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Introdução

Boa tarde a todos, hoje vamos explorar um dos mais belos poemas da literatura
portuguesa do século XIX: Deslumbramentos de Cesário Verde.
Vamos começar, em primeiro lugar, por vos contar uma curiosidade sobre Cesário
Verde. O poeta inspirou-se na sua experiência como funcionário dos Caminhos de Ferro
de Portugal, utilizando a vida urbana e industrial de Lisboa como pano de fundo para a
sua poesia inovadora.
Passando agora para o poema. O título ….

SLIDE 6 - Podemos dividir o poema em quatro partes distintas:


· A primeira corresponde às quatro estrofes iniciais, onde o sujeito poético confessa o
fascínio que Milady exerce sobre ele;
· A segunda, composta pelas duas estrofes seguintes, é o relato do encontro entre o
sujeito poético e Milady;
· A terceira parte coincide com as duas estrofes que se seguem; aqui encontramos a
resignação do sujeito poético à atitude altiva e orgulhosa que Milady revelou quando se
cruzou com ele;
· A quarta parte corresponde às duas últimas estrofes, onde o sujeito lírico acautela
Milady para os perigos das suas atitudes e alerta-a para a possibilidade de todo o
orgulho e altivez se poderem voltar contra ela.

ANÁLISE INTERNA
………………..………………….. (1ª parte)
O poema começa com uma apóstrofe - Milady. Não conhecemos esta mulher, mas
sabemos desde logo que todo o poema é dirigido a uma mulher de um estatuto social
superior, uma vez que o sujeito lírico se dirige a ela com a expressão de cortesia
geralmente destinada às classes sociais mais elevadas.
Esta forma de tratamento também aponta para uma relação de criado-senhora entre o
sujeito poético e a mulher amada, encontrando-se ela num plano superior, aristocrático,
e ele num plano inferior, subserviente.
No entanto, "é perigoso contemplá-la, / Quando passa aromática e normal". Porquê?
Fisicamente, Milady é uma mulher bela, fascinante, sensual: "Em si tudo me atrai como
um tesouro"; "Ah! Como me estonteia e me fascina...". O sujeito poético fica
deslumbrado e em êxtase quando ela passa.

Apóstrofe: “Milady” (v.1);


Função: personificar e romantizar a figura feminina que o poeta evoca.
· Estrangeirismos: “Millady” (vv.1) ;
“toilettes” (vv.8)
Função: enfatizar o contraste entre o mundo rural e o mundo urbano, entre a tradição e a
modernidade.
· Dupla adjetivação: “aromática e normal” (v.2);
“O seu ar pensativo e senhoril” (vv.10) ;
“Como a Moda supérflua e feminina” (vv.15)
Função: Contribui para a riqueza e densidade da descrição poética.
NOTA: Perguntar se encontram mais alguma adjetivação (para além da 1ª)
· Anáfora: “Com seu tipo…” / “Com seus gestos…” (vv.3 e 4);
Função: Criar um efeito de repetição que enfatiza as características da figura feminina
descrita, nomeadamente os seus comportamentos e traços físicos.
· Metáfora: “gestos de neve e de metal” (v.4);
“E tão alta e serena como a Morte” (v.16)
Função: Comparar elementos distintos e contribuem para a criação de uma atmosfera
sensorial e emotiva no poema.
· Comparação: “Em si tudo me atrai como um tesoiro” (v.9);
“tão alta e serena como a morte” (v.16) NOTA: Compara-se a Moda com a Morte;
Função: Assim como a metáfora, tem como função comparar elementos diferentes para
destacar semelhanças entre eles.
· Antítese: “E o seu nevado e lúcido perfil!” (vv.12)
Função: Realça o contraste entre duas características de “Milady”: a palidez
(representada pela palavra “nevado”) e a clareza/luminosidade (representada pela
palavra “lúcido”)
………………………………….. (2ª parte)
Milady é a representante da Moda feminina, é uma mulher Britânica, de aspeto, postura
e comportamento inglês. Inglaterra, neste sentido, é o símbolo da potência e do
progresso industrial e, tal como os portugueses se ajoelham aos seus pés, Cesário
ajoelha-se aos pés da Milady. O comportamento e atuação femininos são marcados
pela real solenidade, e, com seus gestos de neve e de metal, causa sensação de frio,
distanciamento e até a Morte.
Perante o fascínio do eu lírico, Milady mostra-se fria, insensível. A sua postura altiva e
solene fá-lo sofrer, uma vez que se sente humilhado por esta indiferença. Milady sabe
que exerce este poder encantatório sobre os homens. Por isso, é orgulhosa na sua
postura, mostrando-se superior e tratando com desprezo os inferiores.
Então, é perigoso contemplar Milady porque a paixão que é despertada por essa
contemplação leva ao sofrimento. O seu olhar é caracterizado de forma antagónica, pois
fere e afaga ou conforta.

· Antítese: “Um arcanjo e um demónio” (v.22);


Função: Ao comparar a mulher a um arcanjo e a um demónio, Cesário Verde destaca as
características contrastantes que ela possui- a pureza e a angelicalidade representadas
pelo arcanjo, em contraste com a tentação e a sedução representadas pelo demónio.
· Aliteração: em “f” (vv.23 e 24)
Função: Ao repetir o som "f" em palavras que descrevem a figura feminina e suas ações,
Cesário Verde cria uma atmosfera de mistério, fascínio e sedução, refletindo o impacto
profundo que a presença dessa mulher exerce sobre o eu lírico.
Ironia associado ao Realismo: “Um arcanjo e um demónio a iluminá-lo / Como um
florete, fere agudamente, / E afaga como o pelo dum regalo!”
Função: Ao comparar a mulher a um arcanjo e a um demónio, Cesário Verde ironiza a
idealização romântica e a representação simplista das mulheres como puramente
angelicais ou diabólicas.
…………………………………… (3ª parte)
Face à postura de Milady, ao "eu" lírico apenas resta a resignação. Ele sabe que ela
dificilmente mudará a sua atitude e, por isso, ironizando, diz-lhe que mantenha como
seu companheiro "o gelo", a frieza e a insensibilidade. Depois compara-a à imperatriz
Ana de Áustria, pelos modos diplomáticos e orgulhosos, e à Fama, altiva e teatral.
Todavia, o fascínio que o sujeito poético experimenta leva-o a tentar derreter o gelo do
coração de Milady (“procuro fundir na minha chama / Seu ermo coração”), embora
esteja consciente de que as suas tentativas são vãs.
Neste esforço inglório denota-se a subserviência amorosa em que o sujeito poético vive
devido aos encantos desta mulher. Apesar de não ser correspondido - aliás, é ignorado
por Milady -, ele tentará derreter o gelo por se submeter às disposições desta mulher:
beijando-lhe “as brancas mãos” ou seguindo-a pelas ruas de Lisboa.
· Comparação: “como a um brilhante” (v.32);
Função: enfatiza o brilho e o esplendor dos olhos da figura feminina. Cesário Verde
evoca uma imagem de luminosidade intensa e radiante, sugerindo a beleza e o fascínio
irresistível que esses olhos exercem sobre ele.

………………………………………. (4ª parte)


Nas duas estrofes finais, o sujeito poético acautela Milady para que esta não se alegre
com a sua condição de rainha. Sabendo que o seu poder advém da beleza efémera, o
“eu” lírico avisa-a para não ser ousada (“não se afoite”), pois os seus poderes vão acabar
um dia e “os humilhados” (i.e. os amantes desprezados), na sombra da sua beleza, "Para
a vingança aguçam os punhais." Então, quando esta "flor do Luxo" perder os seus
poderes encantatórios, o eu lírico vê-la-á vagueando pelas ruas, em farrapos.

· Apóstrofe: “ó flor do Luxo” (v.37);


Função: Personifica o luxo, conferindo-lhe características humanas e expressando uma
intensa admiração e contemplação.

Interpretação:
Em Deslumbramentos podemos observar o olhar fascinado de um homem por uma
mulher estrangeira, uma inglesa, olhar que se humilha diante do esplendor e snobismo e
que poderia também ser interpretado como uma alegoria da relação tensa entre Portugal
e a Europa Civilizada.
Neste poema são apresentados três temas principais:
• Representação/caracterização da mulher citadina
- O sujeito poético do poema deambula pela cidade, observando e confessando seguir
uma mulher que o atrai – Milady.
Esta é uma mulher fatal, poderosa, que humilha o sujeito poético. Ao mesmo tempo,
Milady extravasa o domínio do sentimento amoroso puramente pessoal, uma vez que
representa a poderosa soberania que humilha o povo.
Ela corresponde ao tipo citadino artificial, retratando os valores decadentes e a violência
social. Surge na poesia de Cesário Verde incorporando um valor erótico que
simultaneamente desperta o desejo e arrasta para a morte.
• Dicotomia entre campo-cidade
- Neste poema estabelece-se assim uma dicotomia entre cidade-campo, sendo a cidade
um espaço de morte e o campo um espaço de vida – valorização do natural em
detrimento do artificial. O campo é visto como um espaço de liberdade, do não
isolamento; e a cidade como um espaço castrador, opressor, símbolo da morte, da
humilhação, da doença. A esta oposição associam-se as oposições belo/feio,
claro/escuro, força/fragilidade. A questão da inviabilidade do Amor na cidade.
• Crítica social
- No final do poema, Cesário Verde faz uma crítica social da burguesia em relação ao
proletariado, revelando a sua vontade em ver as condições sociais alterarem-se, para que
aqueles que trabalham diariamente pudessem ver recompensados os seus esforços, e
aqueles que vivem às custas do trabalho alheio fossem castigados pelo seu parasitismo.

Opinião:
Este poema convidou-nos a contemplar a vida urbana com um olhar atento e crítico e
fez-nos desfrutar da beleza da personagem apresentada.
Ao longo do poema, apercebemo-nos da sensibilidade de Cesário Verde para com as
pequenas nuances da vida quotidiana, como os contrastes entre a riqueza e a pobreza, a
beleza e a decadência.
Achámos interessante o facto de o poeta conseguir passar a mensagem de revolta com a
opressão sofrida do povo a partir de uma mulher que retrata a cidade, sendo esta
rodeada de privilégios e regalias ao contrário do campo.
Consideramos este poema cativante pela sua abundância de recursos expressivos e
extensa caracterização da mulher, permitindo sempre compará-la com temas centrais da
sociedade.
Sentimo-nos felizes pois as suas inquietações vividas transformaram-se numa obra-
prima que até aos dias de hoje permanece emblemática.

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