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A eugenização da raça brasileira pelo corpo feminino:

a defesa da educação física para a mulher


Mestranda, Universidade Federal do Ceará - UFC
Ariza Maria Rocha Lima
arizarocha@zipmail.com.br
(Brasil)

Este artigo analisa o papel atribuído ao corpo feminino, no contexto cultural e simbólico da sociedade
brasileira, no início do século XX, influenciado pela idéia de eugenização da raça. Da necessidade de construir
um novo país surge um novo modelo de sociedade que é desenhado por médicos, estadistas, juristas e pessoas
ilustres, como Rui Barbosa, entre outros. A educação física surge como expressão de saúde física para
regenerar a raça, recuperar as virtudes e a moral e defender a pátria. Segundo os "bons costumes" no final do
século XIX e início do século XX a decência da "moça de família" era vista pelo vestir, além do peso do
sobrenome da família. Até então, moças recatadas não tinham o direito de suar em público, mostrar o cabelo
assanhado e fazer exercícios, pois estes eram considerados atividade apropriada aos homens, sendo parte
integrante dos símbolos de sua virilidade, robustez e força. A mulher por ser vista como frágil, não podia fazer
educação physica. Mas, sendo assim, o que fez a sociedade mudar de opinião? Ao que atribuir esta mudança
de comportamento social? No rol das explicações científicas, a mulher passou a merecer atenção dos
higienistas, pois, na explicação biológica, a mulher tinha senão a única, a principal, função de gerar filhos e,
para que estes nascessem fortes e saudáveis, seria preciso educar a "mulher-mãe". É com este propósito que
Fernando de Azevedo defendeu uma educação física para as mulheres diferentes do sexo oposto, por ser a sua
constituição biológica limitada, assim como sua inteligência. Os perfis dos estereótipos masculino e feminino
eram nítidos nas idéias de Fernando de Azevedo sob a influencia do famoso Parecer de Rui Barbosa. Assim, no
corpo feminino, vimos depositada toda uma fé de construção histórica de uma sociedade, enfoques que esse
corpo recebeu nas muitas imagens traçadas, trilhadas, tatuadas e marcadas a ferro.
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 7 - N° 40 - Setiembre de 2001

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De acordo com Cantarino Filho (1982), a Educação Física Escolar brasileira


teve início oficialmente em 1851, com a Reforma Couto Ferraz aplicada nas
escolas do Rio de Janeiro. ...Quando deputado, Luiz Pedreira do Couto Ferraz
apresentou à Assembléia as bases para a reforma do ensino primário e
secundário no Município da Corte. Três anos após, em 1854, já como Ministro
do Império, expediu sua regulamentação, e entre as matérias a serem
obrigatoriamente ministradas no primário estava a ginástica, e no secundário, a
dança (Cantarino Filho in Betti, 1991:63).

Tendo em mente uma sociedade patriarcal, oligárquica, antidemocrática,


como a nossa sociedade naquela época, é instigante indagar o que "obrigou" as
jovens desta sociedade a se despojarem das composturas tradicionalmente
femininas por trajes tidos "sumários" e, suarem na gymnastica para mulheres,
no final do século XIX e início do século XX. Segundo os "bons costumes" da
época, a decência da "moça de família" era vista pelo vestir, além do peso do
sobrenome da família. Até então, moças recatadas não tinham o direito de suar
em público, mostrar o cabelo assanhado e fazer exercícios, pois estes eram
considerados atividade apropriada aos homens, sendo parte integrante dos
símbolos de sua virilidade, robustez e força.

A mulher, por ser vista como frágil, não podia fazer educação physica. Mas,
sendo assim, o que fez a sociedade mudar de opinião? Ao que atribuir esta
mudança de comportamento social?
Feito este preâmbulo, este artigo procura refletir sobre o papel atribuído ao
corpo feminino, no contexto cultural e simbólico da sociedade brasileira, no
início do século XX, influenciado pela idéia de eugenização da raça. A
HIGIENIZAÇÃO SOCIAL PELO CORPO FEMININO

Da necessidade de construir um novo país surge um novo modelo de


sociedade que é desenhado por médicos, estadistas, juristas e pessoas ilustres,
como Rui Barbosa, entre outros. A educação física aparece como expressão de
saúde física para regenerar a raça, recuperar as virtudes e a moral e defender a
pátria.

Na década de 20, encontramos a Associação Brasileira de Educação - ABE, a


Associação Cristã de Moços - ACM e Fernando Azevedo, como ilustre pedagogo,
dividindo suas preocupações com a "formação de hábitos saudáveis". Por sua
importância no debate pedagógico da época, tornar-se importante entender o
pensamento higienista de Fernando de Azevedo empenhado na defesa da
educação física nas escolas para a eugenização da raça brasileira, pelo corpo
feminino, salientando o seu aspecto simbólico, cultural e histórico.

Afinal, instalada a república, foram intelectuais como Rui Barbosa, e


Fernando de Azevedo, na década de 20, entre tantos outros, que defenderam a
educação física nas escolas brasileiras, como instrumento para garantir uma
raça saudável, enfatizando o corpo da mulher como o instrumento "natural"
para formar "... o Homem disciplinado, rijo, elo indispensável à corrente de
construção de um país também forte, em busca do progresso", nas palavras de
Castellani.

Naquele momento histórico, imperava o pensamento médico higienista, na


sua vertente eugênica. Pensamento este que atravessou o pensamento
pedagógico e influenciou fortemente a construção e estruturação da educação
física no Brasil. A educação física vivenciava o período de sua implantação
sobre o patrocínio do Estado e apoio dos educadores, que viam o corpo como
objeto de estudo da Ciência, principalmente da ciência médica, capaz de
promover a higienização necessária à formação da raça brasileira.

Assim, na instituição escolar, a educação física, enquanto sistematização dos


exercícios físicos, surgiu como complemento da higiene, fato este, demonstrado
por Vago, ao tratar o programa para o ensino primário no Estado de Minas
Gerais instituído em 1906,

No texto da reforma de 1906 há indícios que permitem vincular o enraizamento


escolar da cadeira de "Exercicios Physicos" nos programas escolares de Minas
Gerais ao debate sobre a formação racial brasileira. Com efeito, naquele
período, várias estratégias são defendidas (muitas postas em prática) para
conseguir a desejada regeneração e o aperfeiçoamento da raça, como políticas
de saneamento, de combate a epidemias tropicais de higiene e do
desenvolvimento de projetos eugênicos... (Vago, 2000:4).
Dessa forma o poder médico passou a gerir a vida da população.
Controlando a vida da família, da criança, da mulher, do homem desde sua
alimentação, do vestuário até a sexualidade. Na intenção de tratar do corpo
individual em nome do bem-estar de um corpo social e produtivo, funcionava
o "... imperativo da saúde: dever de cada um e objetivo geral...".

A concepção Higienista no Brasil predominou no final do Império e no período


da Primeira República (mas, suas conseqüências nos chegam até hoje). Dada a
Industrialização e seus problemas urbanos que eram causados, segundo os
liberais, pela "ignorância popular" e, não como mazelas do sistema capitalista
desenvolveu o pensamento de "assepsia social", cabendo a Educação Física a
responsabilidade em cumprir como "agente de saneamento público" à
"formação de homens e mulheres sadios, fortes, dispostos à ação..."
proporcionar aos alunos o desenvolvimento harmônico do corpo e do espírito,
concorrendo assim para formar o homem de ação, física e moralmente sadio,
alegre e resoluto, cônscio do seu valor e das suas responsabilidade (Brasil,
M.E.S. in Betti, 1991:71).

A construção social dessa idéia se daria pela educação e, principalmente pela


educação do corpo (feminino) para "... ser instaurada a paz na família
brasileira" em meio à efervescência social, cultural, educacional e política que
caracterizava o Brasil da época: ...grande transformação na vida de muitos
milhões de pessoas, aumento populacional, rápido crescimento de novos meios
de transportes e de comunicação, surgimento de enorme quantidade de
assalariados, grandes capitais acumulados e, por outro lado, grande miséria,
sem qualquer proteção social.. (Andery, 1988: 293).

Sendo assim, a viabilidade desta construção social, educacional e moral se


daria de um modo muito claro, como afirma Castellani (1994),

...mulheres fortes e sadias teriam mais condições de gerarem filhos saudáveis,


os quais, por sua vê, estariam mais aptos a defenderem e construírem a Pátria,
no caso dos homens, e de se tornarem mães robustas, no caso das mulheres
(Castellani, 1994:56).

O conflito de classes sociais e seus interesses antagônicos recebem idêntico


tratamento ideológico. A revolta dos trabalhadores é abafada e controlada pelas
teorias biológicas sob a influência de Darwin que explicava a evolução das
espécies, segunda de sobrevivência do mais forte. Estava dada a explicação
biológica para as desigualdades sociais. Assim, o que tornava os homens
diferentes entre si era a diferença natural (genética, biológica) e não social e
econômica. A miséria era efeito da ignorância, da preguiça, dos vícios (morais e
físicos), da segregação familiar, da indolência,

...o destino do ser humano na Terra não depende mais da ordem estabelecida,
mas das capacidades individuais e, aqueles que não conseguissem atingir um
grau mais elevado na escala social demonstravam a sua própria falta de
inteligência pessoal, de energia, de força moral, que os condenavam,
juntamente com a hipótese de uma 'herança racial' (Soares, 1994:21).

No rol das explicações científicas, a mulher passou a merecer atenção dos


higienistas, pois, na explicação biológica, a mulher tinha senão a única, a
principal, função de gerar filhos e, para que estes nascessem fortes e
saudáveis, seria preciso educar a "mulher-mãe", como se pode observar na
seguinte afirmação,

... Ela deve ser 'educada', preparada de modo científico para contribuir nesse
processo de regeneração da raça, exercendo de modo competente a sua
grande tarefa bio - social, qual seja: gerar e criar filhos robustos e saudáveis
(Soares, 1994:145).

É com este propósito que Fernando de Azevedo defende uma educação física
para as mulheres diferente do sexo oposto, por ser segundo ele, a sua
constituição biológica limitada, assim como sua inteligência. O perfil dos
estereótipos masculino e feminino era nítido nas idéias de Fernando de Azevedo
sob a influência do famoso Parecer de Rui Barbosa, que afirmava,

...A Educação Física da mulher deve ser, portanto, integral, higiênica e plástica,
e, abrangendo com os trabalhos manuais os jogos infantis, a ginástica
educativa e os esportes, cingir-se exclusivamente aos jogos e esportes menos
violentos e de todo compatíveis com a delicadeza do organismo das mães
(Castellani, 1994:58).

Sua preocupação era tamanha que, ele indagava,

...Que podemos, de fato, esperar, de meninas fracas, para quem a maternidade


seria uma catástrofe, senão uma floração cada vez mais raquítica e doentia?...
a perfeição física de um povo, por igual, da beleza e saúde do homem e da
mulher, (sendo que) a sua perfeição moral e intelectual está na razão direta da
que possuem um e outro sexo...O que é, pois, preciso, é ver na menina que
desabrocha, a mãe de amanhã: formar fisicamente a mulher de hoje é reformar
a geração futura...(Castellani, 1994:56).

O interesse pela educação física foi expresso nos escritos de Fernando de


Azevedo, como por exemplo, em artigo publicado pela revista Educação
Physica, onde o pedagogo empregou pela primeira vez, aqui no Brasil a idéia de
ser, "... a Educação Física cientificamente fundamentada, mostrando a
importância, o valor, o papel do exercido na idade pubertária, para a formação
do Homem moderno".

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