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Faculdade de Letras e Ciências Sociais

Departamento de História

Curso de Licenciatura em História

Disciplina: Seminário de pesquisa

Título: O impacto da colonização e da modernização em Moçambique: O caso da


medicina tradicional no Sul de Moçambique (1975-2000)

4° ano- laboral

Docentes:

Doutor Paulo Lopes José

Mestre José Cláudio Mandlate

Discente:

Julieta Martins Naputo

Maputo, Junho, 2023


Índice

1. Introdução ................................................................................................................... 1
1.1. Objetivos ............................................................................................................. 3
1.1.1. Geral ............................................................................................................. 3
1.1.2. Específicos ................................................................................................... 3
2. Problemática ............................................................................................................... 4
3. Pergunta de partida ..................................................................................................... 4
4. Revisão da literatura ................................................................................................... 4
5. Metodologia ................................................................................................................ 6
6. Cronologia .................................................................................................................. 7
7. Referências Bibliográficas .......................................................................................... 8
1. Introdução

A colonização e a modernização tiveram um grande impacto na medicina tradicional em


Moçambique. A medicina tradicional é uma cultura tradicional africana, e das formas mais
antigas de cuidados de saúde utilizados pelo povo do Sul de Moçambique. A medicina
tradicional envolve práticas que são passadas de geração em geração, como o uso de
plantas medicinais, rituais e aconselhamento espiritual para tratar doenças.

"Medicina Tradicional como o conjunto de conhecimentos empíricos, desorganizados,


deturpados do seu conteúdo pelo processo de transmissão oral, e muitas vezes revestidos
de práticas obscurantistas, tais como ritos, etc.,” (Meneses, 2000:15)

“Medicina Tradicional é a soma total do conhecimento, competências e práticas baseadas


nas teorias, crenças e experiências nativas de diferentes culturas, explicáveis ou não,
utilizadas na manutenção da saúde, na prevenção, diagnóstico ou tratamento de doenças
físicas e mentais”. (WHO 2000)

A Medicina Tradicional e na nossa opinião a arte de curar doenças e depressões


psíquicas usando substâncias vegetais, animais, minerais e outros métodos baseados
em conhecimentos anteriores religiosos, sociais e culturais, bem como
conhecimentos atitudes e crenças que são prevalecentes na comunidade tendo em
vista a promoção e o alcance do bem-estar físico, mental e social dos seres humanos
e eliminar a causa de doença e o desagravo. (Mazive: 5 [S.n., s.d.]).

“Tinyanga que é a forma plural da palavra Nyanga possui origem na língua Bantu
Changana e é utilizada na região centro-sul de Moçambique significa Médicos-sacerdotes,
que também são conhecidos pelo nome de curandeiros.” (Santana, 2014:3)

Na presente pesquisa pretendo analisar os impactos da colonização e da modernização na


Medicina tradicional no Sul de Moçambique, no período pós-independência 1975, até a
realização da primeira Assembleia Geral da Associação de médicos tradicionais de
Moçambique (AMETRAMO) em 2000.

Olhando para o advento da colonização, impactou na cultura tradicional com base em três
aspetos fundamentais:

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Primeiro a repreensão das religiões tradicionais e de outras expressões ideológicas
da identidade cultural; segundo a política de assimilação destinada a criação de
uma classe intermédia de nativos aculturados á cultura portuguesa, conhecidos
como assimilados; e terceiro a introdução do cristianismo e da educação
missionária básica para nativos estruturada de modo a substituir e combater as
crenças e práticas supersticiosas e a fornecer conhecimentos mínimos para servir
o domínio colonial. (Honwana, 2002:120)

Em Moçambique por um lado houve uma maior valorização da medicina tradicional,


considerada parte integrante da cultura e identidade nacional, porém ainda existiam
desafios para a sua reintegração após a independência. Os Tinyanga exerciam
considerável influência no poder político e militar do Estado, bem como na vida pública
e particular dos povos, lugar social que lhes foi negado com o advento da colonização
portuguesa, com o processo de aculturação. Com este processo de aculturação, valores e
símbolos culturais que pertenciam originalmente a região ou nação Moçambicana, sofrem
uma certa ameaça por conta da integração de uma nova cultura, novos hábitos, e novos
costumes.

No entanto, com a crescente influência da Modernização e a adoção de práticas de saúde


ocidentais, a medicina tradicional em Moçambique tem enfrentado alguns desafios. A
modernização trouxe consigo a introdução de novas tecnologias e medicamentos que são
vistos como mais eficazes e seguros do que as práticas tradicionais, além disso tem
facilitado a disseminação de informações sobre medicamentos e tratamentos ocidentais, o
que muitas vezes leva ao povo do sul de Moçambique a recorrerem a essas opções em vez
da medicina tradicional, no entanto, apesar desses desafios, a medicina tradicional ainda
é "valorizada" no Sul de Moçambique.

A modernidade no contexto africano pressupõe um substrato tradicional (não


existe modernidade sem tradição) que pode ser atualizado e transparecer nessa
modernidade legitimando comportamentos, práticas, estratégias, poderes e
instituições ditas modernas. A diferença entre médico convencional e médico
tradicional é sentida sobremaneira no modo de atendimento, no diagnóstico, no
tratamento e no acompanhamento. (Meireles 2011:31-43).

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Portanto eu argumento que os Médicos- sacerdotes, ou seja, os Tinyanga foram vistos
como um atraso ao desenvolvimento ou até chamados de feiticeiros pelo facto de que após
a independência Moçambique ter adaptado as políticas dos seus colonizadores e
esquecendo a suas próprias crenças, culturas, a categoria na qual médico tradicional foi
colocado no período colonial, houve uma continuidade na posição na qual eles eram
colocados e na interferência do seu trabalho após a independência, a medicina tradicional
em Moçambique foi desvalorizada e reprimida pelos colonizadores europeus, que
impuseram a medicina ocidental como única forma legítima de cuidados de saúde. Mesmo
com a colonização e modernização algumas pessoas principalmente nas áreas rurais,
acreditam que a medicina tradicional é mais acessível e culturalmente apropriada do que
a medicina ocidental, e a demanda por práticas tradicionais continua sendo forte em muitas
áreas rurais do país. Portanto a colonização e a modernização têm tido um impacto
significativo na medicina tradicional no Sul de Moçambique, ou seja, a cultura e
identidade nacional viu-se cada vez ameaçada com esses processos, as culturas são
modificadas provocando nas suas diversas formas enormes prejuízos culturais, mas essa
forma de cuidados de saúde continua sendo valorizada e utilizada no país. A modernização
da medicina ou melhor a medicina moderna tornou-se sim um concorrente bastante forte
para a tradicional pois a tradicional adota produtos e práticas que não fazem parte do
tratamento "padrão" aos olhos da população moderna, a principal diferença entre a
medicina tradicional e a medicina moderna é o conhecimento e as práticas que cada uma
envolve.

1.1.Objetivos
1.1.1. Geral
 Compreender o impacto da colonização e da modernização no uso da medicina
tradicional no Sul de Moçambique.
1.1.2. Específicos
 Descrever a evolução do processo de colonização e modernização na medicina
tradicional em Moçambique;
 Analisar as mudanças ocorridas na medicina tradicional no sul de Moçambique no
período pós-independência;

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 Avaliar os impactos da colonização e da modernizacao no uso da medicina
tradicional no sul de Moçambique entre 1975 a 2000.

2. Problemática

A colonização proporcionou a troca de costumes, culturas e tradições, ou seja,


Moçambique passou pelo processo de aculturação. Com este processo de aculturação,
valores simbólicos culturais que pertenciam originalmente a região ou nação sofreram
uma certa ameaça por conta da integração de uma nova cultura, novos hábitos, e novos
costumes. A Medicina Tradicional em Moçambique foi alvo de várias tentativas de
supressão, ações essas, que, constituem exemplo da capacidade de adaptação desta
medicina, mas que têm vindo a provocar crises periódicas de vulnerabilidade. A
modernidade cruza-se e progride com a Medicina Tradicional, coexistindo num mesmo
tempo e espaço. Os atores sociais conferem-lhes sentido e sintetizam-nas, assegurando
desta forma a sua continuidade, não existe modernidade sem tradição.

3. Pergunta de partida

Em que medida a colonização e a modernização trouxe impactos no uso da medicina


tradicional no sul de Moçambique?

4. Revisão da literatura

Em sua obra SANTANA (2014), investiga, entre os anos 1937 - 1988, como Tinyanga,
médicos-sacerdotes, ao sul de Moçambique conseguiram garantir a sobrevivência de seu
grupo social num contexto político de intensas mudanças decorrentes dos processos de
colonização e independência em Moçambique, analisa ainda os motivos e as formas de
interdição que foram impostas ao grupo de Tinyanga e as estratégias construídas por seus
membros para manter o controlo sobre seus recursos próprios de cura, bem como garantir
sua legitimidade enquanto promotores da assistência de saúde e bem-estar social e
propiciar seu retorno ao cenário público.

MENESES (2000) em sua obra faz um estudo sobre a relação entre a medicina tradicional,
a biodiversidade e a concorrência de conhecimentos em Moçambique. A autora examina

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a tensão entre a medicina tradicional e a medicina ocidental moderna, assim como as
questões de propriedade intelectual e direitos autorais relacionados a esses conhecimentos.

Argumenta que a medicina tradicional é muitas vezes vista como inferior pela medicina
moderna, que é vista como mais avançada e cientificamente comprovada, destaca que a
medicina moderna muitas vezes desconsidera o conhecimento e as práticas da medicina
tradicional, o que pode levar à perda de tradições e conhecimentos importantes. Além
disso, a medicina moderna muitas vezes não considera as dimensões culturais e espirituais
da saúde e da doença, que são centrais para a medicina tradicional, a qual segundo ela é
uma forma valiosa de conhecimento que deve ser valorizada e preservada, não apenas por
sua importância cultural, mas também por seu potencial na pesquisa médica moderna.

A mesma autora vem com uma visão diferente daqui nos transmitiu na sua obra acima
referenciada. Em sua obra MENESES (2004) tem como tema central (a interrogação sobre
a relação dicotómica entre saberes locais e globais), vista através do prisma da evolução
da medicina «tradicional» neste trabalho a ideia principal está centrada no argumento de
que as formas e as práticas de saber ditas «tradicionais» detêm realmente um estatuto de
saber legítimo, o qual é reafirmado pela grande afluência de pacientes a estes terapeutas.
A medicina moderna aparece apenas como mais uma prática terapêutica sem constituir
um concorrente verdadeiro as restantes medicinas.

MORAIS [S.n., s.d.] Em sua obra mostrar que o sistema de saúde implementado pelo
governo colonial português contribuiu para a inferiorização das práticas populares de
saúde em Lourenço Marques, renegando-as como conhecimento legítimo, a autora
argumenta que, da necessidade e imposição do conhecimento ocidental como o único
legítimo, atores em nome da ciência ocidental provocaram epistemicídios: os
epistemicídios que foram perpetrados, em nome da visão científica do mundo, contra
outros modos de conhecimento, com o consequente desperdício e destruição de muita da
experiência cognitiva humana. A autora entra em concordância com SANTANA (2018)
no seguinte trecho: A medida em que a medicina oficial baseava-se em outros
pressupostos na concepção de saúde e doença, considerava-se a função no nyanga um
atraso civilizacional, podemos aqui fazer ou recorrer ao que SANTANA diz, sobre a
desvalorização das práticas dos Tinyanga.

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SANTANA (2018) Fala da experiencia dos nyanga durante o domínio colonial, este
domínio que implicou a desvalorização dos serviços dos Tinyanga e a marginalização de
seu grupo social por parte da esfera pública, expondo seus membros a prisões, castigos e
confiscos dos seus pertences religiosos. De conselheiros políticos, jurídico, religiosos e
promotores de serviços de saúde, os Tinyanga foram reduzidos a condição de feiticeiros.
A autora faz menção de algumas formas de manifestação que os mesmos encontraram,
pois esses ao serem presos eram tratados como quaisquer outras pessoas sendo eles
pessoas de prestígio em suas comunidades, os mesmos faziam músicas em changana e
cantavam pedido a sua liberdade e insultado. Destaca a questão da ausência de Médicas-
sacerdotisas, fala da forma como as mulheres nyanga e não nyanga foram enaltecidas em
algum momento, e deixa claro que às mulheres nyanga exerciam alguma função de poder
nas suas comunidades atuando como detentoras de normas e valores sociais costumeiros,
oferecendo alívio para seus clientes e promovendo o equilíbrio social no agregado familiar
e enquanto às mesmas exercem esse poder estão sujeitas a proteção dos nyanga
masculinos.

5. Metodologia

Na presente pesquisa desenvolveu-se o método qualitativo, foi feito um cruzamento de


fontes, também é feita uma pesquisa com base em documentos eletrónicos e uma pesquisa
bibliográfica em algumas instituições publicas tais como: Biblioteca central Brazão
Mazula, CEA (Centro de Estudos africanos), ARPAC que é um Instituto de investigação
Sociocultural, uma instituição Pública de carácter cultural e científico, que tem como
objetivos investigar, preservar e divulgar o património Cultural da Província de Maputo.

Para além das instituições que serão recolhidas as informações, serão feitas recolha com
base em fontes orais em alguns distritos na cidade de Maputo, e em alguns distritos nas
províncias de Gaza e Inhambane, entrevistas essas que serão feitas a médicos tradicionais
que vivenciaram estes momentos em que as mudanças ocorreram e ou pessoas com
memorias ou conhecimentos sobre a forma como o novo governo lhe deu com a questão
da medicina tradicional, para que eu possa obter resultados relevantes para a minha
pesquisa.

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6. Cronologia

Ano Acontecimento

1975 Proclamação da Independência de Moçambique

1977 Criado o Gabinete de Estudos de Medicina Tradicional

1992 Fundação da AMETRAMO

1998 Reconhecimento legal da AMETRAMO

2000 Primeira Assembleia geral da AMETRAMO

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7. Referências Bibliográficas

JOZANE, Tibúrcio. DESAFIOS PARA REGULAMENTAÇÃO DAS PRÁTICAS DA


MEDICINA TRADICIONAL E ALTERNATIVA NO SISTEMA NACIONAL DE SAÚDE
EM MOÇAMBIQUE. Maputo, 2020.

HONWANA, Alcinda Manuel. Espíritos vivos, tradições modernas: possessão de


espíritos e reintegração social pós-guerra no Sul de Moçambique. Lisboa: Promedia,
2002.

MAZIVE, Moisés Daniel. MEDICINA TRADICIONAL EM MOÇAMBIQUE:


LEGALIZAÇÃO E PROCURA. [S.n., s.d.].

MEIRELES, Luísa Gomes. A vivência da doença mental e a influência da Medicina


Tradicional: O caso de Moçambique. Lisboa, 2011.
MENESES, M. P., Medicina Tradicional, Biodiversidade e Conhecimentos Rivais em
Moçambique. Oficina do CES, 2000.

MENESES, Maria Paula G. «Quando não há problemas, estamos de boa saúde, sem azar
nem nada»: para uma concepção emancipatória da saúde e das medicinas: In: SANTOS,
Boaventura de sousa; SILVA, Teresa cruz e (Org.). Moçambique e a Reinvenção da
Emancipação Social. Maputo: Centro de Formação Jurídica e Judiciária, 2004.

MORAIS, C.M.G., Políticas de saúde e medicina tradicional em Lourenço Marques


(Moçambique 1940-1975). In: Anais do XV encontro regional de História da ANPUH-
RIO. [S.n., s.d.].

NEWITT, Malyn. História de Moçambique. Lisboa: Publicações Europa-América Lda., 1997.

SANTANA, Jacimara Souza. Médicas-Sacerdotisas: Religiosidades Ancestrais e


Contestação ao Sul de Moçambique (c. 1927 – 1988), Campinas, SP: Editora Unicamp,
2018. 383 p.

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SANTANA, Jacimara Souza. A EXPERIÊNCIA DOS TINYANGA, MÉDICOS-
SACERDOTES, AO SUL DE MOÇAMBIQUE: IDENTIDADES, CULTURAS E
RELAÇÕES DE PODER.(C. 1937-1988). CAMPINAS, 2014.

World Health Organization (2000), General Guidelines for Methodologies on Research


and Evaluation of Traditional Medicine, Geneva, WHO.

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