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O desenvolvimento das políticas públicas de saúde


no Brasil e a construção do Sistema Único de Saúde
ANGELO GIUSEPPE RONCALLI

atual modelo de prestação de serviços Desse modo, tentaremos, neste capítulo,


O deSistema
saúde do Brasil, corporificado no
Único de Saúde (SUS) é resul-
entender como se deu este desenrolar histó-
rico da construção do SUS e discutir quais são
tado de um processo histórico de lutas do suas perspectivas atuais, tendo em vista as
O desenvolvimento das políticas públicas de Movimento Sanitário Brasileiro, intensificado a profundas transformações no campo da eco-
partir dos anos 1970 e 1980 em consonância nomia e das políticas públicas no Brasil e no
saúde no Brasil e a construção do Sistema Único com as lutas pelo processo de redemocratiza- mundo.
de Saúde ção da sociedade brasileira.
É comum ser reportado nos meios de co- OS ANTECEDENTES HISTÓRICOS
municação a falência do sistema público de DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE
Angelo Giuseppe Roncalli saúde, sua ineficácia e ineficiência ilustradas
nas grandes filas e nos atendimentos em ma- A saúde de uma população, nítida expressão
Professor Adjunto do Departamento de Odontologia e do Programa de Pós-Graduação em cas espalhadas pelos corredores. Embora re- das suas condições concretas de existência, é
Odontologia Preventiva e Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. conhecendo que a mídia prefira as manchetes resultante, entre outras coisas, da forma co-
roncalli@ufrnet.br de caráter mais trágico e dantesco, este qua- mo é estabelecida a relação entre o Estado e a
dro, certamente, não surgiu da noite para o sociedade. A ação do Estado no sentido de
dia, nem é resultado de ações realizadas em proporcionar qualidade de vida aos cidadãos é
curto prazo. Tampouco sua resolução tem feita por intermédio das Políticas Públicas e,
possibilidades imediatas de serem concretiza- dentre as políticas voltadas para a proteção
RONCALLI, A.G. O desenvolvimento das políticas públicas de saúde no Brasil e a construção do Sistema Único das. A reforma de um sistema de saúde nos social, estão as Políticas de Saúde.
de Saúde. In: Antonio Carlos Pereira (Org.). Odontologia em Saúde Coletiva: planejando ações e promo- moldes em que foi pensado o SUS e conside- O Estado, entendido como a expressão
vendo saúde. Porto Alegre: ARTMED, 2003. Cap. 2. p. 28-49. ISBN: 853630166X. rando a conjuntura econômica mundial e bra- maior da organização política de uma socie-
sileira atual é um processo lento e, a despeito dade, surge como um aperfeiçoamento das
de estar claro que poderíamos ter caminhado relações entre os indivíduos de uma dada
mais, os 12 anos que separam o hoje da apro- organização social. Conforme destaca Paim
vação da lei do SUS na Constituição Brasileira (1987):
pode ser considerado pouco tempo para sua
total consolidação. No dizer de Cunha & Cu- (...) o Estado é mais que aparelho repressivo,
nha (1998): ideológico, econômico ou burocrático. (...)
Não se esgota nos seus ramos executivo, le-
É claro que após alguns anos de sua im- gislativo e judiciário, nem nos seus níveis fe-
plantação legal (...), o SUS não é hoje uma deral, estadual e municipal. Expressa, na rea-
novidade. No entanto, apesar do tempo lidade, uma relação de forças sociais em
decorrido e da clareza das definições legais, constante luta pela consecução dos seus ob-
o SUS significa transformação e, por isso, jetivos históricos.
processo político e prático de fazer das i-
déias a realidade concreta. A afirmação le- Desse modo, torna-se importante, antes
gal de um conceito é um passo importante, de detalharmos a forma como o Estado brasi-
mas não é em si uma garantia de mudanças. leiro tem conduzido suas políticas públicas de
Construção é a idéia que melhor sintetiza saúde neste século, discutir brevemente o
o SUS [grifo nosso]. processo de construção das políticas sociais
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nos países capitalistas para, desta forma, en- vir, liberdade de crença ou religião, liberdade a mobilização dos trabalhadores se deu mais as ações de saúde pública e de assistência
tender o contexto brasileiro. de imprensa e da propriedade, tem sua ver- num plano corporativista. médica.
Os sistemas de proteção social, decorrentes tente institucional nos tribunais de justiça. O Desta forma, o modelo de atenção à saúde Com relação ao primeiro aspecto, as pri-
de um princípio de justiça, compõem um con- elemento político garante a participação na vida americano é quase que totalmente centrado meiras preocupações do Estado brasileiro, de
junto de políticas públicas de natureza social. política, expressa, fundamentalmente, na liber- na prática liberal e no seguro-saúde privado, economia eminentemente agro-exportadora,
Suas principais funções são: prover proteção dade de votar e de ser votado, tendo, como sendo que a assistência pública fica restrita à era com os “espaços de circulação de merca-
para todos os membros da comunidade na- principal instituição, o parlamento e os con- população marginalizada, como os grupos po- dorias” e daí tem-se, como resultante, ações
cional; realizar objetivos não necessariamente selhos. Sobre o elemento social, prossegue pulacionais de mais baixa renda. dirigidas ao saneanento dos portos, particu-
econômicos e diretamente econômicos, como Marshall (Teixeira, 1987): No caso brasileiro, não há, claramente, o larmente o de Santos e o do Rio de Janeiro.
programas de renda mínima, e promover polí- estabelecimento de algum tipo de política Era importante, ademais, que fosse fomentada
ticas redistributivas (Carvalho & Goulart, (...) se refere a tudo o que vai desde o direito social que se aproxime do Estado de Bem- a política de imigração, a qual abastecia de
1998). a um mínimo de bem-estar econômico e se- Estar. Para Draibe, citada por Zanetti (1993), mão-de-obra a cultura cafeeira e, como con-
Na tradicional classificação feita por Tit- gurança ao direito de participar, por com- até o final da década de 1980, as políticas soci- seqüência disso, já em 1902 o então presi-
mus, em 1983 (Ortiz et al., 1996; Carvalho & pleto, na herança social e levar a vida de um ais brasileiras poderiam ser qualificadas apenas dente Rodrigues Alves lança o programa de
Goulart, 1998), são descritos três modelos de ser civilizado de acordo com os padrões que como residuais e meritocrático-corporativas. saneamento do Rio de Janeiro e o combate à
política social para os países capitalistas. O prevalecem na sociedade. As instituições No primeiro caso, pelo fato de não abrange- febre amarela urbana em São Paulo (Tomazi,
modelo residual parte do princípio que a família mais intimamente ligadas com ele são o sis- rem toda a comunidade nacional como objeto 1986; Luz, 1991).
e o mercado são as formas básicas para a so- tema educacional e os serviços sociais. de proteção social e, no segundo, pelo fato No que diz respeito às ações de assistên-
lução das demandas por sobrevivência. Apenas dos direitos sociais ficarem restritos a uma cia, o surgimento de um modelo de prestação
nos casos em que estas duas instituições não Cada um dos elementos seguiu um per- vinculação ao sistema previdenciário, de uma de serviços de assistência médica esteve con-
derem conta destes objetivos, os mecanismos curso histórico distinto e, no caso específico maneira tal que o exercício da cidadania era dicionado ao amadurecimento do sistema
de proteção social teriam alguma atuação de do welfare inglês, a conquista e o exercício dos determinado pela participação em alguma previdenciário brasileiro, que teve, como suas
forma temporária. É um tipo de intervenção direitos relativos a um elemento gerava certas categoria trabalhadora reconhecida por lei e práticas fundantes, as Caixas de Aposentado-
de caráter temporalmente limitado e caracte- contradições que só seriam superadas pela que contribuísse para a previdência. A cidada- rias e Pensões (CAPs). No mesmo ano de
rística do modelo liberal clássico, cujo melhor conquista e desenvolvimento do elemento nia, neste caso não se consolidou no sentido surgimento das Caixas, 1923, é promulgada a
exemplo são os Estados Unidos da América subseqüente (Teixeira, 1987). de uma cidadania plena, mas de uma cidadania Lei Eloy Chaves, considerada por muitos auto-
(EUA). No modelo meritocrático-particularista, Após a segunda guerra mundial, com a regulada. res como o marco do início da Previdência
ou somente meritocrático, a política social queda dos regimes fascistas, as concepções Para Zanetti (1993), o processo tardio de Social no Brasil (Tomazi, 1986; Luz, 1991;
intervém somente para corrigir as ações do econômicas, de cunho keynesiano*, geram constituição do Sistema Nacional de Saúde Mendes, 1993; Oliveira & Souza, 1997; Cunha
mercado. Este modelo subordina a política uma mudança no conceito de seguro social, Brasileiro não o caracterizaria como compo- & Cunha, 1998). As CAPs eram organizadas
social a uma racionalidade econômica, imagi- baseado na contribuição de categorias de tra- nente de um Estado de Bem -Estar. Para este por empresas e administradas e financiadas
nando os indivíduos como potencialmente balhadores, para o conceito de seguridade autor, os sistemas de proteção social desen- por empresários e trabalhadores e eram res-
aptos a resolverem seus problemas a partir de social, o que significa “o compromisso, pelo volvidos no Brasil tiveram uma peculiaridade ponsáveis por benefícios pecuniários e servi-
sua relação direta com o mercado. O Estado Estado, de um nível mínimo de bem-estar para estabelecida por um processo específico de ços de saúde para alguns empregados de em-
atuaria, nestes casos somente em grupos po- todos os cidadãos” (Andreazzi, 1991). industrialização o qual gerou demandas por presas específicas, em sua maioria de impor-
pulacionais mais carentes, como pobres e O modelo de welfare europeu representou, novos mecanismos de proteção. Estes meca- tância estratégica. Entre 1923 e 1930 foram
velhos. Boa parte das democracias européias de certo modo, uma tentativa de superação nismos tiveram uma lógica de implantação criadas mais de 40 CAPs cobrindo mais de
se enquadra nesta classificação. Já o modelo dos conflitos entre capital e trabalho, consti- apenas condizente “com uma conjuntura eco- 140 mil beneficiários (Mendes, 1993). No pe-
institucional-redistributivo pressupõe uma ação tuindo-se numa opção negociada para a crise, nômica bem específica: a da escassez orça- ríodo das CAPs, pelo menos até 1930, a assis-
do Estado no sentido de garantir bens e servi- tendo em vista o crescimento dos movimen- mentária e das limitações políticas”. tência médica era colocada como prerrogativa
ços a todos os cidadãos. Este modelo de pro- tos de esquerda e das organizações da classe Desse modo, a noção de cidadania regu- fundamental deste embrionário sistema previ-
teção social, de caráter universalizante e que operária no pós-guerra e a consolidação da lada deu o tom para o estabelecimento das denciário e foi bastante desenvolvida a estru-
aproxima a idéia de direito social do conceito revolução socialista na União Soviética. políticas sociais no Brasil e, dentre estas, das turação de uma rede própria (Mendes, 1993;
de cidadania, é o que ficou conhecido como Um comportamento diferente se configu- políticas de saúde. Cunha & Cunha, 1998).
welfare state (estado de bem-estar social). O rou nos Estados Unidos, onde o Estado sem- A partir de 1930 uma nova forma de orga-
maior representante deste modelo é o Reino pre se caracterizou por uma vertente liberal e O surgimento da Previdência Social nização previdenciária surge através dos IAPs
Unido e também os países escandinavos. como prática de assistência à saúde por (Institutos de Aposentadorias e Pensões),
A questão principal, que perpassa a lógica parte do Estado desta vez organizados por categoria profissio-
do Estado de Bem-Estar é a consolidação dos * Segundo os princípios keynesianos, propostos pelo nal e com uma maior participação do compo-
economista americano John Maynard Keynes (1883- A atuação do Estado brasileiro na tentativa de
direitos sociais. De acordo com Marshall ci- resolução dos problemas de saúde da popula- nente estatal. São fundados os institutos dos
1946) na década de 1930, "era possível reverter o im-
tado por Teixeira (1987), a partir da evolução pacto da tendência histórica do capitalismo de ciclos de ção teve, desde o seu surgimento no início do marítimos (IAPM), dos comerciários (IAPC),
histórica da conformação dos direitos do ci- expansão e depressão, através de medidas que garantis- século até os anos 1980, duas características dos bancários (IAPB) e dos industriários (IAPI)
dadão, no caso inglês, a cidadania pode ser sem o consumo da massa assalariada, mantendo assim, a
básicas: uma estreita relação entre o estabele- entre outros. Nesta fase, há uma maior con-
composta por três elementos, o civil, o político produção" (Andreazzi, 1991). As idéias de Keynes fo- tenção de gastos, tendo a previdência atraves-
ram precursoras da criação dos Estados de Bem-Estar cimento das políticas de saúde e o modelo
e o social. O elemento civil, composto dos econômico vigente e uma clara distinção entre sado um período de acumulação crescente,
Social (welfare state) na Europa pós-guerra (Laurell,
direitos à liberdade individual, ou seja, de ir e 1995). tornando a assistência um item secundário
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dentro dos Institutos. Os superávits dos Insti- dentro da cadeia produtiva emergente (Men- do (conveniado ou credenciado). Já na metade compra de serviços do setor privado, justifi-
tutos formam um patrimônio considerável a des, 1993; Oliveira & Souza, 1997). da década de 1970, é criado o Sistema Nacio- cada na época por ser tecnicamente mais viá-
ponto da Previdência participar nos investi- No Quadro 2.1 encontram-se resumidas as nal de Previdência e Assistência Social vel, mas que se tratava, em síntese de “uma
mentos de interesse do governo (Mendes, principais fases das políticas de saúde no Brasil (SINPAS), do qual fazia parte o INAMPS (Insti- perversa conjugação entre estatismo e priva-
1993; Cunha & Cunha, 1998). até o início dos anos 1960 (Cunha & Cunha, tuto Nacional de Assistência Médica da Previ- tismo” (Carvalho & Goulart, 1998).
No que concerne à saúde pública, esta fase 1998). A partir desta década, particularmente dência Social) que mantém a estratégia de
corresponde ao auge do sanitarismo campa- com o advento do regime militar, consolida-se
nhista, característica marcante da ação pública o modelo dicotômico de assistência e ações
QUADRO 2.1 Fases do estabelecimento das políticas de saúde no Brasil desde a década de 1920 até a década de 1960
governamental do início do século, com a cri- de saúde pública e a previdência se estabelece
O período 1923/30: o nascimento da Previdência Social no Brasil
ação do Serviço Nacional de Febre Amarela, o como uma corporificação da cidadania regula-
Marco legal e político Previdência Assistência a Saúde Saúde Coletiva
Serviço de Malária do Nordeste e o da Bai- da.
xada Fluminense. Em 1942 é criado o Serviço • Nascimento da legislação • CAPs - organizadas por • Assistência médica como • Sanitarismo Campanhista
trabalhista empresas, de natureza ci- atribuição das CAPs atra- • Departamento Nacional
Especial de Saúde Pública (SESP), responsável As políticas sociais dentro do regime • Lei Eloy Chaves (1923) vil e privada, financiadas e vés de serviços próprios de Saúde Pública
por ações sanitárias em regiões afastadas do autoritário e o surgimento do mo- gerenciadas por empre-
• Reforma Carlos Chagas
País, mas com interesse estratégico para a gados e empregadores
vimento sanitário O período 1930/45: as propostas de contenção de gastos e o surgimento das ações centralizadas de saúde pública
economia, como a região de produção de
Marco legal e político Previdência Assistência a Saúde Saúde Coletiva
borracha na Amazônia (Cunha & Cunha, O regime autoritário, instaurado após o golpe
1998). • Criação do Ministério do • IAPs organizados por • Corte nas despesas mé- • Auge do Sanitarismo
militar de 1964, trouxe, como conseqüência Trabalho categorias profissionais, dicas, passando os servi- Campanhista
Não por acaso, o surgimento dos IAPs co- imediata para as políticas de saúde no Brasil, • CLT com dependência do go- ços da saúde à categoria • Serviço Nacional de Fe-
incide com uma nova fase da política brasileira, um total esvaziamento da participação da so- verno federal de concessão do sistema bre Amarela
estabelecida com a revolução de 1930. Com a ciedade nos rumos da previdência. De outro • Serviço de Malária do-
ascensão de Getúlio Vargas e a queda das lado, também provocou uma centralização
Nordeste
oligarquias do poder, tem-se início uma ampla • SESP (1942)
crescente da autoridade decisória, marcada
reforma administrativa e política culminada O período 1945/66: a crise do regime de capitalização e o nascimento do sanitarismo desenvolvimentista
pela criação do Instituto Nacional de Previ-
com a nova Constituição de 1934 e a ditadura Marco legal e político Previdência Assistência a Saúde Saúde Coletiva
dência Social (INPS), resultado da fusão dos
imposta por Vargas com o Estado Novo em • Constituição de 1946 • Crescimento dos gastos e • Crescimento dos servi- • Sanitarismo desenvolvi-
vários IAPs, em 1966 (Oliveira & Teixeira, esgotamento das reservas ços próprios da Previ- mentista
1937. Trata-se de uma fase de profunda cen- • LOPS (1960)
1985, Mendes, 1993). • Estatuto do Trabalhador • Incorporação da assistên- dência • Departamento Nacional
tralização e conseqüentemente uma maior As políticas de saúde do primeiro período Rural cia sanitária à Previdência • Aumento de gastos com de Endemias Rurais -
participação estatal nas políticas públicas que, da ditadura, que compreendeu a fase do “mi- • Golpe de 1964 • Uniformização dos direi- a assistência médica DNRU (1956)
em razão da característica do governo ditato- lagre brasileiro”, entre 1968 e 1974 foram • INPS (1966)
tos dos segurados • Convivência com os ser-
rial, se corporificaram em medidas essencial- viços privados, em ex-
caracterizadas por uma síntese, produto de pansão no período
mente populistas (Bertolli Filho, 1998). reorganizações setoriais do sanitarismo cam- Fonte: Cunha & Cunha (1998)
Assim, nesta fase do governo populista de panhista do início do século e do modelo de
Getúlio Vargas, marcado por crises que resul- atenção médica previdenciária do período
taram em movimentos da classe trabalhadora, populista (Luz, 1991). Este modelo excludente provocou, então, uma saúde coletiva por mudanças no modelo se
diversas outras medidas, dentro das políticas A partir de então foi criada uma estrutura capitalização crescente do setor privado, no amplia. Com o crescimento da insatisfação
sociais, foram tomadas no sentido “mais de considerável em torno da Previdência Social, entanto, a precariedade do sistema, não só da popular, personificada, politicamente, na vitó-
cooptar as categorias de trabalhadores que, a com uma clara vinculação aos interesses do área da saúde, mas em toda a área social, pro- ria da oposição em eleições parlamentares,
cada dia, avançavam em sua organização, e capital nacional e internacional. Neste sentido, vocava insatisfação cada vez maior, compro- este movimento, que ficou conhecido como
menos de responder aos problemas estrutu- o Estado passa a ser o grande gerenciador do metendo a legitimidade do regime. Os indica- Movimento pela Reforma Sanitária, se amplia
rais da vida daqueles trabalhadores” (Oliveira sistema de seguro social, na medida em que dores de saúde da época, entre eles o Coefi- mais ainda com a incorporação de lideranças
& Souza, 1997). Foi criado, nesta ocasião, o aumentou o seu poder nas frentes econômica ciente de Mortalidade Infantil, pioravam assus- políticas sindicais e populares e também de
Ministério do Trabalho e foram estabelecidas e política, pelo aumento nas alíquotas e tam- tadoramente, mesmo em grandes cidades, parlamentares interessados na causa.
diversas medidas para a regulação da atividade bém no controle governamental através da como São Paulo e Belo Horizonte. Intensifi- Um dos marcos deste movimento ocorreu
sindical, entre outras estratégias de manuten- extinção da participação dos usuários na ges- cam-se movimentos sociais e as pressões de em 1979, durante o I Simpósio Nacional de
ção da legitimidade. tão do sistema, antes permitida na vigência das organismos internacionais, de modo que, já no Política de Saúde, conduzido pela comissão de
Um aspecto importante deste período é a CAPs e dos IAPs (Oliveira & Teixeira, 1985; governo Geisel, entre 1974 e 1979, há uma Saúde da Câmara dos Deputados. Já neste
mudança no modelo econômico e, conseqüen- Mendes, 1993). preocupação maior em minimizar os efeitos momento foi discutida uma proposta de reor-
temente, altera-se o foco de atuação da assis- A lógica da prestação de assistência à saúde das políticas excludentes através de uma ex- ganização do sistema de saúde colocada pelo
tência. Com a tendência de declínio da cultura pelo INPS privilegiava a compra de serviços às pansão na cobertura dos serviços (Luz, 1991; Centro Brasileiro de Estudos de Saúde
cafeeira e a mudança de um modelo agro- grandes corporações médicas privadas, nota- Mendes, 1993). (CEBES), o representante legítimo do movi-
exportador para um de característica industri- damente hospitais e multinacionais fabricantes No bojo das lutas por políticas mais uni- mento sanitário. Nesta proposta, já há men-
al incipiente e tardio, a necessidade de sanea- de medicamentos. Estabelece-se, então, o versalistas e do processo de abertura política ção a um Sistema Único de Saúde, de caráter
mento dos espaços de circulação de mercado- “complexo previdenciário médico-industrial” em fins dos anos 1970, o movimento dos pro- universal e descentralizado (Teixeira, 1989;
rias é deslocada para a manutenção do corpo composto pelo sistema próprio e o contrata- fissionais de saúde e de intelectuais da área de Werneck, 1998)
do trabalhador, a esta altura mais importante
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As pressões populares e do movimento no ano seguinte. O Relatório da Conferência, ão, dos Estados, do Distrito Federal e dos Mu- Descentralização e
sanitário, embora inicialmente ignoradas pelo entre outras propostas, destaca o conceito nicípios, além de outras fontes. Comando Único
Participação
governo, geram algumas mudanças significati- ampliado de saúde, a qual é colocada como Popular
vas no sistema, em particular no campo da direito de todos e dever do Estado (Confe- Estava criado o Sistema Único de Saúde, Universalidade
extensão de cobertura e da atenção primária, rência Nacional de Saúde, 1986): inserido numa proposta de seguridade social e Eqüidade
resultado das repercussões da Conferência sintetizando uma política social universalista Integralidade
Internacional de Saúde de Alma-Ata em 1978, Em seu sentido mais abrangente, a saúde é a que, “resultante de um desenho da Reforma
quando a denúncia do quadro de saúde brasi- resultante das condições de alimentação, habi- Sanitária, rompeu e transformou, para melhor,
leiro foi colocada e estimuladas as práticas de tação, educação, renda, meio ambiente, traba- o padrão de intervenção estatal no campo Regionalização e
Hierarquização
lho, transporte, emprego, lazer, liberdade, aces- social moldado na década de 30” (Carvalho &
cuidados básicos de saúde (Werneck, 1998).
so e posse da terra e acesso a serviços de saú- Goulart, 1998).
Em 1981 o Plano CONASP (Conselho Con- de. É assim, antes de tudo, o resultado das FIGURA 2.1 Princípios doutrinários e organizativos do
sultivo de Administração da Saúde Previdenci- formas de organização social da produção, as Sistema Único de Saúde.
ária) incorpora algumas propostas da Reforma quais podem gerar grandes desigualdades nos
Sanitária, como as Ações Integradas de Saúde níveis de vida. (...) A saúde não é um conceito A REGULAMENTAÇÃO DO SISTEMA A universalidade da atenção
(AIS), certamente uma das primeiras experi- abstrato. Define-se no contexto histórico de ÚNICO DE SAÚDE E SUAS
PERSPECTIVAS FUTURAS A idéia de universalidade, ou seja a saúde co-
ências com um sistema mais integrado e arti- determinada sociedade e num dado momento
culado. do seu desenvolvimento, devendo ser con- mo um direito de cidadania, foi, certamente, o
quistada pela população em suas lutas cotidia- Muitos artigos da Constituição, não só o da que melhor representou o sepultamento do
Por outro lado, além dos movimentos po-
nas” [grifo nosso]. saúde, previam regulamentação, a ser realizada modelo excludente anterior em que somente
pulares internos pela democratização e por
idealmente logo em seguida, no prazo de 180 os contribuintes da previdência social tinham
uma política sanitária de caráter mais universa-
Com a incorporação de boa parte de suas dias. A conjuntura política pós-constituinte, de direito à assistência à saúde. A cidadania, antes
lista e do panorama mundial apontar para a
propostas pela Assembléia Constituinte na surgimento de um projeto conservador neoli- regulada, passa a se aproximar mais do princí-
concretização de novas alternativas para os
elaboração da nova Carta Magna, a Reforma beral com a eleição de Fernando Collor de pio de cidadania plena e, pelo menos com
sistemas de saúde centradas na Atenção Pri-
Sanitária brasileira concretiza suas ações no Mello para a presidência da república, provoca relação à saúde, todos os indivíduos passaram
mária, institucionalmente, muitos avanços
plano jurídico-institucional. A que ficou co- um atraso considerável na regulamentação do a ter esse direito, garantido pelo Estado. O
foram conseguidos a partir da atuação de
nhecida como Constituição-Cidadã (embora capítulo da saúde. Em agosto de 1990, o Con- conceito de universalidade é uma conseqüên-
componentes do movimento sanitário dentro
acusada de tornar o país “ingovernável” por gresso Nacional aprova a primeira versão da cia direta de uma discussão mais ampla sobre
da estrutura do governo.
alguns setores), incluiu, no capítulo da seguri- Lei Orgânica da Saúde, a Lei 8.080, a qual é o direito à saúde. Importante ressaltar que
A metade dos anos 1980 é marcada por
dade social, a saúde como direito de todos e profundamente mutilada pelos vetos presiden- direito à saúde não significa, necessariamente,
uma profunda crise de caráter político, social
dever do Estado e moldou as diretrizes do ciais, particularmente nos itens relativos ao direito à assistência à saúde; em verdade a
e econômico. A previdência, ao fim de sua fase
Sistema Único de Saúde, o SUS. Diz a Consti- financiamento e ao controle social (Lei Orgâ- última está incluída na primeira, conforme nos
de capitalização e com problemas de caixa
tuição, no Título VIII (Da Ordem Social), Capí- nica da Saúde, 1990; Merhy, 1990). Resultado alerta Paim (1987):
oriundos de uma política que estimulava a
tulo II (Da Seguridade Social), Seção II (Da Saú- de negociações, uma nova lei, a 8.142 de de-
corrupção e o desvio de verbas se apresenta-
de), artigo 196 (Brasil, 1988a): zembro do mesmo ano, recupera alguns vetos A idéia do direito à saúde [é resgatada] como
va sem capacidade para dar conta das deman-
e, hoje, o que conhecemos como a Lei Orgâ- noção básica para a formulação de políticas. Es-
das criadas. Na outra ponta, o regime autori- A saúde é direito de todos e dever do Estado, nica da Saúde (LOS) é formada pelo conjunto ta se justifica na medida em que não se confun-
tário teria que buscar formas de legitimação garantido mediante políticas sociais e econômi- das leis 8.080 e 8.142 (Brasil, 1990a,b). da o direito à saúde com o direito aos serviços
diante da insatisfação popular. cas que visem à redução do risco de doença e de saúde ou mesmo com o direito à assistência
O Sistema Único de Saúde, garantido pela
Na esteira destes acontecimentos, cresce o de outros agravos e ao acesso universal e igua- médica. (...) O perfil de saúde de uma coletivi-
Constituição e regulado pela LOS, prevê um
Movimento Sanitário brasileiro, que teve, co- litário às ações e serviços para sua promoção, dade depende de condições vinculadas à pró-
sistema com princípios doutrinários e organi-
mo ponto alto de sua articulação, a VIII Con- proteção e recuperação. pria estrutura da sociedade, e a manutenção do
zativos. Os princípios doutrinários dizem res-
ferência Nacional de Saúde, em 1986, em Bra- estado de saúde requer a ação articulada de um
Sobre a organização dos serviços, detalha o peito às idéias filosóficas que permeiam a im-
sília. O momento político propício, com o conjunto de políticas sociais mais amplas, relati-
artigo 198 (Brasil, 1988a): plementação do sistema e personificam o con- vas a emprego, salário, previdência, educação,
advento da Nova República, pela eleição indi-
ceito ampliado de saúde e o princípio do direi- alimentação, ambiente, lazer etc.
reta de um presidente não-militar desde 1964,
As ações e serviços públicos de saúde integram to à saúde. Os princípios organizativos orien-
além da perspectiva de uma nova Constitui-
uma rede regionalizada e hierarquizada e cons- tam a forma como o sistema deve funcionar, De todo modo, considerando que o direito
ção, contribuiram para que a VIII Conferência
tituem um sistema único, organizado de acordo tendo, como eixo norteador, os princípios à saúde envolve todo um conjunto de políticas
Nacional de Saúde fosse um marco e, certa-
com as seguintes diretrizes: doutrinários (veja esquema na Figura 2.1). sociais, o eixo da assistência, tendo como base
mente, um divisor de águas dentro do Movi- I. descentralização, com direção única em ca- Faremos a seguir uma breve discussão a res- o SUS, foi o que mais avançou. A inclusão do
mento pela Reforma Sanitária. da esfera de governo; peito destes princípios. direito à saúde na Constituição de 1988 foi
Com uma participação de cerca de cinco II. atendimento integral, com prioridade para
mil pessoas, entre profissionais de saúde, usu- as atividades preventivas, sem prejuízo dos considerada importante pelo fato deste item
ários, técnicos, políticos, lideranças populares serviços assistenciais; ter sido contemplado pela primeira vez na
e sindicais, a VIII Conferência criou a base III. participação da comunidade. história das constituições brasileiras (Dallari,
para as propostas de reestruturação do Sis- Parágrafo único. O sistema único de saúde será 1995; Dodge, 1998).
tema de Saúde brasileiro a serem defendidas financiado, nos termos do art. 195, com recur-
na Assembléia Nacional Constituinte, instalada sos do orçamento da seguridade social, da Uni-
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O princípio da universalidade da atenção, de justo e injusto podem variar, o valores O princípio da integralidade é, pois (Brasil, (...) os serviços devem ser organizados em ní-
pois, incorpora o direito à assistência como universais são “pedras de toque e podem pro- 1990c): veis de complexidade tecnológica crescente,
constructo da cidadania e aponta para um porcionar uma ‘orientação moral’, para as dispostos numa área geográfica delimitada e
modelo que pressupõe uma lógica de seguri- autoridades e os administradores públicos em (...) o reconhecimento na prática dos serviços com a definição da população a ser atendida. Is-
de que: to implica na capacidade dos serviços em ofe-
dade social baseada nos moldes dos Estados geral”.
• cada pessoa é um todo indivisível e inte- recer a uma determinada população todas as
de Bem-Estar. Uma distinção importante é entre eqüidade modalidades de assistência, bem como o acesso
em saúde e eqüidade no uso ou no consumo grante de uma comunidade;
• as ações de promoção, proteção e recupe- a todo tipo de tecnologia disponível, possibili-
A eqüidade de serviços de saúde. É evidente que as desi- tando um ótimo grau de resolubilidade (solução
ração da saúde formam também um todo
gualdades nos modos de adoecer e morrer indivisível e não podem ser compartimenta- de seus problemas).
Como desdobramento da idéia de universali- diferem das desigualdades no acesso aos ser- lizadas; O acesso da população à rede deve se dar atra-
dade, o princípio da eqüidade assegura que a viços. No primeiro caso, a eqüidade em saúde, • as unidades prestadoras de serviço, com vés dos serviços de nível primário de atenção
disponibilidade dos serviços de saúde conside- em verdade seu contraponto - as iniqüidades seus diversos graus de complexidade, for- que devem estar qualificados para atender e re-
re as diferenças entre os diversos grupos de em saúde, refletem desigualdades sociais, as mam também um todo indivisível configu- solver os principais problemas que demandam
indivíduos. Em linhas gerais, eqüidade significa quais possuem determinantes mais complexos. rando um sistema capaz de prestar assistên- os serviços de saúde. Os demais, deverão ser
cia integral. referenciados para os serviços de maior com-
tratar desigualmente os desiguais, ou seja, A despeito da importância de se ter acesso
plexidade tecnológica.
alocando recursos onde as necessidades são igualitário às ações e serviços de saúde, esta
maiores (Cunha & Cunha, 1998; Cordeiro, não é uma condição suficiente para diminuir as Enfim:
O homem é um ser integral, bio-psico-social, e A hierarquização, portanto, tem, como ba-
2001). Na conceituação “oficial” eqüidade desigualdades nos modos de adoecer e mor- se, a concepção da Unidade Básica de Saúde
significa “assegurar ações e serviços de todos rer entre distintos grupos sociais (Travassos, deverá ser atendido com esta visão integral por
um sistema de saúde também integral, voltado (UBS) como “porta de entrada” do sistema.
os níveis de acordo com a complexidade que 1997). Ainda nesta linha, Aday & Andersen Este tipo de organização teve, segundo Botaz-
a promover, proteger e recuperar sua saúde.
cada caso requeira, more o cidadão onde mo- (1981) destacam que o direito à assistência à
zo (1999), um maior impulso a partir de 1983
rar, sem privilégios e sem barreiras” (Brasil, saúde implica acesso a serviços de saúde, o Desse modo, a idéia de integralidade pres- com as AIS, embora experiências anteriores e
1990c). A eqüidade acaba funcionando como qual pode ou não significar melhoria nas con- supõe uma nova prática de saúde que supere a localizadas da década de 1970 já preconizas-
um “filtro” da universalidade, a qual possui dições de saúde. Requena (1997) reforça ainda lógica flexneriana* imbuída no ato médico e na sem, também, a inclusão da assistência médica
uma conceituação mais abrangente, ou seja é que a eqüidade no nível de saúde da popula- organização dos serviços. A integralidade tam- na rede básica. Para a maior parte dos pesqui-
possível um discurso universalista mesmo na ção é, além de um objetivo essencial da políti- bém necessita de uma articulação entre a área sadores da área de saúde coletiva, a rede bási-
existência de modelos desiguais do ponto de ca de saúde, um indicador importante do im- da saúde e de outras políticas sociais de modo ca responderia pela resolução de 80% dos
vista do acesso aos serviços. pacto da intervenção social na saúde. De uma a “assegurar uma atuação intersetorial entre problemas a ela demandados, sendo o restan-
É importante, contudo, estabelecer algu- maneira geral, portanto, considerando a políti- as diferentes áreas que tenham repercussão na te referido ao sistema de atenção secundária e
mas distinções com relação ao conceito de ca assistencial proposta pelo SUS, garantir saúde e na qualidade de vida dos indivíduos.” terciária (Campos, 1997a; Botazzo, 1999).
eqüidade. O primeiro diz respeito à diferença acesso universal e eqüitativo é apenas uma das (Cunha & Cunha, 1998). O princípio da regionalização estabelece
entre eqüidade e igualdade. Pelo exposto an- estratégias redistributivas contempladas em sua operacionalização a partir de uma lógica
teriormente, se tem claro que a eqüidade é uma política de proteção social.
organizativa centrada nos distritos sanitários.
um princípio de justiça social, considerando De todo modo, um conceito único e con- A regionalização e a hierarquização A concepção de distrito sanitário surgiu no
que as injustiças sociais são o reflexo da estra- sensual de eqüidade não existe sem conside-
Brasil por inspiração das recomendações da
tificação da sociedade, cuja característica é o rar uma dada sociedade e um dado momento Uma consequência imediata do princípio da Organização Pan-americana de Saúde, em
fato dos indivíduos, inseridos em relações histórico, pois, conforme nos lembra Requena integralidade na organização da assistência é a 1988, de organização dos sistemas de assis-
sociais, terem chances diferenciadas de reali- (1997), o conceito de eqüidade guarda depen- estruturação de diferentes níveis de comple- tência à saúde a partir dos Sistemas Locais de
zar seus interesses materiais (Wright, 1989, dência com o momento de desenvolvimento xidade, compondo uma rede hierarquizada. Saúde (SILOS) (Mendes, 1993). De acordo
citado por Travassos, 1997). Ainda sob o pen- em que vive a política de saúde de um deter- Daí, dentre os princípios organizativos do SUS com o parágrafo 2o do Artigo 10 da Lei 8.080,
samento de Travassos (1997), temos que: minado país. É, portanto um “conceito que está o da regionalização e hierarquização que, “no nível municipal, o Sistema Único de Saúde
tem historicidade”. Dessa maneira, as políticas do ponto de vista operacional, tornam reali- (SUS), poderá organizar-se em distritos de
Tal estratificação tem como base relações soci- de saúde que têm como base a eqüidade exi-
ais que determinam os processos por meio dos dade os princípios doutrinários. Segundo o forma a integrar e articular recursos, técnicas
gem que seja definido este conceito. No caso Ministério da Saúde (Brasil, 1990c), os princí- e práticas voltadas para a cobertura total das
quais as pessoas obtêm acesso desigual aos re- brasileiro, eqüidade foi definida como igualda-
cursos materiais e aos produtos sociais que re- pios da regionalização e hierarquização são ações de saúde.” (Brasil, 1990c).
de no acesso, como nos deixou claro a leitura definidos como a lógica em que: Os distritos não devem ser entendidos
sultam do uso desses recursos.
do artigo 196 que fala em “acesso universal e
como meras divisões territoriais das áreas de
Para Kadt & Tasca (1993), a idéia de justiça igualitário”. atuação dos serviços de saúde, mas como uma
social como base para o conceito de eqüidade perspectiva concreta de mudança nas práticas
A integralidade da atenção
é importante tendo em vista que a justiça *
Para Mendes, o paradigma flexneriano surgiu a partir do de saúde sendo, portanto, revestida de caráter
social é um conceito de valor universalmente Relatório Flexner, de 1910, o qual se tornou hegemô- político, ideológico e técnico. Na dimensão
O terceiro princípio doutrinário do SUS é o nico no ensino e na prática médicas desde então. Seus
aplicável, relacionado aos Direitos Universais política, o distrito sanitário se comporta como
da integralidade. Este princípio deve ser en- elementos estruturais são o mecanicismo, o biologi-
do Homem. Mesmo considerando a relativi- cismo, o individualismo, a especialização, a exclusão de
um microespaço de luta política entre atores
tendido como relativo à prática de saúde,
dade do termo, ou seja, a depender da socie- práticas alternativas, a tecnificação do ato médico, a sociais portadores de diferentes projetos e,
interpretada como o ato médico individual, e
dade e do momento histórico, os conceitos ênfase na medicina curativa e a concentração de recur- principalmente, funciona como ferramenta de
também com relação ao modelo assistencial. sos. (Mendes, 1984).
Odontologia em Saúde Coletiva 37 38 Antonio Carlos Pereira & Colaboradores

transformação do sistema de saúde. Do ponto instâncias de participação popular de caráter são usuários do SUS, ficando para as camadas zação, mas não propriamente uma privatização
de vista ideológico, o distrito incorpora novos deliberativo sobre os rumos das políticas de mais pobres e menos articuladas o interesse e o exemplo mais presente são as Organiza-
paradigmas de atenção e de visão do processo saúde nas três esferas de governo. Os Conse- em influir no processo de decisão política ções Sociais.
saúde-doença, implicando em uma perspectiva lhos não são a única forma de controle das sobre os serviços públicos de saúde. Finalmente, a privatização consiste na
de mudança cultural. ações do SUS, existindo ainda as Comissões transferência de instituições estatais para a
Finalmente, o distrito sanitário incorpora Intergestores, os Tribunais de Contas e o A descentralização iniciativa privada, sob o domínio das regras do
uma dimensão técnica que exige a utilização próprio Ministério Público. Contudo, sua mercado. Trata-se, literalmente, da venda do
de conhecimentos e tecnologias para sua im- grande peculiaridade é a sua formação mista, Um outro princípio organizativo do SUS é o patrimônio público. Em escala mundial e tam-
plantação, as quais devem estar em consonân- em que há a presença do Estado e da socieda- da descentralização, que é entendida como bém com exemplos no Brasil, as maiores inici-
cia com as posturas políticas e ideológicas nas de, com ampla participação da comunidade na uma redistribuição das responsabilidades ativas de privatização ocorrem na área de
quais se apóia. Assim, a visão topográfico- decisão dos rumos da política de saúde em quanto às ações e serviços de saúde entre os siderurgia, transportes aéreos, telecomunica-
burocrática do distrito deve ser superada, no nível local (Ramos, 1996). vários níveis de governo (Brasil, 1990c; Cor- ções etc. (Mendes, 1998).
sentido de entendê-lo como um território- A introdução do controle social - entendi- deiro, 2001). A descentralização parte do No Brasil, de uma forma ou de outra, as
processo (Mendes, 1993). da como uma conquista no plano jurídico- princípio de que a realidade local é a determi- quatro modalidades de descentralização ocor-
Deste modo, a idéia de território como u- institucional -, particularmente a partir dos nante principal para o estabelecimento de rem, contudo a forma mais comum é descen-
nidade de trabalho introduz uma atomização Conselhos, sempre foi vista, de uma maneira políticas de saúde. Desta forma, a estratégia tralização política, explicitada nas experiências
do sistema que, antes de incorporar uma ca- geral, com muito ceticismo, e o argumento de fundamental do processo de descentralização de municipalização da saúde. O processo de
racterística reducionista, contribui para a or- boa parte dos profissionais da saúde coletiva é a municipalização da assistência à saúde. descentralização, além de contribuir para uma
ganização de um sistema com maiores pers- era que a população brasileira não teria Dentre as tipologias classificatórias da des- organização mais racional do sistema, dinamiza
pectivas de proporcionar uma atenção mais “consciência política” e os Conselhos não centralização, Rondinelli et al., citados por o controle social na medida em que aproxima
resolutiva e equânime. sairiam do papel ou seriam, pior ainda, cenário Mendes (1998) estabelecem quatro graus ou as decisões da população alvo. O caso brasilei-
de práticas clientelistas. De fato, esta é uma formas de descentralização: desconcentração, ro, tendo em conta sua extensão territorial e
realidade ainda muito presente em muitos devolução, delegação e privatização. A des- seus contrastes flagrantes, é expressão da
O controle social locais, em função da, ainda, incipiente prática concentração consiste em delegar responsabi- necessidade de um processo descentralizador.
política por parte da sociedade. lidades a níveis hierarquicamente inferiores
O controle social, outro dos princípios fun- Mesmo considerando a dificuldade de se sem, contudo, delegar poder. Pode ser consi- A normatização do sistema através da
dantes do SUS, foi, sem dúvida, a corporifica- criar canais participatórios nos países em de- derada como descentralização administrativa. Normas Operacionais Básicas (NOBs)
ção do processo de redemocratização brasi- senvolvimento em função das características Tem a vantagem de manter a integridade ver-
leira dentro das políticas públicas. A participa- de suas instituições políticas, a experiência tical mas, ao não transferir poder, dificulta a A lógica organizativa e doutrinária do Sistema
ção popular foi um dos princípios constitucio- brasileira com os Conselhos de Saúde tem responsabilização local e, em conseqüência, a Único de Saúde, portanto, aponta para um
nais mais combatidos após a aprovação da mostrado que é possível romper com esta intersetorialidade e a participação. Apesar de modelo de assistência à saúde em que sua
Carta Magna, uma vez que os artigos relativos lógica. Segundo Cortes (1998), alguns estudos ser a forma menos efetiva, é a modalidade de pedra de toque é o resgate da cidadania. Os
ao seu detalhamento na Lei 8.080 (artigos 11 e realizados sobre a atuação dos Conselhos descentralização mais utilizada, estando entre preceitos constitucionais e a regulamentação
42) foram todos vetados pela presidência da indicam que, em alguns casos e em determina- os seus exemplos, a criação de unidades regi- pela Lei Orgânica ainda precisavam de um
república. A justificativa do veto era que, de das conjunturas, os Conselhos Municipais de onais de determinados ministérios ou secreta- detalhamento maior no sentido de tornar
acordo com preceitos constitucionais, “são de Saúde têm participado do processo decisório rias. clara a forma de operacionalizar o sistema.
iniciativa privada do Presidente da República em nível local, com participação efetiva dos A devolução, que pode ser também cha- Desse modo, objetivando este detalhamento
as leis que disponham sobre a criação, estru- usuários. Ainda de acordo com a autora, al- mada de descentralização política, é feita pela foram implementadas, a partir de 1991, as
turação e atribuições dos Ministérios e órgãos guns determinantes podem ser apontados transferência de poder decisório e, portanto, Normas Operacionais Básicas (NOBs), que,
da administração pública” (Lei Orgânica da para esta participação, entre eles as mudanças político, de uma instituição governamental em tese, “refletem a intenção do Estado em
Saúde, 1990). Como destacamos anteriormen- recentes na estrutura institucional do sistema para outra de menor nível hierárquico. Con- cumprir a Constituição” (Romano, 1998).
te, a Lei 8.142 de dezembro de 1990 resgata brasileiro de saúde e a organização dos movi- trariamente à anterior, dificulta a integração A primeira norma operacional (NOB
os artigos que regulamentam o controle soci- mentos popular e sindical da cidade. vertical, mas aumenta a responsabilidade e a 01/91) foi editada ainda no âmbito do INAMPS
al, estabelecendo que (Brasil, 1990b): De todo modo, ainda existem muitas limi- participação. Exemplos de devolução são os e instituiu o pagamento por produção, ou seja,
tações para uma efetiva participação dos usuá- processos de estadualização e municipalização de acordo com os procedimentos realizados
O Sistema Único de Saúde (SUS), de que trata rios no controle do sistema de saúde, particu- de algumas políticas ou funções dos governos no município, era feito o repasse da verba
a Lei no 8.080, de 19 de setembro de 1990, larmente sua dependência do avanço das mo- federais. para cobrir as despesas. A NOB 01/91 foi
contará, em cada esfera de governo, sem preju- dalidades de gestão. Ou seja, enquanto o ge- Na delegação, é estabelecida uma relação considerada por muitos como um retrocesso
ízo das funções do Poder Legislativo, com as renciamento dos serviços de saúde nas cida- entre Estado e sociedade civil e, neste caso a na política de descentralização e no processo
seguintes instâncias colegiadas: des não estiver sob o controle municipal, o transferência de responsabilidades se dá entre de financiamento pois, além de não ter avan-
I - a Conferência de Saúde; e poder de decisão política dos Conselhos, den- o Estado e organizações não-governamentais çado nas propostas da Lei Orgânica de repas-
II - o Conselho de Saúde.
tro do processo decisório geral do setor, que continuam com regulação e financiamento se com base em critérios populacionais e epi-
tenderá a ser limitado (Cortes, 1998). Um estatais. É o que se chama atualmente de pu- demiológicos, transformou, através do paga-
Os Conselhos de Saúde, estabelecidos em
outro aspecto importante é que as camadas blicização, ou seja, uma entidade não-estatal mento por procedimento e na forma conveni-
nível federal, estadual e municipal, com parti-
mais mobilizadas da sociedade, como os meta- de caráter público exercendo funções antes al, os estados e municípios em meros presta-
cipação paritária de usuários, se tornaram
lúrgicos, para citar apenas um exemplo, não restritas ao Estado. Trata-se de uma desestati- dores de serviços, cerceando suas prerrogati-
Odontologia em Saúde Coletiva 39 40 Antonio Carlos Pereira & Colaboradores

vas de gestão nos distintos níveis de governo procedimento, embora através de um sistema
(Bueno & Merhy, 1997; Romano, 1998; Noro- mais rigoroso (Brasil, 1996).
nha, 2001; Levcovitz, 2001). A NOB 01/96, a despeito dos avanços que
Em 1993, o Ministério da Saúde edita a proporcionou, particularmente no incremento Minas Gerais
NOB 01/93 através da Portaria 545, de 20 de do processo de municipalização (veja na Figura São Paulo
maio de 1993. O Conselho Nacional de Saú- 2.2 o estágio atual de habilitação), guarda cer- Santa Catarina
Bahia
de, a partir de um documento intitulado tas armadilhas, entre elas a manutenção do
Paraná
“Descentralização das ações e serviços de pagamento por procedimento nos itens de Rio G. do Sul
saúde: a ousadia de cumprir e fazer cumprir a maior complexidade tecnológica, o que pode- Goiás
lei”, discute as teses de descentralização polí- ria induzir procedimentos de maior lucrativi- Piauí
tico-administrativa. Nesta norma já acontece- dade aos prestadores (Bueno & Merhy, 1997). Paraíba
ram grandes avanços particularmente no esta- De qualquer maneira, o discurso do sistema Maranhão
Pernambuco
belecimento das modalidades de gestão muni- de financiamento com base populacional, anti- Ceará
cipal (incipiente, parcial e semiplena). De a- ga reivindicação do movimento sanitário, em- Rio G. do Norte
cordo com a capacidade do município, ele bora que fragmentada na forma de um subsis- Tocantins
poderia assumir determinadas ações de com- tema de atenção básica, de certo modo sedu- Pará
Mato Grosso
plexidade variável em função da sua estrutura ziu a intelectualidade da Saúde Coletiva e hoje
Alagoas
de serviços. Na prática, a gestão parcial não há um consenso aparente de que a NOB Rio de Janeiro
gerou maiores conseqüências, entretanto os 01/96, em seu todo, representou avanços para Sergipe FIGURA 2.2 Muni-
quase 150 municípios que passaram a traba- a consolidação do SUS. Mato Grosso do Sul Gestão Plena da Atenção Básica
cípios habilitados de
lhar com a gestão semiplena e que represen- De uma maneira geral, portanto, como Espírito Santo Gestão Plena do Sistema acordo com modali-
Rondônia dade e Estado,
tavam cerca de 20% da população do País, destacamos no início deste capítulo, o SUS, Sem Habilitação
Amazonas segundo posição em
passaram a ter maior autonomia sobre suas entendido como um processo em construção Acre 25/11/1999. (Fonte:
ações de saúde, através do repasse direto dos teve seus altos e baixos. No Quadro 2 Levco- Amapá Ministério da Saúde,
recursos federais (Ferreira, 1998; Romano, vitz et al (2001) ilustram os principais avanços Roraima 2000)
1998, Levcovitz, 2001). e dificuldades do sistema até o final da década 0 100 200 300 400 500 600 700 800 900
Em novembro de 1996, após ser discutida de 1990.
durante mais de um ano na Comissão Inter-
gestores Tripartite e no Conselho Nacional O SUS e a Reforma do Estado
de Saúde, é editada a NOB 01/96. Entre a sua
edição e sua implantação passaram-se quase No cenário brasileiro, não é de hoje que o
dois anos, na verdade, fruto de um certo ma- Sistema Único de Saúde vem sendo atacado
rasmo no processo de municipalização duran- no sentido de mutilá-lo em suas características QUADRO 2.2. Avanços e dificuldades na implementação do SUS nos anos 1990
Âmbito Aspectos-chave Avanços Dificuldades
te a gestão do Ministro Carlos Albuquerque. principais, particularmente a universalidade e a
Financiamento • Fontes estáveis para o setor • Aumento da participação dos • Não-implantação do orçamen-
Com a NOB 01/96 passaram a existir duas integralidade, além da garantia da saúde como
• Mecanismos e critérios de municípios no financiamento to da Seguridade Social
modalidades de gestão municipal, a plena da direito de cidadania. Já durante a revisão cons- da saúde
transferência de recursos fe- • Instabilidade de fontes durante
atenção básica e a plena do sistema, mas os titucional, cinco anos após a promulgação, se derais para estados e municí- • Aumento progressivo das a maior parte da década
principais características da nova norma ope- tentou remeter o direito à saúde à legislação pios transferências automáticas de • Pouca participação dos recur-
racional foram o incremento do repasse fundo complementar, eliminando assim o direito recursos federais para estados sos estaduais no financiamen-
a fundo (direto do Fundo Nacional de Saúde constitucional, o que não chegou a acontecer e municípios to
para os Fundos Municipais de Saúde) e a cria- por pressões da sociedade civil organizada, Descentralização • Construção efetiva do federa- • Transferência progressiva de • Imprecisão e pouca clareza na
ção da modalidade de pagamento com base destacadamente do movimento sanitário. e relação entre os lismo na saúde, com definição responsabilidades, atribuições definição do gestor estadual,
gestores do papel das três esferas de e recursos do nível federal com riscos de fragmentação
populacional, através da criação do Piso Assis- De fato, o SUS corre na contramão da ten- governo no SUS para estados e principalmente do sistema
tencial Básico (PAB). Os municípios passaram dência dos países da América Latina em geral • Transferência de responsabili- municípios • Conflitos acentuados e com-
a receber, de acordo com a modalidade de e do Brasil em particular, com uma política de dades, atribuições e recursos • Estabelecimento das comis- petitividade nas relações entre
gestão, um montante relativo ao tamanho saúde com base nos preceitos da uni- do nível federal para estados e sões intergestores (tripartites gestores nos diversos níveis
populacional para desenvolver atividades de versalidade e da eqüidade, os quais são opos- municípios e bipartites - CITs e CIBs) (federal-estadual-municipal,
• Mecanismos de negociação e como instâncias efetivas de estadual-estadual, estadual-
assistência básica sendo que o valor per capi- tos à lógica neoliberal no que diz respeito à negociação e decisão municipal e municipal-
relacionamento entre gestores
ta/ano ficava em torno de 10 reais. A depen- ação do Estado e ao estabelecimento de polí- para a definição e implemen- municipal)
der da série histórica dos custos ambulatoriais ticas sociais. Campos (1997b) afirma que é tação da política
do município e de determinados incentivos curioso que se pretenda implantar no Brasil
(cobertura do Programa Saúde da Família, por um sistema de base eminentemente pública
exemplo) este valor poderia ser aumentado. quando, em todo o mundo são levantadas
Os procedimentos ambulatoriais de média e sérias dúvidas a respeito da capacidade do
alta complexidade, bem como a assistência Estado de produzir bens e serviços. E, apro-
hospitalar continuaram a ser remunerados por fundando este paradoxo, prossegue:
Odontologia em Saúde Coletiva 41 42 Antonio Carlos Pereira & Colaboradores

QUADRO 2.2 (continuação) Inegavelmente, esta é a contradição central do serviços sociais competitivos, onde está a
Âmbito Aspectos-chave Avanços Dificuldades processo nacional de reforma sanitária. Há, de saúde, o processo é mais insidioso, conside-
Gestão e • Fortalecimento da capacidade • Aumento da capacidade ges- • Heterogeneidade da capacida- fato, uma clara dominância do projeto neolibe- rando que ainda existe uma forte resistência.
organização do de gestão pública do sistema tora e experiências inovadoras de gestora entre os diversos ral no dia-a-dia da ação governamental, apesar O modelo de organizações sociais, por exem-
sistema • Espansão e desconcentração de gestão e organização da estados e municípios de a determinação legal, no caso da saúde, a-
plo tinha, na proposta original de implantação
da oferta de serviços rede em diversos estados e • Persistência de distorções pontar em outro sentido.
municípios relacionadas ao modelo ante-
em São Paulo, a possibilidade de terceirização
• Adequação da oferta às
• Expansão efetiva da oferta de rior: superposição e excesso de qualquer serviço de saúde pública, o qual
necessidades da população Este conflito vem tendo, como palco, as di-
• Organização e integração da serviços para áreas até então de oferta de algumas ações,
versas instâncias de funcionamento do SUS, poderia passar a vender parte dos seus leitos
rede de serviços em uma lógi- desassistidas insuficiência de outras, pouca ao setor privado. Com a reação de entidades
integração entre serviços particularmente nas municipalidades. De um
ca hierarquizada e regionaliza- e movimentos dos mais variados setores e a
da lado, experiências bem-sucedidas de implanta-
atuação dos Conselhos Nacional e Estadual de
Atenção aos ção de modelos assistenciais com base no
• Universalização efetiva do • Ampliação do acesso em • Persistência de desigualdades Saúde, foi aprovada lei complementar que
usuários acesso de todos os cidadãos termos de população assistida no acesso ideário do SUS e, de outro, tentativas (algu-
garante que todos os leitos continuam públi-
brasileiros a todas as ações de e ações oferecidas pelo SUS • Persistência de distorções no mas com sucesso) de implementar políticas
saúde necessárias cos e restringiu a privatização somente aos
• Experiências inovadoras de modelo de atenção privatizantes.
• Mudança do modelo de aten- diversos estados e municípios • Problemas no âmbito da hospitais a serem inaugurados (Gouveia & Da
A idéia de reforma do Estado, exposta no
ção no sentido da mudança do qualidade e resolubilidade da Palma, 2000). Um outro exemplo da luta do
Plano Diretor para a Reforma do Aparelho do
• Melhoria da qualidade da modelo de gestão atenção em diversos serviços
Estado (Brasil, 1995), parte do princípio da setor saúde foi a retirada da PEC 32 (Proposta
atenção, satisfação dos cida- • Mudança nas práticas de do SUS em todo o país de Emenda Constitucional no 32) que acabava
dãos e efetividade das ações, atenção em várias áreas suposta incompetência intrínseca do Estado
com a universalidade do SUS (Rezende, 1998).
com impacto positivo na saú- • Expansão de estratégias de em prestar bens e serviços e da (também su-
de da população A proposta de reforma do Estado está em
agentes comunitários de saúde posta) natureza competente do ente privado
e saúde da família em todo o consonância com o processo de globalização da
em fazê-lo. Propõe a divisão do Estado brasi-
país economia, o qual pode ser considerado como
leiro em quatro setores: (a) O núcleo estraté-
• Melhoria dos indicadores de um novo ciclo de acumulação capitalista. A nova
saúde em diversos pontos do
gico e burocrático, composto pelas áreas em
lógica de produção que substitui o modelo for-
país que o Estado tem que manter controle abso-
dista privilegia o capital financeiro em detrimen-
Recursos • Formação e capacitação ade- • Aumento da capacidade técni- • Distorções na formação dos luto, uma vez que suas funções básicas são
to do produtivo e introduz uma nova correlação
humanos quadas de recursos humanos ca de gestão do sistema de profissionais de saúde preparar, definir e fazer cumprir as leis, esta-
de forças dentro das relações capital-trabalho.
para o SUS, tanto para a ges- saúde em várias unidades da • Heterogeneidade entre os belecer relações diplomáticas e defender o
tão como para as atividades federação e municípios diversos estados e municípios Desse modo, as conseqüências para o Estado,
território. Compõem este núcleo as Forças
de atenção na constituição de equipes no âmbito das políticas públicas é o do estrangu-
Armadas, os poderes Legislativo e Judiciário,
• Constituição de quadros técnicas nas secretarias de lamento e da contenção de gastos, à medida que
técnicos gestores nos estados saúde as polícias, Ministérios, Secretarias etc. (b) Os
ocorre uma expansão do setor privado. As pro-
e municípios • Dificuldades de estados e serviços monopolistas de Estado, que são
postas de reforma, neste contexto, teriam dois
• Distribuição equitativa de municípios na contratação de aqueles cujo principal usuário é o próprio
objetivos: (a) flexibilizar as relações trabalhistas
profissionais de saúde em to- profissionais de saúde, agrava- Estado e, como não são atividades lucrativas,
do o país das pela conjuntura de Refor- no setor público de modo a permitir a introdu-
serão mantidas com o mesmo (fiscalização,
ma do Estado, com pressões ção de técnicas de gerenciamento do setor pri-
para a redução de gastos com
seguridade social etc.), contudo através da
vado com vistas à maior eficiência e qualidade e
pessoal transformação dos órgãos públicos em agên-
(b) dar maior participação ao setor privado nos
• Distribuição desigual e inequi- cias executivas. (c) Os serviços sociais compe-
serviços que não se constituem em atividades
tativa de profissionais de saú- titivos em que o governo propõe a “livre dis-
de no território nacional exclusivas ou estratégicas do Estado (Médici &
puta pelo mercado” com as instituições priva-
Controle social • Participação da sociedade nas • Constituição de conselhos de • Funcionamento efetivo dos Barros, citados por Ortiz et al., 1995).
das. Entre estes serviços estão a Educação,
decisões sobre a política de saúde no âmbito nacional, em conselhos bastante variável No caso brasileiro, portanto, permanece a
Saúde, Cultura e Produção de Ciência e Tec-
saúde todas as unidades da federa- entre as diversas unidades da contradição anteriormente destacada por Cam-
• Implementação, nas três esfe- ção e na maioria dos municí- federação e municípios nologia e é neste setor que deverão ser de-
pos (1997b) de um ideário universalista com
ras de governo, de conselhos pios brasileiros, com partici- • Predomínio do caráter consul- senvolvidas as Organizações Sociais. (d) Para o
base em um modelo de Estado providência em
de saúde deliberativos, envol- pação de usuários tivo dos conselhos sobre o quarto setor, o de produção de bens e servi-
choque com o avanço da instalação de políticas
vendo diversos segmentos caráter deliberativo sobre a ços, o destino é a transferência integral para a
sociais, com 50% de usuários política, em várias situações de corte neoliberal.
iniciativa privada. Nele estão incluídos os ser-
• Controle da sociedade sobre A despeito das batalhas no campo jurídico-
viços de água, luz, correios, bancos etc. (Bra-
os gestores e prestadores do institucional, personificadas no Plano Diretor
SUS sil, 1995)
para Reforma do Estado, o governo já vem im-
Em algumas áreas o processo de reforma
Fonte: Adaptado de Levcovitz et al, 2001. plementando, na prática, diversas medidas que
do Estado vai caminhando a passos largos,
são reflexo de seu projeto neoliberal, com des-
particularmente no setor de bens e serviços,
taque para a terceirização crescente dos servi-
com a privatização das telecomunicações, dos
ços que deveriam ser executados por pessoal
bancos estaduais e de outras estatais como as
do quadro permanente; o abandono do concur-
da área de siderurgia. Na área dos chamados
so público em muitas modalidades de contrata-
Odontologia em Saúde Coletiva 43 44 Antonio Carlos Pereira & Colaboradores

ção como o “contrato administrativo emergen- cácia e eficiência às suas ações. Para Silva Jr. Comunitários de Saúde (PACS), lançado em De acordo com o documento oficial do
cial” e a precarização das relações de trabalho, (1998) a base para seu desenvolvimento tem 1991, onde já se trabalhava tendo a família Ministério da Saúde, no qual estão explicitados
cujo exemplo mais recente são as formas de os seguintes princípios fundamentais: (a) a como unidade de ação programática. Com os os princípios do PSF, a estratégia de Saúde da
contratação das equipes de Saúde da Família e reorganização do nível central; (b) a descen- bons resultados do PACS, particularmente na Família “reafirma e incorpora os princípios
Agentes Comunitários (veja adiante neste capí- tralização e desconcentração; (c) a participa- redução dos índices de mortalidade infantil, se básicos do Sistema Único de Saúde (SUS): a
tulo). Por outro lado, o terreno para a instalação ção social; (d) a intersetorialidade; (e) a rea- buscou uma ampliação e uma maior resoluti- universalização, descentralização, integralidade
das Organizações Sociais vem sendo preparado, dequação dos mecanismos de financiamento; vidade das ações e, a partir de janeiro de e participação da comunidade”. Se propõe,
com o visível aumento nas alterações da nature- (f) o desenvolvimento de um novo modelo de 1994, começaram a ser formadas as primeiras portanto, a reorganizar a prática assistencial a
za dos hospitais ligados ao SUS que passam de atenção (g) a integração dos programas de equipes de Saúde da Família (Viana & Dal Poz, partir de novas bases em substituição ao mo-
“contratado (privado)” para “filantrópico”, tor- prevenção e controle; (h) o reforço da capa- 1999; Brasil, 2000a,b). delo tradicional de assistência, orientado para
nando mais fácil sua transformação em Organi- cidade administrativa e (i) a capacitação da Inicialmente o PSF ficou sob responsabili- a cura das doenças e para o hospital. A base
zações Sociais (Rezende, 1998). força de trabalho. dade da Fundação Nacional de Saúde operacional deste novo sistema é a Unidade
Portanto, apesar de muitos considerarem o Outros modelos (ou propostas de modelos) (FUNASA), com a criação da Coordenação de de Saúde da Família (USF), que tem como
SUS como a maior reforma do Estado em podem ser resgatados na literatura em saúde Saúde da Comunidade (COSAC). Em 1995 o princípios (Brasil, 2000b):
curso no País, há uma outra que corre na coletiva e todos são, na verdade tentativas (al- Programa foi transferido para a Secretaria de
direção contrária. A definição deste quadro de gumas bem outras mal sucedidas) de implemen- Assistência à Saúde (SAS) e no ano seguinte já Caráter substitutivo: Não significa a cri-
conflito (que não há perspectivas de ocorrer tar o SUS em nível municipal*. A rigor, portanto, estava em vigor o sistema de financiamento a ação de novas estruturas de serviços, exce-
em médio ou curto prazo) irá depender da poderíamos dizer que o “modelo” em si, está partir da tabela de procedimentos do Sistema to em áreas desprovidas, e sim a substitui-
correlação de forças estabelecida entre proje- dado, ou seja, o modelo é o SUS. As tecnologias de Informações Ambulatoriais do SUS (SIA- ção das práticas convencionais de assistên-
tos de sociedade distintos postos na arena de que deverão ser desenvolvidas, as formas como SUS). Com a implementação da NOB01/96, cia por um novo processo de trabalho, cu-
disputa política. Assim, o processo de consoli- a demanda deve ser organizada, as estratégias de no início de 1998, foram criados, além do jo eixo está centrado na vigilância à saúde;
dação do SUS vem se dando nas batalhas do inclusão, o incentivo à participação popular etc., pagamento per capita (veja tópico 2.2), os
dia-a-dia dentro das municipalidades, princi- são desdobramentos importantes e que cada incentivos para o PACS e PSF. Esses incenti- Integralidade e Hierarquização: A U-
palmente. A manutenção dos preceitos consti- nível deve pensar a melhor maneira de colocá- vos fazem parte da fração variável do PAB, nidade de Saúde da Família está inserida no
tucionais é fundamental, mas mais importante los em prática (Paim, 1999). correspondentes a R$ 2.200,00 por ACS/ano primeiro nível de ações e serviços do sis-
ainda é a consolidação do sistema através da Uma proposta importante de modelo assis- e de R$ 28.800,00 a 54.000,00 por ESF/ano, tema local de saúde, denominado atenção
implantação de modelos assistenciais mais tencial que vem sendo desenvolvida é a do Pro- de acordo com faixa de cobertura populacio- básica. Deve estar vinculada à rede de ser-
eqüitativos, resolutivos e eficazes que refor- grama Saúde da Família e dos Agentes Comuni- nal. A partir de então, o PSF apresentou um viços de forma que se garanta atenção in-
cem o ideário do SUS na prática. tários de Saúde (PSF/PACS). Trata-se da intro- notável crescimento, contando hoje com tegral aos indivíduos e famílias e seja asse-
dução de uma nova lógica na prestação de servi- 7.291 equipes em todo o Brasil, espalhadas em gurado a referência e contra-referência pa-
O SUS e os modelos assistenciais ços, particularmente com relação à atenção 44,3% dos municípios e cobrindo cerca de ra os diversos níveis do sistema, sempre
primária, segundo os pressupostos do Ministério 15% da população (veja Figura 3). A meta do que for requerido maior complexidade
Em função de sua característica hospitalocêntri- da Saúde. Dada sua importância para o desen- Ministério da Saúde é ampliar para 20 mil e- tecnológica para a resolução de situações
ca, medicalizadora, excludente, mercantil, dico- volvimento atual do SUS e para suas perspecti- quipes e 150 mil agentes comunitários até ou problemas identificados na atenção bá-
tômica e pouco resolutiva, os modelos assisten- vas futuras o PSF/PACS será melhor detalhado 2002 (Aguiar, 1998; Viana & Dal Poz, 1999; sica.
ciais estabelecidos no Brasil se constituiram num no tópico a seguir. Brasil, 2000c,f).
desafio para a implantação do SUS, pelo fato
deste apontar para uma lógica diametralmente O Programa Saúde da Família: estraté-
oposta, de universalidade, integralidade e pro- gia reestruturante ou política focal? 8.000 7.291
moção de saúde.
Alguns modelos alternativos já vinham sendo O Programa Saúde da Família (PSF) foi intro- 7.000 Municípios
implantados em certos locais mesmo antes do duzido, no Brasil, pelo Ministério da Saúde em
surgimento do SUS, como por exemplo, algumas 1994. Enquanto proposta concebida dentro da 6.000 ESF
experiências de implantação do SUDS (Sistema vigência do Sistema Único de Saúde, teve,
5.000
Unificado e Descentralizado de Saúde), o qual como antecedente†, o Programa de Agentes
surgiu como estratégia anterior ao SUS e que já 4.000
trabalhava a partir da idéia de distritos sanitários. 3.147 FIGURA 2.3 Evolução
Os distritos sanitários, como destacamos * Embora não sejam comuns, em alguns casos são imple- 3.000 2.438 do Programa Saúde da
mentados modelos que não têm como base o SUS e o Família no Brasil, em
anteriormente surgiram a partir da proposta exemplo mais marcante é o Plano de Atendimento à Sa- número de municípios
2.000 1.623
de Sistemas Locais de Saúde (SILOS) da OPAS úde (PAS) de São Paulo. 1.117 em que o Programa foi

(Organização Pan-americana de Saúde) e, na Na verdade, o Brasil apresentou, ao longo da história de 724 847 implantado e número de
seus modelos assistenciais, outras experiências tendo a 1.000 328 567
verdade, sua organização não deve ser vista de 55 150 228 Equipes de Saúde da
família como base de atuação, particularmente nos anos Família (ESF). (Fonte:
forma isolada dos processos de descentraliza- 1970, a partir das discussões sobre Atenção Primária em 0 Ministério da Saúde,
ção e de democratização do Estado. Trata-se Saúde e o estímulo à formação dos Médicos de Família
1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000)
de uma resposta interna do setor saúde no (Trad & Bastos, 1998; Aguiar, 1998). Considerando o es-
copo deste trabalho, tal resgate histórico não será feito
sentido de proporcionar maior eqüidade, efi- aqui.
Odontologia em Saúde Coletiva 45 46 Antonio Carlos Pereira & Colaboradores

As diferentes dimensões da proposta do PSF caracteriza como modelo paralelo, na medida


Territorialização e adscrição da clien- medicina de pobre para pobres’ com utili- aparecem nas percepções dos autores que, por em que preconiza o estabelecimento de rela-
tela: trabalha com território de abrangên- zação de baixa tecnologia. É uma prática um lado argumentam favoravelmente no que ções de trabalho diferentes. De acordo com
cia definido e é responsável pelo cadastra- complexa, que requer novos campos de concerne ao seu potencial de viabilizar a opera- as instruções para a implantação do Programa,
cionalização da atenção primária em saúde re-
mento e acompanhamento da população conhecimento, desenvolvimento de habili- recomenda-se proceder a uma seleção interna
ferida pelos princípios do SUS e, por outro, a-
adscrita a esta área. Recomenda-se que dades e mudanças de atitudes. pontam o risco da segmentação de clientela e
para alocação de profissionais da rede dentro
uma equipe seja responsável pelo acompa- da ‘focalização’, com retrocesso e limitação dos do Programa e, se for o caso, contratar novos
nhamento de, no máximo, 4.500 pessoas. Em certa medida, políticas assistenciais vol- mesmos princípios, tendo em vista a orientação profissionais através do regime de CLT. Para o
tadas para grupos vulneráveis e com baixa normativa das políticas públicas em tempos de Ministério da Saúde, “esta é a via preferencial
Equipe multiprofissional: A equipe de tecnologia coadunam com a lógica eficientista crise fiscal, onde, no plano macroeconômico e para expansão e reposição do quadro de pes-
Saúde da Família é composta minimamente que vem sendo imposta para a consecução de político, doméstico e internacional, as questões soal da administração pública nos três níveis
por um médico generalista ou médico de políticas sociais nos países de economia de- sociais têm sido vulnerabilizadas e atreladas à de governo” (Brasil, 2000e). Numa pesquisa
família, um enfermeiro, um auxiliar de en- pendente. Do ponto de vista do discurso ofi- estabilidade econômica e ao controle do déficit avaliativa realizada pelo Ministério da Saúde
fermagem e de quatro a seis agentes co- cial, os conceitos de universalidade e eqüidade público. junto aos gestores estaduais e municipais e às
munitários de saúde. O número de ACS podem adquirir formatos apropriados em equipes de Saúde da Família, entre outros
varia de acordo com o número de pessoas função da maneira como se considera o papel De toda maneira, o fato do PSF se colocar aspectos analisados, foi traçado um perfil das
sob a responsabilidade da equipe - numa do Estado em uma sociedade desigual. Para como um programa paralelo (por mais que o modalidades de contratação dos profissionais
proporção média de um agente para 550 Almeida (2000), determinadas medidas racio- discurso governamental insista no contrário) das ESF no Brasil. Conforme pode ser visto na
pessoas acompanhadas. nalizadoras, baseadas na lógica de um Estado conduz a algumas armadilhas. Entre elas, a de Figura 2.4, o percentual maior é encontrado
eficiente em detrimento de um organismo considerar a atenção básica médico-centrada para a modalidade do tipo contrato temporá-
É possível ainda a incorporação de outros redutor de iniqüidades, podem justificar a ação como única forma de atuação realmente im- rio, ou seja, quase a metade dos municípios
profissionais na Unidade de Saúde da Família em determinados grupos sociais a partir de pactante, uma espécie de reificação do genera- pesquisados que tem PSF implantado optaram
ou em atividades de supervisão. Para o seu um princípio de universalidade eqüitativa. Em lista, no dizer de Franco & Mehry (1999). Ain- por este tipo de relação de trabalho com suas
gerenciamento, o Programa conta com o Sis- tese, centrar as ações em setores da socieda- da segundo estes autores, uma vez que o PSF ESF (Brasil, 2000c).
tema de Informações da Atenção Básica de expostos a um maior risco à saúde (e este propõe uma mudança de ordem estrutural, Um outro aspecto importante é a forma a-
(SIAB), cujo banco de dados deve ser alimen- é um dos critérios para a priorização de im- mesmo que pressupondo um trabalho com crítica como o PSF vem sendo implantado em
tado com informações dos municípios partici- plantação de equipes de PSF) não deixa de ser equipe multiprofissional, não há garantias de muitas localidades no País. Além da lógica impo-
pantes do Programa (Brasil, 2000d,e). um princípio de eqüidade. A questão imposta que se rompa com o modelo de prática he- sitiva do modelo, o mecanismo dos incentivos,
Concebido inicialmente como Programa neste raciocínio é que, no mais das vezes, não gemônico centrado na figura do médico. Esse disponibilizado pela parte variável do PAB, con-
dentro da FUNASA, o PSF foi, aos poucos, se trata de uma perspectiva da implementação rompimento, certamente, não ocorre, porque: duziu a formas de implantação do Programa em
sendo tomado como prioritário dentro dos de um modelo eqüânime, mas de uma lógica que não houve discussão com a população e
Não há dispositivos potentes para isso, porque
modelos propostos para a atenção básica e racionalizadora em que a contenção dos gas- o Programa aposta em uma mudança centrada com o setor saúde e tiveram, como único obje-
hoje se fala em “Estratégia da Saúde da Famí- tos regula o acesso aos serviços. na estrutura, ou seja, o desenho sob o qual o- tivo, aumentar a receita. Conforme ressalta
lia” embora a denominação PSF persista. De- Por outro lado, para Viana & Dal Poz pera o serviço. Mas não opera de modo amplo Narvai (2000)*, o PSF poderia ser discutido não
certo a “estratégia” de falar em estratégia e (1999), há méritos no PSF exatamente pelo nos microprocessos do trabalho em saúde, nos como “o” Programa de Saúde da Família, mas
não mais em programa, foi uma forma de res- fato de expor certas fragilidades do modelo fazeres do cotidiano de cada profissional, que, como “os Programas” de Saúde da Família, ou
ponder às críticas que eram dirigidas ao pro- tradicional. Para os autores a dualidade uni- em última instância, é o que define o perfil da seja, é possível encontrar experiências em que a
grama, taxado de “foquista” e de ser uma versalismo x focalização não se constitui num assistência. estratégia de Saúde da Família foi incorporada ao
medida impositiva que não considera as reali- problema, na medida em que é possível “se modelo proposto pelo SUS e contribuiu para
dades locais. ter práticas focalizadas dentro de uma política Embora o processo de qualificação das equi- sua consolidação. Em algumas situações, portan-
Na cartilha do Ministério da Saúde Abrindo universal e não há necessariamente conflito pes tenha sido dinamizado pela criação dos to, o PSF é o próprio modelo assistencial, não se
a porta para a Dona Saúde entrar (Brasil, entre focalização e universalização, isto é, os Pólos de Capacitação, o setor de formação de configurando como modelo paralelo ou vertical.
2000d), o discurso da estratégia e a resposta dois conceitos não precisam ser excludentes”. recursos humanos em saúde ainda não res- Em outros casos, porém, temos modelos dis-
às críticas feitas ao programa estão bem cla- Neste sentido, o PSF pode ser um instrumen- pondeu (e, historicamente, não tem respondi- torcidos, pouco impactantes, implantados de
ras. Em um dos tópicos, “o que não é o PSF”, to de reorganização da política universal. do) de forma concreta, às novas demandas forma prescritiva e que, no mais das vezes, exa-
diz a cartilha: Desse modo, diferentes dimensões a res- impostas pelo setor saúde. Como lembra cerbaram-se todas as suas deficiências.
Não é ‘cesta básica’, que garante a todos peito da estratégia/programa Saúde da Família Moysés (2000), os “cursos básicos de finais de De acordo com Aguiar (1998), uma mu-
só a atenção primária. Ao contrário, o PSF, podem ser resgatadas atualmente na literatura semana, não obstante toda a boa vontade, não dança estrutural do porte de uma reestrutu-
ao resolver as questões de saúde da rede e no discurso da Saúde Coletiva, que vão des- são suficientes para sobrepor a formação he- ração do modelo assistencial e da prática mé-
básica, vai diminuir o fluxo dos usuários pa- de a interpretação do PSF como uma oportu- gemônica nas escolas médicas e as perspecti- dica exige um debate mais amplo que extrapo-
ra os níveis mais especializados ‘desafogan- nidade única (a qual não se deve perder) de vas profissionais introjetadas em sociedades la os limites do setor como área de atuação
do’ os hospitais. Assim racionaliza o uso resgatar uma prática mais humanista, que gere de consumo como a nossa”. pública. No que concorda Moysés (2000)†,
dos recursos existentes que, melhor utili- vínculo e responsabilização e que dinamize o A questão dos recursos humanos que mais
zados, garantem o acesso de todos aos processo de trabalho, à leitura do processo tem gerado discussões, entretanto, é a relação
de trabalho imposta pelo PSF. Trata-se do * NARVAI, P.C. Conferência proferida durante o XVI
procedimentos mais complexos. Não se em seu caráter mais abrangente e de longo Enatespo, em Brasília, setembro de 2000.
trata de economia de recursos, ‘de uma prazo. Nesta linha, argumenta Aguiar (1998): aspecto operacional do Programa que mais o
† MOYSÉS, S.J. Op. cit.
Odontologia em Saúde Coletiva 47 48 Antonio Carlos Pereira & Colaboradores

quando afirma que o modelo assistencial orgâ- racionalização da Constituição e da Lei Orgâ- do Estado. Brasília: Câmara da Reforma do Es- Nacional de Saúde On Line. Disponível na In-
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Enfermeiros
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Outras
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Odontologia em Saúde Coletiva 49

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