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INTRODUÇÃO

O fenómeno da globalização levou as sociedades comerciais a sentirem-se obrigadas a expandir-


se em termos geográficos e a crescer de forma a poderem dar resposta ao mercado. Para além
disso, a reestruturação empresarial é cada vez mais encarada como uma alternativa à reorganização
interna. Com efeito, a opção pelo crescimento interno foi, sem dúvida, o primeiro caminho
escolhido pela generalidade das empresas para responder aos desafios que a necessidade de obter
ganhos de competitividade lançou. No entanto, essa é uma via que nem sempre é a mais adequada,
pelo que o recurso a fusões, cisões e outras formas de reestruturação empresarial ganhou cada vez
mais preponderância.

Neste contexto a cisão surge como alternativa para resolver diversos problemas que possam surgir
ao longo da condução do negocio, tais como conflito de interesse,
morte de um dos sócios, estratégia de crescimento, ultrapassar crises entre outras razões.
CONCEITO DE CISÃO DE SOCIEDADES

Origem histórica de cisão

O termo cisão vem do latim scindere, cortar; daí scissionis, separação, divisão. Assim, cisão pode
ser entendido como um processo de reorganização de sociedades na qual a companhia transfere
parcelas de seu património a outras sociedades já existentes ou criadas para tal fim, extinguindo-
se a companhia cindida, se houver transferência total do património ou dividindo-se seu capital se
a transferência for parcial. O accionista dissidente da deliberação que aprovar a cisão tem direito
a retirar-se da companhia, mediante reembolso do valor de suas acções.

A cisão surge no âmbito das operações de reestruturação e redimensionamento empresarial


realizadas nos Estados Unidos e na Europa pós-guerra. Este instrumento económico permite a
operação inversa da fusão, resultando numa divisão da actividade empresarial.
Entende-se por cisão uma operação através da qual uma sociedade - sociedade cindida - destaca
um ou mais ramos da sua actividade (mantendo pelo menos um) para outras sociedades –
sociedades beneficiárias – que poderão ser sociedades já existentes ou novas sociedades. Uma
sociedade - sociedade cindida - é dissolvida, dividindo-se o seu património em duas ou mais partes,
sendo cada uma delas destinada a constituir uma nova sociedade (sociedade beneficiária) ou a ser
fundida com sociedades já existentes – sociedades beneficiárias.
Logo, em todos os casos de cisão existe um destacamento de fracções do património da sociedade
cindida, que serve, ou para fundir em sociedade ou sociedades já existentes ou para formar novas
sociedades, para a qual se transmite o elemento patrimonial e o pessoal destacado.

Em outras palavras, conforme mostra Paes (1981) a cisão é a divisão do património de uma
sociedade em duas ou mais partes, para a constituição de nova ou novas sociedades, ou ainda para
integrar patrimônio de sociedade já existente.

Neves (1999) revela que a sociedade que absorver parcela do patrimônio da companhia cindida
sucede a esta nos direitos e obrigações relacionadas no acto da cisão.

Para Guitmam (2002) a cisão é o instrumento jurídico adoptado quando os sócios/accionistas de


uma empresa não tem mais interesse em continuar a trabalhar juntos ou quando existem situações
operacionais que recomendam uma separação de actividades para determinar um melhor foco nos
negócios. Assim, geralmente numa empresa com poucos sócios a cisão vem sendo utilizada para
resolver os problemas de conflitos entre os sócios ou problemas de sucessão.

De acordo com Guitmam (2002) existem dois tipos de cisão:


 a cisão parcial é quando parte do patrimônio da empresa é segregado (cindido),
permanecendo a empresa funcionando com o restante;
 a cisão total, onde todo o patrimônio é cindido entre os sócios, deixando a empresa de
existir.
 A chamada cisão parcial é utilizada para várias situações entre as quais as mais usuais
são:
 quando um sócio não tem mais interesse em participar da sociedade;
 quando da morte de um sócio e os remanescentes não aceitam os herdeiros como novos
sócios;
 quando parte das atividades da empresa deve ser separada, por conveniências
operacionais;
 para solucionar conflitos entre os sócios;
 por objetivos de planeamento tributário;
 com objetivos de vender parte do negócio. Já a cisão total é uma medida jurídica extrema,
utilizada em situações excepcionais, não apenas pela complexidade jurídica, como pelo
fato de haver soluções alternativas mais simples e eficazes.

Para Bulgarelli (2003) uma cisão parcial clássica é quando os sócios de uma empresa
procedem uma cisão, gerando uma nova empresa, onde todos vão participar da mesma forma
de que participam na empresa cindida.

Para Cardoso (2003) isto é uma situação onde não há conflitos e sim interesses operacionais
em cindir uma empresa. Na maior parte das vezes, a cisão é utilizada para resolver conflitos
e, portanto, a parte discordante é que sai da sociedade, levando sua parcela do patrimônio
líquido da sociedade em forma de bens e direitos, podendo, em alguns casos, para facilitar a
divisão, levar também alguns passivos.

Guitmam (2002) menciona ainda que o instrumento jurídico da cisão envolve


necessariamente a constituição de uma nova empresa para receber os bens, direitos e
obrigações cindidos ou seja, o sócio que sai da sociedade deve ter ou constituir uma empresa
para receber os ativos e passivos cindidos.
Desta forma, a cisão requer algumas providências:

Fixa-se uma data para proceder a cisão, recomendando-se fixar uma data futura a data
da decisão para que possam ser feitos os levantamentos adequados nas atividades da
empresa, como levantamento de um balanço especial que difere de um balanço
normal, preparar levantamentos de mercadorias, verificar situação da documentação
do bens a ser cindidos para não haver problemas de registos posteriores, fazer
levantamentos sobre indeminizações de pessoal, e outros pontos, não sendo
recomendável utilizar balancetes já encerrados para ganhar tempo, sendo que se der
conflito no momento de chegar ao valor a ser cindido, vai dar problema pela falta de
consistência nos números;
Deve-se ser indicado peritos avaliadores, de forma que se há bens imóveis, máquinas
e outros bens do imobilizado os peritos devem ser engenheiros civil e mecânicos, se
há terras rurais devem ser indicados engenheiros agrônomos. Para analisar os dados
contábeis são indicados contadores ou firmas de auditoria para proceder o
levantamento do balanço especial e agregar os valores das demais avaliações. Nota-
se que um dos principais pontos de discussão actualmente num processo de cisão (ou
mesmo incorporação) é o valor do fundo de comércio (nome da empresa, marca
institucional, marca de produtos, clientela, participação no mercado, capital
intelectual, etc.), sendo que normalmente os próprios contadores estão habilitados a
proceder estes cálculos através de instrumentos técnicos reconhecidos mundialmente;

Devem ser feitos, preliminarmente, a Justificativa e o Protocolo da Cisão, onde os


sócios estabelecem as razões para proceder a cisão e no protocolo estabelecem as
condições em que a mesma será feita, como por exemplo, como vão ser avaliados os
ativos e passivos, podem estabelecer valores referenciais para os bens a serem
cindidos, podem definir o valor do fundo de comércio de comum acordo, etc;

Cita-se, ainda que nas companhias o processo de assembleias gerais é mais complexo
do que nas sociedades por quotas de responsabilidade limitada pois dependem de
convocações e outras exigências da lei das sociedades por acções.

Desta forma, sem que estas providências estejam efetuadas ou que as partes não tenham definido
claramente as condições do Protocolo é recomendável não iniciar o processo.

Nota-se que tanto a cisão parcial como total podem ser requeridas judicialmente por um dos sócios,
ocasião em que o processo se altera bastante, visto que a nomeação do perito avaliador é feita pelo
juiz, cabendo as partes indicarem peritos assistentes, a data base é a indicada na petição do sócio
retirante e certamente por envolverem advogados de parte a parte e ser um processo demorado o
custo para as partes será bem maior.
E por fim, cita-se que a operacionalização da cisão, ocorre em duas modalidades, apresenta
reflexos nos campos societários, tributário e contabilísticos, sobre os quais demonstraremos a
seguir.

ENQUADRAMENTO JURÍDICO

O artigo 207 do Código Comercial moçambicano preconiza o seguinte:


1. É permitido a uma sociedade:
a) destacar parte do seu património para com ela constituir outra sociedade;
b) dissolver-se e dividir o seu património, sendo cada uma das partes resultantes destinada a
constituir uma nova sociedade;
c) destacar parte do seu património ou dissolver-se, dividindo o seu património em duas ou mais
partes, para as fundir com sociedades já existentes ou com partes do património de outras
sociedades, separadas por idênticos processos e com igual finalidade.
2. A cisão pode ter lugar ainda que a sociedade se encontre em liquidação.
3. As sociedades resultantes da cisão podem ser de tipo societário diferente do da sociedade
cindida.

(Projecto de cisão)

O artigo 208 do código comercial moçambicano diz:


1. No caso de cisão simples a administração da sociedade a cindir ou, tratando-se de cisão-fusão,
as administrações das sociedades participantes devem, em conjunto, proceder à elaboração de um
projecto de cisão, do qual, conforme os casos, constam:
a) a modalidade, os motivos, as condições e os objectivos da cisão relativamente a todas as
sociedades participantes;
b) a firma, a sede, o montante do capital e o número de registo de cada uma das sociedades;
c) a participação que alguma das sociedades tenha no capital de outra;
d) a listagem completa dos bens a transmitir para a sociedade incorporante ou para a nova
sociedade, e os valores atribuídos a esses bens;
e) no caso de cisão-fusão, os balanços de cada uma das sociedades participantes, especialmente
organizados, donde conste o valor dos elementos do activo e do passivo a transferir para a
sociedade incorporante ou para a nova sociedade;
f) as participações sociais da sociedade incorporante ou da nova sociedade e, se for caso disso, as
quantias em dinheiro que são atribuídas aos sócios da sociedade a cindir, discriminado-se a relação
de troca das participações sociais, bem como as bases desta relação;
g) as categorias de acções das sociedades resultantes da cisão e as datas de entrega dessas acções;
h) a data a partir da qual as novas participações conferem o direito de participar nos lucros e
particularidades desse direito;
i) os direitos assegurados pelas sociedades resultantes da cisão aos sócios da sociedade cindida
titulares de direitos especiais;
j) o projecto de alterações a introduzir no contrato de sociedade da sociedade incorporante ou o
projecto do contrato de sociedade da nova sociedade;
l) as medidas de protecção dos direitos dos credores;
m) As medidas de protecção do direito de terceiros não sócios a participar nos lucros da sociedade;
n) manutenção dos contratos de trabalho celebrados entre a sociedade ou sociedades intervenientes
com os respectivos trabalhadores, os quais não caducam por força da cisão; o) todos os demais
elementos convenientes para o perfeito conhecimento da operação visada.
2. O projecto deve também indicar os critérios de avaliação adoptados, bem como as bases da
relação de troca a que se refere a alínea f) do número anterior.

Modalidades de cisão

De acordo com o código comercial existe 3 tipos de cisões a destacar:


a) Cisão simples
b) Cisão dissolução
c) cisão-fusão
Cisão simples ou parcial (artigo 213)

A cisão simples verifica-se quando uma sociedade destaca parte do seu património, para com ele
constituir outra sociedade.

Na cisão simples, para a constituição da nova sociedade só podem ser destacados os elementos
seguintes:
a) participações noutras sociedades, quer na sua totalidade, quer parte das de que a sociedade a
cindir seja titular, e apenas para a formação de nova sociedade cujo objectivo exclusivo seja a
gestão de participações sociais;
b) bens que no património da sociedade a cindir estejam agrupados, de modo a formarem uma
unidade económica.
2. No caso da alínea b) do número anterior, podem ser atribuídas à nova sociedade dívidas que
economicamente se relacionem com a constituição ou o funcionamento da unidade aí referida.

Requisitos para cisão ( artigo 212)

1.Não é permitida a cisão:


a) se o valor do património da sociedade cindida for inferior à soma das importâncias do capital
social e da reserva legal, e não se proceder, antes da cisão ou juntamente com ela, à redução
correspondente do capital social;
b) se o capital social da sociedade a cindir não estiver integralmente realizado.

2. Nas sociedades por quotas considera-se ainda, para os efeitos da alínea a) do número anterior, a
importância das prestações suplementares efectuadas pelos sócios e ainda não reembolsadas.
3. A verificação dos requisitos exigidos nos números anteriores compete à fiscalização das
sociedades, bem como a uma sociedade auditora ou ao auditor de contas.

Cisão dissolução artigo artigo 215 Ccom.

A cisão-dissolução verifica-se quando uma sociedade se dissolve e divide o seu património, sendo
cada uma das partes resultantes destinada a constituir uma nova sociedade. Este tipo de cisão deve
abranger todo o património da sociedade a cindir, ficando os seus sócios a participar em cada uma
das novas sociedades na mesma proporção que lhes cabiam na primeira, salvo acordo diverso dos
interessados. Esta permissão encontra-se na própria natureza da cisão dissolução, ao dar origem a
duas ou mais sociedades.
A posição jurídica dos sócios pode ser garantida mediante a atribuição de participações diferentes
em cada uma das sociedades, pelo que não há razão para proibir tal possibilidade. o disposto no nº
2 do artigo 2019 diz: “A participação dos sócios da sociedade cindida na formação do capital social
da nova sociedade não pode ser superior ao valor dos bens destacados, líquido das dívidas que
convencionalmente os acompanhem”.
A cisão-dissolução é o único caso em que há uma transmissão universal do património (activo e
passivo). Nos outros casos de cisão há transmissão de elementos do activo, que podem, ou não, ser
acompanhados da transmissão de determinadas dívidas, a qual se fará a título singular.
Cisão –fusão

Por último, a cisão-fusão verifica-se no caso de uma sociedade destacar simplesmente parte do seu
património, ou efectivamente chegando a dissolver-se, dividindo o seu património em duas ou
mais partes, para as fundir com sociedades já existentes ou com partes de património de outras
sociedades, separadas por idênticos processos e com igual finalidade.
Como refere VASCONCELOS (2001), “sempre que a cisão se realize em benefício de sociedades
preexistentes (cisão parcial-fusão ou cisão total-fusão por incorporação) estas procederão, em
princípio, a um aumento do respectivo capital social, com vista a obter as partes, acções ou quotas
a atribuir aos sócios da sociedade cindida”.

Objetivos da cisão:

As operações de cisão, fusão e incorporação tratam de modalidades de reorganização de


sociedades, previstas em lei, que permitem às empresas, a qualquer tempo, promover as
reformulações que lhes forem apropriadas, podendo estas ser de natureza e objetivos distintos
como, por exemplo:
a) Reorganização de sociedades de um grupo de empresas em face da conjuntura socio-económica;
b) Reorganização de sociedades objetivando o planeamento sucessório e a proteção do patrimônio
da entidade e de seus sócios;
c) Reorganização de sociedades a título de planeamento fiscal, objetivando minimizar a carga
tributária;
d) Separação ou desmembramento de empresas ou parte delas, como solução às divergências entre
acionistas, com maior frequência entre herdeiros de empresas familiares;
e) Incorporação ou fusões entre empresas voltadas:
 Á integração operacional;
 Â evolução na tecnologia, nos sistemas de produção ou de comercialização;
 Ao fortalecimento competitivo no mercado diante da concorrência;
f) Alterações em face da mudança de ramo de actuação ou ingresso em novos produtos ou novas
áreas ou na internacionalização das atividades operacionais;
g) Reorganização de empresas estatais no processo de preparação à privatização;
h) Abertura de empresas privadas familiares ao mercado de capitais.

PROCEDIMENTOS
Segundo Bulgarelli (2003) na cisão parcial, que seguira o mesmo processo da incorporação, a par
das observações gerais já enunciadas, destaca-se:
 A necessidade de especificação dos direitos e obrigações que se transferirão;
 A nomeação pela assembléia, de peritos para avaliação da parcela do patrimônio a ser
transferida (essa assembléia funcionará como assembleias de constituição da nova
companhia);
 O arquivamento e a publicação dos atos respectivos pelos administradores da sociedade
cindida e da que absorver parcela do seu património.

E na cisão total, as empresas que absorvem parcelas das sociedades cindidas a esta sucederão,
na incorporação de patrimônios líquidos transferidos, nos direitos e obrigações não
relacionadas. Assim, a administração da nova empresa que absorvem parcelas de seu
patrimônio, proverão o arquivamento e publicação dos actos da operação.
Ressalta-se que na cisão com extinção, as sociedades que absorvem parcelas do patrimônio da
cindida, responderão solidariamente pelas obrigações da companhia extinta.

FACTORES RELEVANTES NA ESCOLHA DO PROCESSO DE CISÃO


As reorganizações societárias mediante os processos de incorporações, fusões ou cisões podem ser
processos relativamente simples de serem detectados, definidos e implantados. Todavia,
usualmente, envolvem operações de grande complexidade, como:
a) Ampla identificação de todos os problemas e interesses envolvidos;

b) Busca das inúmeras alternativas de reformulações possíveis;

c) Escolha do processo de decisão quanto à melhor solução;

d) Negociação entre inúmeras partes envolvidas sobre os diversos temas e seus reflexos para
encontrar soluções de equilíbrio e de viabilidades;

e) Desenvolvimento e implementação formal e jurídica da solução encontrada que reflita as


negociações efetivadas;

f) Operação posterior do empreendimento.

A reestrutura deve ser desenvolvida contemplando todos os factores relevantes que geram ou
podem gerar reflexos essenciais nas operações pretendidas e na escolha da melhor alternativa, sob
pena de não conseguirem os benefícios pretendidos ou inviabilizar a operação ou incorrer em ônus
de natureza operacional e tributários, contribuindo para o fracasso ou prejuízo. Alguns desses
fatores a serem considerados são:

a) Interesses de natureza societária entre quotistas ou acionistas;

b) Reflexos tributários, seja quanto à sua forma e época em que a reorganização seja feita, seja
quanto à incidência dos diversos tributos nas operações após a reorganização.
c) Aspectos operacionais, organizacionais e de sistemas, pois é importante que as soluções finais
considerem estruturas hierárquicas com adequada relação de poderes e sistemas
organizacionais e de controle compatíveis com a nova forma das operações.

d) Aspectos financeiros ou de financiamento que requeiram novos recursos dos atuais acionistas,
de novos acionistas ou financiamento de terceiros.

e) outros fatores, como legislações especificas do setor, aspectos relacionados ao pessoal, como
a legislação trabalhista e previdenciária, sindical, etc.

Um dos aspectos interessantes a notar é que tais operações não ocorrem com freqüência na vida
das empresas, mas somente entre longos períodos. Dessa forma, sua estrutura organizacional não
está dotada de recursos e experiência interna para desenvolver todas essas etapas. Assim, tem sido
adotada a contratação de recursos externos especializados.

Aspectos contabilísticos

O fenómeno da concentração económica

Ao longo da vida das empresas – frequentemente associada ao ciclo biológico dos seres vivos, que
comporta, como se sabe, as etapas do nascimento, crescimento, envelhecimento e morte – as
administrações das sociedades procuram definir um rumo estratégico que estabeleça a posição do
seu negócio, maximizando dessa forma as caraterísticas que as distinguem.
Dentro deste ciclo, as empresas vivem ora períodos de desenvolvimento, ora de recessão, próprios
das crises de crescimento ou como resultado da luta pela sobrevivência. Estas crises potenciam
reestruturações e consequentemente mudanças estratégicas e o início de novos ciclos. Quando as
empresas sentem os períodos de crise, procuram melhorar os seus produtos e o seu processo
produtivo, melhorar as tecnologias, ampliar a sua carteira de clientes, aumentar a sua quota de
mercado, entre uma panóplia de estratégias que os administradores julgam mais adequadas à sua
empresa. Efetivamente, a dimensão das empresas foi desde sempre encarada como um fator
importante na prossecução dos objetivos da competitividade e do sucesso. A dimensão é vista, em
mercados globais, como um instrumento de sustentabilidade baseada na competitividade,
rendibilidade e melhor acesso ao financiamento.

As escolhas estratégicas de crescimento ou de diversificação do risco apoiadas em ligações a outras


empresas não é, todavia, um fenómeno recente. A sua permanente atualidade é sequência das
alterações económicas que vêm surgindo na sociedade, da entrada e saída de empresas dos
mercados, das relações com outros agentes económicos, nomeadamente com a banca, clientes,
fornecedores e até com empresas concorrentes, com o Estado e frequente alteração da legislação
fiscal.

A temática da concentração de empresas, embora abordada em diversa literatura, continua a


despertar o interesse dos investigadores que estudam este fenómeno empresarial. Diversos autores
escreveram livros e desenvolveram pesquisas sobre a reestruturação empresarial, formas de gestão
e expansão. Vários são os autores que publicaram os seus estudos sobre fusões de empresas e
aquisições de participações sociais, sobre sinergias e concentração/combinação empresarial. E isto
deve-se à actulidade do tema, à tendência histórica para a concentração de empresas e formação
de cartéis, e aos ciclos económicos. Este capítulo do trabalho aborda o tratamento contabilístico
que a Norma Contabilística de Relato Financeiro (NCRF) 21 – Concentrações de actividades
empresariais - vem impor, e que tem por base a International Financial Reporting Standards
(IFRS).

A norma 21 (NCRF) 21 – Concentrações de Actividades Empresariais, a qual tem por base a


anterior versão da Internacional Financial Reporting Standards (IFRS) 3 – Bussiness Combinations
– emitida pelo Internacional Accounting Standards Board (IASB). Esta norma, define, que a
“concentração de actividades empresariais” preconiza “a junção de empresas ou unidades de
negócio separadas numa única entidade que relata”, e podem traduzir-se em:

 Aquisições de partes de capital próprio de outra entidade;


 Fusões;
 Aquisição de activos que em conjunto formem uma ou mais actividades empresariais;
 Assunção de passivos de outra entidade;
Obtenção do controlo por contrato; A NCRF 21, estabelece que, estaremos na presença
de uma concentração de actividades empresariais quando:

 “…uma entidade, a adquirente, obtenha o controlo de uma ou mais atividades


empresariais diferentes, as adquiridas. Se uma entidade obtiver o controlo de uma ou mais
entidades que não sejam atividades empresariais, a junção dessas entidades não é
considerada uma concentração de atividades empresariais.”

 “…envolver a compra por parte de uma entidade do capital próprio de outra entidade; a
compra de todos os ativos líquidos de outra entidade; o assumir dos passivos de outra
entidade; ou a compra de alguns dos ativos líquidos de outra entidade que em conjunto
formem uma ou mais atividades empresariais. A concentração de actividades empresariais
pode concretizar-se pela emissão de instrumentos de capital próprio, pela transferência de
caixa, equivalentes de caixa ou outros activos, ou por uma combinação dos mesmos. A
transação pode ser entre os acionistas das entidades concentradas ou entre uma entidade
e os acionistas de outra entidade. Pode envolver o estabelecimento de uma nova entidade
para controlar as entidades concentradas ou os ativos líquidos transferidos, ou a
reestruturação de uma ou mais das entidades concentradas”.

 Estejamos perante a aquisição dos ativos líquidos, incluindo qualquer goodwill, de outra
entidade em vez da compra do capital próprio da outra entidade. Uma tal concentração
não resulta numa relação entre empresa-mãe e subsidiária. Assim, o principal objectivo
da NCRF 21, é o de prescrever o tratamento contabilístico quando estejam em causa
operações de concentração de atividades empresariais. Acresce que a norma, estabelece
que todas as concentrações de actividades empresariais devem ser contabilizadas pela
aplicação do método da compra e que, este método considera a operação de concentração
na perspetiva da entidade concentrada que é identificada como a adquirente.
A adquirente reconhece os activos, passivos e passivos contingentes identificáveis da adquirida
pelos seus justos valores à data de aquisição, e reconhece também as goodwill que é posteriormente
testado quanto à imparidade, e deve ser amortizado nos termos na NCRF 14- Activos Intangíveis,
no período da sua vida útil, ou em 10 anos, caso a sua vida útil não possa ser estimada com
fiabilidade, como no da NCRF 21.

Metodos de contabilização

MÉTODO DA COMPRA

O paragráfo 7 da Norma 21 do NIRF, estabelece que:


Uma entidade deve contabilizar cada concentração de actividades empresariais aplicando o
método da compra o qual exige:
(a) identificação da adquirente;
(b) determinação da data de aquisição;
(c) reconhecimento e mensuração dos activos identificáveis adquiridos, dos passivos assumidos e
de quaisquer interesses minoritários na adquirida;
(d) reconhecimento e mensuração da goodwill ou do goodwill negativo.
Por sua vez, no método da comunhão de interesses, os activos e passivos a transferir são registados
pelos valores que tinham nas empresas originárias, não se verificando o reconhecimento do
goodwill. Tendo em conta as regras emanadas pelo normativo contabilístico SNC, o método da
comunhão de interesses já não é aplicável (desde 2010), devendo assim, como já referido
anteriormente, os ativos e passivos adquiridos ser contabilizados pelo seu justo valor à data da sua
aquisição e, devendo igualmente ser incluídos outros ativos e passivos identificáveis não
apresentados (contingentes) nas demonstrações financeiras.

Caso pratico
a sociedade STEPP, S A é uma sociedade que se dedica a prestação de serviços de limpeza, os
acionista da empresa devido a necessidades de estruturação de mercado, decidiu cindir de forma
total numa outra sociedade já existente nesse caso, sociedade SHOE, SA, a 31 de Dezembro de
2018 tinha o seguinte património

Balanço individual da Stepp, SA antes da cisão


Balanço individual da sociedade ShOE, antes da incorporaçãos dos património da Stepp, SA
Património da STEPP Justo Valor Valor Diferença entre
SA a destacar contabilístico o JV e Valor
Contabilístico
Activos
Activos tangíveis 15.200,00 15.200,00 0.00
Activos intangíveis 270,00 270,00 0.00
Outros Investim. finan. 600,00 600,00 0.00
Inventários 85.000,00 85.000,00 0.00
Clientes 600.000,00 600.000,00 0.00
Estado 11.250,00 11.250,00 0.00
Outros devedores 20.000,00 20.000,00 0.00
0.00
1.300,00 1.300,00
Diferimentos 0.00

90.000,00 90.000,00
Caixa e bancos
0.00
Passivos
Fornecedores -308.782,70 -308.782,70 0,00
Adiantamentos de -19.500,00 -19.500,00 0,00
Clientes -15.202,00 -15.202,00 0,00
Estado -200.000,00 -200.000,00 0,00
Empréstimos Obtido -100.000,00 -100.000,00 0,00
Credores diversos
-1.900,00 -1.900,00 0,00
Diferimentos
TOTAL 178.505,30 178.505,30 0,00
Neste, o Goodwill é de 0,00 visto que valor contabilístico do património líquido = 178.505,30 .
Justo valor dos activos e passivos identificáveis = 178.505,30 Diferenças de avaliação = 0
Goodwill = 0

A relação de troca

Não obstante o facto de parte do património da sociedade STEPP, S.A. ser destacado para a
sociedade Shoe, SA, os interesses dos seus accionistas mantêm-se através da determinação de uma
relação de troca, que atende à proporcionalidade existente nas participações, permitindo que a
participação actual reflicta a participação na nova sociedade SHOE, S.A.. Efetivamente, a relação
de troca é utilizada para determinar o aumento de capital da sociedade beneficiária, tratando-se,
portanto, de um binómio necessário à remuneração dos acionistas da sociedade cindida, sendo, por
conseguinte, no nosso caso prático, baseada no valor do património líquido no montante de
178.505,30 MT. Tal como já foi referido anteriormente, considerou-se que os valores
contabilísticos de STEPP, S.A correspondem aos seus justos valores, pelo que se apresenta a tabela
seguinte com os elementos que serviram de base ao cálculo do valor de troca:

Elementos para o cálculo da relação de troca


Descrição STEPP, SA SHOE, S.A
Capital social 50.000,00 60 000,00
Nº de acções 10.000,00 12.000,00
Valor nominal das acções 5,00 5,00
Capital Próprio 298 505,30 793 400,00
Activo 1 116 440,00 2 821 780,00
Pasivo 817 934,70 2 028 380,00
Valor líquido do património 178 505,30
Tendo em conta o capital social, capital próprio, o valor nominal das ações de cada uma das
sociedades e o valor do património líquido a destacar da sociedade STEPP, S.A. para a SHOE,
S.A., procedemos ao cálculo da relação de troca, com o objetivo de determinar o número de acções
a atribuir aos acionistas da sociedade cindida garantindo o nível de proporcionalidade existente,
tal como apresentado no quadro abaixo:

Descrição
Valor de cada acção de 178.505,30/50.000 3,57
STEEP, S.A
Valor de cada ação de 793.400/60.000 13,22
KUTXENA, S.A.,
Relação de troca 3,57/13,22 0,27
VN das acções 10.000/0,27 37 037
Nº de acções a atribuir aos 37.037/5 7407,4
accionistas de STEPP, SA
Prémio de Cisão-Fusão 178.505,3-37.037 141 468,30

Assim, serão atribuídas 7.407 ações aos acionistas de STEPP, SA. o que dará um prémio de cisão-
fusão, no montante de 141.468,30 €, a figurar no balanço da sociedade SHOE. Após a efectivação
da operação de cisão-fusão.
Balanço individual da cisão da sociedade STEPP , SA

Depois de identificados os elementos operacionais a destacar da sociedade STEPP, S.A. para a


sociedade SHOE, S.A. e de estabelecer a respetiva relação de trocar procedemos à explanação dos
movimentos suportados nos balanços intercalares e que constam igualmente do projeto de cisão-
fusão. Os activos e passivos que foram realocados para a sociedade SHOE, S.A.

Lançamentos a realizar na esfera da sociedade cindida (STEPP, S.A.):


É fundamental fazer uma breve súmula das situações mais relevantes dos lançamentos
apresentados, nomeadamente a classificação na conta 55 (reservas) pelo valor do património
líquido destacado da sociedade STEPP, S.A, para SHOE, S.A.. Paralelamente, na esfera da
sociedade KUTXENA, S.A.. movimentaram-se as contas 25 (acionistas/sócios: Cisão de STEPP,
S.A.) como uma conta de transação para a posterior subscrição do capital: conta 51 e, respetivo
prémio: conta 54, decorrente da operação de cisão-fusão:

Transferencia dos activos e passivos da sociedade STEPP, S.A, para SHOE, S.A

Contas Debito Crédito


55 reservas 178.505.30
43 Emprestimos obtidos 200.000,00
42 Fronecedores 308.782,70
419 adianatamento de clientes 19.500,00
44 Estado 15.202,00
46 Outros Credores 100.000,00
49 Acrescimos e diferimentos 1.900,00
32 Activos tangíveis 15.200,00
33 activos intangíveis 270,00
313 outros invest. financeiros 600,00
22 Inventarios 85.000,00
41 clientes 600.000,00
44 Estado 11.520,00
45 Outros devedores 20.000,00
49 Acrescimos e diferimentos 1.300,00
11 e 12 Caixa e Bancos 90.000,00
Lançamentos a realizar na sociedade Shoe, S.A.:

Pela subscrição

Contas Debito Crédito


452 Subscritores de capital 178.505,30
51 capital 37 037,00
54 Premio de emissão 141 468,30

O lançamento da subscrição de capital, encontra-se relacionado com o cálculo do prémio de cisão-


fusão acima.

realização do aumento do capital da sociedade SHOE, S.A.:

Contas Debito Crédito


32 Activos tangíveis 15.200,00
33 activos intangíveis 270,00
313 outros invest. financeiros 600,00
22 Inventarios 85.000,00
41 clientes 600.000,00
44 Estado 11.520,00
45 Outros devedores 20.000,00
49 Acrescimos e diferimentos 1.300,00
11 e 12 Caixa e Bancos 90.000,00
43 Emprestimos obtidos 200.000,00
419 adianatamento de clientes 19.500,00
46 Outros Credores 100.000,00
44 Estado 15.202,00
49 Acrescimos e diferimentos 1.900,00
42 Fronecedores 308.782,70
452 Subscritores de capital 178.505,30

Depois de efectuados todos os movimentos contabilísticos subjacente à operação de cisão-fusão,


apresenta-se de seguida, o balanço final da sociedade KUTXENA, S.A. que produziu efeitos a
partir de 01 de janeiro de 2019, o que significa que as sociedades envolvidas na operação, até ao
final do ano de 2018, apuraram os respetivos

resultados contabilísticos e fiscais de ano.

BALANÇO DA FINAL SOCIEDADE SHOE, SA DEPOIS FUSÃO-CISÃO DA


SOCIEDADE STEEP, SA
CONCLUSAO

A opção pelo regime de reestruturação ou reorganização empresarial tem, em regra, subjacente,


motivações de ordem económica numa trajetória de criação de valor para as entidades envolvidas
nos mais diversos domínios: produtivo, administrativo, financeiro, entre outros. As operações de
fusões e cisões podem ser objecto de fortalecimento das estruturas empresariais, no processo de
junção de sinergias positivas ou, separação de sinergias negativas, tornando as empresas mais
competitivas e atractivas aos olhares dos potenciais investidores.

Com este trabalho é possível concluir que o maior obejactivos das empresas ao cindir-se é
realmente criar condições para evitar situações desfavoráveis que podem de certa forma afectar
significativamente a continuidade das operações da empresa a curto e longo prazo derivado de um
ambiente económico bastante competitivo e incerto ao mesmo tempo. A criação de estratégias de
sobrevivência revela-se de significante importância.

Percebeu-se tambem que os aspectos relacionados com a fusão das sociedades é regulado pela lei
e no caso do nosso país é o código comercial que regula.
Referencia bibliográfica s

VASCONCELOS, Joana (2001), A Cisão de Sociedades, Editora Universidade Católica.

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