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CAP.

I
DA ENTREVISTA DE PESQUISA
À ENTREVISTA CLÍNICA:
DO CONTEÚDO AO PROCESSO

Historicamente, a entrevista ficou conhecida por integrar a


lista de instrumentos utilizados em coleta de dados nas ciênci­
as sociais, inclusive na Psicologia. Enquanto utilizada apenas
como instrumento de pesquisa, os cuidados metodológicos,
que se tomavam, visavam somente garantir a validade dos da­
dos com ela obtidos. Portanto, é pelos dados fornecidos que a
entrevista é explorada e avaliada na pesquisa.
Quando, mais recentemente, a entrevista foi adotada com
objetivos clínicos, passou a ser abordada sob outro prisma: pro­
cesso de interação e intervenção. Sendo assim, atualmente, em
Psicologia clínica, a entrevista é entendida e explorada em duas
dimensões: a já tradicional denominada de conteúdo ou coleta
de dados, e uma segunda, denominada processo.
Nas próximas seções serão abordadas, em separado, cada
uma dessas duas dimensões, iniciando-se pela de conteúdo.

1 - A entrevista enquanto conteúdo


e sua comparação com a observação direta
A dimensão conteúdo refere-se às informações espe­
cíficas que se procura obter ao se realizar uma entrevista.
Embora, a rigor, essas informações não se constituam, ne-
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cessariamente, em dados, nos manuais, a dimensão ora refe­
rida tem sido denominada por "coleta de dados". Para maior
clareza do que se entende por ela, basta recordar todos os
roteiros encontrados nos manuais, os quais especificam os
dados a serem obtidos na entrevista clínica.
Há uma vasta e tradicional literatura analisando e criti­
cando a entrevista no que se refere à validade de seus dados,
ou seja, ao seu conteúdo. No entanto, considerando a im­
portância do assunto para alunos iniciantes, para a Psicolo­
gia em geral e para a Psicologia clínica em particular, parece
não ser demais incluir aqui uma síntese dos aspectos mais
pertinentes dessas análises.
Em primeiro lugar, é de se lembrar que a entrevista é um
instrumento de relato verbal e que, portanto, as análises e
críticas que recebe, geralmente, são as mesmas que se apli­
cam aos instrumentos desse tipo.
Os analistas do comportamento, principalmente os au­
tores da Análise Experimental do Comportamento (A.E.C.),
têm sido grandes críticos dos instrumentos de coleta de da­
dos, baseados em relato verbal.
Uma primeira crítica aponta o fato de que a pessoa
relata sua percepção do comportamento e não como ele
realmente ocorreu. Além disso, a análise do comportamen­
to exige dados não só sobre as respostas, mas também so­
bre as contingências presentes. Os leigos, em geral, não
estão atentos a todos esses fatos. Como afirm am
GOLDFRIED & DAVISON (1976), muitas vezes, o compor­
tamento relevante envolve respostas super-aprendidas, não
percebidas pelos clientes.
Há ainda, na entrevista, os limites da linguagem utili­
zada - entrevistador e entrevistado podem decodificar di­
ferentemente as mesmas palavras - e, neste caso, o resul­
tado da entrevista será enviesado. Segundo MUCCHIELLI
(1978), o código escolhido é influenciado por variáveis
culturais, educativas, históricas e pessoais, entre outras.

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KANFER & PHILUPS (1974) relataram vários resultados
de pesquisa sobre as variáveis do experimentador e os apli­
caram à situação de entrevista, no sentido de apontar os seus
limites. Esses autores lembram que a década de 1960 foi rica
em estudos desse tipo e, embora a maioria deies não fosse
realizada diretamente em condições clínicas, permitiram uma
ampla avaliação da situação de entrevista clínica, cujas for­
mulações se tornaram clássicas. Seguem-se alguns dos resul­
tados dessas pesquisas, por eles descritos: 1 - Dependendo
de como são os experimentos, não há congruência entre o
que as pessoas dizem e seu comportamento, diretamente
observado; 2 - Os sujeitos tendem a responder como eles
pensam que deveria ser a resposta apropriada 3 - Os pes­
quisadores tendem a induzir os sujeitos para darem as res­
postas que confirm am suas hipóteses; 4 - Estímulos
reforçadores mínimos, como sinais de cabeça, sorrisos e
murmúrios verbais, influenciam o tipo de produção verbal
do cliente - isto ocorre inclusive com terapeutas não diretivos;
5 - As técnicas clássicas de interpretação, reflexão e con­
frontação, quando aplicadas de forma contingente, produ­
zem mudanças previsíveis na produção verbal do cliente;
6 - Há correlação entre o efeito do reforço social e a ambi­
güidade - pouca informação sobre a tarefa -; 7 - Característi­
cas sociais do experim entador e do sujeito podem
correlacionar-se com o condicionamento verbal, resultante
na pesquisa; 8 - Estudos também mostraram correlação entre
variáveis do entrevistador: demonstração de ansiedade, de
hostilidade e de especificidade das indagações; e as respos*
tas fisiológicas do entrevistado.
Frente a essas e outras críticas formuladas e, talvez, por
outras razões teóricas, como a adoção de um behaviorismo
metodológico, o instrumento eleito, principalmente pela
Análise Experimental do Comportamento, foi a observação
direta. Até recentemente, para que um autor comportamental
pudesse publicar um trabalho, era quase um requisito a uti­
lização da observação direta (BELLACK & HERSEN, 1988).

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Contudo, a prática desenvolvida com a observação direta,
principalmente na área clínica, revelou que a mesma tam­
bém apresenta uma série de limites.
Entre os problemas encontrados em sua utilização, exis­
tem os seguintes:
- Dificuldades para avaliar comportamentos de freqüên­
cia baixa;
- Em geral, demanda muito tempo e altos custos, o que
pode torná-la inviável;
- É difícil aplicá-la a comportamentos íntimos como os
sexuais, por exemplo, ou outros que envolvam aspectos mo­
rais;
- Não é aplicável diretamente aos comportamentos en­
cobertos, cuja importância tem sido reconhecida e acentua­
da na área clínica;
- Tende a fornecer poucas informações;
- E, finalmente, o fato de suas informações apresenta­
rem fidedignidade1 não implica que também apresentem
validade2. Por isso, BELLACK & HERSEN (1988) lembram
que a observação direta pode, inclusive, ser utilizada para
avaliar comportamentos-problema que não apresentem
validade social3. Ainda, na opinião desses autores, houve,
nos últimos anos, um desencanto com a superioridade da
observação direta.
O que se pode concluir do exposto é que ambas as for­
mas de avaliação possuem seus limites.
A maioria dos autores comportamentais defendem, atual­
mente, a utilização da entrevista como instrumento de traba­
lho imprescindível, ao menos na área de Psicologia clínica.

1Fidedígnidade - consiste na concordância entre os avaliadores.


2 Validade • consiste em realmente se medir aquilo que se pretende.
3 Validade sod&l - implica tratar-se de problemas considerados socialmente relevantes.

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BALAU (1980); BELLACK & HERSEN (1988); IWATA et
al. (1982); KEEFEet al. (1980); KOHLENBERG & TSAI (1991 );
LAZARUS (1979); e OLLEND1CK & HERSEN (1984), entre
outros, indicam a entrevista como sendo essencial para se
estabelecer os primeiros contatos com o cliente, identificar
seu problema, definir objetivos de tratamento, levantar hi­
póteses e, inclusive, verificar a necessidade de outras formas
de avaliação. Isto, porque todos eles defendem a adoção de
várias formas de avaliação, todavia, geralmente, iniciando-
se pela entrevista. Alguns deles lembram, também, que a
entrevista é muito prática, não exigindo nem material, nem
local sofisticado; mas, apenas, um entrevistador habilitado.
Ainda sobre a utilização da entrevista, HAYES (1987)
apresenta uma divisão do comportamento humano em três
categorias: respostas motoras, físico-emocionais, e cognitivo-
verbais, as quais ele chama de "sistema tríplice de respos­
tas." Segundo ele, para cada uma dessas categorias de res­
posta aplica-se um instrumento de avaliação. Assim, para as
respostas motoras é mais adequada a observação direta; para
as respostas cognitivo-verbais aplicam-se os instrumentos de
relato verbal, incluindo a entrevista; e, para as respostas ffsi-
co-emocionais aplicam-se as medidas fisiológicas e, também,
o relato verbal, para se ter idéia do que e como o cliente
percebe essas respostas.
BARLOW et al. (1986) afirmam que, embora estudos
demonstrem não haver correlação entre os três sistemas de
resposta, citados acima, isto não implica serem os relatos
verbais inferiores; mas, apenas, que eles são diferentes: a
medida da experiência subjetiva e cognitiva. KANFER &
PHILLIPS (1974) já afirmavam que as medidas de relato ver­
bal não devem ser entendidas simplesmente como relatos
de eventos. O que medem é o que o cliente pensa dos even­
tos, no entanto, isto também é importante do ponto de vista
clínico. Estes autores já defendiam que
UA falta de correlação alta entre medidas verbais e não
verbais não implica em uma subordinação de um sistema de
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resposta a outro(...). Ao invés disso,, demonstra a necessida­
de de relacionar medidas de resposta que sejam relevantes à
questão a ser respondida" (p. 181 ),
OLLENDICK & HER5EN (1984) acham que a entrevista
é especialmente útil na clínica, por ser um veículo usado
continuamente para monitorar o progresso do tratamento e
obter feedback para reformulações. Dizem, ainda, ser um
instrumento muito flexível - permite obter dados muito am­
plos e também m uito específicos, o que aumenta a
confiabilidade de ambos -. Além disso, lembram que, para
muitas pessoas, é mais fácil expressar-se falando, sem contar
sua aplicabilidade aos analfabetos. E, por último, lembram
que, enquanto se entrevista, também se observa.
Parece importante enfatizar que o fato da entrevista não
ser totalmente planejada e seguir certa improvisação, atra­
vés de trocas verbais imediatas, confere-lhe uma grande pos­
sibilidade de autocorreção.
Em síntese,’ os clínicos atuais, em sua maioria, enten­
dem que, pelo fato de boa parte das variáveis que interferem
na entrevista serem já identificáveis, pode-se traçar os lim i­
tes de sua aplicação e mesmo aperfeiçoá-la. Assim, a entre­
vista pode ser extremamente útil, desde que se leve em con­
ta o impacto de uma série de variáveis que podem afetá-la, e
que a mesma seja escolhida em situações para as quais for
apropriada. Deve-se lembrar que grande parte das técnicas
ou estratégias de entrevista foi desenvolvida para controlar a
interferência de variáveis estranhas e maximizar a validade
de seus dados. No capítulo dois estão relatadas as principais
estratégias desse tipo.
Finalmente, parece importante observar que a polêmica
travada quanto ao uso da observação direta em contraposição
ao da entrevista só faz sentido se a mesma é vista simples­
mente como instrumento de coleta de dados. Atualmente,
ao se considerar a entrevista enquanto processo, parte dessa
polêmica esvaziou-se, pois a mesma passou ater outras fun­
ções clínicas, não encontradas na observação direta.
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2 - A entrevista enquanto processo
O termo processo é utilizado para referir-se à forma como
se desenrola uma dada entrevista ou, ainda, à interação
terapeuta-cliente.

2.1 - A visão não diretiva


Não se pode descrever ou analisar a entrevista clínica
em sua dimensão processo, sem se referir à grande contri­
buição que todos os enfoques teóricos receberam, nesta
área, da abordagem não diretiva. Foram os estudiosos des­
se enfoque, os primeiros a chamarem a atenção para a com­
plexidade do que ocorre durante uma entrevista clínica,
principalmente em seus estudos sobre Aconselhamento Psi­
cológico. A década de 1970 foi especialmente rica nesses
estudos. A visão não diretiva, neles contida, está claramen­
te expressa em BENJAMIN (1978) e MUCCHIELLI (1978),
os quais aplicam à entrevista os mesmos pressupostos não
diretivos utilizados ao abordarem o desenvolvimento hu­
mano, em geral. Estes pressupostos estão amplamente de­
senvolvidos em algumas obras de CARL R. Rogers, enlre as
quais se pode citar, "A PESSOA como centro" ( ROGERS &
ROSENBERG, 1977 ).
Para MUCCHIELLI (1978), a entrevista é uma forma de
indução cujo objetivo é levar o cliente a expressar seu pro­
blema, o que só seria possível através da do tipo não diretivo.
Ainda em sua opinião, são características desse método a
ausência de investigação que inclua muitas perguntas, prin­
cipalmente as diretas ou fechadas; também a ausência da
interpretação, do apoio, de conselhos e de qualquer tipo de
avaliação, ou de julgamento. O trabalho de BENJAMIN
(1978) trata especificamente da análise dos tipos de pergun­
tas que, geralmente, são feitas na entrevista clínica, e do efeito
das mesmas sobre o cliente. Aliás, uma das influências
marcantes desse enfoque sobre as práticas de entrevista de
outras abordagens foi, exatamente, quanto à utilização de

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perguntas abertas, como se poderá ver adiante, na seção so­
bre estratégias de entrevista.
Além dos últimos dois autores, MIRANDA & MIRANDA
(1986) destacam, ainda, a pessoa do entrevistador como outro
elemento fundamental na não diretiva, principalmente por
tratar-se de entrevista de ajuda ou aconselhamento. Eles afir­
mam que o entrevistador precisa ter qualidades pessoais:
conhecer-se a si mesmo, estar livre de problemas e disponí­
vel para o cliente; precisa doar-se, ser sincero, genuíno e
honesto. Precisa, ainda, estar seguro de si, aceitar o cliente
incondicionalmente e compreendê-lo totalmente. Para tan­
to, o entrevistador ou conselheiro precisa aprender e aplicar
um método rigoroso e preciso: o método centrado no clien­
te. As técnicas básicas para desenvolver esse método são o
silêncio, as reflexões de sentimentos e de cognições - para­
fraseados - e as reformulações, acompanhadas de expres­
sões variadas de compreensão e empatia. Perguntas deverão
ser evitadas; todavia, se utilizadas, só do tipo aberta.
Na visão não.diretiva, além das características já citadas,
entende-se que o terapeuta não ajuda diretamente o cliente, é
o próprio cliente quem se ajuda. O terapeuta é apenas um
facilitador para o cliente conhecer-se, decidir e escolher se
quer mudar (ROGERS & ROSENBERG, 1977). Como foi apon­
tado por KANFER & PHILLIPS (1974), o ambiente é muito
pouco importante na abordagem não diretiva. Trata-se de uma
visão do desenvolvimento calcada no espontanefsmo.

2.2 - A entrevista como interação


Os autores comportamentais, entre outros, vêem a en­
trevista como uma interação verbal entre duas ou mais pes­
soas, através da qual se desenvolve uma complexa rede de
influências mútuas. Neste sentido, BALAU afirma que "... a
atuação do entrevistador no contexto de sua interação com
o cliente, afetará o resultado dessa interação tanto para res­
tringir, distorcer ou facilitar a expressão verbal do cliente"
(1980, p.2-3).
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Nesta visão, uma das formas de se obter conhecimento
sobre entrevista pode ser através do estudo das variáveis do
entrevistador e do entrevistado, durante a interação. Além
dessas, podem-se estudar outras variáveis da história anteri­
or de cada um e do ambiente.

2.2.1 - Considerações sobre variáveis do terapeuta n


interação com o ciiente
Na seção anterior que trata da dimensão conteúdo, fo­
ram citados vários resultados de pesquisa descritos por
KANFER & PHILLIPS (1974), sobre as variáveis do
experim entador, as quais se aplicam , também, aos
terapeutas.
Além daqueles, em levantamento recente, realizado pela
autora deste capítulo, foram encontrados alguns estudos so­
bre as variáveis do terapeuta e da situação de entrevista, prin­
cipalmente na área de Aconselhamento Psicológico, os quais
serão suscintamente apresentados a seguir.
No primeiro deles, os autores compararam oito respos­
tas de conselheiros experientes e iniciantes, a fim de avaliar
o efeito da experiência sobre tais respostas. Os resultados
indicaram que os mais experientes utilizaram mais domina­
ção, imediaticidade, confrontação e correspondência à de­
manda - ou timing-. Além disso, foram mais flexíveis - vari­
aram mais as estratégias de entrevistar -, enquanto os nova­
tos tenderam a afinar-se com certas habilidades e utilizaram-
nas de maneira rígida (TRACEY et al., 1988).
HERMANSSON et al. (1988) estudaram a relação entre
inclinações posturais deliberadas do conselheiro e a comu­
nicação de intensidade, entendimento empático, respeito e
genuinidade. Verificou-se que, em geral, os terapeutas pare­
cem fazer algum ajuste entre a sua fala e as mudanças de
postura. A comunicação das atitudes acima foi maior, para
todas elas, com a inclinação para trás e, menor, com a incli­
nação para a frente.

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HILL & STEPHANY (1990) desenvolveram uma pesqui­
sa com terapeutas conselheiros com o objetivo de avaliar
com o os com portam entos não verbais dos clientes
correspondem às reações relatadas por estes e como tais
comportamentos são percebidos pelo terapeuta. Os resulta­
dos mostraram pouca relação entre os comportamentos ver­
bais e não verbais, tanto relatadas pelo cliente quanto perce­
bidas pelos terapeutas. Em nove categorias observadas, hou­
ve relação em apenas uma delas. Os autores concluíram que,
embora se fale tanto que o terapeuta deve perceber e res­
ponder adequadamente às pistas do cliente, parece que, de
fato, essas são de difícil decodificação.
Continuando os estudos de variáveis específicas,
KIVLIGHAN (1990) examinou a relação entre as intenções
do conselheiro e a classificação do cliente quanto ao esta­
belecimento do vínculo. Os resultados mostraram que a
relação acima foi apenas moderada. Apontou, porém, uma
forte correlação negativa entre o fortalecimento do vínculo
percebido pelo cliente e os procedimentos sistemáticos de
avaliação e exploração do problema, então utilizados.
SHAFFER et al. (1990) realizaram um estudo para ve­
rificar se características anteriores do entrevistador, em ha­
bilidades sociais, facilitariam a auto-expressão do cliente.
Para isso, os entrevistadores e entrevistados foram classi­
ficados como sendo do tipo "aberto" ou "fechado", social­
mente. Os resultados indicaram três tipos de relação: 1 -
Ambos, terapeuta e cliente, sendo do tipo aberto; a aber­
tura do entrevistador não facilitava; 2 - Apenas o terapeuta
sendo do tipo aberto, isto facilitava a exposição do clien­
te, que era do tipo fechado; 3 - e ambos, terapeuta e c li­
ente, sendo do tipo fechado; a auto-exposição do cliente
era ainda mais facilitada.
KIVLIGHAN & SCHMITZ (1992) pesquisaram a relação
entre algumas características de Aconselhamento e o forta­
lecimento do vínculo percebido pelo cliente e verificaram
que três características parecem associadas à melhora do
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vínculo: exigência, focalização sobre as interações do aqui
e agora, e focalização sobre temas mais gerais.
Parece que as pesquisas atuais apontam para os efeitos
de algumas variáveis isoladas da situação terapêutica; mas não
foram encontrados indícios de um modelo de atendimento
que as integrasse. Esse problema já havia sido levantado por
KANFER & PHILLIPS (1974). Estes autores afirmam que os
enfoques tradicionais supõem que, na terapia, o conteúdo da
fala do cliente, ou seja, suas respostas verbais são resultantes
de conteúdo de pensamento, de personalidade ou de experi­
ência passada, Eles, no ehtanto, sugerem, e alguns dos resul­
tados acima confirmam que tais suposições precisam ser
reexaminadas no sentido de ver o comportamento do
entrevistador como um dos determinantes do material e resul­
tados obtidos na entrevista clínica. KANFER & PHILLIPS (1974)
sugeriram que esse reexame deveria ser feito à luz do paradigma
operante, isto por entenderem que a entrevista clínica apre­
senta características particularmente propícias ao condicio­
namento verbal: dependência do sujeito para com as regras
do terapeuta, falta de instruções específicas sobre a tarefa ou
papel do cliente e a natureza verbal da interação com uso
maciço, pelo terapeuta, de reforçadores generalizados.
Atualmente, os psicólogos comportamentais parecem ter
consciência do processo interacional da entrevista e tendem
a adotar, frente à mesma, um modelo operante, o qual pode­
ria ser o modelo integrador das pesquisas. Isto implica reco­
nhecer a enorme influência do terapeuta sobre os relatos do
cliente e, além disso, associar o estudo da entrevista ao do
comportamento verbal.
SKINNER (1978) em sua obra - O COMPORTAMEN­
TO VERBAL - lançou as bases conceituais de um modelo
operante para o estudo da linguagem. Embora fuja aos
objetivos deste texto descrever e analisar esse modelo,
cabe ao menos lembrar seu principal conceito sobre o
assunto. Para ele, a linguagem deve ser analisada,
mantidas as suas especificidades, como qualquer com-
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portamento operante, ou seja, ela é desenvolvida e mantida
por contingências de reforço. Por isso, refuta as explicações
da aquisição da mesma, como se esta fosse instrumento para
expressar emoções, pensamentos ou desejos. Também afir­
ma que não se pode analisá-la, como fazem os estruturalis-
tas e desenvolvimentistas, apenas pela sua topografia, sem
considerar as condições nas quais aquela topografia foi ad­
quirida. Segundo SKINNER, uma concepção mais produtiva
é "... a de que comportamentos verbais são antes de tudo
comportamentos ... ( 1986, p. 79)", por isso, as maneiras da
pessoa falar e, inclusive o que ela fala, depende das práticas
da comunidade verbal a qual pertence. Portanto, entender a
linguagem implica, segundo ele, estudá-la conforme um
modelo operante.
Concluindo, seja através de um modelo operante ou de
outros modelos teóricos, o que se constata é que, uma vez
reconhecido, na entrevista clínica, o processo interacional,
as possibilidades de estudos das variáveis do terapeuta, e
também as do cliente, tornaram-se extremamente amplas.

2.2.2 - Características interacionais da entrevistacfínicá


Por tratar-se de interação, a literatura clínica atribui à
entrevista uma série de características, além daquelas já re­
latadas anteriormente. Na seqüência, serão apresentadas al­
gumas delas.
A maioria dos autores entende que, por tratar-se de uma
interação, a entrevista não pode ser totalmente previsível.
Neste sentido, MUCCHIELLI (1978) lembra que não se repe­
te uma entrevista, ou seja, nunca há duas iguais.
KAHN & CANNELL (1957) situam a entrevista como
padrão especializado de interação verbal, com propósito
específico e conseqüente eliminação de material estranho.
Para BALAU (1980), a entrevista requer alguma espon­
taneidade e liberdade e, embora com objetivo específico,
não é um interrogatório e, por isso, um requisito para a ca­
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pacidade de entrevistar é o dom ínio de habilidades
facilitadoras da expressão do cliente.
A entrevista é habilidade que pode ser desenvolvida com
a prática, é técnica a ser examinada e aperfeiçoada, todavia
isto, em vez de diminuir, só aumenta a compreensão huma­
na (GARRET, 1974).
GORDON & TOLLE (1991); MAGUIRE (1990) e
WHITEHOUSE et al. (1984) referem-se às habilidades de
entrevistar, como as em "comunicação" interpessoal. Neste
sentido, MCCREADY & WARING afirmam:"... entrevista é a
habilidade de encorajar a exposição de informação pessoal
com um propósito profissional específico (...) entrevista é
um tipo de comunicação interpessoal e fe tiv a (1986, p.317).
Em resumo, pode-se destacar como características da en­
trevista: não ser totalmente previsível e, portanto, não comple­
tamente planejável como o questionário, por exemplo; mas,
mesmo assim, não se trata de conversa comum, por ter sempre
objetivos específicos de natureza profissional. Existe sempre o
interesse do entrevistador em obter: ou determinadas informa­
ções do entrevistado, quando tratar-se de coleta de dados, ou,
mudanças comportamentais do cliente, quando tratar-se de in­
tervenção. O próprio fato de não ser completamente planejável
torna-a uma atividade complexa a exigir a adoção de métodos,
que permitam ao entrevistador alcançar seus objetivos.

Considerações finais
Para finalizar esta seção sobre a entrevista enquanto pro­
cesso, serão resumidas duas formas básicas pelas quais esta
dimensão tem se inserido na prática clínica com porta mental:
a) Pelo fato da entrevista constituir-se em instrume
de coleta de dados, uma primeira forma de preocupar-se com
o processo de entrevistar é no sentido de garantir a qualida­
de dos dados com ela obtidos. Essa maneira de abordar o
processo levou ao desenvolvimento de estratégias de entre­
vistar, que visam controlar as variáveis presentes na situação
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de entrevista, a fim de maximizar a validade dos dados
coletados.
b) Uma segunda forma de enfocar o processo de ent
vistar é analisá-lo ou utilizá-lo como método de interven­
ção. Neste caso, as estratégias de entrevista desenvolvidas
atendem não apenas à validade dos dados, mas visam, prin­
cipalmente, mudanças terapêuticas no comportamento do
cliente. Os conselheiros não diretivos abordam o processo
de entrevistar dessa maneira.
Os terapeutas e os pesquisadores comportamentais, ini­
cialmente, preocuparam-se, basicamente, com a coleta de
dados sem dar muita atenção ao processo. No entanto, in-
flu e n cia d o s pelos estudos sobre as variáveis do
experimentador e pelas críticas aos instrumentos de relato
verbal, passaram, nas duas últimas décadas, a ater-se tam­
bém ao processo, na sua primeira forma acima descrita: para
controlar as variáveis que contaminam os dados, ou até como
domínio periférico dos procedimentos terapêuticos. São
exemplos aproximados desse enfoque BELLACK & HERSEN
(1988); GOLDFRIED & DAVISON, (1976); HAYNES (1978);
KEEFE et al. (1980); OLLENDICK & HERSEN (1984) e ZARO
et al. (1980). Mais recentemente, principalmente na última
década, tem havido, entre os terapeutas comportamentais,
um amplo debate sobre o papel da relação terapêutica nos
resultados da Psicoterapia. De uma posição complementar,
a relação terapêutica tem passado a assumir posição cada
vez mais essencial nos procedimentos terapêuticos. Sendo
assim, uma das tendências mais recentes em Terapia
Comportamental é a segunda forma de utilização do proces­
so de entrevista: como intervenção. KOHLENBERG & TSAI
(1987; 1991) são exemplos típicos desse enfoque. Eles afir­
mam que, tradicionalmente, os terapeutas comportamentais
vêem na relação terapêutica apenas um fato motivador para
a continuidade do tratamento ou faciíitador da coleta de
dados. Todavia, para eles, a própria terapia é uma complexa
interação terapeuta-cliente e é, basicamente, através da rela­

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ção terapêutica, que desenvolveram seu modelo de interven­
ção denominado FAP - Functional Analytic Psychotherapy
Para concluir, pode-se dizer que, considerando-se a en­
trevista clínica em suas duas dimensões básicas: conteúdo e
processo, o mais im p ortan te para uma análise
comportamental e para o seu ensino, é entendê-la como um
método de trabalho que implique um conjunto de habilida­
des as quais podem ser aprendidas. Quase todos os autores
da área, inclusive alguns de abordagem não diretiva, enten­
dem que, da análise da atividade de entrevistar e da utiliza­
ção dos conhecimentos produzidos pela Psicologia, pode-
se desenvolver estratégias ou técnicas variadas, as quais fa­
zem da entrevista um instrumento de trabalho mais efetivo,
seja para coleta de dados ou para intervenção.
Écom base nesta visão que esta autora desenvolveu pro­
gramas de ensino de entrevista para alunos de graduação,
em Psicologia. Como parte do programa, formulou um ma­
nual para os alunos iniciantes, o qual está apresentado, na
íntegra, no próximo capítulo.

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