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Equações Diferenciais I

Julio Franscisco da Silva, Karine Buzon Carvalho, Marcelo Lopes Cocco,


Suleima Pagani, Thiago Ferreira Santos

Disseminação de uma doença


Discussão sobre a importância do tema e aplicações atuais

A importância de se estudar a propagação de uma doença é notória no âmbito da biologia.


Podemos relembrar diversas doenças que afetaram significativamente a humanidade, como a
peste bubônica, que assolou a Europa no século XIV, e a gripe espanhola, que se espalhou em
1918 e chegou a causar o falecimento do então presidente brasileiro Rodrigues Alves, em 1919.
O estudo desse tema, apesar de estarmos vivendo uma era de inúmeros avanços da medicina e
propagação de conhecimentos acerca de higiene básica, ainda é extremamente importante, visto
que, mesmo com tais adventos, continuamos suscetı́veis surtos infecciosos. A prova disso é o
surto de COVID-19, vı́rus que teve suas primeiras vı́timas registradas na cidade de Wuhan,
localizada na China, e hoje se espalha pelo mundo inteiro.
Nesse contexto, surgem modelos matemáticos que tentam prever a quantidade de infectados
num determinado perı́odo de tempo. Um exemplo recente de sua utilidade foi a mudança de
estratégia do Reino Unido em relação à pandemia da COVID-19, após projeções feitas pelo
Imperial College, que construiu um modelo matemático para estimar a evolução e os impactos
da COVID-19 em quase 200 paı́ses. No entanto, embora esses modelos sejam úteis, eles possuem
limitações e, portanto, podem errar suas previsões. Um exemplo também recente desse tipo de
falha é o estudo da Universidade de Tecnologia e Design de Singapura, que criou um modelo o
qual inicialmente previu o fim da pandemia no Brasil entre junho e agosto. Pouco tempo depois,
com atualizações de dados relacionados à doença no Brasil, o modelo deu nova previsão para o
fim da pandemia em nosso paı́s: 11 de novembro. Novamente falhou.
Sendo assim, é possı́vel observar a relevância da modelagem matemática na epidemiologia,
mas não se pode depositar todas as fichas nela. “Os modelos não devem ser considerados
Oráculos de Delfos, mas são ótimos para preencher nosso conhecimento quando há falhas de
informações”, segundo o Dr. Samir Bhatt, professor titular de Geoestatı́stica, no Departamento
de Epidemiologia em Doenças Infecciosas, do Imperial College London.

Equações diferenciais e seu método de resolução


A primeira equação diferencial, equação (1), apresenta como incógnitas uma constante de
proporcionalidade k, o total de habitantes na comunidade n, o tempo t, que está implı́cito em

1
y 0 e y a solução que deseja-se encontrar.

y 0 = ky(n − y) (1)

Uma Equação Diferencial Ordinária (EDO) nesse formato pode ser resolvida como uma
equação diferencial separável, pois é possı́vel isolar os termos em y ou resolvê-la como uma
EDO de Bernoulli, já que podemos multiplicar os termos e obter uma equação não linear. No
problema proposto, será adotado o primeiro método.
A segunda equação diferencial, equação (2), apresenta as mesmas incógnitas, mas possui uma
diferença bastante significativa em relação à primeira, que será discutida em outro momento: é
uma EDO não autônoma. No problema proposto, também será utilizado a separabilidade para
resolvê-la.

y 0 = k(t)y(n − y). (2)

(a) Inicialmente, iremos resolver a primeira equação diferencial, equação (1), logo temos que

y 0 = ky(n − y)

Isolando os termos em y, temos

dy
= kdt
y(n − y)

Integrando ambos os lados, obtêm-se

Z Z
dy
= kdt
y(n − y)

ln |y| ln |y − n|
− + C1 = kt + C2
n n
Isolando os termos em y e tomando C2 − C1 = C, temos e portanto

ln |y| − ln |y − n| = nkt + nC

Ao aplicar a propriedade logarı́tmica, temos

y
ln = nkt + nC
y−n

Aplicando a propriedade exponencial em ambos os lados, teremos a seguinte combinação

y
= enkt+nC
y−n

Isolando y e tomando g = enC , obtemos a solução geral da primeira EDO, equação (3):

2
ngenkt
y= . (3)
genkt − 1

É possı́vel simplificar a solução acima, para tal, o numerador e o denominador será dividido
por genkt e tomaremos d = 1/g, resultando em

n
y= .
1 − denkt

Utilizando o valor inicial y(0) = 1, temos que:

d = (1 − n).

Desse modo, F (t) é proveniente da antiderivada de k(t) e a solução do segundo problema


de valor inicial é

n
y= .
1 − (1 − n)en(F (0)−F (t))

(b) Como mencionado anteriormente, a primeira EDO do nosso problema é considerada autônoma
e a segunda é considerada não autônoma. Tais classificações são dadas, pois a primeira EDO
não possui a variável t explı́cita (ela está implı́cita, visto que y 0 = dy/dt), possuindo a forma
y 0 = f (y). Dessa maneira, as soluções desta equação diferencial não dependem do tempo
inicial, mas sim do valor inicial somente. Na segunda equação, a variável t está explı́cita,
visto que k é dado em função de t e, portanto, ela possui a forma y 0 = f (t, y). As soluções
serão dependentes do valor inicial e do tempo inicial.

(c) Resolveremos as EDOs de acordo com as condições dadas, iniciando-se pela equação y 0 =
ky(n − y) e pela condição inicial y(0) = 1.

Utilizando as condições dadas, temos que

1
y0 = y(1000 − y),
2000
isolando os termos em y

dy dt
= ,
y(1000 − y) 2000

integrando ambos os lados da equação, temos

Z Z
dy dt
=
y(1000 − y) 2000

1 1 t
ln |y| − ln |y − 1000| + C1 = + C2 .
1000 1000 2000
Isolando os termos em y e tomando C2 − C1 = C, temos e portanto

3
t
ln |y| − ln |y − 1000| = + 1000C.
2

Aplicando a propriedade de logarı́tmica

y t
ln = + 1000C
y − 1000 2

e aplicando a propriedade de exponencial em ambos os lados da equação, temos

y t
= e 2 +1000C .
y − 1000

Isolando o y e tomando e1000C = g, temos a solução geral da primeira EDO:

1000get/2
y=
get/2 − 1

É possı́vel simplificar a solução acima, para tal, o numerador e o denominador será dividido
por get/2 e tomaremos d = 1/g, resultando em

1000
y=
1 − de−t/2

Utilizando o valor inicial y(0) = 1, temos que d = −999. Desse modo, a solução do problema
de valor inicial é

1000
y= .
1 + 999e−t/2

1000
Figura 1: Representação gráfica da solução y = 1+999e−t/2
.

4
Para descobrirmos o número de infectados no vigésimo dia, segundo este modelo, basta
substituir o t da solução do problema de valor inicial encontrada (t = 20). Assim, temos y ≈
956, 6. Segundo o modelo autônomo, temos aproximadamente 956 infectados no vigésimo
dia.

Ao analisar a equação y 0 = k(t)y(n − y) com as condições dadas, temos que

1
y0 = (1000 − y)
8(t2 + 250)

Isolando os termos em y

dy dt
= 2
y(1000 − y) 8(t + 250)

Integrando ambos os lados da equação, temos

Z Z
dy dt
=
y(1000 − y) 8(t2 + 250)

 
1 1 1 1
ln|y| − ln|y − 1000| + C1 = √ arctan √ + C2
1000 1000 10 10 5 10

Isolando os termos em y e tomando C2 − C1 = C, temos

 
25 t
ln|y| − ln|y − 1000| = √ arctan √ + 1000C
10 5 10

Aplicando a propriedade logarı́tmica

 
y 25 t
ln = √ arctan √ + 1000C
y − 1000 10 5 10

Aplicando a propriedade exponencial em ambos os lados da equações, temos e portanto

   
y 25 t
= exp √ arctan √ + 1000C
y − 1000 10 5 10

Isolando o y e tomando e1000C = g, temos a solução geral da segunda EDO:

h   i
1000g exp √2510 arctan 5√t10 + 1000
y= h   i
g exp √2510 arctan 5√t10 + 1000 − 1

É possı́vel simplificar
  a solução acima, para tal, o numerador e o denominador será dividido
25 √t
√ arctan +1000C
por e 10 5 10 e tomaremos d = 1/g, resultando em

1000
y= h  i ,
1 − d exp √25 arctan √t
10 5 10

5
e utilizando o valor inicial y(0) = 1, temos e portanto d = −999. Desse modo, a solução do
problema de valor inicial é

1000
y= h  i .
1 + exp √25 arctan √t
10 5 10

1000 
Figura 2: Representação gráfica da solução y = h i .
1+exp √25 arctan √t
10 5 10

Para descobrir o número de infectados no vigésimo dia, segundo este modelo, basta substituir
t = 20 na solução do problema de valor inicial, assim obtemos y ≈ 555, 48 infectados no
vigésimo dia. Ao usar a condição y(10) = 1, analisando o modelo autônomo, temos que

1000
y=
1 − de−t/2

E assumindo d = −999e5 , o modelo terá como solução do segundo problema de valor inicial
a equação

1000
y= .
1 + 999e5 e−t/2

6
1000
Figura 3: Representação gráfica da solução y = 1+999e5 e−t/2
.

Para determinar o número de infectados após vigésimo dia após o primeiro contágio, é
necessário substituir t = 30 na equação anterior temos a seguinte aproximação y ≈ 956, 6.

Ao utilizar a condição para analisar o segundo modelo, temo que

  
1000 25 2
y= h  i , onde d = −999d exp √ arctan √ .
1 − d exp √25 arctan √t 10 5 10
10 5 10

Dessa maneira, esse modelo terá como solução do segundo problema de valor inicial a equação

1000
y= h  i h  i
√25 √2 −25 √t
1 + 999 exp 10
arctan 10
exp √
10
arctan 5 10

Para descobrir o número de infectados após vigésimo dia depois do primeiro contágio, é
necessário substituir t = 30 na equações anterior, assim obtém-se y ≈ 58, 33. Portanto,
segundo o modelo autônomo, teremos aproximadamente 58 contaminados no vigésimo dia
após o primeiro contágio.

Pode-se observar que para ambos os problemas de valor inicial, o modelo descrito pela
equação y 0 = ky(n − y) apresentou o mesmo resultado, aproximadamente 956 infectados. Já
o outro modelo, descrito por y 0 = k(t)y(n − y), apresentou resultados distintos. Isso ocorreu
pois, como já discutido, o tempo não influencia nas soluções do primeiro modelo, apenas no
segundo, devido sua caracterı́stica não autônoma.

7
Figura 4: Representação gráfica da solução acima.

Método de Euler
(a) Considere um problema de valor inicial (PVI) representado por uma equação diferencial de
primeira ordem:

dy
= f (y, t) y(t0 ) = y0 (4)
dt
Sendo a equação (4) linear e as funções f e fy contı́nuas em algum retângulo no plano
ty contendo o ponto (t0 , y0 ), existe um teorema no cálculo que garante uma solução única
y = φ(t) do problema dado em algum intervalo em torno de t0 .

O Método de Euler, ou Método da Reta Tangente é expresso pela equação (5):

yn+1 = yn + f (tn , yn )(tn+1 − tn ) n = 0, 1, 2, · · · (5)

Se o tamanho do passo tiver valor uniforme h e se denotarmos f (tn , yn ) = fn , então a


equação (5), assume a seguinte forma

yn+1 = yn + fn h n = 0, 1, 2, · · · (6)

O método de Euler consiste em calcular, repetidamente, a equação (5) ou (6), usando o


resultado de cada passo para executar o próximo passo. Assim, obtemos a sequência de
valores

8
y0 , y1 , y2 , · · · , yn , · · · (7)

que aproximam o valor da solução φ(t) nos pontos

t0 , t1 , t2 , · · · , tn , · · · (8)

Figura 5: Representação gráfica do método, porém usa-se a variável x em vez da variável t.


Créditos da imagem: Manoel W. A. Ramos.

(b) Esse método é eficaz em pequena escala, sendo extremamente útil nos problemas onde
a solução da EDO é complexa de se obter. Obter uma solução numérica nesses casos é
relativamente mais fácil e satisfatório para o problema. No entanto, em maior escala há um
problema bastante evidente: a propagação do erro, já que estamos falando de aproximações.
Nesse caso, para diminuir significativamente o erro, podemos diminuir o valor de h. Porém,
como se trata de uma escala maior, teremos que utilizar muito mais passos para chegar à
solução desejada e isso dará origem a um custo computacional muito grande. Outra questão
a ser observada a respeito das fragilidades do método é a instabilidade numérica. Para
equações do tipo y 0 = ky, por exemplo, temos que o módulo do produto entre valor de h e
k deve ser ≤ 1.
Sendo assim, |hk| ≤ 1. Logo, temos duas situações: ou tomamos h muito pequeno ou ficamos
restritos às equações as quais o valor de k é pequeno, fazendo com que o Método de Euler
dê soluções satisfatórias a um número bem reduzido de PVIs. Caso contrário, o erro das
aproximações se torna grande e, portanto, elas não serão satisfatórias.
Na Figura 6, temos a EDO y 0 = −2y. Essa equação diferencial é de fácil resolução: y =
de−2x , onde d é proveniente de uma constante de integração e, após utilizarmos a condição

9
e−2x
inicial, concluı́mos que d = 1/2 e, portanto, y = 2 . Podemos observar que quando
x −→ ∞, as soluções tendem a 0. Entretanto, utilizando o Método de Euler para fazer
aproximações das soluções, obtém-se soluções oscilando entre −12 e 12. Isto deve ao fato de
que, utilizando k = −2 e h = 1, o produto |hk| está fora da área de estabilidade das soluções.
Portanto, as aproximações feitas, nesse caso, não são satisfatórias. Essa construção foi feita
utilizando um applet criado por Manoel Wallace Alves Ramos, que se encontra disponı́vel
em geogebra.org/m/xTz9CaRY.

Figura 6: Soluções numéricas para o método de Euler.

Refaremos este exemplo e mostraremos que tomando h = 0, 2, as aproximações terão maior


precisão, pois o produto hk é igual 1. No entanto, conseguimos aproximar apenas uma
pequena parte do gráfico, dado o baixo valor de h, Figura 7.

Figura 7: Soluções numéricas para o método de Euler.

(c) Agora, vamos observar a EDO y 0 = xsen(x), cuja solução já não é tão trivial, com a condição
inicial x0 , y0 = (0, 1) e h = 0, 5. É possı́vel observar graficamente, Figura 8, que o erro das
aproximações é relativamente pequeno e, portanto, as soluções são satisfatórias.

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Figura 8: Soluções numéricas para o método de Euler.

Em Python, podemos computar a solução numérica deste problema de valor inicial via o
método de Euler com o seguite código:

Listing 1: Solução numérica do problema de valor inicial via o método de Euler usando
Python.
#d e f i n e f ( t , u )
def f ( t , u ) :
return 2∗u

#tamanho e num . de p a s s o s
h = 0.2
N = 6

#c r i a v e t o r t e u
t = np . empty (N)
u = np . copy ( t )

#C. I .
t [0] = 0
u[0] = 1

#i t e r a c o e s
for i in np . a r a n g e (N−1):
t [ i +1] = t [ i ] + h
u [ i +1] = u [ i ] + h∗ f ( t [ i ] , u [ i ] )

#imprime
for i , t t in enumerate ( t ) :
print ( ” %1.1 f %1.4 f ” % ( t [ i ] , u [ i ] ) )

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(d) Leonhard Euler foi um matemático e cientista nascido na Suı́ça (mais especificamente na
Basileia) em 1707 que deu imensas contribuições à matemática moderna, como a introdução
da função gama, a analogia entre o cálculo infinitesimal e o cálculo das diferenças finitas,
quando discutiu minunciosamente todos os aspectos formais do Cálculo Diferencial e Integral
da época. Foi também o primeiro matemático a trabalhar com as funções seno e cosseno.
Em 1768, publicou o livro Institutionum calculi integralis, que continha algumas de suas
descobertas acerca de equações diferenciais, incluı́do seu método.

Leonhard Euler faleceu em São Petersburgo, Rússia, no dia 18 de setembro de 1783, de


hemorragia intracerebral, sendo considerado o mestre dos matemáticos do século XVIII.

Referências

Coronavı́rus (COVID-19): origem, sinais, sintomas, achados, tratamento e mais. Sanar Med.
Disponı́vel em: <https://cutt.ly/3hkZcdU>. Acessado em: 15 de novembro de 2020

RODRIGUES, Leticia. Conheça as 5 maiores pandemias da história. Galileu, 29 mar 2020.


Disponı́vel em: <https://cutt.ly/2hkL6Sr>. Acessado em: 15 de novembro de 2020.

Modelos matemáticos serão estratégicos no combate ao coronavı́rus. SBMT (Sociedade Brasileira


de Medicina Tropical). Disponı́vel em: <https://cutt.ly/EhkZQKg>. Acessado em: 15 de
novembro de 2020.

Método de Euler. Wikipedia. 17 de outubro de 2020. Disponivel em: <https://en.wikipedia.


org/wiki/Euler_method>. Acessado em: 20 de novembro de 2020

BOYCE.W.E, DIPRIMA.R.C. Equações Diferenciais Elementares e Problemas de Valores de


Contorno. Tradução por: Valeria de Magalhães Iorio. Fundação Educacional Serra dos Órgãos,
Teresópolis. LTC Editora, 8a edição.

FRAZÃO, Dilva. Leonhard Euler : Matemático e cientista suı́ço e biografia. Disponı́vel em:
<https://www.ebiografia.com/leonhard_euler/>. Acessado em: 20 de novembro de 2020.

RAMOS, W.A.R, BEZERRA. F.D.M. Métodos de Euler e Runge-Kutta: uma análise utilizando
o Geogebra. 2017. 66 f. Dissertação (Mestrado Profissional em Matemática)- Universidade
Federal da Paraı́ba, João Pessoa, 19 JUN 2017. Disponı́vel em: <https://repositorio.ufpb.
br/jspui/handle/tede/9381>.

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