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Circulação e Excreção
INTRODUÇÃO À FISIOLOGIA RENAL
Hamilton Haddad Junior
Maria Aparecida Visconti

4.1 Introdução: os desafios da vida terrestre


4.2 Anatomia do sistema renal
4.3 Os três processos básicos renais
4.4 Conclusão
Referências

Licenciatura em Ciências · USP/ Univesp


Licenciatura em Ciências · USP/Univesp · Módulo 4 52

4.1 Introdução: os desafios da vida terrestre


A capacidade de regular a concentração osmótica da urina é uma das grandes adaptações
relacionadas à conquista do ambiente terrestre. Dessa maneira, os animais podem controlar a
quantidade de água que é utilizada na excreção de resíduos do metabolismo e, consequente-
mente, também a quantidade de água e sais presentes em seu meio interno. Embora semelhante,
a estrutura morfofuncional do sistema renal varia entre os mamíferos em função da necessidade
que cada espécie tem de concentrar urina. Isso dependerá, em geral, da disponibilidade de água
do ambiente em que vivem (Figura 4.1).
Podemos agrupar as funções do sistema renal em:
• remoção de resíduos metabólicos e substâncias estranhas ao organismo;
• regulação homeostática das concentrações de água e íons nos fluidos corporais, ou manu-
tenção do equilíbrio hidroeletrolítico.
Direta ou indiretamente, a conservação desse equilíbrio hídrico e salino acaba por afetar:
• a composição iônica dos fluidos corporais;
• a osmolaridade plasmática;
• o volume extracelular dos fluidos corporais (plasma e interstício);
• a pressão arterial;
• o pH plasmático.

É importante termos em mente todas essas funções desempenhadas pelos rins para
compreender a sua anatomia e fisiologia. É também fundamental notar que os
rins são muito mais do que simples filtros, responsáveis unicamente por “limpar”
as impurezas do corpo, como muitos estudantes costumam imaginar.Vamos agora
examinar melhor como se dão todas essas atividades no sistema renal.

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Figura 4.1: Balanço hídrico do corpo humano. / Fonte: modificado de Silverthorn, 2010.

4.2 Anatomia do sistema renal


Localizados logo acima da cintura
– entre a 12ª vértebra torácica e a 3ª
vértebra lombar – os rins são estruturas
com o formato de um feijão, com a
parte côncava voltada para a coluna
vertebral (Figura 4.2). É nessa face que
se encontra uma estrutura denominada
hilo, por onde saem os vasos e nervos
renais, além dos ureteres – dois vasos que
conduzem a urina formada nos rins até
a bexiga urinária. Estrutura muscular
oca, a bexiga é um órgão complacente,
pois é capaz de se distender e de Figura 4.2: Anatomia do sistema renal. / Fonte: modificado de Tortora; Grabowski, 2002.
armazenar em média 700 ml - 800 ml
de urina. Da bexiga parte a uretra, tubo que transporta a urina até o exterior do organismo.

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Embora pesem menos de 150 gramas cada um, os rins podem receber até 1/4 do débito
cardíaco, ou seja, um grande volume de sangue a cada minuto. Esse sangue chega até os rins pela
artéria renal, ramificação da aorta descendente, e os deixa pelas veias renais, que desembocam
na veia cava inferior (Figuras 4.2 e 4.3). Internamente, cada rim é dividido em uma região
interna, denominada medula, e uma região externa, chamada córtex. Nessas duas regiões
encontram-se estruturas microscópicas chamadas néfrons - as unidades funcionais dos rins.
Podemos dividir cada néfron em uma porção tubular e uma porção vascular.
A parte tubular do néfron começa na cápsula de Bowman, uma bolsa que envolve o
glomérulo renal, como veremos a seguir. A cápsula forma então um tubo que é dividido em
três partes: o túbulo contorcido proximal, a alça de Henle e o túbulo contorcido distal.
Os túbulos distais de vários néfrons se unem em um ducto coletor (Figura 4.5).
A porção vascular do néfron começa nas arteríolas aferentes. Estas são ramificações da
artéria renal (Figura 4.4). Cada arteríola aferente forma uma rede de capilares enovelados
denominada glomérulo, que é envolvido pela cápsula de Bowman. Após passar esses capilares,
o sangue deixa o glomérulo pela arteríola eferente que se ramifica novamente numa outra
rede de capilares que envolvem a parte tubular do néfron. Esse outro conjunto de vasos tem o
nome de capilares peritubulares (Figura 4.5).

Figura 4.3: Anatomia dos rins. / Fonte: modificado de Tortora; Grabowski, 2002.

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Figura 4.4: Suprimento sanguíneo para os néfrons. / Fonte: modificado de Tortora; Grabowski, 2002.

Cerca de 80% dos 1 milhão de néfrons que possuímos estão localizados quase que inteira-
mente no córtex renal – denominados, portanto, néfrons corticais (Figura 4.5). O restante
está situado em regiões corticais mais profundas, próximas à medula renal, e por isso recebem
o nome de néfrons justamedulares (Figura 4.5). A alça de Henle desses néfrons é mais
comprida, penetrando regiões mais profundas da medula. Os capilares que circundam a alça
nesse caso são denominados vasos retos (Figura 4.5).

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Figura 4.5: Porções tubulares e vasculares dos néfrons corticais (seta de cima) e justamedulares (seta de baixo). Podemos observar a
presença de vasos retos nestes últimos. / Fonte: modificado de Silverthorn, 2010.

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4.3 Os três processos básicos renais


A formação da urina ao longo do néfron envolve três processos: filtração, reabsorção e
secreção (Figura 4.6). A filtração é a transferência de fluido da porção vascular para a porção
tubular dos néfrons: isto é, dos capilares glomerulares para a cápsula de Bowman. Por dia, são
formados 180 litros desse líquido, denominado filtrado. Praticamente todo esse volume (cerca
de 99%) é reabsorvido à medida que o filtrado percorre o túbulo contorcido proximal, a alça
de Henle, o túbulo contorcido distal e o ducto coletor. O restante que não é reabsorvido – em
torno de 1,5 litro – vai formar a urina, e será excretado. Ao longo do trajeto do filtrado dentro
do néfron, algumas substâncias que o organismo precisa excretar são também secretadas na luz
dos túbulos renais. Podemos perceber, dessa maneira, que a urina excretada ao final do processo
é formada pelas substâncias que são filtradas e secretadas menos as substâncias que são reabsor-
vidas (Figura 4.7).Vamos olhar mais de perto esses processos.

Figura 4.6: Esquema representando os processos de filtração, reabsorção e secreção no néfron. / Fonte: modificado de Silverthorn, 2010.

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Figura 4.7: A excreção é resultante dos processos de filtração, secreção e reabsorção. /


Fonte: modificado de Silverthorn, 2010.

Filtração Glomerular

Aproximadamente 1/5 do volume do sangue que entra no glomérulo através da arteríola


aferente é filtrado e transferido para a cápsula de Bowman – essa quantidade é denominada
fração de filtração. Por minuto, cerca de 125 mililitros de sangue são filtrados no glomérulo.
Isso corresponde a mais de 7 litros por hora ou 180 litros por dia. O volume de filtrado produ-
zido por unidade de tempo é denominado taxa de filtração glomerular (TGF).
Esse grande fluxo do glomérulo para a cápsula de Bowman é possível graças à permeabi-
lidade dos capilares glomerulares, que são fenestrados (Figura 4.8). A membrana da cápsula
também possui fendas que permitem a passagem de substâncias. Desse modo, praticamente
todas as substâncias presentes no sangue são filtradas, com exceção dos elementos celulares e
das proteínas, que não conseguem atravessar essas duas barreiras (além da barreira formada pala
lâmina basal que existe entre o glomérulo e a cápsula).
O mecanismo pelo qual se dá a filtração glomerular se assemelha ao que já estudamos nas trocas
capilares. O sangue chega até o glomérulo com uma pressão hidrostática de aproximadamente
55 mmHg. A pressão hidrostática do filtrado dentro da cápsula é de cerca de 15 mmHg. Já a pressão
coloidosmótica criada pelas proteínas plasmáticas é de 30 mm Hg. A pressão resultante dessas três
pressões é de 10 mmHg, na direção da formação de filtrado, como podemos ver na Figura 4.9.

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Figura 4.8: Figura


representando as três
barreiras à filtração
glomerular. / Fonte:
modificado de Tortora;
Grabowski, 2002.

Figura 4.9: Pressões determinantes da filtração glomerular. PH = pressão hidrostática


do sangue no capilar; Pcaps = pressão hidrostática do filtrado na cápsula de Bowman;
π = pressão coloidosmótica gerada pelas proteínas do plasma no capilar. /
Fonte: modificado de Silverthorn, 2010.

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Reabsorção tubular

Aproximadamente 70% do volume


de filtrado é reabsorvido no túbulo
proximal, sendo que o remanescente é
reabsorvido no restante do néfron. Nas
porções distais,ocorre uma regulação fina
das quantidades de água e sais que serão
excretados na urina, produzindo uma
urina mais concentrada (hiperosmótica)
ou menos (hiposmótica). Essa regulação
é feita por hormônios, que podem
aumentar a reabsorção de sódio e
água, dependendo das necessidades
do organismo. Estudaremos esses
mecanismos homeostáticos de regulação
hormonal na próxima aula.
As substâncias reabsorvidas podem
seguir basicamente dois caminhos. Elas
Figura 4.10: Vias transcelular e paracelular de reabsorção tubular. / Fonte:
podem atravessar as junções entre as modificado de Berne; Levy; Koeppen; Stanton, 2004.
células do epitélio dos túbulos renais,
numa rota conhecida como via paracelular, ou podem também atravessar as membranas – apical
e basolateral – das células epiteliais em uma via conhecida como transcelular (Figura 4.10).
Os mecanismos de transporte responsáveis pela reabsorção de água e solutos através da
membrana são aqueles que já estudamos: difusão simples, difusão facilitada, transporte
ativo e osmose. A maior parte da reabsorção de substâncias ao longo do néfron é mediada
pelo sódio. Como podemos observar na Figura 4.11, o sódio é inicialmente transportado de
maneira ativa para fora dos túbulos pela Na+/K+ ATPase. O gradiente eletroquímico gerado
pelo transporte do sódio favorece o transporte de ânions. Isso gera um gradiente osmótico,
e a água acaba seguindo o movimento dos sais. A saída de água aumenta a concentração de
substâncias no interior dos túbulos, criando um gradiente que favorece a passagem de soluto
de dentro para fora.

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Figura 4.11: A reabsorção tubular é mediada pelo sódio. / Fonte: modificado de Silverthorn, 2010.

Um mecanismo bastante comum de reabsorção de substâncias no néfron é o transporte ativo


secundário. Nesse caso, um gradiente de concentração é inicialmente gerado pelo transporte
ativo de sódio (que é bombeado para fora da célula do epitélio tubular). Esse gradiente favorece
a entrada de sódio pela membrana apical. Outras substâncias podem então “pegar carona” com
o sódio, utilizando uma proteína cotransportadora presente nessa membrana. Finalmente, a
substância “caroneira” é transportada na membrana basolateral por difusão facilitada, a favor de
seu gradiente químico. Esse tipo de transporte mediado pelo sódio acontece com a glicose e
com diversas outras substâncias que o organismo necessita reabsorver (Figura 4.12).

Figura 4.12: A reabsorção de glicose


é mediada pelo sódio. (1) O sódio
se move a favor de seu gradiente de
concentração e arrasta a glicose, que
“pega carona” com ele. (2) A glicose é
transportada na membrana basolateral
por difusão facilitada. (3) O sódio é
bombeado para fora da célula por
transporte ativo (pela Na+/K+ ATPase). /
Fonte: modificado de Silverthorn, 2002.

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Podemos perceber, na Figura 4.13, que a reabsorção de água ao longo do néfron acom-
panha, geralmente, a de sódio. Existe uma exceção na alça de Henle. O ramo descendente da
alça é permeável somente à água; portanto, somente ela é reabsorvida. Já o ramo ascendente é
permeável ao sódio e outros íons, mas não à água. Portanto, há reabsorção de soluto, mas não
de água nessa parte. Podemos observar também que ambos - água e íons - são reabsorvidos no
túbulo distal e no ducto coletor.

a b

Figura 4.13: A reabsorção de água ao longo do néfron geralmente acompanha a de sódio. Acima está representada a porcentagem de
sódio (a) e de água (b) reabsorvida em cada parte do néfron. / Fonte: modificado de Berne; Levy; Koeppen; Stanton, 2004.

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Secreção

Além da filtração, algumas substâncias podem ser ativamente secretadas do plasma sanguíneo
ou das células tubulares para o lúmen dos néfrons. Esse processo permite a excreção de substâncias
que não são filtradas, além de aumentar a excreção de substâncias que já são filtradas. Ele permite
também maior regulação dos níveis de diversos íons no organismo, como o H+, K+ e Na+, além
de alguns cátions e ânions orgânicos. Entre outras funções, o processo de secreção ajuda na
manutenção do pH plasmático e na eliminação de diversas substâncias estranhas ao organismo.

4.4 Conclusão
Nesta aula, apresentamos uma visão geral do funcionamento renal, chamando atenção à sua
importância na manutenção do equilíbrio hidroeletrolítico do organismo. Discutimos inicial-
mente a anatomia funcional do sistema renal, destacando suas principais estruturas. Em seguida,
estudamos os principais processos que determinam a formação da urina.

Agora é a sua vez...


Continue explorando os recursos disponíveis no ambiente virtual de
aprendizagem e realize as atividades online. Identifique as principais estruturas das
vias urinárias realizando a primeira atividade “Anatomia das vias urinárias”,
na sequência, responda ao questionário sobre “Pressões glomerulares”.

Referências
Aires, M.M. (org.). Fisiologia. 4. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2012.
Berne, R.M. et al. Fisiologia. 6. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009.
Guyton, A.C.; Hall, J.E. Tratado de Fisiologia Médica. 12. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011.
Silverthorn, D.U. Fisiologia Humana: Uma Abordagem Integrada. 5. ed. Porto Alegre:
Artmed, 2010.
Tortora, G.J.; Grabowski, S.R. Princípios de Anatomia e Fisiologia. 10. ed. Rio de
Janeiro: Guanabara Koogan, 2012.

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