio dos sindicatos corporativistas vinculados ao Estado.
Entre a década de 1960 e o final dos anos 1980, surgem as ações
civis pela luta democrática e por melhorias sociais.
Historicizando a educação O redesenho mundia l da década de 1980 traz altas taxas de
desemprego - a chamada "sociedade sem emprego" - , índices de
não-formal no Brasil
violência elevados e retração nos direitos dos trabalhadores. As
Quando reflet imos sob re tra balhos de educação não- relações entre capital e trabalho se alteram drasticamente. A
formal , não exc1 u·1 mos a poss1·b·1· globa lização impõe normas e desafios que sobrecarregam os
11d ade de existir
. . associações/
.
instituições que trabalhem ed ucacio nalmente de maneira não- chamados "países em desenvolvimento" . O Estado passa a não
formal e nã 0 d- . atender às necessidades dos cidadãos no que tange à saúde, à
se eem conta dessa teo ri zação . Essa modalidade
de educação ve m se ca r t d . educação, à moradia e à assistência social - a chamada "falência
CEPTEAL.J, A1chel de. A cultura no plural ac erizan o no Brasil com propostas de
Campinas: Papirus, 1995 tra balho voltadas para d . do bem-estar social".
as ca ma as mais pobres, sendo algumas
promovi das pelo seta · bl . A recessão da década de 1980 traz conseqüências terríveis
Mais recentemente, todas essas r pu 1co e outras idealizadas por
diferentes segme ntos d · d d .. pa ra a África, a Ásia e a América Latina, impulsionando o
organizações também recebem a sacie a e civil, de organizações não-
a denominação de OSCs governamentais a grupo 1 · . . . florescimento das ONGs. Nesse momento, vivia-se, na Europa, a
s re 1g1osos e 1nst1tu1 ções que man têm
(organizações da sooedade ov1I) crise do socialismo.
parcerias com empresas e ou tra s en tidades ".
o prim eiro passo de um 110,8 mil pessoas na miséria absoluta; 4,2 % das famil ias
sobrevivem com menos de 1 dólar ao dia; 23,6% das famil ias -
projeto de ed ucação não-formal é considerar que equivalem a 623 mil pessoas - vivem com renda inferior a um
em São Paulo. Existem ali 1.640 fundações privadas e associações desenvolver melhor as habilidades e os conteúdos que o trabalho
sem fins lucrativos, que empregam 23 .722 pessoas, pagando educativo e pedagógico toma como norteadores.
salários que totalizam 391,6 milhões de reais. Essas entidades Muitos desses educadores se iniciam em contextos formais e
escolarizados antes de adentrar no universo não-formal. Isso tanto
respondem por 49, 13% das 3.3 38 ONGs instaladas na região
mostra que eles buscam campos de atuação mais flexíveis e
metropolitana de Campinas, que abrange outros municípios.
desafiadores, como pode mostrar, ainda, que a memória escolar
Apesar de essa cidade figu rar como uma das que possuem
que carregam consigo - seja como alunos, seja como professores
" Vide CARNIC EL, Amarildo. O jornal
maior renda per capita no país, os estudos do Núcleo de Est udos
- funciona como uma âncora para balizar o trabal ho educativo -
comunitário como estratégia de educação da População (Nepo), da Unicamp, mostram que há dois cinturões
não-formal. Tese de doutorado. e, nesse sentido, colabora para uma sensibilidade pelo inusitado e
de pobreza e riqueza com desigualdades preocupantes na região " CARNICEL, A. Op. ot.
Campinas: FE/Unicamp, 2005. o novo que esse ca mpo do não-formal oferece.
metropolitana de Campinas. Os indicadores sociais loca is são:
Outro conceito importante para enriquecer a discussão é o de
grupos sociais diferentes e pertencentes a contextos sociais
" estudantes em situação de risco" . apresen tado por Schuller, em
e culturais distintos, transmitem, através de suas histórias de
um estudo sobre a importância da mC,sica no envolvimento de
vida . Só assim será possível construir um diálogo a partir dos
crianças e adolescentes na educação formal " . Tal t ermo diz
conhecimentos oferecidos por essa população e da bagagem
respeito às crianças e jovens que têm vinculo com a escola, mas
acumulada pelos educadores.
estão prestes a perdê-lo, não porque a escola não lhes dê
Faz-se necessário garantir a construção de um vínculo afetivo
informações suficientes, mas pelo fato de que essas informações,
entre as partes que integram essa proposta, visando à elaboração
na ma ioria das vezes, estão desvinculadas da realidade cultural na
de práticas significativas para a população envolvida . As atividades
qual esses jovens e crianças foram socializados.
educativas, nessa linha, costumam utilizar e explorar as mais
Menores em situação constante de risco constituem parte diversas formas de linguagem e expressão - corporal, artística,
do grupo do qual tratamos quando fa lamos dos envolvidos em escrita, teatral, imagética -, envolvendo, por exemplo, áreas
atividades de educação não-formal, contando ainda com crianças ligadas ao meio ambiente e às ciências naturais e lógico-
e adolescentes que já vivenciam o afastamento da escola formal e, matemáticas. Nessa multiplicidade de práticas, encontram-se
concom itantemente, uma aproximação com o mundo da rua. maneiras de reelaborar a valorização e a auto-estima da população
Portanto, a partir da anál ise desse cenário é que podem ser com a qual se trabalha, fornecendo uma pluralidade de
propostas form as alternativas e/ou pa ralelas de trabalho nas possibilidades de comunicação e, assim, abrindo "canais " para a
8 institu ições educacionais não-formais. expansão e a explicitação de sentimentos, emoções e desejos.
29
Uma sign ificativa parcela dessas crianças perde parte de sua Em uma dinâmica de exploração das diversas formas do
infância. Muitas deixaram de brincar ou de estudar para colaborar saber, existe a preocupação do envolvimento não só de crianças,
no orçamento da família, visando a adquirir bens de consumo jovens, adultos e idosos, mas também de toda a comunidade, na
divulgados pela mídia como essenciais. Mu itas se viram na busca da construção de uma identidade ou das várias identidades
necessidade de assumir, muito cedo, responsabilidades que lhes da popu lação envolvida. Dentro dessas perspectivas, estão
chegariam somente na fase adulta. Esse comprometimento com a inseridos trabalhos com a memória e a cultura, em que os costumes
sobrevivência faz com que o tempo da infância e do brincar lhes e tradições próprios da comunidade serão ressignificados, tendo
seja roubado, ameaçando a criatividade fut ura da sociedade " . como alvo desse processo a reapropriação dos conhecimentos da
A educação não-formal deveria ser acessível a todas as cultura popular.
classes sociais embora no B ·1 · . Para a consecução das diretrizes pretendidas, supõe-se a
, ras, SeJa uma prática para a camada
" SCHULLER, E. "Speoal focus mus1c and at de nível socioeconómico mais baixo da população; o trabalho formação de uma equipe de educadores que trabalhe numa
nsk students" . ln: Music educarors journal,
vol. 78, n. 3, 1991. pp. 21 -29.
wm _essa modalidade educa tiva não impli ca e nem exige, em perspectiva transdisciplinar " , na qual deverá haver também
'' Nesta discussão. o conceuo de
transd1soplmandade é assumido como sendo
principio, uma diferenciação de classes. Para que as atividades uma constante avaliação crítica dos trabalhos para esperados uma postura que permue a extrapolação
t redirecionamentos ao longo do processo . dos limites de cada d1sc1phna, poss1b1htando
" Vide MARTINS, José de Souza (coord.). propoS as se viabilizem na prática, é necessá rio existir uma
uma apreensão mais próxima do real,
O massacre dos inocentes: postura de sensibilidade por parte dos educadores que nelas Há necessidade também de criar mecan ismos que
na sua complexidade. Ver: MORIN, Edgar.
a criança sem infáncia no Brasil. trabalharão para num p · · possibilitem uma formação continuada dos educadores que Ciência com consciência. Rio de Janeiro:
2. ed. São Paulo: Hucitec, 1993 . . , nme,ro momento, captar os anseios e os
conheci mentos que · . trabalhem com educação não-formal, para que se mantenham Benrand Brasil, 1996.
as crianças, Jovens, adultos e idosos, de
As raízes sociais e culturais das
práticas assistenciais e educativas
Crianças, jovens, Seguindo uma perspectiva de longa duração, que permita
adultos e idosos devem en tender a razão das práticas socioeducat ivas de hoje, podem-se
engendrar propostas de atuação na realidade social que, por estar
participar juntos da embasadas ao mesmo tempo na cult ura das classes populares e
educadores ainda insistem em atuar nesse campo complexo das mais mulheres não pressupunha obrigatoriamente assumi r
relações socia is e cultura is, que exige deles um investimento em econômica e legalmente as crianças nascidas das ligações não-
" MARCIUO, Mana L HIStória sooa/ da
sua formação pessoal e uma reflexão constante de suas ações e oficiais, o que sempre gerou, à semelhança da metrópole, a criança abandonada. São Paulo: Huotec,
existência de um grande número de ilegítimos desamparados 1998. Optamos por tomar como referência
expectativas de alcance e interferência no coletivo.
essa obra por se tratar de um dos poucos
em nossa sociedade.
Para pensar propoS t as de atuação voltadas a instituições trabalhos acadêm,co-c,entificos que abordam
Seguindo ainda os modelos das sociedades mediterrâneas a históna das crianças abandonadas.
e/ou grupos que se dedicam à educação não-form al no segmento
e ibéricas, são criadas no Brasil, ainda no período colonial, Acreditamos que tal referência bibliográfica
de "crianças em situação d · ,, .. .
. e risco ou em vul nerabilidade social, reconstrói com propriedade a história da
faz-se necessário busca , . instituições voltadas ao recebimento, cuidado e educação desses
r as ra1zes socioculturais de práticas 1nst1tuoonalização das cnanças que foram
educativas e comun 1·tá · d . " enjeitados" . Essas organizações, interl igadas e segu indo uma sendo marg,nahzadas no processo de
. . nas e nossa sociedade, surgidas ainda
lóg ica comum, procurarão transformar os acolhidos em cidadãos const1tu1ção da sociedade CIVIi brasileira.
nos primórdios de sua constitu ição .
"úteis à Pátria e a si mesmos" " , afastando o perig o de ho rda s de Para facilitar o casamento das "desvalidas", instituiu-se o
crianças e jovens vivendo da mendicância, da prosti tuição e prestes dote financeiro, prática que facilitou a ocorrência de matrimônios
a cair na marginalidade social. São as irmandades de miseri córdia, forjados, obrigando as instituições a colocar em seus regimentos a
que, através das santas casas e rodas de expostos, cuidarão de especificação de que tais dotes só seriam pagos após seis meses
receber os expostos ou enjeitados e criá-los por meio das amas-de- comprovados de casamento.
leite até os três anos. Procurarão também colocá-los em casas de Com a implantação da escola normal no Brasil, no século
familia dos três aos sete anos para educá-los ou encaminhá-los aos XIX, essas moças tiveram uma nova oportunidade de forma ção e
recolhimentos, onde, posteriormente, receberão uma educação trabalho. Quando do exercício do magistério, essas professoras
para o trabalho. destinavam grande parte de sua remuneração para a instituição
Esse sistema de absorção, cuidado e ed ucação teve como onde foram acolhidas, com o intuito de restituir os gastos
resultado a manutenção do número elevado de " ilegítimos- gerados no período de sua criação . Além disso, também
expostos" ao longo da história brasilei ra, do período colonial até lecionavam na casa de recolhimento, tendo como públ ico-alvo as
meados do século XIX, pois garant ia o anonimato das mães meninas ali residentes.
solteiras, protegia a sociedade dos perigos dos bandos jovens e Muitas famílias se ofereciam para criar men inas
infantis no limiar da marginalidade e promovia os beneméritos abandonadas, garantindo suprir suas necessidades. Porém, na
responsáveis pela man ut enção e pelo funcionamento do prática, essas meninas tornavam-se criadas sem remuneração ou
esquema, encastelados nas irmandades religiosas e nas câmaras qualquer vínculo empregatício. 33
32
municipais. Forneceri a també m trabalho infantil legitimado As preocupações e as atitudes para com a educação dos
através dos aprendizes que, vivendo nas casas dos artífices, ali desvalidos mostram-se permeadas de mecanismos de exploração
aprendiam uma profi ssão, ou dos criados e criadas nas vivendas permitidos pelas normas institucionais. Senhores de escravos, por
de fa milias abastadas que os receb iam sob a capa protetora da exemplo, obrigavam suas escravas a deixar seus filhos na roda
políticas sociais e programas de assistência à infância desvalida. visto por muitos como importante elemento formador, em
O Estado começa a tomar consciência de sua re sponsabilidade oposição ao ócio, encarado como algo prejudicial e que conduz
quanto à educação e à beneficência, assumindo um papel à marginalidade. No que diz respeito ao modelo educaciona l,
paternal e protetor, inclusive com a função de correção dos observa-se que as marcas das instituições coloniais uti lizadas na
menores infratores. divisão etária das crianças acolhidas - a fa ixa de um a três anos
equivale à fase da criação; a de três a sete anos equivale à
Assistir para prevenir - quando isso não era possível, a correção
fase de educação dos meninos e meninas; a de sete anos em
era aplicada com repressão rigorosa realizada em institutos
diante, à formação para o trabalho - também são reproduzidas,
correcionais, dentre os quais encontramos as colônias agrícolas.
persistindo na organização do sistema educacional atual do
Somente após a década de 1920 é que o Estado se volta para
nosso país na forma de creche, pré-escola e escola formal.
a infância desvalida, no sentido de proteger tanto as crianças
Essa escolarização divide-se em dois tipos: ensino para a elite
quanto as mães, manifestando a necessidade da criação de obras
- para os filhos dos grupos dominantes, tendo o objetivo de
como creches, dispensá rios, "gotas de leite" e jardins de infância.
educá-los para a liderança - e ensino público - para os indivíduos
Essa análise de como a sociedade encarou e tratou os
das camadas populares, visando a educá-los para o trabalho.
desvalidos ao longo do tempo permite encontrar e entender
SubJacentes a essa d1cotom1a, estão mecanismos de inculcação
E importante observar que a educação não-formal exige uma
que visam a estabelecer a aceitação, a conformidade e a
atitude pol111ca do educador pera nte a realidade, prns, ao abrir
culpabilização dos propnos 1nd1v1duos pelos insucessos Tais
novas perspect ivas de ação, permite negar um certo determinismo
mecanismos apontam como un1ca saída para a superação dos
que a visão his1orica de longa duração possa sugenr. Ela pressupõe
problemas o esforço 1nd1v1clual e a ace1taçao dos esquemas
a constatação de que os grupos domi nados não são passivos, mas
dominantes, promovendo a desvalonzação da cultura popular,
sim capazes de engendrar reações aos processos de dominação,
a imposição do modelo nuclear de familia burguesa e a
criando espaços de " resistência inteligente"".
não-aceitação de outros modelos de familia Observa-se ain da
Nesse sentido, enca ramos as práticas da educação não-
a presença da 1de1a de "desestruturação familiar" como
formal corno passíveis de ser aplicadas a todos os grupos etános,
geradora de problemas e de que os fracassos educacionais
de todas as classes soC1ais e em contextos socioculturais diversos,
são causados pela fragilidade soC1al - tida como elemen to
const1tu1nte dessa população
A educação não-formal exige uma at itude
Considerações finais política do educador perante a rea li dade; e la
Em sua análise das fichas de 1nscriçi10 do edu ,1dore que pressupõe que os grupos dominados são capazes de
36 integram o Programa Rumos Educaçao Cultura e Arte 2005-2006, II 11
constante do volume antenor desta séne, Manc1 dc1 Glónc1 Gohn criar espaços de resistência inteligente 37
nacional, e mostrar como essa bibl1ograf1a se alia às práticas e Poemas dos becos de Goiás e estórias mais , reconstrói a vida nos dois
de Cora Coralina, bela e saborosa obra poética mais importantes centros
ações desenvolvidas no dia-a-dia por educadores e crianças,
de uma autora octogenária que nasceu e viveu político-culturais da primeira
Jovens, adultos e velhos, e vice-versa, em que os discursos
pelo interior do Brasil e reconstruiu, com beleza metade do século XX, Belo
são incorporados, relat1v1zados, desconstruídos, politizados,
Margareth Brandini Park e originalidade, aspectos da cultura e da Horizonte e Rio de Janeiro.
ressignificados de acordo com as problemáticas e situações
enfrentadas na contemporaneidade. sociabilidade brasileiras.
~
,,
1 A contribuição da
'1111,
Educação não-formal para
Ili//;, /, ; a construção da cidadania
/, I ' ' Maria Sergio Cortella
~
construcão :,
da cidadania insistia : na vida, você pode até mudar de esquina; o que não pode
é mudar de briga ...
A Educação não-formal é uma das " esquinas " utilizadas por
muita gente séria para poder combater esse bom combate:
O fato de alguns ou algumas apequenarem a Educação, construir uma cidadania a ser coletivamente fruída, marcada pela
diminuindo a maiusculinidade que sempre deveria haver, decorre justiça e pela paz .
mais de equívocos e ineficiências presentes em quaisquer prát icas Precisa definir? Então, vamos: paz? Estar em ou ter paz é não
do que, de fato, de uma natureza própria ao não-form al. ser atormentado pela ausência de socorro de saúde, de t raba lho
Vale, também, marcar de começo: em nosso país, não é honroso, de religiosidade livre, de lazer frutífero, de sexual idade
possível, como vez ou outra ocorre, fala r em " resgate " da saudável, de escolaridade completa, de Educação libertadora, de
cidadania, pois esse termo supóe a existência de algo que se habitação acolhedora, de alimentação suficiente, de democracia
perdeu e que, agora, devemos ir buscar novamente. Nunca ativa, de amorosidade correspondida . Em suma : não ter carência
tivemos cidadania plena e, por isso, a questão real é a construção de vida abundante .
da cidadania. Só assim, podemos indicar certas contribuições da E justiça? É todas e todos terem paz ...
Educação não-formal nessa obra conjunta.
Paulo Freire, que em 19 de setembro de 2006 fari a 85 anos,
sempre dizia que há uma única "briga" na vida que vale a pena A Educação não-formal é
ser brigada: a briga pela dignidade coletiva! Era o que o utro Paulo
(o apóstolo dos cristãos) chamava de "bom com bate" , aquela lida
uma das "esquinas" utilizadas por
que honrava o combatente e justificava o esforço. Mas mestre muita gente séria para poder combater
Paulo, saudável criança crescida na Casa Ama rela, no Recife, dizia
ainda que cada um e cada uma de nós briga em uma ,, esqu ina " . esse bom combate: construir uma cidadania
Lembra-se, dizia ele, daquela história da esquina da briga? "Te
a ser coletivamente fruída, marcada
pego na esquina! Te espero na esquina!" Coisa de menino ou
jovem, em uma época em que a • 1- . . .
v10 enc1a Juvenil se resumia a
pela justiça e pela paz
rusgas episódicas, depois desfeitas com brevidade.
Gosto muito de retomar um trecho do discurso de Paulo Também nós não devemos "miopizar" nossa óptica. É
Freire quando, em 1986, recebeu em Paris o prêmio Educação inegável o papel massivo que vem cabendo à Educação formal na
para a Paz, da Unesco: atenção mais focada no direito subjetivo constitucional, aquele
que deve cumprir o mandamento "Dever do Estado, direito do
De anànimas gentes. sofridas gentes. exploradas gentes aprendi cidadão" ; cabe, inclusive, dar conta da exigência de laicidade,
sobretudo que a paz e fundamental, 1nd1spensável. mas que a paz publicidade e universalidade que a correta legislação requer. A
implica lutar por ela. A paz se ena, se constrói na e pela superação Educação formal, na vertente escolar público-estatal, atende a
de realidades sociais perversas. A paz se ena, se constrói na mais de 85% das matriculas da Educação básica brasileira, o
construção incessante da Justiça sooal. Por isso, não creio em que, sem dúvida, já dimensiona o impacto e a importância que
FRE'RE, Paulo. " Educar para a paz"
nenhum esforço chamado de educação para a paz que, em lugar essa atividade tem para uma democracia cidadã.
ln: Gadom, Moac,r (org.).
Paulo Fre,re: uma b1ob1bliografia. de desvelar o mundo das inJust1ças, o torna opaco e tenta No entanto, o aparato estatal em Educação formal não esgota
São Paulo: Cor:e::IIPF/Unesco, 1996. p. 52. miopizar as suas vítimas. 1 nem a demanda nem a capacidade civil; a presença de estruturas
compartilhantes de escolarização, como escolas públicas não-
estatais - sejam as comunitárias, sejam as confessionais -, se
soma ao setor privado (muitas meramente mercantis).
Ora, como Educação não é sinônimo de escola, dado que
esta é parte daquela, tudo o que se expande para além da 47
formalização escolar é território educativo a ser operado. Ademais,
se essa operação compartilhante na Educação não-formal
pretende a consolidação de uma sociedade com convivência justa
e equânime, a cidadania em paz é o horizonte.
É nesse momento, o do desejo sincero de construção de uma
cidadania repleta de justiça e paz, que a Educação não-formal
1
desponta como uma das fontes de elaboração de futuro. Afinal,
como sempre lembramos, a Educação formal (especialmente em
sua versão escolar) é necessária, mas não suficiente; o contrário
vale também. A empreitada para a edificação de vida coletiva
abundante é de tal dimensão que exige, claro, que redobremos
os esforços nessa direção.
1 1
Atenção no verbo propositadamente usado reclobrar1
Redobrar significa acrescentar mais ainda, pois, se o dobro Já
e "vezes dois", 1mag1ne fazê-lo crescer de novo. Redobrar não é
dividir; e multiplicar, assim como a tarefa que temos não pode
acolher uma d1v1são, mas, sim, uma repartição Pode parecer
mera filigrana semântica, mas, no sentido que dese1amos usar, Mario Sergio Cortella
dividir implica d1m1nu1ção, enquanto repartir reforça o con1unto.
Por isso, na construção da Cidadania, as Educações formal e
não-formal que forem eticamente comprometidas repartem Rei nações de Narizinho , Meu pé de laranja lima, Os irmãos Karamazov,
práticas que são amiúde diferenciadas, com freqüênCJa em de Monteiro Loba10, universo de José Mauro de Vasconcelos, de Fiodór Dostoiévski, obra
espaços não-1dênt1cos, com caminhos que nem sempre se da fantasia, da alegria e da tristeza e riso no encontro da estupenda, incomodativa, com
entrecruzam, mas com um obJet1vo comum. curiosidade infantil; um livro solidão e abandono que vive Zezé, aquela alma russa que mostra
Assim, esforço redobrado! que impregna as memórias para pobreza vitimante e dignidade o confronto teísmo/ateísmo,
sempre e que me deu o gosto bela, diálogos do humano menino aderente ao parricídio que
pela aventura, pelo Sítio do com a árvore frutífera (ambas expressa um pouco a derrota
P1capau Amarelo e pela unidades de carbono, na nossa vitoriosa dos desesperados.
poss1bil1dade de, como diz o química orgânica), gerando uma
centenário poeta Manoel de mistura de emoção, pieguismo
Barros, " voar fora da asa" ... delicioso e compaixão, construindo
minha eventual melancolia.
dos meados do século XX até a da religião e do mistério policial, século V a.e. na antiga Pérsia,
ruptura da democracia e mais os assassinatos dos monges e a com passagens pela Grécia, lndia
além, tudo pela vida de Nando, tola causa para isso, o labirinto e China, os encontros de Ciro
Marie Sergio Cortella
de livros de uma biblioteca (neto de Zoroastro e embaixador)
padre, indigenista, militante
inesquecível, um século XIII na com Confúcio, Sidarta (o Buda),
político, amante; os conflitos
Europa que se aproxima de nós pensadores gregos e, antes de
existenciais que o livro traz à tona
com suspense e perturbação. tudo, a procura obsessiva por
só se comparam a aqueles vividos
entender as nossas origens.
por Ivan, um dos irmãos
Karamazov.
Diversidade cultural:
força social e patrimônio
de uma nação
Rita Amaral
-
quanto a religião, estilos de vida,
opções sexuais. ideologias políticas etc.
Esse conjunto de diferenças dá lugar
a uma variedade de visões de mundo,
valores, crenças, práticas e tradições que
constituem a identidade de cada povo e o esplendor de sua a diversidade, ela não analisa as diferenças observáveis apenas,
presença no planeta. Porque a diversidade cultural é um precioso mas atribui a essa noção um lugar específico na explicação dos
conjunto de experiências e inteligências, imprescindíve l às fatos. A antropologia tem como princípio metodológico a asserção
complexas formulações e atuações em diversas áreas da vida, de que a diversidade não existe em si mesma, como um dado real :
testemunhando sua singularidade e desenvolvimento histõrico, para ela, diferença é uma categoria social e relacional que se
constrói com base em experiências que se defrontam, cabendo ao
antropólogo o esforço de delineá-las a partir de seu ponto de
Entre as mais importantes tarefas que vista teórico . Para essa disciplina, ser diferente pressupõe o auto-
reconhecimento e o reconhecimento social como tal. A dimensão
se impõem às nações, há esta, bastante complexa da identidade (individual ou coletiva) inclui sempre, portanto, a
(e estratégica, pois influi nas demais): compreender da alteridade. É isso o que define a bidimensionalidade das
identidades: o "ser igual, mas de outro jeito", percebendo-se
os mú ltiplos pensamentos sociais semelhante aos outros e, ao mesmo tempo, afirmando a própria
diferença enquanto indivíduo ou grupo. Desde o século passado
tem havido um enorme esforço da antropologia em demonstrar a
pode-se pensá-la como um "código genético " que registra todo o unidade humana, estudando e comparando culturas e provando
potencial de evolução de uma sociedade. Além de idiomas que as diferenças são formas de ordenação estrutural que 55
particulares, cada povo desenvolveu distintas artes e mitos, correspondem a compreensões, formulações e soluções distintas
conhecimentos sobre meio ambiente, técnicas de cultivo da terra, de questões e de problemas semelhantes. No estudo comparativo
tecnologias, conhecimentos médicos e farmacológicos, diferentes das culturas, o problema principal tem sido o de elaborar categorias
modos de organização social, de parentesco, de traba lho e troca, suficientemente amplas para ser aplicadas a todas as culturas que
estilos de relacionamentos, formas de religiosidade, de moradia, de se estuda e, ao mesmo tempo, suficientemente específicas para
vestuário, de alimentação, de transporte etc., constituindo-se em diferenciá-las ou assinalar similaridades que sejam mais que
repositório vivo de saberes, fazeres e de entusiasmo criador. Assim, " aproximações" . Esse problema deu origem a duas posições sobre
entre as mais importantes tarefas que se impõem às nações - como a interpretação da "natureza" da cultura : a que sustentava a
combater a miséria e a desigualdade social, garantir os direitos relatividade das culturas e a que sustentava a universalidade das
humanos, preservar o meio ambiente e outras-, há esta, bastante mesmas. Os relativistas extremados negavam que se pudessem
complexa (e estratégica, pois influi nas demais), de compreender os elaborar categorias ou proposições que fossem ao mesmo tempo
múltiplos pensamentos sociais. Isso implica, também, perceber e exatas e universais porque sustentavam que cada cultura era única
valorizar os múltiplos sentidos da diversidade cultural como força e, portanto, devia ser analisada mediante suas próprias categorias.
social e patrimônio de cada nação e da humanidade. Segundo Franz Boas ', cada cultura é única porque é produto em
A antropologia analisa a diversidade cu ltural por meio de parte da casualidade e em parte de circunstâncias históricas
uma construção teórica que " produz" a dessemelhança no plano irrepetíveis. Boas também enfatizou a independência dos ' BOAS, Franz. Race. language and culture.
fenômenos culturais com relação às condições geográficas e aos New York: The Free Press, 1940 l1936I
dos conceitos. Isso significa que, quando a antropologia considera
determinantes biológicos, afirmando que a dinâmica da cultura canibalismo, a escravidão, a tortura física, a violência contra as
está na interação entre os indivíduos e a sociedade. Ruth Bened1ct 2 mulheres, simplesmente porque são práticas de "outros povos"?
dizia que cada cultura é uma expressão única e legitima das A crescente heterogeneidade das sociedades com a intensificação
potencialidades humanas e, em conseqüência, não pode haver das migrações e das interações étnicas, a globalização das relações
normas universais de prática cultural. Também Alfred Kroeber' interculturais e os movimentos em favor dos direitos humanos
pensava que não sena possível elaborar categorias gerais nas quais apontam direções que não podem mais se fundar nos conceitos
se pudessem incluir, de maneira exata, todos os fenômenos clássicos de cultura e de relativismo cultural. O respeito pelo outro
particulares de todas as culturas; portanto, as chama das diferente mostra-se cada vez mais em função do modo como
"categorias universais" eram inoperantes, e, conseqüen temente, são reconstruidas e modificadas as interações do que do
não funcionais quando se tratava de aplicá-las. Essa perspectiva apns1onamento dos homens nas fronteiras de definições estáticas.
teórica, denominada relativismo cultural, e as perspectivas desde Vê-se que as coisas não podem ser levadas a extremos e que
as quais julgava e analisava uma cultura implicaram uma série de é possível usar critérios antropológicos de maneira ampla para
avaliar o que poderíamos chamar de um " racionalismo universal",
como valores, instituições, padrões e costumes que contribuem
A g loba li zação das relações interculturais para a sobrevivência da espécie e para a integridade de cada grupo
social. O relativismo cultural se justifica, portanto, como uma
e os movimentos em favor dos direitos human os posição metodológica na investigação de culturas particulares e,
:ié
apontam direções que não podem ma is para isso, é de grande utilidade; mas não devemos usá-lo como
princípio orientador da análise antropológica ou política, uma vez
se fundar nos conceitos clássicos de cultura que contesta a adoção de valores de outras culturas - mesmo dos
52
iguais ou diferentes? Como prote ger nos grupos organizados em torno das ações civis . Mas é
a igua ldade se m desqu alif ica r aquil o qu e necessário perguntar se o tipo de identidade que se pode
construir nesses lugares não é muito mais a de oprimidos, a de
marca a diferença cu ltura l? desprovidos de direitos, a de membros extraviados numa ordem
social perversa. Pode-se encontrar a positividade da diversidade
cultural desses sujeitos? Ou eles se identificam e se relacionam
dif erença cultural 7 As reivindicações de autonomia étnica cujos pela falta de direitos e pela impotência de transformar a
focos são voltados apenas para si , beirando a intolerância ou o desigualdade em diferenças? O " diferente", em muitos casos,
etnocentrismo, não podem ser vistas, pqr exemplo, como ameaças pode ser apenas aquele que não tem seus direitos reconhecidos,
aos mecanismos de integração até aqui assegurados pelos Estados como os idosos, os deficientes e os homossexuais. Ao resolver-se
e partidos políticos de massa? o problema dos direitos, perde-se a dimensão da diferença. Mas
As dif erenças cultura is não são problemas em si mesmas. Elas a diversidade cultural pode prosperar quando a sociedade for
são vistas como problemas quando pessoas, grupos ou instituições democrática e igualitária de fato e o bastante para permitir que
se empenham em fazer parte, com suas diferenças de costumes, os grupos - religiosos, imigrantes, estrangeiros, negros,
• MONTERO, Paula . "D1vers1dade
visões de mundo e valores, de totalidades relativamente mulheres, lndios, entre outros - resistam à discriminação,
cultural : inclusão, exclusão e sincretismo ·.
homogêneas, como a nação, a sociedade, a cidadania etc. Assim, desenvolvendo suas diferenças sem receios. /n: DAYRELL, Juarez (org.). Múltiplos
mesmo que as diferenças culturais constituam um dado das O multiculturalismo como premissa de conceituação em olhares sobre educação e cultura.
Belo Horizonte: UFMG, 1996.
sociedades humanas, a diversidade só se apresenta como vários domínios das políticas públicas e práticas sociais que
almejam a construção de uma sociedade multiétnica tem globais. É preciso reconhecer, portanto, o caráter político da
constituído, em alguns países, tema de debates e polêmicas noção de identidade cultural, que pode ser múltipla, contraditória,
intermináveis, confrontando diferentes posições ideológicas provisória e que, ao mesmo tempo, expressa um modo próprio de
quanto aos melhores meios de promoção da igualdade de ser, influencia as formas de ver, sentir, pensar e agir das demais
oportunidades. Nesses debates são utilizados conceitos de áreas identidades em relação às quais se afirma. Conforme se inserem
também diversas, como a biologia, a sociologia e a antropologia. no conjunto das relações sociais, diferenças, afinidades,
Esta última tem influenciado bastante o pensamento polarizações e antagonismos ganham conotação de estratégias
multiculturalista, que, de certo modo, pode ser visto como uma no jogo das forças sociais, permitindo a manipulação de
espécie de "antropologia aplicada" . Nele, os conceitos de cu ltura características e símbolos em codificações ou reificações de
e de relativismo cultural são centrais, embora com usos e diversidades, hierarquias e desigualdades. É assim, por exemplo,
implicações ideológicas diferentes dos da antropologia teórica, que as ideologias raciais tornam-se forças sociais determinantes,
Em um conhecido poema,
João Cabral de Melo Neto
escreve que um galo soz inho
não é capaz de produzir
a manhã
rup , de p áti a e saberes favelas requer atenção à dimensão afetiva Ao cuidar dos aspectos
sensíveis que marcam o desenvolvimento da política especifica das
re en e de algum modo ONGs nas comunidades onde atuam, as exigências de
As exigências de Iucratividade ficam em segundo do Rio de Janeiro), este últ imo por meio de uma parceria com a
Escola de Música da UFRJ, entre outros.
plano - projetos e idéias muitas vezes se realizam Essas articulações demonstram que a organização de redes é
em contradição com a planilha uma característica forte desses agenciamentos. Não se trata mais
de fazer frente a um só foco de opressão, mas de agir junto à
orçamentária diversidade de grupos e instituições, que na maior parte das vezes
fala a partir dos m últiplos pontos de intersecção entre os vários
Esse é um aspecto, sem dúvida. fundamental do trabalho dos atores, interesses e discursos envolvidos no processo. Cada vez 71
grupos assinalados aqui . Ele está presente na maneira como mais, os grupos organizados da cultura e da educação alternativa
constituíram suas organizações: quase sempre, com a fina lidade se mostram capazes de construir esses elos. não apenas entre seus
de promover a cidadania. A Central Única das Favelas, organização pares. mas igualmente entre outras instâncias da sociedade, como
cari oca da qual faz parte o rapper MV Bill, informa que um dos agências de fomento e, às vezes, o Estado ou grandes empresas
objetivos da entidade é "desenvolver e promover atividades com privadas. É o que eu designaria como o "ofício dos pontífices ".
as comunidades carentes nos campos da educação, cultura, Nos grandes centros urbanos, os últimos tempos são
cidadania e desenvolvimento humano em prol da melhoria da marcados pelo recrudescimento da pobreza. da violência e da
qual idade de vida"'. lógica do conflito . São cada vez mais nltidos os contornos de
Ainda no Rio de Janeiro, a força do entendimento da cultura uma lógica de fechamento, de tensões aparentemente
como ferramenta de transformação social e humana suscitou a irreconciliáveis. Parte da classe média opta por se enclausurar em
criação da Rede Socia l da Música. Trata-se de um espaço de condomínios fechados, onde a segurança muitas vezes é mais
interação e cooperação entre ONGs, entidades e projetos que importante que o conforto - uma canção do grupo O Rappa
' YÚDICE, George. A conveniência da
cultura: usos da cultura na era global. trabalham com música. facilitando o intercâmbio de informações, expressa esse mecanismo: "Os muros do condom ínio são pra
Belo Horizonte: Editora UFMG. 2004 . experiências e conhecimen tos, além de promover iniciativas trazer proteção/mas também trazem a dúvida se é você que está
• Brazilian Artists.net. Disponível em: cooperativadas. Hoje, dezenas de organizações integram a rede, nessa prisão" ' . YUCA, Marcelo. • Minha alma
http://www.brazil1anartists.neVevents/mvbilV entre as quais a Associação Respeita Ja nuário (Recife), o Jongo da· Enquanto isso. as fa velas são cuidadosa e ha bilmente (a paz que eu não quero) " ln . RAPPA, O
cufa.htm. Acesso em: 5 jul. 2007 . Serrinha. o Centro Popular de Ópera de Acari e o CEASM (todos Lado B Lado A (1999). CD
conduzidas a conter as manifestações sociais e raciais mais violentas
Por outro lado, uma part e significativa dos grupos atuantes
u arti ulação omunitári a nas penf enas, not adamente os que se valem da cultura para
r mover a cidadania separam as pessoas - os quais passam por questões sociais, raciais,
econõmicas, geográf icas, de gênero - e decidiram " construir
pontes " sobre esses abismos.
cultura como recurso, passam a invest ir fortemente na criação de Seu desafio é justamente o de criar pontes capazes de abrir
modos de aproximação entre os espaços sociais antagonizados por ao menos uma via de acesso de um lado a outro. Dai a sugestão
questões sociais, raci ais/étnicas ou geográficas. de seu trabalho como o ofício dos pontífices. Trazendo o termo
pontífice para uma interpretação laica, ele procura expressar o
trabalho realizado pelos grupos organizados nas periferias.
Segundo a Enciclopédia católica popular' , o termo, "que alguns
crêem significar etimologicamente 'fazer ponte', equivale a
sacerdote que estabelece a ligação entre Deus e os seus fiéis". Mas
aqui essa " ligação" não teria nenhum conteúdo transcendente.
Na prática, além de se investir na produção de redes em seu
próprio campo de atuação, trata-se de ligar pontos dissociados na
experiência social : favela e asfalto, elite e popular, ONGs e
empresas . Eles não solucionam os problemas do mundo, não
erradicam as desigualdades ou os conflitos, até porque são ainda • Dispon,vel em: http://www.agencia.ecclesia.
poucos e detentores de escassos recursos para isso. No entanto, pt/catol,coped1a/art1go.asp 71d_entrada= 1505.
promovem as articulações - constroem as pontes - que tornarão Acesso em: 23 Jul. 2007.
v1aveis as perspectivas de travessia, de contato, de diálogo. Um
dialogo que tera de ser qualificado no percurso, porque, ao
mesmo tempo que se dialoga, também se medem forças. No final,
apesar das contradições, ele traz à luz do dia sinais " de um
discurso que é diferente - outras formas de vida, outras tradições
e mesmo nas ruas. sociais e culturais, ONGs, livro indica o novo sujeito capaz de
associações e outras formas de promover a democracia: o conjunto
Cabeça de porco, investimento político, cultural político a que dão o nome Multidão.
reuniões organizadas justamente com esse fim. Em última análise, os projetos populares podem até mesmo
prescindir do terceiro setor, desde que se tenha no seu
desenvolvimento a garantia da participação popular na criação de
sucesso de um projeto, a população
Para o um sentimento de pertencimento; ou seja, a população terá que
deve ser consultada e ser ser consultada e ser parte fazedora e ativa do processo.
rática da educação
onde acontece a educação, mas não o único. A educação
azer aler a 1ambem é munas vezes confundida com as linhas pedagógicas
artilhada e da troca de saberes que pregam o ensino de mão única, o que vai de encontro à
,dé,a da escu1a e da ausculta como aliadas na apreensão e
Assim como o garimpeiro que busca no chão a preciosidade wação de saberes e fazeres.
das estrelas, o educador deve interligar noções como preservar e No entanto, talllbelll é perigoso crer que há um modelo ideal
adquirir, para criar saberes com a comunidade. Isso significa que, de pedagogia. O lllelhor método é aquele que se adapta à
aos grupos populares, cabe não apenas preservar o saber que comunidade, levado a cabo por um educador atento aos
possuem, mas se apropriar do que lhes é negado na construção de movimentos cultu1a1s. E impo11ante que o educador reflita sobre a
sua identidade. pratica cot1d1ana e não se intimide pela segurança com que alguns
No interior das culturas, podemos perceber fazeres pretensos espec1al 1s1as no assunto e em projetos sociais
considerados desimportantes, desprovidos de valores por não apresentam, de forma magnânima, novas modas ou fórmulas
serem legitimados pela cultura emergente ou de massa. Mesmo os mágicas de educar sem levar em conta o universo dos educandos.
proponentes de projetos sociais, interessados na cultura local e Na escola ou em outros espaços onde a educação acontece, 83
pregadores do respeito por ela, carecem saber antes de que munas vezes, especialmente nós, professores, nos afastamos do
cultura estão a falar e a respeitar. Muitas vezes, empregam-se simples, da possibilidade dialógica, do respeito ao saber-
discursos sem se preocupar com seus efeitos; torna-se cada dia fazer/fazer-saber local, do respeito a cada manifestação que vem
mais necessário prestar atenção ao que se pratica para não correr de dentro da alma ou de dentro de cada cultura. Não oferecemos,
o risco de potencializar as causas maléficas que se deseja sequer, a possibilidade de aprender a aprender.
combater; ou seja, é preciso se ater mais ao que se declara nesses Uma comunicação educativa de fato - entender o que se
projetos, seja por escrito, seja por meio de falas, para garantir que está dizendo e dizer entender o que se quer dizer - estabelece-se
os resultados sociais sejam alcançados ou, pelo menos, que haja a partir da troca de linguagens e saberes. É possível, é
indícios de mudança. Aqui cabe a questão: as nossas práticas necessário "ler o mundo antes das palavras", como diria Paulo
correspondem às nossas expectativas? Freire; compreender o entorno antes de transmitir saberes;
A má compreensão das novas linhas pedagógicas que se contextualizar descontextualizar e recontextualizar.
sucedem em curto espaço de tempo, a pouca experimen tação Não se r~lata uma história que não conhecemos. É preciso
prévia e, especialmente, o quase inexistente acompanhamento entender, compreender e promover a aprendizagem nas múltiplas
dos resultados da utilização de cada uma das novas tendências dimensões do olhar. Perguntar e perguntar-se em várias dimensões.
têm várias conseqüências graves. Uma delas é a gran de É preciso perguntar mais que responder. Procurar transformar
insegurança que mudanças precipitadas causam ao prof essor, respostas em novas perguntas. Mediar o desejo e a necessidade de
arte-educador, monitor, enfim, a todos os que atuam nessa área. aprender; conhecer e reconhecer. Ou seja, retirar do anonimato ou,
no mínimo, mobilizar-se no sentido do desejo de aprender. Tirar local, aos saberes oferecidos pelas diversas cultu ras ou costumes
estrelas do chão, ofício de garimpeiro. E isso é ético e também vindos dos muitos cantos do Brasil.
estético; haJa vista na palavra estética estar contida a palavra ética. Essa d1vers1dade de saberes é uma riqueza que a escola ainda
A qualidade estética nos faz participar das realidades humanas, não incorporou completamente como prática social, no sentido de
costurando-se entre a racionalidade e a afetividade. abrir perspectivas para uma educação transformadora e
libertadora. Isso diz respeito ao fazer, ao saber ser, que
normalmente se proíbe ou se ignora, talvez por não se desejar a
O exemplo dos Barracões Culturais democratização do espaço, que, por natureza, seria um local de
questionamento, de busca constante do conhecimento. Na
O projeto Barracões Culturais e Cidadania, implantado no conversa em pé de calçada, se pratica e se constrói um outro saber
município paulista de ltapecerica da Serra em 1997, ilustra a muito rico, por fazer parte e pertencer à comunidade. Ao mesmo
importância da cultura comunitária na elaboração de um projeto tempo, amplia-se nessas ações o repertório, incorporando a
social. Trata-se de um empreendimento inovador, pela sua geração de outras ações na comunidade, por meio do projeto a ser
enorme capacidade de transformar as relações da comunidade proposto - no caso, o dos Barracões Culturais.
com a cultura e o conhecimento. Por meio da vivência e do ensino
da arte, o projeto ajuda a promover o resgate do exercício da
cidadania, além de recuperar o desejo de aprender dos jovens, 85
antes esquecidos ou postos à margem de seus próprios anseios.
Metodologia freireana
Os Barracões Culturais da Cidadania nasceram a parti r de Toda a construção do conceito dos barracões está baseada
um convite feito pela nova administração munici pal de na metodologia de Paulo Freire: o respeito ao saber local na
ltapecerica da Serra, que então se iniciava, para a implantação de rea lização de rodas de conve rsas; as escutas culturais; as
um projeto de desenvolvimento cultural no município, ca paz de auscultas sociais; as conversas em pé de calçada - tudo isso
ir ao encontro dos anseios da população e contribuir para a traduz o diálogo permanente e contextualizado com a
implantação de políticas públicas transformadoras. Daí passou-se comunidade. Em ltapecerica da Serra, durante a implantação dos
a uma ausculta social, incorporando a prática da conversa em barracões, detectou-se que havia um enorme distanciamento
"pé de calçada" junto à comunidade, problematiza ndo e
ouvindo dos cidadãos e cidadãs quais eram seus problemas e
suas necessidades.
Tal experiência contribuiu para o enriquecimento do respeito É preciso procurar transformar respostas
em novas perguntas. Mediar o deseJO e a
ao saber cultural dessa comunidade, onde hoje se preserva a
convivência agradável em torno de assuntos do cotidiano.
Cotidiano esse que tem muito a ve r com a memória da
comunidade e que, na maioria das vezes, era antes esquecido ou
necessidade de aprender; conhecer e reconhecer
marginalizado por não se dar muita importância à experiência
entre as escolas e as comunidades do entorno, pois, apesar de público de diálogo, que interaJa com uma proposta de
ex1st1r demanda por espaços institucionais que dessem conta das contribuição social e ação política.
necessidades culturais dos habitantes da região, as escolas, de O barracão e da ordem do outro, porque é público, faz parte
modo geral, mostravam resistência a trabalhar em conjunto com a da rua . E a escola? Também faz parte da rua, ou está longe disso?
comunidade, procurando evitar o que chamam de atividades Essas inquietações e constatações, por meio das diversas reuniões
com a comunidade, nos remetiam a outros olhares em relação a
que upo de proposta política haveria de ser elaborada de maneira
a conversa em pé de ca lçada , se pratica e se a incluir a rua como espaço e que as pessoas pudessem enxergar,
a partir da rua, o seu entorno. Que atividades e com quem? Onde?
constró i um outro saber, muito rico, por fazer A escola, por princípio, deveria ser um lugar da rua. Lá as
equipamentos públicos em todos os bairros da cidade, o que que implicar qualidade científica e pedagógica para todos os
cnava um vazio preenchido pelas instituições mais fortalecidas na alunos, para que seus participantes tenham prazer de estar lá,
comunidade - o crime organizado, de um lado, e os templos permanecer, ou seja, pertencer a ela. O sentimento de
religiosos, de outro -, tornando ainda mais distante a chance de pertencimento traz à tona uma compreensão do exercício da
os jovens encontrarem alguma perspectiva de crescimento cidadania, em que o ser humano possa se reconhecer como sujeito'
educacional e cultural para suas vidas. participante de sua cultura e de seu meio. Dessa forma, afirma
A partir daí, optou-se por fazer um trabalho de Milton Santos:
desenvolvimento cultural na cidade que abarcasse todas as
possibilidades de participação e pertencimento da comu nidade, Assim como cidadania e cultura formam um par integrado de
procurando preservar as heranças culturais que mostrassem o significações, assim também cultura e territorialidade são, de , Termo emprestado do mestre Paulo Fre,re
em Pedagogia do opnm,do, quando o
caminho a ser trilhado e valorizando o enriquecimento socia l e certo modo, sinõnimos. A cultura, forma de comunicação do
autor se refere à consc,ent1zação do povo,
existencial dos cidadãos, especialmente os jovens. e do grupo com o universo, é uma herança, mas
indivíduo no sentido de que lhe é possível inserir-se
Mas diversas discussões, tentou-se mostrar que a rua é também um reaprendizado das relações profundas entre 0 no processo h1stonco como suJe1to,
espaço de alegria, de fazeres e refazeres, de encontro, lugar da evitando o fanausmo e inscrevendo-se
homem e seu meio, um resultado obtido através do próprio
na busca de sua af,rmação.
arte e da cultura em suas múltiplas manifestações, e, como ta l, processo de viver. Incluindo o processo produtivo e as práticas
um lugar onde também a educação ocorre - assim, a parti r SANTOS, MIiton. O espaço do odadão.
sociais, a cultura é o que nos dá a consciência de pertencerª um
São Paulo. Nobel, 1987 p. 61
dessa constatação, buscou-se torná-la de fato um espaço grupo, do qual é o cimento.'
Resultados e perspectivas
Diante do que foi exposto, reiteram-se alguns aspectos
considerados relevantes para a elaboração de um pro1e to
social responsável.
Em primeiro lugar, se não houver part1c1pação da Sebastião Soares
comunidade nos processos culturais, torna-se impossível a
construção da cidadania plena A população deve vol ta r-se
para a sua realidade social, ambiental, cultural. Em seguida, o Pedagogia d o oprimido, Pedagogia da autonom ia,
projeto social poderá ser um instrumento para a melhoria da de Paulo Freire, e a base do processo educativo que se também do mestre Paulo Freire, é uma
qualidade de vida da população, constituindo espaços que desem oh e m proietos sociais. É um norte para quem trilha espécie de extensão da pedagogia do
abriguem diferentes formas de expressão, nos quais deverá esse caminho, pois não é possível desenvolver uma proposta oprimido. A obra sugere práticas em
acontecer uma efervescência social e cultural contextual izada de transformação sem ter, minimamente, o alicerce de um que os educadores estabelecem novas
nas dinâmicas da comunidade. Nesses espaços. deve-se destacar povo - isso de se encontrar com a possibilidade de "ser". relações e condições de educabilidade.
a idéia do reconhecimento do bairro como lugar do convívio
e da sociabilidade. A invençã o do cotidiano: artes de fazer,
Esse é, sem dúvida. um grande passo no sentido de fazer de Mlchel de Certeau, sugere uma organização do melhor Para sair do século XX,
com que o direito à individualidade seja não só garantido, como caminho a seg uir, a partir da reinvenção do cotidiano, graças de Edgar Morin, suscita novos
estimulado, ao mesmo tem po que se combate o individual ismo e às artes de fazer e à possibilidade das táticas e das resistências. questionamentos a partir das perguntas
se pro move a diversi dade. Encontram-se meios viáveis de agregar estratégias para "Quem somos", "De onde viemos"
e "O que queremos". A obra diz muito
alcançar metas de longo prazo.
da necessidade de olharmos para nós
mesmos, além de levantar reflexões
Morte e vida de grandes cidades,
sobre temas como o jogo econômico.
Sebastião Soares
de Jane Jacobs, busca debater e compreender o espaço
público como espaço da vida social e do saber. Questiona-se
a compreensão da rua como espaço público, hoje privatizado
por outras culturas.
o espaço do cidadão,
de Milton Santos, tem muito a ver com o
Culturas híbridas,
que se pretende desenvolver nos espaços
de Néstor Garcia Canclini, busca entender as complexidades
onde acontecem o debate e as reflexões
culturai s na América Latina e a multiplicidade de lógicas de
acerca do indivíduo, questionando-se o
desenvolvimento. São investigadas as transformações das
individualismo em contraposição à
relações entre tradição, modernismo cultura l e a modernidade
individualidade.
socioeconômica na América Latina; incluem-se aí as queS t ôes
das chamadas culturas locais.
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Da turma de alunos à
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comunidade aprendente
- 1 Carlos Rodrigues Brandão
tempo, é uma fração importante de nosso aprendizado, mas não poucos e ao longo de toda a vida, nós nos socializamos. Nós
a única. A educação escolar é o momento de um processo aprendemos, em diferentes e integradas dimensões de nós
múltiplo. Um acontecimento ao mesmo tempo pessoal (em você e mesmos, os diversos saberes, as sensações, as sensibilidades, os
para você), interativo (entre nós) e social (de nossa comunidade). sentidos, os significados e as sociabilidades que, juntas e em
Um acontecer cultural com vários rostos, momentos, sentidos interação em nós e entre nós, nos tornam seres capazes de
e vocações. Algo vivido entre diferentes situações a que alguns interagi r com uma cultura e em uma sociedade.
estudiosos, nas áreas de pedagogia, psicologia, antropologia e Quase todas as sociedades criam, transformam e preservam
sociologia, costumam dar o nome de socialização. unidades sociais, ou instituições dedicadas especialmente a
Podemos mesmo pensar que, ao longo de nossas vidas, experiências mais motivadas e mais sistemáticas do ensinar-e-
vivemos pelo menos duas dimensões do acontecimento da aprender. Elas respondem por nossa socialização secundária .
socialização, às quais chamaremos primária e secundária. Assi m, aprendemos a lidar com uma dimensão da gramática da
Desde o momento de nosso nascimento, atravessamos uma língua em casa, junto a nossos pais e parentes, quando um dia
longa, fecunda e complexa fase de socialização primária. Ela começamos a falar. Mas quase sempre é na escola e sob os
acontece quando aprendemos com nõs mesmos, com o lidar com cuidados de um profissional do ramo que aprendemos a lidar com
o nosso corpo, atividade a que crianças pequeninas dedicam boa outras dimensões de nossa língua: o ler-e-escrever.
parte de seus dias. Acontece quando aprendemos interativamente, 93
por conviver com os "mundos de nosso mundo". Aprendemos por
Seres que aprendem
meio de inúmeras e diferentes interações com nossa mãe e nosso
pai - com cada um e com os dois ao mesmo tempo. E com as Estamos acostumados a pensar que somos seres humanos
porque somos seres racionais. O que não deixa de ser verdade.
A educação possui na própria criação da vida Leia o que está escrito aqui para o seu cachorro ou o seu gato de
estimação e observe a reação dele. Depois, leia para um filho
humana um lugar bem mais essencial na escola, ou uma colega de trabalho, e observe o que deverá
acontecer. Estamos também acostumados a nos imaginar como
do que costumamos supor seres humanos porque somos seres políticos. Os animais são
solitários ou são coletivos; vivem a sós ou vivem nas comunidades
outras pessoas de nossos círculos de vida: os demais integrantes da para as quais foram geneticamente talhados. O ser humano é um
familia nuclear, nossos parentes, vizinhos, amigos e tantos outros. ser social. Criou as sociedades humanas, diversas e múltiplas, que
Ao longo de nossa vida - e não apenas durante a infância e
remodela e que transforma para viver e conviver.
a adolescência-, convivemos em e entre diferentes grupos sociais.
Mas podemos pensar também que somos humanos porque
E dentro deles aprendemos: com nossos grupos de idade - como
somos seres aprendentes. Os indivlduos da nossa espécie não são
uma "turma de amigos"-, nossos grupos de interesse - como um
apenas condicionados ou treinados, mas sim educados e formados
time de futebol - , nossas equipes de vida e de trabal ho. Cada um
para passar de indivlduos biológicos a pessoas. Nós aprendemos.
Vivemos a vida entre círculos de ensino e de aprendizagem, de aprendem e sabem, mas não se sabem sabendo -, mas reflexiva.
que a escola é o mais notável exemplo. E bem sabemos que a A consciência de seres que se sabem sabendo e sentindo.
educação possui na própria criação da vida humana um lugar Seres que, no lugar de reproduzir uma pequena gama de
bastante mais essencial do que costumamos supor. Na verdade, sons gu1uraIs (latir, grasnar, mugir, urrar), inventaram a palavra
como seres inteiramente dependentes de processos culturais " fogo " para designar um fenômeno da natureza, e passa ram a
de socialização - de transformação de um individuo em uma dizê-la e escrevê-la de infinitas maneiras diferentes, em várias
pessoa -, somos e seremos sempre moldados conforme línguas Alem disso, carregaram essa palavra de múltiplos
a educação que criamos e que criaremos, para que ela se nudos, conforme o contexto em que ela aparece - seja num
continuamente nos recrie . li ro de fls1ca, num escrito religioso ou num manual de
Ao longo de nossa trajetória, saltamos do mundo da bombeiros, seJa no poema com que um jovem apaixonado diz à
natureza, de que somos parte ainda e sempre, para o da cultura. mulher amada o que sente.
Nós, mulheres e homens de todos os povos de antes e de agora, Com as palavras, criamos as ciências, as teorias, os mitos, as
possuímos uma mesma herança genética. E somos tão iguais em crenças e as religiões, as artes e outras formas culturais de gerar,
nossas mínimas diferenças biológicas que bem poderíamos ter ensinar e difundir preceitos, saberes, valores e significados às
criado uma forma única de viver, um único modo de vida, uma nossas vidas e destinos e também aos mundos em que vivemos.
única língua de todos e uma só cultura universal. Mas, ao longo As abelhas e formigas constroem, respectivamente, colméias
da história humana e das inúmeras histórias dos povos humanos, e formigueiros como extensões de sua biologia. Nós construímos 95
criamos uma infinidade de maneiras de ser e de viver, de pensar e nossas casas primeiro em nossos sonhos e em nossas mentes
mesmo de sentir, de falar e de expressar sentimentos, saberes e para depois as edificarmos sobre a terra. Por isso começamos
sentidos da vida por meio de imagens e de idéias. aprendendo a viver em cavernas e hoje, pelo aprendizado
adquirido, construímos as primeiras casas fora do planeta, nas
Da pa lavra estações espaciais. Aprendemos a transformar quase toda a
natureza que nos circunda.
E, afinal, o que aconteceu conosco para que seja assim? Somos seres que aprendem a saber, a sentir e a lembrar. Seres
Aconteceu que, em vez de continuarmos sendo os mesmos do
que vivem suas vidas não em um terno e generoso presente único,
momento inicial, quando fomos criados pelo mistério da vida,
como os lobos, mas dentro de um tempo que é uno e triplo:
nós começamos a nos tornar o que aprendemos a fazer de nós
passado, presente e futuro. Por isso construímos berços para os
mesmos. Criamos tantas culturas e modos de vida diferentes
que ainda vão nascer, e abrimos covas para os que já morreram.
porque aprendemos a saltar do sinal - como a fumaça que indica
o fogo - ao signo - como os movimentos da dança nupcia l de
alguns pássaros -, e deles para o símbolo. Esta pequena e
gigantesca invenção humana. Uma criação livre e arbitrá ria do
imaginário e da mente de mulheres e de homens. Algo nascido de
uma consciência não apenas reflexa, como a dos animais - que
presente, nos damos conta de que não é sempre assim. A começar
As comunidades do ensinar-e-aprender
por nossos pais e outras pessoas mais velhas da família, boa parte
Quase tudo o que vivemos em nossas relações com outras do que aprendemos no começo de nossa vida provém de pessoas
pessoas, ou mesmo com o nosso mundo, como no próprio que não fizeram cursos especiais para ser os nossos primeiros
contato direto com a natureza, são momentos de aprendizado. educadores. E, quando chegamos à escola e convivemos com
Podemos estar ou não conscientes disso, mas pessoas que se pessoas especializadas em ensinar, já aprendemos uma imensa Boa parte do que
encontram, conversam e dialogam deixam passa r de uma a
outra algo de suas palavras, suas idéias, seus saberes, suas
pa rte do que nos acompanhará ao longo de toda a vida.
Do lar ao círculo mais amplo de parentes e de vizinhos, deles
aprendemos
sensi bilidades. Querendo ou não, estamos, no conviver com outros aos pequenos grupos sociais em que vivemos o nosso dia-a-dia, de no começo da vida
e com o mundo, constantemente ensinando e aprendendo. um time de futebol a uma igreja, de uma equipe de trabalho à
provém de
o aprender Acostumados ao mundo da escola, aca bamos por imaginar associação de moradores do bairro, estamos sempre envolvidos em
é um a avent ura
que o processo formal da educação ao mesmo tempo aproxima e
opõe uma pessoa-que-sabe-e-ensina e pessoas-que-não-sabem-e-
e participando de pequenas e médias comunidades de vida e de pessoas que
destino. De lazer, de vocação, de trabalho, de participação social.
interi or e pessoal,
aprendem. De algum modo, é assim mesmo que se dá o ensinar- Aprendemos os gestos e hábitos que dão sentido à família, ao não fizeram
mas o que
e-aprender. E o respeito que praticamente todas as culturas têm
pela pessoa e pela figura do "mestre" é bem uma imagem desse
grupo, à equipe - e, cada uma a seu modo, essas comunidades são
também protagonistas de cenas e cenários do ensinar-e-aprender.
cursos
aprende mos
fato universal. Nessas diversas "salas de aula", junto da turma de alunos, espec1a1s
Quando se olha essa imagem de perto e de dentro, vivemos variadas situações pedagógicas. Em cada uma delas e da
para ser os
prové m de entretanto, pode-se pensa r que ninguém ensi na ninguém, porque interação entre todas é que, ao longo da vida, nos vemos às voltas
o aprender é sempre um processo e uma aventura interior e com trocas de significados, de saberes, de valores, de idéias e de nossos primeiros
trocas, de pessoal. Mas é verdade também que ninguém se educa sozinho, técnicas disto e daquilo.
educadores
rec iproc idades, pois o que eu aprendo ao ler ou ao ouvi r provém de saberes e
sentidos de outras pessoas. Chega a mim através de trocas, de
Assim é que podemos chamar cada uma dessas unidades de
vida e de destino de comunidades aprendentes. Pares, grupos,
de interações reciprocidades, de interações com outras pessoas. eq uipes, instituições sociais de associação e partilha da vida.
Conhecimentos, valores, teorias e receituários de como fazer Lugares onde, ao lado do que se faz como o motivo principal
na prática estão permanentemente em flu xo, sendo passados, do grupo - jogar futebol, reunir-se para viver uma experiência
transmitidos de uma pessoa a outra - e não apenas do mestre ao religiosa, trabalhar em prol da melhora da qualidade de vida no
aluno. A própria idéia de pessoa já é a de um organismo original ba irro e assim por diante -, as pessoas estão também trocando
e único, transformado pela socialização por meio de múl tiplos
saberes entre elas. Estão se ensinando e aprendendo.
momentos de aprendizagem. Pessoa: o ser humano capaz de
conviver socialmente em um mundo interativo de cultura.
Temos o costume de imaginar que apenas pessoas treinadas Fontes únicas de saber
para tanto são capazes de ensinar, de educar. Assi m é, de fa to, em
Com o crescimento e a diversificação das unidades de ação
várias situações. Mas, ao rever a nossa própria vida passada e
socia l, como as organizações não-governamentais, essa dimensão
educativa presente nas comu nidades aprenden tes tornou- se cada estão ali são fontes orig inais de saber. Cada um dos integrantes
vez mais clara, focada e motivada. Algumas dessas " agências de de um grupo humano trabalha, convive e/ou participa dele a
fazer e aprender" atuam no campo da própria educação, como os partir e através daqu ilo que traz, como os conhecimentos, as
grupos e os movimentos de educação am biental ou as associações sensibi lidades e os sentidos de vida originados de suas experiências
de pais e mestres. pessoa is e interati vas. E em cada uma ou um de nós elas são
Outras atuam na área da saúde, dos direitos humanos, da únicas e originais.
promoção e valorização do trabal ho da mulher. A tuam no campo Conheci mentos, práticas e habilidades são diferentes uns dos
do cooperativismo, como uma cooperativa de produção de outros. umas das outras, como os/as do servente de pedreiro, do
agricultura orgãnica; atuam como um si ndicato de classe, uma pedreiro, do mestre-de-obras e do engenheiro. São diferentes.
associação de moradores, uma comu nidade eclesial de base, um mas não são desiguais.
movimento em favor da preservação do meio ambiente ou, de Nós nos acostumamos a ordenar e classificar conhecimentos
maneira mais direta e específica, pela proteção do mico-leão- e culturas mais ou menos assim: "selvagens" e " civilizados " , Nas comunidades
dourado, por exemplo. " populares " e " eruditos", "cultos" e "incultos " . No entanto, na
Ao lado daq uilo a que elas se dest inam por vocação direta, realidade, cada tipo cultural de saber - como o de nossa religião,
aprendentes, a
em todas existe t ambém uma dimensão educativa. Tanto é assim
que todas as pessoas que participam de uma ou algumas dessas
de nossa família, de nossa comunidade - e cada unidade pessoal aula expositiva
de saber - cada um de nós - cria, renova, guarda e comparte eixos
unidades sociais de vida, traba lho ou ação social reconhecem e feixes de conhecimento próprio. Saberes de pensamento e ação, pode ser cada 99
sempre "o tanto que eu aprendi ali".
Assim, ao lado das instituições sociais de educação formal,
significados do mundo e sentidos de vida vividos e pensados de vez mais
forma única e criativa . Algo que, por isso mesmo, possui em si um
como colégios e universidades, convivemos todos os dias e ao valor não comparável com outros. convertida
no círculo de
longo de toda a vida com várias comunidades de trabalho, de
serviço de participação e de mútuo ensino-aprendizagem. Dentro
Círcu lo de diálogos
e fora da escola, estamos sempre envolvidos com diferentes tipos diálogos
de comunidades aprendentes. Em momentos de planejar ações e estabelecer procedimentos,
Estamos sempre, de um modo ou de outro, trabal hando a integração entre diferentes experiências de vida, entre diversos
em, convivendo com ou participando de unidades sociais de modos de senti r e pensa r é fundamental. É por isso que, em
vida cotidiana, onde pessoas aprendem ensinando e ensi nam trabalhos recentes sobre a educação ambiental, por exemplo, ª
aprendendo. Pode bem ser que em algumas delas haja dimensão da comunidade aprendente é tão marcante. Qualquer
especialist as em ensi nar - os diferentes tipos de educadoras e . o contexto em que se esteja · do uma experiência de
· v1ven
que Seja
educadores - e não-especialistas que aprendem . Mesmo um ti me · em um " círculo de
educação ambiental, as pessoas que se reunem
de futebol de bairro tem o seu técnico, e é de esperar que ele saiba experiências e de saberes " possuem sempre algo de seu, de
ensinar ao " time" os segredos do ofício. . . . . E trabalho mais fecundo
próprio e de originalmente importante. o
No entan to, no interior de qualquer grupo humano que seja
é aquele em que, em uma comu111 a e aprendente • todos .têm
•d d
criado para viver ou fazer qualquer coisa, todas as pessoas que r e algo a ensinar.
algo a ouvir e algo a dizer. Algo a apren de
-
Conhecemos e compreendemos algo não
apenas por assimilar novas informações, mas por
participar dos círculos de saber em que
aquilo é compreendido Carlos Rodrigues Brandão
Lugares de trocas e de reciprocidades de saberes, mas também de
Humanizar o infra-humano, Ofício de mestre,
vidas e de afetos, onde a aula expositiva pode ser cada vez mais
de Marcos Arruda, um dos mais de Miguel Arroyo, que se volta nessa obra para
convertida no círculo de diálogos.
ousados e renovadores livros de questões nem sempre bem estudadas na educação,
Alguns pesquisadores de pedagogia têm procurado mesmo
educação publicado nos últimos e com grande densidade. O que é ensinar? O que é
compreender de outra maneira o processo do ensinar-e-aprender.
anos. Economista e educador, aprender? Quem é o mestre? Que saberes deve possuir
Podemos com eles partir da idéia de que a menor unidade do
Marcos Arruda é um dos mais e vivenciar quem ensina e quem aprende? Professor
aprender não é cada pessoa, cada aluno, cada estudante. Ela
importantes e ativos militantes da universitário, educador e ativista das causas da JUSllça,
é o grupo que se reúne frente à tarefa partilhada de cria r
socioeconomia solidária. O livro da paz, da liberdade e da educação, Arroyo traz para
solidariamente os saberes do grupo, da pequena comunidade
resgata o sentido mais densamente a pessoa do professor uma identidade CUJO reencontro
aprendente, através dos quais cada participante ativo vive o seu
humano da educação, ao trazê-la à nos é tão urgente e inadiável.
aprendizado pessoal.
atualidade desde as próprias origens
Há uma idéia que poderia nos ajudar a encerrar estas
do ser humano. O autor propõe Un iversos da arte,
reflexões provisórias. Em geral, pensamos que compreendemos
uma educação da práxis, onde a da gravurista Fayga Ostrower Obra
algo quando incorporamos algo novo ao nosso repertório. Essa é
partilha da vida e a solidariedade que surgiu a partir de um curso que
uma visão correta, mas limitada a respeito do ensinar-e-aprender.
entre pessoas e povos é o eixo. a autora ministrou para operános de
Na verdade, se tudo na vida são trocas e interações, se tudo são
diálogos contfnuos, múltiplos e crescentes, então, na verdade, uma gráfica. É uma sensível lrçào sobre
conhecemos e compreendemos algo quando fazemos parte dos como viver a arte. Como saber olhar
círculos de vida e de saber em que aquilo é compreendido. Formação humana e capacitação, um quadro e compreender com
de Humberto Maturana e Sima Nisis de Rezepka. densidade "o que está ah" . Um livro
Eis o que poderia ser uma nova concepção do viver como
Um biólogo e uma educadora chilenos propõem em que as sucessivas edições apenas
partilhar experiências, saberes e sensibilidades em situações e
uma série fecunda e criativa de oficinas de confirmam a sabedoria com que frn
Carlo s Rodrigues Brandão contextos regidos cada vez mais pela partilha, pela cooperação,
relacionamentos interativos em contextos de escrito e ,lustrado.
Psicóloq, ,u11roróloqo ,, ,,rlucarJor pela solidariedade, pela gratuidade. Por tudo aquilo que ajuda a
Profr>';iSOr cio Doutorcido rrn 1\mb1ente c 4
1• reimpressão 2007
8 Apres_e_nt_aç_,___ã__:_o_ _ _ _
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O processo de seleção
10
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25
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Catalogação ltaú Cultural
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Educação de saberes, poderes e quer
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ltaú Cultural,
os Educação Cultura e
//ustração Andrés
2 P- ,1. color. ;
Comunicaçã .
na Febem o Audiovisual
Bibliografia
ISBN : 978-85-85291-61-7
rte, 1).
55
4. Pl.ro1eto 2 -- pCro1eto , ______:P~a'.'._r~a__<;saaober mais
64
Educação e Arte 5
educacional ul_tura social
brasileira 3 Ed ucaçao
6. Br~sil - não-formal
- - - - - -- l(C[DD 707
ltaú 66 Agradecimentos
cultural
a~enida paulista 149
s[ao paulo sp O1311 000
-
ia
estação bri ad .
fone 11 21 1e7,ro do metrôl
00 fa 1 l
instituto@itaucult x 2168 1775
www ·t ural.org.br
.1 aucultural.org .br
de cada um. No fim de cada projeto, buscamos inspiração na cultura popular dos
re e tacão
:, almanaques para apresentar temas relacionados aos projetos, de forma a abrir
portas para a curiosidade, responsável direta pela construção do conhecimento.
Além de depoimentos dos próprios educadores, presentes nos textos sobre os
projetos, contamos com a fala da comissão julgadora (veja "O processo de
seleção", na p. 1O) e suas impressões desse universo tão amplo e especial que
reúne num mesmo cenário e com toda gente a arte, a cultura e a educação.
Os próximos volumes trarão o resultado desse mapeamento de
Olhar para trás ao fim de um processo é, por si, enriquecedor, no que isso
educadores e instituições e o aprofundamento das questões levantadas nos
pode significar de aprendizado humano, individual e coletivo. Com o programa
projetos, por meio das falas de especialistas nos assuntos diversos.
Rumos Educação Cultura e Arte não seria diferente. Sabemos que, em tudo o que diz respeito à cultura e à educação, os
Criado em 2005, o Rumos Educação veio somar-se às outras categorias
méritos são coletivos. Por isso, não podíamos deixar de fazer agradecimentos
Rumos (Dança, Cinema e Vídeo, Artes Visuais, Jornalismo Cultural, literatura,
a parceiros que nos acompanharam durante todo o processo ou em parte
Mídia Arte, Música) para promover o mapeamento, a formação de educadores dele. Listamos ao final do volume as instituições visitadas tanto no processo
não-formais e a difusão de seu trabalho. seletivo, quanto nas diversas ações de formação perpetradas em 2005 e
O processo de seleção realizado em 2005 mapeou 222 inscritos, após a 2006. De qualquer modo, por seu envolvimento em todo o processo,
visita a várias cidades brasileiras para divulgação do programa, com palestras gostaríamos de fazer um agradecimento nominal aos membros da comissão
sobre temas diversos e aulas-espetáculo. A Comissão Julgadora chegou a 11 julgadora, Denise Grinspum, Mara Felipe e Olga Rodrigues von Simson, e à
finalistas, cujos projetos foram conhecidos in loco numa série de viagens pelo consultora na primeira fase do programa, Renata Sieiro Fernandes.
Brasil, que também rendeu o rico material utilizado no documentário Aqui, A todos que estiveram e estão conosco, construindo a história do Rumos
acolá, além-muros.· caminhos da educação não-formal, retrato de todo esse Educação, o nosso agradecimento. Boa leitura.
processo, que pode ser visto no DVD encartado no fim deste livro.
Dentre os projetos finalistas, cinco foram escolhidos: Além do Som , Instituto ltaú Cultural
de Va lmir Alcãntara Alves, o Bodó; Silêncios Sentidos, de Carla Lopes;
Que Cidade É Essa?, de Gustavo Arantes; Musicalização com Mestres do
Sertão de Pernambuco , de Gustavo Vilar; e Comunicação Audiovisual na
Febem , de Maria Helena Santos. Em 2006, após visitar os locais onde os
projetos aconteciam, esses educadores principiaram um conjunto de viagens
para divulgar sua experiência a outros profissionais das áreas correlatas.
Este primeiro volume, que inicia a série de publicações do programa
Rumos Educação, apresenta os cinco projetos selecionados e os ed ucadores
responsáveis por cada um deles. A seção "Termômetro" descreve o modo
como o projeto é avaliado por educadores e participantes; a seção
"Impressões" traz depoimentos dos educadores, acompanhados da biografia
O processo de seleção além de livros, filmes e materiais educativos. As instituições a que estavam
vinculados receberam 1O mil reais. O objetivo aqui era incentivar a continuidade
de seus trabalhos de excelência.
Formação e multiplicação
O programa Rumos Educação Cultura e Arte 2005-2006 teve sobre si as O verdadeiro prêmio do programa está na formação e na possibilidade
atenções de educadores de todo o Brasil, com trabalhos que contemplavam de multiplicação do conhecimento acumulado. O ano de 2006 foi dedicado Mara Felipe é pedagoga,
ao desenvolvimento profissional dos cinco educadores selecionados, por meio Jornalista e coordenadora
linguagens artísticas e práticas educativas diversas. Para selecionar apenas cinco
de encontros e conversas dirigidas com especialistas e uma maratona de da Escola Olodum.
educadores não-formais em um universo tão amplo e variado e, ao mesmo
em Salvador. Bahia.
visitas a projetos sociais que relacionam educação e cultura nas quatro
tempo, conceber sua formação e a multiplicação de seus saberes, foi preciso
cidades-sede das experiências, incluindo os projetos uns dos outros. Este foi
sistematizar o trabalho em três etapas:
também o ano da realização dos Percursos de Formação, que levaram a 12
cidades encontros sobre linguagens artísticas e metodologias de trabalho
Criação e divulgação para ampliar o círculo de diálogo e a articulação entre profissionais da área.
o A idéia não era apenas selecionar os projetos de ma ior destaque, mas
Em um primeiro momento, ainda em 2004, houve o desenho do programa
também "promover a formação continuada dos selecionados, transformando-
feito com a colaboração da consultora Renata Sieiro, que ajudou a estabelecer
os em multiplicadores do processo", explica Olga. Durante o percurso de
os critérios de avaliação e seleção e acompanhou todo o processo seletivo.
formação, os cinco educadores selecionados saíram pelo Brasil, acompanhados
Nessa etapa, a participação da professora Olga von Simson e sua experiência na dos membros da comissão e palestrantes convidados, para divulgar suas
área da educação não-formal já se mostraram valiosas. No início de 2005, experiências em encontros e palestras.
foram realizadas palestras e aulas-espetáculo pelo país afora, combinando "O Programa Rumos Educação Cultura e Arte promove assim ações
formação e divulgação do edital.
educativas junto aos projetos premiados", afirma Mara. Denise completa: "O
programa tem importância por sua abrangência nacional, por valorizar ações
educativas de natureza não-formal e por se tornar referência na forma como
Seleção
desenvolve a capacitação dos educadores".
Em seguida foi constituída a comissão julgadora, com três especialistas em Para Mara Felipe, o que mais chamou atenção no universo de inscritos foi
a postura humanista e de forte conteúdo social dos educadores. "Os projetos Olga von Simson
diferentes áreas de educação não-formal. Olga von Simson, Denise Grinspum e
é oent,sta social,
Mara Felipe afinaram os parâmetros e iniciaram a análise dos relatos de primam por diretrizes pedagógicas na busca da formação de cidadãos
Denise Grinspum é professora da Faculdade
experiência, as visitas da comissão aos finalistas e a seleção final dos inscritos. atuantes dentro da comunidade, dotados de espírito crítico, pluralismo de
doutora pela faculdade de Educação da Unicamp
"Dos mais de 200 projetos mapeados, cinco foram escolhidos atendendo a idéias, ética e respeito ao individuo e ao meio ambiente. O que possibilitou, e coordenadora do
de Educação da USP e
diretora do Museu Lasar diversificação de linguagens (teatro, música, audiovisual, dança) e origens dentro da minha área de atuação, perceber que não estou sozinha no caminho Centro de Memória
Segai!, em São Paulo. geográficas diversas", explica Denise. Os selecionados receberam 5 mil reais, que venho trilhando." da Unicamp.
" Os educa dores selecionados destacam-se por terem desenvolvido "A educação não-formal permite que grupos ou comunidades passem por
práticas educativas com forte contribuição social, potencial criativo e situações de aprendizagem mais próximas ao ecossistema da produção artística
possib ilidades de continuidade", afirma Denise. Na opinião de Mara, "dos do que as desenvolvidas no âmbito escolar, submetidas a programas curriculares,
projetos inscritos, os premiados possuem uma relação muito Intima com a seriados e com forte limitação de tempo e espaço físico", aponta Denise.
comunidade na busca por uma transformação social e pessoal dos educandos". Para Olga, a questão da auto-estima é central nesse contexto : "A maioria
dos projetos de educação não-formal é voltada para grupos que sofrem
discriminação, ou seja, a população de baixa auto-estima", afirma a professora .
Educar com arte, resgatando valores "Para trabalhar com eles e desenvolver atividades educacionais, é preciso
reconstruir a auto-estima. Isso se dá por meio do resgate da memória: a
Para as integrantes da comissão, a arte exerce um papel fundamental na
identidade só se forma quando você sabe de onde vem . A memória familiar traz
educação. Olga chega a colocar a arte na frente da ciência nesse quesito: "Arte
o sentimento de pertencimento, base para a formação da cidadania." Em
é liberdade e ousadia; a arte levanta questões candentes antes da ciência".
poucas palavras, memória traz identidade, que traz cidadania.
Na visão de Den ise, o mérito do programa Rumos Educação Cultura
Então, a educação não-formal pode contribuir para melhorar a educação
e Arte é "valorizar a formação de educadores que se dedicam ao
no Brasil? "Por meio da promoção da cidadania, a educação não-formal
desenvolvimento de ações educativas de natureza artística, no âm bito da
possibilita a inclusão daqueles que carregam o estigma da diferença, seja pela
educação não-formal, voltadas para crianças e jovens de baixa renda ou em
sua cor de pele, seu grupo social, sua orientação sexual ou simplesmente por
situação de risco . Entendendo como ações de natureza artística aquelas que
ser diferente daquilo que é considerado ideal ou padrão" , acredita Mara. " Sua
promovem o desenvolvimento de percursos criativos e de projetos que não
contribuição maior é buscar caminhos de emancipação, de forma participativa,
necessariamente tenham um fim predeterminado".
para os exclu ídos, desenvolvendo identidades mais positivas e promovendo a
Isso não impede que a arte seja também "um fator educacional".
elevação da auto-estima de todos - educadores e educandos."
Segundo Olga, "ela auxilia os outros processos educativos, promove a
cidadania e até mesmo a revalorização da escola formal".
O resgate de valores é igualmente importante para o educador não-
formal, que encontra na própria comunidade suas melhores fontes de
referência. "A educação não-formal se apropriou de valores ancestrais
esquecidos, tais como o respeito aos mais velhos, a organização grupal
diversificada e a solidariedade entre os diferentes, para oferecer uma leitura
mais harmoniosa do mundo e das relações humanas, onde todos podem viver
com autoconfiança, dignidade e respeito", diz Mar a.
Na visão da professora Olga von Simson, o debate a respeito da educação
não-formal ajuda a valorizar a atuação desses jovens e a qualificá-los com o
nome que merecem: educadores. A conseqüência natural desse processo é
abrir caminho para a profissionalização.
Além do Som
Bodô
Quando falam
de f aveia na televisão,
o que aparece? Crime,
prostituição, violência, chacina.
Mas a f aveia não é só isso,
existe poesia dentro da favela.
Existem pessoas ali que
têm uma vida, uma história , ,
Som, desenvolvido até hoje. assim, a aproximação dos meninos do Recanto do Menor teve
O Além do Som atende a 150 crianças e adolescentes de 6 a seus percalços. Bodô conta que no inicio seu trabalho era visto
18 anos, em oficinas de percussão que atualmente compreendem com desconfiança, devido à associação preconceituosa entre o
os ritmos nordestinos, o congado mineiro, as cantigas de roda e tambor e o candomblé. Os moradores também reclamavam do
até marchas de origem européia. O trabalho é realizado no barulho da oficina de percussão. Recanto do Menor
Recanto do Menor, uma instituição mantida pelas Obras Sociais da Superadas essas barreiras - com paciência mineira e um O Recanto do Menor foi fundado
Paróquia Santo Inácio de Loyola . Por que o tambor? "Lá na minha trabalho de formiguinha -, o projeto passou a ser respeitado,
há 11 anos e é mantido pelas Obras
entre outros motivos, por proporcionar prazer à garotada e
torná-la até mais concentrada na escola. "Hoje reconhecem que Sociais da Paróquia de Santo Inácio
, , É através da arte estamos fazendo um trabalho educativo", diz Bodô. E continua: de Loyola. A instituição funciona
"O tambor conseguiu trazer ônibus pra buscar a gente, pra
no Morro do Querosene, em Belo
que trabalho diversas gente tocar no parque. O tambor conseguiu trazer estudantes
Horizonte, e atende a 230 crianças
noções e experiências para a comunidade, o tambor está ajudando a galera a
conhecer outro mundo". entre 4 meses e 18 anos de idade,
cotidianas dessas crianças, com o objetivo de dar a elas o
relações de gênero e raça 4'4' O Recanto do Menor abriga as crianças do morro quando
pessoas conscientes e preparadas
elas não estão estudando. Ali, meninos e meninas se alimentam, para a vida. O Recanto do Menor
Bodô, educador
brincam, praticam esportes e recebem reforço escolar. Duas vezes oferece alimentação e atividades
cidade, eu levava arte com meu tamborzinho. Eu era da beira por semana, eles participam das oficinas do projeto Além do Som.
culturais variadas, além de aulas
do rio, mas ia até o clube da cidade com meu tambor, ia pro A cada 15 dias, Bodô e os outros educadores se reúnem e definem
sitio dos caras. Então descobri: com este tamborzinho consigo um tema para as semanas seguintes, que é trabalhado de formas de dança, percussão e informática.
diferentes dependendo da faixa etária de cada turma, mas sempre
com alguma proposta de musicalização. Assim é possível, por
exemplo, falar da literatura de cordel e juntar à discussão os
ritmos nordestinos.
Esse planejamento minucioso comporta até um improviso. A
oficina E Agora, José? - inspirada no poema de Carlos Drummond
de Andrade - pode acontecer a qualquer momento. No dia
escolhido, os educandos decidem se vão tocar dentro do galpão
Termômetro
ou se vão sair pela comunidade, explorando as sonoridades da rua No Recanto do Menor, a avaliação
e seus cantos, como as caçambas de lixo, os balcões dos botecos, dos trabalhos começa com uma anál ise
os ecos nos becos, a música cantarolada por personagens da
mensal feita pela equipe de educadores,
comprou um par de pick-ups, Adilson se animou a tentar escrever altura dessa responsabilidade I A resposta veio de forma lenta, Bodõ cursou Historia no Centro
algumas músicas. Gravaram uma fita, mandaram para a rádio, mas def1nit1va. Após dez anos de luta eu me encontre, como arte- Univers1tano de Belo Horizonte (Uni-BH)
formaram um grupo. "Hoje nós estamos ai no movimento graças educador, e esse proJeto me deu a certeza de que eu e os
e foi agraciado recentemente com
Um dia de muita batucada na oficina de ao Bodô, que inspirou a gente a procurar cu ltura. A gente nem meni nos e meninas do Morro do Querosene nos tornamos
percussão do projeto Além do Som. sabia o que era cultura, entendeu?" sujei tos de nossa p1ópria história." uma bolsa da Fundação Ford.
~'
~
u
Rufam os tambores
O tambor é utilizado desde os
primórdios da humanidade.
Acredita-se que as primeiras
versões tenham sido troncos
Tambo r-de-min a
Manifestação religiosa do estado
do Maranhão, de origem jeje
e nagô, realizada em terreiros.
Tambor-de-crioula
Freqüente no Maranhão, é uma dança
,
ocos de árvores. O tambor pode Ao toque de cabaças, triãngulos em louvor a são Benedito ritmada por
desempenhar diversos papéis, e tambores, os iniciados dançam três tambores: o roncador, que faz a
entre eles o de produzir a música e incorporam entidades espirituais. marcação para a umbigada; o sacador,
dos rituais e o de estabelecer que marca o ritmo; e o crivador,
comunicação direta com responsável pelo repicado.
a coletividade, graças ao seu
poderoso som. No Brasil, ele
está presente em inúmeras
manifestações da tradição africana,
,, São tambores os tambo res
como o batuque, o tambor- [ ... ] cura a dor de amo r com
de-mina, o tambor-de-crioula,
mais amores ,,
I
'
o jongo e o carimbó.
Chico César, "Tambores"
Jongo Carimbá
,
O jongo é uma dança banta, ancestral do samba e do O carimbó é uma dança paraense
,
pagode. Essa tradição se mantém no vale do Paraíba típica da miscigenação brasileira.
'
e é realizada em praças públicas, em torno de uma fogueira, Teve origem entre os índios
cujo calor ajuda a manter os tambores afinados. Como tupinambás, mas herdou dos
no tambor-de-crioula, o jongo é uma homenagem africanos o som vibrante dos
_,
a são Benedito. atabaques e, dos portugueses,
as palmas e o estalar de dedos.
Hip-hop
O hip-hop surgiu em Nova York, nos anos 1970, entre a
\ O ritmo é marcado por dois
tambores (curimbós, ou
atabaques), ganzá, banjo,
pandeiro, flauta e duas maracas.
o rap (música), o break (dança) e o grafite (arte visual). movimentos "robóticos" ("ritmo e poesia"), originalmente
O hip-hop chegou ao Brasil nos anos 1980 e,
com malabarismos era uma adaptação do canto
influenciado pela cultura local, ganhou traços e coreografias solo. falado africano à música jamaicana
diferenciados. O break incorporou movimentos da Tem diversas vertentes. da década de 1950. Tem letras
capoeira; o rap misturou-se ao samba; e os grafites Entre seus adeptos, os com forte conteúdo político,
ganharam cores vivas. dançarinos são chamados de conscientização e denúncia
de b-boy ou b-girl. contra a exclusão social.
•
vem puxando o movimento O grafite é a atividade de pintar ou desenhar em
muros e paredes públicos, geralmente com tubos
como o negro de talento ,,
de spray. As modalidades de execução incluem
Rappin' Hood, "Sou negr~o" ~
~
desde a utilização de máscaras (papéis com o recorte
dos desenhos) até técnicas de desenho em 3D. ~
fM
Silêncios Sentidos
Carla Lopes
, , Nós, arte-educadores I
Uma emoção quase inexplicável toma conta de todos os não estamos sentados no
participantes desse evento singelo e mágico. Emoção que não
vem apenas do divertimento gerado pela novidade; vem, antes lugar do saber absoluto.
e principalmente, do sentimento de inclusão, aceitação,
Eu, particularmente, não
identificação, identidade - em outras palavras, de pertencimento,
tanto à comunidade como ao mundo em que vivem. acredito na formação que
vem só de um lado 4'4'
O grupo Abebé Omi foi criado em março de 2002 na sede do
CRIA (Centro de Referência Integral de Adolescentes), no bairro do
Pelourinho. A idéia era fazer um grupo teatral, mas, para isso, era Carla Lopes, educadora
CRIA
preciso escolher um tema a ser encenado. De onde viria a O Centro de Referência Integral de
inspiração para a escolha desse tema? "O recorte proposto para a Carla resgata temas caros à comunidade negra baiana, como
Adolescentes (CRIA) foi criado em
montagem de Silêncios sentidos [a peça encenada pelo Abebé a mitologia e a ancestralidade africanas, passando pela história da
Omi, que dá nome ao projeto] surge do nosso contexto de cidade escravidão. Não à toa, o nome do grupo (Abebé Omi) vem da 1994, no Pelourinho, em Salvador, pela
majoritariamente negra e da coincidência entre negritude e língua ioruba e significa "espelho-d'água", ou "espelho de Oxum". atriz, diretora de teatro e psicanalista
pobreza", afirma Carla, "e está voltado para as questões do
Maria Eugênia Milet. A princípio um
enfrentamento à violência sexual com crianças e adolescentes."
trabalho individual, logo tornou-se um 27
Nesse processo, a energia positiva da arte, da educação, do axé,
Vozes do silêncio
aos poucos tira de cena toda a negatividade contida em qualquer projeto coletivo - uma ONG voltada ao
tipo de violência. O Abebé Omi encena o espetáculo Silêncios sentidos, e é
trabalho educativo com adolescentes
formado por 12 integrantes que mudam a cada montagem da
a partir do teatro e da poesia. Hoje,
peça, mas são sempre provenientes das diversas comunidades
O espetaculo funciona como um veiculo de informação para como substrato para a encenação? "O trabalho criativo começou
as comurndades em que e apresentado, exercendo assi m um papel com a investigação da forma como cada religião percebe as
eaucauvo não so para os participantes, mas também para a relações de poder entre homem e mulher. Durante a improvisação,
p1ate1a. " E a provocação pa ra que seja quebrado o pacto do apareceu fortemente o movimento tribal e ritualistico que estava
s1lênoo ", afirma Carla. Com muit a dança e música, a peça aborda, escondido na memória corporal de cada pessoa presente. O grupo
ale do abuso sexual de crianças e adolescent es, quest ões como em formação foi convidado a conhecer e entender a simbologia aí
a aes1gualdade social e o papel da mulher na sociedade. "É a embutida e deixar que isso viesse à tona com toda a força . Da i veio
forma mais sutil e menos chocante de levar essa informação às a escolha da mitologia africana", explica a educadora .
' ' Quero q ue as pessoas, assim como eu, grupo com o qual vai trabalhar. Em seguida, pesquisa propostas aval iação, ora escnta, ora fa lada . Após
cult ura is relacionadas aos participantes . "A escuta do grupo é tão
te nham a poss ibili dade de se reconhecer e importa nte para o planejamento quanto as pesqu isas, análises
cada apresentação do grupo, rea liza-se
os ciclos viciosos e dolorosos da exclusão•• " Cada at ividade é planejada para ser um laboratório de criação em
que cada um é um participante fundamental", afirma ela . " O que
que surgem duran te a encenação, por
Carla Lopes, educadora foi vivenciado em um dia é orientador do próximo planejamento." meio do debate que se segue à peça .
que represent a Oxum, que dá nome ao grupo: vida, fertilidade, O resultado é uma criação coletiva, fundamentada na Relatónos semestrais com as impressões
beleza . " Com o fortalecimento do feminino, da identidade negra, expressão individual. Os indivíduos, por sua vez, inspiram-se na
de cada participante, do educador e do
do respeito à religiosidade afro-brasileira, propomos que cada um convivência socia l pa ra criar suas formas de expressão, num
se veja e encontre a sua verdadeira história, sua própria voz, que estim ulante ciclo criativo. "A gente discute bastante e passa para grupo como um todo avaliam o avanço
cada um se enxergue e enxergue o outro ", diz a educadora . E vai as improvisações, com Carla nos mostrando as técnicas de do traba lho, bem como as dificuldades
além: "Que passemos a ser autores de uma nova história que se teatro", explica Dani lo Santos, aluno do CRIA. " Depois a gente
encontradas, possibilitando aprofundar
sobreponha à da exploração e da dominação de uns sobre os começa a se observar mais, pega coisas do dia-a-dia, traz para cá
outros, entendendo que todos nós somos sagrados ". e põe nas cenas. " o processo de aprendizagem .
1 ! l ; 1 : 1 I
\ i encias anteriores V)
uando criou o grupo Abebé Omi, Carla já trazia na (1)
oagagem outras expenências no CRIA. "Silêncios sentidos foi a tQ
segunda peça que dirigi aqui; a primeira foi Diálogos, com o grupo V)
Pais e Filhos, que fala da prevenção em todos os ãmbitos, do V)
diaiogo na familia, da questão da familia ampliada - é um grupo (1)
~
que trabalha com crianças, adolescentes, adultos e idosos, tem
essa perspeaIva [de abordar diversas faixas etárias]. O Abebé é a
Q.
segunda geração. Antes fiz um trabalho em Moçambique
tambem, o segundo em direção a essa perspectiva de prevenção a
E Carla Lopes
DST e aids."
nasceu e"' 7 de outuoro de , 973, err
, A forma como Carl a traz isso pra gente, Salvador. Bari,a Estudan:e oe escola
o nosso obj etivo acaba co in cidindo com O dela 4'4' mundo. A partir dai entendi que a minha realidade, apesar de quando a msuu,ção surg,u, em 199~
dura, não podena ser motivo de conformação e acomodação
Começou como monnora. passou a
Sandra Pinho, aluna do CRIA
(porque nós estamos no mundo por nossa própria conta). No
assistente, orientadora e ho1e coordena
Carla faz questão de ressaltar a importãncia do CRIA em seu processo de formação através do teatro, pude entender e transpor
desenvolvimento como educadora. "Até a parte de criação de um a minha realidade, afirmar minha 1dent1dade, respeitar minha o núcleo de teatro. Pedagoga com
grupo não foi uma coisa que partiu especificamente de mim. Eu já ancestralidade e encontrar a minha estética negra. Foi tudo tão
espec,aI1zacão em orientação
fazia parte do CRIA antes de ele surgir, com Maria Eugênia Milet intenso que em alguns momentos me sentia tão grande no
educaoonal, e responsavel por
[fundadora e coordenadora-geral da organização]; era uma jovem mundo, mesmo tendo pouco, e assim me descobn educadora'
atriz e desenvolvia o mesmo trabalho [que hoje fazem os atores Nesse momento estudar era mais que necessáno e com muita luta ,dent,f,car iovens e montar e ding,r
dirigidos por Carla]. Fiz uma peça sobre gravidez na adolescência, ingressei e conclui a faculdade de educação. Trabalhar com este pecas. acompanhando art,st,ca
uma outra sobre violência, a gente trabalhava com Hamlet de rua, público é escolha, missão e combustível!"
e pedagog,carnente grupos
e trazia essa coisa da vivência do menino de rua para sempre
discutir as possibilidades desse universo maravilhoso, nesse processo "Pelo teatro, as pessoas podem se revelar e se descobrir no de teatro. Um dos grupos que
da jovem atriz que é mexida e estimulada por várias coisas - quando mundo nesta sociedade; assim, elas são desafiadas a fazer Carla coordena e o Abebé Om,.
o mundo me foi apresentado de outra forma, eu me descobri escolhas. Esse trabalho pode transformar uma situação conflituosa
responsavel pela montagem
educadora. Ai em 1994 o CRIA foi fundado, eu já era monitora e em possibilidade de mudança Entretanto, a transformação é
fui seguindo, cada dia a mais era um desafio, uma perspectiva ." atitude, decisão pessoal, depende de cada um." da peça Silêncios sentidos
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Os iorubas
Alguns historiadores calculam que cerca
de 4 milhões de homens, mulheres
e crianças africanas foram escravizados No mund o dos ori xás
pelos europeus durante três séculos Segundo a mitologia ioruba, os orixás teriam sido criados por
e meio. Outros chegam a estimar até Oloru m, o Ser Supremo . Feminino ou masculino, cada um
a diferentes povos e etnias, dos quais por determinados aspectos da condição humana . Conta-se
predominaram os iorubas, também que, um dia, um mensageiro chamado Exu foi incumbido de
chamados nagôs, que desembarcaram ouvir os dramas humanos: relatos de vitórias e derrotas,
no Brasi l - principalmente no Nordeste - sofri mentos e aleg ri as.
durante os séculos 18 e 19. Os iorubas Era preciso ouvir as histórias até o fim e descobrir que
introduziram no pais o culto aos orixás. tipo de oferenda cada um havia feito aos deuses a fim
de resolver seus problemas . Exu conseguiu um número
, , Uma coisa que se revela nos mitos praticamente in finito de relatos, que continham em si
os mistérios da vida e o destino dos homens.
é que, no fundo do abismo,
Transmitiu, então, esse conhecimento a lfá, deus do
desponta a voz da salvação,, oráculo, que forn ece assim as respostas e os conselhos
Joseph Campbell (1904- 1987), dos orixás. Para consultá-lo, jogam-se os búzios.
um dos maiores especialistas em mitologia do século 20
Oxum
Oxum é o orixá feminino ligado aos rios, à
fertilidade, à gest ação, à vida, à beleza, à
sedução e à riqueza. Seu símbolo é um espelho, ~ De como Oxum f icou pobre
abebé, em ioruba; daí o nome do grupo de
Carla, A bebé Omi (Espelho de Oxum).
~ para conquista r Xangô ...
Conta o mito que Oxum desejou
Seg undo os mitos, Oxum é m uito bonita, Xangô tão logo o viu na aldeia.
vaidosa e ri ca, sempre cercada de jóias e Jovem tocador de tambor, Xangô era
espelhos de madrepérola . Muda muito belo, ta lentoso, mas adorava esbanjar
fáci l de humor, e por isso suas águas tudo o que tinha. Apaixonada, Oxum
correm ora calmas, ora tumultuadas. se ofereceu a ele, mas foi rejeitada;
Quando está furiosa. é capaz de usou ent ão de todos os artifícios para
destruir qualquer embarcação que ouse conquistá-lo, até que Xa ngô cedeu,
atravessá-las. Boa mãe, costuma atender embora cont inuasse a desprezá-la.
aos pedidos das mulheres que desejam Tempos depois, pobre e esquecido,
eng ravidar. Foi a seg unda mulher Xa ngô abandonou os tambores e foi
de Xangô, orixá do fogo e do trovão viver bem longe da aldeia. Oxum
e protetor da justiça. conti nuou sendo sua amante, e, para
satisfaze r as vontades de Xangô,
desfez-se de t udo o que tinha: as
jóias, os vestidos e até os espel hos.
Seg undo o mito, ficou apenas com
um vestido branco, que, de tanto
\11 . .
t.:;~\.., •I 1 •
, , O mais estético que fosse proveniente do encontro que ele tinha com as
crianças . Percebeu que não conhecia a comunidade onde
os mais antigos, procurando retomar uma memória neg ligenciada.
Além disso, as crianças transformaram-se em gu ias e levaram o
divertindo 4'4' reinventar a história da cidade comparando duas realidades e O processo levou as crianças a valorizarem sua origem e a se
utilizando o teatro como suporte. descobrirem também. Elas redescobriram sua sociedade e
Bianca Palma, 11 anos, O tema lhe ocorreu porque ele não se sentia ligado à perceberam que tudo tem uma história. Como aq uela a respeito
:.,,,. aluna da oficina de teatro
comunidade como gostaria. "A minha realidade cultural precisava do nome do bairro, Jardim Macedônia. Para Gustavo, até então
do Centro Comunitário e
Recreativo do Jardim Macedônia se impregnar da realidade das crianças e vice-versa. O meu mundo ela estava relacionada às conquistas de Alexandre, o Grande.
precisava se abrir para o mundo deles. Considero este projeto o "Mas descobrimos que antes aquela terra havia sido a fazenda
marco de uma nova forma de eu encarar a educação através da de um senhor chamado Macedo e que um dia ele e sua família
arte, e para a comunidade também foi uma experiência a deixaram", relata Gustavo. " O motivo exato não desvendamos,
significativa, de valorização da cidadania no convívio coletivo", ma s inventamos, já que o teatro nos dá essa possi bilidade",
explica Gustavo. diverte-se ele . do centro comunitário.
Coração Macedônia
Eu nu ca tinha conhecido o Teatro
Mun icipal. Ano passado, com a oficina A peça final foi construida totalmente a partir das
improvisações do grupo. Gustavo fez questão de observar o que
de teatro, tive o prazer de ir lá, entrar. as crianças mais tinham vontade de representar, sem forçar
nenhuma emoção e deixando que fossem o mais sinceras passivei. A praça Nilze
E é as im, tem crianças nossas aqui que podem Todos improvisavam com base no que tinham visto, vivido e e Rosilene
chegar e falar: 'Eu já fui em tal museu, , escutado: a part ir dai, consolidou-se um roteiro . Coração
Durante as peregrinações pelo bairro.
Macedônia. o título escolhido para a peça, refletia o orgulho do
eu VI tal coisa' 4'4' grupo pelo bairro e o sentimento de que "ali era o centro, onde a educadora Gabriela Andrade revelou
tudo pulsa". nas palavras do educador. algo que muitos dos moradores não
Gabriela A ndrade, ed ucadora do Centro Comun itário e Recreativo do Jardim Macedônia
Ao final, Gustavo acabou atuando como narrador onisciente
sabiam : a praça Nilze e Rosilene, uma
para dar mais segurança aos atores mirins - mas eram eles que
das principais do lugar. devia seu nome
criavam todos os diálogos para a cena . Para ensaiar, foi adotado o
método de Bertolt Brecht em que todos os atores experimentam a duas irmãs que morreram atropeladas
O barbeiro de Sevilha
Termômetro O segundo movimento do projeto, periferia-centro, partiu da
vivenciar todos os personagens, o que serviu para realizar uma
divisão de papéis mais orgânica. Adotou-se ainda um modelo
por um ônibus enquanto iam para a
de seu ba irro. as crianças perceberam que podem. sim, ter acesso crianças, tanto social quanto escolar. " Hoje eu vejo que elas são emocionantes do processo " . lembra
com as crianças: através de dinâmicas,
ao mundo lá fora", continua . mais articuladas, têm um interesse pelas coisas. têm uma vontade
são determinadas regras de convivência Gustavo. " Aos poucos. as cnanças
Durante o passeio pelo Municipal, assistiram a uma de perguntar, de saber o porquê, têm maior facilidade de conviver
em grupo, de saber a hora de falar, hora de deixar o outro falar, foram se soltando e fazendo perguntas
pelo grupo. Ao fin al de cada atividade, pequena mostra com trechos das principais óperas e seus
compositores e intérpretes mais conhecidos. As crianças de ouvir o outro". comenta Gabriela Andrade. " Elas estão mais aos familiares. Lembrei-me dos
há a "Roda Aberta" . para refl exão
se encantaram com O barbeiro de Sevilha . Mais tarde, nas soltas. falam, [têm) mais segurança, [estão) menos tímidas. mais
momentos em que eu. ao trabalhar
sobre o processo artístico. Há ta mbém
improvisações. sempre aparecia um barbeiro e um cliente que criativas . [Perguntam-se:) ·o que é isso. em que lugar eu vivo? E o
como ator. fazia 'laboratórios· de
um painel em que o grupo escreve regras pagava seus serviços com uma galinha, e todos se divertiam que acontece de que eu não estou participando? Ou como eu
mu ito com isso. segundo o educador. Nas cenas de improvisação posso ajudar?' Então a transformação é o conhecimento - como criação da personagem e fiquei feliz
pa ra entrar em cena. e que f unciona
posteriores ao passeio, apareceram personagens do centro. essa criança mais tarde vai poder ajudar e, conhecendo a história
ao perceber que estava oferecendo
como uma espécie de "manual
como mendigos. madames e policiais. que depois foram do bairro. ajudar a própria comunidade". completa Maria
a mesma oportunidade às crianças ."
do ator mirim". incorporados à peça . Aparecida da Silva, diretora do núcleo socioeducativo.
Todo o processo vivenciado pelos educadores na montagem
(./)
da peça levou não só a uma maior desenvoltura e sociabilidade
1nitario dos envolvidos, mas também, segundo Gustavo, a uma
(1J
e "ecreativo valorização tanto do que está lá fora, no centro de São Paulo,
tQ
(./)
Jardim como do bairro onde eles nasceram. "Para que tenham orgulho (./)
iacedônia de suas raízes. mas ao mesmo tempo percebam que podem ter (1J
1
acesso a uma coisa que às vezes não conhecem, ou não sabem L Gustavo Arantes
=t..r'aaao em l 985, surgiu devido à que podem [usufruir]." Q_ · a;ce Pm • 5 de r1a ro de · r6
necess,daae das mães do bairro de
casa '01 construída em mut irão pela ~a or,G Pro e;o Árco•a pe o 1 re os
comun idade. As 50 crianças que ' ' A arte é onde a da cr,anca, oo aoo escer e e ac, dose,
escolar, alfabetização, higiene e também, mas tem o o coletivo; isso eu acho muito interessante." coorde1 ador da o· : na de e •rc e
onentação alimentar, além de brincar, os jogos, "Aprendo muito com as comunidades em que trabalho, ou
mor tor 0a t c pau oe ou' cs pro etos
artesanato e culinária. O centro risco é um prazer, po,s me permite transformar toda a n1 nI,a Ja agu, e ,·or ao wt eo 2 do Te2• o
bagagem teatral e acadêmica em uma pratica teatral, na med,da
também real iza a entrega de leite Fóbr ce Sao PaL o e esta ria rnortaqeIT'
em que preciso transformar meu conhecimento numa hnquagerri
para cerca de cem famílias. oa oe,a A mãe, de Berto t B •e 1t
acessível a esse publico e numa pratica soc,al efetiva."
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Da emoção à razão
O alemão Bertolt Brecht (1898-1956) foi um dos escritores que mais Aristóteles
influenciaram o teatro no século 20. Para o dramaturgo, o teatro que se Importante pensador grego,
fazia até então, baseado ainda nas idéias de Aristóteles, não conseguia Aristóteles (384 a.C.-322 a.C.)
responder aos anseios e inquietações da sociedade moderna . estudou a poesia, a tragédia
Assim, Brecht criou, na década de 1920, o drama épico-dialético, e a comédia na obra Arte
com a intenção de fazer a platéia refletir, e não apenas se emocionar. poética. Para ele, as ações
Os espectadores deviam enxergar as causas socioeconõmicas que estavam nobres ou horrendas eram
por trás do conflito encenado. Para isso, diretor e atores jamais podiam encenadas com o intuito
apresentar os acontecimentos como algo natural ou fruto do acaso, de emocionar o homem,
mas sim como resultado de um contexto histórico e social - a esse que experimentava aquelas
procedimento dramático Brecht chamou estranhamento. situações sem ter de vivê-las
No Brasil, um dos grupos mais famosos a seguir o teatro de verdade - a isso Aristóteles
brechtiano é a Companhia do Latão (SP), fundada em 1997 deu o nome de catarse.
e dirigida por Sérgio de Carvalho .
•
"lúdico" - , enquanto
sapiens. também uma
palavra latina, significa
"sabedoria, razão,
bom senso".
, , O patrimônio cultural
já estava lá.
Nosso trabalho foi
valorizá-lo e fazer
a comunidade
refletir sobre ele~~
e avaliados em um encontro na
do Sertão de Pernambuco nasceu dessas percepções, da Gustavo Vilar, educador
observação da dura vida local e da visão de que educar é cria r a Associação Respeita Januário.
possibilidade de sobrevivência, inclusão social e cidadania. e quatro na reserva indígena - que iriam atuar como instrutores, A avaliação externa foi feita por
Capitaneado pela Associação Respeita Januário com recursos e uma coordenadora local. A escolhida foi Ligia da Silva,
professores do Departamento de
do lnstitu10 Júrna Rabello, o projeto durou um ano e foi realizado professora da rede pública de Tacaratu, que voltava para a cidade
de setembro de 2004 a setembro de 2005, em duas localidades - depois de algum tempo morando fora. A seguir o projeto passou Educação Musical da Universidade
debaixo das mangueiras da sede do Programa de Erradicação do a ser divu lgado em aulas-espetáculo, nas quais os mestres se Federal da Paraíba, que acompanharam
Trabalho Infantil, no centro de Tacaratu, e numa palhoça da aldeia apresentavam e explicavam como tin ham aprendido a tocar. No
um dia de trabalho de mestres
de Brejo dos Padres, na reserva indígena pancararu. Gustavo tocou terceiro momento, foram rea lizadas aulas semanais de trés horas
o projeto sob a coordenação de Carlos Sandroni. Os objetivos de duração. e educadores.
,,o pr~jeto de musicalização
Os alunos foram escolhidos em grandes o fi ci nas que
aconteceram nas pri meiras aulas semanais. Apareceram cerca de aJudou esses meninos a se
cem candidatos, muito mais do que a coordenação tin ha em
mente. "Sabíamos que era uma empolgação na tural, que nem
inserirem na sociedade••
todos iriam ficar", diz Gustavo. " Na semana seguinte ti nha menos Líg1a da Si lva, professora de f ilosofia
aluno, na outra menos ainda." E assim foi. O gru po final - dez e coordenadora local do projeto
alunos na cidade e 20 na aldeia - resul tou de uma espécie de
seleção natural pelo desejo. Ficou quem quis.
Gustavo, " embora os co mbinados com horário e freqüência grande importância para que os alunos percebessem o que tinham
Tocador de sanfona, mestre do fi lho
fossem reforçados regularmente, alguns mestres faltaram às conquistado e divulgassem o trabalho realizado, despertando
famoso, ele empresta o nome a essa assim o interesse em outras crianças e adolescentes.
aulas e a presença dos al unos era uma conquista diária". A 49
organização sem fins lucrativos que estrutura de uma aula semanal de três horas de duração teve de
e coordenada atualmente por Sandro muito mais próximo com Segundo ela, na maioria dos casos os envolvidos eram jovens que
Mestres de Tacaratu em ação.
repetiam de ano, abandonavam a escola, tinham diversos
Guimarães, a Associação Respeita a comunidade•• problemas e, ao se identificar com a música, encontraram outro
Januário também apóia a sentido para a vida . Gustavo concorda . Segundo ele, além de
Gustavo Vi lar, ed uca dor
ajudar a preseNar as tradições populares, o projeto "abriu uma
profissionalização e a produção de
perspectiva profissional para crianças e adolescentes " , já que as
eventos, gerando intercâmbio entre ser repen sada . O pífano, instrumento melódico e rústico, é muito bandas que tocam nas festas são remuneradas. E os mestres?
cantadores, promovendo cursos difíci l de ser t ocado, exige mai s tempo de estudo e dedicação. A O que isso tudo significou para eles? Além de terem sido
solução encontrada foi dar mais uma aula no meio da semana remunerados pelas aulas - completando assim o orçamento
e seminá rios e dando assistência de
aos alunos interessados no instrumento, correção de rumo que familiar-, eles adquiriram um outro papel social na comunidade,
todo tipo aos músicos tradicionais. exigi u um esforço maior de todos. Mas o empenho va leu a pena.
o de mestres e educadores.
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Gustavo Vilar
nasceu em 3 de ma o oe 19-.:, 51
"Para mim, esse proJeto representou um grande exerooo de Federal oe Per<1ar-1ouco ~tua na area
desprendimento da estrutura formal de educacão, na qual venho de educacão e cu '.ura oesde 1999
trabalhando há sete anos, embora Já tivesse alguma expenênc,a
E pro'essor de 1-< stor a e mus,co.
com educação não-formal. Outro resultado pos1t1vo foi poder
dialogar com um universo de aprendizagem onde havia questoes Corno pesquisador fe: o í'lapearnento
técnicas, conceituais e, sobretudo, valores sendo trabalhados Foi musical oe Pernarbuco ,unto da
muito grat1f1cante aplicar um projeto de educação em uma reg1ao Assooacão Respe ta Januano, tendo
tão carente de ações como as dessa natureza, envolvendo cnanças
a,noa real,:ado g,avacões em
e adolescentes. Perceber as conquistas e o envolvimento de
mestres e alunos desperta em m11n o desejo de cont111uar can1po e part,c pado da gravação
trabalhando com projetos de educaçao não-formal voltados para do CD qesponde a roda ourra ,,ez
grupos sociais 111arg1nalizados e de extraordinano potencial de
produ:,do pela associação.
desenvolvimento."
u
Missão de pesquisas folclóricas
Em 1938, Mário de Andrade, então diretor do Departamento
Oh, roseira
de Cultura da Cidade de São Paulo, enviou ao Norte e ao
Oh roseira, oh rosa!
Nordeste do país uma expedição composta por um arquiteto,
Balança o galho
um músico, um técnico de gravação e um auxiliar geral.
Da roseira meu amor
O objetivo era mapear com fidelidade e riqueza de detalhes
Se a roseira fulorar,
o folclore musical dessas regiões . Já naquele tempo, ele temia
'
Temos rosa pra luxar
que o processo de urbanização do país fizesse desaparecer
Temos rosa pra luxar,
as manifestações populares.
Se a roseira fulorou
Em seis meses de viagem pelos estados de
t
Balança o galho
Pernambuco, Pará, Minas Gerais, Maranhão e
Da roseira meu amor
Paraíba, os pesquisadores registraram em fotos,
(canto iradicional registrado
vídeos, desenhos, textos e gravações fonográficas
as cerimõnias religiosas, as danças populares e saMo,àoó, " ")
uma série de cantos, acalantos, modinhas e cantigas
de roda do lugar.
••o brasileiro é um povo
esplendidamente musical ,,
~ Mário de Andrade, Ensaio sobre a música brasileira
A banda de pífanos
A banda de pífanos, pífaros ou pifes é um conjunto
instrumental de sopro e percussão típico do Nordeste brasileiro .
Sua composição varia de estado para estado, mas os instrumentos
básicos são o pífano, a caixa e a zabumba . Quem comanda
a banda é o pífano, uma espécie de flauta de bambu com sete
orifícios - seis para os dedos e um para a boca.
Em geral, os integrantes das bandas de pífanos são Lampião
agricultores que cultivam roças de subsistência. Virgullno Ferreira da Silva
Não têm formação musical, tocam de ouvido, (1900-1938), o Lampião, foi
e ensaiam o repertório antes das apresentações. o cangaceiro mais conhecido
No início, as bandas acompanhavam a coleta de do Brasil. Seu bando, que
oferendas para o Divino Espírito Santo, depois perambulava por todo o
passaram a animar as festas, novenas e procissões. Nordeste no início do século
A mais famosa é a Banda de Pífanos de Caruaru, 20, ajudou a disseminar
que foi criada em 1924 e tocou até para Lampião . lendas, cantigas, festejos
e danças locais, inclusive
o xaxado. Diversos poemas
e cantigas populares são
atribuídos ao próprio
Lampião, como a famosa
~
Comunicação
Audiovisual na Febem
Maria Helena Santos
' ' Acho que a grande pegada [do projeto] é essa; Santos, 37 anos, psicóloga de formação e atual coordenadora do
curso, que existe desde 2001. A Navalhar, criada por Paulo
não adianta o cara virar um câmera , um Santiago no bairro do Bexiga, em São Paulo, hoje atua em três
unidades da Febem (Brás, Tatuapé e Internato de Taipas) e
músico, sem ter nada, sabe?
forma 360 alunos por ano, em seis turmas de 20 alunos a cada
Acho que a pegada é levar consci ência .. . quadrimestre.
~
ficção, e outras ainda optam por realizar documentários sobre
pontos de intersecção com a de muitos outros jovens internos das problemas que vivenciaram em suas familias, tais como o muitos têm dificuldades com a escrita.
unidades da Febem da cidade de São Paulo que passa ram ou alcoolismo. O trabalho dos educadores é afinar essas vontades.
Os resultados são levados aos
passam pelo mesmo curso. Como ele, esses jovens percebem que " Não é só ligar a câmera e apertar o botão. Nosso trabalho
a linguagem audiovisual confere existência ao sujeito "marginal" funcionários e ao gestor do projeto
é outro", explica Maria Helena. " É desenvolver exercícios de
- invisível à sociedade-, já que lhe oferece não mais um luga r de pensamento, de criticidade. É fazer com que eles entendam esse na Febem. Além disso, existe
exclusão, mas de pertencimento. Ao transforma r a fala em mundo onde estão inseridos, entendam a produção da
uma mostra final com os trabalhos
imagem da palavra, o vídeo se torna um recu rso ca paz de cri ar desigualdade social nesse pais e reflitam sobre o que desejam.
produzidos naquele quadrimestre,
transformação - primeiro individual, e depois a da comu nidade em Esses jovens pensam que a criminalidade é a alternativa para ª
que vivem. Indivíduos antes expostos à alienação e à ignorância se conquista do que sonham para suas vidas. Atuo tenta nd0 para a qual são convidados
transformam em sujeitos de direito, em cidadãos. Acreditar, sensibilizá -los para outras opções de existência, de modo que as familias e os funcionários
reconhecer-se humano, é ter esperança de mudança, crer-se ca paz Possam manter-se vivos. Provoco: o mundo é maior, que outras
de subverter a realidade social. das unidades participantes.
Possibilidades existem?"
As au las têm como ponto de partida a sen sibili zação, por - mas, infeliz m ente, ainda não podem ser exibidos fora dos
meio de músicas, obras artísticas, poesia, cin ema , literatura e mu ros da inst it u içã o . De acordo com o Estatuto da Criança e
muita discussão. A palavra, prin ci palmente, é usada como do Adolescen t e (ECA), as imagens dos jovens devem ser
viviam na rua . Atua lmente o projeto da imagem . chegar até o adolescente que está ali . Depois a gente vê o resto:
aí é aumentar, é repertório, consciência, uma série de coisas " , diz
tem t raba lhos voltados para a
Mergulhei de cabeça, acho Elton Santana, professor de vídeo da Novolhar.
a
possa ser "baseado em fatos reais". categoria e a facilidade dos
Há diferentes versões para a origem do documentário. Uma novos equipamentos;
delas atribui aos irmãos Lumiere, criadores do cinematógrafo O prisioneiro da grade
~
(aparelho que está nas origens do cinema), a produção das
primeiras reportagens cinematográficas, como A coroação do
~ de ferro (2003), de
Paulo Sacramento, é um
czar Nicolau li, filmada em Moscou em 1896. exemplo recente. Alguns
Em 1922, o filme Nanook do Norte, de Robert Flaherty, gerou polêmica documentários geram ampla
ao reencenar situações como se fossem verdade. A partir dele, os repercussão e debate na ~
documentaristas cerraram as discussões sobre o que é ético no sociedade, como Falcão: 'W
documentário: afinal, ele deve ser realidade ou não? meninos do tráfico (2006),
de MV Bill e Celso Athayde,
ad exibido na televisão.
~
inspirado em um documentário realizado pelo famoso cineasta Orson
Welles, mais conhecido pelo filme de ficção Cidadão Kane . Fundado
e dirigido pelo crítico Amir Labaki, o festival comemorou dez anos
em 2005 e é realizado em São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília .
Filmes como Brevíssima história das gentes de Santos (André
Klotzel, 1996), Nós que aqui estamos por vós esperamos
Janela da alma
O documentário Janela da alma (2001),
de João Jardim e Walter Carvalho, é um
bom exemplo de como esse gênero tem
colaborado para uma nova forma de "ver"
a realidade, literalmente. O filme traz
entrevistas com personalidades que possuem
graus diferentes de deficiência visual, da
simples miopia à cegueira completa - o escritor
~
José Saramago, o músico Hermeto Pascoal e o
cineasta Win Wenders são alguns exemplos.
De forma poética, o documentário "ouve"
os depoimentos dessas pessoas sobre
sua maneira de ver o mundo, mesmo
quando a elas falta a visão.
ROSA, João Guimarães . Manuelzão e Miguilim . Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997.
Para saber mais SANTOS, Milton. O espaço do cidadão. São Paulo: Studio Nobel, 1998.
SILVA, Antonio Gonçalves da (Patativa do Assaré). Aqui tem coisa. Fortaleza : UECE/RCV
Editoração e Artes Gráficas, 1995.
TAVARES, Regina Márcia Moura (coord.). Brinquedos e brincadeiras: património cultural
da humanidade. Campinas: PUC-Camp, s.d.
VERGER, Pierre. Lendas dos orixás. Trad. Maria Aparecida da Nóbrega. Salvador:
Corrupio, 1997.
Bibliografia VIEIRA, César. João Cândido do Brasil: a revolra da Chibata . São Paulo: Casa Amarela, 2003.
BRECHT, Bertolt. o circulo de giz caucasiano. Trad . Manuel Bandeira. São Paulo : Cosac _ _ _ _ _ . Em busca de um teatro popular. Santos: Confenata, 1981 .
& Na1fy, 2002. _ XAVIER, lsmail. Alegorias do subdesenvolvimento: cinema novo, tropicalismo, cinema
. Teatro completo. Trad . Fernando Peixoto, Willi Bolle et ai. Rio de marginal. São Paulo: Brasiliense, 1993 .
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Há diferentes versões para a origem do documentário. Uma novos equipamentos;
delas atribui aos irmãos Lumiere, criadores do cinematógrafo O prisioneiro da grade
(aparelho que está nas origens do cinema), a produção das de ferro (2003), de
~ primeiras reportagens cinematográficas, como A coroação do Paulo Sacramento, é um
czar Nicolau li, filmada em Moscou em 1896. exemplo recente. Alguns
Em 1922, o filme Nanook do Norte, de Robert Flaherty, gerou polêmica documentários geram ampla
ao reencenar situações como se fossem verdade. A partir dele, os repercussão e debate na
documentaristas cerraram as discussões sobre o que é ético no sociedade, como Falcão: ~
documentário: afinal, ele deve ser realidade ou não? meninos do tráfico (2006),
~
inspirado em um documentário realizado pelo famoso cineasta Orson
Welles, mais conhecido pelo filme de ficção Cidadão Kane . Fundado
e dirigido pelo crítico Amir Labaki, o festival comemorou dez anos
em 2005 e é realizado em São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília.
Filmes como Brevíssima história das gentes de Santos (André
Klotzel, 1996), Nós que aqui estamos por vós esperamos
Janela da alma
O documentário Janela da alma (2001 ),
de João Jardim e Walter Carvalho, é um
bom exemplo de como esse gênero tem
colaborado para uma nova forma de "ver"
a realidade, literalmente. O filme traz
entrevistas com personalidades que possuem
graus diferentes de deficiência visual, da
simples miopia à cegueira completa - o escritor
~
José Saramago, o músico Hermeto Pascoal e o
cineasta Win Wenders são alguns exemplos.
De forma poética, o documentário "ouve"
os depoimentos dessas pessoas sobre
sua maneira de ver o mundo, mesmo
quando a elas falta a visão.