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TRANSTORNO OBSESSIVO-COMPULSIVO: DA PSICOPATOLOGIA COMO

DISCIPLINA CIENTÍFICA À PSICOPATOLOGIA FENOMENOLÓGICA

INTRODUÇÃO
 Definição e Interseção Disciplinar:
o A psicopatologia é uma disciplina autônoma, situada entre psicologia e psiquiatria.
o Estuda desvios quantitativos e qualitativos da normalidade, envolvendo um diálogo
com a medicina.

 Diferenças entre Psicopatologia e Psiquiatria:


o Psicopatologia estuda anormalidades das manifestações psíquicas, enquanto
psiquiatria lida com casos clínicos e realiza diagnósticos e tratamentos.
o Psicopatologia foca em conceitos; psiquiatria trata casos concretos.

 Origens e Fundador:
o Início com Jean E. D. Esquirol, discípulo de Philippe Pinel, considerado o fundador.
o Antes, a loucura era atribuída a causas hipotéticas relacionadas a lesões cerebrais.

 Classificações Iniciais:
o Esquirol procurou classificar sintomatologias em quadros nosológicos específicos
como Idiotia, Demência, Mania e Monomanias.

 Abordagem Anatomopatológica e Organicista:


o Inicialmente, a psicopatologia buscou causas em lesões cerebrais, alinhando-se ao
modelo anatomopatológico da medicina.
o Freniatras influenciaram, mas a identificação de lesões cerebrais para a maioria das
doenças mentais foi desafiadora.

 Influências e Desenvolvimentos:
o Diversas influências ao longo do tempo: positivista, fenomenológica e organicista.
o Avanços tecnológicos, especialmente na neurociência, legitimaram a psicopatologia de
forma empírica.

 DSM (Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais):


o Transformações ao longo das edições, com afastamento de abordagens
fenomenológicas e psicanalíticas.
o Última edição (DSM-5) destaca uma linguagem universal e descritiva baseada em
sintomas.
 Ênfase Biológica e Farmacológica:
o Tendência do DSM em adotar uma linguagem não comprometida com interpretações
teóricas, favorecendo abordagens biológicas.
o Aumento nas categorias diagnósticas e aproximação com fundamentação biológica,
promovendo o tratamento farmacológico.

 Naturalização e Genetização da Loucura:


o Tendência de reduzir a loucura ao biológico, especialmente a fatores genéticos.
o Sofrimentos psíquicos passam a ser considerados doenças mentais no campo da
psicopatologia.

 Transformação do Estudo do Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC):


 Mostrado como comportamentos e características físicas foram elencados ao longo do
tempo, culminando no diagnóstico atual de TOC.

TRANSTORNO OBSESSIVO-COMPULSIVO: GÊNESE E SINTOMATOLOGIA


 Contexto Histórico:
o Ideias obsessivas eram inicialmente associadas a possessões demoníacas até o século
XVIII.
o Transformações político-econômicas do século XIX levaram à conceptualização da
loucura como doença.

 Introdução do Termo "Obsessão":


o Jules Falret introduziu o termo "obsessão" para descrever ideias patológicas
indesejadas no século XIX.
o Transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) foi descrito por Esquirol na primeira metade
do século XIX, através do conceito de monomanias.

 Evolução Conceitual:
o Kraepelin, em 1915, uniu síndromes como cleptomania e piromania sob impulsos
mórbidos.
o Freud, em 1905, introduziu a noção de neurose obsessiva, correlacionada a
mecanismos de defesa e fixação em fases primitivas do desenvolvimento.

 Relação com a Psicanálise:


o Termo "neurose obsessiva" foi utilizado nos manuais de psicopatologia, evoluindo
para o atual "Transtorno obsessivo-compulsivo".

 Transformações nos Manuais Diagnósticos:


o Manuais de diagnóstico foram se afastando de fundamentações teóricas, distanciando-
se da psicanálise.
o DSM V categoriza comportamentos obsessivos e compulsivos em várias síndromes,
incluindo o TOC.

 Critérios de Diagnóstico do TOC:


o TOC é caracterizado pela conjugação de obsessões (pensamentos intrusivos
indesejados) e compulsões (comportamentos repetitivos para aliviar ansiedade).
o Critérios incluem a presença de ambos, causando sofrimento, tomando tempo e não
associados a efeitos fisiológicos de substâncias.

 Tratamento do TOC:
o Abordagem principal é farmacológica, incluindo antidepressivos e ansiolíticos.
o Terapia cognitivo-comportamental é comumente utilizada para alterar pensamentos e
comportamentos.

 Perspectivas da Psicopatologia e Psiquiatria:


o Psicopatologia e psiquiatria, apoiadas em modelos organicistas, mantêm uma visão
dicotômica e mecanicista das doenças mentais.
o Fenomenologia, como abordagem alternativa, busca compreender as experiências
originais antes de reduções ao biológico.

 Visão Fenomenológica na Psiquiatria:


o Alguns psiquiatras, como Ellenberger, Minkowski, Binswanger e Gebsattel, buscaram
uma abordagem fenomenológica para compreender as expressões humanas além da
redução ao orgânico.
o Tentativa de sair do modelo médico tradicional e considerar as expressões bizarras do
homem como existenciais.

A PRESENÇA DA FENOMENOLOGIA NA PSICOPATOLOGIA E NA PSIQUIATRIA


 Métodos na Abordagem dos Transtornos Psíquicos:
o Dois métodos principais: explicativo (ciências naturais) e compreensivo (ciências
humanas).
o Explicativo enfoca o biológico ou fatores psíquicos; compreensivo recorre à
fenomenologia para buscar o sentido da vivência.

 Psiquiatria Fenomenológica no Início do Século XX:


o Insatisfação com o modelo reducionista da psicopatologia tradicional.
o Jaspers introduziu o método fenomenológico descritivo para captar as experiências
mórbidas dos pacientes.

 Contribuições de Jaspers:
o Enfatizou a importância da descrição fenomenológica e da compreensão subjetiva na
psiquiatria.
o Destacou a relevância de observar modificações na comunicação do paciente como
expressão das experiências subjetivas.

 Conceitos Fundamentais na Psiquiatria Fenomenológica:


o Ellenberger, Minkowski, Binswanger, Gebsattel adotaram uma abordagem
fenomenológica para compreender as expressões humanas.
o Importância dada à vivência do tempo e do espaço como elementos fundamentais na
psicopatologia.

 Estudiosos e Suas Contribuições:


o Ellenberger persistiu nos estudos de psiquiatria fenomenológica.
o Minkowski investigou a experiência do tempo na tristeza profunda.
o Binswanger enfatizou a vivência do tempo e do espaço nas manias e melancolias.
o Gebsattel estudou a vivência anancástica.

 Contribuições no Contexto Brasileiro:


o Estudiosos brasileiros, como Feijoo, Moreira, Bloc, Leite, Moreira, Santos, Neto, e
Messas, buscaram aplicar a perspectiva fenomenológica em diferentes transtornos.
o Diferenciação entre diagnósticos operacionais e fenomenológicos impactando o
tratamento.

 Diferenciação na Psicopatologia Fenomenológica:


o Estudiosos brasileiros exploraram a vivência da mania, a vivência do tempo no
transtorno bipolar, a interpretação da depressão, a angústia e culpa no TOC, e a
diferença diagnóstica na esquizofrenia.

 Enfoque Fenomenológico na Psiquiatria:


o Abordagem fenomenológica busca romper com o paradigma mecanicista,
considerando o homem em sua totalidade.
o A consciência é vista como fluxo temporal e espacial, não substancializada nem
interiorizada.

 Perspectiva Comprensiva na Psiquiatria:


o A proposta fenomenológica inclui uma dimensão compreensiva na psiquiatria,
complementando a dimensão explicativa.
o A descrição fenomenológica destaca a importância de observar modificações na
comunicação do paciente e compreender suas representações existenciais.

 Diferença na Abordagem dos Transtornos:


o Métodos explicativos enfocam etiologia e mecanismos fisiopatológicos; métodos
compreensivos, como a fenomenologia, buscam o sentido da vivência do paciente.
o A psiquiatria fenomenológica surge como uma alternativa ao modelo tradicional,
buscando compreender as experiências existenciais dos indivíduos transtornados.
A VIVÊNCIA ANANCÁSTICA: MÉTODO CONSTRUTIVO-GENÉTICO
 Origens do Termo Anancástica:
o Introduzido por Donath em 1896, citado por Gebsatell em 1969.
o Refere-se a fobias e obsessões, derivado do grego "anankástica" (força, obsessão,
fatalidade).

 Estudo da Vivência Anancástica por Gebsattel:


o Investigação antropológica existencial do mundo dos compulsivos.
o Busca do significado da vivência anancástica fracassada.
o Transtorno primário chamado de atitude anancástica fracassada.

 Método Construtivo-Genético de Gebsattel:


o Insuficiência do método descritivo de Jaspers na compreensão das estruturas
subjetivas.
o Ênfase na concordância ontológica dos sintomas biológicos e anímicos.
o Análise estrutural das inter-relações entre dados observados e estados de consciência.

 Relação entre Perturbações Biológicas e Psíquicas:


o Investigação na clínica psiquiátrica sobre a relação entre perturbações biológicas e
psíquicas.
o Conclusão de que o transtorno básico é a experiência do tempo presente em
transtornos obsessivo-compulsivos.

 Tríade na Vivência Anancástica:


o Necessidade da tríade para o diagnóstico: obsessão, angústia e compulsão.
o Obsessão como fenômeno alheio ao eu, caracterizada por luta e ruminação.
o Angústia primária e secundária relacionadas à incerteza e à necessidade de assegurar-
se.

 Compulsão e Dificuldade de Agir:


o Compulsão através de ação fragmentada pela busca da exatidão.
o Luta incessante pela perfeição dos atos que escapa constantemente.
o Transtorno da capacidade de agir e construir devido à ruptura entre a ação e a
realização.

 Insegurança Crônica e Vivência Temporal:


o Insegurança crônica respondendo ao aspecto da síndrome de coerção.
o Vivência anancástica como bloqueio do devir e tentativa de eternização do presente.
o Enfermidade da vivência temporal com tentativa fracassada de fixar o tempo.

 Intervenção Clínica e Comunicação:


o Abordagem fenomenológica na prática psiquiátrica.
o Atenção à comunicação minuciosa e repetitiva do paciente.
o Confusão no ato de pensar evidente na comunicação da experiência.
o Pensamento obsessivo, dúvida constante e culpa ilógica presentes na comunicação.

o Limitações da Descrição de Intervenção Clínica:


o Ausência de informações sobre a intervenção clínica de Gebsattel nessas situações.

TRANSTORNO OBSESSIVO-COMPULSIVO E VIVÊNCIA ANANCÁSTICA:


DIVERGÊNCIAS E CONVERGÊNCIAS
 Concepção de Consciência na Psicopatologia:
o Na perspectiva científica, a consciência é interiorizada e substancializada, com ênfase
em uma matriz biológica ou psíquica.
o Na fenomenologia, a consciência é entendida como transcendência, um fluxo temporal
não substancializado.

 Perspectiva Fenomenológica no Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC):


o Abordagem crítica à redução das experiências humanas ao biológico e ao modelo
sintomatológico.
o Fenomenologia trata as psicopatologias na vivência temporal e espacial, transcendente
e não imanente.

 Diferença na Compreensão da Consciência:


o Fenomenologia percebe a consciência como uma síntese de vivências temporais na
copertença homem-mundo.
o Rejeição de modelos dicotômicos (interno/externo, orgânico/psíquico,
biológico/social) em favor da compreensão unitária.

 Vivência Anancástica na Perspectiva Fenomenológica:


o Gebsattel (1969) destaca a importância da vivência do tempo na compreensão do
TOC.
o Fundamentação do sofrimento não apenas descritiva, mas também transcendental.

 Limitações na Consideração Histórico-Hermenêutica:


o Estudiosos da psicopatologia fenomenológica não consideram o horizonte histórico de
constituição de sentidos.
o Falta de integração das perspectivas compreensiva e descritiva com explicações
determinísticas e históricas.
 Desafios da Abordagem Fenomenológica Atual:
o Necessidade de considerar as condições históricas de constituição de sentidos.
o Proposta de retorno às perspectivas filosóficas de Heidegger para compreender o
existencial ser-no-mundo.

 Contribuições e Limitações da Fenomenologia na Psicopatologia:


o Enfoque na subjetividade e nas experiências humanas, mas falta de consideração das
condições históricas.
o Sugestão para estudos que explorem a constituição histórica das psicopatologias com
base na hermenêutica e fenomenologia heideggeriana.

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