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Instituto Missionário Palavra da Vida

Mateus Baia de Oliveira

Visões Soteriológicas
Pelagianismo, Semipelagianismo, Arminianismo, Molinismo, Calvinismo
e Amiraldismo

Artigo apresentado ao Professor Samuel Marques


Campos em cumprimento parcial da disciplina Teologia
Sistemática 4.

Benevides
2023
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 3
1 PELAGIANISMO ................................................................................................................ 4
2 SEMIPELAGIANISMO ..................................................................................................... 5
3 ARMINIANISMO ............................................................................................................... 6
4 MOLINISMO ....................................................................................................................... 8
5 CALVINISMO ..................................................................................................................... 9
6 AMIRALDISMO ............................................................................................................... 11
CONCLUSÃO ......................................................................................................................... 12
REFERÊNCIAS...................................................................................................................... 13
OBRAS CONSULTADAS ..................................................................................................... 14
3

INTRODUÇÃO

Soteriologia é o campo da Teologia, especialmente a Teologia Sistemática, que trata da


doutrina da salvação. O substantivo salvação é uma tradução do vocábulo grego σωτηρíα, que
aparece entre 40 e 49 vezes no Novo Testamento.1 Ou seja, percebe-se que a salvação é um
tema recorrente, e importante, no Novo Testamento – e também do Antigo Testamento.
Ao longo dos séculos, diversos teólogos elaboraram várias visões acerca da salvação na
busca de compreender o ensino bíblico acerca deste tema. Diante disso, este artigo busca
explicar – buscando ser imparcial e honesto – seis visões soteriológicas. Respectivamente, são
elas: Pelagianismo, Semipelagianismo (ou semiagostinianismo), Arminianismo, Molinismo,
Calvinismo e Amiraldismo. Para isso, foram usadas obras que defendem a visão apresentada,
ou que são, pelo menos, imparciais em sua exposição; por isso, é de suma importância que as
notas também sejam consultadas.

1
MITCHEL, Larry A.; PINTO, Carlos Osvaldo Cardoso; METZEGER, Bruce M. Pequeno Dicionário de
línguas bíblicas. São Paulo: Edições Vida Nova, 2002. p. 45.
4

1 PELAGIANISMO 2

O pelagianismo é uma corrente teológica desenvolvida no início do século V pelo


Monge ascético Pelágio (c. 348/352-420-425). Pelágio estabeleceu-se em Roma e ficou
alarmado com a impureza que estava presente na igreja romana, e assim, ele defendia a
responsabilidade moral do ser humano e insistia intensamente na necessidade de um constante
aperfeiçoamento humana. Diante da corrente teológica desenvolvida por ele, “o pelagianismo
veio a ser encarado como uma forma de religião que pregava a autonomia humana e que
sustentava ser o ser humano capaz de tomar a iniciativa de sua salvação.”3
Pelágio sustentava que Deus criou a humanidade e os mandamentos; logo, dizer que o
pecado, isto é, “fraquezas humana” impedem o homem de cumprir todos os mandamentos é
considerado blasfêmia. Ou seja, todos os mandamentos podem e devem ser obedecidos. Em
413, Pelágio escreveu uma carta a Demetria, uma mulher que decidiu se tornar freira:

[Ao olhar para os mandamentos divinos, murmuramos e dizemos:] [...] ‘é difícil, é


muito difícil, não podemos fazer isso! Somos apenas homens e estamos amarrados em
uma carne frágil.’ Que loucura cega! Que profanação! Acusamos Deus de dupla
ignorância, de modo que ele parece não conhecer o que criou e não saber o que
ordenou; de modo que Deus, esquecido da fragilidade humana, que foi criada por ele,
tivesse imposto ao homem ordens que ele não pode suportar. E, ao mesmo tempo (Oh!
Que blasfêmia!), atribuímos iniquidade ao justo e crueldade ao santo, primeiro, ao
dizer que ele ordenou algo impossível e, segundo, que o homem será condenado por
Deus por fazer coisas [isto é, pecar] que ele não é capaz de evitar, de modo que (e isso
é algo que considerado sacrilégio!), parece ter Deus buscado mais nossa condenação,
e não a nossa salvação.4

Ou seja, para Pelágio o homem era totalmente capaz de cumprir os mandamentos divino.
Segundo McGrath: “A idéia de predisposição humana para o pecado não tem lugar em seu
pensamento. Para ele, a capacidade humana de alcançar a perfeição não poderia ser vista como
algo que fora comprometido pelo pecado.”5
A implicação desse pensamento acerca da hamartiologia e antropologia é que a
justificação do homem acontece baseada em seus méritos. Ou seja, se o homem usar o livre-
arbítrio e cumprir os deveres estabelecidos por Deus, será salvo; todavia, se o homem falhar em

2
Neste capítulo, faço um agradecimento especial ao Alister McGrath. O seu texto e suas citações indicaram as
fontes primárias dos textos de Pelágio. Cf.: MCGRATH, Alister E. Teologia Sistemática, histórica e filosófica:
uma introdução a teologia cristã. São Paulo: Shedd Publicações, 2005.
3
MCGRATH, Alister E. Teologia Sistemática, histórica e filosófica: uma introdução a teologia cristã. São
Paulo: Shedd Publicações, 2005. p. 59.
4
PELAGIUS. A Letter from Pelagius. Disponível em: <https://epistolae.ctl.columbia.edu/letter/1296.html>.
Acesso em: 14 de junho de 2023. Tradução do autor.
5
MCGRATH. Ibid., p. 509.
5

cumprir esses deveres, será condenado. Além disso, para Pelágio, o envolvimento de Cristo na
salvação é apenas o exemplo a ser imitado; “se para Pelágio é possível falar da ‘salvação em
Cristo’, é apenas no sentido da ‘salvação por meio da imitação do exemplo de Cristo’. 6
Após a discussão entre Pelágio e Agostinho (há outros personagens envolvidos na
controvérsia pelagiana, todavia, estes são os principais), Pelágio foi considerado como herege,
e os seus foram considerados heterodoxos.
Pode-se encontrar uma sistematização do pelagianismo em sete pontos na obra de
Augustus H. Strong; a saber:
“1) Adão foi criado mortal, de sorte que teria morrido mesmo que não tivesse cometido
pecado; 2) o pecado adâmico feriu não a raça humana, mas somente Adão; 3) as crianças recém-
nascidas estão na mesma condição de Adão antes da queda; 4) toda a raça humana não morre
por causa do pecado de Adão, nem ressurge por causa da ressurreição de Cristo; 5) as crianças,
ainda não batizadas, alcançam a vida eterna; 6) a lei é um meio de salvação tão bom como o
evangelho; 7) mesmo antes de Cristo houve homens que não cometeram pecado.” 7
2 SEMIPELAGIANISMO

O semipelagianismo, que também pode ser chamado de semiagostinianismo, 8 é uma


corrente teológica que busca responder o pelagianismo sem recorrer a Agostinho em suas
posições sobre a graça e predestinação.9 Não é possível definir qual foi o primeiro teólogo que
desenvolveu os pensamentos semipelagianos ou semiagostinianos, todavia, é possível dizer
qual foi o principal defensor desta corrente teológica; a saber: João Cassiano (c. 360-c. 435).
Não é possível afirmar que Pelágio respondeu aos pensadores “intermediários”, porém,
Agostinho escreveu vários tratados buscando refutar o semipelagianismo.
Os pensadores desta corrente buscavam “definir a corrupção, o ‘livre-arbítrio’, a
salvação pela graça e a fé de uma forma que tornasse o homem livre para se voltar a Deus,
tomando a iniciativa no arrependimento.” 10 Todavia, é importante destacar que esses
pensadores não eram pelagianos (e nem agostinianos); eles concordavam que todos os
descendentes de Adão receberam dele uma natureza corrupta e caída, ou seja, não eram

6
MCGRATH. Ibid., p. 512.
7
STRONG, Augustus Hopkins. Teologia Sistemática. Volume 2. São Paulo: Hagnos, 2003. p. 209-210.
8
GONZÁLES, Justo L. Breve Dicionário de Teologia. São Paulo: Hagnos, 2009. p. 301.
Robert D. Culver defende que é melhor chamar esta corrente teológica de semiagostiniana. A saber: “Tanto por
sua origem como por sua história, talvez seja melhor chamar essa perspectiva de semiagostiniana.” Cf. a defesa
em: CULVER, Robert Duncan. Teologia Sistemática: Bíblica e Histórica. São Paulo: Shedd Publicações,
2012. p. 520-521.
9
GONZÁLES. Ibid.
10
CULVER. Ibid.
6

pelagianos11; contudo, eles sustentavam que os descendentes de Adão foram somente


enfraquecidos pelo pecado original, e não estão mortos no pecado, ou seja, eles não eram
agostinianos.12 Por isso, eles ensinavam que o começo da fé, isto é, o primeiro ato de crer está
nas mão do pecador, e não de Deus. Ou seja, o semipelagianismo ou semiagostinianismo é
essencialmente sinergista.13
Essa corrente teológica foi condenada como herética no concílio de Orange, em 529, e
a visão agostiniana foi mais uma vez endossada. 14 Essa corrente teológica intermediária
continuou influente mesmo após o concílio de Orange, ela era atotada entre alguns protestantes
da época da Reforma; por exemplo: o próprio Zuínglio foi acusado de ser semipelagianos em
sua visão acerca do pecado. Além disso, também foi no período da reforma que essa corrente
intermediária foi chamada de “semipelagianismo” na Fórmula de Concórdia Luterana.15
3 ARMINIANISMO

O arminianismo é uma tradição muito ampla possuindo distintas ramificações, pode-se


dizer que há três principais: o arminianismo holandês, o arminianismo inglês e o arminianismo
wesleyano.
O arminianismo é um sistema teológico que foi iniciado por Jacob Arminius (1560-
1609). Armínio foi ordenado pela igreja reformada holandesa depois de concluir seus estudos;
inclusive, Armínio também estudou sob a tutela de Beza em Genebra. Então, em 1603, ele
assumiu o cargo de professor de teologia na universidade de Leyden. E conforme desenvolvia
seus estudos, Armínio foi se distanciando dos ensinos de Calvino e Beza, principalmente sobre
a predestinação e a extensão da expiação. Diante deste debate histórico, é importante ter em
mente o que Justo Gonzáles escreveu: “É importante recordar isso, visto que frequentemente
se diz que o arminianismo é o contrário do calvinismo, quando na realidade tanto Armínio como

11
Charles Hodge, um calvinista, também escreveu que os semipelagianos rejeitavam tanto o pelagianismo como
o agostinianismo. Para ler um panorama histórico sobre o semipelagianismo e uma crítica calvinista ao
semipelagianismo, cf.: HODGE, Charles. Teologia Sistemática. São Paulo: Hagnos, 2001. p. 601-609.
12
CULVER. Ibid.
13
Acerca da origem do termo sinergista, Culver escreveu: “Sinergismo (do grego, trabalhar com) ou
‘cooperativismo’ é o nome que os reformadores, Lutero e Calvino, deram à teoria segundo a qual Deus proveu e
ofereceu salvação, mas que o pecador que coopera com os toques da Palavra e do Espírito, vêm a Deus para
receber a salvação. Eles insistiam, por outro lado, que Deus escolhe o pecador, acha-o e persuade-o.” cf.:
CULVER. Ibid., p. 852.
14
FERGUNSON, Sinclair B.; WRIGHT, David F.; PARCKER, J. I. (editores). Novo Dicionário de Teologia.
São Paulo: Hagnos, 2011. p. 914.
15
CULVER. Ibid.
7

seus seguidores eram calvinistas em todos os pontos, exceto nos que debatiam.”16 Ou seja, havia
muito concordância entre os calvinistas e arminianos.
Armínio concordava em quase todos com o ensino agostiniano e reformado sobre a
depravação humana; os ensinos de Armínio acerca disso estão longe de serem considerados
pelagianos ou semipelagianos. Em resumo, Armínio ensinava que o homem não pode salvar a
si mesmo.
Todavia, os ensinos de Armínio se distanciaram drasticamente da teologia calvinista no
tocante a predestinação e expiação. Essa posição recebeu forte apoio entre os reformados
holandeses, que escreveram o Manifesto Remonstrante, em 1610:

Deus, por meio de um eterno e imutável decreto em Cristo, antes da existência do


mundo, determinou-se a eleger para a vida eterna, dentre a raça humana pecadora e
caída, todos aqueles que, por meio da graça de Deus, crêem em Jesus Cristo e
perseveram na fé e na obediência... Cristo, o salvador do mundo, morreu por todos os
seres humanos, obtendo dessa forma, pela sua morte na cruz, a reconciliação e o
perdão para todos, de tal maneira, entretanto, que apenas aqueles que são fiéis
realmente desfrutam disso.17

Por fim, destaca-se também que para Armínio, a predestinação é coletiva, isto é, Deus
predestinou à salvação aqueles que crêem em Jesus. 18 Ou seja, a predestinação não está
fundamentada de modo incondicional apenas na vontade divina, está também condicionada à
fé do indivíduo. “Deus elege para a salvação aquele que não resistem, mas aceitam seu dom
gracioso da fé e perseverança; Deus reprova os que teimam em rejeitar sua dádiva da
salvação.”19 Segundo os escritos do próprio Armínio: “[...] Deus fez um decreto para eleger
apenas os fiéis e para condenar os incrédulos.” 20 Além disso, destaca-se que o arminianismo é
sinergista21, pois, é necessário o homem crer para ser salvo; todavia, o crer só é possível por
causa da graça preveniente. Concluindo, percebe-se que os ensinos de Armínio são extensos.
Posteriormente, os remonstrantes – seguidores de Armínio – sistematizaram o
arminianismo em cinco pontos para combater os defensores da teologia calvinista. A saber:
FACTS (1. Freed by grace (to believe)/livre pela graça (para crer); 2. Atonement for

16
GONZÁLES. Ibid., p. 44.
17
Remonstrant Articles. p. 1-2. Apud MCGRATH, Alister E. Teologia Sistemática, histórica e filosófica:
uma introdução a teologia cristã. São Paulo: Shedd Publicações, 2005. p. 535.
18
MCGRATH. Ibid.
19
DYRNESS, William A.; KÄRKKÄINEN, Veli-Matti (editores gerais); MARTINEZ, Juan F.; CHAN, Simon
(editores adjuntos). Dicionário Global de Teologia: uma obra de referência para a Igreja em todo o mundo.
São Paulo: Hagnos, 2017. p. 44.
20
ARMINIO, Jacó. As Obras de Armínio. Volume 3. Rio de Janeiro: CPAD, 2015. p. 556.
21
Cf.: nota nº 13.
8

all/expiação ilimitada; 3. Conditional election/eleição condicional; 4. Total


depravity/depravação total; 4. Security in Christ/segurança em Cristo.)22
4 MOLINISMO

O Molinismo é uma corrente teológica que busca, principalmente, conciliar a graça de


Deus e o livre-arbítrio. Esse sistema foi originado pelo teólogo jesuíta Luís de Molina (1535-
1600).23
Para conciliar a graça de Deus e o livre-arbítrio, o molinismo propõe que Deus possui
três tipos de conhecimento; segundo William L. Craig, um molinista evangélico:

1. Conhecimento Natural: o conhecimento de Deus de 1. Conhecimento Natural: Estado logicamente


todos os mundos possíveis. O conteúdo deste necessários de Coisas.
conhecimento é essencial para Deus.
2. Conhecimento Médio: o conhecimento de Deus do 2. Conhecimento Médio: Estado hipotéticos de
que cada possível criatura livre faria em qualquer coisas concernentes as decisões livres das criaturas
conjunto possível de circunstâncias e, portanto, o
conhecimento desses mundos possíveis que Deus pode
fazer real. O conteúdo deste conhecimento não é
essencial para Deus.
A decisão livre de Deus de criar um mundo A decisão livre de Deus de criar um mundo

3. Conhecimento Livre: o conhecimento de Deus do 3. Conhecimento Livre: Todos os estados


mundo atual. O conteúdo deste conhecimento não é remanescentes de Coisas no mundo atual
essencial para Deus.
Fonte: O único Deus Sábio. p. 125, 136.24

Sendo assim, o conhecimento médio de Deus mostra quem receberá livremente a


salvação em determinadas circunstâncias, pois, Deus “fornece graça suficiente para a salvação
de todos e de cada pessoa que Ele criou. Em seu conhecimento médio, no entanto, Ele conhece
quem, com as variadas circunstâncias, aceitaria livremente e quem rejeitaria livremente às suas
iniciativas.” Além disso, “as pessoas nesse mundo as quais Deus sabia que iriam responder,

22
Veja uma defesa detalhada de cada ponto em: DANIEL, Silas. Arminianismo: a mecânica da salvação. Rio
de Janeiro: CPAD, 2017. p. 307-477.
23
GEISLER, Norman L. Enciclopédia Apologética: repostas aos críticos da fé crista. São Paulo: Editora
Vida, 2002. p. 608.
24
CRAIG, William Lane. O Único Deus Sábio: A Compatibilidade entre a Presciência Divina e a Liberdade
Humana. Maceió: Editora Sal Cultural, 2016. p. 125, 136.
9

com certeza responderão e serão salvos. No entanto, eles ainda têm a liberdade de rejeitar a
graça de Deus. Claro, se eles fossem rejeitar a sua graça, o conhecimento médio de Deus teria
sido diferente.”25 Ou seja, para o molinismo, Deus deseja que todos sejam salvos, e procura
trazer as pessoas à para ele. Mas, se fizermos uma escolha livre de rejeitar o sacrífico de Cristo
por nossos pecados, Deus nos dará aquilo que merecemos; sendo assim, Deus não nos mandará
ao inferno, nós mesmos nos mandamos.26 E Deus já sabe, com base no conhecimento médio,
qual será nossa escolha.
Em conclusão, é importante destaca que o molinismo não é uma “teologia do
multiverso” como alguns acusam de forma errônea e desonesta. O molinismo harmoniza a
predestinação e o livre-arbítrio usando o conhecimento médio; todavia, a explicação do
conhecimento médio certamente é extremamente densa e precisa ser analisada com atenção.27
5 CALVINISMO

O calvinismo, ou também conhecido como “teologia reformada”, são termos que


caracterizam o sistema teológico desenvolvido e inspirado nas obras de João Calvino (1509-
1564), especialmente a célebre obra “As Institutas da Religião Cristã”. É necessário enfatizar
que a teologia calvinista ou reformada não se baseia exclusivamente nas obras de João Calvino,
pois, como observou Alister McGrath: “[...] há um consenso geral em relação ao fato das idéias
de João Calvino haver sido sutilmente modificadas por seus sucessores”. 28 Porém, isso não
anula o fato de João Calvino ser o principal e mais relevante pensador teológico deste sistema.
No sistema teológico calvinista, a soteriologia monergista é uma implicação direta da
hamartiologia. Louis Berkhof em sua clássica Teologia Sistemática, concluindo sobre o
significado de pecado, escreveu que “se pode definir o pecado como falta de conformidade com
a lei moral de Deus, em ato, disposição ou estado”29.
É interessante notar que para ele, pecado não é apenas falta de conformidade com a Lei
em ato e disposição; também é o estado do ser humano. Então, a pecaminosidade humana vai
além de ações ou omissões. O pecado original afetou o ser humano por completo. A

25
CRAIG. Ibid., p. 130.
26
CRAIG, William Lane. Em Guarda: defenda a fé crista com razão e precisão. São Paulo: Vida Nova, 2011.
p. 301.
27
Para ver uma explicação e defesa do molinismo, cf.: CRAIG, William Lane. O Único Deus Sábio: A
Compatibilidade entre a Presciência Divina e a Liberdade Humana. Maceió: Editora Sal Cultural, 2016.
28
MCGRATH. Ibid., p. 99.
29
BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2012. p. 216.
10

humanidade perdeu a retidão original do primeiro casal, se tornou escrava do pecado; tanto a
parte material e imaterial do homem se deterioraram.30
Na Teologia Sistemática escrita pelo corpo docente do The Master’s College, iniciando
o capítulo sobre pecado, escreveram: “pecaminosidade universal do homem é óbvia e
verificável. O pecado permeia todos os aspectos de nossa existência” 31, [de forma individual e
social]. Sendo assim, o pecado é universal no sentido de que afetou a todos – ou seja, todos são
pecadores –, e é universal porque afetou todas as áreas da vida humana.
A principal implicação da hamartiologia calvinista é que o homem não é capaz de salvar
a si mesma ou escolher Deus. Então, a salvação é a ação completa de Deus, sem ação humana,
em trazer as pessoas da condenação para a justificação, da morte à vida, de estranhos à filhos.32
Ou seja, o calvinismo é essencialmente monergista.
A humanidade é escrava do pecado, acerca disso, Calvino escreveu: “é lícito concluir
que a imaginação do homem é, por assim dizer, uma perpétua fábrica de ídolos.” 33 Por isso,
conclui-se que sem o querer divino o homem não será salvo; somente pela ação divina o homem
é justificado. Posteriormente, Calvino escreveu que a ação divina não destrói a vontade humana,
todavia, a vontade humana é renovada pela ação divina; e então, o homem pode viver segundo
o querer divino: “[...]a vontade não é destruída pela graça; ao contrário, é antes reparada, pois
que ambos esses conceitos se harmonizam esplendidamente, de modo que se pode dizer que a
vontade do homem é restaurada, enquanto, corrigida a viciosidade e depravação, é ela dirigida
à verdadeira norma da justiça, e ao mesmo tempo se pode dizer que é criada no homem uma
vontade nova [...].”34
Anos após a morte de João Calvino, o calvinismo ou teologia reformada foi
sistematizado em cinco pontos no Sínodo de Dort para combater os remonstrantes. A saber:
TULIP (1. Total depravity/depravação total; 2. Unconditional election/eleição incondicional;
3. Limited atonement/expiação limitada; 4. Irresistible Grace/graça irresistível; 5. Perseverance
of the saints/perseverança dos santos.)35 E o ensino que a salvação só é possível por causa do
querer divino permaneceu ligado a teologia calvinista.

30
HODGE, Charles. Teologia Sistemática. São Paulo: Hagnos, 2001. p. 614.
31
MACARTHUR, John; MAYHUE, Richard (editores). Teologia Sistemática: Um Estudo Aprofundado das
Doutrinas Bíblicas. Eusébio, CE: Editora Peregrino, 2022. p.584. Para ver uma defesa da imputação do pecado
de Adão cf., 601-603.
32
RYRIE, Charles Caldwell. Teologia Básica: Um Guia Sistemático Popular para Entender a Verdade
Bíblica. São Paulo: Mundo Cristão, 2012. p. 161.
33
CALVINO, João. As Institutas: Volume 1. Edição Clássica. São Paulo: Editora Cultura Cristão, 2006. p. 107.
34
CALVINO, João. As Institutas: Volume 2. Edição Clássica. São Paulo: Editora Cultura Cristão, 2006. p. 100.
35
Cf.: Os Cânones de Dort: a rejeição bíblica do arminianismo sistematizada em cinco artigos de fé. São
Paulo: Editora Cultura Cristã, 2016.
11

6 AMIRALDISMO

O calvinismo possui duas posições clássicas ou principais: 1) a posição infralpsariana,


ligada a Fraçois Turrettini, afirma que a predestinação, tanto para a eleição como para a
condenação, aconteceu cronologicamente depois da queda; e 2) a posição supralapsariana,
ligada a Beza, afirma que a eleição é anterior a queda.36
Todavia, também há uma terceira posição ligada aos ensinos de João Calvino. O
Amiraldismo ou calvinismo equilibrado, posição associada a Moisés Amyraut (1596-1664) e a
academia calvinista de Saumur, ensina, diferentemente do calvinismo tradicional, que a
expiação é ilimitada; contudo, essa posição “teve um impacto relativamente pequeno em meio
ao calvinismo”.37
O amiraldismo defende que a morte de Cristo é suficiente para todos, ou seja, a expiação
é universal; acerca disso, Millard Erickson escreveu: “Proponentes da expiação ilimitada [...],
não têm dificuldade com o fato de que a morte de Cristo é suficiente para todos, pois, de acordo
com essa concepção, Cristo morreu por toda a humanidade.” Mais a frente ele concluiu: “[a
expiação] é suficiente para todos; mas eficiente somente para os eleitos”.38 Ou seja, a expiação
é universal; mas é eficaz somente aos eleitos.
Do mesmo modo, é importante destacar que os defensores desta corrente defendem a
depravação total e a incapacidade total do homem de crer à parte do poder do Espírito Santo, e
que a morte de Cristo, sendo forense, é base suficiente para a salvação de qualquer pessoa, se o
Espírito Santo resolver atraí-lo. Também “defendem que a morte de Cristo em si mesma não
salva, real ou potencialmente, mas que torna todos os homens possíveis de serem salvos; que a
salvação é operada somente por Deus, e nos indivíduos que crêem.”39 Em resumo: a expiação
é ilimitada com aplicação limitada aos eleitos.
Além disso, o amiraldismo é sublapsariano, ou seja, pode-se resumir a ordem da
salvação no amiraldismo da seguinte forma:40
1. O decreto de criar a humanidade; 2. Decreto de permitir a queda; 3. Decreto de prover
salvação suficiente para toda humanidade; 4. Decreto de escolher alguns para receber a
salvação.

36
MCGRATH. Ibid., p. 535.
37
MCGRATH. Ibid.
38
ERICKSON, Millard J. Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 2015. p. 799.
39
CHAFER, Lewis Sperry. Teologia Sistemática. Volumes 3 e 4. São Paulo: Hagnos, 2003. p. 184.
40
ERICKSON. Ibid., p. 891. Chafer apresenta pontos diferentes, todavia, a ideia apresentada é a mesma; cf.:
CHAFER. Ibid., p. 180.
12

CONCLUSÃO

Em conclusão, podemos destacar que a soteriologia começa na hamartiologia; ou seja a


compreensão que determinada pessoa possuía acerca do pecado e suas consequências afeta
diretamente a sua visão soteriológica.
Dentro das perspectivas apresentadas, duas estão fora da ortodoxia cristã, o
pelagianismo e o semipelagianismo; por outro lado, as outras quatro visões, arminianismo,
molinismo, calvinismo e amiraldismo, estão dentro da ortodoxia.
Por fim, independentemente da posição adotada dentro da ortodoxia41, a soteriologia faz
que o indivíduo olhe para a hamartiologia e perceba o quanto ele é pecador e incapaz de salvar
a si mesmo; e assim, em posição de humildade e adoração, reconhecer a grandeza da obra divina
e o seu imenso amor.

41
Este autor adota o amiraldismo.
13

REFERÊNCIAS

ARMINIO, Jacó. As Obras de Armínio. Volume 3. Rio de Janeiro: CPAD, 2015.


BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2012.
CALVINO, João. As Institutas: Volume 1 e 2. Edição Clássica. São Paulo: Editora Cultura
Cristão, 2006.
CHAFER, Lewis Sperry. Teologia Sistemática. Volumes 3 e 4. São Paulo: Hagnos, 2003.
CHAN, Simon (editores adjuntos). Dicionário Global de Teologia: uma obra de referência
para a Igreja em todo o mundo. São Paulo: Hagnos, 2017.
CULVER, Robert Duncan. Teologia Sistemática: Bíblica e Histórica. São Paulo: Shedd
Publicações, 2012.
CRAIG, William Lane. O Único Deus Sábio: A Compatibilidade entre a Presciência
Divina e a Liberdade Humana. Maceió: Editora Sal Cultural, 2016.
__________________. Em Guarda: defenda a fé crista com razão e precisão. São Paulo:
Vida Nova, 2011.
DANIEL, Silas. Arminianismo: a mecânica da salvação. Rio de Janeiro: CPAD, 2017.
DYRNESS, William A.; KÄRKKÄINEN, Veli-Matti (editores gerais); MARTINEZ, Juan F.;
CHAN, Simon (editores adjuntos). Dicionário Global de Teologia: uma obra de referência
para a Igreja em todo o mundo. São Paulo: Hagnos, 2017.
ERICKSON, Millard J. Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 2015.
FERGUNSON, Sinclair B.; WRIGHT, David F.; PARCKER, J. I. (editores). Novo
Dicionário de Teologia. São Paulo: Hagnos, 2011.
GEISLER, Norman L. Enciclopédia Apologética: repostas aos críticos da fé crista. São
Paulo: Editora Vida, 2002.
GONZÁLES, Justo L. Breve Dicionário de Teologia. São Paulo: Hagnos, 2009.
HODGE, Charles. Teologia Sistemática. São Paulo: Hagnos, 2001.
MACARTHUR, John; MAYHUE, Richard (editores). Teologia Sistemática: Um Estudo
Aprofundado das Doutrinas Bíblicas. Eusébio, CE: Editora Peregrino, 2022.
MCGRATH, Alister E. Teologia Sistemática, histórica e filosófica: uma introdução a
teologia cristã. São Paulo: Shedd Publicações, 2005.
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Dicionário de línguas bíblicas. São Paulo: Edições Vida Nova, 2002.
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