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Capítulo XVI

Com Maria já instalada na Rua de S. Francisco, terminara aí o jantar, e Ega insistia


com Carlos para irem ao sarau de beneficência que se realizava no Teatro da Trindade, a
favor das vítimas das cheias do Ribatejo.

Maria Eduarda declinou o convite por estar muito cansada. Carlos, rendeu-se à ideia
de ir, já que o Cruges era um dos atuantes. Quando chegam ao teatro ouvem o discurso de
Rufino, um deputado por monção, falando sobre a caridade e o progresso. O discurso é
exageradamente retórico, porém agrada à plateia. Cruges, o maestro, sobe ao palco e
interpreta ao piano a “Sonata Patética” de Beethoven, mas o público não apreciou a sua
apresentação, o que revela pouca cultura e falta de gosto visto que apreciaram o discurso
vazio de Rufino. O Prata é o próximo orador a falar e este aborda o estado agrícola das
províncias do Minho. Por fim, Alencar sobe ao palco para declamar o seu longo poema
“Democracia”, em estilo ultra-romântico, falando sobre a fome, a igualdade e a fraternidade.

No botequim, por intermédio de Alencar, Ega travou conhecimento com o Sr.


Guimarães, o tio de Dâmaso, que vivia em Paris. O senhor Guimarães tinha mostrado
vontade de falar com Ega, porque se sentia atingido pelas declarações do sobrinho, na
carta que o Ega redigira e o fizera assinar, fazendo-o confessar que tinha uma tendência
hereditária para se entregar à bebida.

Dâmaso alegara que assinara a carta sob coação. Mas, sabendo-o mentiroso, o Sr.
Guimarães (em Paris no Rappel onde trabalhava, era conhecido por Monsieur Guimaran)
apenas desejava que o Sr. Ega declarasse que não o considerava um bêbedo - coisa que
Ega fez sem dificuldades, pois, além do mais, simpatizara com aquele patriarca anarquista
e republicano. Carlos, tendo visto Eusebiozinho a sair do sarau, foi atrás dele e cobrou-lhe
com uma tareia a intervenção que tivera no caso do Jornal da Corneta.

Quando se tratou de regressarem a casa, os dois amigos, Carlos e Ega,


desencontraram-se, e Ega caminhava com o Cruges pela Rua Nova da Trindade, quando
ouviu Guimarães a chamá-lo. Guimarães afirma saber que Ega era íntimo de Carlos da
Maia e revela que fora muito amigo, em Paris, da mãe de Carlos, que lhe confiara, antes de
morrer, um cofre onde estariam, segundo ele, papéis importantes. Como estava de partida,
pediu a Ega que entregasse o cofre ou a Carlos ou à irmã, Maria Eduarda. Ega realiza
então, a enormidade da situação: Carlos era amante da sua própria irmã. Ega não sabe
como lidar com a situação então decide que vai contar tudo a Vilaça para que este pudesse
contar a Carlos que ele e Maria Eduarda são irmãos.
Capítulo XVII

No Ramalhete, Ega foi acordado por Baptista às sete horas da manhã. Não tendo
coragem para revelar a verdade a Carlos acerca do seu parentesco com Maria Eduarda.
Ainda colocou a hipótese de ser ele a fazê-lo para não incomodar Vilaça, mas rapidamente
desiste dessa ideia. Carlos foi ao quarto de Ega para conversar, mas este fica em pânico e
inventa uma ida a Sintra com o Traveira para não passar a tarde com o amigo.

Ega procurou então Vilaça, mas este estava ausente de casa. Quando finalmente o
encontra, conta-lhe toda a história. Este começa por duvidar, sugerindo que tudo se tratava
de uma forma de extorquir dinheiro aos Maias, mas depois de analisar os documentos do
cofre tomou consciência da situação. Vilaça dirigiu-se ao Ramalhete ao final da tarde para
contar a verdade a Carlos, mas este não teve tempo para recebê-lo então teve de ficar para
outro dia. Quando Vilaça finalmente revelava a verde a Carlos, Ega aparece no Ramalhete
e Vilaça decide abandonar a sala para que Ega esclareça melhor a situação a Carlos.
Afonso da Maia apareceu, de repente, na sala e reparou na face transtornada do neto.
Carlos acabou por desabafar com o avô na esperança que ele pudesse contrariar os factos
dados por Guimarães. Afonso fica transtornado por imaginar o neto a cometer incesto.

Entretanto Carlos estava perturbado com o facto de ter de contar tudo a Maria
Eduarda, mas decide que só ele o devia fazer. No caminho, imaginava os diferentes
cenários que poderiam suceder e as atitudes a tomar face a essas reações. Maria Eduarda
estava deitada na cama sentindo-se muito cansada quando Carlos anuncia-lhe que ia por
uns dias a Santa Olávia. Ela estranhou a decisão repentina e puxou-o para si, mas Carlos
não soube resistir e cometeu incesto conscientemente.

Uma noite, quando regressava de um encontro com Maria Eduarda, procurando


entrar em casa, sem ninguém dar conta, cruzou-se com o avô, que o esperava, para o
acusar com o seu olhar reprovador, sem lhe dizer uma palavra.

Na manhã seguinte Carlos foi chamado ao jardim pelos criados que tinham
encontrado o seu avô morto, caído sobre a mesa.

Carlos sentiu-se culpado e atormentado pelo remorso, pois sabia que o seu avô
tinha morrido de desgosto. Afonso da Maia, depois de ter enfrentado todos os desaires da
sua vida, não conseguiria sobreviver à dura prova de ver o seu neto a cometer incesto
voluntariamente.

Após o funeral do avô, Carlos viajou para a quinta de Santa Olávia, deixando
dinheiro a Ega para que o entregasse a Maria Eduarda, juntamente com o conteúdo do
cofre de Maria Monforte. Também a pedido de Carlos Ega aconselha Maria a retornar para
Paris, e esta assim o fez.
Maria partiu então no comboio que a levaria a França. Ega levou-a à estação de Santa
Apolónia e acompanhou-a até ao Entroncamento, onde saiu, para depois ir ao encontro de
Carlos à Quinta de Santa Olávia.
Capítulo XVIII

Passaram-se semanas após a partida de Maria Eduarda para França. Entretanto


saiu na “Gazeta Ilustrada” a notícia acerca da partida de Carlos e Ega numa longa viagem
pelo mundo: Londres, Nova York, China e Japão. Ega regressou um ano e meio depois
desta viagem, informando que Carlos tinha ficado em Paris, onde alugara um apartamento e
de onde não desejava regressar, tendo perdido o interesse por Portugal. Entretanto, Ega
revelou o seu propósito de escrever um livro com o título “Jornadas de Ásia”.

Dez anos depois Carlos visita Lisboa, regressando da sua longa viagem. Carlos não
tem intenções de se demorar muito tempo, querendo apenas tratar de alguns assuntos e
matar saudades dos amigos.

Carlos almoça com Ega no hotel Bragança. Ega conta, então, as últimas novidades:
a sua mãe morrera, tendo-lhe deixado uma boa herança; madame Gouvarinho tinha
herdado uma fortuna de uma tia e tinha então melhores carruagens, continuando a receber
às terças-feiras.

Apareceram então o poeta Alencar e o maestro Cruges. Alencar tinha ao seu


cuidado uma sobrinha que tinha ficado sem mãe e Cruges escrevera uma ópera cómica, a
“Flor de Granada”, que lhe valera o merecido reconhecimento.

Por fim separaram-se, após Carlos os ter convidado para jantar, combinando um
encontro às seis horas.

Entretanto Carlos e Ega iam visitar o Ramalhete. Passaram pelo Largo do Loreto e
Carlos espantava-se com o facto de nada ter mudado. Ao descerem o Chiado, Carlos teve
também a mesma impressão, encontrado às portas dos cafés as mesmas pessoas que por
lá se detinham dez anos atrás, com o seu ar triste e apagado.

Pelo caminho cruzaram-se com o Dâmaso, que casara com a filha dos condes de
Águeda, uma gente arruinada. Dâmaso sustentava a família e além disso a mulher traía-o,
mas ele até parecia dar-se bem com isso, uma vez que até tinha engordado. Passaram em
frente do consultório de Carlos e reviveram momentos do passado, quando se instalaram
em Lisboa, cheios de projetos. Recordaram também alguns amigos, como o Sequeira, o
marquês de Sousela e a D. Maria da Cunha, que já tinham morrido, D. Diogo, que tinha
casado com a cozinheira, Craft, que se tinha mudado para Londres, Steinbroken, que era
ministro em Atenas e Taveira, que continuava igual.

Chegaram depois à avenida, que tinha sido renovada, mas Carlos espantava-se
com o aspeto molengão dos rapazes que por ali passeavam, vestindo segundo os figurinos
franceses, mas de um modo servil, exagerado e ridículo, sem nenhuma originalidade.

Os dois amigos concluíram então que o que se mantinha genuíno em Lisboa era o
alto da cidade, com o seu castelo, o casario, os palacetes, os conventos e as igrejas.

A certa altura viram passar uma vitória com duas éguas inglesas, que trazia uma
rapaz loiro, com um aspeto delicado. Carlos não o reconheceu e Ega lembrou-lhe que era
Charlie, o filho de madame Gouvarinho, seu antigo doente. Ele estava já um homem, mas
mantinha uma amizade com um velho, revelando tendências homossexuais.

Depararam ainda com Eusebiozinho, que subia a avenida, de braço dado com uma
mulher muito forte. Ele tinha sido obrigado a casar com essa mulher, porque o pai dela,
dono de um prego, os tinha apanhado num encontro. Eusebiozinho tinha um aspeto ainda
mais triste e molengão e dizia-se que a mulher lhe batia.

Carlos, recordando o artigo publicado no jornal “A Corneta do Diabo”, a mando de


Dâmaso e de Eusebiozinho, perguntou então por Palma Cavalão e Ega esclareceu que ele
tinha deixado a literatura e se dedicava à política.

Apanharam depois uma tipóia para o Ramalhete. Viram Alencar ao longe e Ega
explicou a Carlos a sua amizade por ele, por ser um dos poucos homens que se mantinha
genuíno e com um sentido de honestidade, lealdade e generosidade.

O procurador Vilaça já os esperava à porta do Ramalhete e apresentou-lhes o


jardineiro que ali vivia com a mulher e o filho, guardando o casarão.

Os dois amigos percorreram então a casa, passando pelas diversas salas, onde se
guardavam os móveis e outros objetos trazidos da Toca. Entraram emocionados no
escritório de Afonso, onde romperam em espirros, devido a um pó que Vilaça colocara
sobre os móveis e os lençóis que os tapavam. Alguns móveis já estavam preparados para
serem levados para Paris, onde Carlos fixara a sua morada. Relembrando o reverendo
Bonifácio, o gato de estimação de Afonso, Carlos falou sobre a sua morte em Santa Olávia
e sobre o mausoléu que Vilaça lhe mandara fazer.

Sentaram-se no terraço e observaram o jardim, que tinha um aspeto melancólico,


simbolizando a decadência da família, com a estátua de Vénus coberta de alguma
ferrugem, o pranto da cascata e o cipreste e o cedro envelhecendo juntos, como dois
amigos num ermo”.

A propósito de Maria Eduarda, Carlos comunicou então ao amigo a notícia de que


ela ia casar, numa resolução de encarar a velhice com o apoio de um homem de bem e que
tinha afinidades com ela.

Já no quarto de Carlos, revendo a sua mocidade, os dois concluíram que ambos


tinham falhado na vida, não tendo levado por diante os seus projetos. Carlos refletiu que só
tinha vivido dois anos naquela casa, mas que era ali que estava toda a sua vida. Ega não se
admirou, porque fora nesses dois anos que Carlos viveu uma paixão. Esta era uma ideia de
românticos, mas Ega reconheceu que afinal todas as criaturas são românticas,
governando-se pelo sentimento mais do que pela razão.

Decidiram então fixar a sua teoria sobre a vida, o “fatalismo muçulmano”, que
consistia em não ter ambições nem esperanças e tudo aceitar com resignação e com a
consciência acerca da impossibilidade de se ter qualquer controlo sobre a vida. Em suma,
qualquer esforço se tornava inútil e não valia a pena correr para nada, “nem para o amor
nem para a glória nem para o dinheiro nem para o poder”.
Por fim, já na rua, aperceberam-se do adiantado da hora, 18:15, e correram
desesperadamente para apanhar um americano. Afinal, tendo eles decidido que não valia a
pena correr fosse para o que fosse, apenas apressavam o passo para satisfazer os apetites
do estômago, pois estavam atrasados para o jantar que Carlos tinha marcado no hotel
Bragança e Carlos tinha vontade de ainda mandar preparar um prato de paio com ervilhas.

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