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Copyright © 2017 Ane Pimentel

Copyright © 2017 Editora Angel

1ª EDIÇÃO
Produção Editorial: Editora Angel
Capa: Elaine Cardoso
Revisão: Raquel Escobar
Diagramação Digital: Beka Assis

Todos os direitos reservados.

A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na lei n°.


9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Código Penal.
É proibida a cópia do material contido nesse exemplar sem o
consentimento do autor. Esse livro é fruto da imaginação do autor e
nenhum dos personagens e acontecimentos citados nele tem qualquer
equivalente na vida real.
CAPÍTULO I
CAPÍTULO II
CAPÍTULO III
CAPÍTULO IV
CAPÍTULO V
CAPÍTULO VI
CAPÍTULO VII
CAPÍTULO VIII
CAPÍTULO IX
CAPÍTULO X
CAPÍTULO XI
CAPÍTULO XII
CAPÍTULO XIII
CAPÍTULO XIV
CAPÍTULO XV
CAPÍTULO XVI
CAPÍTULO XVII
CAPÍTULO XVIII
CAPÍTULO XIX
CAPÍTULO XX
CAPÍTULO XXI
CAPÍTULO XXII
CAPÍTULO XXIII
CAPÍTULO XXIV
CAPÍTULO XXV
CAPÍTULO XXVI
CAPÍTULO XXVII
CAPÍTULO XXVIII
CAPÍTULO XXIX
CAPÍTULO XXX
CAPÍTULO XXXI
CAPÍTULO XXXII
CAPÍTULO XXXIII
CAPÍTULO XXXIV
CAPÍTULO XXXV
CAPÍTULO XXXVI
CAPÍTULO XXXVII
CAPÍTULO XXXVIII
CAPÍTULO XXXIX
CAPÍTULO XL
CAPÍTULO XLI
EPÍLOGO
Nota da Autora
Agradecimentos:
À amiga que apoiou, incentivou e tornou esse livro realidade.
Você é foda!
SINOPSE

A Alburquerque's é o império da família que origina o nome da


empresa. Trabalha com o ramo empresarial em geral: consultoria,
marketing, publicidade e propaganda, assistência jurídica e outros
auxílios essenciais ao ramo. Seu fundador determinou que todos os
filhos devem presidir a empresa por, no mínimo, um ano. Chegou a
vez da exigente, controladora e dedicada Fernanda Albuquerque
assumir o cargo para o qual se preparou durante muito tempo. Ela só
não esperava que as coisas mudassem de rumo tão drasticamente. E o
causador dessa mudança tinha nome, sobrenome e um cargo na sua
empresa.

Marcos Castro é advogado e divide a coordenação jurídica


da Albuquerque's com sua amiga, Thalita Mendonça. É competente,
divertido, sexy e não tem papas na língua. Adora um desafio e não
desiste tão facilmente. Assim que pôs os olhos sobre sua nova chefe, o
desejo o consumiu e ele sabia que precisava tê-la.

O destino orquestrou uma mudança na vida da Fernanda e do


Marcos. Ambos precisam aprender a lidar um com outro, administrar
a paixão e encarar as consequências desse encontro.

Destino é o segundo livro da série Os Albuquerques e te garantirá


boas doses de paixão, gargalhadas e surpresas. É impossível que você
leia e não reafirme seu desejo de pertencer a essa família.
CAPÍTULO I

Fernanda Albuquerque

Os dias que antecederam a minha posse na presidência


da Albuquerque's foram agitados, a mudança da sede para o Rio não
estava nos meus planos, portanto eu ainda tinha que providenciar a
minha mudança. No primeiro momento, levaria somente o essencial,
que, no meu caso, consistia em praticamente todo o closet, livros,
filmes, CDs e quadros. Mesmo ficando hospedada em um hotel, eu
fazia questão de compor o espaço ao meu gosto, por isso meus itens
de decoração iriam na mala.

Ainda na correria da mudança, dediquei um tempo para


encontrar minhas amigas. Previa que quando assumisse a presidência,
os momentos de lazer seriam poucos, ainda mais morando em outro
estado. Ainda teria outra conversa séria com o Fernando sobre essa
mudança, não estava conformada com a situação e esperava,
enquanto presidente, retornar a sede da empresa para São Paulo. Mas
eu não iria me estressar com isso agora. Havia prometido a mim
mesma que só pensaria na Albuquerque's a partir da segunda-feira,
assim tratarei de aproveitar cada minuto que me resta, começando
com uma ida ao clube Alphaville.

— Bom dia, meninas! — falei, animada, juntando-me a elas no


quiosque.

— Bom dia? Antes das onze horas em um raro dia de folga?


Definitivamente não vejo nada de bom — protestou Soraia por trás
dos seus óculos escuros.

— Bom dia, Fê! — respondeu animadamente Luiza, que já


desfrutava do sol, deitada numa cadeira de sol.

Lu, ao contrário de Soraia, vivia animada; mesmo se eu tivesse


marcado o encontro para às cinco da manhã, ela estaria no melhor
humor de guia de excursão.

— Gatas, desculpem o atraso, mas ontem acabei dormindo na


casa do Rô após uma noite de sexo selvagem — disse Gabriela,
cumprimentando-nos com beijinhos no ar.

— Eu não topei vir para cá para ouvir essa safada dizer que
acabou de ter uma noite fodástica. Certeza que vocês são minhas
amigas? — resmungou Soraia, provocando uma crise de risos em
todas nós.

— Sol, não tenho culpa se a sua vida sexual não existe... —


respondeu Gabi, enquanto o garçom nos servia drinks.

— Obrigada, até o garçom sabe que não transo há séculos, agora


eu vou ali bater a cabeça na borda da piscina — respondeu Soraia,
fazendo-nos rir ainda mais.

— É sério, amiga! Você trabalha demais, não tem tempo para


relacionamentos, o ideal seria pagar para ter sexo, você pode escolher
o homem que quiser. Na segunda: um negão para dar aquele ânimo
para a semana, na terça um novinho, na quarta... — perturbou Gabi.

— Chega! Já entendi... Agora podemos acabar o bullying contra a


Soraia e pensar na despedida da Fê? É o último fim de semana dela
aqui, temos que aproveitar!

— Isso mesmo, meninas, vamos aproveitar porque depois da


minha partida, São Paulo não será mais a mesma! — falei, levantando
meu copo para um brinde imaginário seguido por todas.

— Não acredito que você vai mesmo morar no Rio —


choramingou Lu.

— Nem eu. — Suspirei. — Como vou viver sem vocês? Quero


mensagens diárias e visitinhas constantes.

— Pode deixar que visitaremos você logo, afinal, transar com um


carioca está na minha lista de coisas para fazer antes de morrer. — Eu
ia sentir falta das tiradas da Gabi.

— Você é uma vadia! Eu vivo dizendo que por trás dessa pose
de patricinha há uma Bruna Surfistinha habitando. — Meu
comentário provocou uma gargalhada geral.

Passamos o resto do dia nessas provocações. Vou sentir muita


falta delas, vivíamos grudadas; como diziam meus irmãos, somos a
"quadrilha de salto alto e gloss". Não há nada que aconteça na vida de
uma que as outras não saibam. Sentirei falta das nossas risadas
constantes, das baladas, do apoio e até das intromissões.

— Ei. — Gabi me tirou dos meus pensamentos. — Precisamos


promover a despedida da Fê em alto estilo, então hoje todas nós
iremos ao Patricinhas no Caribe, combinado?

— Combinadíssimo — respondemos em uníssono.

***
Patricinhas no Caribe era a mais recente boate da classe alta
paulista. Apesar do nome fazer referência ao ritmo latino, o que se
ouvia no amplo galpão eram hits de sertanejo universitário e música
eletrônica. Um dos diferenciais dessa boate era o "Espaço Patricinha",
um mini salão de beleza dentro da boate, com direito a maquiadores à
postos para retocar a maquiagem.

Marcamos de nos encontrar lá por volta das vinte e três horas.


Quando cheguei à boate, o espaço já estava lotado. Na medida que
caminhava ao encontro das minhas amigas, notava os olhares em
minha direção. Estava usando um vestido preto frente única,
sandálias douradas e brincos gigantes, na boca um batom vermelho.
Meus cabelos estavam ondulados e soltos. Eu sabia o impacto que esse
visual causava nos homens, portanto, deleitei-me com os olhares
insinuosos e palavras maliciosas dirigidas a mim.

— Agora está explicado o motivo da demora, a vadia estava


escolhendo a roupa para a caça! — provocou Gabi assim que me
aproximei da mesa que elas ocupavam no canto da boate.

— Gostou? — falei, dando uma voltinha.

— Já disse que na outra vida quero ser você? — elogiou Lu, que
estava incrivelmente linda com uma saia preta curta e uma cropped da
mesma cor.

— Mais de dez vezes, mas eu ainda posso ouvir isso mais outras
dez! — brinquei, abraçando-a .

Soraia ainda não havia chegado. Mandou inúmeras mensagens


informando que precisou passar no escritório para assinar uns papéis
depois do clube e acabou ficando por lá mais tempo que o imaginado.
Isso não era novidade para nós, ela administrava a empresa de
cosméticos da família e insistia em controlar e acompanhar cada área
da empresa — desde a compra da obra prima até visitar as franquias
espalhadas pelo país —, vivia sobrecarregada e furando os nossos
encontros.

— Aposto que ela não vem. Aquela ali quando vai para
a Luxúria parece que é abduzida. Sinto muito, Fê, mas ela não deve
aparecer — lamentou Gabi.

— Eu a entendo, afinal, quando eu for presidente, também não


terei tempo para encontrar minhas amigas numa baladinha. — Fiz
uma expressão esnobe.

— Deixa de ser metida! E vamos aproveitar a noite.

— Isso mesmo, hoje a noite é sua, Fê! Mais um drink, garçom —


pediu Lu, já um pouquinho alta.

Após uns três Dry Martini e duas Caipiwhisky, eu dançava com as


minhas amigas e correspondia ao flerte de um homem que não parava
de me olhar. Seus olhos azuis me capturaram e, quando me dei conta,
estava trocando carícias com esse estranho em um canto da boate.

— Você é deliciosa! — disse, apertando-me contra a parede fria


da boate.

Suas mãos passearam pelas minhas costas nuas, até chegarem ao


meu quadril, ele não encontrou nenhuma barreira, afinal eu estava
sem calcinha. Notei um brilho de desejo surgir no seu olhar, ao
mesmo tempo em que um sorriso malicioso contornava sua boca até
ele sussurrar ao meu ouvido.

— Preciso te tirar daqui agora ou não me responsabilizo pelo que


pode acontecer.

Sorri e segui com ele pela porta dos fundos da boate, enviei
mensagem para o grupo das minhas amigas avisando que não me
esperassem. As carícias continuaram no meu carro, ele deslizava as
mãos sobre minhas coxas, enquanto eu dirigia. No apartamento dele,
meu orgasmo foi maravilhoso; além do físico de babar (barriga
tanquinho, bíceps fortes e sorriso sedutor), o cara sabia como dar
prazer a uma mulher. Tive uma noite de sexo casual perfeita,
agradeceria as meninas mais tarde pela ideia de ir à boate.

— Pensei que fosse dormir. — Ele estava deitado, nu,


observando-me vestir minha roupa.

— Não posso, tenho uma viagem marcada hoje à noite e nem


arrumei as malas ainda.

— Me passa seu número, a gente pode marcar algo — disse,


beijando o meu pescoço.

— Não vai dar. Estou de mudança para o Rio, mas foi muito
bom te conhecer. — Depositei um selinho nos seus lábios e saí.

Passava das três da manhã quando estacionei meu carro na


garagem, subi as escadas com os saltos na mão para não acordar a
casa inteira, entrei no meu quarto e fui direto para o banheiro. A
minha última parada, após um banho de água quente, foi a minha
cama.
Acordei com o toque do meu celular. Ignorei por alguns
minutos, mas o toque persistiu. Com dificuldade, estiquei a mão até o
criado-mudo e o peguei com a intenção de ver que era o responsável
por esse incômodo matinal. O nome Gêmeo piscava no visor.

— Oi — emiti, sonolenta.

— Que voz de sono é essa? São onze da manhã! — Meu irmão


estava terrivelmente feliz do outro lado da linha.

— Voz de quem chegou em casa na madrugada e fez planos para


dormir até bem mais tarde.

— Não acredito que a futura presidente vai aparecer com cara de


ressaca amanhã, que decepção! — provocou.

— Ha ha ha... Acabou a sessão de humorista ruim? Diz logo por


que me ligou a essa hora. — Eu detestava ser acordada e meu irmão
sabia bem disso.

— Bem, o motivo de eu estar te ligando às onze da manhã — ele


prolongava as palavras de propósito — é para saber que horas vou te
buscar no aeroporto, a menos que queira ficar esperando na fila do
táxi...

— Nãããão! Meu voo está previsto para chegar aí às quinze para


as dez.

— Certo, agora volte a dormir, para amanhã não causar uma má


impressão nos funcionários.

— Idiota!
— Também te amo.

Desliguei o celular e apaguei novamente, até ser acordada pela


minha mãe dizendo que a Soraia estava me esperando lá embaixo.
Não me recordo de ter combinado nada com ela, mas levanto e vou
tomar banho para ver se desperto totalmente. Desci e pedi que minha
refeição tardia fosse servida na varanda da piscina. Soraia já me
esperava lá, com certeza estava aqui para se redimir do furo da noite
anterior.

— Boa tarde. — Sentei ao lado da minha amiga.

— Pela sua cara a noite foi boa mesmo.

— Ai, não me diz que eu estou com cara de ressaca. — Olhei-me


no talher de inox. — Preciso colocar gelo nas minhas olheiras.

— Que olheiras? Me refiro ao seu sorriso, a sua pele. O que


Fernanda Albuquerque aprontou ontem à noite? — perguntou,
curiosa.

— Eu? Nada demais... Só fui para cama com um cara lindo.

— Um desconhecido? — indagou com o cenho franzido.

— Eduardo o nome dele, gaaaaato!

— Mas, Fê, você conheceu o cara na boate e foi para cama com
ele? Ele podia ser um assassino. — Minha amiga tinha uma mente
bastante fértil.

— E se eu disser que não usei camisinha? — O rosto dela


assumiu uma expressão de terror e eu não aguentei, explodi numa
crise de riso. — Você precisava ver sua cara, Sol, impagável, mas para
minha mamãe ficar tranquila, eu mesma abrir a embalagem e coloquei
o preservativo.

— Não vejo nenhum problema em ser tia, Fê, mas minha


sobrinha merece um pai com RG e CPF.

— Ser mãe não está nos meus planos, pelo menos pelos
próximos dez anos, que é o tempo que ficarei na presidência.

— Seus irmãos sabem desse seu plano de dominar


a Albuquerque's?

— Isso é um segredo só nosso. — Sorri.

Passamos um tempo rindo e nos despedindo. Em seguida, cuidei


dos últimos detalhes da viagem. Já havia ligado para a empresa de
transportes: até quarta-feira, meu carro e minhas coisas essenciais
estariam no Rio. Para evitar despedidas chorosas, fui sozinha para o
aeroporto. Antes de o avião decolar, olhei pela janela e sorri para a
nova vida que me aguardava.
CAPÍTULO II

Marcos Castro

Após um fim de semana na night, minha disposição na segunda-


feira era zero, mas, como sempre, tentava ver o lado bom das coisas: a
minha indisposição era a minha recordação de que tudo que vivi no
fim de semana foi real. A ressaca e o cansaço do meu corpo eram a
prova disso. Sorri ao notar a mulher nua que dormia na minha cama.
Valeu a pena.

Levantei e corri para um banho rápido. Estava em cima da hora.

— Bom dia! — a minha acompanhante falou, despertando.

— Bom dia! — respondi, ajeitando a gravata em frente ao


espelho.

— Eu pensei que a gente ia tomar café juntos...

— Não dá — qual o nome dela? —, gata, eu tenho que estar no


escritório em quinze minutos. Mas se você correr para o banheiro
agora, eu te deixarei no ponto de táxi.

Já tinha visto aquela cara muitas vezes e sabia muito bem o que
significava: ela me achava um babaca filho da puta. Mas não foi disso
que ela me chamou quando estava gemendo algumas horas atrás. Juro
que não entendo as mulheres, eu não prometi nada além de um bom
sexo... E cumpri. Do que elas reclamavam tanto?
Quando estacionei o carro perto do ponto de táxi, a mulher fez
uma última tentativa.

— Nos vemos hoje à noite?

— Eu tenho seu número e te ligo. — Ela desceu do carro,


batendo a porta do meu bebê com força. Filha da puta.

Cheguei ao escritório e fui direto para a copa na esperança de


encontrar alguma comida preparada pela dona Francisca, afinal, saí
de casa sem tomar café.

— Que cheiro delicioso é esse? — perguntei, entrando na copa e


me dirigindo para perto da senhorinha que preparava o café.

— Bom dia para você também, Marcos — provocou Thalita.

— Bom dia, gata! — falei já com minha xícara de café em mãos.


Abocanhei um croissant que ela segurava entre os dedos; fiz isso de
modo que minha língua os tocasse.

— Porra, Marcos! Você não colabora. — Thalita sorriu. —


Mantenha-se a dois metros de distância de mim, seu vira-lata no cio.

O comentário dela provocou uma crise de risos em Cátia, que


cochichava algo com Mateus no canto da copa. Thalita se afastou de
onde estava e foi se recostar na bancada de mármore. Aproximei-me
lentamente. Pela sua cara de espanto, ela se deu conta que eu
responderia ao seu comentário à minha maneira. Seus olhos se
arregalaram.

— Não, Marcos! — Ergueu as mãos na tentativa de se proteger.


Segurei seus pulsos e abaixei suas mãos, deixando-as ao lado do seu
corpo. Cheguei perto o suficiente para que nossas respirações
pudessem ser sentidas um pelo outro.

— Podem continuar, estou adorando a cena e sei quem mais


adorará — ironizou Sara, que havia acabado de entrar na copa e
testemunhar a brincadeira. Sua insinuação queria dizer que contaria
para o namorado da Thalita e dono da empresa, por consequência
meu chefe, Fernando Albuquerque.

— Viu só, seu babaca? — Thalita soltou as mãos e cutucou meu


peito com um dedo. — Agora a empresa inteira vai achar que estamos
tendo um caso. — Bufou, empurrando-me.

— E não estamos? — Fuzilou-me com o olhar e eu prossegui: —


Nossa amizade é o caso mais tórrido que eu já tive — disse, por fim
pegando minha pasta e saindo calmamente.

— Isso é verdade! — gritou Cátia.

Cheguei à nova sala, que divido com a Thalita, com a própria


pisando firme atrás de mim.

— Diz de uma vez qual é o problema, antes que afunde o piso de


madeira polido do seu amado chefinho. Se foi pela brincadeira...

— É a reunião! A irmã dele vai assumir a presidência hoje e acho


que ela não tem uma boa impressão ao meu respeito. — Minha amiga
estava nervosa, nunca a vi tão apreensiva antes de uma reunião.

— Vamos por partes... — falei, sentando-me na frente dela —


Que reunião? Eu não fui informado de nada. Anda tendo informações
privilegiadas por dormir com o chefe, né? — provoquei.
— Marcos, onde você passou as horas? — Abri um amplo sorriso
ao recordar do meu domingo; a mulher na minha cama hoje pela
manhã foi apenas umas das minhas aventuras. — Não precisa
responder. Pela sua cara, deve ter sido numa orgia.

— Ei, eu tenho sentimos! — disse em um tom dramático,


pousando a mão sobre o peito. — No máximo pratico um Ménage à
trois. — Ela sorriu.

— Deixando suas preferências de lado, pelo visto você não


checou seu e-mail corporativo. — Neguei com a cabeça. — Então
presumo que não saiba que o Fernando está deixando a presidência e
hoje ela será assumida pela Fernanda Albuquerque.

— A gostosa do bar...

— A gostosa que dentro de poucos minutos estará numa


reunião, querendo sua cabeça se você pronunciar esse adjetivo perto
dela.

— A depender de qual cabeça ela desejar... Darei com o maior


prazer. — A imagem projetada em minha mente fez meu sorriso
crescer, a reunião seria interessante.

— Você é um cafajeste!

— Já fui chamando de coisas piores. Agora vamos para a


reunião, quero conhecer a nova chefe.

Seguimos direto para a sala de reuniões. Quando entramos, notei que


todos já ocupavam seus respectivos lugares à mesa gigante. O olhar
feroz que o Fernando dirigiu a mim quando Thalita bateu no meu
ombro, em reação a piada que acabei de fazer, foi o prelúdio da
excelente reunião. Sentamo-nos nos últimos lugares ao sul da mesa.
Minha cadeira estava posicionada em frente a da presidente, terei uma
visão estratégica daquela mulher. Cumprimentei o Felipe, que estava
ao lado oposto do irmão, com um aceno.

Mandei mensagem para o grupo de WhatsApp do qual fazia


parte Thalita, Mateus e Cátia.

Meus sonhos se realizaram, uma chefe gostosa ;)

Mal enviei a mensagem e logo as respostas chegaram.

Matheus diz: Delícia, lícia!

Cátia diz: Não queria ser a estraga-prazer,


mas a chance dela dar bola para vocês é de 1
em 100000000, a mulher é diva. Já pegou
coisa beeem melhor.

Thalita diz: #Fato Kkkkkkkkkk.

Cátia, você não pode falar de algo que não provou. Se


o Mateus não corresponde, faz o teste drive aqui e
depois conta ;)

Cátia diz: =O kkkkkkkkklkkkk

Matheus: Marcos, vc é um FDP!

Já fui chamado disso hoje Kkkkkkk

Permanecemos nessa troca de mensagens, já que qualquer


movimento meu em direção a Thalita era seguido pelo olhar mortal
do Fernando.

Qual a probabilidade do Ciclope ali me destruir com o


olhar? Puta que pariu!

kkkkkkkkkk Altíssimas, então é melhor ficar


na sua.

Nem uma mãozinha esbarrando na sua para pegar a


caneta? ;)

Nããããão! Ou isso aqui vai virar Jogos


vorazes.

Que comecem os jogos =D

Eu senti quando Thalita pousou o olhar sobre mim, mas


continuei olhando para a tela, digitando.

Aposto que a patricinha deve tá em dúvida de qual sapato combinar


com a bolsa #Mulheres

Eu também iria querer estar linda no dia da minha posse.

Como eu disse, "mulheres"... Não importa o que vocês vestem e sim o


que mostram.

Começou a sessão cafajeste AFF rs


Falando em sessão, que horas começa essa parada?

Ela está atrasada...

Deve ter desistido, pensou bem e viu que é mais vantajoso gastar milhões no
shopping.

Continuei trocando mensagens com a Thalita e respondendo os


brothers. Algum tempo depois, ouço o barulho de saltos firmes
pisando no assoalho do lado de fora da sala. A porta se abriu
lentamente, digitei uma mensagem para o grupo, dizendo que a
patricinha FINALMENTE havia chegado. Guardei o celular no bolso
antes de levantar a cabeça. Primeiro, vi saltos vermelhos altíssimos
passarem pela porta. Em seguida, notei uma saia preta justa na altura
dos joelhos, com uma fenda que se iniciava na coxa esquerda e
revelava um par de pernas deliciosamente torneadas, a blusa branca
era levemente transparente, feita para que a imaginação pudesse agir
em busca do que estava por baixo, o terno preto arrebatava o visual de
executiva fatal.

Sem tirar os olhos dela, acompanhei quando retirou os óculos


escuros e inspirou lentamente, olhou para os irmãos sentados
próximos a ela. Mordeu os lábios contornados por um batom
vermelho enquanto verificava algo em seu iPhone. Estava
completamente fascinado pela mulher à minha frente, essa era a
versão fatal da gostosa do bar que topou aceitar dançar comigo após
se sentir desafiada. A nova chefe tinha um brilho de líder no olhar,
daqueles que fariam uma tropa executar uma ordem sem piscar.

— Marcos... Marcos! — Thalita me cutucava, tirando-me do


transe em que entrei após a chegada da Fernanda Albuquerque.

— Oi — respondi e notei que todos olhavam para mim, inclusive


o babaca do Fernando, que exibia um sorrisinho.

— O senhor tem algum problema de audição? Porque se tiver,


aconselho que se sente mais próximo para que eu não precise repetir
ou alterar meu tom de voz — Fernanda falou sem nenhuma alteração
na voz, parecia que calculou e ensaiou cada gesto, cada palavra.

— Se assim desejar, será um prazer sentar perto da senho... —


procurei uma aliança e não achei — senhorita em outra ocasião. Por
ora, se puder apenas repetir o que disse — respondi em um tom
sereno. Ouvi risos abafados e observei ela conter o revirar dos olhos,
enquanto movia o olhar para o notebook disponível em sua frente.

— Eu solicitei que todos se apresentassem e você é o primeiro.


Agora, se puder ser breve e evitar chamar mais atenção, eu agradeço.
— O olhar que me dirigiu era tão gelado quanto o que irmão me
lançou minutos atrás. É de família?

Fiquei de pé, para ficar à sua altura, e comecei a me apresentar:

— Bom dia, meu nome é Marcos Prudente, sou advogado e


divido com a Thalita a coordenação jurídica aqui da sede — falei,
olhando-a fixamente; ela retribuiu sem piscar.

As apresentações continuaram, mas não prestei atenção em uma


palavra. Aproveitei o momento da fala do Sr. Paulo, que pelos meus
anos de empresa sabia que demoraria uma eternidade, para cochichar
com minha companheira.
— A mulher vem com essa roupa e ainda quer que a gente pense
com a cabeça.

— Eu achei que ela fosse tirar um chicote da bolsa e te bater! —


Thalita sussurrou de volta.

— Não dê mais ideias para minha imaginação, Thalita.

— Prudente? Desde quando? Você só assina Castro...

— Castro Prudente, lancei mão do último para ela entender o


melhor adjetivo que se aplica a mim.

— Tá de brincadeira, né?

— Brincadeira é essa delícia... — De repente só a minha voz


ecoou na sala de reuniões.

— Sou complacente em contratar pessoas com deficiência


auditiva, mas funcionários com TDA e hiperatividade talvez não
sejam ideais para a equipe jurídica. Já que o casal aí — apontou para
Thalita e eu — está com um papo tão animado, creio que talvez
queiram compartilhar com o restante do grupo o motivo de tanta
conversa... — a nova presidente desafiou.

— Não somos um casal, senhora Albuquerque — respondeu,


sem graça, Thalita.

— Não por parte dela — perturbei.

— Marcos! — Fui repreendido por Thalita.

— Estou curiosa para saber o quanto o Sr. Prudente tem a falar,


já que notavelmente é algo que ele gosta muito de fazer. A depender
da eloquência nesse momento, posso promovê-lo a assessor de
comunicação da empresa.

A presidente era linha dura. E claramente gostava de intimidar,


mas estava indo pelo caminho errado comigo.

— Eu falava com a minha ilustre colega de trabalho sobre


a delícia que é trabalhar numa empresa que valoriza o funcionário, que
nos permite crescer tanto pessoal quanto profissionalmente. Seja bem-
vinda à presidência, Fernanda Albuquerque. — Sorri.

— A reunião está encerrada — ela declarou, juntou as coisas em


tempo recorde e saiu da sala feito um foguete.
CAPÍTULO III

Fernanda Albuquerque

Bati a porta da minha nova sala mais forte do que achei que fosse
capaz, afinal era de vidro. Já não bastava o fato de ter chegado
atrasada, coisa que eu detesto, a reunião que eu planejei tão
meticulosamente não saiu como eu esperava.

Como aquele... aquele... Insolente pode ter conseguido me afetar com tão
pouco? Minha vontade era mandá-lo sair da sala e passar no setor
pessoal para acertar as contas.

Respirei fundo. Calma, Fernanda, não deixe que o dia que você tanto
esperou perca o brilho. Você está no seu lugar, você está em casa. Repeti esse
mantra umas três vezes, antes do Fernando entrar na sala.

— Que entrada triunfal, maninha. — Ele sorriu e acomodou-se


na cadeira em frente a mesa que lhe pertenceu até a semana anterior.

— Você chama isso de triunfal? — rosnei. — E você chama


aquilo de equipe? Que porra você fez em um ano nessa empresa,
Fernando?

— Você só pode estar de TPM, que porra é essa pergunto eu,


qual o motivo dessa histeria?

Não sabia o que responder. Realmente, minha reação estava


além do racional, deve ter sido a viagem, a mudança, o atraso...
— Desculpa! — disse por fim. — Você sabe que não gosto que as
coisas saiam do meu controle e já comecei sem conseguir controlar
meu horário. — Sentei na minha nova cadeira.

— Eu entendo. E alerto que você só teve uma prévia do que é


administrar a Albuquerque's. — Sorriu amavelmente para mim.

— Eu não tenho problema nenhum em administrar — falei em


um tom mais sereno —, o problema é a falta de senso. Onde já se viu
numa reunião os funcionários ficarem de conversinhas o tempo todo?

— Ainda não entendi... Por que seu foco está todo nesse mero
incidente? — perguntou, encarando-me.

— Incidente esse que sua amada amante está envolvida! —


ataquei.

— Você está insuportável hoje! Não vou perder meu tempo


caindo nas suas provocações. Só espero que as suas impressões
pessoais não interfiram na empresa ou você estará sendo antiética. E
eu, como um dos donos, terei que me opor.

— Eu sei muito bem separar o pessoal do profissional, mas não


admitirei falta de comprometimento com o trabalho.

— Sim, chefa. Que tal champanhe para comemorar essa nova


fase?

Uma das minhas primeiras mudanças na Albuquerque's seria a


assistência a presidência, preciso de uma secretária que seja meu braço
direito, alguém da minha extrema confiança. Por enquanto, pedi para
a assistente do meu irmão trazer a bebida e liguei para o Felipe vir
brindar conosco.

O tilintar das taças me fez sorrir. Esperei muito por esse


momento.

— Ao meu sucesso — provoquei e meus irmãos riram.

— Agora ninguém a segura, pobres funcionários... Achavam que


eu era linha dura — caçoou o Fernando.

— Onde eu assino para pedir demissão? A Fernanda sempre foi


general em casa, aqui ela vai me torturar... Me tira dessa, mano! —
Felipe completou.

— Muito engraçadinho, fedelho. Trate de andar na linha, estarei


de olho em você.

— Ai... Até senti um calafrio. — Gargalhamos.

— Preciso te passar algumas coisas, minha agenda é toda sua,


enfim terei uma carga horária humana. — Fernando respirou aliviado.

***

Marcos Castro
— O que foi aquilo na reunião? — indagou Thalita, enquanto
almoçávamos.

— Ela ficou uma fera com as suas gracinhas. Mas foi engraçado
ver a mulher desnorteada, cara — completou Mateus, sorrindo.

— Você parece não ter noção do quanto sua cabeça está em risco
nessa empresa. — Apenas assenti e continuei saboreando meu salmão
defumado. — Marcos, você não tem nada a dizer em sua defesa? —
prosseguiu Thalita.

— Como bom advogado, sei que tenho o direito de permanecer


calado — falei, querendo pôr fim àquela conversa. Afinal, nem eu
conseguia entender o que ocorreu naquela reunião. Porra, eu fiquei
encantado pela Fernanda. Tudo bem, já sabia que ela era gostosa, mas
aliado à pose de executiva foi demais até para mim, tanto que fiz
papel de babaca.

— Você, calado? Não vai fazer nenhum comentário


engraçadinho? — questionou Thalita, arqueando a sobrancelha.

— Pois é, esse não é você — completou Mateus.

— Não é você que vive dizendo para eu ser mais comedido e


tal?

— E desde quando você escuta alguém? — retrucou.

— As pessoas mudam, gata! — Pisquei para ela. — Agora vamos


voltar ao escritório antes que a chefinha queira descontar do meu
salário nosso atraso.

— Rapaz, tem certeza que está bem? — comentou Mateus.

— Marcos, Marcos... — ponderou Thalita, sorrindo para mim.

— Thalita, Thalita... — repeti, abraçando-a.

— Vocês têm certeza que não são um casal? — perturbou


Mateus.
— Ela não faz meu tipo, muito grudenta.

— Seu idiota. — Thalita bateu no meu peito.

— Viu só, Mateus? Quem vai querer uma mulher que faz cena
no meio da rua?

— Vocês são dois babacas! — Thalita fingiu estar ofendida, mas


o sorriso a entregou. Voltamos para a Albuquerque’s e algo me dizia
que daqui para frente eu teria muito trabalho.
CAPÍTULO IV

Fernanda Albuquerque

Uma semana se passou desde que assumi a presidência e ainda


não tinha conseguido uma secretária pessoal. Precisava de alguém
competente, mas que ao mesmo tempo despertasse confiança em
mim. Solicitei indicações do setor de RH e eles me apresentaram três
possíveis candidatas. Peguei os currículos para análise, mas nenhum
deles havia chamado minha atenção.

Se tem algo que aprendi com meu pai, é a observar as pessoas. A


Cátia, secretária executiva da empresa, além de muito competente, era
discreta. Atendeu a todos os meus pedidos e até se antecipou em
algum deles; era proativa e, a julgar pelo seu currículo, que eu acabei
de solicitar, era a pessoa ideal para o cargo. A pessoa ideal estava ao
meu lado e eu buscando por aí. Disquei para seu ramal e solicitei a sua
presença na presidência, ela prontamente apareceu.

— Bom dia, a senhora precisa de alguma coisa? — perguntou.

— Sim, preciso que você venha almoçar comigo, tenho uma


reunião com um possível investidor e preciso do seu auxílio. — Era
um teste, queria ver a sua reação perante uma situação inesperada.

— Sim, senhora. Preciso apenas pegar a minha agenda e estarei


pronta para a reunião.
— Excelente — respondi, achando que minha intuição estava
certa.

O almoço aconteceu com uma marca de produtos de musculação


nova no mercado nacional, que almejava ampliar a visibilidade pelo
país. A pretensão deles era transformar a marca em uma das mais
vendidas no prazo de um ano. Para isso, contariam com nossos
serviços, desde a elaboração da campanha até as cláusulas dos
contratos para as empresas que fornecem seus produtos. Devo
salientar que o empresário responsável por trazer a marca para o
Brasil era um deus grego com um corpo esculpido pela academia:
musculoso e definido. Trajava um estilo despojado, calça jeans e
camisa de tecido branca, que, dobrada até o antebraço, revelava bíceps
de tirar fôlego; aliado a isso, tinha senso de humor e um par de olhos
verdes que pareciam querer penetrar a nossa alma. Mais um teste
passado com louvor, a Cátia manteve olhares discretos; anotava tudo
que era discutido e, como não era de ferro, admirava discretamente o
deus à nossa frente na medida em que ele nos apresentava os
produtos. A reunião durou em torno de trinta minutos e o negócio foi
fechado, nem chegamos a pedir o almoço.

— O primeiro passo para o sucesso já foi dado ao contratar


a Albuquerque's. Agora precisamos de um relatório com os produtos
da sua marca e os responsáveis por cada setor, para que nossos
funcionários entrem em contato com vocês. — Trocamos um aperto de
mãos.

— Espero que esse seja o primeiro de muitos negócios com a


Albuquerque's — disse, fitando-me de cima a baixo, antes de afastar-se.

Admirei mais uma vez aquele homem, voltei a sentar na cadeira


com um suspiro ao lembrar a frase comumente usada pelo meu
pai, "onde se ganha o pão, não se come a carne". Mas essa carne... Cátia
olhava para o cardápio; e mais uma vez sei que estava sendo discreta,
não há tanto o que olhar em um cardápio de restaurante.

— Já escolhi! — anunciei ao constatar que teria uma assistente.

— Escolheu rápido, a senhora já conhecia o restaurante? Quero


uma sugestão do que comer, são tantos pratos deliciosos.

Eu sorri antes de falar.

— Cátia, a partir de hoje, você é a mais nova secretária da


presidência da Albuquerque's. — Encarou-me, surpresa.

— Mas eu não me candidatei — adiantou-se. A julgar pela sua


expressão, ela tinha certeza que era um mal-entendido.

— Estou te observando durante essa semana, você foi eficiente e


proativa, e nessa reunião ficou claro que a minha intuição estava certa.
Só há um detalhe que preciso salientar: o que acontece na presidência,
fica na presidência. Afinal, você será minha sombra, saberá de toda
minha agenda, presenciará meus ataques de TPM e preciso assegurar
que a rádio fofoca não saberá disso.

— Pode ter certeza, senhora Albuquerque, não decepcionarei.

— Eu sei disso, afinal não costumo errar.

Fizemos nossos pedidos e aproveitei para sondar sobre os


funcionários, em especial a dupla Thalita e Marcos. Cátia me contou
que ambos são muito requisitados, apesar de termos outros
advogados na empresa, devido ao comprometimento e persuasão
deles e por isso são os responsáveis pela coordenação jurídica da sede.
Comentou, também, que eles se conhecem há muito tempo, por isso a
relação tão próxima.

Ao fim do almoço, eu tinha um contrato fechado e uma


secretária. Para melhorar ainda mais esse dia, decidi brindar com
umas comprinhas. Aperfeiçoar meu estilo presidente fará muito bem
ao meu ego. Passamos no shopping mais próximo e logo descobri que
Cátia, além de ótima secretária, seria uma excelente companhia para
as compras, admiramos algumas vitrines e entramos em diversas
lojas. Provei uma infinidade de saias, blusas, vestidos e blazers das
mais variadas cores, tecidos e estilos. Cátia deu a sua opinião quando
solicitei e notei ela olhar novamente para o vestido na vitrine.

— Lindo, né? Por que não experimenta?

— Outro dia passo aqui e experimento — respondeu sem graça.


Solicitei a vendedora que trouxesse o vestido para que ela
experimentasse.

— Eu quero presentear a minha secretária. Se ele ficar bom, é seu


e não aceito “não” como resposta.

— Obrigada! — Sorriu e caminhou animada com o vestido em


mãos até o provador.

***
Marcos Castro

As semanas seguintes à posse da nova presidente foram de


mudanças. Agora recebíamos memorandos e deveríamos acessar o e-
mail corporativo todos os dias. No último e-mail, foi solicitado que
fizéssemos um levantamento dos clientes atendidos e possíveis novos
clientes. Como a Thalita tinha uma reunião com um cliente pela
manhã, fiquei encarregado de iniciar o relatório.

Enviei uma mensagem para Cátia.

É impressão minha ou estamos fazendo um trabalho que já


foi feito e entregue para o último presidente?! A propósito,
você tem o arquivo ainda? Manda ae ;)

Kkkkkkkkkk pq eu teria o arquivo? Eu sou


secretária, não HD :P

Rsrs Já procurei aqui e não acho. E Thalita não


responde minhas mensagens. Ainda nem comecei a
planilha...

Você leu o memorando até o fim? Ela quer


isso pra ontem.

Quando levantei para sair da sala, um bip do e-mail corporativo


chamou a minha atenção e olhei para a tela a minha frente.

A Presidente, Fernanda Albuquerque, convoca assessoria jurídica para


uma reunião às onze horas. A mesma solicita que os relatórios, mesmo que
ainda em construção, estejam em mãos.

Att, Cátia Lima – Assistente executiva da presidência.


Pq vc não me avisou dessa reunião, Cátia? Tô fodido
=@

Ela me avisou agora... e eu tentei fazer vc


trabalhar

Deveria ter dito: Marcos, a presidente quer seu


fígado! Aí eu teria entendido o recado

Kkkkkkkkkkkkkkkkkkk

Forcei-me a iniciar o relatório. Odiava essas funções


administrativas: relatórios, planilhas; Thalita que fazia essa função na
maior parte dos casos. Eu preferia fechar contratos, argumentar,
defender pontos de vistas e trazer novos clientes para a empresa.
Concentrei o máximo da minha atenção nessa chata função
burocrática. Se isso era um teste, eu seria aprovado com louvor. Olhei
para o relógio, faltava cinco minutos para a reunião; peguei meu
notebook e segui para a sala da presidente.

Conferi minha imagem refletida na porta de vidro que antecedia


a sala da presidência. Hoje fui trabalhar sem terno, já que não teria
reuniões de negócios; usava uma camisa social rosa bebê, manga ¾, e
uma calça de linho preta. Esperava que a chefinha apreciasse a minha
beleza e baixasse só um pouquinho a guarda. Parei na recepção, onde
a Cátia, agora secretária da presidência, anunciou-me para que
pudesse entrar.

— Bom dia! — cumprimentei assim que entrei.


Fernanda estava concentrada, digitando algo. Respondeu no
automático sem olhar para mim. Sentei na cadeira à sua frente e
observei a sala ao redor. Buscava encontrar alguma extravagância
feminina, uma parede cor de rosa, ou ainda, fotos suas espalhados
pelo ambiente, Narciso perderia para essa mulher. Mas me enganei,
tudo estava da mesma forma que o Fernando deixou.

— Eu lembro de ter convocado a assessoria jurídica. Onde está a


Thalita? — perguntou, tirando-me da inspeção da sala.

— Está em reunião com um cliente.

— Ok, vamos direto ao assunto. — Levou a caneta que até os


lábios. O ato foi involuntário, mas não deixou de ser sexy. A mulher
brincava de exalar sensualidade. Controlei-me não fazer nenhum
comentário. — Apesar de estar há pouco tempo na presidência,
acredito no potencial da empresa em atrair novos clientes, por isso
solicitei que fosse elaborado um relatório com os nossos clientes em
potencial. Pretendo expandir nossos negócios e preciso desses dados
para prosseguir com meus planos. Você trouxe o solicitado? —
indagou, encarando-me.

— Trouxe e, se me permite, gostaria de apresentar esses números


por meio de gráficos. — Fiquei de pé e girei o notebook em sua
direção, dou a volta para ficar em pé atrás da sua cadeira. —
Conforme a senhora pode observar, tivemos um crescimento de 30%
em relação aos novos contratos fechados, levando em consideração
somente os dois últimos anos; a rede hoteleira Casablanca é um
excelente exemplo de como uma equipe trabalhando interligada pode
conquistar ótimos resultados. O que o cliente espera ao contratar
a Albuquerque's é justamente essa eficiência do trabalho em equipe. O
responsável pela logo de uma marca é tão importante quanto o
financeiro na hora de apresentar o quanto será investido para
conseguir tal objetivo. — Mantive minha apresentação, agora já
sentado em uma cadeira ao seu lado. Ela permaneceu em silêncio. —
Portanto, mais do que buscar novos clientes, é preciso manter a
qualidade dos já conquistados.

— Ampliar não significa, necessariamente, perder qualidade —


falou por fim.

— Não necessariamente, mas em grande parte dos casos, sim...

— E o que você sugere? — desafiou-me.

— Antes de qualquer coisa, creio que devemos prosseguir com a


equipe multidisciplinar introduzida pelo seu irmão na gestão anterior.
Aliado a isso, que tal usarmos nosso pessoal de marketing para
promover esse primeiro contato com os potenciais clientes?
Apresentar a Albuquerque's...

— Isso soa como entregar panfletos nas ruas. Somos uma


empresa consolidada, não precisamos desse tipo de ação — rebateu,
agora já de pé, caminhando até o outro lado da sala. Não pude deixar
de sorrir.

— Esse é o seu ponto de vista. — Ela voltou a me encarar e eu


prossegui. — Se você escutou o exemplo que dei do Casablanca,
entendeu o que eu propus. A Thalita ficou meses paquerando o
contrato e só o conseguimos depois que nossa equipe criou um book de
encantamento para essa rede específica. Foram meses de conversas até
fecharmos o contrato. Desse modo, a ideia do marketing é, sim, válida.
E não soa de forma alguma como panfletagem.
— Claro que ouvi. Mas será que você ouviu o seu discurso? Para
elaborar o tal book de encantamento foi gasto dinheiro, realizaram um
investimento sem saber se ele teria retorno.

— Arriscar faz parte de viver.

— Eu sou uma administradora e trabalho com planejamento e


ações executadas — rebateu, encarando-me.

— Então presumo que saiba que também faz parte da


administração arriscar. Ou como você acha que Steve Jobs ficou rico?
Não foi com medo de arriscar...

— Eu dispenso suas aulas de administração.

— Não tive intenção de ofendê-la — respondi, ficando de pé. Ela


não vacilou o olhar em nenhum momento. Fechei meu notebook antes
de perguntar: — Deseja algo mais?

— Está dispensado — disse e virou de costas para mim.

***

Fernanda Albuquerque

Quem já viu um funcionário ousar me dizer como administrar?


Lógico que eu sei quem é Steve Jobs e que administração tem a ver
com arriscar. Que sujeito insolente. Sentei na minha cadeira e voltei o
meu olhar para o notebook; ele acabara de enviar o arquivo da
apresentação para o e-mail da presidência. No corpo da mensagem,
havia a seguinte frase: "Não sabendo que era impossível, foi lá e
fez". Agora, além de advogado, administrador, o cara era filósofo; citar
Jean Cocteau era o auge da sua cara de pau.

— O que eu fiz para merecer um Marcos na minha empresa? —


resmunguei baixo, mas o suficiente para Fernando, que acabou de
entrar na sala, escutar.

— Quando descobrir a resposta, me diz — disse, sentando-se na


cadeira à minha frente.

— Você acredita que ele teve coragem de me dizer como gerir a


empresa? Segundo ele, arriscar faz parte da administração.

— E ele está certo. — Meu irmão concordou e prosseguiu


calmamente: — Não estou dizendo para arriscar tudo, mas algumas
das nossas escolhas são tiros no escuro.

— Não vá me dizer que concorda com ele...

— Nesse caso, sim. Tomo o caso do Casablanca como exemplo...

— A tal rede hoteleira que vocês passaram um tempo até fechar


contrato — interrompi, revirando os olhos.

— Pelo visto ele já te contou. — Sorriu. — Essa era uma das


maiores redes do país, tivemos que arriscar para conseguir fechar o
contrato. O Sr. Paulo me falou da possibilidade antes mesmo de eu vir
para o Rio e eu apoiei, minha viagem com Thalita foi um dos últimos
passos.

— Tá, chega desse papo e me leva para almoçar, estou morrendo


de fome.
— Ainda não almoçou? — Conferiu o relógio. — Já passam das
quinze horas...

— Fiquei presa resolvendo umas coisas e acabei perdendo o


horário.

— Vamos, mas não ache que vai fugir do assunto. Ser líder é
ouvir a todos e até dar o braço a torcer, mesmo que o cara do outro
lado seja o Marcos.

— Fernando, você disse camarão? Hum, e para sobremesa uma


mousse de chocolate!

— Você quando teima em não ouvir... — Deu de ombros e


sorriu.

— Que tal prolongarmos a tarde e pegarmos um cineminha?


Tem um filme ótimo sobre um espião russo — falei, abraçando-o.

— Já quer fugir do trabalho?

— Ok, sem filme.

Longo dia.
CAPÍTULO V

Marcos Castro

Finalmente a sexta-feira chegou. Como eu tinha uma reunião às


nove com uma cliente, mandei mensagem para Thalita informando
que só iria para a sede depois da reunião. Saí para correr na orla,
assim aproveitei para dar um mergulho; ultimamente andava sem
tempo de ir à academia. Voltei ao meu apartamento, tomei uma
ducha, vesti uma calça jeans, camiseta branca e blazer preto. Vasculhei
minha geladeira e encontrei, lá no fundo, o resto de um queijo ricota
que comi com pão enquanto assistia ao noticiário local.

A reunião com a minha cliente da manhã, Diana, foi cancelada


em cima da hora. Ela me pediu mil desculpas; pelo que entendi, sua
dermatologista tinha conseguindo um horário para ela justamente no
horário da nossa reunião e ela não podia perder a oportunidade. Para
que eu não perdesse a viagem, entregou-me os contratos assinados e
foi embora se desculpando mais uma vez. Pelo menos o negócio foi
fechado.

Já no escritório, peguei-me pensando na reunião com Fernanda.


A forma como ela reagiu à minha discordância, como ela sempre
acabava dando um jeito de encerrar a conversa quando se sentia
pressionada. Ainda não conseguia traçar o seu perfil, mas sou
obstinado, ia tentar furar o bloqueio de todas as formas.

— Marcos, terra chamado! — Thalita balançava um papel na


minha frente.
— Fala, gata.

— Tenho até medo de perguntar o que se passa nessa sua cabeça.

— Melhor não saber, gata, melhor não...

— Então vamos fazer assim, uma rodada de cerveja caso eu


adivinhe seus pensamentos. — Ela tinha certeza que acertaria, dava
para ver pela sua expressão confiante.

— Tudo isso é curiosidade?

— Vai arregar, Marcos Castro? — provocou

— Você vai perder.

— A pergunta é: topa ou não?

— Topo.

Pensei que ela levaria um tempo para tentar elaborar a sua


resposta, mas não, trinta segundos depois do desafio aceito, afirmou
cheia de confiança:

— Diana Cavalcante, a designer da reunião. Acertei, né?

— Diana... Ah, sim, a designer de joias. A mesma que não ficou


para a reunião... Não, passou longe — falei, voltando minha atenção
para o notebook.

— Como assim, eu errei? Cara, eu conheço a Diana e sei o quanto


ela é linda. Vai dizer que não prestou atenção nela? — Estava
visivelmente surpresa por ter errado.
— Hoje, em especial, ela estava usando um macacão preto frente
única. Ela realmente é muito linda, mas eu estava ali como advogado,
ela assinou o contrato e fim de papo.

Thalita caiu numa gargalhada sem fim.

— Papel de advogado? Desde quando isso lhe impediu de cantar


as clientes?

— Sou profissional. — Dei de ombros.

— Profissional? Tem algo estranho acontecendo e eu vou


descobrir.

— Enquanto não descobre, a rodada de amanhã é por sua conta.

— Droga! Eu tinha certeza que era a Diana.

— Perdeu, gata! Ah, e a propósito, vou de Budweiser.

— Não vou pagar rodada de dez reais a cerveja — protestou.

— Vai sim, quem mandou não pensar nas cláusulas do desafio,


cara advogada.

— Mas eu tinha certeza que acertaria — choramingou. — Tá, tá


eu aceito a derrota.

— Boa menina, agora se me dá licença, vou almoçar. Vem


comigo?

— O Fernando me convidou...
— Ele conseguiu o que JP não conseguiu em anos.

— O quê? — perguntou, curiosa.

— Colocar um cabresto em você, gata! Já estava na hora de você


se aquietar.

— Que moral você tem para falar de cabresto? Nunca se deixou


envolver por ninguém.

— Não?! Eu te pedi em casamento.

— Em coma alcoólico.

— Mas pedi...

— Tchau, Marcos.

— Até mais, gata.

***

Fernanda Albuquerque

Meu irmão tinha razão quando disse que a agenda de um


presidente era exaustiva. Passava os dias enfurnada dentro do
escritório, só lembrava de almoçar porque a Cátia praticamente me
empurrava porta afora quando descobria que eu ainda não tinha
comido. E hoje era um desses dias; sexta-feira. Tentava dar conta de
todas as tarefas para não acumular para a semana seguinte quando
Cátia entrou na sala.
— Fernanda, já são quase duas da tarde e você ainda nem
levantou dessa cadeira.

— Estou sem fome! — respondi sem olhá-la, mas minha barriga


denunciou-me. Será que ela ouviu?

— Tudo que a Albuquerque's não precisa é de uma presidente que


desmaie de fome. Trinta minutos não vão te atrasar.

— Você tem razão — concordei, levantando da cadeira. — Agora


me diz onde encontro algo decente aqui por perto.

— Tem um bistrô a algumas quadras, o lugar é refinado.

— Do jeito que meu estômago protesta, até um hot dog cai bem.

— E ainda disse que não estava com fome...

— O que seria de mim sem você, Cátia? A propósito, dá uma


olhada na minha agenda e vê o que pode ser cancelado, amanhã quero
tirar o dia de folga — falei, pegando minha bolsa.

— Finalmente. — Ela sorriu.

Saí da sala e aguardei o elevador, enquanto atualizei-me das


fofocas das minhas amigas no grupo do Whats. Sorri ao visualizar um
vídeo enviado pela Gabi: um homem tocando piano e cantando
completamente nu.

— Está indo almoçar? — Levei um susto ao ouvir aquela voz.

— Hã?! — perguntei, recuperando-me.


— Não tive intenção de te assustar — Marcos falou com aquele
maldito sorriso nos lábios.

— Não assustou, só estava distraída — respondi, guardando o


celular na bolsa. E esse elevador que não chega... Finalmente.

— Não respondeu a minha pergunta. — Entrou comigo no


elevador.

— Que pergunta? — Dou uma de desentendida.

— Se está indo almoçar.

— Sim — respondi secamente.

— Conheço um restaurante a algumas quadras daqui.

Que homem insistente.

— A Cátia já reservou um para mim. — Ele sorriu e continuou


encarando-me, era a descida mais longa da minha vida. Por sorte,
estava de óculos escuros e mantive meu olhar para frente. Finalmente
chegamos ao térreo.

— Eu não mordo, Fernanda Albuquerque — disse,


interrompendo minha saída do elevador.

— Você já me disse isso e eu já te respondi que costumo andar


com focinheiras. — O sorriso dele se transformou numa gargalhada.
Sinto ódio, não havia contado uma piada para ele ter aquela reação.

— Qual o problema de almoçar com um funcionário? — Ele não


desiste.
— Nenhum desde que eu queira — rebati.

— Então é pessoal o problema.

— Ainda não, mas passará a ser se você não me der licença. Se


não notou, o elevador está preso porque você não me deixa passar. —
Ele saiu de frente da porta e fez uma falsa reverência para que eu
passe.

Segui pisando firme a caminho do meu carro. Escutei seus


passos me seguindo; parei abruptamente e o fuzilei por trás dos
óculos.

— Calma — falou sem tirar o sorriso do rosto —, meu carro é


aquele ao lado do RS7. Há dias estou tentando descobrir quem é o
dono desse carro foda. — Sorri ao notar que carro a que ele se referia
era meu.

Tenho um Audi RS7, meus irmãos viviam me enchendo, dizendo


que eu escolho carros que demonstram poder. Não é bem isso que
define minha escolha, esse Audi foi paixão à primeira vista; adoro
carros e esse me ganhou pela tecnologia e design, escolhi o vermelho
para tornar minha escolha ainda mais poderosa, porém sexy.

Passei pelo carro dele e entrei no meu. Fiz questão de olhar pelo
retrovisor para notar que o Marcos olhava a cena embasbacado.
Acelerei e sai cantando pneu, talvez agora ele entenda quem era
a foda da história.
CAPÍTULO VI

Marcos Castro

Sexta à noite e, com um dia de folga pela frente, lógico que eu


aproveitaria. Encontrei com o Alê em um barzinho e de lá saí com
uma morena linda, dessa vez para o motel, não queria correr o risco
de partir o coração de mais uma mulher ao não oferecer o café da
manhã.

Cheguei em casa por volta de uma hora da manhã, tomei uma


ducha e liguei a TV no canal de esportes; estava passando jogos
memoráveis, hoje: Portuguesa x Palmeiras. Imediatamente enviei
mensagem para o Alê:

A portuguesa derrota o todo poderoso Palmeiras no


Palestra. Que jogo!

O sexo foi tão ruim assim que fez vc lembrar


de mim!? PQP!! rsrsrs

Hahahaha Já tô em casa e, quando cheguei, adivinhe


só: tava passando os melhores momentos do jogo do
século. Pena que não peguei do início para gravar.

PORRA! Eu deveria ter ficado com aquela


gostosa. Se soubesse que vc ia dispensar ela
assim tão rápido...
Já te disse que patricinha não faz meu tipo, não toca
aqui, vai mais devagar...

Ela era virgem?

Não, era o pior tipo: a que só transou com o namorado


e o babaca ficava no papai e mamãe e ela tem medo do
novo...

Foda!

Eu deveria escrever um tutorial para os namorados.


Meu primeiro preceito seria: homens, deem prazer a
suas mulheres, façam valer a máxima “santa na sala e
puta na cama”.

kkkkkkkkk ia fazer sucesso, pelo menos entre


as mulheres.

Esse sempre é o meu objetivo. Agora ouça [mandei o


áudio da TV, a torcida gritando comemorando a
vitória]

Marcos, vai se foder @@@* Luuuuusa! O


choro é livre.

Comemorar títulos passados é deprimente rsrsrs

Oi?! Vc falou Libertadores? Ah! Também


comprou o ingresso para o primeiro jogo?
Ah! Não, desculpa.

Porra, chato!! Agora me deixe dormir que amanhã eu


trabalho.

Quem mandou não estudar...

A resposta veio com um emoticon dando dedo. Fiquei zapeando


pela TV até que adormeci.

***

Acordar sem o barulho do despertador deveria ser uma das sete


maravilhas do mundo. Quando levantei, já passava das onze da
manhã. Fui até a cozinha e senti cheiro de comida.

— Dona Maria, não me diz que esse almoço é para mim — falei,
entrando na cozinha e mexendo nas panelas.

— Quando li o bilhete do senhor dizendo que estaria de folga,


quis fazer um agrado.

— Só por isso merece um beijo de agradecimento. — Fui em sua


direção, mas ela segurou uma vassoura e ameaçou me bater com o
cabo. — Tudo isso é medo de se apaixonar? — perturbei, abraçando-a
e sendo atingido logo em seguida.

— Menino, eu já passei dessa idade.

— Não é isso que o Sr. Firmino conta na portaria. — Ela


enrubesceu com minha piada e eu gargalhei. Maria era uma mulher
com pouco mais de cinquenta anos que fazia faxina no meu apê uma
vez por semana. Ela vivia dizendo que não via a hora de eu me casar,
para tomar rumo na vida.
— Assim vou ficar mal-acostumado. — Servi-me da
macarronada.

Passei o resto do dia esparramado na sala, ou melhor, pelos


cantos em que era permitido. Se estava na sala, a Maria me mandava
ir para o quarto; quando estava no quarto, mandava eu voltar para a
sala. Ficamos nesse jogo de cão e gato até a hora dela ir embora.

— Seu Marcos, troquei o lençol da cama e as toalhas, também


separei as roupas e vou deixar na lavanderia. Não esquece de passar
na terça para pegar as roupas lá.

— Santa Maria, o que seria de mim sem a senhora?

— Você precisa é de uma mulher para cuidar de você, da casa...

— Ter a senhora é bem mais vantajoso, cuida de mim e nem


reclama das minhas cuecas espalhadas pela sala. Casa comigo, Maria?

— Se respeite, menino — falou, rindo. — Até semana que vem.

— Até.

Encontrei meu quarto todo arrumado... Pena que não demoraria


muito e logo tudo voltaria ao caos. Peguei a primeira camisa do
guarda-roupa e uma calça jeans e segui para o banheiro. Quarenta
minutos depois, eu estacionava o carro em frente a boate.

***

— Thalita, agora que eu cheguei, já pode pedir a rodada por sua


conta — avisei, sentando-me à mesa reservada. Ali, sentados, estavam
de um lado Thalita e Fernando, do outro Cátia e Mateus. A mesma
boate que eu praticamente agarrei a Thalita tempos atrás. E eu já
estava animado só com as boas recordações. Fernando me fuzilou com
o olhar e depois voltou o olhar para Thalita, que estava ao seu lado.

— Fernando, eu propus uma aposta com o Marcos e perdi. Daí a


rodada ser por minha conta — explicou, plantando um selinho na
boca dele. A advogata sabia como acalmar a fera.

— Garçom, uma rodada de Budweiser por conta da gata — pedi.

Pouco tempo depois, o Alê se juntou a nós e começamos uma


conversa animada sobre futebol.

— Duvido que a Lusa tenha futebol para passar da primeira fase


da Libertadores — debochou meu amigo.

— Fale comigo quando seu time estiver na Libertadores —


rebati.

— Estar na Libertadores é fácil, difícil é ganhar. Porra, vocês


estão confiando no Tolói.

— O mesmo Tolói que massacrou o Palmeiras no último jogo —


completou Fernando.

— Jogo atípico — discordou Alê.

— Atípico? Onde um meia faz quatro gols numa mesma partida?


Foi foda — Fernando falou, animado.

— Ah, não, cara, não me diz que você é Lusa, também? Não
mereço passar a noite ouvindo devaneios de dois torcedores da
Portuguesa. — O sorriso de Fernando se alargou antes dele entoar o
hino mais lindo do mundo, juntei-me a ele, cantando sob os protestos
do Alê e da Thalita.

— Fernando, não acredito que você foi contaminado pelo


Marcos. Vocês estão chamando atenção — Thalita disse, visivelmente
envergonhada pelo fato das pessoas terem parado para nos observar.

— É a Lusa, amor! — falou, abraçando-a.

— Para mim chega, vou dar uma volta. Aguentar o Marcos já é


difícil, agora soma a isso quando ele encontra um torcedor do seu
clube — disse Alê, levantando-se da mesa.

— Fica! Ainda nem começamos a falar do jogo memorável em


que a Lusa massacrou seu Palmeiras.

— Vai se foder, Marcos!

— Eu também te amo, cara! — digo, antes dele sair.

— Quem diria que Fernando e Marcos teriam algo em comum...


— perturbou Felipe, que chegou no meio da conversa, com o braço
envolto na cintura de uma ruiva gostosa.

— O que a Portuguesa não faz? — respondeu Fernando,


sorrindo para mim e dessa vez havia um sorriso franco na sua cara.

— Gente, o papo tá bom, a rodada foi paga, mas vou dar um


role. — Despedi-me e caminhei em direção ao bar, pedi um uísque e
sentei ao balcão, observando o ambiente.

Um grupo em especial chamou a minha atenção. Quatro


mulheres dançavam sem se importar com os olhares alheios, pareciam
estar numa festa particular. Pedi outro uísque e continuei a observá-
las. Uma delas era loira, com seios fartos à mostra numa blusa frente
única; dançava colada a um homem. Minutos depois, eles
caminhavam para um canto da boate. As outras duas cochicharam no
ouvido de uma terceira, antes de abandonarem a amiga sozinha na
pista, que permanecia de costas para mim, dançando. Ela parecia
sentir a música pulsar nas suas veias, pois rebolava e descia até o
chão, sentindo cada batida enérgica do DJ.

Permaneci atento a ela; algo naquela mulher despertou meu


interesse. Suas amigas passaram por mim, provavelmente em direção
ao banheiro. São lindas, uma morena com olhos castanhos, usava um
short preto e blusa decotada, falava e ria alto, provavelmente já
deveria ter bebido alguns drinks. A outra morena com olhos verdes
usava uma calça jeans e uma blusa de manga curta e parecia perdida
naquele ambiente, aparentava ter sido forçada pelas amigas a estar ali.
Já estava no meu terceiro copo de uísque, observando atentamente a
amiga abandonada na pista. Eu tinha uma visão privilegiada.
Observava a forma como remexia os quadris ao ritmo da música,
como se entregava as batidas sem se importar se o vestido usado
ficava a ponto de revelar algo cada vez que rebolava.

Ela continuava dançando de costas para mim, meu olhar seguiu


pelas suas pernas e pela bunda que me seduzia escondida num
vestido preto curto, que estava me deixando loucamente excitado.
Ingeri de uma só vez o conteúdo do copo, coloquei-o em cima do
balcão. Eu necessitava ir até aquela mulher. Quando levantei e andei
em sua direção, reconheci a gostosa que me enfeitiçou com sua dança
solitária.

Fernanda Albuquerque. A mesma que tinha uma postura


completamente profissional na empresa. A mulher que matinha todos
a distância com olhares e palavras gélidas estava ali, dançando sem se
importar em estar pagando calcinha. Sem pensar, cheguei por trás
dela e a puxei de encontro a mim. Ela não se distanciou, continuou
dançando de olhos fechados. Meu corpo reagiu a esse contato,
encaixando-se perfeitamente; não me contive e passei a mão pelos
seus quadris, a minha boca traçou o caminho pelo seu pescoço. Ela
apenas consentia sem se afastar. O ritmo pulsante da música e a forma
como ela dançava colada a mim me fez avançar ainda mais. Minha
mão foi em busca da pele sob o vestido, esgueirando-se à procura da
calcinha. Ela suspirou e finalmente se voltou para mim, abriu os olhos
lentamente e notei a surpresa estampada na sua cara.

— Você! — Sua voz saiu como um sussurro incrédulo.

Não dei tempo para ela pensar, parti para cima, dando-lhe um
beijo. Mesmo surpresa, ela correspondeu, segurando meus cabelos.
Segurei sua nunca e sua cintura, puxando-a para mais perto, como se
isso fosse possível, estávamos colados. Foi um dos beijos mais lascivos
de que me lembro. Fernanda se afastou, buscando recuperar o fôlego.
Seus lábios estavam vermelhos e seus cabelos, desgrenhados pela
força que apliquei quando a puxei para perto.

— Isso é um erro! — Ela parecia repetir para si mesma.

— Erro ou não, não dá para negar o clima que está rolando aqui.
Deixa para pensar nisso... — Não precisei completar a frase; ela se
jogou em mim, beijando-me com a mesma urgência, parando apenas
para sussurrar ao meu ouvido que deveríamos ir para um lugar mais
íntimo.

Seguimos em direção a uma das saídas da boate, a excitação


nítida em nosso olhar, nos agarrávamos em meio aos carros
estacionados.

— Vamos no meu carro! — sussurrei, mordendo seu lábio


inferior.

— Não! Iremos cada um no próprio carro — sentenciou.

— Nada disso, você pode mudar de ideia.

— Acha mesmo que sou o tipo de mulher que dá para trás? —


rebateu, levando a mão em direção a minha ereção.

— Fernanda... — gemi. — Na dúvida, vamos no seu carro.

Entramos no carro, suas mãos firmes no volante, concentrada na


estrada a sua frente. As minhas percorriam seu corpo enquanto minha
boca a provocava com mordidas no pescoço e palavras sussurradas.

— Eu estou quase parando o carro em qualquer lugar e


atendendo seu pedido. — Lançou-me um olhar malicioso.

— Chegamos — informei. Liberei a nossa entrada no


condomínio. Por sorte, residia no terceiro andar, assim ela não correria
o risco de ser possuída no elevador.
CAPÍTULO VII

Fernanda Albuquerque

Caminhamos em silêncio pelo estacionamento escuro e entramos


no elevador. Marcos estendeu o braço para apertar o botão do terceiro
andar e observei como os músculos dos seus braços se ondularam
quando ele se esticou. Agora, de perto, via que cada centímetro dos
seus braços era definido. Fiquei curiosa em saber o que mais era
definido e sorri com o pensamento. Marcos deu um passo em minha
direção e parou, ficando de costas para a porta do elevador.
Lentamente, aproximou-se e inclinou a cabeça no meu pescoço. Ele
inalou profundamente, era animalesco e erótico ao mesmo tempo, seu
nariz capturando meu cheiro para si. Quando ele falou, sua voz saiu
rouca e seu hálito quente arrepiou meu pescoço.

— Você está aqui.

— Estou — respondi com minha respiração ofegante.

Minha pulsação acelerou quando ele levantou a cabeça e


encostou sua boca na minha, dessa vez delicadamente. Sua língua
percorreu a minha boca entreaberta, seus lábios mordiscaram os meus
e essa delicadeza no seu toque me fez querer puxá-lo para mais perto.
E assim eu fiz ao contornar seu pescoço com meus braços, enquanto
minha língua o invadia com urgência e lascívia. Chegamos ao seu
andar. Saímos grudado um no outro, paramos apenas para ele abrir a
porta do apartamento e continuamos nossas carícias.
Envolvi seu corpo com as minhas pernas, enquanto ele me
levava para seu quarto. Sua boca explorou meu pescoço de formas
que me deixaram arfante. Colocou-me no meio da cama, mas não
juntou-se a mim imediatamente, ficou parado, admirando-me. Seu
olhar parecia capturar cada parte minha, traçando uma rota no meu
corpo. Acompanhei o sorriso que surgiu nos seus lábios quando ele
capturou meu olhar no seu.

Ele era um conquistador e eu estava me permitindo ser


conquistada naquele momento. Estendi a mão e a ofereci a ele, meu
corpo urgia em necessidade do seu toque. Marcos olhou para minha
mão, depois para meus olhos. Segurou-a e aproximou-se.

Lentamente, seu corpo aproximou-se do meu, seus olhos


castanhos escuros penetrando meu olhar e eu não conseguia desviar.
Sua mão deslizou para o meio das minhas coxas e, devagar, empurrou
a minha calcinha. Seus dedos tocaram a minha parte mais sensível de
forma meticulosa e lenta, gemi em meio ao toque. Seus olhos ainda
não deixavam os meus.

Marcos prosseguiu a fricção de modo lento, parecia querer me


torturar, meu corpo queria mais e informou, arqueando em direção ao
seu. Ele parecia não se importar com minha urgência e continuou
massageando meu clitóris no seu ritmo. Meus olhos se fecharam
quando senti sua outra mão passear pelo meu corpo. Sua boca e seus
dentes começaram a distribuir mordiscadas nos meus seios, que me
enlouqueceram; era ritmado e me fazia pulsar.

— Você é ainda mais gostosa do que eu pensei.

Não respondi, apenas enlacei minhas pernas contra seu corpo de


modo que senti sua ereção. Ele voltou a plantar beijos pausados pelo
meu corpo. No meu pescoço, nos meus seios, na minha barriga, na
parte interna das minhas coxas. Suspirei. Forcei meu corpo contra o
seu e ele recuou, afastando nossos corpos.

Sentamos um em frente ao outro, retirei sua camisa e meus olhos


percorreram seu corpo. Não resisti e passei as mãos sobre seu
abdômen trincado, rapidamente cheguei até o zíper do seu jeans, mas
ele me interrompeu.

— Deixe-me provar você por completo.

Eu ainda estava completamente vestida. Sem pressa, ele retirou


meus saltos, puxou meu vestido por cima e, em segundos, a calcinha
de renda se foi. Senti o calor da sua língua descer pela minha barriga,
puxei seus cabelos em direção ao meio das minhas pernas até que ele
sugou a parte mais sensível do meu corpo. Sua língua me provocou e
não me controlei, gemi quando ele compreendeu a minha urgência e
aumentou a sucção. Meu orgasmo veio através da sua boca.

Marcos percorreu o olhar sobre meu corpo nu, exposto para ele.
Afastou-se de mim o suficiente para retirar sua calça e sua cueca,
deitando sobre mim, pele com pele, nenhuma roupa entre nós. Deixei
escapar um gemido, meu quadril se ergueu de encontro à sua ereção.
Ele não se distanciou dessa vez ao estender a mão em direção ao
criado-mudo. Demorou alguns instantes me distraindo com beijinhos.

— Preciso pegar a camisinha no banheiro — informou por fim,


fazendo menção de afastar o corpo do meu.

— Eu uso contraceptivo, não me faça implorar! — avisei, já


puxando seu corpo para o meu.
— Eu adoraria ver você implorar, mas hoje não.

Marcos me beijou, deslizando a língua para dentro da minha


boca. Em poucos instantes, nossos corpos se conectaram; sinto-me
preencher lentamente. Ele iniciou um ritmo suave e eu gemi baixinho
com as sensações. Minhas unhas arranharam suas costas quando ele
aumentou o ritmo. Comecei a mover meu corpo junto ao dele, numa
sincronia perfeita, incapaz de continuar calada quando ele me
penetrou de diferentes ângulos. As minhas unhas cravaram sua pele
suada e eu gritei como nunca, sem me importar em ser ouvida pelos
vizinhos.

— Marcos... — gritei, rouca.

— Você é tão deliciosa... — Gemeu. — Eu poderia fazer isso


durante a noite toda. Goza para mim de novo.

Com essa frase, penetrou-me profundamente e eu gozei,


estremecendo. Ele gemeu em resposta, seu corpo se contorceu e
tremeu quando seu gozo me inundou por completo. Ainda dentro de
mim, Marcos me beijou lascivamente, a respiração ainda ofegante. Por
fim, ele rolou ao meu lado, puxando meu corpo consigo.

***

Não lembro quando caí no sono, mas despertei com uma fresta
de luz que entrava pela janela do seu quarto, diluindo a penumbra.
Acordei antes do Marcos, suas mãos estavam envoltas em meu corpo.
Virei-me e o observei. Relaxado, ele não tinha nada do cara
presunçoso e babaca do escritório, mas a expressão marota
permanecia, ainda havia um maldito sorriso presente no seu rosto.
Aproveitei o momento para inspecionar completamente o
homem nu ao meu lado, admirando cada um dos seus músculos
rígidos e definidos, capazes de enlouquecer a mais sensata das
mulheres. Sua barba por fazer o deixava com um rosto másculo, viril.
Parei na sua boca, a mesma boca que me fez desejar mais a cada
minuto. Detive-me nos braços ao meu redor, mãos fortes me puxando
para si, ainda que inconscientemente. Libertei-me dos seus braços com
cuidado para não o acordar. Peguei minhas roupas espalhadas pelo
chão e comecei a vesti-las rapidamente, achei meu salto embaixo da
cama e saí com eles nas mãos.

Precisei programar o GPS para voltar ao hotel. Para minha


surpresa, ficava a quarenta minutos do apartamento do Marcos.
Praticamente vizinhos, Fernanda, que ótimo. Apertei o play a fim de curtir
uma boa música nesse curto trajeto. Em poucos segundos, a voz da
Marisa Monte ecoou pelo meu carro e juntei-me a ela.

Cheguei ao meu destino no tempo estimado, o dia já estava


raiando, portanto, o hotel já se encontrava em movimento.
Cumprimentei o ascensorista antes de entrar no elevador. Abri a porta
do meu quarto e fui direto para o banheiro; preparei um banho com
sais e óleos, despi-me e entrei na banheira. Enquanto relaxava, revivi a
noite anterior. Sou capaz de sentir o cheiro do Marcos ainda em mim,
meu corpo sensível era reflexo da noite de prazer. Quem diria que o
babaca presunçoso era realmente bom de cama? Quero só ver a cara
da Gabi quando eu contar que transei com um carioca antes dela. Por
falar nela, liguei meu celular, que permanecia desligado desde a noite
anterior. Como era de imaginar, há diversas mensagens das minhas
amigas depois da minha mensagem rápida.

Meninas, nos vemos amanhã. ;)


Sol diz: Como assim?

Gabi diz: Sua vadiiia!! Não me diz que


abandonou a gente por um bofe?

Sol diz: Fê??

Lu diz: Geeente, deve ter sido um boy


beeeem magia, para ela nem esperar a gente
voltar para se despedir =O – Lu

Gabi diz: OMG! Ela vai pegar um carioca


antes de mim =O

Lu diz: Kkkkkkkkkk Fê presidente não perde


tempo

Ainda na banheira, li as mensagens das minhas amigas e


comecei a responder.

Gaaaaatas, a praia tá de pé?

Só depois que enviei a mensagem que vi que eram apenas seis e


quarenta da manhã, elas deviam estar dormindo.

Sol diz: Fê, vc tá viva \o

Sol diz: Kkkkk e vc acordada? =O

Sol diz: Léo Martins te diz algo?


Sol diz: =@ =@ Que tal corrermos enquanto
você me conta o babado da vez? Enquanto as
preguiçosas dormem.

Sol diz: Te encontro daqui a 10 min :)

Se a Sol conseguisse ficar pronta em dez minutos, eu iria


parabenizá-la quando a encontrasse. Saí da banheira, penteei meus
cabelos e os prendi em um rabo de cavalo, passei protetor solar facial,
um rímel incolor e um batom nude. Não era por que eu ia correr que
sairia de qualquer jeito. Escolhi um top preto e uma saia short de
corrida azul marinho, calcei meus tênis e desci.

— Fê, você não leu quando eu disse que te encontrava em dez


minutos? — indagou Soraia, sentada no sofá do hall do hotel. Ela
usava um short de corrida e uma camisa larga.

— Li, mas...

— Mas não é por que eu irei correr, que sairei de qualquer jeito
— imitou a minha voz.

— Intimidade é foda! O outro te conhece tão bem. — Sorri.

— Falando em conhecer, quem é o santo que te deixou assim tão


bem-disposta, que nem mesmo a menção ao nome Léo te fez perder a
disposição?

— A gente revela o milagre, mas não o santo. — Gargalhei. —


Agora vamos correr para eu liberar energia enquanto você me fala
desse ser.
— Sim, senhora.

Saímos do hotel e começamos nossa caminhada. Léo era o ex-


noivo da Soraia. Ele havia terminado com ela para assumir a gerência
de uma empresa em Los Angeles. Estavam de casamento marcado
quando ele decidiu pôr um ponto final na relação. Três anos se
passaram sem nenhum contato dele e, pelo que eu entendi agora, ele
voltou para o Brasil disposto a reconquistá-la.

— Para, Fernanda, eu não tenho seu pique de maratonista —


pediu Soraia, parando, ofegante, ao meu lado. Não notei que
aumentei o ritmo quando ela começou a narrar os fatos. Obriguei-me
a desacelerar.

— Foi mal amiga. Mas e aí? O que isso significa? Você vai voltar
para ele? — despejei as perguntas.

— Não sei — revelou quando sentamos para descansar no


quiosque. — Na verdade, ele me mandou uma mensagem há duas
semanas avisando que estava no Brasil e eu ignorei a mensagem.
Ontem ele ligou enquanto eu estava na boate...

— Obrigada — agradeci ao garçom que nos trouxe dois cocos.


Bebi lentamente o meu, na medida em que minha amiga narrava os
últimos acontecimentos.

— Você não vai dizer nada?

— Você sabe o que eu penso, Sol, e te apoio mesmo que não


concorde com suas escolhas.

— Esse é o problema, minhas escolhas. Não tinha contado nada a


vocês, mas há mais ou menos um mês eu comecei a sair com o
advogado da empresa. Ele é tão diferente do Léo, me fez sentir
desejada, protegida...

— Por que você não contou? — perguntei animadamente — O


seu advogado é um deus grego, não sei como resistiu por tanto tempo.

— Você sabe, "onde se ganha o pão, não se come a carne". E,


além do mais, ele é amigo do meu irmão, além de termos uma relação
profissional. — Apenas assenti, eu tinha feito exatamente a mesma
coisa na noite anterior, portanto sabia como ela se sentia. — E agora o
Léo aparece e fico balançada, acho que não superei a droga do
término. O que você acha?

— Eu acho que você deveria aproveitar esse seu advogado e


viver o momento. Ele não te faz bem? Então seja feliz. Quanto ao Léo...
Deixe acontecer. Talvez o que você chame de não superar o término
seja o fato de você não ter dito para ele tudo que sentiu. Encontre-o e
despeje tudo que ficou guardado aí por tanto tempo. Se ainda assim
ele mexer com você, aí ligue o foda-se e viva!

— Não comenta com as meninas do Júlio, eu estava morrendo de


medo de você me criticar por me envolver com um funcionário...

— Eu não posso atirar pedra quando meu telhado é de vidro... —


falei, dando um longo gole no meu coco.

— Como assim? Ontem encontrou alguém da Albuquerque's?

— Melhor eu confessar a todas de uma vez.

Voltamos em direção ao hotel e era óbvio que a Soraia queria


saber em primeira mão quem fora o tal funcionário e por que eu
nunca havia comentado dele nas nossas conversas.

— Por que ele é um completo babaca, simples assim — falei


quando entramos no elevador.

— E desde quando babacas têm vez com você? — indagou.

— Desde que ele beije bem e tenha pegada — respondi. — Agora


acorde as preguiçosas para sairmos, quero aproveitar o resto do dia
antes que vocês me abandonem aqui.

Dessa vez, não demorei muito me arrumando. Optei por um


macacão laranja frente única e salto Anabela, cabelos soltos e brinco
grande para finalizar o look. Minhas amigas embarcariam às dezoito
horas e eu queria aproveitar o tempo que restava com elas.

Decidimos almoçar no restaurante localizado no Corcovado. A


vista do Pão de Açúcar era linda e o restaurante conceituadíssimo por
inúmeras revistas. A mesa reservada para nós ficava na área externa,
embaixo de uma grande árvore, havia verde por todos os lados e
tínhamos uma visão privilegiada da cidade maravilhosa.

— Fê, não há uma vaguinha para modista na Albuquerque's, não?


— perguntou Lu.

— Não quero voltar para a cidade cinzenta — protestou Gabi.

— Estou pensando em pedir transferência para cá, o sol, o


sotaque carioca, estou completamente In Love, Rio — confessou Lu,
batendo palmas.

— E os cariocas? Gente, esses homens nascem com uma sedução


na pele, no olhar — falou Gabi, abanando-se.

— Nem me falem — concordei, suspirando.

— Eu ouvi um suspiro, Fernanda? Mate a gente de inveja e


revele quem é o carioca misterioso que te faz abandonar suas amigas
vindas de outro estado, completamente perdidas em uma cidade
grande — disse Gabi, fingindo estar ofendida.

— Esse seu drama não me faz sentir culpada, sorry! Mas não há
muito que dizer.

— Não? — questionou Soraia, arqueando uma sobrancelha.

— Tá, o carioca misterioso é um dos advogados da Albuquerque's.


Nos encontramos por acaso ontem na boate e rolou — falei, por fim.

— Você quebrou sua regra de não se envolver emocionalmente


com alguém que se tem relação profissional? A gente precisa saber
quem é esse cara que fez você abaixar a guarda! — disse Lu, olhando-
me atentamente.

— Que exagero. Primeiro, não foi envolvimento emocional, foi


só sexo. Segundo, ele é um babaca...

— Fernanda, conta outra, babaca ou não, o cara invadiu seu


espaço de proteção — ela falou, acrescentando aspas imaginárias na
palavra proteção.

— O fato de beijar bem e ter pegada não o faz menos babaca,


gente. Ele é o típico engraçadinho.

— Pegada a gente já viu que ele tem, deixou até marca! — falou
Gabi, provocando risos.

— Marca? Onde? — perguntei, procurando algo nos meus


pulsos, pernas.

— Fê, seu pescoço está com uma marca de chupão, está roxo,
isso o que tá visível — Gabi informou com um sorriso nos lábios,
enquanto me entregava um espelho.

— Merda! — Vi a marca abaixo da minha orelha esquerda.

— Já estou até vendo amanhã o sorriso do tal babaca ao ver a


marca que ele deixou em você... — continuou Gabi, divertindo-se as
minhas custas.

— Aff. Já estou começando a me arrepender de ter contado a


vocês...

— Relaxa e goza, gata! Não, espera, você deve ter feito isso
muitas vezes ontem. — Um sorriso surgiu involuntariamente nos
meus lábios e eu tentei contê-lo antes que elas percebessem. Tarde
demais.

— Fê, libera o número do babaca pra gente. Eu necessito ter esse


sorriso pós-foda — pediu Gabi.

— Passaria com todo prazer se eu o tivesse.

— Como assim não tem telefone? — questionou Soraia.

— Qual a parte que foi apenas sexo e foi coisa de momento vocês
não entenderam? — perguntei já com raiva.
— Calma, Fê, é só curiosidade feminina... O advogado tem pelo
menos nome? — ponderou Lu.

— Marcos — limitei-me a falar.

— Marcos é loiro, moreno, careca ou cabeludo? — Gabi já estava


enchendo o saco com tanta curiosidade.

— Gente, que fixação!

— E você, quanto doce! Diz logo a ficha completa — rebateu


Gabi.

— Eu não quero passar o resto da tarde falando do babaca com


que fodi ontem a noite, é pedir muito? — No momento em que eu
falei, o garçom trouxe nossos pratos. As meninas gargalharam ao
notar o embaraço do garçom após ouvir a minha revelação. Ótimo,
agora além de marcada, as pessoas sabiam que eu tinha transado com
um babaca.

O resto do almoço foi um falatório sem fim. Não voltamos ao


assunto Marcos, a pauta da vez era a volta do Léo. Falamos todas ao
mesmo tempo, discordávamos e chegávamos a consensos em questão
de minutos. A conversa se estendeu por horas a fio, até que tivemos
que voltar para o hotel para que elas buscassem as malas para irem
até o aeroporto.

No aeroporto, enquanto aguardávamos o voo, combinamos de


curtir o carnaval. Para variar, não conseguíamos chegar a um acordo
quanto ao local. Gabi e Lu queriam curtir o carnaval carioca, estavam
com o "efeito Rio" correndo nas veias. Eu preferia curtir em um resort,
esse ano quero tranquilidade. Elas embarcaram e ficamos de decidir
em outro momento, porque não chegamos a nenhum acordo.
CAPÍTULO VIII

Marcos Castro

Movi o corpo para o outro lado da cama e senti o espaço frio e


vazio. Provavelmente ela acordou mais cedo, deve estar se arrumando
para acordar bonita, como as atrizes de novela que já acordam
maquiada. Permaneci deitado na cama, os olhos ainda fechados, com
a memória da noite anterior fazendo meu corpo reagir... Precisava
senti-la novamente.

— Fernanda? — chamei quando achei que já estivesse pronta,


entrando no banheiro, mas o local estava vazio.

Saí e fui até a sala, ela também não estava. Interfonei para a
portaria só para ter certeza de que ela tinha ido embora sem ao menos
se despedir. O porteiro informou que minha visitante havia partido há
cerca de duas horas. Sorri. Estava fascinado por essa mulher. Além de
boa de cama, ainda evitava o constrangedor dispensar do dia
seguinte... Embora eu tivesse outros planos antes de dispensá-la.

Voltei para o banheiro e entrei no chuveiro frio para acalmar


meu corpo, mas não adiantou, estava alerta. Precisava extravasar essa
energia. Calcei meu tênis para correr na orla, de lá aproveitaria para
pegar meu carro. Antes de sair, verifiquei meu celular, na esperança
de alguma mensagem dela, mas nada. Apenas mensagens do Alê.
Alê diz: Marcos, você foi sequestrado ou
abduzido? Porque essa são as únicas
alternativas para você ter deixado seu carro
estacionado aqui.

A mensagem era de uma e trinta da manhã.

Espero que você não tenha ligado para a polícia rsrsrs,

Por pouco não liguei, fui distraído por duas


gêmeas, aí já viu ;)

kkkkkk E meu carro?

Cara... Quando eu saí de lá, estava no


mesmo local, mas vc sabe como são os
flanelinhas...

Tô indo buscá-lo agora!!!

Quem é a mulher maravilha que fez você


largar seu carro a noite toda à mercê dos
bandidos?

Maravilha mesmo... Se eu te contar... ;)

Carne nova?

Sim.

Passa o número...
Cai fora, Alê!

Essa deve ser TOP ou alguma paixão


recolhida, porque você sempre compartilha
as gostosas...

Nada a ver, apenas não é pro seu bico. Agora deixe eu


ir pegar meu carro.

Isso é ela que tem que dizer ;)

Sem chance!!

Marcos, Marcos...

Alê, estou no calçadão caminhando e indo buscar meu


carro.

Tá, vai lá, atleta! Tô indo para o posto 9,


jogar futevôlei. Bora?!

Encontro vc lá.

Cheguei ao estacionamento da boate e meu carro estava intacto,


fiz questão de conferir retrovisores, lataria, faróis, tudo ok.
Encaminhei-me para a praia de Copacabana. Além do Alê, estavam lá
outros conhecidos.

— Estava faltando mesmo um no grupo dos sem camisa! —


gritou Juan ao me ver.
— Não seja por isso — falei, tirando a camisa e jogando em cima
da Amanda, prima do Alê, que assoviou junto com as amigas ao me
ver sem camisa.

— De quem foi a ideia de chamar o Marcos, hein? O cara mal


chega e as mulheres já ficam de quatro — brincou Raí, namorado de
Amanda.

— Fazer o que se elas me amam, Raí — falei, juntando-me ao


grupo que já jogava.

Começamos a partida, três de cada lado. Para tornar a disputa


mais acirrada, apostamos que o time perdedor pagaria uma rodada de
cerveja. Meu time venceu o do Alê por três pontos de diferença.
Quando a partida acabou, fui dar um mergulho.

— Cadê o pessoal? — perguntei ao voltar, o grupo não estava


mais numeroso.

— Rádio patroa! Mas deixaram a cerveja paga. E a Brenda


deixou isso para você. — Era um guardanapo com o número de
telefone de uma das amigas da Amanda. Guardei no bolso e dei um
gole em minha cerveja.

— Conta logo quem é a mulher que fez você guarda o número


sem antes salvar no celular. — Sorri. Realmente, eu sempre salvava os
números imediatamente, não sei por que não o fiz, mas o Alê, como
meu amigo, notou. — Porra, tanto mistério assim, só pode ser a
Thalita!

— Errou feio.
— Deixa de ser maricas e conta logo!

— Fernanda Albuquerque é um nome familiar para você? —


falei com um enorme sorriso nos lábios.

— Caralho! Como? Ela estava na boate? — perguntou, confuso.

— Não vou entrar em detalhes, digamos que esbarrei nela,


ontem, na boate e rolou — falei com serenidade. Não revelaria o
quanto Fernanda havia me enlouquecido.

— Cara, pelo sorriso que não sai do seu rosto, a noite foi foda!

— Alexandre, foda é uma palavra que passou a ter um novo


significado a partir da noite de ontem.

— Seu filho da puta sortudo!

Você nem imagina o quanto..., pensei, enquanto bebia o resto da


minha cerveja.

***

Fernanda Albuquerque

Sempre achei as segundas dias péssimos. Elas acabam com os


nossos sonhos do fim de semana e nos fazem acordar amargos,
descrentes da vida. Pelo menos comigo era assim que funcionava.
Meu humor só melhorava à tarde, tudo isso porque após um fim de
semana acordando sem o barulho do despertador, ouvi-lo tocar às
cinco e trinta da manhã não conseguia evocar nenhum pensamento
positivo, amaldiçoei mentalmente o infame despertador,
espreguiçando-me.
Permaneci mais uns dez minutos apertando a função soneca, até
reunir forças do além e consegui levantar da cama. Desde nova, eu
planejava tudo na minha vida, por isso criei o hábito de ter agendas.
No momento tinha duas principais: uma para assuntos pessoais, outra
para o trabalho, com todos os meus compromissos anotados. Além de
possuir a da empresa, que lá ficava. Assim que cheguei ao Rio, me
matriculei numa academia próxima ao hotel que oferecia aulas de
Muay Thai. Eu havia experimentado em São Paulo e queria continuar o
treinamento. As aulas aconteciam às segundas e quartas, seis e trinta
da manhã, único horário disponível que consegui para conciliar
trabalho e tal atividade física.

Vesti minha roupa de treino e caminhei para a academia, que


ficava a duas quadras. Apesar de cedo, a academia já estava cheia, as
pessoas parecem dar muito mais importância ao corpo saudável aqui
no Rio, uma simples caminhada na orla e já víamos pessoas de todas
as idades praticando algum tipo de exercício físico. A academia estava
localizada no andar de cima do centro de treinamento de MMA então
era comum esbarrarmos com homens super musculosos, exalando
testosterona, esse fator também ajudava na quantidade de clientes que
conseguem unir o treino à paquera.

— Pulou da cama, Fernanda?! — indagou Gustavo, um dos


treinadores, assim que entrei no tatame já animada.

— Bom dia... Vim descarregar a energia antes de ir trabalhar —


respondi, já colocando as luvas.

— O Bob é todo seu. — Indicou o objeto à sua esquerda. Bob é o


boneco de pancada que simula perfeitamente a anatomia do corpo
humano, dessa forma, ele proporciona um excelente realismo durante
o treinamento, era bastante utilizado para nos aquecermos.
— Fernanda acordou com sangue nos olhos. Antes das sete e a
mulher já está com todo gás, deixando o pobre do Bob cambaleando...
— perturbou Sandra, uma das alunas que acabava de chegar.

— Quando ela não está? Da última vez que me distraí, saí com
minhas partes baixas doloridas — completou Gustavo, fazendo o
nosso grupo de seis mulheres gargalhar.

— Agora vamos deixar a conversa de lado e começar a bater no


Bob, moças! Extravasem nele toda a energia reprimida. Vão se
aquecendo com o Bob que já, já vocês partirão para cima dos nossos
instrutores sedentos por apanhar.

Após quinze minutos batendo no Bob, já estávamos aquecidas


para deferir nossos golpes nos instrutores. Como eram apenas quatro
instrutores, duas alunas treinavam entre si, até um instrutor estar
livre. Desde a primeira aula, a Daniela se tornou a minha dupla. Ela
era fotógrafa profissional, com livros já publicados e premiações
devido ao seu olhar fotográfico. Nos “dias normais”, como ela mesma
gostava de dizer, era fotógrafa de books de casamento. O detalhe
estava no seu olhar, pois gostava de captar o preparo: noivado, o dia
da noiva e o ensaio. O grande dia geralmente deixava para sua equipe
registrar. Segundo ela, captar esses momentos eram tão ou mais
importantes quanto registrar a cerimônia do casamento, uma vez que
são mais espontâneos e o sentimento aflora.

— Minhas fotos estarão em exposição na próxima semana na


Galeria Mascarenhas, separei dois convites para você! — falou
enquanto me atacava com um jab direito que eu defendi.

— Claro que irei! — afirmei, desferindo nela um kao tom.


— Tenho pena do cara que aprontar com você! — confessou,
sorrindo, antes de ser atingida pela minha joelhada. Apenas sorri ao
trocarmos de posição, agora com os treinadores.

— Eu concordo, já viu o cruzado dela? Deixa qualquer um no


chão! — disse Marta, passando por nós.

— Eu adoraria ficar no chão com você... — verbalizou Fabrício,


meu atual companheiro de treino. Sorri e ignorei sua cantada,
atingindo-o com uma sequência de golpes. Ele defendeu todos na
mesma velocidade. — Porra, você leva a aula a sério.

— Eu não pago caro para ficar olhando para seus belos olhos
azuis, Fabrício — respondi, atingindo-o com um chute na cabeça,
defendido por ele.

— Que bom que notou meus belos olhos azuis — completou,


atacando-me com cruzados. — A propósito, o que mais notou em
mim? — perguntou, encarando-me. Eu sorri e fingi pensar na
resposta. Fabrício baixou a guarda e, sem dó, nem piedade, eu o atingi
com um chute, que acertou seu calcanhar, fazendo-o cambalear e cair.
— Não acredito que caí nessa! — protestou, sorrindo no chão. —
Caralho, você atingiu round kick perfeito. Casa comigo? — Estendi a
mão e o ajudei a levantar. Ele puxou-me para si e sussurrou: — Ainda
não respondeu minha pergunta, que tal continuarmos essa conversa
em outro lugar?

— Quem sabe um dia — respondi, esquivando-me.

— Pessoal, por hoje nossa aula chegou ao fim, até quarta — o


professor anunciou.
Saí leve da aula, pronta para enfrentar um dia na Albuquerque's.
Retornei ao hotel, tomei um banho longo, escovei meus cabelos e
comecei a me maquiar; a marca roxa ainda não havia desaparecido
por completo e precisei aplicar mais de uma camada de corretivo
facial para esconder a maldita chupada. Vesti saia lápis preta, blusa de
seda vermelha e terninho preto; nos pés, usei meu salto
agulha Christian Louboutin e saí de casa. A caminho do escritório,
tomei um shake de proteínas. O trânsito carioca a essa hora da manhã
permitiu que eu fizesse minha refeição no carro com tranquilidade.

Estacionei e segui em direção ao elevador. Por uma infeliz


coincidência, Marcos e Thalita também o aguardavam. Pensei em
voltar para o carro com a desculpa de ter esquecido alguma coisa, mas
o Marcos já havia me visto e acenado. O que eu falei sobre segundas-
feiras mesmo? Esqueci de acrescentar que odeio encontrar babacas e
cunhadinhas indesejáveis logo no início do dia.

— Bom dia — limitei-me a dizer.

— Bom dia! — respondeu Thalita.

— Bom dia. E aí, como passou o fim de semana? — perguntou o


imbecil do Marcos.

O elevador chegou antes que eu pudesse responder, aproveitei


para “lembrar” que havia deixado a minha agenda no carro.

***
Marcos Castro

— Qual é o seu problema, Marcos? Porque, sério, a mulher não


te suporta e você ainda provoca, perdeu a noção de sobrevivência? —
questionou Thalita.

— Eu apenas cumprimentei a presidente — defendi-me —, não


posso ser gentil?

— Eu não tentaria ser gentil com quem quer minha cabeça! —


rebateu.

— Você está errada, há uma passagem bíblica que diz que amar
o seu irmão é fácil, difícil é amar o inimigo — citei, sorrindo.

— Marcos, desde quando você cita trechos bíblicos? Cara, estou


ficando assustada com você! — ela disse, sorrindo.

— Confessa que você achava que eu era apenas um rostinho


bonito e músculos definidos, mas saiba que além disso, há um cara
pensante aqui. Um homem inteligente e sagaz.

— E modesto, também!

— Minha principal qualidade — disse quando chegamos ao


nosso andar.

— Você não vem? — perguntou ao notar que permaneci dentro


do elevador.

— Vou pegar um café e já volto.

Ninguém acionou o elevador, então desci até o andar anterior,


onde fica a copa, peguei o café e aguardei o elevador novamente.
Demorei o tempo exato. Quando as portas se abriram, Fernanda
Albuquerque estava dentro.
— Que coincidência! — afirmei, entrando no elevador.

— Nem tanto — rebateu. Como permaneci em silêncio, ela


continuou. — A probabilidade de nos encontrarmos aqui são
inúmeras, portanto, tente evitar ser engraçadinho cada vez que me
encontrar.

— Perguntar como foi seu fim de semana foi ser engraçadinho?

— Desnecessário, não temos intimidade para isso — respondeu


em tom firme.

— Temos intimidade para o quê, então? — falei, aproximando-


me dela.

— Para nada! E fique onde está, o fato de ter acontecido algo


entre nós não lhe dá o direito de colar em mim, foi sexo e fim.

— Um bom sexo.

— Sim, bom sexo, mas já aconteceu.

— Poderíamos repetir a dose. — Bloqueie a sua passagem


quando o elevador parou. — Eu não consigo parar de pensar na noite
anterior.

— Que ótimo! — Meu rosto se irradiou com um sorriso; a gata


estava no papo. — Porque terá somente as lembranças de mim —
disse por fim, empurrando-me e passando pela porta. Segurei seu
braço e ela voltou a me encarar. — Que foi, vai dizer que gamou? —
Fernanda perguntou com um sorriso petulante.

— Não, só ia dizer que a maquiagem precisa ser retocada,


alguém deixou uma marca no seu pescoço.

— Babaca!

— Gostosa!

— Escuta aqui — falou, colocando o dedo sobre meu peito —,


em quais idiomas eu devo falar para você que...

Fomos interrompidos por Thalita, que saía da sala nesse


momento.

— Estou esperando, Fernanda... — provoquei-a.

— Eu dizia que a partir dessa semana teremos mudanças, mas


vocês serão comunicados em breve. Com licença.

— Até mais — despedi-me. Ela saiu pisando firme, seus saltos


batiam no piso de madeira como se estivesse tentando esmagar algum
inseto asqueroso. Acompanhei seu rebolado e, por fim, voltei meu
olhar para Thalita, que observava tudo com uma cara de interrogação.

— Mudanças! — disse por fim, enquanto entrávamos na nossa


sala.
CAPÍTULO IX

Fernanda Albuquerque

Filho da puta. Que ódio de mim mesma por ter caído no charme
desse babaca. Agora ele achava que podia ter intimidade comigo.
Qual é o problema em entender que foi só uma boa noite de sexo?
Chegou ao fim. Isso é que dá não ouvir o conselho do meu pai, agora
vou ter que aturar seus olhares e comentários maliciosos. Mas ele já
estava na minha lista negra e, ao menor vacilo, eu o demitiria.

— Bom dia, Fernanda. — Cátia entrou na sala com minha


agenda do escritório, convites para o encontro dos Administradores
do Rio de Janeiro, convites para o prêmio Publicidade Aí Vou Eu, no
qual empresa concorre na categoria “Logo”. Anotações sobre ligações
do setor jurídico de São Paulo e inúmeros papéis para serem
analisados e assinados.

— Obrigada, deixa tudo aí que vou ver depois. Por favor, me


traz um café extraforte.

— Mais alguma coisa?

— Sim, hoje não estou para ninguém. Se alguém passar por essa
porta, eu vou trucidar.

— Recado registrado — falou, sorrindo e saindo da sala.

O convite para o evento dos Administradores informava que


aconteceria nesta sexta-feira; o dos publicitários, no próximo sábado.
Falaria com o Fernando para saber se ele me representaria, já que
estaria viajando.

Retornei a ligação para o setor jurídico de São Paulo.

— Roberto Pagani.

— Pagani, bom dia, Fernanda Albuquerque.

— Oi, Fernanda, queria mesmo falar com você. Lembra do


contrato com a Sport's?

— Claro que lembro, sempre que achávamos que o contrato ia


ser fechado, eles davam para trás...

— Pois bem, finalmente chegamos a um denominador comum e


iremos fechar o contrato, mas eles gostariam da sua presença, afinal
você foi o elo principal.

— Sem nenhum problema, quando é a reunião?

— Amanhã às dez da manhã, sei que está em cima da hora, mas


só fomos informados hoje...

— Sem problema, amanhã estarei aí.

— Até amanhã! — Despedimo-nos.

— Cátia — liguei para o seu ramal —, reserva, por favor, uma


passagem para hoje à noite com destino a São Paulo.

— Imediatamente. Mais alguma coisa? — Neguei e ela desligou.


Prossegui com minhas obrigações do dia, assinando
documentos, checando os últimos contratos assinados e dando
continuidade ao meu projeto de expansão. Aproveitaria minha ida a
São Paulo para visitar alguns clientes; peguei a agenda que continha
contatos dos empresários paulistas e comecei a fazer ligações. Passei o
resto do expediente dentro do escritório, meu almoço foi um
sanduíche de peito de peru com suco de laranja trazido pela Cátia.

No fim da tarde vou direto para o hotel. Fiz apenas uma mala de
mão, já que deixei muito das minhas roupas na casa dos meus pais,
tomei uma ducha gelada, arrumei-me e aguardei o Fernando para me
levar ao aeroporto. Pontualmente, meu irmão bateu à porta do meu
quarto.

— Não acredito que finalmente conseguimos fechar o contrato


com a Sport's — falou, enquanto dirigia para o aeroporto.

— Pois é, e isso graças a mim, maninho. Pode me dar os


parabéns! — disse, retocando meu batom.

— Parabéns, presidente! Agora não entendo por que precisa ir


para lá.

— Você acha mesmo que eu iria perder a oportunidade de estar


presente na celebração desse contrato? Foi meu primeiro desafio
na Albuquerque's. O papai me desafiou dizendo que era um caso
perdido e caso eu conseguisse, eu teria uma foto minha na sala da
presidência.

— Tudo isso por uma foto? — Encarou-me, sorrindo.

— Não é só pela foto, mas sim pelo que isso representa. Você
sabe o quanto o papai sempre foi cuidadoso sobre a menininha dele
entrar no mundo dos negócios. Ele dizia que era uma briga de leões e
conquistar isso foi provar que a leoa aqui tem vez. — Fernando
apenas sorriu e concordou com um balançar de cabeça — Além do
mais, o próprio Marcelo Lopes fez questão da minha presença.

— Agora entendi a empolgação. — Sorri. — Alguém precisa


contar para o papai que sua menininha cresceu faz tempo. — Rimos
juntos.

— Cuida da sede da minha empresa! — pedi mais uma vez


naquela noite.

— E você juízo, se não ligo para o papai e ele volta do Chile no


mesmo instante.

— Pode deixar, vou apenas dar uma festinha na casa para umas
cinquenta pessoas enquanto eles estão fora.

— Fernanda... — ele me repreendeu.

— Você é muito velho! — rebati.

— E você livre demais! — devolveu.

— Acho que trocaram você na maternidade, porque não é


possível que seja meu gêmeo, com essa rabugice toda.

— Rabugice? Nossa vó que falava assim, acho que a velha aqui é


você. — Sorriu e afastou-se quando tentei acertá-lo com um soco.
Permanecemos nas nossas provocações de irmãos, até o meu voo ser
anunciado.
***

Meus pais estavam viajando, portanto, não me preocupei em


manter tudo organizado, muito menos em não fazer barulho; larguei a
minha mala no sofá e segui para a cozinha. Com certeza deveria ter
comida com gosto de casa me esperando. Já havia mexido nos
armários e estava verificando a geladeira, quando fui surpreendida
por uma voz bastante familiar.

— Menina, o que faz aqui e a essa hora? E por que não avisou
que viria, eu teria preparado o jantar! — indagou Dita com sua voz
doce.

— Viagem de última hora, e queria fazer surpresa.

— E conseguiu! — respondeu, animada.

Corri e a abracei com força. Não sabia que sentia tanta falta da
minha casa até pôr os pés lá, tampouco o tamanho da saudade
da bá Dita. Permaneçamos ali abraçadas sem dizer nada. Benedita foi
babá minha e dos meus irmãos. Cresci com sua vigilância constante e
amor de mãe, era ela quem me acobertava quando eu voltava tarde,
foi ela quem ouviu meu choro quando terminei com meu primeiro
namorado. Ela me chamava de “filha do coração” e eu retribuía
chamando-a eternamente de minha bá. A relação de afeto era tão forte
que, mesmo quando crescemos, ela continuou em nossa casa, como
uma espécie de ama. Vivia para atender meus desejos e, pouco tempo
depois, tornou-se a governanta.

— A casa sem você não tem mais graça, seu pai vive dizendo
isso.
— Eu sinto falta de vocês também, falta da minha cama, dos seus
doces...

Minhas amigas me perguntavam por que, mesmo depois de


independente, eu não saía da casa dos meus pais. A resposta era
simples: aqui eu gozava de todo conforto e privacidade. Podia trazer
quem eu quisesse, sem que meus pais fizessem cara feia (na verdade,
meu pai ainda fazia, mas tentava disfarçar). Aqui tinha minha mãe,
fiel escudeira, e a Dita, minha babá que, mesmo crescida, não deixou
de cuidar de mim como sua garotinha. Era amada e feliz no meu lar,
portanto eu não precisava sair de casa para fincar minha
independência.

— Agora diz que tem aquele doce de leite me esperando na


geladeira? — O doce era uma das suas especiarias.

— E se eu te disser que tem? Parece que eu senti que você viria.


Acordei e comentei com as meninas, "vou fazer o doce que a Nandinha
tanto gosta", é uma forma de matar a saudade de você.

— Por isso que te amo e, assim que eu alugar uma casa, vou
roubar você para mim.

— E eu vou, viu! É só dizer quando e vou com você — falou,


sorrindo, enquanto me servia do doce de leite.

As memórias gustativas evocadas pelo doce me fizeram lembrar


da época em que acordava no meio da noite para comer o doce
escondida e das festas do pijama com minhas amigas nas quais o
ponto alto era o doce feito por Dita. Acabei de comer e fui para o meu
quarto, adormeci nostálgica por estar de volta ao lar.
***

A reunião com a Sport's ocorreu na mais perfeita ordem. A


exigência da minha presença era muito mais para agregar status à
celebração do contrato, pois até nota no jornal fizeram questão de
fazer para anunciar o convênio. Devo confessar que o Marcelo Lopes,
gerente de marketing da empresa, era um verdadeiro CEO de livros
— moreno, alto, cabelos pretos, com olhos verdes penetrantes e um
sorriso arranca calcinha. A viagem valeria a pena se fosse apenas para
admirar esse homem. Além de toda essa beleza, ele era muito gentil.
Presenteou toda nossa equipe com um kit de artigos esportivos e a
mim, com uma luva de treino pink com meu nome bordado.

— Fernanda Albuquerque, foi um prazer fechar contrato com


vocês e, mais ainda, conhecê-la pessoalmente. Faço votos que nos
encontremos mais vezes... — disse, apertando minha mão.

— Eu digo o mesmo e agradeço pelo presente, vou usá-las me


breve — respondi tal qual criança que acabou de ganhar um
brinquedo novo e não via a hora de usufruir.

— Temos certeza que sim, sua secretária é a responsável pela


escolha do presente. Até mais.

Anotação mental: agradecer a Cátia. Sabia que tinha encontrado


a secretária perfeita.

O restante da semana passou rápido. Dividi-me entre me inteirar


do atual funcionamento da Albuquerque's em São Paulo, participar de
algumas reuniões e visitar alguns clientes.
CAPÍTULO X

Marcos Castro

A semana na empresa começou agitada. Após o retorno da


Fernanda, iniciamos o processo de expansão da empresa. Portanto, a
agenda jurídica estava repleta de reuniões, de modo que eu e Thalita
tivemos que nos desdobrar para dar conta do serviço.

Na quarta-feira, minha última reunião era com um grupo do


ramo imobiliário. A reunião estava marcada para as dezessete horas
na sede. Faltando dez minutos para o início da reunião, desci até a
copa em busca de café.

— Marcos, estava indo atrás de você, cara. Consegui ingressos


para as cadeiras na estreia da Lusa hoje e queria saber se você queria
ir — diz Felipe assim que entrei na copa.

— Você achava que eu vou perder? Só que nas cadeiras é bem


melhor! Vou passar meu ingresso! Já vim até pronto, se a reunião
atrasar, vou direto. — Mostrei a camisa da Portuguesa por baixo do
terno.

— Então fechou!

— O que fechou? — perguntou Thalita, entrando na copa


usando um vestidinho preto, com um terno branco por cima.

— Tudo isso foi para atrair os novos clientes? — perguntei,


analisando-a da cabeça aos pés. Ela ainda deu uma voltinha para
provocar.

— Como você acha que consigo fechar meus contratos? —


indagou com uma piscadela, servindo-se de café.

— Deixa meu irmão saber desse papo — provocou Felipe.

— Fodeu, Thalita! — Ponho mais lenha na fogueira.

— É brincadeira, Felipe. — Ela voltou atrás.

— Relaxa! Somos da mesma família.

— Eu também estou incluído? — perguntei.

— Só se o Fernando for apaixonado por você, cara, porque eu


não sou e a Fernanda nem fodendo ia te dar bola, então sem chances,
só a gata aqui é da família.

— Chupa, Marcos! — provoca Thalita, sorridente.

— Achei que a gente fosse brother, cara. — Fingi estar ofendido.

— E somos, mas aí ser da família é exigir demais. — Sorri da


resposta dele e segui com Thalita.

— Que papo é esse de ser da família? — interrogou.

— Brincadeira, gata! — respondi, evitando contato visual.

— Marcos, te conheço e sei que você está com cara de quem


pretende aprontar. Agora lembre que ela não é o Fernando, que foi
capaz de tolerar as suas gracinhas...

— Tudo isso é medo de eu ser demitido? Relaxa, sou um


excelente profissional e além do mais não fiz nada. Estou trabalhando
direitinho, por que ela iria me demitir?

— Ainda não sei, mas aquela cena de vocês dois aqui em frente a
sala me fez achar que tem algo acontecendo.

— Gata, o papo tá bom, mas meu cliente me espera e eu não


tenho sua bunda para convencê-los a assinar o contrato em dois
tempos — disse, indo em direção a sala de reuniões.

— Seu babaca.

— Continuo babaca e sua bunda continua linda.

Cheguei à sala de reuniões e encontrei Cátia arrumando as coisas


para a reunião que aconteceria em poucos minutos. Ela estava tão
atenta a sua função, colocando cada coisa no seu lugar, que nem
percebeu quando entrei. Usava um terninho preto e estava debruçada
sobre uma das pontas da mesa, de modo a deixar sua bunda
arrebitada e ainda revelando suas coxas.

— Cátia, se o cliente chega e te vê nessa posição, tenho certeza


que a mesa não será usada apenas para apoiar copos e papéis.

— Que susto, Marcos! — Levou a mão ao coração. — Tenho


certeza que o cliente não tem sua mente pervertida.

— Será? Sou homem e sei o que um homem pensa. Sabe quantas


fantasias temos com secretárias e sala de reuniões? Inúmeras, basta
uma oportunidade...
— Uma oportunidade para? — indagou uma loira que acabava
de entrar na sala.

Analisei-a antes de responder. Devia ter em torno 1,70m de


altura, mas com os saltos ficava ainda mais alta. Os seios fartos
estavam escondidos em um terninho preto, cabelos presos num rabo
de cavalo, lábios carnudos delineados por um batom vermelho.

— Oportunidade para apresentar os diferenciais da empresa —


menti.

— Você deve ser o Marcos Castro.

— Sim e você? — perguntei, estendendo a mão para


cumprimentá-la.

— Neila Vedrado. — Retribuiu o aperto de mão e sorriu.

— Desculpa, mas me passaram que era o Sr. Vedrado que viria...

— Vedrado é meu irmão, somos sócios, mas ele teve um


contratempo e vim no lugar dele, algum problema?

— Nenhum. Vamos ao que interessa.

Nesse momento, Cátia, que ainda permanecia na sala, lançou-me


um olhar de "filho da puta de sorte" e logo fiquei a sós com a minha
cliente.

Neila era objetiva e havia criado um script dos pontos a serem


discutidos na reunião. Quando sanamos seus pontos, entramos numa
conversa e descobrimos que Alê era um amigo em comum.
— Você não lembra mesmo de mim, né? — perguntou com um
sorriso nos lábios.

— Lógico que lembro, você é amiga do Alê... — despistei.

— Vocês, homens, tem uma memória péssima — rebateu,


fazendo biquinho.

— Então recobre minha memória.

— Escola Meteoro te diz algo? — insistiu.

Lógico que lembrava da escola que frequentei no ensino médio,


mas não dela... Não tinha sido minha professora, já que deveríamos
ter a mesma idade. Desisto.

— Minha memória é péssima, desculpa.

— Se eu te contar que você foi meu primeiro namorado, você


acreditaria? — disse, sorrindo.

— Neiloca? A menina que usava aparelho nos dentes? Não


acredito. — Sorri com a memória evocada.

— Posso dizer que não te culpo, mudei bastante. Deixei de ser


aquela magricela com aparelhos e espinha...

— E hoje está uma linda mulher — não a deixei completar.

— Fala isso para todas, eu aposto. Desde a época da escola era


safado.

Sorri.
— Mas em minha defesa, o nosso namoro durou, o quê? Uns
dois, três meses?

— Cinco! E só terminou porque peguei você no flagra com outra


garota no cinema.

— Que memória a sua! Mas o tempo passou.

— E você não mudou, assim que li o nome do advogado, pensei:


não acredito que é o mesmo cara.

— E quando viu que era, deve ter pensando: nossa, como ele está
ainda mais gato, né?

O clima já estava descontraído mesmo, por isso me permitir


flertar.

— Não, eu pensei: aquele filho da puta vai me desejar, depois vai


descobrir que eu sou a menina que ele dispensou há anos e vai se
arrepender! — Ela sorriu.

— Acertou quase tudo.

— Faltou o quê?

— O fato de que eu apenas não ficaria no desejo.

Aproveitei a proximidade das nossas cadeiras e puxei seu rabo


de cavalo, trazendo-a para mim, que correspondeu de imediato.
Nossas bocas e mãos começaram a se explorar. Apalpei seus seios, a
sua mão deslizou para dentro meu terno. Já de pé, ela retirou seu
terno e o jogou de lado, ajoelhou-se na minha frente e abriu
lentamente meu zíper. Sorri, satisfeito, quando ela iniciou um
boquete. Puxei a sua cabeça ainda mais em direção ao meu pau; a
sucção aumentou e sua boca abocanhou grande parte do meu
membro. A Neiloca chupava muito bem.

Naquele exato momento, ouvimos batidas na porta e Neila


calmamente finalizou o que começou, lambendo tudo. Levantou-se
apoiada em mim. As batidas continuaram e eu me obriguei a respirar
para controlar a excitação. Antes de abrir a porta, chequei se tudo
estava em ordem.

— Ainda está em reunião? — Felipe perguntou, colocando a


cabeça para dentro da sala. — Já passam das dezoito, vamos perder o
jogo!

— Obrigada, Marcos, então é isso. Por mim, o contrato está


fechado. Meu irmão entrará em contato em breve para assinarmos —
falou Neila, vindo até nós.

— Até breve, Vedrado. — Cumprimentei-a com um aperto de


mão. Ela acenou e passou por Felipe, que quase quebrou o pescoço
acompanhando seu rebolado.

— Não vejo a hora de ser presidente para ter essas reuniões —


disse ele e gargalhamos enquanto saíamos da sala para irmos ao jogo
da Portuguesa.
CAPÍTULO XI

Fernanda Albuquerque

Sexta -feira. Não eram nem onze da manhã e meu corpo já pedia
cama e minha bexiga, banheiro. Felizmente, era o último dia do
Congresso Nacional de Administradores, porque eu já não aguentava
mais ficar sentada, ouvindo palestrantes que só conheciam a teoria da
administração.

— Com licença — pedi ao passar, pela quinta vez, pelas cadeiras


do auditório para ir ao banheiro.

— Quantas vezes for preciso — comentou um idiota que, pelo


visto, estava adorando ver minha bunda passando por ele a cada vinte
minutos.

Fui ao banheiro correndo, mais um minuto e eu faria na roupa


mesmo. A culpa era do calor. Mesmo com o ar-condicionado
funcionando no máximo, não estava dando conta desse calor absurdo
que fazia no Rio, por isso eu bebia tanta água para hidratar e, por
consequência, precisava esvaziar.

Não retornei ao auditório, já era quase a hora do intervalo para


almoço; aproveitei para conhecer as administradoras e empresárias ali
presentes. Conversei com algumas mulheres que lanchavam no hall
de entrada do auditório e, assim, conheci a Fátima, empresária do
ramo do sex shop. Um mulherão: morena, alta, bonita e totalmente
extrovertida.
— Vocês não fazem ideia do quanto fui discriminada quando
decidi criar e administrar minha empresa. Meu pai costumava dizer:
“para que serve o diploma da UFRJ se vai vender putaria?” — Todas
rimos. — Mas hoje eu tenho sete franquias espalhadas pelo país e
minha próxima loja será aberta em Miami, estão todas convidadas —
falou, entregando o cartãozinho da loja.

— Pelo que vejo nesse catálogo, seus produtos devem fazer o


maior sucesso, hein?! Tem umas coisas aqui que nunca ouvi falar —
disse, olhando para o catálogo.

— Você nem imagina o quanto, passa na minha loja e verá.

— Pode deixar que irei, sim! — respondi animadamente.

O restante do dia foi resumido em mais palestras e, no fim, um


coquetel que dispensei. Ainda prestigiaria a exposição de fotografias
da Daniela. Chegando ao hotel, fui direto para o banheiro, tomei um
longo banho frio para ver se meu corpo despertava. Estava cansada,
mas isso não era motivo para eu deixar de sair, além do mais, amo
fotografias e não perderia essa exposição por uma indisposição. Assim
que saí do banho, enviei mensagem para Felipe, ele iria me
acompanhar no evento.

Tô quase pronta!

Minto, ainda enrolada no roupão, escolhendo a roupa para sair.

Então já sei que nem tomou banho rsrrsrs

Banho já tomei =)

Sabia kkkkkkkkkk
Escolhi uma calça pantalona preta para usar com uma blusa
dourada justa de um ombro só; nos pés, meus indispensáveis saltos
agulha. Meus cabelos modelados nas pontas com cachos.

Só falta a maquiagem, e você?

Eu hoje tô dispensando o blush


kkkkkkkkk

Babaca kkkkkkk me refiro a sua roupa: traje esporte


fino, você leu, né?

A camisa da Seleção com uma calça de tecido


é esporte mega fino ;)

Afff, por que eu te chamei mesmo? @@@

Deixa ver se eu adivinho... Pq não tinha


companhia? kkkkkkkkkkk

=@ Tá, tá, me manda uma foto.

Não! te espero em 15 minutos.

Não vou com você se estiver usando uma roupa


inadequada.

Azar o seu. Agora anda logo.

Ok.

No tempo combinado, desci para encontrar meu irmão que me


esperava no hall do hotel. Quando o avistei, fiz a vistoria completa:
blazer preto, camisa da mesma cor por dentro, calça esporte fino
também preta, sapato social... Um verdadeiro homem de preto. O traje
social o deixou com um porte mais másculo; notei também que sua
barba estava por fazer, deixando o ar de menino distante. Modéstia a
parte, ele era um legítimo Albuquerque na beleza. Fernando iria
perder o posto de irmão mais gato em pouco tempo.

Felipe acompanhou minha conferida e fez questão de dar uma


voltinha exibicionista. Aplaudi e sorri.

— Que gato! — disse quando ele me ofereceu o braço.

— Fala aí, te surpreendi, hein?

— Muito! Você deveria adotar esse estilo, faria o maior sucesso


— disse quando duas garotas passaram por nós e, em seguida,
viraram a cabeça para observá-lo.

— Então larga meu braço para não queimar meu filme. Não
quero que pensem que sou o gigolô da coroa aqui.

— Coroa é a sua madrinha, seu fedelho! — Bati nele com minha


bolsa. — Para seu conhecimento, você é quem está ganhando ao colar
em mim.

— Ganho? Só tô vendo desvantagens, ir para uma galeria de arte


com um monte de coxinha olhando pro nada e dizendo que é arte...

— Você vai dirigir meu carro! — informei quando chegamos ao


estacionamento.

— Sério? Você vai deixar eu pôr as mãos na máquina? Aí sim eu


vi vantagem.

— Agora vamos antes que eu me arrependa. — Entreguei a


chave.

— Sim, senhora — falou, abrindo a porta do carona.

O percurso estava demorando mais que o esperado. A Galeria


Mascarenhas ficava do outro lado da cidade, de modo que o
deslocamento em dias normais durava em torno de cinquenta
minutos. Com o congestionamento interminável, temos como
resultado carros para todos os lados e buzinas tocando uma sinfonia
imperfeita.

— Vamos chegar atrasados! — afirmei, conferindo a hora no


celular.

— Nós já estávamos atrasados quando saímos — rebateu,


apertando o play do som do carro.

— Nada a ver, o evento estava previsto para as vinte e uma e


trinta, portanto chegaríamos a tempo se esse trânsito cooperasse.

— Perto dos congestionamentos de Sampa, esse aqui tá suave na


nave. — Apenas assenti, observando os carros lá fora.

— Marisa Monte, Adriana Calcanhoto, Ana Carolina, Djavan...


Você só tem música fossa — disse meu irmão, vasculhando minha
playlist. — Tá sofrendo, é, maninha?

— Não me condene por ter bom gosto! — rebati, sorrindo.

— Mariah Carey? — Arqueou a sobrancelha.


— Ei, ela é minha diva. — Apertei o play e comecei a cantar.

I'd give my all to have


(Eu daria tudo para ter)
just one more night with you
(Só mais uma noite com você)
I'd risk my life to feel
(Eu arriscaria minha vida para sentir)
your body next to mine
(Seu corpo junto ao meu)

— Aguentar o trânsito até dá, mas ouvir você cantar toda


melosa, não! — Ameaçou abrir a porta do carro.

Continuei com a minha interpretação da canção, mas o Felipe


apertou stop, parando a música, e eu gargalhei.

— Tudo isso é inveja do meu inglês perfect?

— Não sei onde eu estava com a cabeça quando topei


acompanhar você nisso. Sabia que a essa hora eu poderia estar numa
boate com uma gata?! Mas não, tô aqui, preso no carro com uma
aspirante a Mariah Carey.

— Ai, essa doeu! — falei, fingindo estar magoada. — Mas


agradeço pela aspirante à diva e pela companhia! — Busquei sua mão
que repousava sobre o volante e a acariciei.

— Fernanda? — indagou com a testa franzida.

— Que foi? — perguntei, preocupada.

— É você? — Olhou-me esquisito.


— Oi? Não estou entendendo — falei, confusa.

— Devolve minha irmã, seus aliens — Sacodiu de leve meus


ombros. — Devolve! Manda a Fernanda briguenta e reclamona de
volta, não sei lidar com essa sensível aqui não.

— Idiota! — disse entre risos. — Eu achando que era algo sério.

— Mas é. Você está estranha... Tipo, muito mulherzinha, toda


fofinha e educada.

— Eu sou mulher, Felipe, caso ainda não tenha notado. E não


estou sendo toda fofinha e educada, só estou sendo gentil com meu
irmão querido.

— Esse é o problema, você é tão intensa: sempre grita, bate o pé,


briga, e até quando é carinhosa é desse jeitão. Já notou que deixou eu
dirigir seu carro? Tem algo muito errado. Revela vai, você descobriu
que está com uma doença grave e tem poucos dias de vida e está
querendo aproveitar ao máximo?

Gargalhei perante as conjecturas do meu irmão, uma risada que


veio do interior e, sem me importar em borrar a maquiagem, chorei de
rir. Quando finalmente contive meu ataque de risos, o que demorou
uns cinco minutos, respirei fundo e falei:

— Felipe, você bateu com a cabeça quando era criança. — Mais


risos. O trânsito já tinha avançado e ele continuava a me olhar de
soslaio enquanto dirigia. — Estou muito bem de saúde, obrigada.
Pode ficar tranquilo, que ainda não será sua vez de ser presidente.

— Tá, já chega de tirar onda da minha cara. Agora deixe eu me


concentrar no trânsito.

— Que lindo ver você todo homem aí. — Estiquei-me para dar
um beijo no seu rosto.

— Ainda acho que você não tá normal... — falou, sorrindo.

— Agora adianta que quero fazer xixi — resmunguei.

— Sinto muito, mais um engarrafamento pela frente —


informou, abrindo a janela para conversar com o motorista do carro ao
lado. — Putz! Fê, parece que um caminhão tombou na curva da
avenida e só está funcionando meia pista — disse ao fechar a janela.

— Que droga! — Afundei no banco do carro.

— Pois é. Mas ainda bem que eu vim preparado. — Conectou o


celular ao painel do carro. — Agora aprecie uma boa música.

Mas foi fugindo do nosso controle


Foi ganhando forças e agora quer nos dominar
Não tem bombeiro que apague esse fogo
Tô vivendo esse dilema e não dá pra separar

— E aí? — perguntou, passando para a próxima música. — Só


TOP.

— Tenho medo de perguntar onde conseguiu essa playlist TOP...

— O Marcos que me passou as músicas.

— Eu já desconfiava — rebati e cantarolei ao som de Thiaguinho.


— A patricinha curte um pagodinho... — provocou. Apenas
sorri.

Não pretendia confessar, mas graças ao meu irmão, o trajeto não


tinha sido um caos completo; quer dizer, estar a mais de uma hora
presa no congestionamento é, sim, um caos, mas a sua companhia fez
com que eu não checasse o relógio a cada segundo. Imagina só, eu
presa nesse transito sozinha? Já teria surtado. Finalmente, quase duas
horas depois, estacionamos em frente à galeria.

— Vamos entrar por aquela porta lateral. — Apontei — Deve


haver um banheiro por ali.

— Não dá para segurar mais um minuto? Essa entrada é longe.

— Não, Felipe! Mais um segundo e faço aqui. Agora apresse os


passos.

Minha intuição estava certa; assim que entramos, havia uma


placa sinalizando os banheiros. Apressei-me e deixei meu irmão para
trás. Quando saí, ele não estava no corredor. Segui galeria adentro e
fui recepcionada pelo curador da galeria, Luciano Fernandes, que
acompanhou-me até a exposição da Daniela, intitulada "Mulheres e
suas facetas".

Algumas fotografias estavam apresentadas como se estivessem


estendidas em um varal. Delicados prendedores nos mais diversos
formatos fixavam as peças. Cada foto era única e igualmente bela;
todas retratavam mulheres: trabalhando no escritório, fazendo bolo,
chorando... Em comum, apenas a gravidez. Todas as mulheres
estavam grávidas, algumas com barrigas protuberantes, outras nem
tanto.
Caminhei lentamente, observando cada foto. Fiquei
completamente deslumbrada com o que vi. Sempre gostei de
fotografias, já visitei diversas exposições, mas nada chegava aos pés
do que via naquele momento. Havia uma área onde as fotos expostas
eram de mulheres nuas e uma, em especial, chamou a minha atenção:
a mulher estava envolta pelos braços de um homem que a abraçava
por trás, ambos estavam com a mão sobre sua barriga grande. A foto
captava perfeitamente o momento de contemplação do casal perante a
maternidade.

Segui para foto seguinte com olhos marejados. Felipe se


aproximou e eu tentei evitar que me visse assim.

— Uau! — Observou a imagem, boquiaberto. — Nunca pensei


que uma mulher pudesse ser sexy assim, com esse barrigão. — A foto
em questão retratava uma mulher com as mãos sobre os seios, usando
apenas calcinha e salto alto.

— Você captou muito bem a essência da exposição, antes de


mãe, ela é mulher e por natureza é sexy e linda. Um estado não exclui
o outro. Prazer, Daniela Fontes. — Minha amiga estendeu a mão para
meu irmão.

— Parabéns pelo trabalho, suas fotos são realmente lindas. Felipe


Albuquerque.

— Dani, estou completamente encantada pelo que vi, tudo tão


lindo... — Cumprimentei-a.

— Que bom que você veio e trouxe seu...

— Irmão. E assim como eu, ele também está encantando.


— Fico feliz que tenham vindo. Agora, se me dão licença, preciso
cumprimentar outras pessoas, no final iremos à um restaurante para
comemorar a exposição. Se quiserem aparecer... — Assenti e ela se
afastou.

— Não vou te obrigar a ir, fique tranquilo! — disse para meu


irmão — Vamos circular mais um pouco e te deixarei na balada,
conforme combinado.

— Meus planos mudaram, estou paquerando aquela gata ali... —


Indicou com a cabeça a mulher à nossa esquerda — Bárbara o nome
dela, é assistente de fotografia, portanto iremos nesse restaurante aí.

— Ok, então. Será divertido. — Meu irmão me deixou sozinha


novamente e foi ao encontro da sua paquera.

Continuei caminhando em meio às pessoas, admirando as fotos.


Estava com uma taça de champanhe nas mãos e, distraída, esbarrei em
um homem. Com o esbarrão, o líquido da minha taça balançou e por
pouco não caiu sobre a minha roupa. Esbocei um pedido de desculpas
ao sujeito ainda de costas para mim. Quando ele se virou, fiquei
encantada com o loiro que me encarava. Um par de olhos azuis que
me remeteram à minha piscina, a barba por fazer e um belo sorriso
constituíam o rosto que me fez sorrir abertamente.

— Eu quem peço desculpas, quase fiz você sujar sua roupa —


disse, tirando-me da contemplação.

— Não, eu quem estava tão encantada com as fotos que não te vi.

— Eu também estou encantado.


— As fotos são lindas, não é?

— Você é ainda mais, e não é uma cantada barata. Tenho certeza


que fotos suas expostas aqui fariam tanto sucesso quanto essas. —
Sorri diante do elogio.

— É fotógrafo?

— Não, apenas um admirador da beleza feminina, fotografia


para mim é hobby. Luciano Queiroz. — Estendeu a mão, retribuí o
gesto.

— Fernanda Albuquerque. Então, o que faz da vida?

— Sou jornalista.

— Sabia que eu cheguei a cursar um período de jornalismo na


faculdade? Mas a administração me arrebatou e larguei.

— Tenho certeza que perdemos uma excelente jornalista, mas em


compensação, a administração ganhou uma executiva linda e
competente.

— Competente eu tenho certeza. — Sorri — Mas e você? Conte-


me os detalhes da sua profissão, os bastidores. Sempre admirei os
jornalistas, a forma como são capazes de traduzir as notícias, os furos
de reportagem, as viagens... É uma profissão instigante. Sem
monotonia.

— Verdade, o dia-a-dia de um jornalista não tem nada de


monótono, vivemos de um lado para o outro, mas chega um momento
que tudo isso cansa.
— Fê, o pessoal está indo para o restaurante, vamos? — indagou
Felipe, aproximando-se de mim e avaliando o Luciano de cima a
baixo. Não conhecia esse lado protetor do meu irmão.

— Felipe, esse é o Luciano. Luciano, esse é o Felipe, meu irmão.


— Fiz as devidos apresentações.

— E aí, vamos, Fernanda? — chamou.

— Estamos indo comemorar a exposição da Daniela, quer se


juntar a nós? — Dirigi-me ao Luciano.

— Seria um prazer.

Eu, Felipe, sua paquera e uma amiga dela, seguimos no meu


carro em direção ao restaurante, que não ficava distante da galeria.
Era um local intimista, com música ambiente, bem diferente dos
grandes restaurantes movimentados, nos quais tínhamos que elevar o
tom de voz para sermos ouvidos numa conversa. Luciano chegou em
seguida, sentando-se ao meu lado. Por fim, descobri que era amigo da
Daniela, estava entre amigos.

O jantar se passou de forma agradável, todos ainda em êxtase


pela exposição. Escutávamos atentamente a Dani falar dos detalhes
sobre o processo de fotografar aquelas mulheres. Vez ou outra, o
Luciano fazia algum comentário ao pé do meu ouvido, o que me fazia
sorrir ainda mais. Provavelmente era por causa do vinho, por sinal um
vinho do porto delicioso, perdi as contas de quantas taças tomei.

— Um brinde a exposição da Dani! — propôs Bárbara, erguendo


sua taça.
— Aos amigos, a vida e principalmente aos encontros! —
completou a Dani.

— Aos encontros. — Luciano fixou o olhar em mim.

— Aos encontros! — concordei, sorrindo.

Perdemos a noção do tempo entre conversas, vinho e risadas.


Somente quando as pessoas começaram a se despedir, notamos que
passava das duas horas da manhã. Despedi-me de todos e elogiei
minha amiga mais uma vez.

— Qual a probabilidade de eu te encontrar por mero acaso mais


uma vez? — perguntou Luciano, aproximando-se de mim, enquanto
aguardava meu irmão na sacada do restaurante.

— Muitas, já que temos amigos em comum... — respondi,


sorrindo.

— De qualquer forma, eu não vou contar com o acaso. —


Aproximou-se e me beijou. Um beijo calmo, sereno. Correspondi
querendo impor meu ritmo. Passei as mãos pelos seus cabelos,
mordiscando seus lábios e ele simplesmente não avançou, voltou a
ditar o ritmo suave até afastar-se. Confesso que fiquei desapontada.
Esperava mais desejo e menos gentileza, doçura... Não que tenha sido
ruim, mas...

— Até breve, Fernanda — despediu-se ao notar o Felipe se


aproximar.

— Até — respondi.

Luciano se afastou, enquanto permaneci parada processando o


ocorrido. Por que seu beijo não despertou aquele desejo desenfreado
em mim? Ele é lindo, educado, inteligente, seu beijo é bom, mas ele
não provoca em mim o que o...

— Marcos me mandou uma mensagem para encontrá-lo na


balada. Bora? — Felipe interrompeu meu pensamento.

— Oi? — Ele estava lendo meu pensamento?

— Terra chamando Fernanda! Marcos? Albuquerque's? Alguma


associação?

— As piores possíveis — disse, entrando no carro.

— Não vai dizer que ele te cantou? — perguntou meu irmão,


sorrindo.

— Com quem ele não faz isso? — rebati.

— Isso é verdade! Mas fique tranquila, maninha, Thalita é a


favorita dele.

— Deixa o Fernando saber disso.

— Ele sabe ou você acha que o Marcos é do tipo que come


quieto? — Arregalei os olhos diante dessa informação. — Calma,
Fernanda, entre ele e a Thalita nunca rolou nada. São amigos de longa
data, é mais zoeira da parte dele. Até porque, se ele tivesse ficado com
ela, todos saberíamos, ele não cala a boca. — Gelei perante a
possibilidade do que aconteceu entre nós virar comentário na
empresa. — Então, bora?

— Para onde? — perguntei, confusa.


— Para balada, o Marcos me chamou e falei que estava com
você.

— Dispenso, Felipe. Estou morta de cansaço e, além do mais,


Marcos e balada não são um atrativo para mim — disse, afundando
no banco do carona e bocejando.

— Vou ligar para ele e dispensar, não vou deixar você voltar
para casa só. — Já começava a sentir os olhos pesarem com sono
quando meu irmão colocou o carro em movimento e acionou o viva
voz para falar com o Marcos.

— Cadê você, cara? — Marcos gritou, ao fundo escutávamos


sertanejo tocando.

— Estou indo para casa. A balada fica para amanhã.

— Não vai dizer que a irmãzinha não deixou — provocou do


outro lado.

— Sai fora, não preciso de autorização. Ela bebeu um pouco e tá


sonolenta, não vou deixá-la voltar dirigindo.

— Sendo assim, está perdoado. Cuida bem dela.

— Não estou doente! — respondi em um misto de sono e efeito


do álcool.

— A julgar pela voz, não parece — devolveu.

— Babaca! — resmunguei sem me importar em ser ouvida.

— Então, Marcos, nos falamos amanhã — interveio Felipe.


— Certo, cara, e boa noite, Fernanda.

— Boa noite, Marcos — respondeu meu irmão.

— Fernanda, sabia que a boa educação preza que respondamos


quando alguém nos cumprimenta? — insistiu.

— Vai à merda, Marcos! — rebati.

— Cara, você tá brincando com fogo — Felipe disse, sorrindo.

— Boa noite é o correto. Vamos tentar mais uma vez: Boa noite,
Fernanda.

O Felipe se divertia com a situação e eu, no misto de sono e


querendo me livrar do idiota do Marcos, respondi por fim.

— Boa noite, babaca! Satisfeito?

— Parcialmente, com o tempo você aprende.

— Desliga essa merda de telefone, Felipe.

— Tchau, cara. — Desligou.

Adormeci. Quando acordei estava no estacionamento do hotel


com o Felipe me chamando. Despertei apenas o suficiente para chegar
ao meu quarto, retirar a roupa e desabar na minha cama.
CAPÍTULO XII

Marcos Castro

Minha semana iniciou com uma reunião de negócios com um


cliente do ramo fitness e o cliente havia solicitado que fosse no seu
local de trabalho, uma academia muito bem localizada em Botafogo.
Saí de casa com antecedência para não atrasar.

A Upper Academia, além de bem localizada, ficava em um prédio


moderno e bonito. Do lado de fora, observava-se dois andares de
vidros, de modo que era possível ver as pessoas dentro malhando.
Antes de sair do carro, chequei os contratos e olhei o relógio: quinze
minutos para a hora combinada.

Logo de cara, havia uma recepção que controlava a entrada e


saída dos frequentadores; apresentei-me e recebi um cartão de
visitante. Enquanto aguardava a responsável que me guiaria até a sala
onde aconteceria a reunião, olhei ao redor e observei uma mulher se
aproximar. A dona de um corpo esculpido por horas de treino, usava
uma daquelas calças de malhar apertadas, preta e top da mesma cor.

— Bom dia, eu sou Francine. — Cumprimentou-me com dois


beijinhos, tipicamente carioca.

— Prazer, Francine, Marcos Castro. — Retribuí o cumprimento.

— O Júnior Diniz está preso no trânsito, mas já está a caminho.


Vou levá-lo para esperar na sala dele.
Antes de me encaminhar para sala, passeamos pela academia,
para que ela me apresentasse cada um dos espaços. Prolonguei meu
olhar no grupo de mulheres que fazia agachamento com suas roupas
minúsculas. Por um segundo, imaginei o poder de concentração dos
instrutores, era difícil não ficar excitado. Fui alvo de olhares
insinuosos enquanto seguia a Francine, talvez a calça jeans, camisa
branca e um blazer preto fizessem sucesso, afinal. Sorri, retribuindo os
olhares. A Francine deve ter dito alguma coisa, mas devo confessar
que me desconcentrei diante de tantos peitos, pernas e barrigas à
mostra.

— O senhor deseja alguma coisa? — perguntou quando


finalmente entramos numa sala pequena, mas bem decorada.

— Água, por favor.

— Vou providenciar. — Alguns minutos depois, retornou com a


água e retirou-se, deixando-me sozinho na sala.

No fundo da sala há uma mesa e, na parede próximo a ela, um


quadro com os símbolos dos jogos olímpicos e alguns troféus exibidos
em uma prateleira. Sentei na cadeira de couro preta ali disponível e
aguardei.

Aproveitei o tempo livre para papear com o Alê por mensagens,


estávamos combinando onde passaríamos o carnaval. Olhei para o
relógio e percebi que o tour pela academia e as mensagens serviram
para me entreter e disfarçar o atraso de quarenta minutos do tal
Júnior. Esperaria só um pouco mais.

Já impaciente, ponderava onde estava a Francine, precisava de


alguma informação, será que o cara ainda viria? Já estava aqui há uma
hora e tinha outros compromissos. Quando me levantei para sair, a
porta foi aberta e um homem falando ao celular entrou.

— Não! Preciso disso para ontem, estou de viagem marcada,


passarei alguns dias fora. — Ele pareceu não ter se dado conta de que
eu estava ali ou, pior, estava me ignorando completamente. — Dê seu
jeito! O que eu não posso é ficar sem os suprimentos por uma falha de
vocês. Ok, aguardo! — Desligou e voltou a atenção para mim. —
Marcos, né?

— Marcos Castro, advogado da Albuquerque's, trouxe os


contratos para firmamos o convênio com a empresa. — Entreguei as
cópias que deveriam ser assinadas. Ele as pegou, folheou apenas as
primeiras páginas e devolveu. — Algo errado? — perguntei mesmo
tendo certeza de que não havia nenhum erro no contrato, que tinha
sido revisado por mim e pela Thalita.

— Nenhum, apenas faço questão da presença da Fernanda


Albuquerque para assinar o contrato. Passa o recado para ela e o
contrato será assinado — informou, voltando sua atenção para o
notebook.

Como assim? Por acaso virei garoto de recados?

Inspirei lentamente, relaxando os músculos que ficaram tensos


diante da postura desse babaca.

— Os contratos são assinados sem a presença da presidente. Se o


senhor tivesse conferido o contrato atentamente, notaria que a
assinatura dela já está, em forma de rubrica, em todas as páginas e,
por extenso, ao final. Bem acima do campo onde o senhor deverá
assinar seu nome, por isso não entendo a necessidade da presença
dela.

— Não importa como ocorrem a maioria das firmações de


contrato, comigo funciona da seguinte forma: ou a presidente
comparece para que eu assine ou nada feito. Tenho certeza que ela
não irá se opor... — Sorriu cinicamente. — Passar bem.

Saí da sala puto da vida, com vontade de socar o filho da puta.


Porra, que petulante, quem ele achava que era para me tratar daquela
forma e ainda por cima exigir que a própria Fernanda aparecesse para
assinar a droga de um simples contrato? Entrei no carro e saí cantando
pneu em direção ao escritório.

— Filho da puta! — Bati a porta da minha sala e joguei-me na


cadeira.

— Que foi, Marcos? Aconteceu alguma coisa? — perguntou


Thalita.

— Aconteceu! Acredita que o babaca da academia me fez esperar


feito um desocupado e, quando chegou, se recusou a assinar o
contrato? A justificativa dele? Faz questão que a Fernanda esteja lá.
Estou puto! — esbravejei.

— Puto por ele atrasar ou por exigir a presença da presidente?

— Pelos dois! — respondi e só depois percebi que caí em uma


armadilha.

— Interessante! — pontuou. — Porque se você me dissesse que


estava puto pelo atraso do cara, eu até entenderia, agora pelo segundo
motivo, eu preciso de explicações, algumas coisas não se encaixam...
— falou como se eu fosse um réu e ela, uma advogada de acusação
ardilosa, capaz de arrancar informações do seu interrogado com
questionamentos.

Captei o que estava por vir, por isso, optei por permanecer em
silêncio, enquanto logava meu notebook para acesso e pensava em
uma reposta. A verdade era que eu não tinha nenhuma plausível,
minha raiva era um misto de ter esperado por horas e pela exigência.
Qual era a dele com a Fernanda?

Thalita me analisava sentada na bancada da minha mesa.

— Não vai dizer que estou fantasiando? — insistiu.

— Thalita, não força! Tô puto e não quero transferir para você


meu estresse.

— Marcos... — começou a falar, mas parou quando a encarei. —


Ok, vou deixar você em paz, mas uma hora voltaremos a essa
conversa.

Ela voltou para sua mesa e eu permaneci olhando para tela do


computador sem conseguir me concentrar em nada. Desisto! Levantei
e andei até onde eu desejava ir desde que havia passado pela porta da
Albuquerque’s.

— Cátia, preciso falar com a chefe — informei, parando na


antessala da presidência.

— Bom dia para você também, Marcos! — disse Cátia, sorrindo.

— Bom dia! Cadê a Fernanda? Preciso falar com ela.


— Ela não está no presente momento. Eu posso ajudar?

— Diz a ela que o tal Júnior Diniz solicita a presença dela para
assinar a droga do contrato. O cara disse que vai fazer uma viagem e
quer que a tal reunião seja quinta à noite — informei enquanto me
servia do cafezinho ali disponível, por falta de uma bebida mais forte.

— Passarei o recado para ela e entrarei em contato com ele para


confirmar.

— Não esquece de me confirmar, eu precisarei estar presente.

— Ok, assim que eu tiver a data, te confirmo. Mais alguma coisa?

— Com você não. Agora deixa eu ir, tenho um cliente de


verdade pronto para assinar o contrato.

Saí pisando firme.


CAPÍTULO XIII

Fernanda Albuquerque

Não sabia o que estava acontecendo comigo, provavelmente era


cansaço causado pela intensa maratona que era a vida de um
presidente, pois perdi novamente o horário de acordar, além disso,
não estava me sentindo bem. Enviei mensagem para a Cátia pedindo
para remarcar alguns dos meus compromissos do dia e passei toda a
manhã na cama, sonolenta e com uma constante náusea. Fernando me
ligou ao saber da minha ausência na empresa.

— Estou bem, Fernando, só uma indisposição, deve ser essa tal


virose — explico, afundada sob os lençóis.

— Tem certeza? Posso passar aí para irmos ao médico.

— Não se preocupe, já está passando...

— Fê...

— Se eu não melhorar, te ligo. Combinado? Agora vou desligar


porque tomei um analgésico para dor de cabeça e estou com sono.

— Eu ligo mais tarde. Beijo! — Desliguei e adormeci minutos


depois.

Acordei por volta do meio-dia e fui direto tomar um banho de


banheira. Senti-me um pouco melhor, tanto que confirmei com a
corretora minha visita a algumas casas para alugar. Apesar do
conforto do hotel, sentia falta de mais espaço. A corretora havia me
mandado algumas fotos das casas disponíveis — fiz questão que fosse
casa, nada de apartamentos — e selecionei duas para visitar. Ambas
ficavam em um condomínio fechado em Itanhangá, dentro da Barra
da Tijuca, zona nobre do Rio.

O que mais me chamou atenção foi o fato de o bairro parecer um


refúgio ecológico em meio à cidade agitada; toda a extensão do
condomínio era rodeada por muitas árvores, devido a proximidade
com a floresta da Tijuca, o que tornava o espaço ainda mais atraente.

Quando cheguei ao condomínio, a corretora já me aguardava na


guarita e acenou ao me reconhecer. Desci do carro e caminhei em sua
direção.

— Boa tarde, Fernanda, foi fácil chegar aqui?

— Boa tarde, Lúcia, foi sim. Aliás, fiquei encantada com tantas
árvores durante o trajeto, o ar aqui parece bem mais puro.

— Que bom que já gostou do que viu pelo caminho! Agora


vamos no meu carro que vou te mostrar a casa que acredito ser o seu
perfil.

O residencial era composto por casas de diversos estilos,


algumas são verdadeiras mansões, semelhante à dos meus pais em
São Paulo. Ela estacionou o carro em frente a uma casa com três
andares.

— Essa casa não estava nas fotos que te mandei, foi desalugada
há pouco tempo, por isso ainda não está no catálogo. Mas algo me diz
que você gostará, vamos entrar?

A casa possuía cinco quartos, divididos entre os andares;


elevador interno, escritório amplo e planejado, com uma bela mesa de
reuniões. O dono do imóvel era empresário e exigiu do arquiteto
espaço para trabalhar. Fiquei encantada com o espaço, já imaginava-
me trabalhando em casa. Confesso que depois de ver o escritório, o
negócio já estava fechado, mas ainda assim continuo o tour pela
propriedade; há ainda uma jacuzzi maravilhosa, sala de TV e uma
cozinha enorme. Toda a casa era muito bem decorada e já estava
mobiliada. Outro ponto favorável.

— Onde eu assino? — perguntei antes mesmo de sairmos da


casa.

— Gosto de mulheres decididas! Amanhã ligo para você e


combinamos para assinar o contrato de aluguel.

— Fico no aguardo.

Como o mal-estar havia passado, aproveitei a folga inesperada e


fui conhecer a loja de sex shop da Fátima. A loja era elegante e, além
dos produtos eróticos, possuía lingeries, espartilhos e camisolas de
altíssima qualidade e beleza. Não resisti e acabei fazendo umas
comprinhas: um conjunto com cinta-liga vermelho para Cátia (meu
presente pela indicação das luvas de muay thai); conjuntos e camisolas
para mim e presentes para todas as minhas amigas. Os produtos
eróticos ficavam em uma antessala com paredes cor de vinho, sofás
confortáveis e um lustre arrematando o ambiente sensual e chique. No
centro, havia catálogos com descrições dos produtos, de modo que
cada cliente se sentiria à vontade para ler ou perguntar. Acabei
comprando ainda calcinhas comestíveis, camisinhas com sabor e
outros artigos íntimos... O aniversário da Gabi estava se aproximando
e achei os produtos a cara dela. Finalizei meu dia jantando com
Fernando, que fez questão de se certificar que eu estava bem
pessoalmente.

O dia seguinte não foi diferente. O despertador tocou, mas eu


não me sentia disposta para sair da cama. Reprogramei o alarme para
às sete da manhã e voltei a dormir, a aula de muay thai ficaria para
outro dia. Quando o despertador voltou a tocar, levantei a
contragosto, arrumei-me e saí para trabalhar.

Quando cheguei à empresa, segui direto para minha sala. Cátia


ainda não havia chegado, mas sobre a minha mesa estavam
organizados vários memorandos e uma série de documentos para
assinar. Comecei a me inteirar dos fatos ocorridos no dia anterior e em
pouco tempo, já estava envolta em ligações profissionais e assinaturas.

— Bom dia! — disse Cátia, entrando na sala enquanto anotava


algo na agenda.

— Que não sejam mais compromissos — resmunguei e passei os


olhos sobre minha mesa amontoada de papéis.

— Infelizmente é, mas dessa vez é no Rio mesmo. O Júnior Diniz


faz questão da sua presença para celebrar o contrato.

— Vê uma data na semana que vem.

— Não dá, ele está de viagem marcada para o exterior essa


semana, precisa ser antes de sexta.

— Droga! — Afundei na cadeira. — Na quinta, depois do


Espírito Santo, vamos para São Paulo... Chegaremos aqui no fim da
tarde, marca à noite então.

— Já tomei a liberdade e fiz isso, ele ficou de mandar o endereço


do restaurante.

— Ok. E nosso voo?

— O embarque está previsto para às quatorze horas de hoje.


Como não teremos tempo de almoçar, mandei providenciar um
lanche. Dona Francisca já deve estar trazendo.

— Obrigada, Santa Cátia!

— Com licença, aqui está o lanche. — Dona Francisca entrou


com uma bandeja.

— Obrigada, dona Francisca.

— Come agora! Porque se houver algum atraso, sairemos do


desembarque direto para a reunião — Cátia disse, passando-me o
lanche.

— Sim, senhora! — Bati continência.

Comi o sanduíche natural com recheio de atum e bebi suco de


laranja, enquanto confirmava a presença com os investidores
capixabas. Como ainda não tínhamos sede na cidade, a reunião seria
no hotel em que nos hospedaríamos, assim não precisaríamos ter que
nos deslocar, graças a Deus.

***
O voo ocorreu tranquilo na maior parte do tempo, com exceção
das ânsias de vômito que me acompanharam boa parte do percurso;
em uma delas, precisei correr até o banheiro e vomitar todo o lanche
que comi. Lavei o rosto e a boca na tentativa de me livrar do gosto
ruim. Após me certificar de que não havia mais nada para ser
excretado, voltei para minha poltrona e engoli um remédio para enjoo
oferecido pela aeromoça.

— Tá melhor? Deve ter sido o lanche, né? Bem que a dona


Francisca avisou para não encher o estômago antes de embarcar —
concluiu Cátia, preocupada.

— Ahan. — Peguei um chiclete de menta para disfarçar o gosto


amargo. — Eu nunca tive ânsia no voo, por isso comi sem me
preocupar.

— Quer desmarcar a reunião? — perguntou, encarando-me.

— Estou com o aspecto tão ruim assim? — Busquei um espelho


na bolsa.

— Tirando o fato de estar amarela? Não! — disse, sorrindo

— Eu sou amarela mesmo. — Sorri. — Nada que uma


maquiagem não resolva.

Desembarcamos, seguimos para o hotel, fizemos o check-in e,


assim que entrei no meu quarto — ao lado do quarto da Cátia —,
vomitei ainda mais. Tomei um banho rápido e deitei na cama. A
intenção era descansar poucos minutos, mas acabei apagando.
Acordei com meu telefone tocando, ao mesmo tempo em que escutava
batidas insistentes e altas na porta. Levantei num pulo e corri para
atender a porta.

— Fernanda, você está bem? Já tinha solicitado uma chave


reserva na recepção. — Cátia tinha a voz preocupada.

— Que horas são? — perguntei ainda grogue.

— Você tem dez minutos para descer, os investidores já


chegaram.

— Ai, meu Deus! — Corri e vesti a primeira muda de roupa da


mala e disparei para o banheiro, para tentar dar um jeito no meu rosto
amassado de sono. — Como posso descer com os olhos vermelhos e a
cara amassada? — perguntei, saindo do banheiro.

— Que exagero, você está linda como sempre.

— Por isso que você é minha secretária-amiga, mesmo com essa


cara você ainda me elogia e, pior, eu acredito. — Sorri, pegando o
notebook e a bolsa.

A reunião com os capixabas acabou transcorrendo


tranquilamente. Os três homens eram pontuais e diretos, portanto nos
entendemos bem. Traçamos o perfil de ação em conjunto e eu sabia
que daria tudo certo.

— Optamos pela Albuquerque's porque conhecemos o trabalho


realizado com a empresa de um amigo nosso, porém confesso que
estou receoso com a distância, gostaria de saber como isso pode
funcionar.

— Pode ficar tranquilo, Sr. Camargo, nossa equipe é grande e


contamos com funcionários disponíveis para viajar sempre que
solicitado, a distância não será um problema. Entraremos em contato
em breve!

Conversamos mais informalmente sobre a cidade; eles me


perguntaram sobre a possiblidade de abrir uma filial da Albuquerque’s
por lá e prontamente disse que estávamos pesquisando as cidades que
receberiam nossa empresa e que estudaria a viabilidade de tê-la no
Espírito Santo.

Notei que o Alberto Prado, filho do Júlio Camargo e um dos


sócios da empresa capixaba, trocou algumas palavras com o pai e
permaneceu na sala quando todos já haviam se despedido.

— Vocês vão ficar aqui por mais tempo? Que tal jantar? Conheço
um restaurante que tenho certeza que iria agradá-las — pergunta ele.

— Embarcamos amanhã cedo — respondo, embora o convite não


tenha sido direcionado a mim; ele havia passado a reunião
observando Cátia. — Quanto ao jantar, estou um pouco indisposta,
mas tenho certeza que a Cátia adorará ir. — Ela me olhou com uma
expressão confusa.

— Às sete, pode ser? — pergunta Alberto, esperançoso.

— Está ótimo — respondo por ela, que apenas sorri.

— Foi um prazer conhecê-la, Fernanda, e até mais tarde, Cátia.


— Quando ele se retirou, Cátia me abordou de imediato.

— Fernanda, não entendi a história do jantar... — começou.

— Cátia, acho que já temos intimidade o suficiente para sermos


francas uma com a outra. O Alberto é um gato e ficou te comendo com
os olhos a reunião toda e sei que você notou e ficou mexida; te
parabenizo pela sua postura de profissional. Mas agora você está livre.
A reunião acabou, não é mais a secretária, portanto se arrume, saia
para jantar e divirta-se.

— Mas...

— Mas nada, esteja de volta a tempo de embarcamos. Nosso voo


sai às cinco e quarenta da manhã. No mais, até amanhã, gata — falei
ao chegarmos em frente aos nossos quartos. Ela apenas sorriu e entrou
no próprio quarto.

Pedi que o meu jantar fosse servido no quarto. Enquanto o


solicitava, notei diversas mensagens da Cátia perguntando se eu
estava realmente bem para ficar sozinha e se não havia mudado de
ideia para acompanhá-la.

Se você me mandar mais uma mensagem, te


demito. Estamos entendidas?

Fernanda...

Cátia, amanhã estaremos em São Paulo e você deverá


ter uma história muito boa para me contar sobre a
noite de hoje!

ok, vc venceu kkkkkk

Eu sempre venço ;) Beijos


Tive uma noite de sono agitada. Levantei diversas vezes para
fazer xixi e, por consequência, não dormi direito. Às quatro da manhã
já estava de pé, pois uma nova de ânsia de vômito me atingia. Após
um banho frio, mediquei-me com Dramin, vesti uma calça de tecido
preta junto com uma blusa social azul e desci para encerrar a conta no
hotel. Cátia já me esperava lá embaixo.

— Bom dia, Fernanda — cumprimentou-me.

— Boa madrugada... — respondi, entregando o cartão para o


recepcionista.

— Peguei café para mim, você quer um? — Meu estômago


revirou com o cheiro da bebida. Apenas neguei com a cabeça. Estadia
encerrada, seguimos até o táxi que nos aguardava do lado de fora.

— Cátia, faz um favor para mim? — pedi antes de entrarmos no


carro. — Joga esse café, o cheiro está me deixando enjoada... — Ela
prontamente livrou-se do copo.

— Assim que a gente colocar o pé no Rio, você vai a uma clínica


médica, não venha com esse papo de que está bem, porque estou
vendo que não está.

— Exagero, é apenas um mal-estar.

— Exagero ou não, quem dirá isso é um médico.

— Não vou discutir a essa hora.

— Ótimo!

O voo de volta foi mais tranquilo. Graças à medicação, não senti


nenhum desconforto, mas em compensação, dormi durante toda a
viagem. Acordei com a Cátia me chamando para desembarcar em
Congonhas. Vamos direto para a antiga sede da Albuquerque's, todas
as minhas reuniões do dia aconteceriam lá.

Durante o tempo em que aguardei a reunião começar, de pé na


sala da presidência da sede anterior, tive a sensação de não pertencer
a este lugar, senti-me deslocada... Senti falta da minha cadeira, da
minha mesa, até do burburinho da copa da sede do Rio. Abri a
persiana e observei o céu cinzento, típico da cidade de São Paulo. Bem
diferente do céu azul carioca, onde o sol aparecia logo nas primeiras
horas e se despedia lentamente ao final da tarde. Havia me
acostumado tão rápido à minha nova vida...

Fui retirada das minhas divagações pelo meu celular tocando,


andei até a mesa e o procurei dentro da bolsa. Sorri, antes mesmo de
atender, ao notar quem era.

— Não acredito que está em São Paulo e não pretendia nos fazer
uma visita, Nandinha — reclamou minha mãe com seu jeito doce.

— Como sabe que estou em São Paulo? Eu sempre desconfiei


que vocês tinham implantando um chip em mim durante a
adolescência — falei, sorrindo.

— Seu pai até queria, mas eu não deixei. — Sorriu do outro lado
da linha e esse sorriso me fez perceber quanta falta sentia de vê-lo
diariamente. — Já conversei com sua secretária e hoje à noite vocês
virão jantar comigo, seu pai está viajando — completou.

— Certo, mãe, te vejo à noite, agora deixa eu desligar que uma


reunião me espera.
— Não, senhora... — discordou. — Antes da reunião, trate de
comer o café da manhã que eu mandei entregar aí, tenho certeza que
ainda não se alimentou. A reunião pode aguardar.

— Sim, senhora — respondi.

Como se fosse a deixa, Cátia abriu a porta e um funcionário


entrou carregando uma bandeja, colocando-a em cima da mesa
redonda com dois lugares (a única exigência do meu pai na sua sala, já
que ele frequentemente almoçava no escritório). Andei em direção a
mesa para conferir de perto o conteúdo e salivei ao notar croissant de
chocolate, torta de banana e canela, iogurte natural, sonho, queijo,
presunto e pães... Tudo que eu gostava de comer.

— Não acredito que lembrou até dos sonhos. — Mordisquei um


sonho recheado de doce de leite. — Hum, que delícia.

— Mandei entregar tudo que você mais gosta. Agora desligue e


tome seu café com calma. Ah, quer algo especial para jantar?

— Macarrão à bolonhesa. — Já conseguia sentir o cheiro.

— Massa à noite? Você vive dizendo que engorda...

— Uma vez só não faz mal, além do mais, estou sonhando com
essa macarronada faz tempo.

— Tudo bem, então, bom trabalho, filha.

— Beijo, mãe. — Desliguei. — Senta aqui, Cátia, vem tomar café


comigo e aproveita para me contar da noite com o Alberto.

— Nem sei por onde começar... — Ela sentou de frente para


mim.

— Pelo começo. Ele tem pegada? — perguntei, curiosa.

— Assim você me deixa sem graça, Fernanda — respondeu sem


me encarar.

— Sem graça? Acho que você ainda não entendeu que te vejo
como amiga, por isso não há porque ficar sem graça. A menos que
você não queira tocar no assunto, aí tudo bem. Eu retiro a minha
pergunta.

— Não, não é isso...

— Então conta logo! — Servi-me de torta de banana e canela,


fazia tempo que eu não comia com tanta vontade.

— Então... O jantar foi em um restaurante à beira-mar, o lugar


era lindo. O Alberto, além de divertido, é muito educado, ficamos até
tarde da noite conversando.

— E rolou?

— Fernanda... — ponderou.

— Ok, Cátia, entendi o recado. Não se preocupe, amanhã


estaremos de volta e você pode correr para contar a Thalita, ou
melhor, assim que acabar a reunião, pode ligar para ela e contar —
disse em tom ríspido.

— Fernanda, você entendeu errado...

— Entendi? — indaguei, encarando-a.


— Lógico que entendeu, não é falta de confiança, é apenas...

— Porque eu não sou sua amiga, ok, Cátia — interrompo-a. — A


propósito, como eu praticamente te joguei no cargo de secretária da
presidência, sinta-se à vontade para recusar caso ele não lhe agrade.
Agora queira me dar licença que tenho uma reunião pela frente! — Saí
em direção a sala de reuniões.

***

A reunião, dessa vez, seria com os gerentes de marketing e do


departamento financeiro. Pela pauta, apresentariam o andamento das
ações, além de precisar dar o aval no projeto que a empresa havia
fechado. Poucos minutos depois, Cátia entrou na sala com minha
agenda e celular que eu deixei para trás. Entregou-me e sentou-se ao
meu lado. Agradeci com um sorriso amarelo.

Eu preciso me desculpar com ela pelo ocorrido, não sei o que está
acontecendo comigo nas últimas semanas, ando com uma mudança de humor
constante.

A reunião começou com as explanações acerca dos últimos


trabalhados desenvolvidos pela equipe de criação, entregaram-me um
portfólio que ilustrava todas as campanhas. Fiz algumas anotações
enquanto o Maurílio — gerente de marketing — discorria sobre as
últimas campanhas fechadas.

— Que os outros departamentos não nos ouçam, mas sem


dúvida a equipe de marketing, aqui incluo os publicitários, os
assistentes de criação e a consultoria de eventos, vem crescendo cada
dia mais e consolidando a Albuquerque's no ramo da publicidade... —
disse Maurílio, orgulhoso da equipe, que apresenta por meio de
gráficos os números crescentes da procura pelos nossos serviços no
ramo da publicidade. Em pouco mais de um ano, a procura
aumentara em oitenta por cento, grande parte incentivada pela forma
de presidência do meu competente irmão publicitário.

— Prova disso é estarmos concorrendo a um prêmio no maior


evento de publicidade do país — completou Rodrigues, supervisor da
equipe de publicidade.

— Tudo isso, gente, é para comunicar oficialmente que


ganhamos a licitação e seremos responsáveis pela elaboração e
divulgação da campanha das Paraolimpíadas que correrão no Brasil
em outubro desse ano — anuncia Maurílio.

— Fernanda, antes que você nos acuse de sonegar informações,


vou me defender. — Rodrigues levantou os braços, brincalhão, ao
notar minha cara de espanto. Eu não fazia ideia desse projeto. — Seu
irmão é o grande culpado. Quando ele decidiu transferir a sede para o
Rio de Janeiro, ele marcou uma reunião conosco e explicou os motivos
da mudança, nos assegurou que nada mudaria quanto ao
funcionamento da empresa e propôs unificar a equipe de marketing
das duas cidades que até então trabalhavam independentes. Tudo isso
fez com que tivéssemos contato com o pessoal do Rio e, em meios a
reuniões por videoconferência, Túlio, o gerente de marketing de lá,
informou que a licitação estava aberta. Seu irmão organizou a equipe
de planejamento e a jurídica e, em conjunto, escrevemos um projeto e
enviamos para análise.

— Há cerca de quinze dias, fomos notificados que fomos os


escolhidos, temos que manter sigilo por um tempo e tal, mas dá para
imaginar o quanto estamos empolgados com essa oportunidade
ímpar? — completou Maurílio com um enorme sorriso.
— Só tenho que dar os parabéns a vocês! E quais os próximos
passos? — perguntei, ainda em êxtase pela notícia.

— Os passos serão traçados com o comitê do evento e nossa


equipe. Será um trabalho conjunto que será desenvolvido por nós e
pela equipe do Rio.

— A relevância desse evento exige uma equipe exclusiva.


Mesmo com a união das duas equipes, pressuponho que precisaremos
de mais funcionários para tal projeto. Estou certa?

— Na verdade, o cerne da equipe está pronto, eu e o Túlio


seremos os responsáveis pelo projeto, mas ainda assim precisaremos
contratar funcionários para compor a equipe. Já passamos para o setor
financeiro o quadro de funcionários que precisam ser contratados.

— Como dá para notar, o projeto é audacioso não só na


magnitude da proposta, mas também pelos números. Pelo que me foi
passado, faz-se necessária a contratação de diversos funcionários. Por
alto, isso geraria um aumento de cerca de 30% na nossa folha de
despesa aqui — disse Augusto, gerente do financeiro.

— Vocês, economistas, sempre focam no valor. E o retorno que


isso trará para a Albuquerque's? — rebateu Rodrigues de forma
calorosa.

— Além do mais — completou Augusto, sem se mostrar afetado


—, o pagamento virá em duas parcelas, a primeira parte paga no
processo de criação, a segunda quando o projeto estiver concluído.

— Quanto a isso, não vejo problemas, dispomos de capital para


isso. Preciso que me passe o relatório com todos esses dados, Augusto.
Maurílio, marcarei uma reunião com o Túlio para vermos a melhor
forma de viabilizar o trabalho — disse, apaziguando a situação.

— Aqui está o relatório com o valor da licitação, bem como a


descrição com os gastos que teremos nesse projeto baseado nas
informações passada pelo marketing. — Augusto me entregou o
documento.

Passei o restante da reunião inteirando-me sobre o projeto. O


Rodrigues me apresentou esboço do mascote feito a partir das ideias
da equipe, mas que ainda precisava ser discutido com o comitê, bem
como a criação da logo. Estavam todos animados e logo me contagiei
com a animação deles.

Uma hora e meia depois, estávamos de volta a sala da


presidência, Cátia estava concentrada finalizando a ata da última
reunião. Já eu, lia os tópicos que seriam discutidos na seguinte, que
aconteceria dentro de uma hora. Teríamos que almoçar no escritório
mesmo.

— Vou pedir comida japonesa, você gosta? — perguntei e a Cátia


levantou os olhos do notebook.

— Sério que ainda cabe algo em você? Ainda estou cheia do café
— falou, sorrindo.

— Claro que cabe, dizem que sou magra de ruim. — Disquei


para o restaurante. — Boa tarde... Teriyaki, Sushi e Temaki para duas
pessoas, para beber suco de uva... Obrigada.

— Tem certeza que isso é somente para duas pessoas? —


perguntou quando desliguei a ligação, fazendo-me rir.
A comida chegou rápido e comemos — na verdade, eu comi bem
mais que Cátia. Amo comida japonesa. Quando chegasse ao Rio,
correria atrás do prejuízo na academia.

A última e interminável reunião do dia durou mais do que o


esperado, o pessoal do jurídico fez questão de destrinchar cláusula
por cláusula do contrato, o que nos rendeu cerca de duas horas de
reunião, no final da qual, eu já estava exausta. Graças a Deus era a
última do dia.

— A reserva no hotel ainda está disponível, caso prefira — disse,


pegando a bolsa. Eu havia convidado a Cátia para ficar na casa dos
meus pais, mas depois da minha grosseria, eu compreenderia
perfeitamente caso ela recusasse.

— Tanto faz — respondeu, sorrindo.

— Faz assim, vamos para minha casa jantar e lá você decide. —


Ela concordou.

O motorista da empresa nos esperava no estacionamento,


cochilei durante o percurso, acordando automaticamente quando o
carro parou em frente a minha casa.

— Obrigada, Saulo — agradeci, quando descemos do carro.

— Sejam bem-vindas! — Minha mãe nos esperava na sala,


trocamos um abraço carinhoso e, em seguida, cumprimentou a Cátia
com um abraço.

— Mãe, estou cansada, querendo um banho e tenho certeza que


a Cátia quer o mesmo — informei.
— O quarto de hospedes está pronto para recebê-la.

Embora a casa dispusesse de elevador interno, optei em subir


pela escada; estou com a consciência pesada pela quantidade de
calorias ingeridas em um único dia. Cátia me seguiu, observando
atentamente a casa. Ainda precisava me desculpar com ela pela cena
no escritório, mas decidi deixar isso para depois do banho.
Acompanhei-a até o quarto de hóspedes e segui para o meu, que
estava exatamente como eu deixei quando saí. Na verdade, nem
parecia que eu estava morando fora. Preparei a banheira com sais e
passei alguns minutos relaxando enquanto ouvia música.

Saí do banho mais cansada do que entrei, não sabia como isso
era possível. Vesti um short jeans e uma camiseta branca, os primeiros
que encontrei, e prendi o cabelo em um coque. Caminhei descalça
pelo corredor, decidida a fazer o que eu já deveria ter feito há muito
tempo.

— Cátia? — Bati de leve na porta.

— Pode entrar — respondeu do outro lado.

Abri a porta e lá estava ela, usando o vestido de tecido preto que


a presentei quando convidei para ser minha secretária.

— Posso rebobinar a fita e voltar para meu quarto, buscar uma


roupa decente e depois bater aqui na sua porta? — brinquei.

— Acho que não. — Sorriu. — Está exagerado? — perguntou,


receosa.

— Não, está perfeito. Eu é que estou gata borralheira hoje.


— Até de gata borralheira você é diva, está no seu DNA! — O
seu comentário me fez gargalhar.

— Já que não posso voltar atrás e mudar o que foi feito, vim te
pedir desculpas. — Ela tentou dizer algo, mas eu a interrompi. —
Cátia, sei que fui infantil ao cobrar sua amizade e, muito mais, ao te
colocar contra a parede com a questão do cargo. Eu não sou assim...
Não sei o que está acontecendo comigo. A verdade é que eu me sinto
sozinha no Rio, todas minhas amigas são daqui e vi em você muito
mais que uma secretária, por isso insisti em querer saber do seu
encontro. E fui uma idiota quando você se negou a contar, é um
direito seu.

— Fernanda... — Ponderou, antes de falar. — Eu trabalho


na Albuquerque's há mais de quatro anos e nesse tempo, além de
exercer minha função, criei vínculos indestrutíveis. A Thalita e o
Marcos se tornaram uma parte da minha família. Minha vida seguia
um rumo sereno até você aparecer e mudar completamente tudo. De
uma hora para outra, eu me tornei secretária da presidente. Ainda
estou aprendendo a exercer essa nova função. Agora que acompanho
e sei cada passo seu, passei a admirar a mulher capaz de suportar uma
jornada de dois dias, andando de um lado para o outro, tudo isso em
cima de um salto agulha. — Sorrimos juntas. — Eu te devo desculpas,
também, por demorar a aceitar essa nova amiga que
a Albuquerque's colocou em minha vida, para mim esse papel é novo,
mas prometo exercê-lo com mais afinco. — Cátia se aproximou e me
abraçou. Tentei controlar a emoção, mas fracassei. As lágrimas
correram pela minha face, respirei fundo e sequei as lágrimas.

— Nem precisa dizer... Nada aconteceu aqui! — Cátia disse


prontamente, também enxugando uma lágrima solitária. — Agora, se
ainda quiser saber, vou te passar o dossiê completo do Alberto. —
Sorri e ela me contou os detalhes da noite.

Jantamos e conversamos pelas horas seguintes, minha mãe e


Cátia se deram muito bem. Já passava da meia-noite quando Cátia se
retirou para dormir, enquanto eu permaneci no sofá, deitada no colo
da minha mãe, que me fazia cafuné.

— Sinto tanta falta de vocês. A casa não é a mesma sem o som da


sua voz preenchendo cada ambiente, dos estrondos que ecoavam pela
casa do Felipe tocando bateria. — Ela sorri.

— Do último não sinto falta... — disse, sorrindo.

— Até disso eu sinto, acredita? E ele, está se comportando?

— Mãe, ele é maior de idade e mais esperto do que nós duas


juntas.

— E você?

— Eu sempre quis assumir a presidência. Então estou plena,


embora cansada.

— E além do trabalho? Os amigos? Alguém especial?

— Mãe, não há nenhum príncipe encantado para ser


apresentando como genro — disse e ela sorriu.

— Serve um sapo mesmo! — rebateu.

— Que horror! As mães sempre desejam um príncipe montado


no cavalo branco para filhas.
— Eu sei muito bem que esse não faz seu tipo, a não ser que ele
apareça em um Audi branco. — Sorrimos juntas.

Ficamos conversando por mais tempo, mas acabei adormecendo


em seu colo.

— Meu amor, vamos para a cama. — Acordou-me com seu tom


maternal e acompanhou-me até o quarto. Colocou-me na cama e
ajeitou os lençóis, como costumava fazer quando eu era criança. Senti
seu beijo de boa noite em meu cabelo e me deixei embalar pelo sono.
Tive uma noite tranquila, como há muito tempo não acontecia.

***

— Bom dia! — Entrei na cozinha e abracei minha bá. Cátia estava


sentada à mesa com sua agenda em mãos. Como ela consegue acordar tão
cedo e disposta?

— Bom dia, minha menina. Dormiu bem?

— Muito, como não durmo há tempo.

— Deve ser saudades da casa — minha mãe afirmou, entrando


na cozinha.

— Deve ser... Agora o que temos para comer? Estou morrendo


de fome.

— Essa é magra de ruim! — disse minha mãe.

— Além de ruim, eu também malho para manter esse corpo. —


Dei uma voltinha, todos riram.
Tomamos café, despedimo-nos e saímos em direção
a Albuquerque's. Passei o resto do dia despachando e assinando
documentos. Almoçamos no escritório mesmo e de lá seguimos para o
aeroporto. Para fechar meu dia com chave de ouro, ainda tinha um
bendito jantar com o Sr. Diniz. Mas o clima não estava favorável,
chovia bastante na capital paulista, o que acarretou atrasos.

— Uma hora de atraso por um voo que dura cerca de cinquenta


minutos! — reclamei para Cátia, que lia uma revista.

— Não dá para brigar com a natureza, Fernanda.

— Infelizmente. Vou comprar um milk-shake, aceita?

— Não vai ficar enjoada no voo? — questionou.

— Não sei, mas estou com vontade e já tomei Dramin por


garantia.

— Então eu quero um pequeno de Ovomaltine.

Segui para a lanchonete do aeroporto para fazer nosso pedido.


Demorei um pouco para voltar, com os atrasos havia muita gente
ociosa, por consequência, comprando qualquer coisa para comer e se
distrair.

— Aqui está o seu, aceita batata frita? — perguntei quando sentei


ao seu lado.

— Fritas e milk-shake? — Ela me encarou com uma expressão


divertida no rosto.

— Uma delícia! Tem certeza que não quer?


— Tenho, obrigada.

— Não sabe o que está perdendo — disse, comendo uma


batatinha.

— Não vou cair na sua pilha e comer, não tenho sua genética,
comer fritas e milk-shake vai me render duas horas na esteira e estou
fugindo disso.

— Eu geralmente fujo, mas abro exceções.

— Parece que os voos serão liberados em breve, pelo menos é o


que informa ali. — Apontou para o painel de informações.

— Assim espero, porque caso contrário terei que ir direto para o


jantar com o Júnior Diniz. Estou impaciente com a demora.

— Agora imagina isso aqui no carnaval... — comentou.

— Por falar em carnaval, o que pretende fazer?

— Ainda não sei, não combinei nada com minhas amigas.

— Que bom! Pois recebi convites para camarote na Escola do


Samba, se quiser ir, eles são seus. Irei me jogar em Salvador.

— Claro que eu quero, obrigada mesmo.

— Então está resolvido, amanhã te entrego as credenciais.

— Credenciais, no plural?

— Sim, pode levar quem desejar.


"Atenção passageiros do voo 1365 com destino ao Rio de Janeiro,
embarque imediato"

— Finalmente! — Suspirei, aliviada.

Desembarcamos por volta das dezoito horas. Felipe havia


deixado meu carro no estacionamento; primeiro deixaria Cátia em
casa, em seguida iria ao jantar.

— Tem certeza que não precisa de mim? — ela perguntou mais


uma vez quando estacionei em frente ao seu prédio.

— Tenho! Agora trate de descansar, a semana foi longa e


amanhã preciso de você disposta no escritório.

— Mas o expediente amanhã será até meio-dia, eu posso te


acompanhar sem problemas — insistiu novamente.

— Será algo breve, apenas assinar os contratos. Até amanhã,


Cátia! — despedi-me.

— Até, Fê.

— Eu ouvi direito? Me chamou de Fê?

— Não podia? — perguntou, confusa.

— Claro que podia! Apenas achei que estava demorando demais


para isso — disse, sorrindo. — Beijo, até amanhã.

— Até amanhã.

***
Quarenta minutos antes do horário marcado, cheguei ao
restaurante. A recepcionista me guiou até o bar, já que a mesa não
estava liberada. No fim das contas, havia dado tempo de passar no
hotel, tomar banho e me preparar para o jantar de negócios. Decidi
sair assim que me aprontei, para não correr o risco de adormecer,
exausta.

— Um drink sem álcool, por favor — pedi ao barman, que


prontamente aproximou-se.

Observei o ambiente ao meu redor; um bistrô bem decorado,


com mesas de tampo de vidro e cadeiras de couro. Atenta a minha e
inspeção do local, demorei a notar que Marcos havia chegado e estava
à minha direita. Ele não veio em minha direção, tampouco, me dirigiu
uma piada sem graça ou uma piscadela infeliz. Sentou-se a duas
cadeiras de distância e parecia estar numa discussão ao telefone; ouço-
o dizer que “não bancará o bom samaritano” e encerrar a chamada em
seguida.

Notei quando solicitou uma água com gás ao garçom, jogando o


celular na sua pasta-carteira de couro preta. Só então notou a minha
presença, esboçando um sorriso em minha direção. Não era o sorriso
petulante de sempre, tratava-se de um sorriso normal que indicava
somente "Olá". Permaneceu no mesmo lugar, bebendo a água.

O garçom serviu o meu drink, a especialidade da casa com frutas


vermelhas. Bebia lentamente, ainda curiosa com essa nova versão do
Marcos, quando fui abordada por um homem.

— Uma bela mulher sozinha no balcão de um bar só pode


significar duas coisas: ou está esperando o namorado chegar ou é uma
mulher independente que veio apenas curtir uma boa noite. A julgar
pela sua postura, aposto na opção dois.

O infeliz se aproximou de mim, sentando na cadeira ao meu


lado. O homem era dono de uma barriga acentuada (provavelmente
por anos sem exercício físico, juntamente com o excesso de álcool).
Tinha idade para ser meu pai, na melhor das hipóteses. Ignorei seu
comentário na tentativa de fazê-lo desistir da abordagem, virando
meu drink de uma só vez. Decidi pedi o segundo, dessa vez com
álcool, para suportar a noite que mal havia começado.

— Um Dry Martini com vodca dobrada.

O homem sorriu, pedindo em seguida um uísque para ele.


Olhou-me dos pés a cabeça. Eu estava usando um vestido preto na
altura dos joelhos, com um zíper que ia da minha nuca até a minha
cintura; nos pés, meus típicos saltos agulha. Por conta do pouco
tempo e por se tratar de um encontro de negócios, meu cabelo estava
preso em um rabo de cavalo.

— Você não é de muitas palavras... — continuou ele. — Meu


nome é José Garcia. — Estendeu a mão. Uma coisa era ignorar uma
pessoa, outra é ser mal-educada.

— Fernanda Albuquerque — respondi sem apertar sua mão.

— Fernanda, além de linda, é sucinta, o tipo de mulher que um


homem pede a Deus. — Revirei os olhos diante desse comentário.
Busquei contato visual com o Marcos, mas não conseguia vê-lo, o
homem atrapalhava a visão. — Ele não vem. Que tal aceitar meu
convite para jantar?

— O senhor é muito bom em suposições, mas já passou pela sua


cabeça que talvez eu não esteja a fim de companhia? — respondi,
irritada com a sua insistência.

— Arisca a gatinha, adoro domar feras — falou, tocando o meu


braço, que afastei imediatamente.

— Não me toque — exigi.

— Calma, só estou querendo te conhecer melhor, explorar...

— Não sou sítio arqueológico para ser explorada. — Sorriu com


minha resposta.

— Adoro mulheres quentes e arredias, são as melhores na cama.

Conhecia o tipo: o velhote garanhão. Sabia bem que ele não se


daria por vencido tão cedo, por isso resolvi acabar de uma vez com
essa chatice toda. Levantei e caminhei decidida até Marcos que,
Graças a Deus, continuava no mesmo lugar.

— Me livra dessa! — sibilei assim que me aproximei. O canalha


simplesmente encolheu os ombros num claro sinal de "tô nem aí".
Provavelmente estava se divertindo às minhas custas. Inferno! Sentei
ao seu lado. O José me seguiu.

— Ele é a companhia que tanto esperava? — perguntou bem


próximo a mim e o seu hálito de uísque fez meu estômago revirar.

— Amor... Para com isso e fala comigo. — Acariciei a mão de


Marcos. Ele permaneceu parado sem nenhuma reação. Coopera imbecil!
— Por favor, amor — continuei, agora de pé à sua frente, quase entre
as suas pernas. — Assim que chegar em casa, eu te peço desculpas do
jeito que você gosta. — O velhote observava tudo de perto.
— Poderia me dar uma prévia de como planeja se desculpar? —
Marcos me puxa pela cintura.

— Que tal assim? — falei, mordiscando seu lábio inferior.

Não sabia o que havia dado em mim para fazer isso.


Independente dos motivos, fez com que meu corpo reagisse e
clamasse por mais. O Marcos parecia ter entendido o recado, pois
transformou o contato em um beijo lascivo. Em pouco segundos,
nossas línguas se exploravam e minhas mãos percorriam seus cabelos.
O beijo foi intenso, quente, capaz de me fazer esquecer tudo ao meu
redor.

Só lembrei que estava em um restaurante quando o maitre surgiu


para informar que a minha mesa estava disponível. Ainda com os
braços do Marcos ao meu redor, verbalizei a primeira frase que veio a
minha mente:

— Preciso ir ao banheiro... — Afastei-me rapidamente.

— Não sairei daqui. — Sorriu amplamente.

Parabéns, Fernanda, pela sua ideia genial de se livrar de um babaca


beijando outro. Dei um tempo no banheiro tentando recuperar o fôlego,
nesse meio tempo, retoquei o meu batom. Assim como disse, o Marcos
estava me esperando no bar; caminhamos em silêncio em direção à
mesa reservada.

— Deve haver algum engano... — disse enquanto observava o


Marcos puxar a cadeira para eu sentar, como um perfeito cavalheiro.

— Engano?
— Sim, a mesa é para dois e seremos três.

— Sério? — indagou em um tom sarcástico. — Não está na cara


que o tal Júnior queria um jantar a dois? Achei que fosse mais esperta!
— jogou na minha cara.

— E sou! — rebati imediatamente — Mas não misturo vida


pessoal com trabalho, por isso não associei de cara essa possibilidade
— justifico.

— Quero só ver a cara dele quando me encontrar... — disse,


pousando o cardápio sobre a mesa. — Por falar nisso... Ele acabou de
chegar.
CAPÍTULO XIV

Marcos Castro

A cara do Júnior Diniz era impagável, o imbecil ficou sem reação


ao notar a minha presença ao lado da Fernanda. Demorou um pouco
até voltar a si e nos cumprimentar.

— Boa noite! — disse de forma seca, visivelmente contrariado


com a situação.

— Boa noite! — respondemos ao mesmo tempo.

Sim, estava me divertindo com a situação, vê-lo de pé sem saber


o que fazer parecia um bom troco para o tempo que me deixou
esperar na sua academia. A Fernanda, por outro lado, parecia não
achar tanta graça e logo fez um aceno para o maitre, que apareceu
prontamente.

— Tivemos um problema na nossa reserva, o senhor poderia nos


transferir para outra mesa? — solicitou Fernanda.

— Desculpa, senhora, mas o restaurante está com todas as


reservas feitas, mas posso trazer uma cadeira.

— Já resolve nosso problema, obrigada.

Minutos depois, o maitre voltou com um garçom carregando


uma cadeira. Júnior Diniz se sentou nada satisfeito, mas voltou-se
para falar com a Fernanda.

— Acredito que a minha secretária cometeu um equívoco na


reserva.

— Acontece — Fernanda respondeu, sorrindo.

— E você, Fernanda, como tem passado?

— Cansada, acabo de voltar de uma viagem de trabalho, vim


praticamente direto para cá.

— Poderíamos ter agendado para outra data.

— De forma alguma, soube que você está de viagem marcada e


tinha interesse em assinar o contrato antes de viajar. Já que ele é o
nosso objetivo principal esta noite, por favor, Marcos, o contrato.

— Pensei que poderíamos jantar antes e falar de negócios depois.


A não ser que o advogado tenha algum compromisso, dessa forma,
assino e ele fica livre... — falou, esticando a mão para pegar os
contratos. Eu poderia me livrar logo daquele babaca, mas decidi me
divertir com a situação, afinal ele me devia uma.

— Eu estou à disposição da Fernanda a noite inteira, se ela assim


desejar, jantaremos e depois assinamos o contrato.

— Por mim tudo bem — ela disse por fim.

O conceito do restaurante era gourmet, isso significava que os


pratos servidos eram em pequenas porções. A entrada foi uma sopa
de cebolas que não me agradou. A porção de menos de 100ml não
deve ter agradado a Fernanda também, que passou mais tempo
comendo o pão do que saboreando a tal sopa.

— Pelo visto não é apreciador de uma boa comida, Marcos, nem


tocou na sopa — Júnior falou com um sorriso nos lábios.

— Aprecio uma boa comida quando tenho uma a minha frente;


sopa de cebolas, para mim, é como cerveja sem álcool: tomo na
ausência de algo melhor.

Meu comentário provocou um riso discreto na Fernanda.

— Devo concordar com o Marcos, a culinária francesa tem


comidas muito melhores que essa sopa. As sobremesas são exemplos
maravilhosos, adoro os profiteroles, petit gateaus...

— Creme brûlée.

— Podemos pular para a parte da sobremesa? — Fernanda


perguntou, sorrindo.

— Achei que uma mulher requintada como você apreciaria o


restaurante.

— E aprecio, já visitei Paris e fiquei encantada com a cultura, os


pontos turísticos, mas minha comida favorita é a italiana, amo massas.
— Ponto para Fernanda, pensei.

Antes de fazer o pedido do prato principal, aproveitei que o


maitre servia vinho ao Júnior e a Fernanda — que, por sinal, já estava
na terceira taça enquanto eu bebia suco de uva — e pedi que o chefe
de cozinha fosse até nossa mesa. Fernanda me encarou com uma
expressão de interrogação, mas saiu para ir ao banheiro. Minutos
depois, a chefe apareceu.
— Boa noite, em que posso servi-los? — Ela nos cumprimentou e
depois me encarou, sorrindo. — Marcos?

— Boa noite. Tudo bem, Diana? — falei, sorrindo

— O que faz o ilustre Marcos pisar no meu restaurante? Recordo


muito bem de ouvi-lo dizer que não gastaria seu dinheiro com minhas
iguarias francesas! — falou, sorrindo.

— Acontece que essa conta não será paga por mim... — Sorri. O
Júnior parecia querer arrancar a roupa da Diana com os olhos. Devo
dizer que ela era linda, cabelos negros longos, seios turbinados, olhos
verdes, sorriso perfeito. Foi um caso antigo. Fernanda escolheu esse
momento para retornar a mesa e observou a Diana dos pés a cabeça,
antes de sorrir e sentar no seu lugar.

— Diana, essa é a Fernanda Albuquerque, presidente da


empresa onde trabalho e esse é Júnior Diniz, um cliente. Estamos aqui
à trabalho.

— Prazer, Fernanda — cumprimentou com um sorriso que


Fernanda retribuiu.

— Na verdade, Diana, te chamei para pedir que nos servisse


uma comida de verdade. Já olhei o cardápio de cima a baixo e
realmente, mesmo as iguarias sendo preparadas por suas belas mãos,
elas não me fazem ficar com água na boca.

— Você não muda nada, mas tudo bem, vou ver o que posso
fazer por você, gato. Algum de vocês deseja uma comida especial?

— Ela adora massas, se puder fazer isso ficará feliz e eu posso


até ganhar um aumento. — Fernanda sorriu.

— Eu confio no seu gosto — disse Júnior a Diana.

— Ela é a chefe? — Fernanda perguntou, bebendo um pouco


mais do seu vinho.

— Sim, talentosíssima, pena que resolveu cozinhar esse tipo de


comida! — perturbei.

Os pratos servidos foram tipicamente franceses, mas com um


tempero brasileiro. Ela optou por nos servir Quiche Lorraine, que a
grosso modo era um empadão ao forno com massa folhada. Tinha
como base, além da farinha de trigo, bacon, verduras e linguiça e foi
recheada com queijo cremoso.

— Marcos, precisamos agradecer a chefe pela comida,


simplesmente espetacular! — disse Fernanda com um sorriso enorme.

Apenas sorri, observando-a comer. Fernanda comia sem o menor


constrangimento, até o último pedaço, com uma cara de quem
comeria ainda mais. Enquanto aguardávamos a sobremesa, finalmente
o Júnior resolveu assinar os contratos.

— Fernanda, foi um prazer fechar contrato com você. Espero que


tenhamos outras oportunidades de nos encontrar — Júnior se
despediu.

— Nós da Albuquerque's é que agradecemos e esperamos que


nossa consultoria seja a primeira de muitas — ela respondeu em um
tom estritamente profissional. Um homem inteligente entenderia o
recado, mas ele resolveu dar a última tacada.
Precisei me afastar um pouco, a Diana — da qual fomos nos
despedir e agradecer pelo jantar — estava me alugando com um papo
sobre convidar o Alê para ir ao restaurante, mas observava a cena de
longe. Rapidamente me despedi dela e me aproximei no momento em
que o corpo dele se aproximou da Fernanda, que agora estava junto a
parede, na varanda do restaurante.

— Que tal estendermos a noite? Conheço um barzinho aqui


perto.

— Vamos, Fernanda? Já solicitei o carro ao manobrista — falei,


interrompendo o que estava prestes a acontecer, e ela se afastou dele
ao me ver encarando a cena.

— Obrigada pelo jantar, Júnior.

— Por nada — respondeu, contrariado.

— Mal-educado ele, né? Nem ao menos me deu tchau — falei,


enquanto o manobrista entregava a chave do seu carro e ela assumia a
direção.

— Cadê seu carro? — perguntou.

— Já ouviu falar em rodízio? — Ela revirou os olhos e fez um


esforço para não responder com grosseria. Sorri ao notar que ela
estava aprendendo a domar seu gênio.

— Alguém vem te buscar?

— Não tenho irmãos nem irmãs para serem babás — falei,


sorrindo.
— Tá, entra no carro — disse por fim.

— Vai me dar uma carona? — perguntei com um sorriso ainda


maior.

— Vou, mas o menor sinal que você avançar, te jogo para fora do
carro sem pensar duas vezes, entendeu? — Não respondi nada e tentei
abrir a porta do carona, que permanecia travada. — Estamos
entendidos? — ela repetiu a frase.

— Palavra de escoteiro! — disse, como se alguma vez na vida eu


tivesse sido um. Ela destravou a porta e eu sentei no banco do carona.
Fernanda deu partida no carro e seguimos em silêncio.

— Merda! — Parou bruscamente, olhando o painel do carro.

— Que foi? — perguntei, confuso.

— Acabei de receber um informe no meu celular que há uma


blitz da lei seca daqui a duas quadras, esqueci desse detalhe quando
bebi. Assume a volante?

— Será um prazer — disse ao descer do carro.

Assumi a direção e, conforme ela previu, fomos parados na blitz.


Desci do carro, fiz o teste do bafômetro e fui liberado logo em seguida.
Parei na esquina seguinte para entregar a direção.

— Se não se importar em dirigir, pode continuar — falou


enquanto bocejava.

— Sem problemas.
— Ei, a sua casa não fica na outra direção?

— Decorou o percurso? — perguntei, curioso.

— Não! — rebateu de imediato. — Apenas sei que esse caminho


me leva para o hotel em que estou hospedada.

— Então estou no caminho certo, pois é para lá que vamos!

— Marcos, você prometeu que não ia tentar nada.

— E não vou, você se acha mesmo tão irresistível assim? —


perguntei, olhando para ela sentada no banco de couro com o vestido
levemente erguido na altura das coxas, revelando uma perna
torneada. Ela notou meu olhar.

— Claro que sim! E sua cara comprova que também acha o


mesmo. — Sorri ao ser pego em flagrante.

— Mas pelo que me lembro não fui eu que parti para cima no
restaurante...

— Ali foi uma situação emergencial, eu precisava me livrar


daquele babaca.

— E me beijar foi a sua melhor opção?

— Na verdade, noto agora que foi a mais desesperada. — Eu


gargalhei. — O que foi? — perguntou, irritada.

— Você mente muito mal.

— Minto?
— Mente. Para se livrar do sujeito, você só precisava dizer ao
velho que eu era seu namorado, mas escolheu me beijar.

— Na verdade, foi o inverso, eu apenas te provoquei.

— Mas não recuou quando eu te beijei.

— Já te disse que foi uma situação de emergência.

— Ahan.

— Você tem algum problema, só pode. Transforma um beijo


numa situação romântica.

— Quem falou em romantismo? Eu usaria excitação.

— Idiota! — Fernanda revirou os olhos.

— Linda! — rebati, estacionando o carro na esquina do seu hotel.

— Uau! — Bateu palmas. — Você consegue elogiar uma mulher


sem lançar mão da palavra gostosa. Parabéns! — Seu tom era
sarcástico, como sempre.

— Eu consigo fazer coisas ainda melhores. — Inclinei-me até ela


e beijei sua boca com vontade.

Minha língua dançava freneticamente e a dela acompanhava


sem perder o ritmo. Minhas mãos puxaram seu cabelo de leve. Em
poucos segundos, ela estava sentada sobre mim. Minhas mãos
abriram o zíper nas costas do seu vestido; toquei sua pele nua e ela
arqueou em direção ao meu corpo. Desci a mão por suas pernas, indo
até a sua calcinha, afastei-a de lado e deslizei um dedo para seu
interior. Ela gemeu baixinho e se movimentou, indicando que queria
mais fundo. Usei dois dedos para tocá-la. Suas mãos puxaram meus
cabelos, enquanto sua boca trabalhava em meu pescoço, alternando
entre mordidas e chupões. Continuei penetrando seu corpo com os
dedos. Ela gemia alto e isso me deixou ainda mais excitado. Puxei seu
vestido, revelando seus seios. Acariciei o seio direito com a ponta dos
meus dedos. Ela estava ofegante.

— Estamos no meio da rua... — sussurrou quando fiz o mesmo


com o outro seio.

— Deseja continuar? — Mordisquei o bico endurecido.

— Marcos, se alguém nos vir... — Ela arqueava em direção a


mim.

— A pergunta não foi essa. — Minha língua percorreu o bico do


seu seio devagar.

— Eu não vou pedir para você continuar! — disse por fim.

— Não? Nem se eu te disser que planejo te fazer gozar dentro do


carro e que podemos ser presos se formos flagrados? — Puxei o
vestido até sua cintura; ela estava completamente nua na parte de
cima e pareceu confiar no vidro fumê para não ser vista nessa
situação.

— Eu não peço por sexo!

Tomei sua boca mais uma vez e a empurrei contra o volante,


fazendo-o buzinar. Abocanhei seus seios e me deliciei com sua pele
macia. Beijei, chupei, mordi, fazendo-a gemer de prazer e me puxar
para mais perto. Nossos movimentos de encontro ao volante faziam
acionar a buzina como se fosse a trilha sonora das nossas carícias.

Precisei de um autocontrole sobrenatural para interromper tudo.


Por mais que eu quisesse sentir cada parte dela novamente, dessa vez
ela teria que pedir. Sempre foi assim, não ia correr o risco de ser
rejeitado novamente. Subi seu vestido, puxando o zíper de uma vez, e
a coloquei de volta em seu lugar, antes de dar partida no carro e sair
da esquina, parando somente na porta do hotel. Ela me olhava
desnorteada, seus lábios estavam vermelhos.

— Que porra é essa?

— Está entregue. Cumpri o combinado.

— Eu achei que...

— Que... ? — indaguei, esperançoso que ela finalmente se


rendesse.

— Que nada. Eu sou uma imbecil por perder meu tempo com
você, agora sai do meu carro.

— Com todo prazer! — Abri a porta. — Da próxima vez, é só ser


mais doce que terá o pacote completo. — Saí do carro.

— Eu te odeio! — gritou ao também sair do veículo.

— Será? — falei, voltando-me em direção a ela. — Sua boca e seu


corpo me dizem o contrário.

— Você é um puta de um convencido! — rebateu.


— Pior que sou. Sei dar prazer a uma mulher e sei perceber
quando ela sente o mesmo. E o que acabou de acontecer foi isso.

— O fato de você ser bom de cama não o torna especial para


mim.

— Sou bom de cama agora? O que me torna especial? O fato de


conseguir fazer você se abrir para mim com um simples beijo?

— Uma porra de um beijo não diz nada. Já ouviu falar de


mulheres que fingem o gozo? Pois então...

— Então você merece o Oscar, pois além de me convencer,


deixou minhas costas com as marcas das suas unhas por uma semana.

— Eu não deveria estar discutindo com você sobre nada disso.


Aconteceu e foi um grande erro!

— Tem razão, eu prefiro você calada, ou melhor, fingindo um


orgasmo.

— Imbecil!

— Geniosa!

— Babaca!

— Teimosa!

— Cafajeste!

— Gostosa!
— Você está demitido! — ela disse, avançando em minha
direção.

— Posso saber ao menos o motivo da demissão? — Não me


intimidei.

— Assédio, perseguição e tudo que eu quiser que seja.

— Como advogado, eu tenho que te dizer que sexo consensual


com maiores de idade não constitui assédio sexual, a não ser que
esteja se referindo a cena do restaurante, aí uma causa bem
argumentada convenceria qualquer um que fui assediado pela dona
da empresa e que, acuado, retribuí com receio de ser demitido.
Assédio sexual e moral.

— Filho da puta! — rebateu. — Pois então está suspenso!

— O que digo aos meus colegas quando notarem minha


ausência?

— Que foi punido por não seguir minhas ordens!

— Que seriam...?

— Seria que você ficasse longe de mim.

— É serio esse lance de suspensão?

— Acha que estou blefando? Você não me conhece.

— Quer dizer que acabei de receber uma suspensão por não ficar
longe de você?
— Exatamente.

— E não há a menor chance de você voltar atrás?

— Claro que não.

— Então foda-se!

Não dei tempo para ela pensar e parti para cima, beijando-a com
força. Ela tentou protestar, mas segurei suas mãos e a beijei com
desejo. Aos poucos, ela foi relaxando e se entregando. Empurrei seu
corpo em direção ao carro, fazendo ela sentar no capô; seu vestido
subiu e eu tive vontade de deixá-la nua ali mesmo.

— Senhora, desculpe, mas acho melhor continuarem isso em


outro local, estão chamando a atenção dos hóspedes. — Não
interrompi o beijo, suguei seu lábio inferior e me afastei, olhando-a
pela última vez; ela tinha chance de fazer diferente.

— Não ouse aparecer na empresa até a segunda ordem! — disse


por fim, enquanto descia o vestido e dispensava o segurança do hotel.

Mulher teimosa da porra, caminhei em direção ao ponto de táxi.


CAPÍTULO XV

Fernanda Albuquerque

No elevador, olhei meu reflexo no espelho e me deparei com


lábios vermelhos e cabelo desgrenhado. Não sabia o que acontecia
comigo quando eu encontrava o Marcos, somos como gasolina e fogo,
o resultado é uma explosão perfeita e desenfreada. Eu odiava o jeito
petulante dele, a forma como se achava o deus do sexo, mas não
conseguia evitar cair nas suas artimanhas.

Há pouco, só não fui para cama com ele porque não quis dar o
braço a torcer e o babaca me puniu por isso, deixando-me ainda mais
excitada. Eu nunca fui descontrolada, mas acabei de protagonizar uma
cena em frente ao hotel em que eu estava hospedada. O que esse homem
faz comigo?

Retirei o vestido e me joguei embaixo do chuveiro frio assim que


entrei no meu quarto. Queria tirar o cheiro impregnado em mim,
apagar qualquer vestígio dele do meu corpo. Fernanda, você é uma
imbecil! Eu repetia para mim mesma, enquanto me esfregava. Até
quando vai se deixar levar pela atração? Atração não, excitação! Ia mantê-
lo longe de mim, nem que para isso eu precisasse que transferi-lo para
São Paulo. Excelente ideia, amanhã sondarei essa possibilidade.

Já na cama, não conseguia dormir, acometida por uma insônia.


Tinha vontade de ir até a casa dele e continuar o que não tínhamos
terminado. Queria colocá-lo no lugar dele, de funcionário e
subalterno. Procurei na agenda do meu celular o seu número; para
sorte dele, notei que não o tinha. Precisava dividir minha raiva ou
apenas me distrair para conseguir dormir. Por isso, mandei
mensagem para Sol.

Como faço para me livrar de um imbecil?! Odeio ele


=@@

Oi?

Sol, o cara tá me deixando louca @@

Fê, contextualiza!

— Oi, Sol. — Decidi ligar, uma vez que digitar demandava


paciência. — Lembra do Marcos? O cara da minha foda com o
funcionário? Então, ele tá me deixando louca. O cara me faz perder a
cabeça, já demiti ele, recontratei, suspendi e agora não paro de pensar
em socá-lo até ele pedir para sair. — Despejei tudo, só respirando no
fim. Minha amiga ria do outro lado. — Qual é a graça? Te ligo para
desabafar e você ri?

— Fê, se isso não é paixão, não sei o que é...

— Sol, tô falando sério!

— Eu também, amiga. Mas vamos aos fatos! Como tudo isso


começou?

— Em um maldito jantar de negócios. Eu estava no bar


aguardando o cliente quando um velho veio me cantar e o acabei
usando o Marcos para me livrar da situação.

— Usando, como assim?

— Eu fingi que ele era meu namorado e acabamos nos beijando.

— Entendo... — ela disse, contendo o riso.

— Mas era para me livrar da situação! — justifiquei.

— Essa é sua melhor desculpa? Porque, para me livrar de uma


situação, a última coisa que eu faria era beijar alguém de quem não
gostasse.

— Agi por impulso, mas isso não dá o direito de ele achar que
pode sair me agarrando por aí! — falei na defensiva.

— Teve mais? — perguntou, curiosa. Narrei todo o resto e, no


final da história, ela gargalhava do outro lado da linha. — Desculpa,
amiga, mas a cena é de casal de novela das sete.

— Não somos um casal! — rebati com raiva.

— Não um convencional.

— Nem pelo avesso. Que parte do "eu odeio o Marcos" você não
entendeu? — falei, já gritando

— Tá, e ele?

— Sei lá dele.
— Ele deve tá na sua, amiga.

— Pois que saia, espero que ele pondere tudo até sua volta ao
trabalho e não me procure mais.

— Ahan.

— Ahan o quê, Soraia? Achei que você ia me apoiar, mas não, tá


aí rindo da minha desgraça.

— Desgraça? Você tem um homem louco aos seus pés e acha isso
desgraça? Se joga!

— Oi? A ligação tá ruim, nos falamos amanhã. Beijos

— Fernanda fugindo? Ai, meu Deus.

— Tchau, Sol.

Encerrei a chamada e o assunto em minha mente. Por enquanto.


CAPÍTULO XVI

Marcos Castro

Não conseguia pegar no sono. Rolava na cama de um lado para


outro pensando na Fernanda. Como pode ser tão gostosa e teimosa ao
mesmo tempo? É óbvio que, quando estamos juntos, é atração pura,
agora por que ela não dava o braço a torcer logo? Era só baixar a
guarda e a essa hora estaríamos juntos. Mas não, ela preferia bancar a
indiferente e não era eu quem cederia.

Levantei da cama decidido a curtir o restante da noite. Dirigi até


um barzinho próximo, o lugar estava movimentado. Não havia mesas
vazias, portanto fui direto ao balcão do bar. Uma loira se aproximou
de mim, pedindo seu drink. Observei que usava uma saia preta e sua
blusa tinha um decote que fazia seus peitos saltarem até mim. A
peituda sorriu para mim enquanto aguardava a bebida. Retribuí o
sorriso e voltei minha atenção para meu copo de uísque. Uma amiga
se aproximou dela e ambas cochicharam e sorriram, encarando-me.

Segurando meu copo, saí para dar uma volta no bar. A pista era
improvisada e o som da noite era funk; fiquei admirando as mulheres
dançando sensualmente. Estava tão absorto nas bundas que subiam e
desciam que não notei quando alguém se aproximou de mim. Fui
abraçado por trás e ouvi o sussurro em meu ouvido:

— Achei que tivesse fugido. — A voz era sexy e a língua que


percorreu o meu pescoço, escorregadia.
Não tive tempo para raciocinar, fui beijado pela loira do bar.
Automaticamente, minhas mãos foram para dentro da sua saia e ela
não me pediu para parar. Pressionei meu corpo contra o seu. Ela levou
a mão até o volume na minha calça e sorriu, sua mão rapidamente
deslizou para dentro da minha cueca e eu gemi:

— Fernanda...

— Oi? — A loira interrompeu o movimento que estava fazendo e


me encarou. — Eu deveria ter desconfiado que você era
comprometido, não quero problemas! — Ela se afastou.

Segurei seu braço, tentando me explicar.

— Fernanda não é seu nome? Eu entendi isso! — menti.

— Eu não cheguei a te dizer o meu nome, babaca. Agora me dá


licença — disse, se distanciando cada vez mais, até sair do meu campo
de visão.

Caralho. Chamar outra mulher pelo nome da maldita fez eu me


sentir ainda pior. Duplamente rejeitado em uma única noite. Tá foda.
Tudo isso era culpa da Fernanda. A noite acabou. Decidi voltar ao
meu apartamento.

Tomei um banho extremante gelado para aliviar a


excitação. Maldita Fernanda! Que bom mesmo que estava suspenso,
caso contrário, a primeira coisa que faria quando pisasse no escritório,
seria invadir sua sala para mostrar como se goza de verdade.

***

Acordei com meu celular tocando. Nem lembrava a hora que


havia conseguido dormir depois de rolar na cama. Atendi sem
visualizar quem ligava.

— O que você aprontou, hein? Suspensão? — indagava Thalita


do outro lado da linha com uma voz estridente.

— Depende... Você fala nas últimas vinte quatro horas ou nos


últimos meses? — respondi ainda sonolento.

— Você não imagina o susto que levei quando Cátia entrou na


nossa sala me passando sua agenda e dizendo que eu assumiria seus
casos, pois você estava de suspensão por tempo indeterminado.

— Tudo isso? — falei um pouco surpreso.

— Que você merecia uma suspensão, eu já esperava, mas por


tempo indeterminado? Fiquei em choque. Perguntei a Cátia e ela não
sabe de nada, sondei o Fernando, que sabe menos ainda.

— Relaxa, gata! Tá tudo sob controle.

— Não, não tá. Estou com o dia agitado por culpa sua e pela
primeira vez na vida preocupada de verdade com você.

— Não se preocupe. Foque no trabalho.

— Não vai dizer mesmo o que aconteceu?

— Se eu soubesse o motivo exato, te diria. Apenas fui


comunicado da suspensão.

— Em que ocasião?
— Thalita, não tenho respostas para suas perguntas, talvez a
Fernanda tenha.

— Ela está num mau humor hoje... Foi a copa pegar um café,
encontrou a gente conversando e deu a maior bronca, disse que não
pagava para ficarmos ali. A mulher tá numa TPM horrível.

Eu sorri do outro lado.

— Então melhor ficar longe! Aquela ali sabe ser geniosa.

— Sabe?

— Gata, adorei ser acordado pela sua voz, mas preciso desligar,
o porteiro está interfonando, devo ter visitas... — menti para me livrar
da Thalita.

— Você não vai fugir desse papo! Me encontra no café para


conversarmos.

— Tô querendo antecipar minha ida a Angra já que estou de


folga. Se eu não for, te ligo.

— Uma hora você não me escapa, Marcos.

— Se essa frase estivesse em outro contexto, diria que não


mesmo.

— Beijo, Marcos! — ela disse, sorrindo. Desliguei.

Olhei o relógio na tela do meu celular, pouco mais de dez da


manhã. Levantei da cama e fui direto para o banho. Meu banheiro
possuía um dispositivo de música acionando pela voz; assim que
entrei no chuveiro, comecei a cantar ao som de Seu Jorge. Vi meu
reflexo no espelho, a barba por fazer, e decidi deixá-la por mais um
tempo, já que estava de folga.

Após o banho, vesti uma bermuda tactel e uma camiseta


qualquer, calcei meu tênis e saí para correr, fazendo o percurso que
normalmente fazia antes de ir trabalhar.

Acabei estendendo minha corrida um pouco mais e, por fim,


decidi dar um mergulho para “recarregar as energias”, como dizia
minha vó. Deixei meus pertences com o dono de uma barraca e fui
para o mar, permaneci na água por um tempo.

— Valeu, cara, agora me dá uma água de coco gelada! — pedi ao


retornar para a barraca.

— O senhor não vai querer uma cadeira?

— Não, não, tenho que trabalhar — respondi no automático e só


depois me dei conta de que iria ao trabalho. — Amigo, mudei de
ideia, vou querer uma cadeira sim. — Tirei uma selfie com o mar ao
fundo e mandei para o grupo da empresa com a legenda, "ô vidinha
mais ou menos". Não precisei esperar muito para que a resposta
viesse.

Cátia diz: Inveja branca ;(

Matheus diz: FDP! A gente aqui ralando e


você aí de boa kkkkkk

Thalita diz: Eu estou aqui n uma reunião


com uma patricinha que não para de falar:
achei que era o Marcos que viria @@@@
A Neila?

Thalita diz: A própria! Chaaaaata.

Gostosa vai...
Thalita diz: Não achei tudo isso não.

Cátia diz: Pipipi olha o recalque amiga kkkkk

kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk Boa, Cátia

Thalita diz: Até vc, Cátia!? Agora tá


apoiando esse infrator? Pq é assim que
chamamos alguém que leva suspensão.

Cátia diz: Suspensão, como assim?

Mateus enviou, então a notícia ainda não havia se espalhado.

Thalita diz: Era segredo, Marcos?

Se era, não é mais kkkkkkkkkk

Felipe diz: Chegando agora no papo. Quero


saber como faz para conseguir ser suspenso,
cara. Hoje o dia tá pauleira

Cátia diz: Isso mesmo, Marcos, o que você fez?

Felipe diz: Cola em mim que aprende kkkkkkkk. Sua chefe não disse?
Felipe diz: Opa! Vamos marcar essa consultoria aí kkkkk

Não! Apenas mandou eu passar no RH e comunicar


sua suspensão. Estranhoooo.
Então quer dizer que a coisa era séria mesmo, ela tinha
comunicado ao setor de Recursos Humanos... Não sei por que me
surpreendi.

Matheus diz: Estranho o quê?! O cara é folgado, demorou até kkkkkk

Thalita diz: Saindo aqui. A Neila voltou do banheiro. Afff

Manda um beijo para ela.

Thalita diz: @@@@ vai a merda Marcos!!

Minutos depois, meu telefone tocou; era o Alê. Havia rejeitado


todas as suas ligações desde a noite anterior e deixei essa cair na caixa
postal. Ele não desistiu, ligou mais uma vez. Resolvi atender.

— Fala, Alê!

— Preciso falar com você. — Sua voz soava irritada.

— Não dá, estou trabalhando, não posso conversar agora.

— Você está de suspensão, a Thalita já me contou. E esse é mais


um dos meus motivos para ligar para você. Desde quando leva
suspensão?

— Não preciso de babá! — Levantei para pagar a conta.

— Será? Não vou discutir por telefone como mulherzinha, tô te


aguardando em frente ao seu apê e tenho o dia inteiro livre, portanto,
mesmo que chegue aqui à noite, eu estarei esperando.

— Agradeço a preocupação, mas te aconselho a procurar algo


melhor para fazer. Que tal comprar as cervejas para levar para Angra?

— Marcos, estou aqui te esperando dentro do carro que, mesmo


com ar-condicionado, parece uma sauna, portanto, minha paciência tá
no limite e quanto mais você demorar, mais puto eu vou ficar! —
falou, desligando o telefone na minha cara.

Confesso que pensei em não voltar para meu apartamento, eu


fazia ideia do que ele queria e não estava nem um pouco interessado
em ouvir o que ele tinha para me dizer. Mas conhecendo bem o
Alexandre, sei que ele não iria sair dali tão cedo, então decidi
enfrentar a fera.

— Finalmente.

— Não combinei nada com você, por isso não entendi o


finalmente — falei, jogando a chave do carro no sofá. Liguei a TV na
cozinha e comecei a preparar meu almoço lentamente; tirei do
congelador uma lasanha, coloquei no micro-ondas, cortei umas
rodelas de limão, acrescentei ao copo junto com gelo e despejei Coca-
Cola dentro. Servi-me e comecei a comer

— Aceita?

— Não. — Alê permaneceu em silêncio, acompanhando tudo


sentado no sofá. Quando acabei de comer, lavei os pratos e caminhei
para a sala. — Tem certeza que não quer secar a louça? Ou passar
aspirador na casa? Tenho todo tempo, tirei o dia de folga — falou,
esparramando-se no meu sofá.

— Você sabe ser muito irritante quando quer!


— E olhe que eu nem comecei a falar.

— Eu me recuso a ouvir o que você tem a dizer, assim poupo


você do trabalho de perder seu tempo comigo.

— Vou falar de qualquer forma, alguém precisa dar um jeito


nessa sua cabeça-dura.

— E você é o cara que vai fazer isso? — falei, indo em direção ao


meu quarto.

— Vou! Nem que pra isso eu tenha que literalmente esmurrar


sua cabeça.

— Ótimo, porque sempre tive vontade bater em você também,


Alê! — falei, voltando para sala, para encará-lo.

— Pelo menos consegui sua atenção. Agora senta e ouve pelo


menos.

— Fala de vez e vaza! — disse, ainda de pé no meio da sala.

— Vamos aos fatos. Minha família mantém contato com seu pai
e, por meio de amigos em comum, descobrimos que a Marília, esposa
do seu pai, estava internada por conta do tratamento de câncer no
estômago. Ontem, quando te liguei, ela teve uma piora significativa e
acabou falecendo ontem mesmo no decorrer da noite. Te liguei várias
vezes, mas não atendeu. O sepultamento será hoje às dezesseis horas.

— Não entendo onde você pretende chegar com esse papo...

— Pois eu te explico: não é porque o cara não exerceu


efetivamente o papel de pai, que ele deixa de ser o seu. Entendo suas
frustrações e tal, mas você deveria passar por cima disso tudo e ir lá
confortá-lo.

— Pai? Nunca tive... Aliás, meu pai sempre foi a dona Ana, que
me educou e nunca deixou faltar nada. Esse homem que você fala
apenas foi o doador do esperma que me gerou.

— Marcos, você não é mais um adolescente para ficar preso


nessa mágoa.

— Mágoa um caralho! Você fala isso porque não foi seu pai que
te abandonou para seguir uma carreira.

— Não posso julgá-lo, talvez eu fizesse o mesmo.

— Mas eu posso e condeno muito. Agora não adianta vim pra


cima de mim com esse papo sentimental, porque comigo não cola.

— Porra, cara, não tô pedindo para ir lá e se tornar o melhor


amigo do velho, só tô dizendo para aparecer lá.

— Sem chance, Alê.

— Você é um filho da puta teimoso.

— Acabou?

— Eu já imaginava que não iria, mandei flores no seu nome.

— Aqui, o dinheiro das flores. — Peguei a carteira e joguei uma


nota de cem reais sobre ele.

— Puta que pariu! Acha que estou aqui pela merda do dinheiro?
— Para me comover que não deve ter sido. Agora fora! — digo,
apontando para a porta.

— Quantos anos você tem, quatorze? O cara é seu pai.

— Eu já disse que não tenho pai.

— Que maduro, cara. — Bateu palmas. — Parece que tô vendo


meu primo de treze anos falando que não tem pai só porque foi
proibido de jogar videogame até de madrugada.

— Que porra! Já te disse que tô pouco me fodendo para ele,


assim como ele fez comigo. Fim de papo.

— Não fala assim, ele tentou entrar em contato.

— Quando eu já não precisava dele, tarde demais.

— Você vai viver assim até quando? Deixando de ter contato


com seu pai e irmã, porque se acha "o foda que não precisa de
ninguém"?

— Eu vivia muito bem até você resolver bancar o conciliador.

— Desisto, você é um babaca arrogante. Não vou ficar aqui


dando murro em ponta de faca.

— Beleza, cumpriu seu papel, Gandhi? Agora fora.

— Ainda não.

— Alê, não força, cara... — falei, já impaciente.


— Vamos ao lance da suspensão. Que você já merecia, todo
mundo concorda, mas você era um bom funcionário, daí adiaram
tanto.

— E qual a surpresa, então? — falei, jogando-me no sofá.

— Nenhuma para mim, até a Thalita ligar querendo saber se


tinha acontecido alguma coisa com você.

— Thalita é mulher, logo é exagerada. Agora que viu que estou


bem, pode parar o sermão.

— Quanto da Fernanda Albuquerque tem nisso tudo?

— Tudo, afinal ela é a presidente, esqueceu? — Tentei soar o


mais tranquilo possível.

— Então a suspensão é por causa dela?

— Já te disse que ela é a presidente, minha chefe, logo ela é quem


tem o poder de advertir, demitir, contratar todo e qualquer
funcionário, entendeu agora?

— Vou reformular a pergunta: você está suspenso por algo


relacionado a ela?

— Que fixação nesse assunto. Só fui notificado que estou


suspenso e não quero perder meu tempo falando sobre isso. Agora, se
o embaixador da ONU acabou o papo, eu vou tomar um banho e
curtir minha suspensão em Angra.

— Suspensão meio bosta essa, né? Afinal, a mulher te adverte em


pleno carnaval, você já estaria de folga mesmo... — Sorri ao imaginar a
reação dela ao notar que havia me suspendido em pleno feriadão.

— Não importa, cara, só sei que tô indo pra farra.

— Vou ao escritório e chego em Angra só à noite.

— Até mais! Agora bate a porta quando sair! — falei, indo em


direção ao banheiro.

— Folgado.

Segui para o banho, hora de lavar toda a sujeira.


CAPÍTULO XVII

Fernanda Albuquerque

Desembarquei em Salvador sexta à noite, as náuseas me


acompanharam durante todo o voo. Minha cara estava péssima.
Quando conferi no espelho, antes de sair da aeronave, estava branca
como papel e com indícios do aparecimento de olheiras escuras, um
verdadeiro horror. As minhas amigas estavam me aguardando no
aeroporto.

— Que cara é essa, Fê? Parece que foi atropelada por um


caminhão! — perturbou Lu, enquanto me abraçava.

— É exatamente assim que me sinto. Preciso de uma cama.

— Cama? Nada disso, viemos para curtir. Só iremos para cama


com um boy bem magia! — disse Gabi, com tanta animação que eu
quase chorei de inveja.

— Meninas, sorry! Mas hoje não tenho ânimo para sair. Estou
com cansaço de uma vida, essa semana foi corrida, trabalhei até a
tarde hoje.

— Somos duas, Fê, hoje também dispenso a balada! —


concordou Sol.

— Pois vocês são duas chatas! Qual é a graça de vim para


Salvador em pleno carnaval e dormir? — protestou Gabi.
— Se você trabalhasse, talvez entendesse nossa chatice! — rebati.

— Olha quem fala, a trabalhadora rural! Pra cima de mim,


Fernanda? Até ontem você brincava na empresa dos seus pais.

— Eu brincava? Acho que você confundiu as amigas, sempre


levei a sério o meu trabalho.

— Jura? A sua temporada em Londres foi a trabalho, né?

— Eu estava fazendo minha especialização. Agora, já você fez o


que mesmo? Ah! Já sei, namorou o Robbin, o George e tantos outros.

— Ei, o que é isso? Desde quando vocês se estranham assim? —


interveio Lu.

— Desde quando a Fernanda virou presidente e se acha! —


acusou Gabi.

— Gabi, para! — disse Sol. — Faz assim, eu não estou a fim de ir


para a balada mesmo, vou voltar para o hotel com a Fê. Divirtam-se
vocês duas.

Soraia praticamente me arrastou do saguão do aeroporto.


Pegamos um táxi. Permaneci boa parte do caminho em silêncio,
respondendo monossilabicamente as perguntas que ela me fazia.

Os quartos reservados eram quádruplos, todos os individuais


haviam sidos reservados com antecedência. Na ocasião, não vi
nenhum problema em dividir o espaço com as meninas, afinal já
fizemos isso tantas vezes, agora eu já pensava diferente.

Desarrumei minha mala, peguei um pijama e fui para o


banheiro. Tomei um banho longo e voltei para minha cama.

— O que foi, Fê? — perguntou Sol, sentada na borda da minha


cama.

— Nada, só estou cansada.

— Já comeu?

— Não, e perdi a fome.

— Nada disso, vou pedir um cappuccino com torradas. — A


menção ao café fez meu estômago revirar.

— Dispenso o café... Pensando bem, não teria uma lasanha com


Coca-Cola?

— Lasanha? — ela perguntou com uma interrogação estampada


na cara.

— Sim! Uma camada de massa, outra de queijo e presunto, com


recheio de frango. Chega a me dar água na boca.

— Vou ligar para saber, apesar de ter entendido que você estava
sem fome... — falou, sorrindo.

Meia hora depois, estava saboreando minha lasanha; comi até o


último pedaço. Fiquei conversando bobagens madrugada adentro
com a Sol, até adormecer.

Acordei muito cedo. As minhas amigas ainda dormiam. Tomei


meu banho e desci para aproveitar o dia. Bebi um suco de laranja com
torradas e fui tomar sol à beira da piscina.
Estava absorta, ouvindo música no meu iPod, que não vi quando
a Gabi se aproximou e sentou-se na cadeira de praia ao meu lado. Ela
segurou minha mão e voltei minha atenção para ela. Retirei os fones e
apertei sua mão.

— Fê, desculpa a cena de ontem... — Ela começou a falar

— Relaxa, Gabi, eu também me descontrolei.

— Eu não deveria ter te atacado daquela forma. Mas, em minha


defesa, é a TPM. Não sou surtada assim, você sabe! — falou, sorrindo.

— Então teremos problemas, pois também estou sentindo a


minha bater na porta.

— Coitada das meninas em suportar nós duas de TPM.

— Coitadas mesmo! — concordei, sorrindo.

— E a programação para hoje?

— Vim apenas para curtir. — Estava jogada e relaxada na


cadeira. — O que você pensou?

— Assim que se fala! — começou animadamente. — A Lu tem


credenciais para o camarote Barra Ondina hoje à noite. Amanhã a
gente podia visitar o pelourinho, comer a famosa moqueca da Dona
Neném, à noite curtir uma balada... — Ouvi minha amiga falar
empolgada. Pouco tempo depois, Lu e Sol se juntaram a nós e
colocamos o papo em dia.

***
— Ai, gente, não estou me sentindo bem com essa roupa... —
disse Sol, vestindo uma saia jeans e a camisa do camarote customizada
pela Lu. O modelo era frente única.

— Deixa de bobagem, Sol, tá linda! — eu gritei do banheiro.

— Fê, troca comigo, então, prefiro a sua batinha — choramingou.

— Tá bom, toma. — Atirei nela a bata e vesti a frente única.

Usei o espelho do quarto para conferir meu look. Eu usava uma


blusa decotada e frente única, uma saia de couro preta e saltos.

— Fê, você colocou silicone? — perguntou Gabi, olhando para


meu decote.

— Não, meus seios continuam naturais, pode tocar.

— Mas hoje eles estão em 3D então, porque estão bem maiores...


— disse, enfatizando com as mãos.

Comecei a rir da sua ênfase.

— Desse jeito parece que sou uma vaca leiteira.

— Vaca você é... — Sorriu e se escondeu atrás da Lu.

— Vadia! — rebati, jogando uma almofada em sua direção.

— Ei, me deixem de fora dessa brincadeira! — reclamou Lu.

Chegamos ao camarote por volta das vinte e uma horas. Um DJ


americano comandava o som local, no intervalo da passagem dos trios
elétricos. Pouco tempo depois da nossa chegada, estávamos dançando
freneticamente as batidas remixadas do DJ. Eu não me importava com
mais nada, éramos apenas eu e a música alta.

— Desculpa, mas precisava dizer que és mui linda! — falou bem


próximo ao meu ouvido um homem gato: loiro, olhos verdes, barba
por fazer; com um portunhol gostoso de ouvir.

— Obrigada. A julgar pelo sotaque, não é daqui! — respondi,


sem perder o ritmo da dança.

— Não, yo soy de Madrid, mas tenho amigos cá no Brasil e


considero aqui mi casa.

— Seu português é muito bom...

— Andres Ramos! — apresentou-se, dando-me dois beijinhos no


rosto.

— Prazer, Andres, sou a Fernanda.

— Fernanda és de origem ibérica, significa ousada, sabia?

— Professor? — perguntei com um sorriso nos lábios.

— Não, mas mi madre eras professora catedrática de una


universidade, ensinava línguas latinas. Mas esse papo é longo, aceita
uma bebida?

— Claro. — Acompanhei-o até o bar.

— Que tal caipirinha?


— Típica bebida de gringos! — brinquei e ele sorriu.

Algumas caipirinhas depois, voltamos para a pista de dança e


começamos a dançar. Nesse momento, a pista era comandada por
uma banda que cantava um arrocha leve. Sorri ao notar o embaraço
do Andres diante do novo ritmo.

— Isso não existe por lá, hein? — Sorri.

— No, mas no pareces difícil, basta seguir a letra e acompanhar as


pessoas. — Ele me puxou para si quando o cantor fez o mesmo com
uma mulher e cantou o refrão.

Preste bem atenção, que já


vai começar
Não tem muito segredo é só
você me acompanhar

180, 180, 360


180, 180, 360
É fácil de pegar, difícil de
esquecer
O cara da pegada quer te
ensinar a fazer.

Não é que o gringo arrochou mesmo! Nossos corpos estavam em


sintonia, no mesmo ritmo sensual, quando suas mãos pairaram sobre
minha bunda, antes dele me beijar. Sua barba roçou minha pele,
enquanto minhas mãos percorreram seus cabelos. Ele saiu me
empurrando para o fundo do camarote, suas mãos passando por todo
o meu corpo.
— És melhor irmos para o hotel, enquanto consigo me controlar!
— falou, enquanto beijava meu pescoço.

Saímos pelo fundo do camarote, mas as ruas estavam


interditadas, havia um aglomerado de pessoas, o que tornava
praticamente uma maratona tentar chegar ao seu hotel.

— Acho que teremos que adiar, corazón... — falou, me beijando.

— De forma alguma, onde está seu carro? — Minha pergunta fez


um sorriso malicioso surgir em seus lábios.

Caminhamos até o carro que estava estacionado em uma rua


escura. Lá, os beijos se intensificaram, sua mão seguiu em direção aos
meus seios e sua boca traçou toda a extensão deles. Ele havia ligado o
ar-condicionado do carro, liberando um cheiro de lavanda, que
começava a me incomodar um pouco.

— Desliga esse ar! — pedi, enquanto ele retirava a camisinha do


bolso.

— Iremos morrer de calor... De verdade! — Ele sorriu, antes de


me beijar e se posicionar sobre mim no banco de trás. Sua boca
percorreu meu pescoço. Peguei a camisinha que já estava na sua mão
e abri o invólucro com a boca. O cheiro forte e o gosto que acabou
ficando em minha boca, do látex sabor morango, foram suficientes
para desencadear uma ânsia de vômito. Só tive tempo de virar para o
outro lado, quando ânsias mais fortes começaram.

— Destrava a porta... — falei, controlando-me para não vomitar


dentro do carro.
— Como assim? — perguntou, confuso.

Numa rapidez surpreendente, pulei para o banco do carona e


destravei a porta do motorista, o suficiente apenas para colocar a
cabeça para fora. Sentada no carro, com o corpo para fora, eu expelia
tudo que havia no meu ser.

— Está tudo bem? — Ele parecia preocupado no banco de trás.

— Uhum... — Foi o que consegui dizer antes de outra ânsia me


atingir com tudo.

Visivelmente sem graça, desculpei-me com o Andres e fui para o


hotel sem minhas amigas. Deixaria que elas pensassem que eu havia
passado a noite com ele. Tomei um banho ao chegar no quarto e
adormeci.

***

Acordei bem, com as minhas amigas me chamando. Já passava


do meio-dia e elas estavam me esperando para irmos comer a famosa
moqueca da Dona Neném. Fizeram com que eu estivesse pronta em
tempo recorde. Assim que chegamos ao restaurante, elas me
bombardearam com perguntas sobre a noite anterior.

— E aí, como foi? — perguntou Gabi, curiosa como sempre.

— Se eu contar, vocês não acreditam... — falei visivelmente


envergonhada.

— Ele brochou? — indagou Lu.


— Pior! — respondi.

— Já sei, ele tem ejaculação precoce! — disse Gabi, confiante em


ter acertado.

— Não aconteceu, porque eu simplesmente vomitei no carro


dele.

— Como assim, ou melhor, em que momento? — Foi a vez de


Sol perguntar.

— Então... Eu estava com a camisinha na boca para colocar nele,


mas daí o sabor de morango aliado ao cheiro de lavanda do carro me
fizeram passar mal.

— Coitadinho! — Gabriela gargalhava.

— Coitada de mim que coloquei praticamente meu estômago


para fora.

— Desde quando tá assim? — perguntou Sol, encarando-me.

— Assim como? — perguntei sem entender onde ela queria


chegar com essa pergunta.

— Acha mesmo que não ouvi você vomitar um dia depois da


nossa chegada, ao acordar? — O tom era de acusação.

— Foi o creme dental com sabor, era muito doce — argumentei


em minha defesa. — Gente, vamos parar esse papo nada agradável e
vamos comer, a nossa moqueca na moringa chegou! — interrompi.

Quando o garçom estava colocando a moqueca de camarão e os


seus acompanhamentos na mesa, meu corpo reagiu ao cheiro forte; saí
correndo para o banheiro e vomitei na privada.

— Fê? — Era a voz de Sol. — Está tudo bem? — ela perguntava


do outro lado da porta. — Podemos passar no posto médico.

— Eu tô bem! — falei, saindo para lavar o rosto.

— Bem para comer uma moqueca? — perguntou Gabi ao entrar


no banheiro.

A simples menção à comida provocou outra ânsia, fazendo-me


correr para o banheiro.

— Vamos passar na farmácia — ela disse do outro lado.

— Ótimo, porque meu Dramim acabou — concordei, juntando-


me a elas em frente ao espelho.

Novamente estava branca feito um fantasma, até eu me assustei


com a imagem refletida no espelho. Procuraria um clínico geral
quando voltasse ao Rio.

— Não é para isso, vamos comprar um teste de gravidez! —


Gabi respondeu, encarando-me pelo espelho.

— Você está com suspeita de gravidez? — perguntei, enquanto


saíamos do banheiro.

— Eu não, já você...

— Impossível, Gabi! — neguei.


— Então não custa nada fazer o teste.

— Eu não vou fazer droga de teste nenhum! — disse com


firmeza.

Com palavras provocadoras, todas se uniram por uma causa:


arrastar Fernanda para a farmácia. E eu sabia, por experiência própria,
que quando a maioria de nós se juntava para alguma coisa, só Deus
impedia. Dessa maneira, fui conduzida até o balcão com vários testes
de marcas diferentes. Cada uma se apegou a uma embalagem,
afirmando ser a melhor, mas eu suspeitava que elas tinham alguma
intenção ao me fazer comprar tantos testes de uma só vez.

Quando entrei no banheiro, estava tranquila. Era impossível que


eu estivesse grávida. Mas, uma hora depois, eu estava tensa sentada
na minha cama com as minhas amigas de pé, observando-me. Não
tinha tido coragem de olhar esse resultado.

— Positivo, amiga! — A voz da Gabi demonstrava compaixão.

— Há uma probabilidade desse teste estar errado, não é


totalmente seguro! — comentou Lu, olhando-me.

— Esse é o terceiro teste que ela faz e todos deram positivo! —


rebateu, Gabi.

— Fernanda, diz alguma coisa! — Sol estava preocupada com o


meu incomum silêncio.

Eu estava petrificada diante daqueles testes espalhados ao meu


lado na cama. No automático, levantei e fui em direção ao banheiro,
batendo a porta atrás de mim. Deixei-me cair no chão, com as mãos na
cabeça.

Meu Deus, e agora?

Meu choro irrompeu as barreiras da incredulidade e transbordou


alto, em soluços e urros desesperados.

— Fernanda, estamos aqui para te apoiar! — Ouvi Lu dizer.

— Fê, abre essa porta, por favor, estamos preocupadas... — Sol


tentou.

— Preocupadas? — gritei entre os soluços. — Imagina eu...

— Juntas podemos encontrar uma solução, amiga... — Gabi


falava com uma voz fraca, até ela estava sem reação.

— Alguma de vocês sabe voltar no tempo? Essa é a única


solução de que preciso. — Abri a porta e encarei as meninas. As
lágrimas não cessavam e eu tentava falar em meio a elas. — Como isso
foi acontecer? — Andei pelo quarto. — Tem uma coisinha aqui dentro
que vai me deixar gorda! — Apontei para minha barriga. — E, além
do mais, vai destruir meu sonho. Eu esperei tanto para ser presidente.
— Voltei a chorar e recebi um abraço coletivo, o que só intensificou o
desespero.

— Deita aqui e chora tudo que tem para chorar! — disse Sol,
levando-me até a cama.

— Chorar não vai resolver meu problema! — funguei.

— Não mesmo, mas vai fazer você extravasar e após chorar


litros, irá dormir. E depois se sentirá melhor... — pontuou Gabi.
— Dormir não me fará deixar de estar grávida... — lamentei
entre soluços. — Estou presa em um pesadelo que parece não ter fim.

— Psiu! Agora só chora... — Gabi me abraçou.

— Diz que tudo isso vai passar... — choraminguei.

Chorei tanto quanto era possível um ser humano chorar. Estava


em choque, confusa com tudo aquilo e não conseguia racionalizar.
Acabei adormecendo em meio às lágrimas.

Despertei no dia seguinte com a sensação de que tudo não


passara de um sonho, mas as minhas amigas conversando sobre
gravidez, do outro lado do quarto, fez com que a realidade me
atingisse em cheio, trazendo novas lágrimas que fugiam sem freio.
Respirei fundo, tentando contê-las, mas um soluço escapou da minha
garganta, fazendo com que minhas amigas voltassem a atenção para
mim. A expressão nos rostos delas me fez chorar ainda mais; todas
estavam visivelmente confusas e, assim como eu, não encontravam
palavras para dizer. Se é que havia algo a ser dito.

— Pedimos café no quarto! — disse Lu, aproximando-se de mim.

Não respondi nada. Gabi colocou uma bandeja com sopa e


torradas na minha frente, mas não me movi.

— Coma, pois temos muito que falar — pontuou, sentando na


beira da cama.

— E se eu não quiser falar?

— Fugir não resolve nada... — Sol disse, sentando ao meu lado.


— Coma, você se sentirá um pouco melhor... — insistiu Lu.

— Se eu tivesse levado um tiro, me sentiria melhor! — verbalizei.

— Talvez sim, mas esse não é o seu diagnóstico — rebateu Gabi.

— E qual é o meu diagnóstico? Ah, o de mulher grávida sem a


mínima vontade de ser mãe, que vê seus sonhos sumirem de uma
hora para outra! — gritei, jogando a bandeja no chão.

— Você está grávida, não é mãe. Consegue captar a diferença? —


retrucou Gabi.

— Aborto? — protestou Sol. — Isso é ilegal.

— Foda-se se é ilegal! Ela é dona do próprio corpo e tem o direito


de fazer como quiser.

— O mesmo corpo que ela não preveniu da gravidez? — Sol


rebateu.

— Não importa, Sol, foda-se o puritanismo, ela não é obrigada a


ser mãe por um deslize! — Gabi falava com ira.

— E o pai? O pai tem o direito de opinar... — comentou Lu.

— Desde quando o pai opina? Fernanda tem que decidir isso


sozinha! — Gabi disse, ficando de pé.

— Eu discordo — rebateu Sol.

Eu assistia as minhas amigas decidirem sobre a minha vida,


como uma espectadora de novela, mas era sobre a minha vida, a minha
gravidez que decidiam. Mesmo assim, não consegui reagir. Fui me
afastando delas aos poucos, até sair do quarto. Corri sem me importar
em estar descalça, parando somente quando me aproximei da orla,
próxima ao hotel. Sentei em um dos bancos com as pernas encolhidas
e desabei em lágrimas mais uma vez. Não me importei com os olhares
curiosos que me eram dirigidos.

Um casal de idosos, que passeava pela orla, aproximou-se de


mim. A senhora estendeu um lenço e eu aceitei, enquanto tentava
conter o choro.

— Minha filha, não sei o que está acontecendo com você, mas
posso te dizer com toda experiência de vida que tenho: vai passar... E
enquanto não passa, não há problema algum em correr pro colo da
mãe, tenho certeza que lá é o seu lugar! — ela falou, apertou minha
mão e foi embora, acompanhada do marido.

Continuei sentada, olhando para o mar; minhas lágrimas


rolavam vez ou outra, mas o choro desesperado havia cessado. Senti
quando um casaquinho foi colocado sobre meu ombro, nem me dei ao
trabalho de olhar quem era. Sol sentou ao meu lado e permaneceu em
silêncio, contemplando o mar comigo. Ficamos assim por muito
tempo, até que me recostei no seu corpo e ela me abraçou forte.

— Você sabe por que estou assim tão abalada, não é?

— Além de ser mãe não estar nos seus planos, acho que o fato de
o Marcos ser o pai agrava a situação.

— Como você pode ter certeza que ele é o pai? — perguntei,


surpresa.
— Te conheço melhor que imagina, Fê...

— Como vou encará-lo?

— Esse é o seu medo?

— Sim... Não. Na verdade, ele não saberá.

— Então está considerando ter a criança? — ela perguntou com a


alegria na voz.

— Ainda não sei, só sei que ele ou ela não pode ser culpado pelo
meu erro.

— Qual seria seu erro, Fê? Ir para a cama com um caro gostoso,
engravidar dele? E se esse cara for legal, já pensou nisso?

— Você não o conhece, Sol.

— Muito menos você. Deveria ao menos tentar...

— Sol, aqui é vida real. Não é porque estou grávida do Marcos


que viraremos um casal apaixonado e viveremos o “felizes para
sempre”.

— Mas deveria pelo menos viver o agora.

— Ele é completamente o meu oposto, acha mesmo que ele vai se


importar em ser pai?

— Não sei, não o conheço. Só sei que vale...

— Não vale... — interrompi.


— Desculpa a cena há pouco, não pretendia ditar o que você
deve fazer. Mas acho que essa não é você. A Fernanda que eu conheço
enfrenta a situação e não foge dela. OK, ser mãe não era o plano A,
vamos para o B, C, D, E... Estou aqui para te apoiar no que decidir,
mas quero que a sua decisão seja realmente feita por você.

— Sol, eu não aguento mais chorar — falei com as lágrimas


começando a aparecer. — Obrigada por tudo mesmo, queria lhe pedir
um favor.

— O que você quiser!

— Me coloca em um avião para São Paulo, acho que preciso


chorar no meu quarto agora. — Forcei um sorriso.

Quando voltamos para o hotel, todas as malas estavam


arrumadas, a Sol ligou para as meninas e resolveu tudo. Fui direto
para o banheiro, tomei um banho longo e vesti uma calça jeans com
uma camiseta branca que as meninas haviam separado. Embarcamos
todas em um jatinho particular, provavelmente mais um milagre
operado pela Soraia, para São Paulo.

— Tem certeza que não quer a gente fique aqui? — perguntou


Lu quando estávamos em frente a minha casa.

— Tenho, preciso ficar só — falei, descendo do carro.

— Qualquer coisa não hesite em gritar, chego aqui em minutos


com chocolate, sorvete e um arsenal "levanta defunto" — brincou
Gabi.

— Pode deixar. — Peguei a mala.


Sol desceu do carro e veio me abraçar, falando ao meu ouvido:

— Se cuida, Fê, pois agora a Albuquerque's será comandada por


outra pessoinha também! — Passou a mão na minha barriga lisa. Uma
lágrima escorreu pelo meu rosto e ela se afastou.

Entrei na casa em que conhecia cada canto. Percorri o caminho


até meu quarto devagar e em silêncio, não pretendia ver ninguém no
momento. Lá, coloquei a mala no chão, peguei o edredom da cama e
caminhei até a varanda. Sentei-me na poltrona que decorava o espaço
e, tendo somente o céu azul como testemunha, permiti-me chorar com
vontade. Lágrimas quentes brotaram dos meus olhos e escorreram
sobre meu rosto, dessa vez não me dei ao trabalho de contê-las, pelo
contrário, evoquei todas as memórias das últimas horas.

As lágrimas leves logo se transformaram em choro de desespero.


Estava curvada sobre minhas pernas, abraçando-as como se fossem
uma tábua de salvação. O choro saía alto e cada vez mais angustiante.
Eu chorava por tudo. Pela descoberta da gravidez, pelo medo de não
saber como lidar com isso, pela sensação de impotência... Pela
primeira vez na vida, senti falta de ter alguém com que eu pudesse
dividir os meus temores, alguém que simplesmente não viesse me
consolar, mas que chorasse junto comigo, alguém que permanecesse
ao meu lado mesmo quando eu não merecesse.

Não sei explicar de onde surgiram tantas lágrimas, eu chorava


alto sem me importar em ser ouvida. O soluçar provocado pelo choro
compulsivo era o único som que ecoava para o meu quarto. Não
conseguia pensar com clareza, estava grávida e esse era o único
pensamento que povoava minha mente. Uma criança. Minha vontade
era gritar até perder a voz, questionar como isso foi ocorrer, jogar na
cara do Marcos que ele destruiu minha vida, mas tudo que eu fazia
era chorar ainda mais. Quando eu achava que a crise havia finalmente
passado, novas lágrimas grossas rolavam pelo meu rosto. Entrei no
quarto, rastejei até minha cama e adormeci em meio às lágrimas, mais
uma vez.

Despertei com uma mão acariciando meus cabelos, um cafuné


que eu reconhecia de olhos fechados. Fiquei quieta e os mantive os
apertados por mais alguns minutos, desfrutando do carinho de minha
mãe. Quando os abri, encontrei um par de olhos verdes me
encarando.

— Não tive a intenção de te acordar — ela falou, sorrindo.

— Quisera eu ser acordada todos os dias assim... Sinto sua falta!


— Foi o que consegui dizer quando uma lágrima rolou no meu rosto.
Arrastei-me e depositei a cabeça sobre seu colo. Ela continuou
acariciando meus cabelos e as lágrimas se intensificaram.

— Minha menina... — sussurrou — Quando você era pequena,


eu costumava fazer cafuné para você adormecer. Seu pai dizia que
você era manhosa. — Sorriu. — Mas quando eu virava as costas, ele
fazia o mesmo, entrava no seu quarto e ficava acariciando seus
cabelos. Daí você cresceu e não quis mais cafunés, nem que eu te
penteasse. Quando me dei conta, já era uma mulher com desejos e
anseios do tamanho do mundo, e dominar a Albuquerque's era o
primeiro passo.

— Mãe — olhei para ela —, você acha que meus filhos teriam
orgulho de mim?

— Claro, tenho certeza que será uma excelente mãe. Você é


responsável, protetora, será uma supermãe quando desejar ser.
— Talvez... eu não tenha tempo de desejar.

— Você está me dizendo que...

— Que você será avó.

— Não me diz que temos uma Fernandinha a caminho?

— Ainda não sei o sexo do bebê, mas tô grávida e muito


assustada, acho que não serei uma mãe como você foi pra mim, não
quero ser dona de casa nem pretendo ser mãe em tempo integral... —
disse entre soluços.

— Você não precisa ser igual a mim para ser uma boa mãe.

— Mas e se eu falhar? E como vou ser presidente depois de ser


mãe?

— Tenho certeza que aprenderemos juntas a enfrentar essa sua


nova vida. Agora me conta, como descobriu? Quantos meses? Ai, meu
Deus, serei vovó finalmente! — falou minha mãe, empolgada.

Contei a descoberta, as mudanças que estavam ocorrendo


comigo e sobre o pai do meu filho.

— Pelo que você me contou sobre o Marcos, ele é um ótimo


profissional...

— Sim, mas um babaca como pessoa. Foi só um encontro, não


posso jogar nele uma paternidade por um deslize que provavelmente
foi meu, nem eu sei como isso aconteceu. Eu deveria estar protegida...

— E se ele quiser ser pai?


— A senhora não o conhece mesmo.

— Não, mas estou curiosa para conhecê-lo.

— Não, mãe! Tira esse sorriso dos lábios que não há menor
chance de eu os apresentar.

— Nem se for o pedido de uma vó eufórica?

— Não apela! — falei, sorrindo.

— Tudo bem, vamos deixar as apresentações para outro


momento. Seu pai vai ficar em êxtase quando souber.

— Vai? — perguntei, surpresa.

— Se vai... Ele sempre quis ter um neto correndo pela casa, mas
achávamos que o Felipe seria o primeiro a nos dar um neto.

— Eu também...

Passamos algumas horas conversando, há algum tempo não


ficávamos tão próximas. Ouvi relatos de como eu era geniosa quando
criança, do quanto Fernando sofria com meus ataques de irmã
ciumenta; tecnicamente, sou apenas um minuto mais velha do que ele,
mas sempre fiz essa diferença prevalecer. Eu gargalhava ouvindo as
histórias contadas pela minha mãe. Fomos interrompidas por batidas
na porta.

— Pode entrar — minha mãe respondeu.

Era minha bá Dita segurando uma bandeja de café da manhã.


— Com licença — disse, entrando no quarto e colocando a
bandeja na escrivaninha ao lado da minha cama. — A senhora não
desceu para comer, achei por bem trazer o café.

— Desde quando virei senhora para você, hein, Dona Benedita?


— indaguei, fingindo estar ofendida.

— Desde que... — ela gaguejou.

— Desde nada, Dita, agora vem aqui e me dá aquele abraço que


só você tem! — falei, abrindo os braços.

— Olha que vou ficar com ciúmes! — brincou minha mãe,


enquanto Dita me abraçava. Foi um abraço silencioso, mas que disse
tanta coisa. Ela me abraçou ainda mais forte quando eu soltei um
suspiro pesaroso.

Dentro daquele abraço, meus medos desapareciam, eu me sentia


protegida, amada. Ficamos abraçadas por um tempão, até que ela se
afastou de mim apenas para tocar a minha barriga e acariciar, o
suficiente para meus olhos ficarem marejados.

— Você será uma boa mãe.

— Andou ouvindo atrás da porta? — brinquei.

— Nunca, menina. Eu apenas senti você mais radiante quando


veio aqui, com cara de mãe. — As palavras me atingiram em cheio, as
lágrimas rolavam no meu rosto, chorava e sorria ao mesmo tempo; fui
abraçada pelas duas mulheres da minha vida.

Todas chorávamos e riamos, abraçadas e, nesse momento, eu


pensei que talvez ser mãe não fosse o fim, apenas um recomeço.
***

Desci para almoçar, pedindo que nenhuma delas contasse


nadaao meu pai antes da minha consulta, queria ter certeza que estava
tudo bem até dar a notícia.

— A que devo a honra da ilustre presidente nos meus


aposentos? — brincou meu pai.

— A presidente estava com saudades da vossa senhoria — falei,


beijando seu rosto e sentando ao seu lado na mesa.

— Por que tenho a impressão que quando você diz saudades,


refere-se a algo para nos contar? Foi assim quando voltou sem mais
nem menos da viagem a Paris, alegando saudade quando, na verdade,
tinha vindo quebrar a cara do namorado da Soraia. — Ele riu alto e
seu riso ecoou na sala, como eu sentia falta do seu sorriso.

— Ele mereceu e foi só um soco. — Sorri ao lembrar a cena.

— Só um soco que quase quebrou o nariz do pobre rapaz — ele


disse, sorrindo.

— De quem foi a ideia mesmo de matriculá-la no boxe? —


perguntou minha mãe, sentando-se conosco à mesa.

— Minha, mas era para ela se defender e não sair por aí socando
as pessoas... — meu pai falou, encolhendo os ombros e com um
sorriso para mim que dizia "essa é minha menina".
***

— Você me assegurou que o método era eficaz! — reclamei com


o resultado do exame de sangue nas mãos, estava no consultório da
Drª Mirian. Ela concordou em me atender mesmo não estando
agendada e em época de feriado, aleguei urgência e paguei um valor
muito maior do que uma consulta particular.

— Atualmente não existe nenhum método contraceptivo que seja


cem por cento eficaz, no entanto a chance de falha do DIU é
extremamente baixa, o que os deixa entre os métodos mais eficazes
que existem. O risco é de 0,1%...

— E justamente eu teria que me encaixar nesse nessa ínfima


porcentagem... Só pode ser brincadeira.

— Muitos casos de gravidez com DIU acontecem porque a


posição do dispositivo está incorreta. Lembra que fizemos ultrassom
depois de sessenta dias? — Assenti. — Eu avisei que depois de seis
meses você deveria retornar para consulta e verificar se a posição
estava correta, posteriormente iríamos verificar somente uma vez ao
ano.

Esqueci completamente deste detalhe. Com a posse e tudo o que


se seguiu, não lembrei de agendar a consulta e, por falha minha, agora
estava grávida. E logo de quem... Segurei-me para não ter outra crise.

A médica explicou que o ideal seria retirar o dispositivo, pois


poderia causar um aborto. Apesar de não ter planejado, a sensação
que senti ao me imaginar abortando não foi das melhores, então
concordei. Ela fez um ultrassom para visualizar o objeto e, por fim, o
retirou; foi um procedimento simples e não houve complicações.

***

Quando voltei para a casa, minha mãe disse que meu pai estava
no escritório e queria me mostrar uns projetos em que estava
trabalhando. Mesmo sem ser presidente, meu pai continuava
administrando de longe; passou um tempo sendo diretor-geral de
uma das filiais, mas aos poucos ia abrindo mão do dia-a-dia dentro da
empresa.

Encontrei-o atrás da sua mesa, usando óculos de grau e lendo


uns papéis. Apesar da idade, meu pai continuava bonito. Suas feições
acabaram suavizando com a idade e, apesar do seu olhar mostrar
autoridade, seu sorriso doce demonstrava carinho. Não foi fácil ser a
única filha, dividir o posto de mais velha e não ser a caçula foram
fatores que contribuíram para que, de alguma forma, eu tentasse me
destacar, mostrar que a menina podia tanto quanto o menino. Talvez
por isso eu tenha desejado tanto a presidência; a empresa era um dos
maiores orgulhos dele. Se eu estivesse no comando, também seria.

Será que ele vai se decepcionar agora?

Suspirei com esse pensamento e ele desviou a atenção do


documento, fitando-me.

— Venha aqui, quero te mostrar umas coisas... — Sua autoridade


me fez andar até ele. Sentei na cadeira de frente a sua. Meu pai
explicou alguns tópicos sobre a viabilidade de termos uma outra filial
em uma cidade que não me lembro, pois eu não prestei atenção, meu
pensamento estava longe e ele notou. — Algum problema, Fernanda?
— perguntou, preocupado.
Meus olhos encheram de lágrimas, droga.

— Preciso dizer uma coisa... — comecei.

— Não me diga que estamos falidos! — brincou e eu sorri. —


Você quer conversar com o empresário ou o pai?

— Pai... — Ele sorriu. — Eu... eu... — Não consegui verbalizar, as


lágrimas escapavam de mim. Ele levantou e me conduziu até o sofá.
Sentei ao seu lado e ele tocou meus cabelos.

— Qual é o problema, meu amor? Pode falar.

— O senhor vai ser avô.

Ele paralisou.

— O Felipe... — balbuciou. Neguei com a cabeça. Seus olhos


ficaram um pouco maiores. Ele retirou os óculos, tentando enxergar
com clareza a situação. — Estou realmente surpreso.

Enxuguei as lágrimas. Meu pai sabia que não era nenhuma


virgem, mas também sabia que eu não seria tão irresponsável, entendi
a sua surpresa.

— Eu também... Desculpe! — Funguei. — Eu... Eu... Não queria


decepcionar o senhor assim.

Ele colocou o braço nos meus ombros e me puxou para si.


Agarrei seu pescoço em um abraço apertado enquanto chorava. Ele
me colocou no colo, como quando eu era pequena, embalou-me e
beijou minha testa.
— Vai ficar tudo bem... Sempre quis ter um moleque correndo
nesta casa. — Sorri com a ideia. — Mas preciso te fazer uma pergunta.
— Sabia exatamente o que viria. E veio: — Quem é o pai do meu neto?

— É produção independente, papai... — Ele bufou. — Não há


ninguém para o senhor correr atrás com uma espingarda e obrigar a
casar comigo.

— Não me venha com essa modernidade toda, você com certeza


seguiu o método tradicional para conceber meu neto. Quero saber
quem é o pai, só isso... — argumentou e eu estava prestes a retrucar
quando minha mãe me salvou.

— Que cena linda! Mas seu amigo Carlos está aí, meu bem, e,
Nanda, precisamos terminar aquele assunto...

— Quer dizer que seremos avós? E você esconde isso de mim


desde quando, Marta?

— Também soube hoje, deixe de ser ciumento. — Sorriu e


abraçou meu pai.

Quando saímos do escritório, eu já me sentia mais leve.


CAPÍTULO XVIII

Marcos Castro

Quando retornei para casa na quarta-feira de cinzas, acreditava


que minha suspensão havia cessado, mas não, recebi um e-mail do RH
enfatizando que minha suspensão permanecia por tempo
indeterminado. Não me restou outra alternativa a não ser esperar.
Usei meu tempo livre para acordar sem o despertador e logo o meu
corpo se acostumou ao ritmo de dormir sem ter hora para acordar.

Fui surpreendido, portanto, quando meu telefone tocou às sete


da manhã na segunda-feira seguinte. Tentei ignorar ao máximo a
ligação, fosse quem fosse, ligaria mais tarde. O telefone tocava
insistentemente no criado-mudo ao lado da cama. Olhei o visor e
decidi atender. Era a Cátia.

— Bom dia, Marcos, te acordei?

— Para você ter me ligado a essa hora, deve ser para me dizer
boas novas. Diz pra mim que a chefinha sentiu minha falta e pediu
para eu retornar. — Ela gargalhou do outro lado linha.

— Me passa o endereço de onde você compra essa pílula


massageadora de ego? Porque você se acha.

— Pode deixar que presentearei você no seu aniversário. —


Sorri. — Mas não foi para ouvir minha voz que você me ligou, ou foi?
— Não, não mesmo. Na verdade, foi para lhe comunicar que
você volta a trabalhar hoje...

— Já era hora! — Suspirei, levantando e caminhando para o


banheiro.

— Mas somente em expediente externo, sua suspensão continua


válida para dentro do escritório.

— Que porra é essa, Cátia?

— Ordens, apenas ordens. Marcos, agora se dê por satisfeito e


agradeça ao Sr. Paulo por isso.

— Cadê a marrentinha?

— Quem? — indagou com uma confusão na voz.

— Fernanda, quem mais seria?

— Ela sabe que você a chama assim? Porque se ela sonhar, você
será transferido para a Antártida! — Ela sorria enquanto falava.

— Não sabia que a Albuquerque's tinha filial lá — ironizei.

— Não duvido que ela seria capaz de implantar uma filial lá só


para despachar você. — Seu riso se transformou em uma gargalhada.

— Não sabia que estava em tão alta cota, a ponto de a mulher


criar uma filial só para mim. Tem algo mais que queira me contar?

— Thalita tem razão, você é insistente. Marcos, qual a parte de "a


mulher não te suporta” você não entendeu?
— Cadê ela?

— Está em São Paulo, resolvendo uns problemas pessoais.

— Algo grave?

— Não sei e mesmo se soubesse não contaria a você.

— Catiane, assim você maltrata meu coração.

— Catiane é a madrinha! — gritou do outro lado.

— Calma, gata. Me passa as coordenadas das reuniões.

— Já enviei para seu e-mail.

— Cátia...

— Diz!

— O que você acha que a Fernanda faria se descobrisse que você


se chama Catiane?

— Marcos, vai à merda! — Ela desligou na minha cara.

Tomei banho e segui para meus compromissos do dia.

***

O restante da semana prosseguiu da mesma forma, eu


participava somente de reuniões fora do escritório. No sábado, recebi
autorização para voltar. Provavelmente era meu “presente de
aniversário” dado pela ilustríssima presidente. Acordei cedo e fiz
minha corrida matinal. Decidi manter minha barba, ela combinava
perfeitamente com meu rosto quadrado e como os elogios vinham
surgindo com frequência, resolvi não mudar. Vesti uma camisa de
tecido rosa, com uma calça jeans e fui trabalhar. Cheguei ao escritório
antes do horário do expediente. A verdade é que sentia falta daquele
ambiente. Parei em frente a minha sala e ela estava trancada, forcei a
fechadura e ouvi gritos do outro lado.

— Quem é? — Era a voz de Thalita.

— Sou eu, gata, não me diz que transformou nossa sala num
motel?

— Idiota! O que faz aqui tão cedo?

— Senti sua falta e vim correndo. Abre a porta.

— Não dá, que tal dar uma voltinha? Já estamos acabando aqui.

— Era para ser surpresa. — Ouvi Cátia falar do outro lado.

— Ufa! Pensei que fosse o Fernando te ajudando, mas é Catiane...

— Thalita, eu disse que ele não merecia nada disso! — Cátia


protestou do outro lado.

— Marcos — Thalita falava entre risos —, vai dar uma volta e só


retorna quando eu ligar.

— Terá uma mulher gostosa me esperando dentro do bolo


quando eu voltar?

— Terão duas gostosas aqui, mas nenhuma pro seu bico. Agora
vaza!

— Também te amo, gata.

— Como você suporta ele? Afff — Ouvi a Cátia.

— Eu ainda estou aqui, Catiane.

— Porra, Thalita! Eu até tento...

— Marcos, vaza! — a advogata gritou e eu saí sorrindo.

Voltei ao ser chamado pela Thalita. Havia balões com as cores da


Lusa decorando a sala e um bolo no formato do escudo do meu clube
do coração. Quando adentrei, gritaram “surpresa”. Eu sorri quando
Thalita me colocou um chapéu de festinha infantil e me abraçou.

— Senti sua falta, seu babaca! — ela disse ao meu ouvido.

— Eu sabia que uma hora você não resistiria ao meu charme! —


falei, levantando-a do chão e a abraçando mais forte. Ela soltou
gritinhos de "me põe no chão", fazendo-me rir.

— Cara, não sou a Thalita, portanto nada de me agarrar! — disse


Mateus, aproximando-se e me cumprimentando com tapinhas nas
costas.

— Eu não deveria lhe dirigir a palavra! — disse Cátia, fingindo


estar ofendida. — Parabéns, idiota! — abraçou-me.
— A gente só brinca com quem a gente gosta, Catian...

— Me solta! — interrompeu-me e bateu em meus braços.

— Não fui convidada para a festinha particular, mas não poderia


deixar de parabenizá-lo, mais gato a cada ano! — Essa última parte foi
dita ao meu ouvido por Sara. Apenas assenti, agradecendo.

— Não te convidamos porque, como você bem disse, é uma festa


particular, mas quando partirmos o bolo no intervalo, levaremos um
pedaço para você — disse Thalita, encarando Sara.

— Tenho certeza que o Marcos levará! — ela falou e saiu


rebolando; sou homem e não pude deixar de acompanhar aquela
maravilha.

— Quando parar de babar, avisa que te entrego seu presente! —


disse Thalita.

— Foi mal, mas a menos que meu presente seja você rebolando,
não vou tirar essa imagem da cabeça.

— Vocês, homens, pensam com a cabeça de baixo! — falou Cátia,


revirando os olhos e saindo da sala.

— Não me inclua nessa, Catinha! — falou Mateus, indo atrás


dela.

— Acho que o casal Albuquerque's tem problemas! — falei,


sorrindo, enquanto eles saíam da sala.

— Achei que eu fosse parte do casal Albuquerque's — protestou


Thalita, sorrindo.
— Desculpa, esqueci que você namora o chefe...

— Dono! — ela rebateu — Namoro o dono, gato — falou com


uma piscadela.

— Então meu presente tem que ter melhorado esse ano, eu


estava mesmo querendo uma moto para agilizar minha vida nesse
trânsito caótico do Rio...

— Cátia tem razão, como eu te suporto? — falou, dando um


murro no meu ombro antes de me entregar dois presentes, o primeiro
era do Fernando.

— Sério? — falei, olhando para a caixa.

— Tá, eu meio que o obriguei a comprar, mas você é um


funcionário exemplar, quer dizer era... Vai, abre logo. — Era uma
caneta Mont Blanc com meu nome grifado nela.

— Valeu mesmo, gata.

— Agradeça ao Fernando. O outro é meu.

— Não acredito! Todas as temporadas do CSI? Como sabia que


era fã? — falei, encantado pelo presente; parecia criança quando
ganhava doce.

— Esqueceu que te conheço há tempos? Quando cursamos pós


juntos, você vivia falando da série, que queria ser advogado criminal e
até pouco tempo atrás o toque do seu celular era o tema de abertura
da série.

— Porra! Não vejo a hora chegar em casa e assistir.


— Marcos?

— Oi — respondi, olhando meu presente.

— O que aconteceu? Achei que iríamos comemorar seu


aniversário em alguma balada, mas você quer ir pra casa assistir CSI.
O que aconteceu nessa suspensão? Além da mudança física, essa
barba te deixa com cara de cafajeste.

— Agradeço o elogio, a balada tá de pé. Na verdade, o Alê


marcou de irmos para um barzinho. Agora, bora trabalhar que eu
estava com saudades disso aqui.

***

Já era fim do expediente. Além de Thalita, a Cátia estava na


nossa sala. Comíamos bolo enquanto acertávamos os detalhes da
comemoração à noite. Eu estava recostado sobre mesa, com Thalita e
Cátia sentadas a minha frente. De repente, a porta da sala foi
empurrada com força, fazendo um enorme barulho. Era o Felipe
entrando. Sorri ao notar ele se aproximar, na certa viera me desejar
parabéns. Antes que eu pudesse processar, fui atingido com um
murro no queixo. A atitude dele me pegou desprevenido, demorei a
reagir, mas, quando me dei conta, estava bloqueando os ataques do
Felipe. Fui atingindo mais uma vez no rosto, Thalita tentava em vão
fazer o Felipe parar.

— Isso é pela minha irmã! — ele disse ao acertar meu nariz. Uma
linha de sangue começou a escorrer.
— Felipe, para! — pediu Thalita, ficando entre nós, enquanto eu
gemia de dor. O fedelho tinha batido para valer.

— Para uma porra, esse canalha merece mais!

A Cátia me ajudou a ficar de pé. Eu o encarei antes de desafiá-lo.

— Eu posso saber pelo menos por que apanhei, antes de quebrar


sua cara, fedelho?

— Filho da puta! — ele falou, partindo para cima e sendo


interrompido por Thalita entre nós.

— Sai, Thalita, o garoto tá com raivinha e pode te machucar, o


lance dele é comigo — falei, aproximando-me dele enquanto afastava
Thalita para o lado.

— Até que fim resolveu sair das saias da Thalita. Como você
pôde trair minha confiança, cara?

— Seja mais objetivo, Felipe.

— Você e a Fernanda...

— Como assim ele e a Fernanda? — indagou Thalita, atônita.

— Fica fora dessa, Thalita! — dissemos ao mesmo tempo.

— Não vou deixar vocês se atracarem como dois ogros! Aqui é


um ambiente de trabalho. E você, Felipe, como futuro presidente,
deveria dar o exemplo.

— Thalita, meu problema não é com você, mas você tem razão,
vamos acabar essa conversa lá na rua.

— Que conversa, moleque? Não vou falar da minha vida com


você.

— Ah, vai! Vai quando minha irmã está envolvida nessa vida.

— Fernanda não precisa de defensores, ela é adulta para tomar


suas decisões. Não deflorei nenhuma virgem para você vir agir dessa
forma.

Mal acabei de falar e ele partiu para cima de mim, atingindo-me


com um chute de raspão no estômago. Dessa vez reagi e proferi um
soco na sua boca, fazendo-o sangrar. Thalita e Cátia acompanhavam
sem entender nada, estavam assustadas.

— Eu ainda não acredito que ela escolheu justo você!

— Eu tenho meus dotes! — falei, enquanto me esquivava do seu


ataque.

— Que você era um filho da puta presunçoso, ok, mas daí a


engravidar minha irmã? — Despejou as palavras enquanto tentava me
atacar.

— Que porra você tá falando? — perguntei, confuso.

— Esqueci de dizer o principal, você será papai, seu babaca! —


ele falou, atingindo-me em cheio no queixo, fazendo-me cair.

— Marcos! — Thalita gritou, se juntando a mim no chão.

— Não acredito que cheguei no fim da festa! — A voz de


Fernando ecoou na sala.

— Nem vem, Fernando, ele precisa de um médico — disse


Thalita.

— Não, não precisa, o calhorda aí não vai morrer por isso. Felipe,
eu te disse para esperar eu chegar...

— Aqui está o gelo — disse Cátia, colocando uma bolsa de gelo


no meu rosto. Nem notei que ela havia saído da sala.

— Porra! Acho que quebrei... — resmunguei quando o gelo


tocou meu nariz.

— Bom trabalho, maninho, assim o babaca vai abaixar o nariz


pelo menos uma vez na vida.

— Fernando! — Thalita se aproximou dele. — O que está


acontecendo?

— O que está acontecendo? O idiota do seu melhor amigo


engravidou a Fernanda, acha pouco? Minha vontade é de quebrar a
cara dele, mas o Felipe já fez isso.

— Como assim eu engravidei sua irmã? — falei, atordoado,


enquanto ficava de pé.

— Me poupe dessa pergunta cretina.

— Me poupe você, só fiquei com sua irmã uma vez, o pai pode
ser outro... — Foi a vez do Fernando dar um passo a frente.

— Se não tivéssemos certeza que o pai era você, não estaríamos


aqui quebrando sua cara, seu canalha! — vociferou Felipe.

— Mas por que ela não me contou? Onde ela está?

— Bem longe de você — rebateu Felipe.

— Gente, já chega, tenho certeza que a Fernanda não gostaria


que sua vida fosse exposta dessa forma. Thalita, leva o Felipe e o
Fernando contigo que fico aqui com o Marcos — disse Cátia,
apontando a saída.

— A nossa conversa ainda não acabou, Marcos — disse Felipe,


fitando-me de cima para baixo.

— Ela começou alguma vez? — indaguei com tom irônico.

— Cátia, eu te ligo mais tarde. Agora vamos. — Thalita segurou


Fernando com uma mão e puxou Felipe com a outra.

— Custava ficar na sua? — Cátia falou enquanto limpava os


ferimentos.

— Mas eu estava... Ai, isso dói pra porra.

— É para evitar infecção, dona Francisca que me deu, agora fica


calado! — ela disse, enquanto passava água oxigenada nos ferimentos.

— É verdade? — perguntei, segurando sua mão.

— O quê? — ela perguntou, encarando-me.

— Que ela está grávida?


— Sinceramente, não sei, mas depois dessa cena, lembrei que ela
andou mesmo enjoada, vomitando pelos cantos.

— E o pai?

— Marcos... — começou, receosa. — Sei pouco da vida dela, mas


acho que o Felipe não teria esse ataque de fúria se você não fosse o
pai...

— Foi uma única vez...

— Basta a mulher estar fértil para que essa única vez vire uma
gestação.

— Preciso falar com ela, me dá o endereço.

— Ei, se acalma. Se ela não te procurou, talvez não queira te


contar.

— Não quer? Preciso tirar isso a limpo.

— Vai tirar, mas não agora, chegar lá nesse estado só vai


complicar ainda mais as coisas.

— E o que eu faço?

— Espera, futuro papai, apenas espera.

Eu ia mesmo ser pai? Puta que pariu.


CAPÍTULO XIX

Fernanda Albuquerque

Passei o fim da semana organizando minha mudança, eu havia


decidido trazer meus itens pessoais para minha nova casa no Rio, em
especial minhas roupas. Fiz questão de trazer todo meu closet que
continuava em São Paulo, mesmo sabendo que daqui a alguns meses
eu não caberia na maioria dessas roupas.

Estava definitivamente instalada na casa nova em companhia da


minha bá Dita. Sim, ela aceitou meu convite e veio morar comigo para
sossego dos meus pais e para minha felicidade, já que eu estava sendo
paparicada em tempo integral. Após tanto tempo ausente da
presidência, eu retomei o trabalho, só que no escritório da minha casa.
O espaço era confortável e muito útil nos meus dias de indisposição,
não pretendia voltar para a Albuquerque's agora. Sim, eu estava
evitando qualquer contato com o babaca do Marcos. Portanto, eu iria
passar a semana comandando a empresa daqui de casa. Eu aguardava
Cátia chegar para me inteirar dos últimos acontecimentos, enquanto
respondia e-mails.

— Bom dia, Fernanda! — Cátia falou toda animada para uma


segunda-feira.

— Bom dia! — respondi, levantando-me da cadeira e indo


abraçá-la. — O que achou do meu escritório?

— É lindo, moderno e útil! E aquele sofá é tentador — ela falou,


apontando para o sofá-cama branco no canto do escritório.

— Que bom que gostou, porque é aqui que vamos trabalhar


pelos próximos dias.

— Não pretende voltar a Albuquerque's? — ela perguntou com


uma ruga de preocupação.

— Sim, pretendo, mas essa semana não terei como ir, contratei
um decorador para modificar o meu quarto e queria estar por perto
para acompanhá-lo. Aconteceu alguma coisa na Albuquerque's?

— Não, quer dizer, sim, mas não sei como te contar...

— Pelo começo é sempre a melhor opção — falei, batendo o salto


no piso de madeira; não é porque eu ia trabalhar em casa que estaria
largada, estava vestindo um terninho rosa e calçando meu scarpin
preto.

— Acho melhor você ligar para o Fernando...

— O que o Fernando tem a ver? Diz logo, Cátia! — falei,


impaciente.

— Tá... O Felipe atacou o Marcos lá na Albuquerque's. — Ela


despejou de vez.

— Como assim, atacou? — perguntei com o tom levemente


alterado. — O Marcos aprontou novamente?

— Dessa vez, não.

— Então por que cargas d'água o meu irmão o atacaria? Eles são
amigos...

— A gente também não entendeu bem, ele já chegou batendo no


Marcos e falando coisas confusas...

— Eu fico fora por uns dias e a empresa vira um ringue? —


Bufei, irritada. — O que os funcionários vão pensar?

— Calma, só estavam presentes Thalita e eu, já era fim de


expediente.

— Sempre a Thalita... Mas pouco importa quem estava presente,


o Marcos é advogado e pode processar a empresa por agressão.

— Ele não faria isso.

— Porque é burro, só se for! — rebati. Felipe ia me pagar com


juros e correções monetárias. Que ódio! — O Felipe vai ter que arcar
com as consequências, o que deu nele para agredir alguém dessa
forma?

— Acho que o fato desse alguém ter engravidado sua irmã... —


ela falou fracamente.

— Oi? — perguntei, encostando-me na mesa, a informação me


pegou de surpresa.

— Calma, você tá bem? Senta aqui — ela falou, puxando a


cadeira.

— O que você disse? — falei assim que sentei.

— O Felipe disse que você estava grávida e que o Marcos era o


pai. — Eu vou matar meu irmão quando o encontrar. — Você está mesmo
grávida? — ela indagou perante meu silêncio.

— Estou, de oito semanas. E esse foi um dos motivos que me


levou a pedir que você viesse aqui hoje.

— Posso lhe desejar parabéns? — ela disse, abrindo os braços.

— Se você me fizesse essa pergunta há uma semana, eu diria um


não bem sonoro. Mas hoje sim, estou tão encantada e confusa com
esse pedacinho de mim aqui dentro.

— Own, Fernanda, seu bebê será lindo! — ela disse, abraçando-


me.

— Será, né? Minha genética é boa, serei uma mãe bem gata.

— O pai não fica atrás...

— Cátia...

— Fernanda! Você não negou, então posso presumir que o


Marcos é mesmo o pai.

— Sim, mas só biologicamente. Meu filho não pode ser culpado


pelo meu erro.

— Você o odeia tanto assim?

— O que você acha? Uma única transa e estou aqui, grávida.

— Ele se fez a mesma pergunta. Tadinho, ficou atordoado com a


descoberta que será pai.
— Tadinho? Coitada de mim, que ficarei gorda, inchada e
chorosa pelos próximos meses.

— Não exagera, vai.

— Exagero ou não, prepare-se porque agora você terá que lidar


com uma chefe toda trabalhada nos hormônios da gravidez. Quer
aproveitar e me contar mais alguma bomba, antes que o Exu das
lágrimas baixe em mim? — Minha fala provocou uma crise de risos na
Cátia.

— Ele quer notícias suas... — ela falou, recompondo-se.

— Ele quem?

— O Marcos. Ele me ligou hoje cedo querendo saber quando


você voltava.

— Você não contou, né?

— Não, não contei, mas fiquei com o coração apertado, ele estava
tão angustiado.

— Mulher, a grávida aqui sou eu. Portanto, apague essa


sensibilidade.

— Mas...

— Mas nada, Cátia, meus irmãos erraram ao revelar quem era o


pai do meu filho, não vou cobrar dele a paternidade. Portanto, logo
ele sossegará.

— E se ele quiser ser pai? Já pensou nessa hipótese?


— Então ele terá que procurar outra mãe para seu filho.

— Ele tem direitos sobre a criança...

— Os mesmos que eu! Não quero discutir com você sobre isso.
Agora vamos nos concentrar no trabalho, porque passei muito tempo
fora e essa pasta que você trouxe deve ter uma série de documentos
para eu conferir e assinar! — falei, pondo fim no papo de gravidez,
pelo menos por ora.

Passamos o resto do dia trabalhando. Eu assinei tantos


documentos que, ao final do dia, minhas articulações da mão direita
doíam. Despedi-me da Cátia e combinamos que amanhã ela
apareceria no mesmo horário. Assim que ela foi embora, preparei um
banho na minha banheira e decidi resolver pelo menos uma parte
dessa confusão envolvendo o Marcos. Liguei para os meus irmãos,
convidando-os para jantar comigo essa noite; tentei soar o mais
relaxada possível e eles acreditaram no meu convite ingênuo.

— O Fernando vai?

— Sim, Felipe, falei com ele tem cinco minutos.

— Beleza então!

— Ah! Felipe, quero te pedir algo...

— Sabia que tinha algo errado...

— Passa no supermercado e traz um pote de sorvete de creme e


cobertura de caramelo.

— É isso?
— Claro que é. O que mais seria? — perguntei na esperança que
ele assumisse seu erro.

— Nada, deixa eu desligar que ainda vou comprar o seu sorvete.


Até já.

— Até, beijos.

Meus irmãos chegaram e eu esperei que jantássemos antes de


partir para o embate. Estávamos saboreando a sobremesa; na verdade,
eu estava comendo pela terceira vez sorvete de creme com calda de
caramelo e confetes de chocolate. Felipe e Fernando bebiam um
cafezinho, servido por Dita. Conversávamos sobre viagens; Fernando
estava planejando uma viagem a Paris com a Thalita.

— Desde quando os dois viraram meus guarda-costas? — Soltei


de uma vez quando acabei minha sobremesa. Eles não esperavam
minha mudança brusca de assunto.

— Menina, você não pode estressar assim, faz mal para o bebê!
— advertiu minha bá, toda preocupada.

— Faz mal para o bebê ter dois idiotas como tios, isso, sim.
Fernando, como você permitiu que o Felipe agredisse alguém dentro
da Albuquerque's?

— Fê, fica calma, ouve o que a Dita disse.

— Eu estou grávida e não inválida. Vocês nem pensem em me


tratar com cuidadinhos. Responde minha pergunta!

— Eu mesmo não! Quem arranjou confusão foi o fedelho ali. Em


minha defesa, quando eu cheguei, o circo já estava armado.
— Valeu mesmo, Fernando. Com um irmão como você, quem
precisa de inimigo? — rebateu Felipe, irritado.

— Vamos, Felipe, quero ouvir o que tem a dizer em sua defesa,


se é que há defesa para o que fez.

— Fernanda, não vem com esse papo de irmã mais velha. Fiz o
que tinha que ser feito! — ele disse, dando de ombros.

— Agredir um funcionário dentro da minha empresa era o que


tinha que ser feito? — eu praticamente gritei.

— Se o tal funcionário é o Marcos, a gente tem que ponderar as


ações — brincou Fernando, sorrindo.

— Muito engraçado, Fernando! — ironizei. — Você apoia a


atitude infantil do Felipe?

— Não, não apoio. Mas não tinha muito que fazer. Quando
cheguei lá, o Marcos já estava no chão.

— Você bateu nele a ponto de ele cair? — perguntei com os olhos


arregalados. A situação era mais séria que eu supunha.

— Está preocupada com o pai do seu filho? — Felipe respondeu,


examinando-me.

— Faça-me o favor, Felipe! Estou preocupada com o fato de você


ter agredido um funcionário meu. Ele pode nos processar.

— Ele não faria isso, nem reagir o canalha quis.


— Alguém tinha que ser prudente. — Voltei minha atenção para
Fernando. — O que a empresa fez, checou se ele está bem?

— Fernanda, sério que tá preocupada com o cara? — Felipe me


recriminou.

— Cala a boca, Felipe! — rebati.

— A Thalita foi visitá-lo agora à noite, e Cátia foi orientada a


entrar em contato com ele, demos uns dias de descanso. Segundo ela,
são apenas hematomas no rosto.

— Ok, pedirei para Cátia entrar em contato e checar se ele


precisa de mais alguma coisa. Quanto a você, Felipe, está afastado da
empresa até segunda ordem. E esses dias serão descontado do seu
salário.

— Mas, Fernanda...

— Mas nada, sua atitude impulsiva poderia nos custar muito.


Sua sorte é que ele é seu amigo e não quis prestar queixa.

— Amigo uma porra, amigo meu não pega minha irmã.

— Acalma essa síndrome do irmão ferido que não preciso de


defensores e isso vale para os dois. Minha vida, minhas escolhas,
estamos entendidos? — Meus irmãos permaneceram em silêncio. —
Não ouvi vocês dizerem sim, estamos entendidos?

— Sim! — disse Fernando taciturno.

— Felipe?
— Tá...

— Não foi isso que perguntei. — Disparei um olhar gélido para


ele, que se recostou na cadeira, admitindo derrota.

— Droga... Sim, estamos entendidos! — ele disse de forma


arrastada.

— Ótimo.

A primeira crise foi resolvida com sucesso.


CAPÍTULO XX

Marcos Castro

Os dias que sucederam a surra que levei do pirralho foram


péssimos. Primeiro, porque o cara havia batido pra valer; meu olho
esquerdo estava inchado a ponto de não abrir, o direito estava um
pouco melhor, apenas com um roxo, mas minha boca estava cortada
em três pontos. Segundo, além de ter fodido meu rosto, ele tinha
destruído minha comemoração de aniversário e me afastado do
trabalho pelos próximos dias. Dava para imaginar o quanto eu estava
puto da vida, mas ele que me aguardasse, pois iria ter volta.

— Puta que pariu, Alê, esse remédio arde pra cacete! — reclamei,
enquanto meu amigo me auxiliava a cuidar dos ferimentos.

— Deixa de ser maricas, nem dói tanto assim.

— Não uma porra. Você fala isso porque não é em você.

— Fica calado vai, senão não consigo acabar aqui — ele falou
enquanto passava uma gaze com soro para limpar o olho inchado.
Nem preciso comentar o quanto a sua mão era pesada, a cada vez que
ele passava a gaze sobre o ferimento, eu proferia uma série de
xingamentos.

— Só para deixar claro, cara, você está limpando a porra de um


olho ferido após levar uma porrada, e não polindo o seu carro.

— Você é um filho da puta ingrato! — ele falou, jogando a gaze


suja sobre mim.

— Você podia ter contratado uma enfermeira gostosa. Assim


ficaria livre do trabalho. — A campainha tocou no exato momento que
acabei de falar. — Não diz que você contratou mesmo? — Um sorriso
amplo surgiu no meu rosto, fazendo meus olhos doerem.

— Infelizmente não, Marcos.

— Atende a porta.

— Você é folgado mesmo. Você levou uma surra, não ficou


deficiente.

— Cara, o que custa abrir a porta?

— A casa é sua. — Eu olhei para a porta e torci para que quem


quer que fosse desistisse, eu não sabia quem era do outro lado e já
havia tido surpresas suficientes por uma vida nos últimos dias. Meu
amigo me encarou e pareceu captar meu receio. — Tá com medo de
abrir a porta? — ele perguntou, sorrindo.

— Claro que não — menti.

— Então por que não abre logo?

— Não tô a fim de receber visitas.

— Tá com medinho de ser o irmãozinho da chefinha e levar


outra surra?

— Vai à merda, Alê. Ele me pegou desprevenido. Em outras


ocasiões, acabaria com ele.
— Tá, então não vai se incomodar se eu abrir — ele falou,
dirigindo-se a porta.

— Marcos, eu sei que você tá aí. Abre logo isso ou colocarei a


porta abaixo! — Uma voz surgiu do outro lado e eu suspirei relaxado
quando a reconheci.

— Thalita, o que é tudo isso? — Alê disse, pegando algumas


sacolas das suas mãos.

— Achei que não fossem abrir a porta nunca — protestou,


jogando-se no sofá. — Por que demoraram tanto?

— O Marcos estava com medo de sofrer mais um ataque dos


Albuquerques.

— Sério?! — Ela gargalhou.

— Nada a ver... Eu apenas não estava a fim de receber visitas —


defendi-me.

— Ahan.

— O que tem nessas sacolas? O cheiro está bom — perguntei,


mudando de assunto.

— Passei no italiano lá perto do trabalho e comprei comida,


imaginei que não teria o que comer quando viesse te ver.

— E acertou, ele não deve ir ao supermercado há séculos.

— Vocês querem que eu saia para falarem de mim mais à


vontade?
— Nada disso, agora que minha advogata chegou, tenho reforços
dos bons para tentar colocar juízo na sua cabeça.

— Alê, vai à puta...

— Apesar de achar que você tem toda razão, Alê, eu não posso
acusar ele assim. Tadinho, está todo destruído! — ela falou,
apontando pra mim.

— Obrigado, Thalita, você sim é uma amiga de verdade.

— Mas assim que comermos e a aparência dele melhorar um


pouco mais, a gente esfola ele, Alê. Agora vão pegar os pratos, pois
estou morrendo de fome, vim direto do escritório pra cá.

— Sim, senhora — falei, indo até a cozinha.

Graças a Thalita, tive uma refeição decente. Comemos ali


mesmo, no chão da sala. O Alê colocou os pratos na máquina antes de
se despedir de nós. Ele recebeu uma ligação do seu pai, um dos
residenciais que sua imobiliária administrava havia sido assaltado e
ele teria que ir até lá para conferir o tamanho do estrago.

— Tchau, Thalita, não é dessa vez que detonaremos o Marcos.

— Tchau, Alê, pode deixar que puxarei a orelha desse babaca.

— Qualquer coisa me liga.

— Não se preocupe, tô bem cuidado. A minha enfermeira


gostosa vai cuidar bem de mim.

— Idiota — Thalita resmungou, revirando os olhos.


— Amanhã passo para ver como esse olho tá.

— Valeu, cara. Qualquer coisa me liga também. — Alê se foi,


deixando-me a sós com Thalita.

Em qualquer outra ocasião, eu ficaria feliz, mas conhecia bem


minha amiga e sabia que o interrogatório começaria em poucos
minutos. Deitei no sofá à sua frente com a cabeça sobre os braços e
fechei o olho menos destruído, inspirando lentamente.

— Quando você pretendia me contar que estava tendo um caso


com a Fernanda?

— Não estávamos tendo um caso.

— Não? E como conseguiu engravidá-la?

— Eu dei minha sementinha a dona cegonha e ela se encarregou


de levar até a Fernanda. Achei que você fosse mais esperta.

— Babaca! — Ela arremessou uma almofada em mim.

— Porra, gata! Cuidado, tô todo baqueado aqui.

— Desculpa, mas você é um babaca.

— Um babaca que você ama, assume.

— Mais ou menos. E não tenta mudar de assunto, estou tentando


ter essa conversa com você faz tempo. Quais são seus planos para o
futuro? Como conquistou o coração da chefinha?

— Isso é um interrogatório?! — perguntei, sentando-me.


— Sim! Tenho muitas perguntas sem respostas.

— Não sei se tenho respostas para suas perguntas. Parece que


estou em um sonho psicodélico em que nada faz sentido... Um dia eu
era um cara largado na vida, sem nenhuma obrigação e do dia pra
noite cai no meu colo uma paternidade. Para completar minha maré
de sorte — uso aspas para enfatizar a ironia —, passei a ser alvo de
todos os Albuquerques, tá foda!

— Não seja dramático, também. Agora o mais importante: o que


a Fernanda te disse? Vocês já conversaram?

— Aí está o problema. Não mantemos contato, não faço ideia de


qual seja o telefone dela, onde mora.

— Que relação estranha a de vocês...

— Não é relação. Ela não me suporta por perto e faz questão de


dizer isso sempre que me aproximo.

— E como vocês ficaram? Porque ninguém vai para cama com


alguém que odeia de verdade...

— Lembra do dia que fomos a boate e você pagou a rodada de


cerveja porque perdeu a aposta? — Ela assentiu e eu continuei. —
Então, nesse dia encontrei a Fernanda lá na boate e ficamos.

— Uma única vez e ela engravidou? Foda...

— Eu sempre disse que eu era foda, você que não quis testar; a
essa hora, teríamos Marquinhos e Thalitinhas correndo pela sala. —
Ela sorriu perante meu comentário.
— Você não toma jeito. Mas o que pretende fazer?

— Ainda não sei, tô tentando digerir tudo isso antes de agir. —


Nesse momento, somos interrompidos pelo seu celular tocando, ela
verificou a tela antes de atender.

— É o Fernando... Oi, amor, te mandei mensagem, mas não


retornou. Ainda estou aqui na casa do Marcos... — Pausa. — Hum...
Mas aconteceu algo com a Fernanda? Ela está bem? Tudo bem, fico te
aguardando. Beijos.

Eu tentei não ouvir a conversa, mas a simples menção a


Fernanda me fez ficar atento a ligação.

— Fernanda voltou? — perguntei, encarando-a.

— Quem? — Ela tentou se fazer de desentendida, mas sua voz


vacilou e isso só significava que ela estava mentindo.

— Thalita, sou seu amigo, me ajuda — apelei.

— Não vem com chantagem.

— Só me diz se ela voltou? Só isso.

— O Fernando vai me matar se souber...

— Ele não precisa saber. Basta um simples sim ou não.

— Sim.

— Valeu, gata! — Um sorriso surgiu nos meus lábios.


— Tenho medo desse sorriso aí.

— Relaxa, gata. Tá tudo sob controle.

— Esse é o problema. — O celular dela apitou. — O Fernando já


chegou, preciso ir. Qualquer coisa me liga.

— Pode deixar e obrigado pelo jantar. — Assim que Thalita saiu,


fiquei pensando em um jeito de chegar até Fernanda.

Eu falaria com ela nem que, para isso, eu precisasse invadir a


fortaleza dos Albuquerques.
CAPÍTULO XXI

Fernanda Albuquerque

Quem disse que gravidez não é doença provavelmente nunca


esteve grávida. Além dos enjoos matinais incessantes, os sintomas se
estenderam para irritabilidade excessiva seguida de crises de choro,
sonolência durante o dia e uma insônia durante a noite. Sem contar as
vertigens e vontade de fazer xixi a cada dez minutos, tudo isso apenas
no terceiro mês da gestação.

Todas essas mudanças começaram a interferir na minha rotina


na presidência. Para se ter uma ideia, ainda não fui ao escritório desde
o recesso do Carnaval, estava trabalhando em casa, a Cátia me
encaminhava os documentos para análise e, depois de assinados, eu
despachava de volta.

Hoje, quarta-feira, tinha uma reunião com investidores e


precisava ir à empresa. A reunião fora marcada para a tarde, já que
meus enjoos tendiam a desaparecer nesse horário. Mas adivinha só?
Nesse momento, estou no banheiro excretando tudo que comi no
almoço.

— Filha, não acha melhor desmarcar?

— Não, bá, passa já. Na verdade, esse foi o primeiro vômito do


dia, estamos evoluindo, né, filhote? — acariciei a barriga. — Separa
umas frutas enquanto tomo um banho para eu levar, não sei quando
terei tempo para lanchar.
— Vou preparar um lanchinho melhor, porque você agora come
por dois.

— Do jeito que ando comendo, já, já teremos duas Fernandas! —


brinquei enquanto entrava no box. Após o banho, eu me sentia mais
disposta. Vesti meu terninho preto, calcei meu scarpin vermelho e fui
para a Albuquerque's.

A reunião prevista para às quatorze horas começou com um


atraso de cinquenta minutos, o voo de um dos investidores atrasou.
Aproveitei esse atraso para me inteirar da papelada que ali estava,
passei o tempo assinando novos contratos. Com a chegada do
investidor, começamos a reunião, que foi longa. Thalita representou o
nosso setor jurídico e sanou todas dúvidas dos nossos potenciais
clientes. Cerca de uma hora depois, a reunião foi encerrada;
conseguimos firmar novos convênios e agendamos um novo encontro
para assinarmos os contratos.

— Assim que os contratos forem redigidos encaminho para


aprovação! — Thalita disse enquanto saíamos da sala de reuniões.

— Fico no aguardo.

Assim que entrei na minha sala e sentei em minha cadeira mega


confortável, retirei os saltos, meus pés latejavam. Abri a bolsa térmica
com o lanche que minha Bá preparou e tomei um delicioso iogurte
natural enquanto lia um artigo enviado pela minha ginecologista
sobre cuidados nos primeiros meses de gestação. De repente, ouvi a
voz de Cátia se elevar, explicando que a pessoa precisava ser
anunciada antes de entrar. Mas a porta da minha sala foi aberta
abruptamente e o vi surgir, seguido por Cátia. Enrijeci na cadeira
quando seus olhos encontram os meus de forma fixa.
Que merda o Marcos faz aqui?

— Marcos, eu disse que você precisava ser anunciado! — minha


secretária falava, furiosa.

— Agora é tarde, já estou aqui dentro e encontrei quem eu


procurava — ele disse com um sorriso debochado, sem tirar olhos,
ainda machucados dos socos de Felipe, de cima de mim.

— Não, não é tarde. Agora saia e aguarde lá fora até a presidente


decidir se poderá ou não o receber. — Nunca vi Cátia tão irritada
dessa forma.

— Cátia, não é pessoal, tá? Mas foda-se o protocolo, já estou aqui


dentro e não pretendo sair sem falar com a Fernanda — ele desafiou.

Eu assistia a tudo calada. Notei que além dos olhos levemente


roxeados, ele tinha um pequeno corte nos lábios, seu rosto estava
emoldurado por uma barba muito bem-feita, que o deixava com mais
cara de cafajeste. Talvez essa fosse a real intenção, ele vestia uma
camisa polo branca e uma calça jeans. O estilo despojado, aliado a
barba cerrada, me fizeram devanear sobre sua beleza. Por que tem que
ser tão babaca? Alheia a discussão dos dois, precisei interromper
quando Cátia ameaçou chamar a segurança.

— Pode ir, eu não pretendo sair daqui tão cedo — ele desafiou
novamente.

— Não precisa, Cátia, eu vou atender o Sr. Prudente. Agora


providencia uma água gelada, por favor.

— Mas, Fer...
— Pode ir, esta tudo sob controle. — Indiquei a cadeira a minha
frente para que se sentasse, mas ele continuou de pé, encarando-me.
Inspirei fundo na tentativa de me preparar para o que viria a seguir.
Não fazia ideia do teor do assunto, qualquer coisa poderia sair da sua
boca e por isso mesmo eu temia.

Aguardei que a Cátia retornasse com a água, fixando meus olhos


no computador. Sim, eu estava adiando qualquer contato visual. Mas
não pude deixar de notar uma certa impaciência na sua postura de
braços cruzados a minha frente.

— Aqui a água que pediu. Mais alguma coisa?

— Não, Cátia. Está dispensada por hoje.

Assim que Cátia se retirou, decidi pôr fim no silêncio torturante


que imperava no ambiente.

— Se você veio até aqui para falar comigo sobre a agressão do


Felipe, preciso chamar um dos meus advogados antes de
continuarmos essa conversa.

— Você está em frente a um dos seus advogados, esqueceu?

— Você é advogado da Albuquerque's. — Fiz questão de


enfatizar. — Além do mais, não posso tratar desse assunto com o
envolvido no caso.

— Relaxa, não foi pelo que aconteceu que eu vim aqui.

— Foi pelo que, então?

— Sua gravidez — ele falou, sentando em minha frente. —


Quando pretendia me contar?

— Minha gravidez não lhe diz respeito.

— Eu discordo.

— Pouco me importa se você concordar ou não.

— Mas deveria, eu tenho parte nisso.

— Parte em?

— Se eu me lembro bem das aulas de biologia, são necessários


um macho e uma fêmea para procriação...

— Você não é o único macho com quem me relacionei, Marcos.


— Joguei na sua cara e me arrependi por um segundo. — Aqui não é
lugar para isso, depois conversamos.

Ele se levantou e eu achei que a conversa finalmente tinha


terminado. Levantei, ainda descalça, para abrir a porta da sala. Doce
engano. Ele veio em minha direção devagar. Analisei seus
machucados e algo em mim foi tocado; ele tinha o rosto de cafajeste,
mas não merecia ser maculado. Ele parou bem próximo a mim.

— Avaliando o estrago? — perguntou.

— Felipe é um idiota, desculpe por...

Ele me interrompeu. Silenciou minhas palavras encostando sua


testa na minha. Fiquei imóvel, absorvendo o calor do seu corpo junto
ao meu, da sua boca encostada tão próxima da minha. Respirei fundo.
Ele tocou meus cabelos e deixou sua mão percorrer minhas
costas, parando na minha bunda; ele a apertou com força e foi meu
fim. Gemi baixinho e ele me beijou, sua língua encontrando a minha
sem se importar com os lábios machucados. Puxei sua camisa polo por
baixo e joguei-a longe. Ele sorriu, tirou meu terno e me empurrou até
a mesa, fazendo eu me recostar. Levantou minha blusa e meu sutiã,
sugando meu seio com força.

— Fê, ainda tá aí? — A voz do Felipe ecoou do outro lado da


porta, trazendo-me de volta à realidade.

O que eu estou fazendo?

— Felipe, o que você faz aqui? Ainda está suspenso! — eu disse,


arrumando minha blusa por dentro da saia.

— Não esqueci disso. Vim te pegar para jantarmos. A mamãe


pediu pra te fazer companhia.

— Eu não preciso de companhia. — Revirei os olhos.

— Deixa de ser mal-agradecida e destranque logo essa porta.

— Eu... Estou um pouco ocupada, numa conversa importante.

— Quem tá aí com você? Não é cliente, porque se fosse, você não


estaria falando da sua vida. Não me diz que está pegando alguém no
escritório? Você tá grávida!

— Não tô pegando ninguém! — gritei. — E, sim, estou grávida,


mas não sexualmente inativa. — Os olhos de Marcos percorreram
meu corpo e se detiveram nos meus olhos, antes de exibir um sorriso
“arranca calcinha”. Ele já havia se recomposto.
— Não quero saber da sua vida sexual. Já basta ter descoberto
que você transou com o Marcos. Puta vacilo, Fê!

— Ei, eu sou um bom partido! — Marcos falou, defendendo-se.

— Marcos, você tá aí? Não me diz que estão querendo fabricar


um irmãozinho para meu futuro sobrinho? Nesse ritmo, vocês terão
um time de futebol logo, logo.

Marcos gargalhou com o comentário imbecil do meu irmão.


Impaciente e querendo acabar com essa palhaçada, caminhei até a
porta e abri para que meu irmão entrasse.

— Cala a boca e entra. Os funcionários não precisam de mais


motivos para fofocar.

— Calma, Fernanda. Não precisa me empurrar também. Puta


que pariu! Marcos, seu rosto tá destruído... Prova que fiz um bom
trabalho. — Meu irmão exibia um sorriso debochado.

— Me pegou desprevenido, moleque. Afinal, não é todo dia que


o cara descobre que será pai — ele disse, fitando-me.

— Foi mal mesmo, cara, mas você e minha irmã juntos e ainda
com um filho a caminho, foi demais pra minha cabeça.

— Relaxa, você terá tempo para se acostumar — ele disse,


arrancando uma risada do Felipe.

— Pago pra ver você domar essa fera aí!

— Uma Hornet 600 cilindradas é muito pra você?


— Eu ainda estou aqui, ok? Portanto, me retirem das suas
apostinhas.

— Combinado. Agora eu vou querer sua agenda com os nomes


das gostosas. Pode ir separando porque eu vou vencer — Felipe
insistia.

— Feito, cara. — Eles continuaram me ignorando. Bufei e


caminhei até minha mesa para pegar minha bolsa e sair. — Aonde
você pensa que vai? — Marcos perguntou ao me ver andar em direção
a porta.

— Eu não penso, eu vou esperar o Felipe lá no estacionamento.


Vou deixar vocês a sós para se reconciliarem.

— Não precisa sentir ciúmes, Fê, o Marcos não faz meu tipo.

— Felipe Albuquerque, mais uma palavra e te mando para São


Paulo sem passagem de volta! — ameacei e saí da sala sendo seguida
por eles

— Ela é sempre assim? — Ouvi Marcos perguntar enquanto


aguardava o elevador.

— Assim como? — Felipe quis saber.

— Mandona, irritante e...

— Chata pra caralho? — meu irmão sussurrou, mas eu ouvi


muito bem.

— Eu ia dizer "linda quando está puta de raiva".


— Marcos, não força a amizade, ela é minha irmã.

— Ok, cunhadinho.

Cunhadinho? Foi a gota d'água.

— Ele não é seu maldito cunhado! — gritei, entrando no


elevador. — Nós não temos absolutamente nada.

— Exceto um bebê.

— Cala a boca, Felipe! — dissemos juntos.

— E você, Marcos, sai do meu pé. Esse filho é somente meu. Se


quer mesmo ser pai, vai procurar uma mulher disposta a ter um filho
com você.

— Você prefere na sua casa ou na minha?

— Seu imbecil, arrogante, presunçoso...

— Faltou bom de cama, amante magnífico e irresistível. Você


ainda não respondeu minha pergunta.

— Que tal na casa da sua mãe?

— Cemitério? Não sabia que você curtia sexo em lugares


inusitados. — O Felipe assistia a tudo em silêncio, mas caiu em um
rompante de riso, seguido pelo Marcos.

Porra! Eu não sabia que a mãe dele estava morta.

— Desculpa! — eu disse visivelmente constrangida.


— Relaxa, gata... — ele disse, balançando a cabeça e sorrindo. —
Mas sei onde fica o cemitério.

Eu inflei de raiva e saí do elevador pisando firme em direção ao


meu carro. Por que eu ainda dou corda a esse babaca?

— Fernanda, é uma piada, falei apenas para descontrair. —


Alcançou-me e segurou meu braço. — Que tal jantarmos para
continuar a conversa?

— Não temos mais nada para conversar, agora solta meu braço.
Vamos, Felipe!

— Você está me forçando a ser insistente.

— Mais?

— Ok, você não me deu escolhas. Eu acompanho vocês no jantar

— NÃO! — gritei.

— Sim, será uma noite interessante. — Meu irmão se divertia.

— Você decide, Fernanda, ou aceita jantar comigo amanhã ou


terei que acompanhá-los e conversar com você na frente do Felipe
hoje. Se você se sente confortável assim...

— Ok, eu te ligo e marcamos para amanhã — cedi a contragosto.

— Liga agora. Assim já salvo seu número.

— Aff, eu vou te ligar amanhã — disse, entrando no carro.


— Felipe, qual é o restaurante que vamos mesmo? — Ele
perguntou a meu irmão.

— Me mantenha fora dessa.

— Diz o número logo — cedi por fim e disquei para o número


informado. Ele aguardou o celular tocar e sorriu ao salvar meu
número na sua agenda. — Satisfeito? — Arrependi-me na hora da
escolha da palavra.

Ele se aproximou da porta do motorista e disse ao meu ouvido


com a voz rouca:

— Ainda não, mas já é um bom começo.

Saí cantando pneu do estacionamento da empresa.


CAPÍTULO XXII

Marcos Castro

Se a escolha da roupa foi proposital ou não, talvez eu nunca


soubesse, mas que ela sabia jogar, isso sabia. Todos os argumentos
que usaria para convencê-la, que passei horas pensando como se fosse
a defesa mais importante da minha vida, foram por água abaixo
quando abri a porta e a encontrei usando um vestido vinho fechado
unicamente por uma faixa, semelhante a um envelope. Não entendia
de vestidos, apenas dos corpos que ficavam dentro dele. Esse era justo
na cintura e nos seios. Que puta seios... Eles pareciam maiores, não que
eles fossem pequenos, pelo contrário, eram perfeitos pra mim, médios
e arredondados, do tipo que parecem ter sido esculpidos a mão. Mas
esse vestido os ressaltava e eu não consegui desviar o olhar por alguns
segundos. Nos pés, ela usava os saltos vermelhos, os mesmos do dia
da sua posse.

Notei sua impaciência diante da minha inspeção pelo modo


como ela distribuiu o peso do seu corpo nos pés, de um lado para o
outro. Passei as mãos pelos cabelos e sorri, indicando que entrasse no
meu apartamento.

— Aceita uma água, suco? Enquanto eu coloco a mesa?

— Não, obrigada.

— Fique à vontade — disse, indo para a cozinha. — Ah! Fiz uma


massa com molho de tomate e manjericão. Você gosta de massas, né?
— perguntei apenas para ter certeza, pois lembrava que em um jantar
de trabalho ela mencionou ser louca por massas.

— Sim, na verdade gosto muito. A gente poderia ir direto ao


assunto. Tive um dia longo hoje... — disse, aparecendo na cozinha.

— Não pretendo tomar muito do seu tempo. A gente come


primeiro e depois conversa, não vai fazer a desfeita de não
experimentar meu tempero, vai?

— Você cozinha? — perguntou, surpresa.

— Fui morar sozinho muito cedo, tive que me virar. Quando a


preguiça deixa, faço alguma coisa — falei, servindo-a.

Ela apenas assentiu, enquanto pegava o prato da minha mão.


Observei ela enrolar o macarrão no garfo e levar até a boca. Ela fechou
os olhos enquanto mastigava. Puta merda! Será que errei no sal? O que o
livro dizia sobre sal na gravidez mesmo? Será que devo levá-la ao pronto
socorro?

— Ma-ra-vi-lho-so! Estou sendo sincera, não sou de agradar, já


deve ter notado! — disse, sorrindo.

Respirei aliviado e comecei a comer. Milagrosamente,


terminamos o jantar sem nenhum atrito, falamos sobre o nosso
assunto neutro: a empresa. Ela dispensou a sobremesa, provavelmente
estava louca para ir embora.

— Fernanda, acho que podemos tratar desse... Hum, assunto


como dois adultos maduros, certo?

— Certo. Sou toda ouvidos.


— Não planejamos nada disso, eu sei, mas agora precisamos
resolver isso da melhor maneira possível...

— Em uma coisa concordamos, não planejamos nada, portanto


não vou te cobrar nada. A decisão de ter ou não a criança é somente
minha. Pode ficar tranquilo.

— Ter ou não? Isso não está nem em questão.

— Lógico que está! Afinal sou eu quem está grávida.

— Você só pode estar de brincadeira, é o MEU filho que está aí e


é aí que ele vai continuar, não tem discussão sobre isso, Fernanda.

— Seu filho? Quem te deu essa garantia? — Ela sorriu


ironicamente.

— Seu irmão não faria aquele escândalo todo se não tivesse


certeza. E se eu bem me lembro... Você estava tão desesperada que
não quis que eu usasse camisinha! — Rebati à altura. — Acho que sua
boca diz uma coisa e seus olhos dizem outra. — Aproximei-me da sua
boca para enfatizar meu argumento, ela se afastou.

— Ok, Marcos, não adianta negar, o filho é seu, mas só


geneticamente.

— Um a zero. Agora vamos ao próximo assunto, quero ir além


da genética... Posso sentir?

— Oi?

Aproximei-me, ficando do lado do seu corpo. De forma insegura,


minha mão direita tocou sua barriga plana. Ela estava imóvel, sua
respiração parecia presa, assim como a minha.

— Isso não vai dar certo, Marcos... Essa conversa não está
fluindo.

Minha mão foi para o laço que prendia o seu vestido e eu o


desfiz. Fernanda não me pediu para parar, então abri os lados da
roupa e coloquei minha mão na sua barriga, agora descoberta.

— Olá, bebê... Papai tá aqui e vai cuidar de você. — Ela ia


protestar, estava nítido no seu olhar e em sua boca que já se abria.
Antes que ela pudesse acabar com o clima, colei minha boca na sua.

O beijo foi desesperado, como se não acreditássemos naquela


trégua. As mãos de Fernanda puxaram meu cabelo com força,
enquanto eu jogava o vestido no chão. Segurei seu cabelo e beijei seu
pescoço; o gosto dela era melhor do que eu lembrava. De pé, no meio
da sala, ela retirou minha camisa e passou a mão na minha ereção por
cima da calça. Gemi, estava louco para fodê-la ali no chão quando um
pensamento me fez parar. E o bebê?

— Fernanda — disse, rouco, enquanto ela abria e tirava a minha


calça —, calma aí.

— Qual é o problema agora?

— O bebê. — Ela parou com as mãos na minha cueca.

— Como é que é? — Ela me jogou no sofá e me encarou.

Eu ia responder, estava formando uma linha de raciocínio


quando ela tirou o sutiã e seus seios saltaram. Puta que pariu. Ela
continuou me torturando e tirou a calcinha enquanto me olhava.

— O que você estava dizendo, Marcos? — Provocou, enquanto


sentava no meu colo de pernas abertas. Se eu não estivesse de cueca,
não conseguiria pensar. Levantei com ela no meu colo, suas pernas ao
redor da minha cintura.

— Estava dizendo que vamos fazer amor na minha cama e não


no sofá. — Calei seu protesto com um beijo.

Por mais que minha vontade fosse dar uns tapas nessa mulher
frustrante e fazê-la entender que esse filho era meu e que estaria ao
lado dele, contive-me. Deitei-a devagar e venerei seu corpo. Beijei seu
pescoço lentamente, mordi de leve seu ombro e finalmente cheguei
aos seus seios. Eles pareciam sentir falta da minha boca, estavam
prontos quando minha língua tocou o bico. Provoquei lentamente e
senti que ela estava impaciente.

— Marcos...

— Shhhh, estava com saudades, me deixe aproveitar cada


segundo. — Ela foi calada com uma mordida no bico rosado. Gemeu e
se contorceu enquanto a dor e o prazer se misturavam.

Beijei sua barriga em adoração, mas segui o caminho até suas


pernas que ela instintivamente abriu. Sorri, não era só eu quem estava
com saudades, afinal. Afastei ainda mais as suas pernas e lambi
lentamente, senti seu gosto e me senti em casa.

— Eu não vou implorar, Marcos... — Sorri.

Chupei e lambi com uma dedicação impressionante, Fernanda se


contorceu e gemeu sob minha língua e gozou com gritos altos, mas
não chamou meu nome. Ainda. Tirei minha cueca e me posicionei
entre suas pernas abertas. Entrei no seu corpo devagar e mantive o
ritmo torturantemente lento.

— Eu não vou quebrar, Marcos... — Ela gemeu e atendi ao seu


pedido, aumentei o ritmo e apertei seus seios. Ela gozou e, em
seguida, desmanchei-me num prazer intenso.

Rolei para o lado e a trouxe comigo, para não deixar o peso do


meu corpo sobre o dela. Meu coração batia acelerado por causa do
clímax, minha respiração também estava acelerada. Enquanto meu
corpo se acalmava, alisei seu cabelo. Ela não se mexeu, sua respiração
também estava acelerada, mas foi se acalmando à medida que os
segundos passaram.

Não notei que tinha adormecido até que senti seu corpo se
afastar do meu. Abri os olhos, que doíam bem menos, devagar,
imaginando que ela estivesse indo ao banheiro. Surpreendi-me ao vê-
la ir em direção a sala. Segui seus passos e a encontrei vestindo as
roupas.

— Achei que você fosse dormir aqui.

— Não sei por que isso passou pela sua cabeça.

— Depois do que aconteceu, eu...

— O que aconteceu, Marcos? Sexo consensual, nada mais, não


confunda as coisas.

Com essas palavras, ela pegou a bolsa e foi embora. Novamente.


CAPÍTULO XXIII

Fernanda Albuquerque

Um mês depois.

Não é preciso ser adivinha para imaginar que, depois da noite


que fiquei com o Marcos na sua casa, ele não me deixou em paz.
Recebi uma ligação no dia seguinte, a qual ignorei, assim como as
inúmeras mensagens que não respondi. Ele não me procurou no
escritório, pelo menos tinha bom senso. Mas mandou flores,
chocolates, até um guia de maternidade intitulado Mãe de primeira
viagem, recebi.

Evitei todo e qualquer contato com ele. Isso não significava que
não nos esbarrávamos no elevador ou nos corredores da empresa, mas
eu sempre dava um jeito de sair rapidamente, pelo menos quando o
lugar permitia.

Não que eu não sentisse falta do seu gosto, do meu nome


pronunciado pelo seu sotaque carioca, da sua boca percorrendo cada
parte do meu corpo. Mas eu não ia me dar por vencida. Não me
tornaria uma adolescente desenfreada pelo desejo só porque meus
hormônios gritavam, suplicando que eu me rendesse mais uma vez ao
seu corpo. Definitivamente não. Por isso me mantive afastada, assim
era mais fácil não desejar o que não se podia ver. Pelo menos essa era
a mentira que eu repetia todo santo dia.

Por que você não sai da minha cabeça?


Eu era um misto de contradições. Tinha momentos em que tinha
vontade de ligar o foda-se e me permitir viver apenas o momento. O
Marcos era lindo, másculo, divertido e sabia como ninguém me
satisfazer na cama, parecia que conhecia meu corpo desde sempre.
Cada toque e o ritmo cadenciado quando estávamos na cama era
perfeito. Em outros momentos, eu ainda o responsabiliza mesmo que
inconscientemente pela minha gravidez. Eu sei que fui eu que impedi
que ele usasse o preservativo, mas não o isentava de ter me abordado
na boate e me convencido a transar. Ao contrário de mim no início, ele
ficou fascinado com a situação. Via nos olhos dele que estava feliz,
que, além de ser pai, queria estar ao meu lado nesse momento... E
numa tentativa de autodefesa, eu me afastava. Não podia me deixar
ser levada pela emoção.

Assim que estacionei o meu carro na Albuquerque's, o carro do


Marcos parou na vaga próxima a minha. Sair apressada ou
permanecer dentro do carro fingindo que estou procurando algo? Era
minha dúvida. Sim, estou fugindo. Optei pela primeira opção. Peguei
meus pertences e minha bolsa e caminhei rapidamente em direção aos
elevadores. Mas não consegui evitar que ele me alcançasse, dessa
forma, vi-me forçada a segurar o elevador para aguardar sua entrada.

— Obrigado — agradeceu, passou a mão pelos cabelos e sorriu.

Por que ele sorria desse jeito? Como controlar os hormônios


desse jeito? Ainda bem que estava de óculos escuros que impediam
que ele visse a minha inspeção.

— Por nada — respondo.

— Tudo bem com o garotão aí?


Por que quando você está grávida as pessoas deixam de te ver
como indivíduo e passam a te ver como portadora de um feto?
Primeiro se preocupam com o ser que carrega, se sobrar tempo
querem saber sobre você. Nem sempre isso era legal.

— Por que você fala garotão? Pode ser uma menina.

— Meu instinto paterno diz que será um menino.

— Desde quando você tem instinto paterno? — perguntei com a


sobrancelha arqueada.

— Desde que me tornei pai? — respondeu, sorrindo.

— Está mais pra instinto babaca, mas isso não é instinto, tá no


seu DNA mesmo — retruquei.

— Dormiu mal, pelo visto. Você deveria mudar de cama.

— E você calar a boca, agora me dá licença — falei, passando por


ele.

— Qual o problema? — ele perguntou, vindo atrás de mim

— Definitivamente você é um grande problema, um problemão!


— respondi sem olhar pra trás.

— Sou? Não sabia que eu tinha essa importância toda.

— E não tem mesmo! — Virei para encará-lo.

— Não parece. Você não atende minhas ligações, ignora meus


presentes, anda evitando qualquer contato comigo.
— Eu não te devo nenhuma explicação — falei, passando pela
recepção e cumprimentando Cátia.

— Ah! Deve. Tô de saco cheio desse lance de gato e rato — ele


disse, bravo. Só aí notei que Sara estava na recepção observando tudo,
atenta.

— A gente conversa em outro momento, Marcos. — Usei um


tom sereno para pôr fim àquela exposição.

— Não! Quero conversar agora. Não vou te dar mais tempo.

— Marcos, agora não posso, tenho uma reunião daqui a pouco.

— Foda-se a sua reunião.

Puta que pariu. Por que ele não calava a boca e por que Sara
assistia a tudo com um sorriso no rosto?

— Cátia, tenho horário na agenda para atender o senhor Marcos


antes da reunião começar?

Diz que não, Cátia, diz que não.

— Sim, seu primeiro compromisso é a reunião às dez.

— Obrigada — falei e segui até minha sala com Marcos como


minha sombra. — Marcos, que isso não se repita nunca mais ou te
demito por justa causa. Se não consegue distanciar o profissional do
pessoal, me avisa que transfiro você para outra filial. Só não vem
bancar o idiota pra cima de mim. Não tenho saco pra isso! — Despejei
assim que fechei a porta.
— Foi mal. Mas estou tentando falar com você de todas as
formas...

— E acha que me abordar na frente de outros funcionários é a


melhor alternativa?

— Não, não é, mas funcionou.

— Você apenas deu margem pra fofoca e me fez ficar ainda mais
puta com você.

— Ok, desculpa. Agora deixe a presidente de lado e seja a mãe


do meu filho.

— Quando piso aqui, sou apenas a presidente. Mas para você me


deixar em paz, seu filho está bem.

— Quero ter certeza que ele está bem. Quando é a próxima


consulta? Quero acompanhá-la.

— Eu trago um relatório da próxima consulta. Já que minha


palavra não tem valor.

— Não é possível que eu precise mover uma ação judicial que te


obrigue a me deixar participar da gestação do meu filho. Fernanda,
estou tentando da maneira mais fácil, se você não cooperar, vou partir
pra cima de qualquer maneira.

— Ameaça comigo não cola. — Sentei na minha cadeira e liguei


o notebook.

— E o que é que cola? — Ele se aproximou perigosamente.


— Eu não sou obrigada a te dizer todos os meus passos só
porque estou esperando um filho cujo pai é você.

— Eu não estou te pedindo para usar um GPS! Porra, Fernanda,


para de ser infantil!

— Não grita comigo! — Ai, por que meus olhos estão cheios de
lágrimas?! Não chora, Fernanda, não chora.

— Você me tira do sério — falou mais calmo.

— Vamos fazer o seguinte. Vou te avisar a data da próxima


consulta — menti para me livrar o quanto antes da sua presença

— Hum, sério? — Olhei feio. — Ok, ok. Vou aguardar. E, ah,


você está ainda mais linda. — Piscou e saiu da sala.

O que aconteceu com a minha vida? Como ela pode se amarrar a


desse babaca aí? Eu atirei pedra na cruz... só pode ser.

O restante do dia passou sem que eu notasse, almocei no


escritório mesmo e me dediquei ao trabalho, única coisa segura,
coerente e que eu conseguia gerir de maneira eficiente.
CAPÍTULO XXIV

Marcos Castro

Se a Fernanda era teimosa, eu era insistente; quem vai vencer ao


final, eu não sabia. Só sabia que eu não desistiria sem tentar. Se ela
achava mesmo que ignorar minhas mensagens e presentes faria eu
recuar, não sabia o que a aguardava. Decidi sair de cena por ora, fingi
que acreditei na sua falsa trégua ao dizer que me avisaria sobre a
consulta... Mas, com a ajuda de Thalita, que despistou a Cátia,
vasculhei a agenda da Fernanda e descobri que a tal consulta ocorreu
semana anterior. Não ia desmenti-la, deixaria acreditar que estava no
controle... Assim, ela se sentiria mais confortável e baixara a guarda.
Só aí eu entraria escancarando a porta.

Desde a nossa última conversa, duas semanas atrás, eu não a


procurei, não enviei mensagem, sinal de fogo ou coisa parecida. O
Felipe se tornou meu aliado nesse tempo, eu praticamente o obrigava
a visitá-la todos os dias e me mandar um relatório sobre seu estado. E
não é que o pirralho vinha se mostrando um útil relator? Ele usava o
argumento de que era preferível um pai babaca à nenhum pai. E nisso
concordávamos.

Hoje é sábado e eu não pisaria na Albuquerque's, assim ficaria


mais fácil resistir à tentação de invadir a sala da presidência e
convencer, de uma vez por todas, a Fernanda a me deixar entrar na
sua vida. Queria muito mais que acompanhar a sua gestação, queria
estar ao seu lado. Puta que pariu, Marcos! Desde quando virou uma
mulherzinha? "Estar ao seu lado"... Merda! O que essa mulher fez com a
minha masculinidade? Pensei, enquanto estacionava em frente ao
shopping Iguatemi para uma reunião com proprietários de lojas.

A Albuquerque's prestava assessoria jurídica a um grupo de vinte


administradores de lojas do Iguatemi, a pauta do dia era um processo
por danos materiais. Um alagamento no shopping, provocado pelas
fortes chuvas, interrompeu o funcionamento das lojas por quarenta e
oito horas. Enquanto pessoa, entendia a frustração e necessidade de
processo contra o shopping, já como profissional sabia que seria um
processo longo que causaria mais desgaste do que benefícios, no final.

— Senhores, bom dia. — Comecei quando todos estavam


sentados. — Li o e-mail que me enviaram individualmente e,
analisando as circunstâncias, acredito que é melhor encontrar uma
solução eficaz do que mover um processo. — Mal terminei a frase e os
protestos começaram. Alguns concordavam comigo, outros
reclamavam entre si.

— Você está dizendo para nos contentarmos com tal situação?


Isso é inadmissível — protestou um senhor de cabelos grisalhos.

— Não te pagamos pra isso — bradou a única mulher do grupo.

— Sei que a situação trouxe inúmeros transtornos para todos


vocês, mas precisamos deixar a emoção de lado. Sejamos racionais.
Mover uma ação judicial irá resolver o problema de imediato?

— Eu concordo com o Marcos, nosso sistema judiciário é lento e


até obtermos um resultado, chuto por alto uns dois anos, o problema
real não será solucionado — manifestou-se Lúcio.

— Eu estou com o Lúcio, sou a favor de propor um acordo


amigável, uma redução no aluguel para diminuir o prejuízo já é um
começo — concordou Assis.

O problema desse tipo de reunião era que, em geral, eram


improdutivas. Tínhamos algumas pessoas insatisfeitas que só sabiam
reclamar e, por isso, não conseguíamos chegar a um denominador
comum. Os seus interesses pessoais se sobrepunham ao coletivo. Após
ouvir tudo que eles tinham a dizer, assumi meu papel e apresentei as
melhores alternativas. Após muitos questionamentos, finalmente
chegamos a um acordo.

— Então ficou acordado pela maioria que procurarei os


representantes da rede Iguatemi para chegarmos na melhor solução; o
desconto nos aluguéis e a exigência de convênio com uma empresa do
ramo da construção civil para agir de forma rápida na reparação dos
danos na estrutura dos prédios, serão os benefícios a curto prazo.
Assim, haverá o mínimo de interferência no funcionamento das lojas.
A longo prazo, é necessária uma melhora na estrutura do edifício. Os
demais, que ainda desejam seguir com a abertura do processo,
aguardem o término da reunião que passarei orientações específicas.

No final, apenas dois permaneceram com a ideia de mover o


processo contra o shopping. Orientei-os por cerca de quarenta
minutos, acertando detalhes de como seria a ação. Ao sair da sala de
reunião, deparei-me com mais um cliente.

Hoje tá foda.

— Hoje tá foda, hein, cara! — falou Túlio, como se lesse meus


pensamentos, vai ver minha cara não estivesse das melhores. Ele era
proprietário de um Restaurante/Churrascaria.
— Nem fala. Mas e os filhos? — O Túlio morava no mesmo
prédio que eu.

— Estão bem, a menorzinha, de dez meses, já fala papai! —


disse, mostrando-me um vídeo no seu celular com sua filha falando
algo que ele insiste em dizer que é “papai”, mas pra mim é mais
“papa”.

— Que massa, cara! — incentivei.

— A gente chega cansado no fim do dia em casa e é recebido


com um sorriso do tamanho do mundo, é muito bom — falou todo
babão.

Será que eu vou ficar assim? Peguei-me imaginando enquanto ele


falava.

— Preciso de um favorzão seu, tô com um puta problema com o


setor de RH do meu restaurante e queria orientações.

— Tranquilo. A gente pode resolver agora, tenho um tempo


livre.

— Certo, o almoço será por minha conta.

— Aí sim. — Caminhamos até o seu restaurante.

***

Já era quase fim de tarde e eu caminhava em direção ao


estacionamento que estava localizado na praça de alimentação três do
shopping, quando vi Fernanda equilibrada sobre um salto alto e fino,
empurrando um carrinho de supermercado cheio.
— Que porra é essa!? — reclamei quando ela se aproximou.

— Que tom é esse comigo? Tá louco? — ela disse, trincando os


dentes.

— É assim está cuidando bem do nosso filho? — falei, respirando


fundo.

— Marcos, não enche. Eu já estou indo pra... — Ela não


completou a frase, pois simplesmente caiu. Se eu não estivesse ao seu
lado, ela estaria no chão. Puta merda!

Uma pessoa que almoçava em uma mesa próxima trouxe uma


cadeira e sentei com ela no colo. Como agir agora? Ainda não cheguei
ao capítulo que fala o que fazer quando uma mulher grávida desmaia.
Um minuto depois, que pareceu uma eternidade para mim, ela
acordou.

— Como vim parecer no seu colo?

— Você desmaiou.

— No seu colo? — ela falou, arqueando a sobrancelha.

— Não, eu evitei que caísse. — Ela tentou se levantar


bruscamente e cambaleou, eu a segurei.

— Me solta! — ela protestou ainda grogue. Nem assim a mulher


deixava de ser teimosa.

— Ok! — falei, levantando com ela ainda no colo e sentando-a na


cadeira.
— Nandinha, o que aconteceu? — uma senhora por volta de
cinquenta e cinco anos falou, aproximando-se para tocar o rosto da
Fernanda.

— Eu devo ter tido uma queda de pressão...

— Eu estava crente que você ia tá me esperando na frente da loja


e você sai empurrando esse carrinho. Não pode, menina...

— Bá, guarda o sermão pra casa.

— Você tá de carro? — perguntei, olhando para Fernanda, que já


estava com uma aparência melhor.

— Ela não pode dirigir nesse estado.

— A senhora tá certa, dona...

— Benedita, babá da Fernanda.

Ela já contratou uma babá? E nem me perguntou nada...

— Sou Marcos, Benedita.

— O Marcos, pai do filho da Fê? — ela perguntou, examinando-


me.

— Dita! — Fernanda protestou.

— Sim, o Marcos, pai do filho da Fê. Vou levá-las em casa.

— Não precisa, eu já estou bem.


— A senhora consegue empurrar o carrinho até o
estacionamento? Enquanto eu ajudo a Fernanda a andar. — Ela
assentiu, mas Fernanda não se moveu quando eu estendi a mão.

— Eu já estou bem! — disse, recusando minha mão.

— Nanda, filha, não seja turrona.

— Ela é sempre assim teimosa?

— Desde menina, um gênio daqueles — a senhora confidenciou


com um sorriso. Então ela era mesmo babá da Fernanda e não do meu
filho. Sorri de volta.

— Se desejam tanto falar de mim, que tal voltarem para a praça e


ficarem lá conversando como velhos amigos?

— Nós conversamos a caminho da sua casa, não se preocupe —


respondi, sorrindo.

Enquanto buscava a chave do carro na bolsa, ela soltou, em


forma de sussurro, um gemido de dor. Foi quase inaudível, mas o
suficiente para chamar minha atenção.

— Desde quando está sentindo dor?

— Desde que a encontrei aqui no shopping que ela reclamou de


uma cólica leve.

Peguei a chave da sua mão e a conduzi para o banco do carona,


no qual ela sentou sem protestar; a dor deveria ser maior do que ela
deixava transparecer, pois não reclamou. Passei o cinto sobre seu
corpo e fui para o porta-malas para ajudar a guardar as compras.
— Devo levá-la para a urgência? — perguntei a Benedita.

— Por enquanto não, é normal a mulher sentir essas cólicas nos


primeiros meses. Se após um banho ela não melhorar, a gente decide o
que fazer.

— Certo — concordei e voltamos para o carro. Fernanda estava


silenciosa no banco.

Liguei o GPS e o endereço da sua casa apareceu de imediato.


Percorremos o caminho em silêncio. Eu olhava para ela, que parecia
cochilar encolhida no banco. Assim que estacionei o carro, ela
despertou. Abri a porta para que saísse, ela desceu e se apoiou na sua
babá para entrar em casa. Segui poucos passos atrás dela. A casa era
uma mansão com elevador privativo e tudo mais, não consegui me
prender aos detalhes, estava preocupado demais.

Aguardei na sala enquanto elas foram até o quarto. Passado um


longo tempo e sem retorno de nenhuma das duas, ignorei o bom
senso e subi as escadas. Localizei-as ao ouvir Fernanda falar.

— Desce e agradece por mim.

— Não seria melhor ter alguém aqui?

— Liga pro Felipe, então. Ele não tem obrigação de ficar. Além
do mais, eu estou melhor.

— Eu não vou a lugar nenhum até ter certeza que vocês estão
bem — falei ao entrar no quarto.

— Marcos, agradeço a preocupação, mas não precisa. Meu irmão


já está a caminho...
— Benedita, se a senhora tiver algo para fazer, não se preocupe,
não pretendo sair daqui tão cedo.

— Eu vou ficar mais tranquila, Nanda, se puder preparar algo


pra você comer e tiver alguém aqui... — Usou um tom de voz
suplicante.

— Bá, eu estou bem — respondeu, irritada.

— Pode ir, Benedita, eu me resolvo com ela.

Fiquei a sós com Fernanda e me sentei numa poltrona


posicionada no canto do quarto. Eu sabia que qualquer coisa que eu
dissesse poderia irritá-la, mas eu estava sofrendo ao vê-la encolhida
de dor na cama.

— Já ligou para sua médica? — eu disse por fim.

— Não, estava esperando você aparecer com essa sugestão.

— Eu só queria ajudar... Desculpa.

— Sério que ouvi um pedido de desculpas? Já liguei e ela não


atendeu. Está realizando um parto, deixei recado para vir para cá
assim que acabar.

— É grave?!

— Não sou médica.

Fiquei em silêncio, observando-a, enquanto ela tentava manter


sua postura forte na cama, embora deixasse escapar sinais de dor no
seu rosto. Por que ela não se permite sofrer? A quem ela quer
enganar? Nesse instante, seu telefone tocou e ela atendeu prontamente.

— Dra. Heloísa, Fernanda... Sim, semelhante a cólica menstrual...


Não, nenhum sangramento. Ok, fico no aguardo.

Em seguida, ouvi ela responder monossilabicamente vários "sim"


e "não". Assim que ela desligou, seus olhos ficaram tristes, ela ia
chorar?

— Ela já está a caminho, foi indicação da minha ginecologista de


São Paulo e vem me acompanhando... — falou com a voz embargada,
tentando mudar o foco.

Apenas assenti, olhando-a fixamente. Minha vontade era de


envolvê-la no meu abraço, dizer que tudo ia ficar bem. Seus olhos
capturaram os meus e, por segundos, tiver certeza que ela sentia o
mesmo.

— Me deixa só — pediu ao notar minha aproximação da cama.


Ignorei-a e toquei suas mãos, sentando ao seu lado. — Por favor... —
ela disse com os olhos cheios de lágrimas. Envolvi seu corpo com
meus braços. No início, ela não correspondeu, permaneceu estática,
mas depois se aninhou a mim. Senti lágrimas molharem minha camisa
e abracei ainda mais forte. — Meu bebê pode estar...

— Shhhh! — Silenciei-a com um beijo. Não foi um beijo urgente


como das outras vezes, mas um beijo doce, quase casto. Ficamos
naquele silêncio, abraçados até Dita trazer o jantar.

Jantamos em silêncio, apenas o barulho da TV ligada preenchia o


quarto. Cerca de uma hora depois, a médica finalmente chegou; ela
deveria ter na faixa dos cinquenta anos, era baixinha e falava com
autoridade.

— Vim assim que pude. Relata do início o que está sentindo.

— Marcos, você pode dar licença? — Fernanda disse.

— O senhor é o pai?

— Sim.

— Então fica. Preciso de alguém que escute o que tenho a dizer e


quem sabe te convença a seguir, Fernanda. — Ela apenas soltou o ar
com raiva, mas não discordou da médica.

Já gostei dessa mulher.

— Comecei a sentir umas cólicas hoje após o almoço.

— Apresentou sangramento?

— Não, apenas umas cólicas insistentes.

— Certo — ela disse, anotando em seu tablete. — Febre, náusea?

— Nada disso.

— Fez algum esforço? Pegou peso? Ficou muito tempo em uma


mesma posição?

— Eu ando trabalhando bastante, mas trabalho sentada...

— Quantas horas por dia?


— Seis. Mas eu me sinto bem — mentiu descaradamente.

— Fernanda, como eu já te disse, os primeiros quatros meses são


decisivos numa gestação, cerca de 80% dos abortos espontâneos
ocorrem nessa época. Vamos ficar de observação com essa cólica, você
precisa descansar. Caso amanhã ainda sinta dores, aconselho ir para a
clínica para realizarmos um ultrassom.

— Você tá dizendo para eu largar meu trabalho?

Puta que pariu, ela parece não querer ouvir o que a médica diz.

— Não. Estou dizendo que você deve estabelecer prioridades: a


Fernanda que trabalha é mais importante que a Fernanda mãe? Não
dá para unir essas duas? — Ficou em silêncio e a médica prosseguiu.
— Vou te deixar com um remédio para aliviar as cólicas, ele tem um
efeito sedativo, vai dormir a noite toda. Descanse no fim de semana e,
para a semana que vem, indico mais três dias de repouso e, pai —
voltou a atenção pra mim —, nada de relações sexuais até segunda
ordem.

— Como assim? — Fernanda protestou.

— Sem sexo, Fernanda, até termos garantia que o bebê está bem.

— Pode deixar, doutora, seguiremos seu conselho. Algo mais?

— Não, por ora é isso. Tome o remédio e repouso. Até mais,


Fernanda. Foi um prazer conhecê-lo, papai! — ela disse, despedindo-
se de mim.

— Pronto, agora que sabe que está tudo bem, pode ir.
— Eu vou passar a noite aqui só por garantia.

— Eu não posso transar, você ouviu a médica?

— Acha mesmo que só estou aqui por isso? — Fitei seus olhos
com fúria.

— O que mais seria?

— Eu me preocupo com você.

— Fala sério. Vai dizer pra mim que o que sentimos vai além da
atração física?

— Será que preciso mesmo responder a essa sua pergunta? Se


fosse só sexo, eu já teria vazado enquanto você se contorcia de dor.

— Mas...

— Só sendo muito burra para não ver o óbvio. — Saí do quarto e


entrei na suíte, batendo a porta com força.

Abri a ducha e molhei a cabeça, eu precisava esfriar. Minha


vontade era discutir com ela até fazê-la entender que o que sinto é
mais que desejo, mas ela estava frágil, e não queria que nada
acontecesse ao nosso filho. Eu estava somente com a roupa do corpo,
então decidi tomar um banho rápido e saí usando apenas minha cueca
boxer preta. Quando voltei ao quarto, havia uma cama improvisada
no chão. O quarto de hóspedes, que ficava ao lado, estava em reforma
e os outros ficavam em outro andar; eu não sairia de perto até ter
certeza que estava tudo bem. Deitei no colchão ao lado da cama de
Fernanda. Não consegui dormir e, pelo silêncio, achei que ela já
estivesse dormido.
— Marcos, acordado? — sussurrou.

— Sim, está sentindo alguma coisa? — falei, sentando no


colchão.

— Não. Eu só queria dizer que não tive intenção de te ofender...

— Relaxa e dorme. Você precisa descansar.

— Por que tanta preocupação comigo? Eu só te dou patada... —


disse, aproximando-se da beirada do colchão, olhava pra mim
sonolenta.

— Nem sempre a lógica prevalece na vida.

— Eu sei como é... Eu queria odiar você. Mas às vezes você é


legal e enfraquece meu ódio.

— Quer dizer que sou legal? — Sorri.

— Às vezes. Como agora que está aí, deitado no chão, ao invés


de estar dormindo na sua cama, mas na maior parte do tempo, é
babaca.

— Não há nenhum lugar do mundo onde eu prefira estar.

— Deita aqui, vai, não quero que acorde com dores nas costas,
para não trabalhar usando essa desculpa. — Deitei ao seu lado e
acariciei seus cabelos.

— Muito gentil da sua parte.


— Eu não sou tão má assim.

— Não, não é.

— Eu meio que gosto desse Marcos amigo, mas deve ser o sono e
o efeito da medicação, não se anime. — Ela acabou adormecendo em
poucos minutos.

— Você não sabe o quanto fico feliz em ouvir isso, Fernanda —


sussurrei.

Adormecemos abraçados.
CAPÍTULO XXV

Fernanda Albuquerque

Quando despertei no dia seguinte, notei a cama vazia ao meu


lado. Ótimo, ele tinha entendido o recado dessa vez. Peguei o celular
no criado-mudo, eram onze da manhã. Eu literalmente apaguei, há
tempo eu não dormia tanto. Tomei um banho e desci para atacar a
cozinha, esperava que a Dita tivesse feito algo delicioso.

Assim que cheguei à cozinha, parei na porta com a cena que vi:
Marcos sem camisa cortando verduras na bancada. Com sua voz
grave, ele acompanhava minha bá numa cantoria.

E nessa loucura de dizer que não te quero


Vou negando as aparências
Disfarçando as evidências
Mas pra que viver fingindo
Se eu não posso enganar meu coração
Eu sei que te amo

Esse era o tipo de música que Dita gostava de ouvir, sertanejo


raiz. Evidências era a canção, aprendi de tanto ouvi-la cantarolar, não
me surpreendia que o Marcos conhecesse, já a sua afinação... Até que
ele não era de todo ruim. Eles só notaram minha presença quando bati
palmas, assim que a música terminou.

— O mundo está perdendo esses grandes talentos — perturbei,


sorrindo.
— A gente te acordou? — perguntou minha bá.

— Não — respondi, beijando seu rosto.

— Dormiu bem? — questionou novamente.

— Muitíssimo bem. — Um sorriso imenso surgiu nos lábios do


Marcos.

— Eu não ganho um beijo? — ele pediu com cara de cachorro


carente.

— Bom dia, Marcos — limitei-me a dizer, sorrindo.

— Um beijo, Fernanda.

— Marcos... Faz assim, se a comida estiver boa, você ganha um


beijo.

— Mas se ela estiver ótima, eu ganho dois e um jantar — falou


com um brilho nos olhos.

— Quem fez o almoço? — Ponderei antes de aceitar.

— O Marcos não me deixou fazer nada, mas eu bem que tentei


ajudá-lo.

— Eu aceito a aposta, então.

— Vou preparar a mesa — Dita disse, deixando-nos a sós.

Marcos olhava algo no forno quando me aproximei para pegar


um iogurte na geladeira. Enquanto eu tomava o iogurte recostada na
bancada, observei seu corpo másculo: barriga tanquinho, ombros
largos, coxas definidas e a bunda? Uma bunda tão arredondada e
perfeita que eu poderia passar horas admirando. A barba cerrada
emoldurava um sorriso sempre convidativo. Quando ele sorria, o
cérebro de qualquer mortal parava de funcionar por alguns segundos.
Foi o que acabou de acontecer comigo, ele estava sorrindo pra mim
enquanto se aproximava, por isso, meu cérebro deu pane. Não tive
tempo de reagir, ele tocou minha barriga.

— Vocês me deram um puta susto ontem.

— O bebê está bem, não sinto mais cólica, vou tentar seguir as
ordens médicas.

— Eu me preocupo com vocês, Fernanda.

— Não deveria, está tudo sob controle.

— Por que você sempre fala nos momentos inapropriados?

— Eu apenas estava esclarecendo que... — Sua boca veio ao


encontro da minha e eu não completei a frase.

Meus lábios se entreabriram, dando passagem a sua língua, ela


preenchia não só a minha boca, mas também os meus sentidos. O beijo
do Marcos me deixava querendo sempre mais, mas ele diminuiu a
intensidade do beijo até ficarmos apenas próximos e ofegantes. Ele
sussurrou no meu ouvido:

— Eu gosto de você e nada do que diga, tente ou faça irá me


afastar. — E com essas palavras, ele saiu, deixando-me sem reação.

***
Devo confessar que o almoço estava maravilhoso. Salmão ao
forno, arroz cremoso e salada, tudo tão saboroso que acabei repetindo
e esquecendo a dieta da minha nutricionista.

— Acho que ganhei um jantar — Marcos falou, sorrindo.

— Vai abrir mão dos beijos assim? — provoquei-o.

— Nunca, mas esses eu não precisava ter acrescentado na aposta


— disse com uma piscadela.

— Idiota! — não consegui evitar o sorriso que surgiu nos meus


lábios.

— Também gosto de você. Agora vem a melhor parte: a


sobremesa.

— Brigadeirão? Isso por acaso é o projeto "embarangar a


Fernanda"? Porque você já concluiu a primeira parte com louvor
quando me engravidou. — Ele soltou uma gargalhada gostosa de se
ouvir e me juntei ao seu riso.

— Seria mais um projeto "fazer a Fernanda feliz". — Comi a


sobremesa em silêncio.

O Marcos e a Dita conversavam sobre a inflação e sua influência


nos preços do supermercado, enquanto tiravam a mesa. Eu estava no
sofá quando ele se aproximou, pronto para ir embora.

— Quer que eu te deixe em algum ponto de táxi? — perguntei.

— Não precisa, o Alê já está chegando, além disso, a palavra de


ordem é REPOUSO.

— Ok.

Ele sentou do outro lado do sofá e começou a responder


mensagens no celular enquanto sorria. Minutos depois, o interfone
tocou e autorizei a entrada de Alexandre no residencial.

— Dita, foi um prazer conhecê-la — ele disse, abraçando-a.

— Eu também gostei muito de conhecer o senhor.

— Marcos, apenas Marcos, e vigia nossa menina na minha


ausência. — Ele se refere a mim? Eu já o aguardava na porta. —
Qualquer coisa me liga, independente da hora. Fica bem. — Apenas
assenti. Ele saiu em direção ao carro e eu senti a necessidade de dizer
alguma coisa.

— Acho que te devo um jantar.

— Você terá tempo de cumprir sua aposta. — Ele entrou no


carro, deixando-me ali, parada.

Não sei por que, mas já começava a sentir saudades.


CAPÍTULO XXVI

Marcos Castro

— Sério que você dispensou a gata? — Só tive tempo de sentar


no banco do carona, antes de ser bombardeado por perguntas, meu
amigo parecia uma mulher curiosa, querendo saber das coisas.

— Não acredito que você ouviu, cara. Você parece aquelas


velhas que ficam observando a vida alheia da janela de casa.

— Nesse caso, seria do carro mesmo. — Ele riu. — Mas sério, ela
estava te convidando para ficar.

— Não, Alê, ela estava querendo se livrar de mim o quanto


antes.

— Como assim? A expressão corporal dela indicava outra coisa...

— Andou observando demais, Alexandre!

— Caralho! Me chamou de Alexandre, tá ficando possessivo! —


disse, sorrindo.

— Sai fora, Alê.

— Se eu te disser que ela parece ainda mais gostosa grávida, os


seios dela praticamente saltavam da blusa...

— Tá de sacanagem, né?
— Você não notou? — disse ironicamente.

Meu maxilar travou e meus músculos se retesaram; os


comentários dele referente as mulheres com quem eu me relacionava
nunca me atingiram, mas com Fernanda era diferente e um instinto
primitivo parecia tomar conta de mim. Se o Alexandre não fosse meu
amigo, eu o teria calado com um soco. Ele notou minha tensão e tirou
uma das mãos do volante.

— Marcos, amigo. Calma, garoto.

— Dormi mal, cara — menti — Tô estressado.

— Paixão agora virou sinônimo de estresse?

— Tá tão na cara assim?

— Você ia me agredir, porra!

— Não, não ia.

— Ia, sim. Você ficou transtornado de ciúmes quando falei que


ela estava mais gostosa.

— Não foi ciúmes, apenas achei desrespeitoso.

— Com ela ou com você? Porque acho que ela ia ficar feliz com o
elogio.

— Comigo, pronto! Agora encerra o assunto.

— Nada disso, agora que começou diz logo de vez. Eu esperei


tanto tempo para ver meu amigo cair nas armadilhas do amor que
vou te encher pelo resto da sua vida. Já se declarou pra ela?

— Tá louco? Ela iria me transferir para o Polo Norte.

— Você está fodido, então! — ele disse, sorrindo.

— Completamente.

— Engraçado como é o destino, hein? Quem diria que o


garanhão se apaixonaria por uma mulher que não caiu nos seus
encantos. Qual seu plano?

— Convencê-la que posso ser o cara certo não só para ser o pai
do seu filho, mas também para ser o homem da sua vida. — Alê
gargalhou.

— Desde quando se tornou piegas desse jeito?

— Desde que meu primeiro pensamento do dia é Fernanda


Albuquerque.

— Boa sorte, cara.

— Vou precisar.

Decidimos passar no supermercado. Compramos cervejas,


salgadinhos e outros petiscos para comermos durante o jogo.
Passamos também no Iguatemi, onde deixei meu carro estacionado no
dia anterior, com meu bebê resgatado, seguimos para meu
apartamento.

Pouco mais de uma hora depois, minha sala continha homens


esparramados pelo chão, gritando e vibrando com cada lance da
partida de futebol. Mesmo sob meus protestos — avisei que pagariam
a multa do condomínio por excesso de barulho —, os gritos
continuaram.

A partida a que assistíamos era a final do Campeonato Inglês:


Chelsea X Manchester United, um clássico do futebol mundial. Não
era o futebol pé de chinelo do campeonato brasileiro, tratava-se de
uma obra de arte com direito a lances épicos, dignos de serem
aplaudidos de pé pelos torcedores presentes. O primeiro tempo
acabou 2x2 e aproveitamos para debater sobre a partida, enquanto os
melhores momentos eram reprisados. Sim, é isso que nós homens
fazemos durante o jogo: acompanhamos a partida, vibramos,
xingamos e, no intervalo, ainda falamos sobre a partida.

— O Fabregas tá fodendo com o jogo do Diego Costa, pô. Cada


passe errado! — Luiz disse.

— Porra, se foder é dar duas bolas pro gol... — Danilo opinou.

— Lance de sorte — Luiz rebateu.

— Brother, foram dois golaços do caralho — Alexandre disse.

— Golaços? Tão falando do gol por cobertura do deus Roney,


né? Tô sentindo cheiro hat-trick no ar — falei, entregando mais
cervejas.

— Com a zaga bobeando desse jeito... — Danilo completou.

— Dois erros do filho da puta do Felipe Luís, isso que dá ter


zagueiro da seleção na final. — Todos rimos.

Recomeeeeeça a partida! O narrador anunciou na TV e todos


silenciamos no mesmo instante. A partida acabou com a vitória do
Manchester por 4 a 2. Quando meus amigos se despediram, já passava
das vinte e duas horas. Eu, como anfitrião, fiquei com a parte ruim:
organizar a bagunça. Já que dona Maria só aparecia na quarta e me
mataria se encontrasse o caos que estava, acabei de organizar as
coisas, tomei um banho e capotei, só acordei no outro dia com o toque
do despertador.

***

Na quarta-feira, eu trabalhava no escritório, concentrado na


elaboração de um contrato. Pela persiana, eu observava o temporal
que caia na cidade. O dia amanheceu nublado, mas conforme as horas
foram passando, a brisa deu lugar a uma chuva torrencial com direito
a relâmpagos e trovões. Minha companheira de sala se assustava a
cada barulho emitido céu.

— Thalita, você vai enfartar desse jeito.

— Odeio trovões desde criança. Não vejo a hora de ir para casa.

— Não sabia que você tinha um lado frágil — brinquei com ela.

— Hahaha!

— Vai pra casa, falta menos de quarenta minutos para o fim do


expediente, nossa chefa não irá descontar do seu salário.

— Adoraria ir pra casa, mas ficar sozinha lá nessa tempestade?

— Cadê o Batman?

— Batman?
— Sim, Superman era meu amigo João Pedro. Fernando é das
trevas, todo misterioso, portanto é o Batman.

Ela gargalhou.

— Ele foi visitar a irmã, ela está de repouso e ligou reclamando


que estava entediada e exigiu que ele fosse visitá-la.

— Por que você não foi?

— Ela não é muito minha fã, além do mais, eu estou trabalhando.

— De quem ela é fã?

— Fato! E vocês?

— Quem?

— Você e Fernanda.

— O pessoal da empresa já foi embora, o que vocês fazem aqui?


— Cátia falou, entrando na sala e me salvando do interrogatório.

— Ninguém nos comunicou.

— Certeza? Eu mesma disparei os memorandos.

— Estávamos concentrados nas nossas atribuições, não temos


tempo de ficar olhando e-mails.

— Não? E o que é aquela janela do Twitter aberta?

— Fui pego no flagra. — Rimos.


— Cátia, o que você vai fazer? Não quero ficar sozinha no meu
apartamento.

— Eu estava querendo pegar um cineminha, o que acha?

— Ótimo, qualquer coisa para não ficar sozinha.

— Quer ir junto, Marcos?

— Não, gatas, eu tenho um processo para finalizar.

— Então tchau.

— Beijos, gatas.

Cátia e Thalita saíram e fiquei concentrado na elaboração do


processo. Elaborar uma argumentação indenizatória contra uma
multinacional exige atenção e sagacidade. Enquanto eu trabalhava
sozinho na acusação, tinha mais cinco advogados do outro lado,
sedentos por uma brecha para se safarem da situação. Perdi a noção
do tempo e, quando me dei conta, passava das dezessete horas.
Desliguei o computador e as luzes da sala, me dirigindo até o
elevador. Enquanto me espreguiçava, uma mulher alta, de cabelos
pretos e longos, com um par de olhos verdes desconfiados, saiu do
elevador puxando uma mala.

— Boa tarde ainda, né? — ela falou, olhando no relógio. — O


senhor poderia me informar onde fica a sala da Fernanda
Albuquerque?

— A sala dela é a última no fim do corredor, a maior, mas não há


ninguém lá, nem na empresa, na verdade todos se foram por causa do
temporal.
— Droga! Vim fazer uma surpresa para ela... Muito obrigada...
senhor...?

— Marcos Castro.

— Marcos, é advogado? — perguntou, sorrindo

— Sim.

— Marcos, prazer, Soraia Buchmann. Amiga da Fernanda —


falou, estendendo a mão para me cumprimentar, mas como bom
carioca, cumprimentei-a com dois beijinhos.

— Muito prazer, Soraia. Pelo seu sorriso, presumo que sabe


quem eu sou.

— Sim, na verdade, sei o principal, que você é o pai do filho da


minha amiga.

— Somente pai biológico, infelizmente.

— Como assim?

— Sua amiga é teimosa demais para aceitar toda e qualquer


aproximação minha.

— Já conhece bem o jeito Fernanda de ser, pelo visto — ela falou,


sorrindo.

— Já. E por mais que eu tente invadir a sua redoma de vidro, ela
sempre dá um jeito de me expulsar.
— Eu acho que posso te ajudar...

— Pode? — perguntei, esperançoso.

— Que tal jantarmos e se eu julgar suas intenções boas, você


pode ganhar uma aliada. Aceita?

— Você é advogada também?

— Não, CEO da empresa da minha família.

— Todas as amigas da +Fernanda são assim?

— Empresárias bem-sucedidas e dominadoras?

— Eu diria sedentas por poder. — Ela gargalhou enquanto


entrávamos no elevador.

Fomos a um bistrô próximo ao escritório. Falamos de trabalho;


Soraia me contou sobre sua desgastante vida de CEO, mas que, apesar
do desgaste, ela amava o que fazia. Resolveu se dar alguns dias de
férias porque sentia falta da Fernanda e veio ajudá-la na decoração do
quarto do bebê, fazer as compras do enxoval e etc. Ela falava da
Fernanda com muito carinho e admiração, revelou algumas
brincadeiras de criança delas, quando a Fernanda fazia seus irmãos e
primos de lacaios.

A noite foi bem divertida, respondi inúmeras perguntas feitas


pela Soraia. Ela queria saber quais eram as minhas reais intenções, o
que eu pensava sobre paternidade, se eu estava ali pela criança ou
pela sua amiga, entre outras questões. Fui franco em todas as
respostas. Revelei o quanto eu estava atraído por Fernanda e não era
somente atração física, extrapolava. Eu sentia falta da risada e do seu
cheiro dela, inclusive do modo como mordia os lábios quando estava
tensa. Um bebê a caminho só serviu para eu ter certeza do que queria:
acordar ao seu lado todos os dias. Precisava acompanhar a gestação
de perto, mas não era só isso.

— Você já disse tudo que acabou de me dizer a ela?

— Não exatamente com essas palavras.

— Está esperando o que para assumir o papel de pai e


companheiro na vida dela?

— Você a conhece...

— Sim, a conheço, mas ela não é teimosa a ponto de não


enxergar o quanto há de paixão, tesão e saudade em seu olhar.

— Ela não permite que eu me aproxime dela no escritório, na sua


casa então...

— Já sei! O ultrassom para saber o sexo do filho será por esse


dias, pelo que ela comentou no grupo. Vou acompanhá-la e te aviso, aí
é só você aparecer lá de surpresa, entendeu? — propôs com uma
piscadela.

— Faria mesmo isso por mim?

— Não, faria isso pela felicidade da minha amiga. Gostei de você


e acho que podem dar certos juntos. Agora esse será um segredo
nosso, ou ela vai me expulsar da casa dela mesmo com esse temporal!

— Soraia, muito obrigado mesmo. Como posso fazer para te


agradecer?
— Me deixar num ponto de táxi seria uma ótima forma.

Paguei a conta e a deixei num ponto de táxi perto da casa de


Fernanda para evitar suspeitas.
CAPÍTULO XXVII

Fernanda Albuquerque

A quarta-feira foi marcada por uma chuva constante, o que me


fez ficar aninhada no meu quarto durante todo o dia. À tarde, o tempo
piorou e parecia que um dilúvio caía lá fora. Eu agradeci aos céus por
estar em casa, embaixo do meu edredom, assistindo TV e bebendo
chocolate quente. Já passava das vinte horas quando Dita veio me
avisar que tinha uma pessoa na portaria querendo autorização para
entrar. Estranhei, não costumava receber visitas, somente as visitas
que eu impunha, como a dos meus irmãos, tal qual Fernando foi
submetido hoje. Para minha surpresa, era minha amiga Sol. Saí da
minha cama quentinha e fui receber minha amiga encharcada, na sala.

— Como assim antecipa a viagem e não me comunica? — falei,


abraçando-a e beijando-a.

— Vou acabar te molhando, sua maluca! — Afastou-se, mas


antes retribuiu o abraço e o beijo. — Decidi fazer uma surpresa.

— E conseguiu. Que bom que você está aqui.

— Sol, vai tirar essa roupa molhada enquanto pego um chocolate


pra você, menina.

— Dita sempre cuidando de suas meninas. Assim que eu tiver


seca, vou te dar um abraço bem apertado.

— Saia fora, Sol, a Bá é minha e não divido — falei, brincando.


— Acho que a Dita deveria ser clonada. Também queria ela pra
mim.

— Tem Dita para as duas, agora trate de se trocar, Sol.


Nandinha, troque o pijama também.

— Sim, senhora! — dissemos ao mesmo tempo.

Subimos para meu quarto e, enquanto eu vestia um pijama seco,


minha amiga tomava banho. Assim que ela saiu do banho, juntou-se a
mim na cama. Os quartos de hóspedes deste andar estavam passando
por uma reforma. Para o recebimento do meu bebê, eu decidi ampliar
o quarto, transformando dois em um; o arquiteto responsável
apresentou um problema familiar, atrasando a reforma.

Minha cama era King Size e havia espaço para mais duas pessoas
aqui. Além do mais, estar com a Sol ali, ao meu lado, era como voltar a
infância, época que acampávamos uma na casa da outra e fingíamos
que éramos rainhas de um castelo. Note que não falei princesa, nosso
foco sempre foi poder, dominação, não é à toa que hoje presidimos as
empresas de nossas famílias.

— Já te disse o quanto estou feliz de ter você aqui grudada


comigo? Me sinto órfã de amigas.

— Eu também sinto sua falta. Perdi minha companheira de


teatro, shows de jazz...

— Já sei como resolver esse problema — falei, animada,


sentando-me na cama.

— Como?
— Transferindo a sede da Luxúria pra cá. Não é uma excelente
ideia?

— Excelente ideia, se não fossem os acionistas. A empresa tem


30% das ações na Bolsa de Valores, daria muito trabalho mudar a
empresa assim do nada.

— Não é do nada, é para ficar perto da sua amiga.

— Você entendeu...

— Tô brincando, só me sinto sozinha. Às vezes, palavras não


acalentam. Sinto falta das meninas, das conversas madrugada
adentro, das noitadas, dos abraços, das broncas e até das discussões.

— Também sentimos sua falta. Você é a líder e nosso bando ficou


desorientado sem seu comando.

— Viu, filhote? Mamãe é foda! — falei, alisando a barriga.

— Sua barriga deu um salto no último mês. Você tá ainda mais


linda grávida.

— Verdade, estive olhando as últimas fotos que tirei e já estou


barrigudinha. E feliz, não é estranho?

— Não, não é. Você está radiante, com uma alegria genuína.

— Me sinto assim mesmo, nunca me imaginei grávida, mas


estou curtindo esse momento. Exceto os enjoos, essa é a pior parte, já
deveria ter parado.

— Nada é perfeito, né, titia! — falou, acariciando minha barriga.


— Estou ansiosa para saber se terei que comprar lacinhos ou
touquinhas.

— E eu? Já cheguei a sonhar e tudo mais.

— Era menino? O pai ia ficar babão.

— Como você sabe?

— Chute, amiga, os homens preferem meninos.

— Você acredita que ele me disse que o instinto paterno diz que
será menino? Mas eu sonhei com menina.

— Poderiam ser gêmeos. Já pensou?

— Quer me enlouquecer, né? Dois é demais! — falei, sorrindo.

— Eu ia adorar ver um Marquinhos e uma Fernandinha


gritando: tia Sol, me leva pra passear.

— Não se preocupe, um sobrinho só terá o mesmo efeito. Sexta é


o ultrassom, você vai comigo, né?

— Vim exclusivamente para isso.

Sorri e passamos a relembrar nossa adolescência.

***

Após o descanso forçado, retornei ao trabalho. Não que antes eu


estivesse cumprido a ordem de ficar sentada curtindo o repouso,
acabei agendando algumas reuniões e resolvendo coisas do meu
escritório particular. Cheguei a Albuquerque's antes do expediente e
me afundei na cadeira, enquanto analisava toda pilha de documentos
dispostos na minha mesa. O documento mais importante era da
organização das Paraolimpíadas, que nos comunicava que dentro de
um mês nossa equipe deveria estar à sua disposição. Eu já havia visto
alguns detalhes sobre os atuais funcionários que integrariam a equipe
e discutido com o RH sobre a contratação de outros funcionários, mas
faltava consultar o Fernando para tomar a decisão final.

Interfonei para a recepção, ia pedir a Cátia que preparasse um


chá, mas ninguém atendeu. Estranho. Liguei mais uma vez, enquanto
mexia nos papéis soltos na mesa e encontrei um aviso dela para me
lembrar precisaria do dia de folga para acompanhar a mãe em uma
consulta médica. Esqueci completamente que tínhamos combinado tal
folga. Resolvi eu mesma descer até a copa e preparar o chá, já que café
estava fora do meu paladar.

Péssima hora para ir à copa, foi o pensamento que veio a minha


cabeça quando ouvi, de longe, os burburinhos na copa. Assim que
entrei, o silêncio imperou no ambiente.

— Bom dia! — cumprimentei os presentes, enquanto colocava


água na minha xícara e caminhava até o micro-ondas.

— Bom dia — responderam todos. Sara e outras duas mulheres


de quem não lembrava o nome conversavam baixinho, a Thalita
estava encostada na bancada, bebendo café.

— Se preferir, tem café, acabei de fazer. Além de uns pães de


queijo feitos pela Dona Francisca, que estão uma delícia — Thalita
disse gentilmente.
— Só de ouvir a palavra café eu tenho náuseas, enjoei
completamente. Mas os pães de queijo eu aceito — falei, pegando um.

— Dizem que algumas mulheres sentem isso mesmo. Há


mulheres que enjoam até do marido! — disse a morena ao lado de
Sara, que eu descobriria em que setor trabalhava, intrometendo-se na
conversa.

— Eu tenho uma teoria contrária, talvez a mulher fique tão chata


que é o marido quem não a procura mais. Porque uma mulher com
barrigão não é nada atraente, convenhamos — disse Sara com um
sorrisinho nos lábios.

— Eu discordo, acho que a mulher grávida fica ainda mais linda,


radiante, na verdade — disse Thalita, fuzilando a Sara com um olhar.

— Isso porque você não está grávida — rebateu Sara.

— Tenho certeza que meu irmão irá venerar ainda mais a Thalita
quando ela estiver esperando um filho. — Thalita sorriu pra mim.

Felipe e Marcos chegaram ao mesmo tempo à copa.

— Marcos, acho que invadimos o Clube da Luluzinha, qual o tema


da vez? Esmaltes, vestidos? — perturbou meu irmão.

— Gravidez! — anunciei enquanto saboreava meu chá.

— Tô fora desse papo — meu irmão disse, fazendo uma careta.


— Você vem comigo, Marcos?

— Tô contigo! — Marcos respondeu, virando-se para sair da


copa acompanhando Felipe.
— Marcos — chamou Sara, fazendo-o voltar. — Estamos com
uma tremenda dúvida e precisamos da sua opinião masculina e
experiente. Duas de nós defendem que uma mulher grávida pode ser
sexy mesmo com aquela barriga cheia de estrias e enjoos constantes. O
que você acha?

— Primeiro precisamos dissociar a mulher da grávida. Estar


grávida é uma situação temporária. Um homem, quando deseja uma
mulher, deseja em todas as situações e devo admitir que a gravidez
traz inúmeras vantagens no sexo: os seios maiores, as posições a
serem descobertas para contornar a barriga que cresce a cada mês.... E
há ainda o mais importante: o gozo da mulher se transforma em
música para os nossos ouvidos. — Ele fixou o olhar no meu. —
Esclarecido? — Sara apenas assentiu, por essa ela não esperava. —
Agora com licença, o trabalho me espera — ele falou, saindo.

— Fernanda, a senhora concorda com a explanação do Marcos?


— Sara falou, desafiando-me.

Se era circo que ela queria, ela teria.

— Eu apenas acrescentaria a libido. Qualquer toque deixa a


mulher grávida excitada, e se o homem que está ao seu lado é sexy, ela
vai ao êxtase mesmo com uma barriga cheia de estrias. Respondido?

Saí e Thalita veio junto comigo. Caminhávamos em silêncio, eu


tentava entender as ironias da Sara sobre o assunto. Não que minha
gravidez fosse segredo de Estado, mas também não era um assunto
que cabia aos funcionários. A verdade é que eu já tinha uma antipatia
gratuita por ela, como diz minha mãe, “nossos santos não se batem”.
Mas até então ela nunca tinha feito nada que me incomodasse.
— Há quanto tempo a Sara trabalha aqui?

— Acho que uns dois anos — Thalita respondeu.

— Humm... Ela é do setor jurídico, não é?

— Sim, infelizmente.

— Ok, obrigada.

— Posso te dizer algo?

— Claro.

— Eu não deveria dizer isso, já que somos colegas de trabalho...

— Então, fale como minha cunhada.

— Não leve a sério as insinuações da Sara. Ela é venenosa e se


descobrir que você ficou incomodada, vai continuar.

— Ela escolheu a pessoa errada para incomodar, então...

— Além do mais, ela deve estar morrendo de inveja porque você


está ainda mais bonita.

— Obrigada. E eu fui sincera quando disse que meu irmão


veneraria quando estivesse grávida. — Ela sorriu.

Despedimo-nos quando ela chegou em sua sala.

***
Passava da hora do almoço e eu estava atolada em trabalho,
havia inúmeros documentos para ler, mas o estômago já reclamava. A
maçã que havia levado na bolsa não foi suficiente para saciar minha
fome. Prometi a mim mesma que assim que acabasse de ler a proposta
para expandir a franquia Albuquerque's no Nordeste, eu sairia para
almoçar.

Ignorando os resmungos do meu estômago, dediquei total


atenção a leitura da proposta de um empresário holandês, dono de
uma rede de Resorts espalhados pelo Nordeste. O projeto era
ambicioso, o objetivo era levar para todo o Nordeste uma marca forte
voltada exclusivamente ao turismo. Enfatizando os pontos turísticos e
incentivando a criação de novos espaços que logo se tornariam
turísticos, os Resorts eram um exemplo perfeito disso: unia lazer e
turismo. O relatório incluía planilhas detalhadas e informações
referentes à público-alvo, investimento, terrenos para a construção e
até esboços de convênios com governos locais havia. Ter uma marca
que trabalhasse exclusivamente com isso era realmente uma proposta
sedutora; lógico que isso teria que ser pensando e discutido com nossa
equipe para ver se essa parceria seria viável e lucrativa para nós.
Encaminhei a proposta para meu pai e Fernando, destacando os
pontos positivos e negativos que observei. A depender da resposta
deles, que eu acreditava que seriam positivas, logo eu estaria
agendando uma reunião com o empresário.

Batidas na porta me tiraram dos meus pensamentos.

— Pode entrar! — disse, calçando os sapatos rapidamente. Meus


pés latejavam, por isso eu os tirei assim que entrei na minha sala.

— Desculpa incomodar, senhora Albuquerque, mas notei que


não havia saído para almoçar e tomei a liberdade de comprar uma
comida para a senhora.

— Agradeço a gentileza, senhor Marcos, e deveria dizer que não


precisava, como preza a boa educação, mas com a fome que estou eu
não ousaria fazer isso — falei, sorrindo, e fazendo Marcos sorrir de
volta.

— Espero que goste — disse, colocando a comida sobre a mesa


que havia no canto da sala.

Levantei e fui andando, na verdade quase correndo, até a mesa e,


assim que abri a embalagem, minha boca chegou a salivar com o
cheiro maravilhoso que invadiu a sala.

— Purê de batatas, arroz branco, frango grelhado e brócolis.


Consultou minha nutricionista para montar o prato? — falei,
enquanto já levava o garfo à boca.

— Não. Li, no livro que te dei um exemplar, que as mulheres na


sua condição devem ter uma alimentação balanceada.

— Que condição: a de presidente ou de gestante?

— Ambas. A primeira porque agradar a chefe é sempre benéfico,


afinal uma promoção é sempre bem-vinda... — Ele sorriu.

— E a segunda? — perguntei, olhando nos seus olhos.

— A mãe de um filho meu deve ser venerada e alimentá-la é


apenas uma das formas que encontrei para demonstrar minha
adoração.

Essas palavras, ditas olhando fixamente em meus olhos,


atingiram-me como se uma corrente de ar quente me rondasse; eu me
senti cuidada, amada. Eu já havia sentido isso quando ele cuidou de
mim dias atrás e isso me desestabilizava, porque, por mais que eu
buscasse demonstrar que nada daquilo me abalava, a verdade era
outra. Eu estava gostando de tanto carinho e, o pior, eu sentia que
gostava desse Marcos pai, atencioso e cuidadoso.

— Obrigada mais uma vez — disse com a cabeça baixa para


evitar que ele notasse o quanto fiquei mexida com suas palavras.

— Não agradeça! Trate de comer tudo, só sairei daqui quando


não sobrar um único grão nesse prato. — Seu tom de voz foi firme,
mas com um sorriso tentador nos lábios. Por que ele tem que sorrir desse
jeito?

Eu prontamente obedeci, saciando minha fome. Assim que


acabei a refeição, ele se afastou, caminhando em direção a porta.

— Marcos! — chamei quando ele alcançou a maçaneta. — Muito


obrigada por tudo.

Uma lágrima furtiva escorreu do meu rosto. Ele voltou, enxugou


a lágrima desobediente com o polegar e me abraçou.

— Fiz algo errado? — perguntou quando a lágrima se


transformou em choro.

— Não. Eu que estou assim, chorosa. — Funguei. — Pode não


parecer, mas escondido a sete chaves bate um coração aqui — falei,
sorrindo.

— Tenho certeza disso. Só queria ter uma dessas chaves... —


Afastei-me um pouco do seu corpo para que eu pudesse encará-lo.

Seus olhos me encaravam com expectativa. A frase que ele


acabara de me dizer não tinha nada de superficial e isso me fez voltar
a chorar novamente. Eu também quero não ter medo de me entregar,
Marcos... Ficamos abraçados por mais um tempo e ele se afastou com
um beijo na minha cabeça.

— Se cuida! — disse antes de sair da minha sala.

Após lavar o rosto e controlar as lágrimas, tentei me concentrar


no trabalho. A tarde foi marcada por duas reuniões, a primeira com o
departamento de Relações Públicas. A diretora de uma das equipes
havia pedido desligamento da empresa, pois o marido havia sido
transferido para Miami e toda a família o acompanharia. A pauta era a
contratação de um profissional para substituí-la e a viabilidade de
criar redes sociais para a Albuquerque’s, para tal contrataríamos uma
assessora que alimentasse as redes. A segunda reunião, muito mais
longa, foi com o setor de RH; eles apresentaram planilhas que
indicavam que o nosso quadro de funcionários precisava ser
ampliado, pois havia requerimentos de diversos setores, solicitando
funcionários para integrar as equipes. Pedi que fosse solicitado de
cada setor a demanda com os números de funcionários solicitados,
seus respectivos cargos, exigências profissionais e outras informações
necessárias para a contratação.

***

Assim que cheguei em casa, já com os saltos nas mãos, joguei-


me no sofá. Meus pés e pernas doíam, além de uma dor de cabeça que
me incomodava. Acabei cochilando no sofá mesmo. Fui acordada por
Dita. Arrastei-me até a cozinha, fiz minha refeição e subi para tomar
banho.

O banho me despertou. Eu estava ansiosa para saber se meu pai


já tinha respondido meu e-mail. Sentei na cama e liguei o notebook,
meu pai estava no Skype. Começamos a conversar, ele não só já tinha
lido, como também estava empolgado com a proposta; apresentou-me
o que pensou e ficou de consultar sua equipe com calma antes de me
dar o aval. Já passava das dez da noite quando nos despedimos e
desliguei o notebook. Bebia um leite quente — que, segundo Dita, me
ajudaria a dormir melhor — enquanto olhava pela janela do meu
quarto para o nada. Notei um carro estacionar em frente à minha casa.

Um homem alto, de cabelos escuros, dono de uma bunda bem


interessante, destacada numa calça social, desceu de um carro sedan
preto e abriu a porta do carona para que o passageiro descesse. Era
minha amiga Soraia. Eles se despediram com um abraço e quando ela
se afastou para entrar em casa, ele a segurou pelo braço e puxou-a
para si num beijo ardente. Minha amiga passou a mão pelo seu
pescoço, enquanto as mãos dele percorriam suas costas e braços.
Minutos depois, o beijo cessou e ele a soltou lentamente, dizendo algo
no seu ouvido que a fez sorrir e correr em direção a porta.

— Que cena mais caliente a senhora Buchmann acabou de


protagonizar! — falei assim que ela entrou no quarto.

— Que susto, Fê! — Seus lábios estavam vermelhos e os cabelos


bagunçados.

— Desculpa — falei, sorrindo. — Quem era o gostosão? Era seu


advogado?

— Você agora virou voyeur? — disse, jogando-se na cama.


— Não é todo dia que Soraia Buchmann perde o controle! —
falei, sorrindo. — Conta logo! Era o advogado?

— Não! Ele foi só um namorico de nada. Digamos que


enxergávamos o mundo bem diferente.

— Então quem é o dono daquela bunda?

— Você conseguiu ver daqui de cima?

— Não tanto quanto eu gostaria, mas ela estava perfeitamente


ajustada no tecido social, não pude deixar de notar.

— Bebê, sua mãe é uma devassa! — ela falou, gargalhando.

— Não, filhote, mamãe é apenas uma boa observadora e sabe


reconhecer um homem gostoso quando vê da sua janela.

— Para de me olhar assim, Fernanda.

— Assim como?

— Como se quisesse me torturar para descobrir tudo sobre o


homem que acabou de ver.

— Você é muito sagaz, cara Soraia. Eu estava pensando em


aplicar a arma fatal das cócegas, sei que você não resistiria! — falei,
atacando com cócegas seus pés, era o seu ponto fraco. Ela começou a
rir descontroladamente e implorou que parasse.

— É apenas um amigo — disse, ficando de pé com um


travesseiro para se proteger.
— Humm, amigo... E o beijo é a manifestação de carinho dessa
linda amizade!?

— Sim, bem semelhante à sua amizade com o Marcos.

— Não somos amigos e você sabe.

— Não? Se sem ser amigos você engravidou dele, imagina o que


aconteceria se fossem? — Ela gargalhou e eu a acertei com um
travesseiro.

— Tá muito engraçadinha... Agora abre logo o jogo, passa a ficha


completa do boy magia. O principal: ele é bom de cama?

— Se eu disser que estávamos bêbados quando transamos pela


primeira vez, mas mesmo assim foi a noite mais foda da minha vida,
você acreditaria?

— Senta aqui e me conta tudo. — Apontei para a cama. — Você,


bêbada? Essa história é melhor do que eu pensei.

Ela me relatou com um sorriso bobo nos lábios, que há muito


tempo eu não via, que o conheceu num happy hour; eles foram
apresentados por um amigo em comum, ambos tinham sido
abandonados pelos seus respectivos noivos. A conversa se estendeu e
algumas tequilas depois, eles estavam em um motel, com ela tendo
orgasmos múltiplos.

— Esse cara é um deus. Não deixa ele escapar, amiga — falei,


sorrindo.

— Não pretendo largá-lo.


— E como se encontraram aqui? Combinaram?

— Não. Parece coisa do destino. Eu estava saindo do shopping e


o encontrei por acaso, ficamos conversando até agora...

— Destino mesmo. Agora me diz quem é o responsável por esses


olhinhos brilhando e esse sorriso nos lábios? Tô tão feliz por ver você
assim! — falei, abraçando-a forte.

— João Pedro Leal é um belo nome?

— Maravilhoso. Combina perfeitamente com Buchmann. Já


posso até ver você assinando os documentos como Soraia Buchmann
Leal. — Gargalhamos.

Passamos a noite repassando os detalhes do mais-que-perfeito


João Pedro.
CAPÍTULO XXVIII

Fernanda Albuquerque

A gestação era, sem dúvida, uma montanha-russa de emoções e


sintomas. O campo das emoções era o mais difícil de controlar,
pegava-me chorando com comercial de margarina. Para se ter uma
ideia, um dia desses, saindo do shopping, um senhor se ofereceu para
me ajudar com as sacolas até o carro; não precisava, eram poucas, mas
esse ato de gentileza me fez chorar. O homem ficou me olhando,
confuso. Também houve dias em que o meu humor ácido ficou ainda
pior; cheguei a gritar quando fui fechada no trânsito. Já o meu corpo
estava em constante transformação. Tinha dias em que me sentia
como se um caminhão houvesse me atropelado, as pernas doíam, as
náuseas reapareciam e uma sensação de fraqueza me acompanhava,
sem falar no sono constante. De tanto eu demorar para levantar da
cama, Dita brincava dizendo que eu tinha desenvolvido a síndrome
da bela adormecida. Em outros dias acordava bem disposta, pronta
para correr uma maratona, se preciso fosse. Hoje era um desses dias.

Acordei cedo e fui praticar minha caminhada matinal nos


arredores do residencial. Eu, que antes praticava Muay Thai, agora
tinha que me exercitar com caminhadas de vinte minutos e aulas de
pilates duas vezes por semana.

Filhote, vou logo avisando que a mamãe não é zen não, deixa só você
nascer que vou castigar o Bob.

Ele se mexeu em reposta ao meu pensamento e eu voltei toda


feliz para casa.

— Bom dia, Odete! — falei, entrando na cozinha para beber


água. Ela era a moça que eu contratei para auxiliar Dita na
organização da casa.

— Bom dia, senhora.

— Caiu da cama, Nanda? De pé antes das seis e meia?

— Já fiz até caminhada, agora estou morrendo de fome. Odete,


faz aquela tapioca que só você sabe fazer, por favor.

— E ovos mexidos com torradas, também?

— Não esquece a salada de frutas.

— Acho que a Soraia não vai descer para tomar café agora, filha.

— Quem disse que é pra ela? Bá, agora eu como por dois e já que
vou embarangar mesmo, resolvi enfiar os dois pés na jaca! — falei,
sorrindo.

— Desculpa a intromissão, mas a senhora não vai embarangar


nunca. A gravidez deixa a mulher ainda mais linda.

— Odete, vou te dar um aumento para elevar meu ego com essas
frases todos os dias.

Comi tudo que havia pedido, as duas me olharam, sorrindo.

— Agora preciso correr, tenho uma reunião às nove horas.


Banho tomado e maquiada, a tarefa árdua era escolher uma
roupa; minhas saias lápis estavam todas justas na cintura e os meus
vestidos deixavam minha barriga evidente demais. Eu precisava
comprar roupas para minha atual situação. Após experimentar
diversas peças, acabei optando por uma calça preta pantalona que não
tinha costura na cintura, apenas um zíper ao lado. O que já era ótimo,
pois minha barriga não ficava apertada. Uma blusa de botões branca e
os saltos pretos completaram meu look do dia. Em frente ao espelho,
fiz uma trança embutida e fiquei satisfeita com o que vi.

— Bom dia, Fê e sobrinho lindo da titia.

— Bom dia, Sol. Te acordei?

— Não, meu corpo que ainda está no ritmo de trabalho —


lamentou, espreguiçando-se.

— Sei como é. E aí, como estou? — falei, dando uma voltinha.

— Eu diria que uma executiva fatal. Tudo isso é


para Albuquerque's ou para alguém em específico?

— Para a Albuquerque's, a empresa merece uma presidente


gostosa.

— E nada modesta.

— Obviamente... Sim, vamos juntas para o ultrassom?

— Então. O Pedro me convidou para sair, quer me apresentar


uns pontos especiais do Rio. Mas eu já disse que às quatorze horas
tenho um compromisso inadiável: descobrir o sexo do lindo da tia.
— Nossa! Já fazem programa de casal — zombei da minha
amiga.

— Deixa de ser boba, Fê, estamos apenas nos conhecendo.

— Sim, sim. Aproveita e marca de nos conhecermos, também.


Domingo às dezenove e meia seria ideal para eu conhecer o Sr. Leal.

— Direta recebida e arquivada com sucesso, Sra. Albuquerque.


Agora me passa o endereço da clínica.

— Mensagem enviada com sucesso! — Enviei pelo WhatsApp. —


Não atrasa.

— Não se preocupe, às duas da tarde estarei lá.

Cheguei ao local em que aconteceria a reunião dez minutos antes


do horário. A equipe de marketing representada por Ângelo e Murilo
já me aguardava no local. Infelizmente, a pontualidade só fora
cumprida por nós; com um atraso de vinte e cinco minutos, a reunião
começou. Apresentamos o portfólio dos trabalhos realizados
pela Albuquerque's nos últimos meses. O executivo do ramo da
informática ficara bastante satisfeito com o apresentado e finalizamos
a reunião com um pré-contrato assinado.

Às onze horas, enquanto analisava a planilha com as solicitações


das contrações exigidas pelos setores, o Fernando entrou na minha
sala.

— A senhora Albuquerque solicitou minha presença? — ele


disse, fazendo uma falsa reverência.

— Sim, súdito! Exijo uma massagem nos pés e que me carregue


até meu carro.

— Aconselho a rainha que solicite esses serviços a um lacaio.


Quem sabe o Marcos Castro?

— Aff, por que as pessoas insistem em trazê-lo à tona em toda


conversa? — Meu humor foi para o ralo.

— Por que ele é o pai do seu filho?

— Exatamente. Ele é apenas pai do meu filho ou filha.

— Ou ambos. Já pensou em um Marcos e uma Fernanda


correndo pela Albuquerque's?

Bati na mesa de madeira.

— Isso sim seria uma prova que na outra vida eu fui muito má.

— Não precisa ir tão longe, maninha.

— Engraçadinho. Agora podemos conversar como dois


profissionais?

— Lógico, excelentíssima presidente.

— Pois bem, solicito que meu diretor de marketing e publicidade


me acompanhe num almoço para tratarmos de assuntos pontuais
relacionados à empresa.

— Hoje? Impossível, vou almoçar com a Thalita.

— Desmarque!
— Como é? — ele indagou, irritado.

— Isso mesmo que você ouviu. Desmarque. Eu não estou


convidando meu amado irmão para almoçar. Eu convoquei o diretor
de marketing e publicidade, isso estava claro no comunicado. Não
leu?

Pela forma que meu irmão respirou, eu sabia que estava puto de
raiva com a minha atitude, mas também sabia que, embora a vontade
dele fosse discutir, seu lado racional e profissional falaria mais alto.
Ele respirou fundo mais uma vez e me lançou um olhar gélido antes
de falar:

— Vou desmarcar meu compromisso e te encontro no


restaurante — disse de forma fria, caminhando em direção à saída.

— Já enviei o endereço para o seu telefone.

Ele já estava na porta quando parou e me fitou.

— Você não é má, você é um general em forma de presidente.

Eu gargalhei enquanto meu irmão saia resmungando coisas


ininteligíveis.

***

Já no restaurante, enquanto aguardamos nossos pedidos, pedi


desculpas pela intransigência e expliquei a urgência da reunião.
Segundo o meu cronograma, dentro de três meses eu estaria afastada
da Albuquerque's e dois grandes eventos aconteceriam no tempo da
minha licença maternidade: a realização das Paraolimpíadas e a festa
comemorativa pelos trinta anos da Albuquerque's. Eu deixaria tudo
decidido e planejado, ele só precisaria coordenar e acompanhar a
execução.

— Você quer que eu assuma Albuquerque's durante sua licença


maternidade, foi isso que entendi?

— Mas eu vou deixar tudo esquematizado. É por pouco tempo,


Fernando, não vou cumprir a licença completa.

— Não conte comigo, Fernanda. Estou trabalhando por dois anos


seguidos sem férias. O evento das Paraolimpíadas será árduo. Quando
ele acabar, eu saio de férias.

— Eu não planejava engravidar, você sabe disso... — apelei.

— Sei... — Ele ponderou antes de continuar. — Sinto muito, Fê,


não quero voltar a ser o homem que não tem um momento livre para
sua namorada e amigos.

— E quem vai assumir a presidência nesse tempo? — perguntei


já sabendo a resposta.

— Felipe Albuquerque. Ele seria o próximo a assumir, né?

— Fernando, você acha mesmo que o Felipe saberá conduzir


uma empresa do porte da Albuquerque's? — Invoquei o bom senso no
meu irmão.

— Provavelmente não.

— E mesmo assim vai deixá-lo destruir nosso patrimônio?

— Ele não seria irresponsável a esse ponto. E, como você bem


disse, daqui a pouco tempo você retorna e organiza a casa.

— É isso mesmo?! Essa é sua última resposta?

— Sim, Fê — ele disse, acariciando minha mão. — Agora tira


essa ruga de preocupação do rosto e se concentra no meu sobrinho. É
menino ou menina?

Por mais que a imagem do Felipe na presidência me assustasse,


não havia nada que eu pudesse fazer, era apenas relaxar e torcer para
que ele não levasse a empresa à falência nesse pouco tempo. Assim,
deixei essa preocupação de lado e contei ao Fernando que realizaria o
ultrassom mais tarde. Acabei me empolgando e comecei a falar do
planejamento do quarto do bebê, das roupinhas que eu já havia
comprado e todo assunto voltado à maternidade. Meu irmão ouvia a
tudo paciente e opinou em tudo que perguntei.

Embora o almoço tenha se tornando uma conversa familiar,


fechamos a equipe que participaria da execução das Paraolimpíadas,
além das contratações necessárias para compor a equipe.

Despedi-me do meu irmão e fui direto para a clínica. Eu


aguardava ansiosa na sala de espera do consultório. Se já fiquei toda
derretida ao ouvir as batidas do coração do bebê no último ultrassom,
imagina agora que eu finalmente descobriria seu sexo.

Observei o ambiente ao meu redor. Havia mais três mulheres


aguardando atendimento; uma, acompanhada pelo seu parceiro,
exibia uma enorme barriga e um sorriso ainda maior; outra, muito
séria, aguardava sozinha, falando ao telefone; a terceira estava
acompanhada de um garotinho, que presumi ser seu filho. Minha
amiga estava ao meu lado, folheando uma revista, enquanto
aguardávamos o atendimento.

— Aonde vai, Fê? — perguntou quando me levantei.

— Fazer xixi! — sussurrei para ela.

Se tinha uma coisa que a mulher grávida fazia, era xixi. Eu ia em


média umas vinte vezes ao banheiro durante o dia; o pior era no
período da noite, pois tinha que me arrastar até o banheiro. Quando
retornei, ela falava ao telefone com alguém, mas assim que me viu,
desligou rapidamente.

— Algum problema? — perguntei, desconfiada.

— Não. Estava ligando para saber da empresa, você sabe que


não consigo ficar longe.

— Se sei, já estou sofrendo por antecipação. Como vou ficar


tanto tempo longe da Albuquerque's? — choraminguei.

— Você terá muita fralda para trocar e nem pensará nisso! — ela
disse, rindo.

— Senhora Fernanda Albuquerque, por gentileza, me


acompanhe. — Sol me deu a mão e seguimos a atendente.

— Boa tarde, Fernanda. Como vai o bebê?

— Boa tarde, Dra. Heloísa. Ele vai muito bem, né, filhote? —
falei, acariciando minha barriga. — Essa é minha amiga, Soraia.

— Prazer, Soraia — ela falou, apertando a mão da minha amiga,


que retribuiu o cumprimento. — Sentiu mais alguma cólica?
Indisposição?

— Não. Apenas algumas náuseas assim que acordo e uma


vontade de fazer xixi a todo momento.

— Isso é normal. E esses saltos? — ela falou, apontando para


meus pés.

Eles nem são tão altos assim, têm uns seis centímetros.

— Não incomodam.

— Mentira. Ela chega em casa reclamando de dores nas pernas e


nos pés.

— Sol! — repreendi minha amiga.

— Falei apenas a verdade.

— Fernanda, o seu corpo não é mais o mesmo. Na gravidez, o


volume de sangue circulando nas veias aumenta e os vasos
sanguíneos tendem a relaxar, o que provoca essa sensação de peso nas
pernas e inchaços. Evite ficar muito tempo sentada; a cada hora
sentada, caminhe, dentro da sua sala mesmo, por dez minutos. Sentar
de pernas cruzadas deve ser evitado para permitir uma melhor
circulação do sangue. Não posso te obrigar a retirar os saltos, mas
aconselho a evitar os finos, scarpins e quaisquer sapatos fechados.

— Quem disse que ser mãe é uma dádiva, hein? Agora até dos
meus saltos vou abdicar! — resmunguei.

— Agora vamos medir essa pressão? Está seguindo a dieta da


nutricionista?
— Sim, reduziu o sal pela metade na minha alimentação.

— A pressão tá normal. — Ela também mediu a circunferência


da minha barriga e fomos para a parte terrível: subir na balança. —
Engordou dois quilos desde a nossa última consulta.

— Seis no total!? No final da gestação, chegarei aqui rolando. —


Todas rimos.

— Preparada para descobrir se temos uma menina ou um


menino aí dentro?

— Sim, mas antes tenho uma pergunta. Há uma probabilidade


de serem dois?

— Remota, mas sim. Apesar de raro, temos alguns casos de


gêmeos serem identificados a partir do quinto mês. Por quê? Você
quer sejam dois?

— Não! Quer dizer, se forem dois, eu vou amar da mesma


forma. Mas não tô pronta pra um, quiçá dois...

— Relaxa, mamãe. Hoje mesmo acabaremos com essa dúvida.

Eu já estava deitada na maca para realizar o exame, apenas de


sutiã. A médica passava o gel na minha barriga, enquanto a tela já
exibia as imagens que, segundo a médica, era meu bebê. Eu ainda
achava muito estranho ver aquelas borrões e tentar enxergar um lindo
bebê. Soraia estava com o celular em mãos, filmando tudo. Quando
seu telefone tocou, ela se retirou para atender.

A médica moveu o aparelho na minha barriga e um compasso


forte e ritmado preencheu a sala; lágrimas quentes escorreram pelos
meus olhos. Esse som era música para meus ouvidos, significava que
tudo estava bem e ele se desenvolvia perfeitamente. Eu olhava para a
tela, encantada; sorria e chorava ao mesmo tempo. Ouvi a porta ser
aberta, mas não me virei para olhar.

— Sol, diz se é esse não é o som mais lindo? — Falei, toda


derretida.

Mas não ouvi sua resposta.


CAPÍTULO XXIX

Marcos Castro

Assim que entrei na sala, o som das batidas do coração do meu


filho me absorveu por completo. Cada batida preenchia meus ouvidos
e invadia meu coração, que logo começou a bater no mesmo compasso
do seu. Senti uma lágrima quente escorrer pelo meu rosto, não fiz
questão de contê-la. Tirei os olhos da tela e notei que Fernanda me
observava com os olhos marejados. Nossa troca de olhares dizia tanto
sem dizer uma única palavra. Aproximei-me da maca e acariciei sua
mão, que se enroscou na minha.

— Prontos, papais?

— Sim — respondemos juntos e só aí notei que minha voz estava


rouca de emoção.

A médica movia o aparelho na barriga da Fernanda e o bebê se


contorcia na tela. Notei pequenos espasmos na barriga dela. Ele se
mexia como se soubesse que estávamos ali, observando. A médica não
tirava o olhar da tela, assim como nós, que aguardávamos ansiosos.
Depois do que pareceu uma eternidade, ela deu zoom na tela e
marcou um pontinho.

— Mamãe, já pode ir comprando os lacinhos e, papai, já pode


começar a se preocupar com os namoradinhos, porque temos uma
linda menina a caminho.

Lágrimas escorriam pelo rosto da Fernanda ao mesmo tempo em


que um sorriso imenso surgia nos seus lábios.

— Sol, é menina! — ela falou, animada, quando a amiga se


aproximou.

— Agora que a titia pira! Vamos ao shopping comprar roupinhas


rosas, tiaras, lacinhos, brincos. Ai, Fê, mais uma menina para nosso
bando! — ela falou, chorando e sorrindo ao mesmo tempo.

— Pronto para cuidar de uma menina, papai? — Fernanda


perguntou, encarando-me. Eu estava completamente sem reação. Não
conseguia raciocinar, somente uma coisa ecoava na minha cabeça:
filha! Eu vou ter uma filha!

— Marcos, se você já está assim em choque agora, imagina


quando ela for apresentar o primeiro namorado. — Sol se divertia com
a minha cara.

— Ou quando ela tomar o primeiro porre?

— Ou pedir para viajar sozinha com as amigas?

— Ou ainda quando perder a virgindade...

Eu não estou pronto para nada disso. Eu provavelmente vou matar o


cara que se aproximar da minha menina.

— Tadinho, Fê. Estamos judiando dele. Olha só a cara dele de


assustado.

— Eu nem sei o que dizer... Uma menina, Fernanda... — disse,


encarando-a e tentando não chorar novamente.
— Filha, você conseguiu deixar Marcos Prudente sem palavras. E
isso é raro! — ela falou, sorrindo.

— Parabéns, Marcos! — Soraia falou, abraçando-me.

— Obrigado. — Foi o que consegui responder.

Fernanda fechava os botões da sua blusa quando se aproximou,


dizendo:

— Você ganhou uma aliada de peso, hein? — falou, sorrindo.

— Já que seu cupido é tão teimoso quanto a dona, eu resolvi dar


um empurrãozinho nessa relação.

— Soraia! Você deveria falar menos, sabia? — ela repreendeu a


amiga, mas sem conseguir conter o riso.

— E você pensar menos! Agora me deem licença, que minha


missão termina aqui. Vocês têm muito o que conversar. Fê, te vejo
amanhã — ela falou, abraçando a amiga e surrando algo no seu
ouvido. — Marcos, faça o sermão que ouvirei quando chegar em casa
valer a pena.

— Pode deixar, Soraia — assegurei, sorrindo.

— Tchau, titia.

— Ela é uma romântica incorrigível. — Fernanda suspirou


enquanto saíamos da sala. Eu permaneci em silêncio.

Cadê as minhas piadas para disfarçar minha cara atordoada?


— Marcos, diz alguma coisa.

— Tô em choque.

— Só porque sua intuição paternal falhou? — Ela sorria.

— Não. Porque agora caiu a ficha que tem uma parte de mim
crescendo aí e isso me deixou desnorteado. Queria poder acompanhar
seu crescimento de perto, ver seu primeiro sorriso, ouvir papai pela
primeira vez, gravar vídeos dela engatinhado, estar ao seu lado
quando ela acordar no meio da noite chorando por conta de um
pesadelo... — Minha voz embargou e eu respirei fundo para conter o
choro. — Eu quero ser um pai presente, quero ela tenha orgulho de
mim — falei, já sem conseguir conter as lágrimas que escorriam pelo
meu rosto.

Fernanda me surpreendeu ao enxugar minhas lágrimas e levar


minha mão até sua barriga.

— Eu não vou te privar da companhia da nossa filha, eu falei da


boca pra fora. Tenho certeza que descobriremos um jeito de fazer isso
dar certo. Agora muda essa expressão do Gato de Botas, que eu não
quero borrar minha maquiagem novamente — disse, fungando.

Eu a abracei bem forte e deixei meu choro extravasar. Eram


lágrimas de gratidão. Fernanda estava me dando a chance de ser pai,
de cuidar e proteger um fruto meu, algo que eu nunca tive. Senti que
ela chorava, pois sua respiração tornou-se ofegante.

— Obrigado por me fazer o homem mais feliz do mundo! —


sussurrei.
Ela levantou a cabeça, os olhos estavam vermelhos, e eu
depositei um selinho em sua boca. Fernanda transformou o selinho
em um beijo profundo, sua boca capturou a minha com urgência. Era
um beijo com ardor e desejo. Minha língua buscava preencher cada
espaço da sua boca. Suas mãos enroscadas no meu pescoço,
bagunçaram meus cabelos, enquanto as minhas seguravam sua
cintura. Saboreávamos um ao outro ali, parados no meio do corredor,
sem pensar no que viria depois. Naquele instante éramos somente eu
e ela. O beijo foi cessando aos poucos, sem que saíssemos da mesma
posição. Nossas respirações ofegantes e eu podia sentir nossos
corações acelerados. Quando nos olhamos, ela exibiu um sorriso sexy
e propôs que fôssemos continuar essa conversa na sua casa.

***
Fernanda Albuquerque

Seguimos, cada um no seu carro, para a minha casa. Tanta coisa


passava pela minha cabeça.

Uma filha, mais um pai querendo viver intensamente essa paternidade,


mais uma relação.

Será que existia uma fórmula certa para essa equação? Seja lá o
que estivesse por vir, iríamos conversar e tentar chegar a um
denominador comum. Dirigia ansiosa para chegar em casa quando
minha mãe me ligou. Atendi no comando de voz do carro.

— E aí, temos uma menininha a caminho?

— Oi, também — falei, sorrindo.


— Oi, Nanda. Conta, vai! — ela falou, animada, do outro lado.

— Sim, é menina!!! Vovó adivinhou... Tô tão feliz.

— Eu também, meu amor. Já pensou no nome? Preciso do nome


para mandar fazer o enxoval bordado.

— Mãe, acabei de descobrir o sexo, ainda não parei para pensar


nisso.

— E os móveis? As roupinhas?

— O quarto do bebê está sendo concluído. Além do mais, eu


tenho uma longa jornada de trabalho e conciliar vida de mãe e
presidente não é nada fácil.

— Eu sei, mas você precisa estabelecer prioridades. E minha neta


merece toda sua atenção e cuidado.

— Sim, mãe. Eu estou organizando minha agenda...

— Faça isso mesmo, pois eu pretendo ir até aí para fiscalizar essa


reforma e ver se já comprou a quantidade de roupinhas necessárias,
para não perder.

— Disso não pode me acusar. Eu sempre fui organizada e não


vou perder as roupas da minha filha. — Minha mãe gargalhou e eu
não entendi o motivo.

— Fernanda, eu não usei a palavra “perder” me referindo a falta


de organização. Mas, sim, ao processo de crescimento do bebê. A cada
mês ele vai se desenvolvendo e as roupas não vão servindo mais. Aí
dizemos que perde as peças, entendeu? — Ela ainda ria do outro lado.
— Entendi. O que mais do vocabulário da grávida eu preciso
saber?

Minha mãe começou a falar sem parar. Sobre cueiros, mijão,


protetor de seios, trocadores e tantos nomes e objetos que eu
precisaria me familiarizar. Só desligou o telefone quando eu cheguei
em casa e aleguei estar morrendo de fome, o que não era mentira.
Deixei o Marcos aos cuidados da Dita e subi direto para meu quarto,
para tomar banho antes de descer para jantar.

Odete havia preparado um jantar comemorativo para a


descoberta do sexo do bebê, e eu fiz com que ela e Dita se juntassem a
nós, jantamos todos juntos. Elas iniciaram uma conversa sobre a
diferença entre criar menina e menino e minha babá aproveitou para
falar sobre as minhas birras e o Marcos se divertia com as histórias.

— Acabo de engordar dois quilos com esse jantar. Simplesmente


maravilhoso! — falei depois de repetir duas vezes.

— Já pensaram no nome? — Odete perguntou, voltando-se para


mim e para Marcos.

— Estou aqui para conversarmos sobre isso, não é, Fernanda? —


ele falou, tocando minha mão.

— É!? — Vi seu peito subir e descer, enquanto ele soltava o ar


pausadamente.

— Fernanda...

— Ok, Marcos. Vamos conversar sobre isso, também.

— O jantar estava excelente, agora se nos dão licença, a gente


precisa conversar — ele falou, praticamente me arrastando pela mão.
Parecia estar com medo que eu desistisse da conversa.

No meu quarto, eu sentei na beirada da cama, ansiosa. Por que


eu topei essa conversa mesmo? O Marcos parecia relaxado, encostado
a porta, olhando-me fixamente.

— Estou me sentindo com doze anos quando fui pedir para ficar
com a garota mais gata da escola — ele disse, rompendo o silêncio.

— Ela aceitou?

— Não. Ela disse que eu não fazia o tipo dela — respondeu,


sorrindo, e eu acompanhei seu riso. — Há uma probabilidade de isso
se repetir agora, gata?!

— Se me chamar de gata mais uma vez, certamente.

— Ok. Sem gata! — ele disse em sinal de rendição.

— Já estamos nos entendendo, não fazia ideia que o garanhão


Marcos já havia sido dispensado.

— Pois é... Já tive meus dias ruins... Estou morrendo de medo ser
dispensando novamente.

— E por acaso eu seria essa pessoa capaz de arrasar seu coração?

— Sim.

— Marcos, o que a gente tem é bom, eu diria até que muito bom.
Nossos corpos se encaixam perfeitamente na cama, você já
demonstrou ser um cara bacana. Mas não sei se eu e você podemos
dar certo, entende?

— Você é a única pessoa com quem eu quero ficar nos últimos


tempos — ele falou, sentando ao meu lado. — Gosto do seu cheiro, do
som da sua voz, da forma franca como encara a vida. Tudo em você
me fascina.

A última frase foi dita numa voz rouca. Acompanhei o desenho


perfeito dos seus lábios pronunciando essas palavras e um calor
repentino me atingiu por completo. Senti-me viva. E muito quente!

Demorei para conseguir desviar os olhos da sua boca suculenta.


Quando ergui o olhar, aquela ligação que tivemos durante o ultrassom
se repetiu. Minha respiração acelerou e eu não era a única que
respirava assim. O peito de Marcos subia e descia rapidamente, seus
olhos brilhavam de desejo e sua boca exibia um sorriso sexy pra
caralho! Não sei quem tomou a iniciativa, mas pouco importa. Em um
minuto, estávamos nos encarando e, no seguinte, estávamos nos
braços um do outro, grudando nossas bocas num desejo desenfreado.
A sensação dos seus lábios e das suas mãos sobre mim, apertando-me,
engolindo-me com insensatez, me fez suspirar.

Ele me puxou para cima dele, encaixando minhas coxas ao redor


dos seus quadris. Agarrei seu pescoço, puxando-o para mais perto, e
arranquei sua camisa com pressa. Seu corpo pressionou ainda mais o
meu. Seus dedos ágeis dentro da minha blusa me fizeram revirar os
olhos e arquear o meu corpo de encontro as suas mãos quentes. Eu
gemi e Marcos cobriu meu seio com a sua boca. Meu corpo estava
completamente entregue a ele, enquanto minha mente iniciava uma
batalha entre a razão e o desejo. E mais uma vez o desejo falou mais
alto.
Sem qualquer aviso, ele se afastou e eu soltei um lamento.
Arfando e cega de desejo, eu buscava entender por que minutos atrás
estávamos entregues um ao outro e, no segundo seguinte, ele
interrompeu tudo. Seu peito definido subia e descia rápido demais,
encarei-o em um convite para que me tocasse. Olhei em seus olhos e
vi uma luta de vontades.

— O que você quer, Fernanda? — Sua voz saiu rouca.

Aquela era uma pergunta racional. Ele não queria que eu me


entregasse agora e depois saísse dizendo que foi apenas uma noite de
sexo. Ele queria uma respostava definitiva e estava me deixando
decidir.

— Quero ficar com você! — Minha voz saiu sussurrada. Sua


respiração ficou ainda mais ofegante e ele se aproximou, sentando de
frente para mim, mas evitando qualquer toque entre nossos corpos.

— Ficar comigo de que forma? — Seus olhos pareciam querer me


devorar independente da minha resposta. Notei que ele fazia um
esforço para se manter no controle.

— Você sabe como, Marcos.

Ele enlaçou minha cintura e se inclinou, mordiscando de leve


meu ombro, os dedos acariciando meus braços.

— Assim!? — perguntou, roçando a barba por meu rosto.

— É...

Ele continuou a tortura, beijando meu pescoço, descendo até se


enterrar no vale entre meus seios e inspirar profundamente. Eu
suspirei e ele riu.

— Seu corpo me diz o que quer, mas sua cabeça insiste em


discordar. Preciso que seja franca comigo. — Ele pressionou o quadril
contra o meu. — Quero que me diga exatamente o que quer.

— Você! — respondi, enroscando meus dedos em seus cabelos e


o puxando para mim.

— Eu mal te ouvi. O que você quer, Fernanda? — Ele prendeu o


bico do meu mamilo entre os dentes. Mesmo sob o sutiã, o calor de
sua boca me atingiu por completo. Agarrei seus cabelos com força,
direcionando sua boca ao encontro da minha e encarei seus olhos
ardentes

— Eu. Quero. Você. — Pontuei cada palavra.

Um sorriso imenso surgiu no seu rosto. Seus lábios capturaram


os meus de forma desesperada, segura, e eu correspondi da mesma
forma. Eu queria seus beijos, seu toque, sua voz rouca chamando meu
nome na hora do gozo. Eu o desejava por inteiro. E ele me deu
exatamente o que eu queria.
CAPÍTULO XXX

Marcos Castro

Cada vez em que estou na cama com Fernanda é única.


Anteriormente, fomos levados pela atração e desejo mútuo, mas para
ela sempre era momentâneo.

Mas dessa vez não havia desculpas que ela pudesse apresentar.
Eu havia dado a chance de ela dizer não e ela me disse, com todas as
letras, que me queria. Mas por que agora ela encarava o teto em
silêncio?

— Pode falar, Fernanda — disse, evitando qualquer contato


visual.

— Falar o quê?

— Que o acabamos de fazer não vai se repetir. Que foi apenas


sexo e que não tem ideia do que levou você a ficar comigo novamente.

— Ah! Isso... Não ia dizer isso agora. Você me ouviu dizer o que
eu queria — ela falou, virando o corpo na minha direção.

— E essa ruga de preocupação?

— Eu queria saber por que não consigo me controlar quando


estou com você. Parece que há uma força me puxando para você,
sabe?
— Sei — falei, sorrindo.

— Eu não sou uma mocinha indefesa, tampouco ingênua. Já fui


para cama diversas vezes sem ter vínculo emocional, mas nada nessa
intensidade. — Eu apenas ouvia em silêncio; eu me sentia exatamente
da mesma forma. Ela prosseguiu: — Na primeira vez fui tomada por
um puta tesão e, descontrolada, abri mão do preservativo. E olha onde
isso me levou?

— A uma linda menina a caminho?!

— Sim. Embora ser mãe não estivesse nos meus planos, não
posso negar que estou feliz por isso. — Acariciou a barriga. — Depois,
o tesão falou alto mais uma vez...

— Você acha que o que anda rolando entre nós é só tesão?

— Eu não estou apaixonada por você.

— Por que não deixamos as coisas irem acontecendo? —


interrompi. — De qualquer forma, eu gosto dessa nossa relação aqui
— falei, apontando para a cama.

— Eu também. — Ela sorriu.

— Eu já sabia disso. — Aproximei-me para beijá-la.

— Você é um babaca presunçoso. — Ela retribuiu o beijo.

— Um sexy babaca presunçoso.

— Eu queria que você não fosse funcionário da Albuquerque's —


lamentou, sentando-se na cama.
— Eu não. — Ela fez uma expressão confusa. — Se não fosse
a Albuquerque's, eu não teria te conhecido. Mas já que isso a incomoda
tanto, vamos deixar esse lance de lado e sermos somente eu e você.

— Impossível, Marcos.

— Não é, não. Muito prazer, Marcos Castro. — Sentei e estendi a


mão. Ela apertou minha mão, sorrindo. — Sou advogado, solteiro,
apaixonado por futebol e pela Lusa, pratico esportes, amo meu carro,
gosto de comida italiana, sou muito bom de cama, como você já deve
ter notado... — Ela socou meu ombro.

— Você esqueceu de dizer que é modesto.

— Ah, sim! Um modesto sexy. Agora é sua vez. — Ela sorriu.

— Fernanda Albuquerque. Sou uma workaholic assumida. Amo


viajar, sair com minhas amigas, adoro esportes, sou faixa preta de
judô, hoje pratico muay thay... Na verdade, agora parei por causa do
bebê. Sou fascinada por fotografias e estou grávida. Você acha mesmo
que podemos nos conhecer dentro desse quarto? — Seus olhos verdes
me fitaram e meu coração disparou. Porra, Marcos, se controla!

— Claro que sim. Eu digo que não há lugar mais propício —


falei, aproximando-me dela, que jogou um travesseiro sobre mim,
sorrindo.

— Não vem com distrações sexuais.

— Sim — falei em sinal de rendição — Vamos às perguntas. —


Fingi checar uma ficha imaginária, tal qual os apresentadores de Talk
Show. — Uma comida?
— Sério? — falou, sorrindo.

— Sim, você disse que não sabemos nada um do outro. Portanto,


vamos descobrir.

— Estou no De Frente com o Marcos?

— Estamos aqui com a socialite e presidente


da Albuquerque's, Fernanda Albuquerque — falei, imitando a voz
anasalada de uma apresentadora de TV. Seu sorriso se transformou
numa gargalhada. Eu poderia passar a vida ouvindo esse som.

— Você não existe...

— Toca pra ver. — Ela beliscou meu braço. — Real?

— Muito mais do que eu gostaria! — falou, sorrindo.

— Qual sua comida favorita?

— Sou boa de garfo desde pequena, mas minha paixão é massa.


Fico na dúvida entre macarronada e lasanha.

— Ponto para você!

— Estou sendo avaliada? — falou, arqueando a sobrancelha.

— Sim, tenho uma tabela de mulher perfeita e preciso sabe ser


você se encaixa nela.

— Cafajeste! — falou, socando meu baço direito. Sua mão era


pesada.
— Ai! — reclamei, esfregando o braço. — Vai dizer que não
existe um homem ideal nessa sua cabecinha?!

— Claro que existe! Uma versão masculina minha. Mas ele é


meu irmão e incesto está fora de cogitação. — Foi a minha vez de
gargalhar. Ela prosseguiu: — Falando sério agora, nunca pensei em
um homem ideal. O homem ideal é aquele que me completa, que
equilibra a balança da vida, alguém que me aceita do jeito que eu sou
com minhas neuras, minhas manias e meu jeito explosivo.

— Traduzindo: Marcos Castro. — Ela tentou conter o sorriso,


mas ele surgiu nos seus lábios. — Não vai contestar?! Dizer que sou
seu oposto, que não combinamos... — perguntei, surpreso por seu
silêncio.

— Somos opostos. Mas opostos que se encaixam, entende?


— Como eu entendia. — Ainda não acredito que teremos algo além da
cama, mas por ora isso me basta.

— A mim não. Pode achar que eu sou louco, impulsivo e tudo


mais. Mas sabia que te quis desde a primeira vez que te vi?

— Você quis a loira gostosa! — ela rebateu.

— Essa mesmo que está em minha frente.

— Não! A que está na sua frente é uma mulher que já engordou


mais de seis quilos em poucos meses de gestação, com seios crescendo
constantemente, com dores nas pernas, com olheiras por não dormir
direito; o que você vê é uma baleia loira.

— Uma baleia loira linda — falei, sorrindo. Mas ela não sorriu,
pelo contrário, começou a chorar. Um choro copioso. O que eu falei de
errado? — Fernanda, o que foi? — perguntei, assustado.

Não sabia como lidar com mulheres chorando. Ainda menos


com Fernanda chorando dessa forma. Suas lágrimas não cessavam.
Ela levantou da cama e saiu apressada em direção ao banheiro. Segui-
a e impedi que fechasse a porta.

— Vai embora! — gritou em meio a um choro descontrolado.

— Eu não vou embora até ter certeza que você está bem.

Ela escancarou a porta e apontou para seu corpo; ela usava


apenas calcinha e um sutiã de renda preta.

— A enorme baleia parece bem?

— Fernanda, não está falando sério, está?

— Marcos, eu disse que não ia dar certo. Não disse? Melhor você
ir encontrar uma sereia. A baleia aqui está encalhada.

— Fê... — Aproximei-me lentamente. Seus olhos vermelhos


capturaram os meus. Segurei com delicadeza seu rosto antes de
continuar. — Sabe o que eu vejo aqui na minha frente? Uma mulher
linda, que está sendo transformada pela gestação, uma mulher que eu
poderia passar o dia venerando. Seus quilos a mais são
imperceptíveis. Suas dores nas pernas são passageiras, nada que uma
boa massagem não resolva. Quanto aos seios maiores... Não vejo
problema algum neles. — Ela sorriu, ainda fungando.

— Você fala sério?


— Eu não mentiria para você.

— Desculpa a cena, não sou essa mulher frágil, muito menos


insegura. Mas estou bem confusa. Minha razão grita para expulsar
você desse quarto. Mas é o meu corpo quem comanda. O que você fez
comigo? — perguntou ainda envolta nos meus braços.

— A pergunta serve para você, também. O que você fez comigo,


mulher? Nunca quis alguém como eu quero você.

— Marcos...

— Falo sério. Não quero te pressionar, mas estou enfeitiçado por


você.

— Acho que o fato de ter uma filha a caminho contribuiu muito.

— Ledo engano. A filha a caminho só serviu para confirmar.

— Confirmar?

— Confirmar que você mexeu comigo desde a primeira vez que


te vi naquele bar. E que o destino não colocaria você no meu caminho,
só para tirá-la de mim depois.

— Quer dizer que iria se importar comigo desse jeito mesmo se


eu não estivesse esperando um filho seu? — indagou, afastando-se o
suficiente para olhar nos meus olhos.

— Fernanda Albuquerque, entende de uma vez por todas: eu


quero VOCÊ! Com filho, sem filho, com vinte quilos a mais, com seu
mau-humor. Eu simplesmente quero você.
— Acho que vou chorar novamente — anunciou e eu sorri,
beijando sua cabeça.

***
Fernanda Albuquerque
Como não se deixar envolver por tanto carinho? Merda, Marcos!
Você deveria ser cafajeste e não ficar ao meu lado enquanto choro.
Não tive como não baixar a guarda, mesmo que momentânea, perante
as investidas dele. Tentei fugir o máximo que eu pude.

Saímos para jantar. Estávamos na Cantina Itália, um lugar


bastante movimentado e animado com direito a música ao vivo e tudo
mais, falando bobagens como se fôssemos íntimos. Conforme saboreio
a entrada, Marcos começou a falar sobre os termos da nossa “relação”.

— Fidelidade, Fernanda. Não é porque não temos uma relação


convencional que vou aceitar que você fique com outros homens.

— Marcos Castro, você me surpreende com tanto


conservadorismo — perturbei, sorrindo.

— Não é conservadorismo nenhum exigir fidelidade.

— Tá, nisso concordo com você. Com minha barriga crescendo a


cada dia e o número de olhares diminuindo, considero sensata a
fidelidade. Afinal, eu sairia na desvantagem. — Olhou-me com cara
feia, mas fingi não notar. — Próximo tópico.

— Intimidade.

— Mais?!
— Quero saber o que temos aqui. Se vamos ficar feitos um casal
de adolescentes que namoram escondidos dos pais.

— Não sabia que você era tão antiquado assim. — Não pude
evitar sorrir. — Você me disse que íamos deixar rolar, sem rótulos,
sem marcações. Lembra?

— Vou ter que ir embora após fazermos sexo ou você irá fugir?

— Não será preciso, podemos dormir ocasionalmente um na


casa do outro.

— Sério? — Ficou visivelmente surpreso.

— Sério. Mas nada de deixar roupa na minha casa, nem escova


de dentes, apenas dormir.

— Do que você tem medo?

— Como assim?

— Por que tem medo da minha aproximação?

— Não tenho medo. — Ele notou quando minha voz vacilou e


sorriu.

— Não se preocupe, Fernanda. Você não será a primeira a não


resistir aos meus encantos — falou com uma piscadela no fim da frase.

— Você se acha mesmo irresistível, não é?

— Tenho meus motivos para isso. Veja agora mesmo: você


aceitou meu convite para jantar.
— Isso não significa nada.

— Claro que significa. Significa que você está baixando a guarda,


permitindo-se me conhecer...

— Preciso ter uma relação saudável com o pai da minha filha.

— Relação saudável? — perguntou, sorrindo.

— Isso mesmo. Quero que possamos conviver numa boa mesmo


não sendo um casal.

— Por que você parte do pressuposto que não daremos certo?

— Sou realista. Vejo o agora. O que temos é legal. Mas...

— Mas deve ser apenas atração física — completou com pesar.

— Também. Gosto da sua companhia e do seu bom-humor. Você


está se mostrando ser um cara legal.

— Cara legal?! Só isso? Eu madruguei hoje porque você queria


jabuticaba.

— Na verdade, você fez isso por nossa filha, para ela não nascer
com cara de jabuticaba — falei, sorrindo.

— Eu faria o mesmo por você, mesmo que não estivesse grávida.


— Acariciou a minha mão sobre a mesa e eu não a afastei.

— Obrigada. — Entrelacei nossas mãos, fitando seus olhos.

Olhos que brilhavam ao me olhar, olhos que pareciam querer


invadir e proclamar como seu todo o meu corpo, olhos que me diziam
tanto sem dizer nada. Continuamos nessa conexão até o cantor do
restaurante falar meu nome e me dedicar uma música. Corei quando
notei os olhares das pessoas sobre mim.

— Eu vou te matar! — sussurrei, sorrindo.

— Deixa para fazer isso depois de ouvir a música.

A canção interpretada era Por Você conhecidíssima na voz do


Frejat, que basicamente era a descrição de uma entrega total, onde o
eu-lírico faria as coisas mais absurdas por seu amor, somente por ele.
Belo recado, senhor Prudente.

— Já pode me matar. — Liguei o foda-se e me estiquei na mesa


para capturar os seus lábios em um beijo sensual que fez meu coração
bater acelerado. — Por você, Fernanda. Eu faria tudo — recitou, antes
dos seus lábios voltarem aos meus como para dissipar todas as
minhas divagações.
CAPÍTULO XXXI

Fernanda Albuquerque

Marcos estava esparramado na minha cama, assistindo a um


programa esportivo que comentava os jogos que ele acabara de
assistir. Eu nunca entenderia o fascínio dos homens pelo futebol.
Assistir a um jogo, ok, mas ver os melhores momentos, os comentários
do jogo, as entrevistas com os jogadores e ainda programar a televisão
para acompanhar a reprise do mesmo jogo? Será que eles nutriam a
esperança de acontecer algo novo durante a reprise?

Era domingo à noite, passava das dezoito horas e ele estava


relaxado... Se eu me atrasasse, ele me pagaria! Finalmente iria
conhecer o tal João Pedro que minha amiga tanto falava. Iríamos nos
encontrar em um restaurante reservado por ele. Eu estava de roupão,
escolhendo a roupa para sair.

— Marcos, você não vai tomar banho? — Ainda não sabia por
qual motivo eu o havia convidado para ir também.

— Deixa só eu ver esse lance aqui.

Era a décima vez que ele me dizia isso.

— Marcos, não faça eu me arrepender de ter lhe chamado —


ameacei dentro do closet.

— Sim, general. Eu deveria ter ido tomar banho com você —


disse ao levantar para afastar o roupão do meu ombro. Ele depositou
beijos no meu pescoço.

— Eu te chamei... — Minha voz saiu sussurrada, ele mordiscava


meu pescoço. — Mas a entrevista com o Paulo Victor estava mais
interessante, né? Agora vai tomar banho sozinho e rápido. Quero você
pronto em dez minutos ou sua companhia será a TV pelo resto da
noite — falei, afastando-me dele.

— Você é cruel, mulher — falou, sorrindo.

— Nove minutos...

— Filha, você não terá uma mãe, mas uma general em casa.

— Isso mesmo, portanto, trate de andar na linha, senão...

— Senão, o quê? Vai me fazer dormir no sofá? — perguntou com


um sorriso debochado nos lábios.

— Lógico que não! Eu já te falei que pratico muay thai, né?


Então... Conheço um golpe que deixará seu playground interditado por
dias. Brinca para ver. — Ele levou a mão até seu sexo e fez uma careta
de dor. Eu gargalhei, vendo ele se afastar rapidamente em direção ao
banheiro.

Escolhi um vestido preto longo; sua modelagem delineava e


valorizava o busto, a saia era soltinha e a transparência do tecido
deixava minhas pernas à mostra. Para completar o look, optei por
brincos longos dourados, meus cabelos estavam soltos e ondulados.

— Uau! — Marcos falou assim que me viu. — Certeza que temos


que ir mesmo para esse jantar?
— Sim! Eu estou ansiosa para conhecer o gato da Sol. — Fechou
a cara. — Calma, não pretendo roubar o homem da minha amiga,
embora ele seja muito gato e bom de ca... — Fui calada por um beijo,
seu peito despido fez com minhas mãos traçassem um caminho
descendo por seu abdômen.

— O que você dizia mesmo? — Largou-me.

— Que eu preciso retocar meu batom antes de encontrar minha


amiga. — Ele sorriu.

Esperei Marcos lá na sala para não acabar caindo em tentação.


Observei quando ele desceu as escadas usando uma calça de sarja
preta e uma camisa de botões da mesma cor dobrada até o cotovelo.
Exibiu um maldito sorriso quando notou que eu o fitava.

— Aprovado? — perguntou, dando uma voltinha.

— Tudo isso foi para competir com o gato da Sol? — Sorri.

— Como adivinhou? Eu achei que estava sendo sutil — disse,


sorrindo

— Sutil como um elefante. — Gargalhei. — Marcos, você aparece


todo de preto com uma camisa que exibe seus músculos e uma calça
marcando suas coxas e achou que eu não notaria?

— Pelo menos causou o efeito desejado: seus olhos percorrendo


todo o meu corpo.

— Idiota! Agora vamos.


— A gente tá muito casal, combinando até na roupa.

— Não abusa. Já vou deixar você pilotar minha máquina hoje —


falei, entregando a chave.

— Sério?! — perguntou, surpreso.

— Sim, quero ter o prazer de ver você abrindo a porta para eu


sair do carro quando chegarmos ao restaurante, gato.

— Serei uma espécie de chofer?

— Não, eu prefiro acompanhante sexual.

— Você tem uma mente poluída.

— E olhe que nem revelei meus desejos a você — respondi,


entrando no carro.

— A gente poderia ter essa conversa quando voltar, o que acha?

— Vou pensar no seu caso, agora põe o cinto e adianta, senão


nos atrasaremos.

Chegamos ao restaurante no horário combinado. Marcos abriu a


porta para que eu descesse e ficou fazendo mil recomendações ao
manobrista referente ao meu carro. Deixe ele para trás e me
encaminhei para a entrada do restaurante. De longe, vi Fernando e
Thalita saindo.

— Que agradável coincidência. — Aproximei-me, cumprimentei


meu irmão com um abraço e Thalita com dois beijinhos.
— Pena que já estamos de saída — meu irmão respondeu.

Marcos retornou e cumprimentou meu irmão com um aceno de


cabeça e abraçou a Thalita (mais demorado do que deveria).

— Vocês estão juntos? — meu irmão perguntou, olhando do


Marcos para mim.

— Não é o que parece? — Marcos falou, passando a mão pela


minha cintura.

— Seu irmão me disse que estão esperando uma menina.


Parabéns! — Thalita disse, sorrindo.

— Uma menina, a ficha ainda não caiu, gata.

Gata? Disfarçadamente afastei sua mão de mim.

— Fê, ficamos presos no trânsito — Sol falou, aproximando-se


acompanhada de um belo exemplar do sexo masculino. Daqueles que
as mulheres viram a cabeça para observar passar.

Ele usava uma calça jeans escura e uma camisa social rosa.
Mesmo escondidos sobre o tecido, era notável como os seus bíceps
eram musculosos. O homem exibia um lindo sorriso com todos os
seus dentes brancos e perfeitos, parecia ter saído de um comercial de
creme dental.

É, amiga, se deu bem.

— Sem problemas, acabamos de chegar. — Abracei-a.

— Esse jantar será melhor do que eu supunha — Marcos disse,


sorrindo, e eu não entendi a piada.

— Soraia, não sabia que estava no Rio. — Fernando a


cumprimentou.

— Tudo bem, Thalita? — O acompanhante de Sol sorriu para


minha cunhada.

— Tudo ótimo, e você? — ela respondeu, abraçando-o. Notei


certa tensão no olhar do meu irmão, que estabelecia um diálogo
paralelo com Soraia. Ele não desgrudava os olhos da cena que
acontecia a sua frente.

— Vocês já se conheciam? — indaguei, encarando-os.

— É uma longa história... — Foi o Marcos quem respondeu. —


Que tal entrarmos?

— Já estávamos de saída. — Fernando falou, segurando a mão


de Thalita e se afastando com um "Boa noite" rápido.

— Até mais — Thalita se despediu, só não sei de quem em


específico.

Encaminhamo-nos para a mesa reservada no mais completo


silêncio. Minha cabeça tentava processar o que acabara de ocorrer.

Por que ninguém cumprimentou o acompanhante da Sol? De onde ele


conhece a Thalita? O que o Marcos sabe? Que pressa era aquela do
Fernando?

Ao sentar, notei que a Thalita e Soraia não haviam sido


apresentadas... Algo que não se encaixava.
— Gente, esqueci de fazer as apresentações. Fernanda, esse é o
João Pedro. Pedro, essa é a amiga de que tanto lhe falei e esse é o
Marcos.

— Quanto tempo, João Pedro.

— Pois é. Como você está?

— Melhor impossível, cara, vou ser pai!

— Parabéns! — cumprimentou, sorridente.

— De onde vocês se conhecem? — perguntei ao notar certa


intimidade entre os homens.

— Ele é amigo da minha ex-noiva — João Pedro respondeu,


relaxado, sem parar de acariciar a mão da minha amiga sobre a mesa.

Soraia parecia tão surpresa quanto eu.

— Que amiga, Marcos? — Direcionei-me a ele já prevendo que


não iria gostar da resposta.

— A Thalita. — Foi o João Pedro quem respondeu.

— A Thalita do meu irmão? — perguntei, assustada.

— Essa que estava acompanhando o Fernando agora era a sua


noiva? — Foi a vez da Sol perguntar.

— Você é irmã do Fernando Albuquerque? — João Pedro parecia


surpreso com a informação.
— Gêmea.

— Mundo pequeno, né? Que tal chamarmos o garçom e


fazermos o pedido? — Marcos falou, sorrindo. O único que não tinha
feito perguntas.

— Ótima sugestão, Marcos — minha amiga concordou.

O garçom se aproximou e o clima foi amenizado por Marcos, que


implicava comigo por causa da escolha do meu prato.

— Você anda com umas escolhas estranhas, só falta querer


comer queijo com doce de leite.

— Já provei e não gostei... — Exibi uma careta — Fiz esse


sacrifício para nossa filha não nascer com cara de queijo.

— Você acredita mesmo nisso? — perguntou, incrédulo.

— Marcos, ela está grávida, a gravidez dá a mulher essa licença


culinária para comer o que vier a sua cabeça — Sol falou, sorrindo.

— Deixa só ela ter desejo de comer sushi de jaca às duas da


manhã, um amigo sofreu para atender esse desejo da esposa —
completou João Pedro, sorrindo.

— JP, não dá ideia a essa mulher. — Todos nós rimos.

Nossos pratos chegaram, todos bebiam vinho, exceto eu que


bebia suco de uva.

— Daria tudo por uma taça de vinho tinto.


— Quem sabe após o batizado — Marcos respondeu, sorrindo.

— Pois é, amiga, tudo que minha sobrinha não precisa é de


álcool correndo em suas veias.

— Sol, até você? Não basta esse mala aqui me fiscalizando o


tempo todo.

— Quem ama cuida, gata. — Piscou em minha direção.

— Não me chame de gata! — falei com raiva — Você usa isso


para todas.

— Tudo bem, amor.

— Amor? Falei para não me chamar como chama todas as


outras.

— Eu nunca chamei nenhuma outra de amor. — Ele segurou a


minha mão, obrigando-me a encará-lo. Dessa vez não havia um
sorriso debochado nos lábios, Marcos me olhava sério, sua expressão
parecia ansiosa por uma resposta.

— Preciso ir ao banheiro — Falei, soltando-me da sua mão.

— Vou com você, Fernanda. — Sol correu para me acompanhar


— Até quando vão ficar nessa briga de gato e rato? — perguntou
assim que entrou no banheiro. — Ele apenas te chamou de amor.

— Ele deve chamar todas assim.

— Ele não teria motivo para mentir. Afinal, ele está com você por
vontade própria. Sabe quantos homens teriam pulado fora após uma
gravidez não planejada?

— Eu não pedi para ele ficar. Ele pode ir quando quiser.

— É isso que você quer? Que ele seja apenas o pai da sua filha?

— Foi minha proposta desde o começo... — Caminhei para sair


do banheiro e ela impediu minha passagem.

— Eu ainda não acabei — disse de um jeito doce, mas firme. —


Qual o problema de assumir que está curtindo a companhia do
Marcos? Não é você que vive dizendo que devemos viver tudo que há
para viver?

— É diferente.

— O que é diferente?

— Ele pode estar comigo só pela gravidez.

— Fernanda, eu conheço o Marcos há pouco tempo, mas a forma


como ele te olha e como fala de você é suficiente para que eu afirme
que ele está com você muito além da gravidez. E você sabe muito bem
disso.

— Sol... — Ela me abraçou e eu lutei para conter as lágrimas, mas


uma insistiu em escapar.

Hormônios. Voltamos para a mesa, dispensamos a sobremesa e


pedimos a conta. Não havia mais clima. Eu e Sol aguardávamos do
lado de fora, enquanto o Marcos e o João Pedro pagavam a conta.

— Qual é a história dessa ex-noiva, você sabe?


— Sim! Só não tinha como saber que era a sua cunhada.

— E aí?

— Aí o quê?

— Está tudo bem?

— Não se preocupe. Nós temos um passado em comum, afinal


fomos abandonados por nossos respectivos noivos. — Sorriu. — Além
do mais, não há o que fazer. Se ele ficou balançado por encontrar a ex
dele, melhor assim, né? Assim já evitamos perder tempo com algo que
não poderia dar certo.

— Ele não pareceu balançando. Lidou muito bem com a


situação, eu apenas achei que...

— Sol, vamos? — João Pedro chamou.

— Eu vou dormir na casa da Fê — ela respondeu.

— Foi um prazer conhecê-la, Fernanda. — Ele apertou minha


mão.

— Igualmente, João Pedro. Espero que nos encontremos muitas


outras vezes.

— No que depender de mim, já podemos até deixar marcado o


próximo encontro — falou, sorrindo. — Até mais, Marcos.

— Até, cara. — Marcos me conduziu para aguardamos o


manobrista, deixando-os sozinhos. — Você não ia ficar segurando
vela, ia?
— Eu estava esperando minha amiga... — Ele me encarou,
sorrindo. — Tá, admito, eu queria ouvir sobre o que eles iam falar.

— Que coisa feia, Fernanda.

— Acho que falei demais e posso ter jogado um balde água fria
nesse relacionamento.

— Não é o que parece. — Apontou para os dois que se


despediam com um beijo na boca.

Soraia chegou, ao mesmo tempo em que o manobrista nos


entregou a chave. Entramos no carro e seguimos em direção a minha
casa. Marcos dirigia, e eu conversava com Sol, que estava no banco de
trás.

— Eu até estava me esforçando para ir com a cara da Thalita...


Mas não dá.

— Você não vai com a cara de um monte de gente... — Marcos


interferiu.

— Não vou mesmo, principalmente com a sua! — rebati. — Está


defendendo a amiguinha? Não quer aproveitar a noite das revelações
e contar que teve um caso com ela também? — indaguei, furiosa.

— Isso tudo é ciúmes? — provocou.

— Claro que não. Só preciso saber se minha cunhada já ficou


com meu namo... — Calei.

— Continua. Estou ansioso pela palavra que viria a seguir.


— Vai à merda, Marcos!

— Podem continuar, estou me divertindo com vocês. — Soraia


ria no banco de trás.

— Não há diversão nenhuma aqui.

— Eu discordo. Você fica ainda mais linda irritada.

— Imbecil.

— Irritadinha.

— Aff, por que eu te convidei mesmo?

— Por que não consegue passar mais de vinte e quatro horas sem
me ter por perto?

— Você deve viver drogado, só pode. Vive fantasiando coisas...

— Para o carro, Marcos! — Sol gritou do banco de trás, fazendo-


o frear bruscamente.

— Ai! — reclamei com a projeção do meu corpo para a frente.

— Desculpa. Rua Fernando Pessoa fica em qual bairro, Marcos?

— Leblon.

— Valeu! — falou, abrindo a porta do carro.

— Sol, aonde você vai?


— Viver! — gritou e seguiu para o ponto de táxi.

— Sol, tenho muito orgulho de você. Te amo! — gritei de volta.

Também te amo, Fê,

Respondeu por mensagem, já dentro do táxi.

Na minha cama, ao longo da noite, o Marcos me mostrou que


amor era apenas um dos vários nomes dos quais ele poderia me
chamar.
CAPÍTULO XXXII

Marcos Castro

Convivendo diariamente com Fernanda pude enxergar a mulher


além da general presidente e da gostosa no sexo. Ela era divertida,
tinha um senso de humor peculiar, preferia filmes de ação à comédias
românticas e não tinha o menor pudor em relação ao sexo. A mulher
era minha versão feminina. E isso me deixava ainda mais fascinado.

O único problema dessa nossa relação era a restrição


na Albuquerque's. Ela estabeleceu o limite da discrição absoluta na
empresa, por isso nada de toques ou qualquer demonstração de
carinho dentro da Albuquerque's. Isso não significava que não rolasse
uns amassos dentro da sala da presidente.

Já tinha passado, e muito, do fim de expediente. Todos os


funcionários tinham ido embora, enquanto eu aguardava a Fernanda
finalizar a leitura de uns documentos, para que pudéssemos sair para
jantar. Aguardei pacientemente ouvindo música no sofá, por uma
hora, mas agora precisava agir.

— Larga isso e vamos agora!

— Ei, baixa esse tom de voz comigo.

— Fernanda, cansei de ser compreensivo. Você ainda não comeu,


está enfurnada nessa sala o dia todo. Amanhã você continua.
— Só faltam três laudas — disse com uma voz doce. Eu já tinha
caído nesse jogo antes, portanto ignorei seu apelo.

— Vou contar até dez, você larga isso e vamos embora. Mas, se
quiser dificultar, eu vou até onde você está e te arrastarei até o
restaurante.

— Você não ousaria a fazer isso — desafiou-me.

— Dez — comecei a contagem.

— É um contrato importante.

— Nove.

— Me dá só mais cinco minutinhos.

— Oito.

— Assim que eu acabar aqui, serei só sua.

— Sete.

— Não vou cair no seu blefe.

— Seis.

— Eu luto muay thay, minha esquerda é forte.

— Cinco.

— Marcos, eu falo como presidente agora: não ouse se


aproximar.
— Quatro. — Beijei seu pescoço.

— Assim é sacanagem...

— Três. — Minhas mãos acariciavam seus seios sobre a blusa.

— Sedução não vale... — Calei a presidente com um beijo que ela


correspondeu de imediato.

— Fim do tempo! Vem! — falei, esticando a mão para que ela


aceitasse.

— Dois minutos! — apelou. Peguei sua bolsa, passei pelo meu


braço e a levantei da cadeira, colocando-a sobre meu ombro com
cuidado. — Babaca, me solta! — Ela dava socos nas minhas costas,
mas sem conter o riso.

— Eu falei que ia te arrastar daqui.

— Pronto. Conseguiu. Agora me põe no chão.

— Eu te dei a chance de me obedecer.

— Quem você pensa que é para sair por aí me dando ordens?

— Você fica ainda mais linda com raiva.

— Me põe na droga desse chão! — falou, balançando as pernas.

— Prontinho! — falei assim que o elevador se movimentou. —


Isso é para você aprender a obedecer.

— É preciso muito mais que me carregar no colo para que


consiga isso.

— Desafio aceito!

Puxei-a por trás ao meu encontro e minha boca traçou um


caminho por seu pescoço. Mordisquei o lóbulo da sua orelha e a virei
de frente, mordendo seu lábio inferior. Minha mão apertou a sua
bunda, ela gemeu. Capturei sua boca com desejo, puxando seus
cabelos para ainda mais perto. Seu corpo arqueou ao encontro do meu
e suas mãos se enroscaram nos meus cabelos. Afastamo-nos somente
quando o elevador chegou ao estacionamento.

— Sedução não entra no jogo por obediência — disse,


arrumando os cabelos e alinhando a saia, utilizando o espelho do
elevador.

— No amor e na guerra vale tudo.

— O difícil é saber quais destas situações vivemos...

— Marcos, ainda por aqui? — A pergunta foi dirigida a mim,


mas a atenção estava na Fernanda, que saia do elevador.

— E você, Sara?

— Esqueci um contrato em cima da minha mesa, vou passar a


noite trabalhando nele, amanhã tenho uma reunião logo cedo.
Trabalho acima de tudo. — Sorriu.

— Vai subir?! Ou posso liberar o elevador? — Fernanda


perguntou, seca.

— Vou subir! Obrigada — respondeu, encarando a Fernanda, e


entrou no elevador acenando para mim.

— Não gosto dessa mulher. — Fernanda disparou assim que


entramos no carro.

— Engraçado — sorri —, a Thalita também não.

— Algo em que eu e Thalita concordamos.

— Quais os reais motivos para não gostar dela?

— Não sei. Apenas não gosto da energia dela. Acho que é algo
da outra vida.

— Outra vida? — Gargalhei.

— Sim. Na outra vida, ela deve ter sido uma vaca que tentou me
destruir. Enfim, não gosto e pronto.

— Vocês mulheres...

— Já pegou ela? — Mandou na lata.

— Como fomos parar nesse assunto?!

— Já foi para cama com ela, sim ou não?

— Não, Fernanda. Ela não faz meu tipo.

— Nunca ficaram em uma festa, já chapado? — insistiu.

— Não.
— E com a Thalita?

— Que porra é essa agora?! Somos apenas amigos.

— Ela faz seu tipo?

— Sério isso? — Coloquei a mão sobre a sua perna. — Fernanda,


tudo isso é ciúmes?

— Lógico que não.

— Uhum! — falei, sorrindo.

— Uhum o quê? Eu não posso ter curiosidade em saber com


quem você se relacionou agora? Virou segredo de Estado?

— Entendi. Curiosidade é sinônimo de ciúmes no seu


vocabulário.

— Você é mesmo um babaca por achar que eu sentiria ciúmes de


você. Eu não me importo com quem já transou ou transa.

— Nossa relação é aberta agora?

— Eu não disse isso. Até porque eu sairia perdendo nesse meu


atual estado. Sabe quantos homens querem paquerar uma grávida?
Sabe quantos homens elogiam uma grávida? Levar para a cama
então...

— Você tem todos eles em um só.

— Quero ver até quando.


— Quando chegarmos em casa eu posso te dar uma prévia.

— Nós não íamos jantar?

— A gente pode comer na cama...

— Você não estava morrendo de fome?

— Fome de Fernanda.

— Você é muito cafajeste.

— Você bem que gosta...

— Você me engravidou, fiquei sem muita escolha.

— Porra. Você sabe como destruir um homem.

Ela gargalhou alto.

***

Na semana seguinte, a Fernanda decidiu correr para visitar


algumas filiais espalhadas pelo país. A obstetra havia recomendado
que, a partir do sétimo mês, as viagens de aviões fossem evitadas ao
máximo. Além disso, ela pretendia deixar o mínimo de coisas para o
irmão mais novo fazer quando assumisse a presidência. Dessa
maneira, não vejo a minha chefe nem no trabalho, nem fora dele, há
muitos dias. Confesso que estava com saudades até dos resmungos.
Quando estava na copa da empresa, meu celular tocou e eu sorri,
radiante, ao ver que era a Fernanda.

— Minha mãe está me enlouquecendo para saber o nome da


neta. Ela quer mandar bordar o enxoval. Pensou em alguma coisa? —
falou rápido assim que atendi.

— Oi para você também, mas sim, pensei em vários nomes. Que


tal combinações com nossos nomes?

— Não! — ela gritou do outro lado.

— Pensei que você quisesse minha opinião.

— Tá, desculpa. Vou ouvir todas elas, mas isso não significa que
vai valer alguma coisa.

— Era brincadeira, Marcanda não seria muito bonito mesmo! —


Ela gargalhou. — Gosto de Beatriz — comecei.

— Bonito, mas comum.

— Carolina — tentei novamente.

— A diretora da minha escola tinha esse nome e era uma


megera. Não quero que minha filha tenha esse nome.

— Sofia.

— Lindo, mas se tornou tão popular quanto Maria — dispensou.

— O que não é comum para você?


— Agatha — respondeu de imediato.

— Primeira letra do alfabeto. Se a menina chegar atrasada na


aula, já levou falta.

— Yasmim, com Y.

— Dá muito trabalho na alfabetização. Sabe o que é escrever um


Y quando se tem apenas cinco anos? — protestei.

— Nina.

— Nina?! Isso lá é nome...

— Claro que é. Mas vamos voltar as minhas combinações, pode


ouvir?

— Diz!

— Amanda. Final de Fernanda, a primeira parte do meu nome


invertida.

— Você passou quanto tempo fazendo isso? — ela gargalhava do


outro lado da linha.

— Acha que é fácil? Tenta aí.

— Marcos, você anda assistindo muita série — falou entre risos.


— Essa história de shippar é para adolescentes.

— Que tal Mariana?

— É. Lembra a junção do nosso nome... — hesitei — Mas gostei


de Mariana.

— Ótimo. Por que agora nossa menina já tem nome. Mariana


Castro Albuquerque soa bem aos seus ouvidos?

— Muitíssimo bem — respondeu, animada.

— Sabe o que soa tão bem quanto? Fernanda Castro


Albuquerque.

— Lá vem você com esse papo de marcar território.

— Não é marcar, é dar meu sobrenome a você.

— Eu já tenho uma filha sua e isso conta mais.

— Porra! Não posso argumentar quando a questão envolve


nossa filha.

— Ponto pra mim, amor.

— Amor? — perguntei, surpreso.

— Você anda muito carente. — Sorriu. — Eu já te chamei de


amor várias vezes.

— Mentira! De babaca muito mais.

— Mas fazer o que se você é? Mas vamos fazer o seguinte, já que


você é o sensível da relação e adora esse lance de apelidos. Vou te
chamar agora de babaca-love.

— Babaca-Love?
— Sim, meu babaca amado.

— Então vou te chamar de presida-love.

— Você é péssimo nisso. Prefiro Fê, Nanda.

— Todos te chamam assim. Comigo é presida-love.

— Ok, babaca-love. Estou com muitas saudades — assumiu, por


fim.

— Eu também, presida-love.

— Odiei esse presida. Você disse que não era a presidente que
você queria ao seu lado.

— Eu disse. Mas confesso que acho sexy quando a presidente


está em ação.

— Deixa eu te dizer como a presida aqui pretende deixá-lo em


ação nesse momento.

E assim como várias outras ligações durante essa longa viagem


da Fernanda, essa terminou com descrições excitantes de tudo o que
eu faria com ela e vice-versa. Precisei ir até o banheiro da empresa
para me livrar da ereção causada pelos gemidos e sussurros de ambas
as partes.
CAPÍTULO XXXIII

Fernanda Albuquerque

Após quase vinte dias exaustivos, nos quais tive que dar conta
de uma agenda de mais de um mês, estava voltando para casa. Nesse
tempo, consegui dar conta das reuniões que consegui antecipar.

Desembarquei no aeroporto às oito e trinta de um sábado


ensolarado no Rio de Janeiro. Eu aguardava a mala ser despachada,
sentada numa cadeira. Agora com sete meses, minha barriga já
pesava, de modo que eu vivia mais sentada que em pé. Mandei
mensagem para o Marcos avisando da minha chegada, mas ele ainda
não havia respondido, provavelmente estava em alguma reunião.

— Para onde, madame? — Gabriela perguntou quando parou o


meu carro na frente do aeroporto. Ela estava no Rio e totalmente
disponível, por isso assumiu a tarefa de me buscar.

— Casa e depois Albuquerque's. Tenho trabalho acumulado lá. E


você deveria ir junto, vamos entrar em contato com a empresa que
contratei para organizar a festa de trinta anos da empresa. Vou deixar
sob sua responsabilidade a organização do evento.

Eu precisava de uma assessora que me ajudasse nessa corrida


contra o tempo, para deixar tudo planejado antes que eu saísse de
licença maternidade. Não queria um profissional qualquer, até porque
era mais que a comemoração do sucesso da Albuquerque's, era um
reconhecimento ao fundador e um agradecimento a todos que fazem
parte da empresa. Não queria uma cerimonialista que apenas
pensasse no evento como um todo, queria alguém que fosse meus
olhos, meus ouvidos, que acompanhasse desde a lista de convidados
até as notas que sairiam nas mídias no dia seguinte. E quem melhor
que uma amiga para fazer isso por mim?

Gabriela Burnier era minha amiga de longa data. Patricinha


assumida, ela usou todo seu tempo livre para conhecer o mundo.
Falava cinco idiomas fluentemente, entre eles o alemão, já que passou
uma temporada vivendo em Munique. Gabi aceitou prontamente meu
convite para ser promoter do evento, desde que eu não utilizasse esse
termo, ela preferia ser chamada de Personal Party. Ela era a peça que
eu precisava para me auxiliar e seria de grande utilidade.

— Claro que vou junto, estou louca para conhecer seu advogado.

— Ele acaba de me mandar mensagem, está no Congresso de


Advogados. O evento termina às dezoito horas. Vai ter que esperar
para matar a curiosidade.

— Então não vou mais — perturbou. — Mas falando em


curiosidade, ele não tem nenhum amigo gato e disponível?

— Não conheço muito os amigos dele. Mas deve ter...

— Você não será a única a ter um carioca para chamar de seu. Já


tenho planos para curtir a nigth carioca. Pensei que poderíamos ir a
um baile funk, ir à praia de Ipanema, passar um fim de semana em
Angra.

— Terra chamado Gabi. Eu sou presidente de uma empresa que


suga muitas horas do meu dia e, para completar, carrego, para todo
lado, uma barriga que cresce a cada semana. Acha mesmo que eu
posso sair por aí?

— Sorry, amiga! Então te mando fotos de todos os lugares que eu


visitar — falou, sorrindo.

— Vai sonhando que sua vida de personal party será fácil.

— Ei, você não falou nada sobre trabalho escravo.

— Não?! Esqueci de comentar isso, então — falei, sorrindo.

— Vadia!

— Também te amo, amiga.

***

Como eu imaginara, assim que pisei o pé na sala da presidência,


Cátia entrou com uma agenda na mão. Eu suspirei, pois sabia que ali
indicava ainda mais trabalho.

— Bom dia, Fernanda, fez boa viagem?

— Bom dia, Cátia. Sim. Não me diz que é mais trabalho...

— Infelizmente sim. E como anda essa menina aí?

— Muito bem, tia Cátia — falei, alisando minha barriga sobre o


vestido.
— A sua barriga deu um pulo, hein?

— Muito. Minhas neuras com as estrias já começaram a aparecer


e me fazem medir o crescimento dela a cada dia, pois, segundo o livro
que Marcos me deu, quanto maior a barriga, maior o estrago depois.
Faço uso de três produtos diferentes todo santo dia, além de conversar
muito com minha filha, alertando que ela não deve destruir a mamãe.

— Fernanda, você não existe! — Sorriu.

— Sério. Tem cada foto de barrigas cheias de estrias, e o umbigo?


Dizem que a partir do sétimo mês ele dá uma estufada. Liguei para
minha médica assim que li sobre isso, queria saber se há algum
remédio que evitasse que isso acontecesse. E sabe o que ela me disse?
Sim, o nascimento da sua filha. Dá para acreditar?

— O que o Marcos diz?

— Que eu estou cada dia mais linda e que mesmo que isso
aconteça ele não vai sair do meu lado.

— Que fofo!

— Fofo?! Fiquei irritada, isso sim. Foi o mesmo que ouvir: você
está bem acima do peso, mas ainda assim eu te amo. Eu sei, eu estou
surtando com todos esses hormônios da gravidez! — Suspirei. —
Agora vamos a única coisa que eu ainda tenho controle, o trabalho.

— Sim, senhora.

Cátia saiu e concentrei-me no relatório marcado como principal


na ordem de prioridades. Depois de assinar e dar andamento na
maioria dos papéis, liguei para o ramal do meu irmão.
— Marketing.

— Bom dia, Fernando. Como vai? Sentiu saudades da sua irmã


preferida?

— Bom dia, presidente. Você não sabe quanta. Como está minha
sobrinha?

— Muito bem, obrigada. Liguei para avisar que agendei uma


reunião para semana que vem com a equipe de São Paulo, eles
solicitaram sua presença e do coordenador jurídico daqui para
acertarem os detalhes da integralização das equipes.

— Certo. Já comunicou a Thalita?

— Já! Ela optou por assumir o setor jurídico na ausência do


Marcos, que vai para essa reunião.

— Eu e o Marcos, juntos?!

— Foi escolha da sua namorada, reclame com ela. Eu liguei para


ambos e perguntei qual dos dois gostaria de assumir a representação
jurídica. Ela disse que o Marcos havia cedido e ela acabou assumindo
o caso da filial em Nova York e agora era hora dela retribuir a
gentileza.

— Entendi. Me passa o dia e o horário da viagem.

— A Cátia passará as informações ainda hoje. Beijo. — Desliguei.

Após horas sentadas, eu precisei me levantar e seguir as


recomendações médicas de caminhar; aproveitaria essa caminhada e
iria pessoalmente até o setor de RH entregar o relatório autorizado e
acertar os detalhes da contratação da Gabi. Thalita estava na recepção
conversando com Cátia quando saí da minha sala.

— Bom dia, Fernanda — cumprimentou-me.

— Bom dia, Thalita. — Retribuí o seu sorriso. — Cátia, estou


indo ao setor de RH.

— Eu posso ir.

— Não. Eu preciso caminhar, ordens médicas.

— Eu estou indo para lá, também — Thalita disse, despedindo-se


de Cátia.

— Algum problema?

— Não, não. Apenas preciso sanar uma dúvida em relação à


demissão de uma funcionária. Juridicamente não há motivos para a
empresa perder a causa, já que a funcionária foi descoberta utilizando
dos telefones funcionais para fins pessoais.

— Ela foi flagrada no momento que realizava a ligação?

— Não. A empresa começou a notar um aumento considerável


na conta telefônica. E o setor financeiro começou a observar a
constante crescente do valor total ao fim de cada mês. A primeira
conta analisada indicava um aumento de 10% em comparação ao mês
anterior, até que o aumento chegou a 50%. Foi aberta uma auditoria
interna para descobrir o que estava acontecendo.

— E nessa auditoria descobriram um número que era ligado com


certa frequência.

— Exatamente. Um DDD de Minas Gerais, as ligações tinham


duração entre trinta a sessenta minutos e esse contato era feito
diariamente no fim do expediente. Entraram em contato com o
número e ele pertencia ao namorado da tal funcionária.

— Eles deviam fazer sexo por telefone, só pode — falei, sorrindo.

— Também pensei nisso e já solicitei quebra do sigilo telefônico


caso ela permaneça com a ideia fixa de processar nominalmente a sua
coordenadora de área.

— Como assim?

— Ela alega ter sofrido assédio moral, só porque a coordenadora


disse que ela teve muita sorte em não ser demitida por justa causa, na
frente dos colegas.

— A mulher agiu no calor do momento. Afinal, como


coordenadora da dita cuja, lógico que a bronca também sobraria para
ela.

— É justamente isso que eu alego na defesa.

— Engana-se quem acha que coordenar uma empresa é tarefa


fácil. Antes o trabalho fosse os relatórios, o caixa fechar positivamente
no fim do mês, mas lidamos com pessoas, e isso torna tudo ainda mais
complicado.

A maior parte do setor jurídico era composto por cabines que


ficam numa antessala do departamento de Recursos Humanos, de
modo que não era possível ir até o setor de RH sem passar por ela.
Antes mesmo de adentrarmos na área do setor jurídico, já
escutávamos vozes e risadas em um tom elevado.

O que eu dizia mesmo sobre lidar com pessoas?

A sala era enorme e divida por cabines, cada uma ocupada por
um funcionário, mas incrivelmente, todos estavam de pé em volta de
uma única cabine.

— Aposto vinte que ela não sabe quem é o pai!

— Trintão como foi produção independente.

— Dobro a aposta se Marcos for o pai.

— Cem reais que foi golpe da barriga.

Todos esses comentários provocaram ira em mim. Lógico que


eram sobre minha gravidez que eles apostavam sem o menor
constrangimento. Sabia que comentariam a respeito, mas daí
transformar isso numa roda de conversa entre funcionários na minha
empresa era demais.

— Eu aposto meu Audi que a minha vida pessoal não diz


respeito a nenhum dos senhores — falei, aproximando-me dos
envolvidos. Como se eu fosse portadora de uma doença contagiosa,
todos se afastaram e voltaram rapidamente as suas cabines, fingindo
estar concentrados no trabalho. Deixando sozinha apenas a líder, Sara.

— Posso ajudar? — Ela ainda teve a cara de pau de fingir que


não nada havia ocorrido.

— Claro. Passa no setor de RH após minha saída. — Fiz um


esforço sobrenatural para manter-me no controle da situação.

— Qual o motivo? — indagou, petulante.

— Você saberá quando chegar ao setor — limitei-me a dizer.

— Não é mais uma das suas advertências, é?

— Está falando comigo? — Virei em sua direção. — Sou sua


superior e assim como te tratei com respeito até agora, peço que faça o
mesmo. Agora, num tom correto e formulando adequadamente sua
pergunta, pode repetir.

— Ainda não compreendi o motivo da minha última


advertência. Envolvimento com funcionários não viola as regras da
empresa.

— Desde que a funcionária não esteja seminua dentro do


almoxarifado.

— Isso é uma calúnia! — falou alto, chamando a atenção dos


demais funcionários

— Senhores — dirigi-me aos outros funcionários, que fingiam


trabalhar —, poderiam nos dar licença? — Todos levantaram
prontamente e se retiraram da sala. — Está insatisfeita com as normas
da empresa? É só passar no RH. Agora vamos, Thalita, temos um
assunto importante para tratar.

— A advogada ao seu lado deveria te orientar que assédio


moral é crime.

— Acho que quem precisa de orientação aqui é você. Afinal,


insubordinação, falta de respeito com o superior e questionar minha
autoridade também podem configurar prática de assédio moral, ou
seja, está incorrendo no mesmo crime.

— Do que você está falando? Não tem como provar nada!

Puxei o papel que ela escondeu atrás do teclado.

— Thalita, acho que esse papel é uma prova do assédio que


eu acabei de sofrer na minha empresa... — Entreguei o papel para que
ela observasse. — Um bolão sobre quem engravidou a puta da
presidente não é nada mal. Apenas o valor do bolão... Mil reais...
Valho bem mais.

— Você não tem como provar que fui eu quem escrevi.

— Não precisa ficar preocupada. Eu não pretendo entrar em


uma batalha judicial por isso. Assim que eu sair do RH, você pode
passar lá para acertar sua demissão.

— Eu conheço meus direitos e vou destruir sua empresa num


processo.

— Tenho excelentes advogados.

— Tudo isso é pelo Marcos?! Você não deveria agir assim tão
passionalmente. Ele vai se cansar de você daqui a pouco — provocou-
me.

— Eu pensava que você fosse mais inteligente, mas quando a


encontrei se jogando em cima dele, ficou claro que o problema era
pessoal. Mas estamos na minha empresa e nela eu mando e decido do
meu jeito. Por isso até nunca mais, Sara.
— Nos vemos nos tribunais.

— Não. Você verá meus advogados lá. Tenho certeza que a


Thalita terá um enorme prazer de assumir o caso.

— Com certeza — Thalita concordou com um imenso sorriso nos


lábios.

Eu bem que avisei para a Sara não cruzar o meu caminho. Nunca
fui com a cara dela, seu cargo era mantido pois não havia reais
motivos para demiti-la, era uma boa funcionária, apesar de
constantemente estar envolvida em fofocas. Mas fazer bolão a respeito
da paternidade da minha filha foi a gota d'água. Conhecendo-a, sei
que o que ela falou não foi da boca para fora. Ela iria mover uma ação
judicial contra a Albuquerque's e isso não me assustava nem um pouco.
Thalita faria o possível e o impossível para derrotá-la no tribunal.
Assim como eu, ela também não ia com a cara de Sara e eu acabei de
jogar no seu colo a chance de confrontá-la no que ela mais gostava de
fazer: advogando.

***

Já estava dirigindo para casa quando meu celular tocou, atendi


no comando do painel.

— Fernanda, já voltou de Sampa? — Era a Dani.

— Cheguei hoje.

— Então não há motivo para recusar meu convite para um show


de jazz.
— Claro que não, só dizer o local e o horário.

Graças as orientações do Marcos, não demorei muito a chegar


em casa. Ele havia me ensinado um caminho alternativo para fugir
dos congestionamentos em horário de pico. Assim que pisei no meu
quarto, tive vontade de me jogar na cama e não levantar. Estava
exausta pelo dia cansativo. Mas a vontade de sair e curtir uma noite
sem ter que falar de maternidade, ser apenas a Fernanda curtindo
uma boa música, falou mais alto.

Passei direto pela cama e fui para o banheiro. Um banho gelado


colocaria fim no cansaço. Dito e feito. Assim que saí do banho, ainda
com os cabelos molhados e enrolada no roupão, retirei do closet
minha última aquisição: um vestido envelope preto com mangas. Ele
se ajustava perfeitamente no meu corpo, valorizando meu busto sem
marcar tanto a minha cintura. Olhei no espelho e gostei do resultado.

— Já sei. Vai encontrar o Marcos — Dita falou, entrando no


quarto para recolher a bandeja com o lanche.

— Dessa vez não. Ele ainda está em São Paulo. Vou encontrar a
Dani e uns amigos.

— Vai dirigir? Você chegou hoje mesmo de viagem, ainda não


descansou...

— Você tem razão. Vou pedir um táxi.

O local onde aconteceria o show ficava na zona oeste do Rio,


numa charmosa casa de eventos. Daniela e um pequeno grupo
conversavam na entrada. Desci do táxi e me aproximei. Notei que
Luciano, o jornalista amigo da Dani que conheci durante a exposição,
também estava nesse grupo. Ele sorriu ao notar minha aproximação.
Retribuí o sorriso, mas ele me abraçou antes que eu tivesse tempo de
dizer um "oi" para o restante do grupo. Deixei-me ser abraçada. Logo
após, cumprimentei a todos e seguimos para nossas mesas à frente do
palco.

A voz da cantora de jazz me deixou em êxtase. Seu tom grave,


interpretando grandes sucessos do jazz, encantou a todos. Os mais
contidos apenas cantarolavam, já a nossa mesa cantava alto e dançava
ao ritmo das canções.

Aproveitei muito cada segundo da noite.

— Há tempos eu não me divertia assim — revelei quando


Luciano estacionou o carro em frente a minha casa. Ele fizera questão
de me levar, mesmo sob meus protestos de que não precisava.

— Você sente falta de ser só você, né? — Ele me compreendia.

Não que estar grávida fosse ruim, pelo contrário, eu até estava
curtindo minha gravidez, com Marcos ao meu lado, tudo ficava mais
divertido. Mas eu sentia falta de ser apenas a mulher, aquela que era
desejada, que saía para curtir a noite com os amigos...

— Sinto — confessei — Não como eu imaginei. Eu tinha


convicção que em meses eu estaria louca com a abstinência das festas,
mas até que eu estou tirando de letra! — falei, sorrindo.

— Imagino.

Bocejei. O papo estava ótimo, mas eu estava cansada. Não tinha


mais o pique de curtir a noite toda dançando. Minha barriga já pesava
e isso contribuía para meu cansaço. Luciano notou e saiu do carro em
direção a porta do passageiro, abrindo-a em um ato de gentileza.
Desequilibrei-me ao pisar na grama com os saltos finos. Ele me
segurou, evitando que eu caísse. Seus olhos capturaram os meus; eles
faiscavam de desejo, e eu fiquei imobilizada. Um de seus braços me
apoiava próximo, seu dedo percorreu meus lábios.

Fernanda, se afasta, você sabe o que vem a seguir.

Eu sabia o que viria, mas não podia evitar e me deixei levar. Ele
estava prestes a me beijar, mesmo com uma barriga enorme entre nós.
Eu deveria fugir. Mas a sensação de me sentir desejada falou mais
alto. E eu permiti que seus lábios encostassem nos meus.

— Que porra é essa?!

Não sabia se era minha consciência gritando, ou o próprio


Marcos, quem gritava na minha mente.
CAPÍTULO XXXIV

Marcos Castro

Mal desembarcamos no Aeroporto de Congonhas e já seguimos


direto para a antiga sede da Albuquerque's. Pela manhã, participei de
uma reunião com o setor jurídico; já à tarde, a reunião ocorreu
somente com os envolvidos na organização do evento e foi
comandada por Fernando, que nos obrigou a permanecer durante
várias horas dentro de uma sala, com pausa somente para um lanche
que foi servido dentro da mesma. Ele parecia ter tanta pressa para
voltar quanto eu, de modo que não reclamei por tudo estar sendo
resolvido o mais rápido possível.

Não sei precisar que horas eram quando chegamos ao aeroporto,


pois meu celular estava descarregado e meu companheiro de viagem
não era muito simpático comigo. Relaxei, sentado no banco,
aguardando enquanto o Fernando tentava conseguir nosso embarque.
Como era de se imaginar, a atendente alegou que não havia assentos
no voo, mas se quiséssemos comprar a passagem, havia vaga para a
última conexão. Fernando já estava disposto a pagar por uma nova
passagem quando eu decidi interferir.

— Boa noite, Paula. — Li o nome no seu crachá.

— Boa noite — respondeu educadamente.

— Que horas sai o próximo voo para o Rio?


— Daqui a cinquenta minutos, senhor.

— E nesse voo não há nenhuma desistência?

— Marcos, você acha que eu já não fiz essa pergunta? —


Fernando falou, irritado.

— Uma remota chance, senhor.

— Paula, sabemos que esse procedimento é comum nas


companhias áreas e sei que você está apenas cumprindo ordens.
Portanto, vou direto ao assunto. Minha esposa está grávida
aguardando-me chegar em casa e eu preciso embarcar nesse voo. Os
assentos destinados as pessoas portadoras de deficiência e obesos
certamente estão vazios. Você não poderia verificar?

— Um momento.

— Você acha mesmo que esse papo de marido preocupado vai


resolver? — Fernando perguntou, descrente.

— Verificamos no sistema e houve duas desistências, será


necessário pagar apenas uma taxa administrativa referente a mudança
de voo. Posso ajudar em algo mais? — falou, dirigindo-se para nós
minutos depois.

— Muito obrigado, Paula. — Apertei sua mão.

— Disponha.

— Não vai me agradecer? — indaguei assim que entramos na


aeronave.
— Se você tivesse me deixado continuar, também estaríamos
embarcando.

— Sim, no próximo voo.

— Marcos, não torra minha paciência, tive um dia corrido e tudo


que eu mais quero é minha cama.

— Nisso concordamos. E ah! Na próxima deixa o


cartão platinum escondido.

— Vai se foder, Marcos — ele disse, irritado, fazendo-me sorrir.

Desembarcamos e peguei um táxi até minha casa. Do


estacionamento do edifício, peguei meu carro e fui direto ao encontro
da Fernanda. Eu havia comprado doce de leite no aeroporto e tinha
certeza que ela iria gostar.

— Ela não avisou ao senhor que ia sair? — Dita me perguntou.

— Meu celular descarregou à tarde.

— Já tomou café? Tem uma sopinha deliciosa.

— Dita, o que seria de mim sem você? — falei, abraçando-a, e


seguimos em direção à cozinha.

Eu aguardava Fernanda deitado no sofá, meu celular já havia


carregado completamente. Realmente havia uma mensagem dela no
fim da tarde, perguntando sobre o meu dia e avisando que iria sair
para ver gente. Não respondi, queria fazer surpresa. Escutei quando
um carro estacionou e corri para a entrada para aguardá-la. Assim que
abrir a porta, desejei não ter tido a maldita ideia de ir até ali sem
avisar.

— Que porra é essa?! — gritei quando o homem cessou o beijo


que dava na Fernanda.

— Você não deveria estar em São Paulo? — ela perguntou,


confusa, enquanto se afastava do homem que a segurava.

— Quem é ele, Fernanda? — o imbecil perguntou.

— O homem que vai quebrar a sua cara — falei, partindo pra


cima do sujeito.

Atingi em cheio o seu queixo com um soco. Pego de surpresa, ele


cambaleou e acabou caindo no chão. Joguei-me sobre ele, proferindo
murros na sua cara, sem dar chance para defesa. Eu poderia bater nele
até a exaustão. Mas Fernanda resolveu intervir com seu barrigão.

— Marcos, larga ele! — Puxou-me pelo braço. — Mariana não


precisa de um pai na cadeia. — O seu pedido, usando o nome da
nossa filha, estabilizou-me e eu larguei o sujeito. — Acabou o show ou
pretende socar mais alguém para externar sua ira? — perguntou,
irritada.

— Como você quer que eu aja? Chego em casa e te encontro nos


braços de outro homem!

— Como um homem racional. Quando eu entrasse em casa,


conversaríamos.

— Não sou um dos seus cães adestrados.

— Não mesmo. Eles não me fariam passar por esse vexame.


— Vexame? Faz favor, Fernanda.

— A gente conversa lá dentro, ok?

— Não! A gente conversa agora.

— Eu vou indo, Fernanda. — O homem levantou com a mão no


queixo.

— Não quer entrar e ver esses ferimentos? — Ela ainda está


preocupada com o cara?!

— Acho melhor não — falou, notando raiva no meu olhar.

— Desculpa — pediu, constrangida. Ele apenas assentiu,


balançando a cabeça ao entrando no carro.

— Agora virarei o assunto do condomínio. — Ela bufou


entrando em casa.

— Por ser flagrada beijando outro?

— Por ter um babaca que invade meu condomínio e saí


agredindo meus convidados. Quem autorizou sua entrada?

— Você, senhora presidente — falei com ironia.

— Isso não lhe dá o direito de socar meus amigos — falou um


pouco mais tranquila.

— Se um amigo te beijar daquela forma, eu tenho esse direito


sim.
— Baseado em quê?

— Baseado no fato que nenhum homem age de forma racional


quando vê a mulher que ama beijando outro.

— Foi apenas um beijo sem importância. Ele quem me beijou! —


disse de forma calma, caminhando em minha direção.

— E você retribuiu! — gritei. — Suas mãos estavam em volta do


pescoço dele.

— Retribuí no automático! Você não sabe o que é passar a ser


vista como uma barriga ambulante! Ele me beijou mesmo estando
grávida, inchada, andando com uma pata... Eu não consegui pensar
— falou, chorosa. E eu contive a vontade de abraçá-la.

— Caralho! — explodi. — Eu te digo com palavras e gestos o


quanto te desejo todo dia e isso não serve?

— É diferente...

— O que é diferente? Um desconhecido te faz se sentir desejada


e eu não?!

— Eu não disse isso.

— Há quanto tempo você vem me fazendo de idiota?

— Não entendi a pergunta.

— Há quanto tempo estão juntos?

— O quê?! — Arregalou os olhos. — Marcos, foi apenas um beijo


sem importância.

— Era isso que você vivia me dizendo, que o que tivemos foi
uma boa transa e só, e olhe onde estamos.

— Exatamente, olhe onde estamos. O que temos foi mais que


uma transa, temos cumplicidade, parceria.

— Temos?! Acredito que ser parceiro não é trair o outro dessa


forma.

— Não dá para conversar com você cego de ciúmes. Acho


melhor termos essa conversa em outro momento, de cabeça fria.

— Estou de saco cheio de me dedicar, de fazer tudo para você


notar que eu te quero ao meu lado e ver você indiferente.

— Está terminando comigo?

— Não se termina o que nunca começou de verdade.

— Marcos! — Aproximou-se de onde eu estava. — Você


entendeu tudo errado. Deixa eu explicar...

— Explicar que o que temos é especial? Que nosso encaixe na


cama é perfeito? Eu quero ouvir bem mais que isso. Quero ouvir que
me ama, que quer passar os dias ao meu lado. Não estou nem aí se
isso é ser passional...

— Não vou dizer que te amo só para satisfazer seu ego.

— Não se trata de ego. Trata-se de externar, dizer ao outro o


quanto ele é importante. Sabe por que não consegue dizer isso?
Porque sua racionalidade te faz se achar superior por não demonstrar
sentimentos. Porque você vive a vida baseada em relacionamentos
superficiais, porque nunca havia encontrado alguém que
verdadeiramente te amasse. E, quando encontrou alguém que lhe
amasse de fato, não soube como lidar. Você é incapaz de sentir amor
por alguém — despejei tudo de uma vez.

— Eu te odeio, Marcos! — gritou em meio as lágrimas, antes


de subir as escadas o mais rápido que conseguiu.

— O que foi que aconteceu? Ouvi os gritos... — Dita apareceu na


sala.

— Fernanda precisa de você — limitei-me a dizer antes de sair.

Não sei como consegui entrar no carro e dirigir. Raiva. Medo.


Arrependimento. Amor. Todos esses sentimentos me atingiram ao
mesmo tempo e eu não conseguia pensar. Um soco no estômago
doeria menos do que não ouvir da boca dela que me amava. Eu
também nunca havia dito antes, mas esperava que ao dizer, seria
recíproco. Mas ela simplesmente se calou.

Eu queria matá-la e, ao mesmo tempo, sentia vontade de beijá-la


para sentir novamente aquela conexão só nossa. Na tentativa de evitar
retornar até sua casa, sintonizei uma rádio qualquer para me distrair.

***

Fernanda Albuquerque
Como o Marcos podia ser tão idiota? Quantas vezes eu já havia
dito que nunca senti por ninguém o que sentia por ele? Foi a droga de
um beijo sem importância. Um beijo insignificante. Um beijo que não
provocou nenhuma reação no meu corpo. Mas ele me ouviu? Não!
Ficou cego de ciúmes!

Cheguei ao meu quarto e bati a porta com força, recostando-me


nela e me deixando cair até o chão. Lágrimas grossas e feias
escaparam dos meus olhos e escorreram por meu rosto. Por que ele
tinha quer ser tão passional? Por que ele precisava ouvir as três
palavras juntas para entender que eu o amava? Por que eu me calei?
Por que, ao invés de dizer “eu te amo”, eu gritei “eu odeio você”?

Ouvi passos se aproximarem do quarto e levantei o mais rápido


que pude, lutando, numa tentativa vã, para conter as lágrimas. Talvez
ele tivesse se dado conta da cena patética e voltado para conversar.
Talvez ele enxergasse nos meus olhos o amor que não verbalizei. Não,
eu diria com todas as letras o que ele desejava ouvir. Minha boca
verbalizaria o “eu te amo” mais audível que alguém já escutou. Abri a
porta disposta a cumprir minhas novas promessas, mas não era ele
quem se aproximava. Era a minha bá Dita.

— O Marcos disse que você precisava de mim.

— Onde ele está?

— Ele já foi, Fê...

Demorou para isso acontecer, pensei, jogando-me nos braços e diga


e me entregando ao choro novamente.
CAPÍTULO XXXV

Fernanda Albuquerque

Tentei todos os truques de maquiagem para disfarçar o nariz


vermelho e os olhos inchados após uma noite mal dormida, na manhã
do dia seguinte. Mas não deu muito certo.

— Você andou chorando? — Gabi perguntou assim que sentei à


mesa para tomar café da manhã, tínhamos combinado de comer
juntas.

— Dá para perceber?

— Muito. Diz o que aconteceu.

— O Marcos — falei, suspirando. — Ele distorceu uma situação e


simplesmente foi embora.

— Conta do início.

Relatei tudo que havia ocorrido na noite anterior após o Marcos


me flagrar correspondendo ao beijo do Luciano.

— E foi isso, Gabi, ele entendeu tudo errado, não me deixou


explicar que foi um beijo sem nenhum significado, que é ele quem eu
quero do meu lado — falei, chorando novamente.

Malditos hormônios da gravidez.

— Fernanda, pelo que você disse, ele apenas pediu para que
você assumisse que o amava...

— Eu... Eu me senti pressionada, não foi assim que eu imaginei


que deveria dizer que o amava. Só que ele é um babaca e acabou
estragando tudo com seu jeito explosivo.

— Um babaca que te ama. O ataque de ciúmes dele é mais do


que compreensível e você sabe disso. Vai ficar aí chorando sem fazer
nada?

— Tenho uma empresa me esperando.

Eu não vou correr atrás dele. Não vou deixar me levar pela emoção.

— E o Marcos? Você acha que ele vai ficar te esperando até


quando? Escuta, pela primeira vez na vida, seu lado passional e vai
atrás dele. Grita, briga, diz que ele é um idiota intempestivo, mas que
você o ama mesmo assim. Está escrito no seu olhar o quanto você está
sofrendo.

— Acho que é melhor dar tempo ao tempo...

— E o deixar escapar de vez da sua vida? Ele está se sentindo


traído e se tem alguém aqui que precisa consertar essa situação, é
você. Levanta essa bunda da cadeira e vai bater na porta dele. Por ele,
por você e por minha sobrinha que não tem nada a ver com esses pais
temperamentais.

— E a Albuquerque's?

— Fernanda! — repreendeu-me.

— Está bem. Me deseja sorte! — Levantei da mesa.


— Sorte!

Dirigi ansiosa até o apartamento do Marcos. Não havia pensado


no que dizer, na verdade, era difícil encontrar palavras para expressar
o quanto ele era importante para mim. Recordei que nunca precisei
ouvir dele um “te amo” para me sentir amada, seu amor estava
presente nos gestos de carinho e no cuidado que ele tinha comigo.

Sempre acreditei que amar era muito mais do que dizer “eu te
amo”. Era estar presente nos melhores e piores momentos, ser
presença mesmo na ausência. E, acima de tudo, querer bem mesmo
quando o outro não merecia. E era assim que eu me sentia em relação
ao Marcos, agora via com clareza. Nossa relação foi estabelecida sobre
divergências, companheirismo, brigas e reconciliações, mas nossas
trocas de olhares diziam o mais claro “amo você”, mesmo sem
proferir, de forma automática, tais palavras. Mas o importante era que
agora eu tinha certeza e conseguia nomear o meu sentimento pelo
babaca: amor.

Toquei a campainha duas vezes e já me sentia impaciente.


Quando estava prestes a tocar novamente, a porta se abriu.

— Finalmente, achei que nunca iria atender.

— Fernanda?

— Alexandre? Vim atrás do Marcos.

— Ele não está.

— Isso já notei. E essa mala?

— Vim pegar umas roupas para ele.


— O que está acontecendo? — perguntei, apreensiva.

— Ele me fez prometer que não te contaria.

— Estou grávida e não a beira da morte, diz logo! Minha


gravidez não é justificativa para que escondam coisas de mim — falei,
firme, embora o medo estivesse instaurado dentro de mim.

— O pai dele deu entrada na urgência em São Pedro da Aldeia e


ele foi até lá. Só vim pegar essas roupas e estou indo.

— Eu vou junto — decidi.

— Não, não vai. Você sabe onde fica São Pedro da Aldeia? A
viagem é longa.

— Já está decidido: eu vou! Seja com você ou sozinha.

— Puta que pariu! — xingou, relutante em me levar.

Seu carro seguiu o meu até a minha casa. A mala que eu havia
solicitado que Dita fizesse já estava pronta quando eu cheguei, de
modo que só fiz estacionar o carro, pegar a mala e entrar no carro do
Alexandre.

Boa parte do caminho foi feita em silêncio, o motor potente da


sua Land Rover era o único som que ouvíamos enquanto cortávamos a
BR. Notei que o Alexandre parecia tenso, concentrado na direção. Ele
evitou me contar mais detalhes sobre a situação da saúde do pai de
Marcos, alegando não saber muito, coisa que eu duvidava.
Notando que eu o observava atentamente, ele decidiu romper o
silêncio.
— Tudo bem com você? — perguntou.

— Tudo sim. Só minhas pernas doem um pouco.

— Eu vou parar no próximo posto de gasolina, aí descemos e


esticamos as pernas.

— Obrigada. Ele está bem?

— O Marcos ou o pai?

— Ambos.

— O senhor Luiz teve um princípio de AVC, nesse momento


deve estar sendo submetido a uma cirurgia para desobstruir as veias
do coração, pelo menos foi isso que entendi. E o Marcos... bom, ele diz
que está bem.

— A relação deles não é boa? — Marcos nunca havia falado do


seu pai.

— Eles nunca tiveram uma relação propriamente dita... O pai


dele recebeu uma proposta de emprego para trabalhar em outro
estado e acabou aceitando. A dona Ana, que estava grávida de três
meses, optou por não seguir o marido. E o Luiz acabou optando pela
carreira ao invés filho. Marcos nunca lidou bem com essa escolha.

— Durante esses anos todos... O pai nunca tentou entrar em


contato?

— Diversas vezes. O Luiz procurou pelo filho, que nunca quis


dialogar.
— Por isso ele nunca me falou sobre o pai...

— Ele vai ficar puto quando souber que eu te contei.

— Se eu ouvisse essa história há sete meses, eu não condenaria a


escolha desse pai. Mas agora... — Toquei minha barriga. — Penso
diferente.

— Posso imaginar... Mas o pai dele não foi um canalha que não
assumiu o filho.

— O reconhecimento da paternidade é uma obrigação moral.

— É exatamente assim que o Marcos pensa. Mas eu discordo. Se


o cara fosse esse mau-caráter completo que o Marcos vê, ele não teria
voltado para registrar esse filho, tampouco teria tentado estabelecer
contato por anos. O Marcos recusou qualquer contato, ignorando até
mesmo os pedidos de sua mãe. Ele não aceitava nada que viesse do
pai: quebrava os presentes no natal e desligava ou recusava as
ligações. Até um apartamento na zona nobre do Rio ele recusou. O
apartamento ficou jogado as moscas por anos. Ele nunca pisou os pés
lá nem mesmo por curiosidade.

— O que o fez mudar de ideia?

— Após o falecimento da sua mãe, eu o convenci que ele poderia


alugar o apê. Assim, parte do dinheiro era destinado a instituição de
caridade que a sua mãe ajudava e a outra parte, eu usava para investir
em reformas para valorizar ainda mais o imóvel.

— E o apartamento hoje?

— Hoje... — Ponderou. — Está alugado para a Thalita. Ela não


sabe que ele é o proprietário. Na verdade, ninguém deveria saber...
Ela estava passando por uma fase de mudanças, me procurou para
ajudá-la a achar um lugar para ficar e o Marcos autorizou que
alugássemos a ela.

— Eles são muito próximos, né?

— Parceiros. Um apoia o outro nos melhores e piores momentos.


— Tentei disfarçar a expressão de ciúmes com uma cara de paisagem,
mas o Alexandre notou e prosseguiu. — Não é o que você está
pensando. — Sorriu. — O carinho que ele nutre por ela é o mesmo
destinado aos seus amigos. Marcos é daqueles que racha a gasolina e
fica ao seu lado no meio da tempestade esperando a chuva passar...

— Ele é legal. Eu sei.

— Sabia que antes de você vir ao meu encontro, ele me pediu


que eu fosse até um dos seus irmãos e mandasse cuidar de você? —
falou, sorrindo.

— A gente brigou e ainda assim ele cuida de mim...

— Ela te venera, Fernanda. Você foi a única mulher sobre a qual


ouvi o Marcos falar em constituir família. Ele está muito feliz em ser
pai. Não fala em outra coisa.

— Eu também gosto muito dele — confessei, sem conter as


lágrimas.

— Se eu tinha alguma dúvida, ela desapareceu quando você


decidiu ir até ele sem pensar duas vezes.
***

Mesmos sob os protestos do Alexandre, que insistiu várias vezes


para que eu comesse antes de irmos até o hospital, fomos direto para o
hospital em que Sr. Luiz estava internado. A cirurgia ainda não havia
terminado e, segundo Alexandre, de nada adiantaria eu ficar lá
esperando com fome.

Assim que entramos na sala de espera, vi o Marcos ao lado de


uma pessoa que vestia um casaco com capuz, sentado na cadeira. Ele
parece consolá-la. Ao notar o som dos nossos passos, ele levantou a
cabeça e pude ver a dor em seu rosto. Tive vontade de correr até ele
para abraçá-lo, mas rapidamente o Marcos desviou o olhar do meu e
recebeu um abraço forte do seu amigo.

— Por que ela está aqui? — perguntou ao Alexandre, ignorando-


me completamente.

— Eu não ia te abandonar nesse momento — respondi mesmo


assim.

— Porra, Alexandre! Eu disse que ela não deveria saber — falou


alto e a recepcionista pediu silêncio.

— Ela viria sozinha se eu não a trouxesse, até parece que não a


conhece.

— Pronto! Agora que viu que estou sem nenhum hematoma, o


Alê vai te levar de volta! — Despejou as palavras, evitando qualquer
contato visual.
O som de um soluço alto sobrepôs as palavras do Marcos. Voltei
minha atenção para a pessoa encolhida na cadeira. O capuz
escorregou da sua cabeça, mostrando uma jovem de cabelos lisos e
olhos escuros assustados. A garota tentava conter o choro. Aproximei-
me sem pensar, sentei ao seu lado e entreguei um lenço descartável
que retirei da minha bolsa.

— Obrigada — agradeceu, fungando.

— Você está sozinha aqui?

— Meu pai está passando por uma cirurgia nesse exato momento
e eu tenho tanto medo que... — Ela não conseguiu completar,
chorando compulsivamente.

Trouxe-a para perto, abraçando-a, enquanto acariciava suas


costas. Não sei por quanto tempo ficamos naquela posição, mas o
choro cessou aos poucos.

— Cecília é filha do Luiz Prudente. — Marcos se limitou a dizer


para ninguém em específico.

— Muito prazer, Cecília. Sou Fernanda.

— Oi, Fernanda. Você conhecia meu pai?

— Não, mas vim aqui para isso. — Sorri. — Conhece algum


lugar aqui onde possamos comer e conversar? Agora eu como por
dois, como já deve ter notado. — Toquei em minha barriga, a garota
sorriu.

— Ela ainda não almoçou? — Marcos, furioso, dirigiu-se a


Alexandre.
— Ela quis vir direto!

— E você aceitou?

— Queria que eu arrastasse ela pelos cabelos até o restaurante?


— Marcos bufou, irritado, e saiu.

— Conheço um restaurante aqui perto, posso te mostrar onde


fica. Não quero sair de perto do meu aqui. — Concentrei-me na
resposta de Cecília.

— Você provavelmente não comeu nada. A gente sai e qualquer


coisa o Alexandre nos liga, aí voltamos correndo. — Ela titubeou, mas
assentiu.

Como era de se imaginar, ela estava com tanta fome quanto eu.
Comemos com urgência, enquanto ela me contava um pouco da sua
vida.

Cecília Prudente era uma jovem de dezenove anos. Cursava


jornalismo e era dona de um canal no Youtube, que recebia pouco mais
de mil acessos por vídeo postado. O canal, intitulado "O mundo por
Ceci", era uma releitura dos noticiários exibidos nos telejornais, só que
com a sagacidade e a acidez de uma garota de dezenove anos. Além
disso, postava algumas dicas de viagens e músicas, para quebrar o
gelo, mas não era o seu foco principal, afirmou com categoria. Cecília
exibiu um sorriso orgulhoso ao me mostrar seus vídeos do canal.

Ao contrário do que imaginei, ela não era filha biológica do Sr.


Carlos. Cecília relatou que o casamento da sua mãe já estava
arruinado quando descobriu que estava grávida e isso não foi o
suficiente para que o casal se reconciliasse. A mãe dela, que era
funcionária da rede Prudente, rede de Supermercados do Luiz Carlos
Prudente que possuía lojas espalhadas bela Baixada Fluminense,
encontrou no seu pratão um companheiro para superar essa fase. Com
o nascimento de Cecília, eles formaram um casal e o pai do Marcos
registrou a menina em seu nome. Nossa, quanta informação!

— Meus pais sempre fizeram questão que eu soubesse da


verdade, sabe?! E isso foi muito bom, pois me senti ainda mais amada.
Amar alguém que foi gerado por você é espontâneo, mas amar
alguém que não possui laço sanguíneo, é amor puro. Ele não tinha
nenhuma obrigação comigo, mas mesmo assim escolheu cuidar de
mim e me amar incondicionalmente. Eu não escolheria melhor pai
para mim — revelou com os olhos marejados.

— Sua história é linda, Ceci — falei, emocionada. — Você sabia


que tinha um irmão?

— Papai sempre falou do “seu menino”, era assim que ele


costumava se referir ao Marcos quando eu era criança. A gente tem
uma foto dele quando criança na estante. Os anos foram passando e o
Marcos passou a ser meio que um assunto evitado nas nossas
conversas.

— Por quê?

— Meu pai costumava ficar triste quando esse assunto vinha a


tona. Por mais que ele buscasse disfarçar, a gente percebia que ele
ficava triste. E, com o tempo, falar do Marcos ficou cada dia menos
frequente.

— Entendo.
— Isso não significa que meu pai tenha esquecido dele, de forma
alguma. Ele acompanhava sua vida por meio de notícias de amigos,
através das redes sociais... Meu pai cometeu muitos erros, mas é um
bom homem.

Semelhante ao filho, pensei.

Voltamos ao hospital e, algum tempo depois, recebemos a


notícia que a cirurgia havia acabado e tinha sido um sucesso, pois não
foi necessária a inserção de uma válvula mitral, como os médicos
pensaram, apenas a desobstrução das artérias foi suficiente. Segundo
o médico, apesar dos seus mais de sessenta anos, o Sr. Carlos não
tinha uma vida sedentária, não fumava nem bebia, ou seja, não
possuía os fatores primordiais para complicação cirúrgica. No
momento, ele estava consciente e estável na UTI, mas a visita ainda
não era permitida. Supliquei ao médico que deixasse Cecília ver o pai,
mesmo que fosse através do vidro. Ele atendeu meu pedido, e mais
uma vez segurei em meus braços a garota que chorava. Mas dessa vez
era de alívio.

— Agora que sabemos que seu pai está fora de perigo, vamos
para casa. Amanhã ele não vai querer ver a filha dele com aspecto de
quem foi atropelada por um ônibus.

— Você está certa — concordou.

— Eu sempre estou certa. — Pisquei. — Tem alguém que fique


com você em casa?

— Sim, minha tia avó e vou pedir para Duda, minha melhor
amiga, ir passar a noite lá comigo.
— Não está mentindo, né?! — falei, encarando-a.

— Não, Fernanda. E para provar, minha tia estará nos esperando


na porta para te tranquilizar.

— Certo — falei, sorrindo. — Alexandre, você pode nos levar até


a casa da Cecília?

— Sem problemas.

— Tchau, Marcos. — Ela se despediu dele com um sorriso.

— Tchau, Cecília. E qualquer coisa me liga — falou meio sem


jeito e com as mãos no bolso.

Conforme ela dissera, havia uma tia nos esperando na porta de


casa assim que o carro estacionou. Saímos do veículo para conhecer a
dona Silvana, uma senhora muito espirituosa, que teceu inúmeros
elogios a beleza do Alexandre.

Depois de, por muita insistência da tia, experimentar o bolo de


cenoura com calda de chocolate quente, seguimos para o hotel em que
o Alexandre havia feito reserva em meu nome. Eu não havia me
atentado a esse detalhe, mas agradeci por ter uma cama confortável
me esperando quando cheguei. Estava exausta e apaguei em poucos
minutos.

Já era tarde quando desci para jantar. No restaurante do hotel, vi


Marcos e Alexandre numa mesa conversando. Não sei se eles haviam
notado minha presença, mas como não obtive contato visual, resolvi
sentar numa mesa afastada. Enquanto aguardava o garçom trazer
minha refeição, eu me distraía com meu iPad. Música me relaxava, e
eu precisava relaxar. Quando fui servida, comi até estar saciada.

Já estava no corredor que dava acesso ao meu quarto quando ele


se aproximou, parando à minha frente. Acompanhei apenas o
movimento dos seus lábios, uma vez que não ouvia nada em virtude
da música alta.

— Quer tirar esses fones e me ouvir?! — Puxou um dos fones.

— Resolveu pôr fim ao jogo não fale com a Fernanda?

— O Alê vai embora amanhã cedo. Vim avisar para você se


preparar...

— Eu não vou com ele.

— Como não?! — perguntou visivelmente surpreso.

— Não vou.

— Fernanda, facilita minha vida.

— Estou tentando, por isso estou aqui.

— Se estivesse mesmo facilitando, não deveria ter pego horas de


estrada por nada.

— Nada me faria mudar de ideia... E eu vim por você...

— Não preciso da sua pena.

— Precisa do meu abraço? De minha palavra de conforto?


— Não estou com cabeça para discutir.

— Não estamos discutindo, estamos? Vamos conversar.

— Conversar? Tentei fazer isso ontem...

— Marcos...

— Não, Fernanda. — Engoli o nó na garganta e movi o corpo em


direção a porta. — Amanhã logo cedo o Alê te levará de volta, voltarei
em seguida.

— Não voltarei com ele, já disse.

— Não há motivos para você ficar aqui. Eu não quero você aqui.

— Dá para deixar a raiva por mim de lado e se concentrar na


Cecília? Você sabia que ela tem apenas dezenove anos? A garota está
assustada com a possibilidade de perder o pai!

— Não tenho nada a ver com ela. E ele já está fora de perigo.

— Você está muito enganado. Ela perdeu a mãe há pouco tempo,


você não poder ir embora e deixá-la aqui sozinha.

— O médico me disse que dentro de poucos dias ele terá alta. Aí


eles terão um ao outro para cuidar — disse de forma ríspida. Encarei-
o sem acreditar. — O que você quer que eu faça?

— Que tal ficar ao lado da sua irmã? Visitá-la e converse com


ela... Conhecer a sua família.

— Eles não são minha família.


— Você sabia que seu pai tem uma foto sua quando criança na
estante? Que ele estava presente no dia da sua formatura e conseguiu
tirar uma foto a distância? Sabia que antes de ficar completamente
inconsciente foi seu nome que ele chamou? — As palavras saíram
atropeladas da minha boca.

— Não quero ouvir nada sobre ele.

— Vai ficar fingindo que isso não te afeta até quando? Ficar
empurrando os problemas para uma gaveta secreta não fazem eles
desaparecerem e você sabe disso.

— Quer eu sinta amor por um homem que me abandonou? Que


eu peça desculpa por uma merda que eu não fiz?! — gritou.

— Quero que você o perdoe — falei num tom sereno. — Quando


a Mariana perguntar sobre seus avós paternos, quero que possamos
falar sobre eles sem mágoas. Quero que o seu pai tenha a
oportunidade de conhecer a neta, que construam um laço afetivo.

— Não posso impedir que você apresente nossa filha a ele, mas
não conte comigo para isso — ele falou e foi embora, deixando-me ali,
parada no corredor.
CAPÍTULO XXXVI

Marcos Castro

Como se não bastasse todo o turbilhão de sentimentos que me


invadiu desde que entrei naquela emergência do hospital, ainda tive
que lidar com uma garota desesperada que nunca vi na minha vida.
Nosso único laço era o motivo que me fazia estar ali. Para completar,
surge Fernanda confundindo ainda mais a minha cabeça.

Que porra ela fazia naquele hospital? O que a fez abandonar


a Albuquerque's para se deslocar até esse fim de mundo?

Se eu dissesse que não gostei quando a vi no hospital, estaria


mentindo. Tive vontade de correr para abraçá-la e buscar conforto em
seus braços. Mas não foi o que fiz, pelo contrário, fui indiferente e
rude nos poucos momentos em que estivemos em contato. Estava
descontando nela todas as minhas frustrações e isso era proposital,
por mais que me doesse. Minha intenção era que ela, irritada pelo
meu desprezo, desse meia volta e partisse dali sem olhar para trás.
Mas Fernanda não só ignorou minhas grosserias, mas também se
incumbiu de cuidar da Cecília.

À noite, fui procurá-la para avisar que deveria partir com Alê, já
que eu não fazia ideia de quando conseguiria sair daquele pesadelo,
mas a teimosa simplesmente trouxe à tona tudo que eu evitei por
anos. Cada uma de suas palavras me trouxe ainda mais mágoa e raiva.

Só havia uma maneira de não pensar nesse assunto, por isso


desci até o bar do hotel e bebi praticamente uma garrafa de uísque
sozinho.

— Alexandre, você não deveria acabar com a minha diversão —


reclamei, grogue. Meu amigo me ajudava a ficar de pé.

— Cala a boca antes que eu jogue você daqui. — Conduziu-me


até o meu quarto.

— Faz isso e acaba logo com esse sofrimento. Minha vida tá uma
merda mesmo. Você sabia que agora ganhou mais uma aliada para
campanha perdoe seu pai?

— Marcos, cala a boca e entra nesse chuveiro. Amanhã você tem


um dia longo e precisa estar disposto, não estarei aqui de babá.

— Não preciso de ninguém me dizendo o que fazer.

— Tá. Agora entra nessa droga de chuveiro.

— Alexandre, você que é meu amigo há muito tempo, acha que


essa mulher que veio com você está aqui por quê?

— A Fernanda?

— Veio outra no porta-malas?

— Lidar com você sóbrio já é um saco, imagina bêbado. —


Empurrou-me em direção ao box, ligando o chuveiro.

O jato de água gelada me atingiu e eu protestei, Alê me


mantinha embaixo do chuveiro com roupas e sapatos.
— Você também acha que ela está aqui por pena, né?

— Pena não é uma palavra que pertença ao repertório da


Fernanda. Ela está aqui por você.

— Mas eu a vi beijando outro.

— E? Não é com o outro que ela está aqui, é? Não foi a irmã do
outro que ela teve que consolar e cuidar, foi? Não foi pelo outro que
ela chorou de preocupação.

— Eu a fiz chorar?

— Você foi um completo imbecil hoje e sabe tão bem disso que
teve que recorrer ao porre para lidar com a culpa.

— Eu preciso falar com ela...

— Você precisa dormir. Com a cara cheia desse jeito só vai piorar
ainda mais a situação.

— E se ela não me perdoar?

— Marcos, ela continua aqui mesmo após as suas babaquices. Ela


não vai embora.

Confiando nessas palavras e sem condições de andar sozinho,


apaguei.

***

Acordei com uma forte dor de cabeça e uma ressaca moral ainda
maior. O álcool não minimizou minhas dores, pelo contrário, agora eu
sabia que era preciso enfrentar toda essa situação, só não sabia como.
Na verdade, eu sabia, mas não estava pronto para engolir meu
orgulho e virar de vez essa página.

Alê havia passado logo cedo no meu quarto para se despedir e


checar se eu estava bem. Além disso, avisou-me que a Fernanda
estava na casa de Cecília e não pretendia voltar sem mim. Antes de ir
embora, meu amigo repetiu inúmeras vezes o horário de visita.

Nesse momento, eu estava dentro do carro estacionado em frente


ao hospital, reunindo forças para fazer o que já deveria ter feito há
muito tempo, pois o menino abandonado sempre falava mais alto que
o homem racional.

Não notei o tempo passar até que a Fernanda se aproximou e


bateu no vidro do carona, para que eu destravasse a porta. Ela usava
óculos escuros. Quando permiti sua entrada, ela apenas sentou e
permaneceu calada, olhando para frente. Eu fugi mais uma vez.
Liguei o carro e dirigi em silêncio de volta ao hotel. Seguimos num
silêncio que falava mais do que qualquer outra palavra. E falava alto.

No quarto em que ela estava hospedada, vi, ao lado da cama, o


livro sobre pais de primeira com que a presenteei e sua inseparável
agenda de gravidez.

— Hum... Preciso de um banho — informou, entrando no


banheiro.

Agradeci mentalmente por mais esse tempo, apesar de notar que


ela não precisava de banho algum, estava apenas me dando espaço.
Quando saiu do banheiro, algum tempo depois, eu estava parado de
pé, olhando a rua através da janela. Fernanda se aproximou e me
abraçou por trás.

— Sentimos sua falta. — Abraçou-me mais forte.

Virei em sua direção, estava linda usando um top que exibia


toda a sua barriga e uma calça de moletom. Encarei seus olhos, que
estavam vermelhos. Ela havia chorado em silêncio no banheiro e eu
me odiei por ser o responsável por essas lágrimas.

— Também senti muito a falta de vocês. — Acariciei sua barriga


e Mariana se mexeu.

— Ela não pode ouvir o som da sua voz que já fica toda agitada.
— Juntou a sua mão à minha.

— Fernanda, não sei como começar...

— Eu já sei como! — Afastou-se e abriu o frigobar, retirando um


pote de sorvete. — Sorvete de creme é um excelente estimulador de
fala. — Entregou-me uma colher.

— Não sou a protagonista feminina de uma comédia romântica,


que devora um pote de sorvete enquanto chora suas mágoas.

— Então tá, eu serei a indefesa mocinha que precisa de sorvete


antes de receber a notícia de que o casal não pode mais ficar juntos
para seu próprio bem. Pois há um mafioso atrás do mocinho e ele
precisa protegê-la, abandonando-a — falou em um tom
melodramático que me fez sorrir.

— Você está mais para a heroína dessa história.

— Ufa! Então posso parar de bancar a compreensiva e soltar um


"senta aqui agora e fala de uma vez o que te aflige".

— Essa é a Fernanda pela qual me apaixo... — Não completei a


frase e vi o sorriso dos seus lábios desaparecer.

Respirei fundo e sentei ao seu lado, pegando uma colher


generosa do sorvete. Eu não queria protelar essa história por mais
tempo... Talvez o Alê estivesse realmente certo quando me disse para
virar a droga dessa página. Afastei-me um pouco da Fernanda,
precisa de distância para falar, mas ao notar minha tensão, ela montou
no meu colo.

— Eu sei o que você está fazendo! — Tocou meu rosto. — Eu não


sairei correndo independente do que me disser, tampouco te julgarei.
Confia em mim. Só não se afasta para onde eu não posso ir.

Fechei os olhos, tentando organizar meus pensamentos. Não


queria trazer tudo à tona de forma desastrosa, chorando feito um
moleque. Precisava ser racional. Quando os abri, Fernanda estava me
observando atentamente, o que tornava tudo ainda mais difícil. No
seu olhar eu via compreensão e angústia. Minha dor estava se também
se tornando a sua dor.

— Minha mãe, dona Ana, foi a pessoa mais doce e justa que
conheci. Ela nunca permitiu que o término do seu relacionamento
afetasse a relação pai e filho, mas isso não impediu que nos
afastássemos. Era difícil aceitar um pai que só aparecia no Natal. Na
escola isso era evidente, pois nas atividades em que eu deveria
desenhar minha família, não havia espaço para esse desconhecido.
Éramos apenas minha mãe, meus avós e eu. Nas celebrações do dia
dos pais, eu elaborava presentes que nunca seriam entregues.
Concentrei minha atenção em sua barriga e a vi se esticar,
Mariana também estava agitada. Levantei o olhar e encontrei os olhos
da Fernanda marejados. Suas pernas ao redor da minha cintura me
apertavam firme. Não sei se ela tinha medo que eu saísse correndo ou
era sua forma de dizer que me entendia. Só sei que isso me deu força
para continuar.

— A presença paterna foi preenchida por meu avô, Afonso


Castro, um português muito bem-humorado. Eu ficava todo feliz
quando o via lá na primeira fila das apresentações, me aplaudindo de
pé. Foi ele quem esteve ao meu lado quando eu quebrei o braço
jogando bola, contando anedotas para eu não chorar, enquanto o
médico examinava. Sócio torcedor da Portuguesa, ele me levava a
todos os jogos. Aos dez anos, eu também já tinha minha carteirinha de
sócio. Quando completei dezoito anos, ele me deu uma moto, para
desespero da minha mãe e minha felicidade. Íamos juntos de moto
para os estádios. Se hoje eu me tornei esse homem que consegue sorrir
apesar dos percalços da vida, é graças ao meu avô. No seu leito de
morte, ele me disse uma frase que nunca esqueci: "A vida é muito
curta para não correr riscos. Faz o que der vontade, dê asas a seus
anseios e usa a cabeça para fazer acontecer."

Fernanda permaneceu calada.

— Nessa época, eu já não tinha nenhum laço com o Luiz, as


ligações no meu aniversário eram rejeitadas, as visitas no Natal
cessaram, quando eu gritei com ele. Ainda lembro das palavras: "você
é apenas a porra do espermatozoide que fecundou o óvulo da minha
mãe e eu sou grato, pois me deu a oportunidade de ter vindo ao
mundo para conhecer meu avô, meu verdadeiro pai e exemplo do
homem que eu quero ser". Depois disso, ele sumiu e nunca mais
tentou contato. Logo após a morte do meu avô, minha mãe foi
diagnosticada com câncer na mama, eu estava no segundo ano de
Direito. — Minha voz falhou.

Queria apenas contar a história sem reviver toda a situação, mas


era impossível não sentir novamente a dor.

— Acompanhei minha mãe em todas as sessões de


quimioterapia. Vi meu exemplo de fortaleza ir desmoronando a cada
sessão, por mais que ela disfarçasse e nunca assumisse o sofrimento.
Alguém tinha que ser forte. Passei a contar piadas durante as sessões,
imitar os enfermeiros, provocando risos nos presentes. Ver o sorriso
no rosto da minha mãe tornava tudo mais fácil. Longe dos olhos dela,
eu chorava feito criança, tínhamos apenas um ao outro, e eu nunca fui
religioso como ela, mas pedia a Deus que a curasse e me levasse como
sacrifício. — Esfreguei os olhos, mas não consegui evitar as lágrimas
que surgiram.

Eu sabia como essa história terminava, minha mente já a


reproduziu centenas de vezes. O que vinha a seguir ainda me tocava
mesmo tantos anos depois. Afastei Fernanda do meu colo e caminhei
em direção a janela, olhando para fora.

— Você não precisa continuar agora, Marcos. — Sua voz


carinhosa me acalentou e me fez querer continuar.

— Minha mãe passou a não responder ao tratamento e, após


inúmeros exames, veio a notícia tão temida. Metástase. Desmoronei
quando ouvi o médico pronunciar essa palavra de uma forma tão
artificial. Se um tumor no seio já causava tanto sofrimento, imagina a
disseminação das células cancerígenas por todo o organismo? Nesse
dia eu não consegui ser forte, gritei com o médico e amaldiçoei o
mundo na sala de consulta. Choramos juntos. Sabíamos que a
despedida era inevitável.

Despejei o resto da história de uma vez, antes que as lágrimas


não me permitissem falar.

— Contrariando as ordens médicas de que ela deveria continuar


o tratamento para amenizar as dores, minha mãe e eu fomos viver na
casa de praia dos meus avós em Paraty. Lá, minha mãe recuperou o
brilho no olhar e a alegria, nossa casa vivia cheia dos seus amigos de
infância, com cantorias ao longo da noite. Eu vivi na falsa esperança
da cura, estávamos tão felizes, ela parecia tão bem... Vivemos um mês
de extrema felicidade. Cada segundo foi vivido sem pensar no câncer,
eu era utópico, acreditava que ali, escondidos, ele esqueceria da minha
mãe. Mas ele não esqueceu. Demos entrada na urgência às pressas,
minha mãe apresentava falta de ar constante, o câncer havia atingido
os pulmões. Dias depois, ela morreu de insuficiência respiratória.
Cuidei sozinho do seu sepultamento e apenas a porra de um "sinto
muito" e uma coroa de flores foi enviada em nome de Luiz Carlos.
Sinto muito? Era eu quem sentia por ter perdido a mulher que era
meu pai e mãe. Que se manteve forte para me fazer mais forte quando
o câncer a corroía por dentro. — As lágrimas vieram e logo, se
transformaram num choro descontrolado.

Fernanda se aproximou quando eu me virei, as lágrimas também


manchavam seu rosto.

— Amor, venha aqui. — Seus braços estavam abertos,


convidando-me para perto.

A forma como ela me olhou me fez chorar ainda mais. Eu a


abracei e não me importei em controlar toda essa carga emocional que
eu escondi durante anos. Eu não sei quanto tempo permanecemos ali,
chorando abraçados. Fernanda não me largou nem por um minuto. E
eu permiti, pela primeira vez na vida, que alguém me consolasse.
CAPÍTULO XXXVII

Fernanda Albuquerque

Eu nunca poderia imaginar que que, por trás do sorriso fácil e do


bom-humor sempre presente, houvesse um homem que já sofreu
muito na vida. Meus braços começavam a doer de tanto mantê-los
envoltos no corpo do Marcos. Mas eu não pretendia soltá-lo.

Nunca mais.

Acreditava que compreendia a dimensão da dor de um filho que


fora abandonado pelo pai, mas eu não tinha ideia do quanto doía, até
ver a dor estampada no rosto dele. Não era apenas o abandono do pai
que o tinha ferido, era a ausência de alguém ao seu lado para dividir
essa dor. Agora eu entendia porque ele queria tanto assumir a
paternidade. Ele queria ser o pai que nunca teve. E eu fui tão egoísta.
Só pensei em mim mesma e o fiz sofrer até permitir que se
aproximasse.

— Desculpa! — pedi num tom baixo. — Desculpa por ter


causado tanto sofrimento.

— Não há o que desculpar — respondeu, guiando-me até a


cama.

Sentou-se, recostando na cabeceira. Eu fiquei sentada de frente


para ele.
— Claro que há! Fui infantil, teimosa e deixei minhas vontades
prevalecerem.

— Você não tinha como saber... Relaxa. Agora estamos bem.

— Quanto ao beijo com o Luciano... — comecei.

— Não quero falar sobre isso.

— Mas eu quero. — Notei sua postura enrijecer e segurei sua


mão para continuar. — Preciso me desculpar por ter me deixado ser
beijada. Compreendo a sua ira. Me colocando no seu lugar, eu teria a
mesma reação, ou pior, mas preciso que acredite em mim: o que você
viu foi um beijo sem a mínima importância. Meu corpo não reagiu ao
toque dos lábios dele, meu coração não bateu acelerado, meu cérebro
não parou de funcionar. E sabe por quê? Porque isso tudo só acontece
com você. É o toque dos seus lábios que dispara uma corrente elétrica
pelo meu corpo, são suas mãos segurando meus cabelos que me
arrancam suspiros, é a sua língua explorando minha boca que faz meu
coração acelerar... É o seu beijo que me faz esquecer de tudo ao meu
redor. — Ele me olhava, espantado, decidi prossegui.

— Nunca vivi um amor como os dos livros, nunca conheci


alguém que me tirasse do eixo, me enfrentasse, ignorasse minhas
arrogâncias e conseguisse ver o meu lado bom. E eu sempre me achei
foda por isso. — Sorri tristemente e continuei — Até que um certo
alguém cruzou o meu caminho e mudou toda a direção da minha
vida. Esse alguém era confiante e me tirou para dançar mesmo com
minha cara de poucos amigos. Eu sabia muito bem como lidar com
homens como você.

— Morenos, sexys e bons de cama? — brincou.


— Eu diria cafajestes. — Sorrimos juntos. — Mas eu não podia
deixar você sair vencendo, por isso aceitei dançar, contrariando minha
razão. Você é gostoso demais e sabe disso. Por isso, também sabe
como foi difícil eu me manter serena enquanto dançávamos juntos,
com sua mão percorrendo as minhas costas. Assim que a dança
acabou, eu suspirei. Tinha sobrevivido ao ataque do cafajeste. Só não
imaginava que ele era mais esperto que eu. Meses depois, quando nos
vimos naquela boate, eu me deixei envolver, me permiti ser seduzida,
mas ainda estava no controle da situação. Com a descoberta da
gravidez, eu sabia que não havia como manter esse distanciamento,
tínhamos construído um elo.

— Você deve ter ficado desesperada quando descobriu que


estava grávida, né?

— Muito. Eu só pensava: Fernanda, sua idiota, o que você fez da


sua vida!

— De quem você foi engravidar! — completou.

— Exatamente. Eu não te conhecia, para mim você só era o


advogado bom de cama e o babaca da posse.

— A sua primeira impressão minha foi péssima, né? — falou,


sorrindo.

— Muito. Eu estava uma pilha naquele dia e você contribuiu


ainda mais com seus comentários babacas.

— Eu fiquei desnorteado quando você entrou na sala de


reuniões. Sua imponência e beleza me deixaram sem reação e, na
tentativa de sair desse torpor, fiz piadas.
— Pois é... Com o tempo, fui te observando mais, te
conhecendo... Mas sempre que eu decidia me afastar de você,
acontecia algo e nossos caminhos se cruzavam. Quando você apareceu
no dia do ultrassom, eu olhei nos seus olhos e vi sua felicidade e
emoção. Então dei o jogo por empatado. O destino criou uma
armadilha e nós dois caímos feitos bobos... — Sorri. — Você deve estar
se perguntando onde o Luciano entra nessa história. Quando saí para
ir ao show de jazz, eu me diverti muito. Eu estava me divertindo sem
ter que ouvir alguém me oferecer uma cadeira para sentar, ou ter que
observar os olhares reprovadores por eu estar dançando
freneticamente só porque estava grávida. Eu me senti Fernanda de
novo. Amo Mariana desde o meu ventre, não vejo a hora de tê-la nos
meus braços, velar seu sono, mas não quero ser só a mãe da Mariana.
Quero ser a mulher que sempre fui. Quero unir essas duas Fernandas
em uma só. Quero pode ir para boate, frequentar restaurantes, quero
ficar em casa assistindo TV. A droga do beijo foi calor da emoção, eu
me deixei levar por essa sensação de liberdade...

— Eu entendo você, amor, embora ainda fique cego de ciúmes


quando lembro daquele filho da puta te beijando. Ele claramente se
aproveitou da sua fragilidade.

— Amor, não precisa ficar. E só para você saber, ele não beija
bem. Na verdade, depois do seu beijo, os outros são só outros.

— Ninguém te beija assim? — Suas mãos afastaram


delicadamente os meus cabelos e seus lábios encostaram no meu
pescoço. Um arrepio percorreu meu corpo. — Ninguém sabe saborear
seu gosto... — Sua língua percorreu a extensão do meu pescoço, até
minha orelha. — Ninguém te faz gemer quando mordisca sua orelha
desse jeito... — E o fez.
— Ninguém me beija como se sua vida dependesse da minha
boca — respondi num fôlego profundo.

E ele me beijou. A sensação de plenitude e desejo voltou para


preencher o vazio deixado há poucos dias, a sensação de saudade deu
espaço ao sentimento de se sentir em casa.

— Marcos... — Deitou-me na cama. — Precisamos voltar.

Ele fingiu não me ouvir e puxou minha calça de moletom com


facilidade, deixando-me apenas de top e calcinha. Por mais que eu
estivesse louca por ele, sabia que estava apenas tentando evitar a volta
ao hospital.

— Amor, precis... — Fui interrompida pela sensação dos seus


dedos me invadindo.

— Eu preciso de você, Fernanda, agora.

Ele fez menção de se abaixar para me provar, mas não deixei.


Levantei, abri a sua calça, abaixei sua cueca e me posicionei no seu
colo, com a calcinha afastada para o lado. Se ele precisava de mim,
saciaria seu desejo.

Gemi ao sentir sua ereção voltando ao espaço que tanto sentiu


sua falta. Porra, eu me sentia vazia. Ao estar totalmente preenchida
por ele, olhei em seus olhos:

— Eu sou sua.

Fizemos amor com urgência, saciando nossas vontades


renegadas. Eu realmente me sentia dele e estava muito feliz por
pertencer a alguém.
***

Marcos Castro

Estávamos aguardando, na sala de espera, o horário da visita


começar. Tive vontade de puxar a Fernanda pela mão e fugir dali. Ela
acariciava minha mão tensa sobre a sua perna, enquanto conversava

com Cecília. Olhei mais uma vez para o relógio, faltavam cinco
minutos para que a visita fosse autorizada. Ainda dá tempo de ir embora.

— Vamos? — Fernanda disse, entrelaçando nossos dedos


quando a visita foi autorizada. Cecília foi na frente, deixando-nos
sozinhos. — Estarei ao seu lado o tempo todo.

— Não sei se estou pronto.

— Descobriremos juntos — respondeu, acariciando minha mão.

— Obrigado por tudo.

— Só um mísero obrigado?! Eu pensei em uma massagem


relaxante como recompensa.

— E a gratidão?

— Eu vou deixar você me tocar, quer prova maior de gratidão?


— falou, sorrindo, e me fazendo sorrir.

De frente ao quarto 103, ela me olhou atentamente com aqueles


olhos verdes penetrantes.

— Marcos Castro Prudente, grava bem o que eu vou te dizer


agora: o destino não poderia ter escolhido um melhor pai para minha

filha. Tenho certeza que ela vai te amar. Aliás, quem não te ama,
babaca-love? E só pra saber — aproximou-se de mim, parecia que ia
me revelar algo que ninguém mais podia ouvir —, eu te amo. — A
voz saiu baixa e sussurrada.

— Eu não acredito no que acabo de ouvir. Repete, por favor.

— Que todos te amam, babaca-love?

— Não! Que você me ama.

— Difícil de acreditar, mas é verdade — falou, sorrindo.

— Amor, repete novamente, eu não sei quando vou ouvir isso de


novo.

— Eu vou fazer uma gravação e te dar a cópia, para que assim


entre na sua cabeça de uma vez por todas. Estou presa a você desde o
nosso primeiro encontro. Eu te amo, porra! Agora vamos por que
temos uma parte da sua vida que precisamos resolver.

— Eu te amo cada dia mais, presida-love. — Puxei-a para mim


pelos cabelos e a beijei. Sentia falta da sua boca, do seu gosto, das suas
mãos percorrendo meus cabelos enquanto me beijava. Fui
desacelerando aos poucos, apenas nossas testas permaneceram
coladas.

Esse era o combustível que eu precisava.

— Próxima parada, rodovia Sr. Luiz.

— Você está muito engraçadinha.

— Fui contagiada pelo vírus babaca-love. — Segurou minha


mão, apertando bem firme, antes de abrir a porta.

— Pensei que o anjo em formato de loira fatal não viesse me ver

hoje! — o velho disse assim que a viu.

— Babaca! — sussurrei, fazendo Fernanda pisar no meu pé


discretamente.

— O anjo tinha uma encomenda para carregar, por isso


demorou. E o senhor, como está? — ela respondeu carinhosamente.

— Bem, o dr. Apolônio disse que amanhã mesmo posso voltar as


minhas atividades.

— Nada disso. Ele disse que o senhor estará de alta. Nada de


voltar a trabalhar.

— Isso mesmo, Ceci. Mostra quem manda em casa.

— Se prepara, Marcos, pois se lidar com uma mulher já é difícil,

imagina ter duas em casa! — ele se dirigiu a mim, sorrindo. Não


consegui retribuir o sorriso.

— Ele já foi adestrado, né, amor? — Fernanda falou, dando-me


um selinho. Permaneci quieto.

— Posso te fazer um pedido? — Cecília falou, voltando-se pra


mim.

— Sim.

— Papai é apaixonado por fotografias. E não temos uma foto


recente sua. Posso tirar uma foto sua com a Fê?

— Claro.

— Que tal uma foto de todos juntos? — Fernanda falou,


aproximando-se da cama que o Sr. Luiz estava deitado, arrastando-me
junto.
A foto foi tirada rapidamente e nos afastamos, sentando num

sofá. Ouvi-os conversarem sobre a gerência de empresas, o velho


ouvia atentamente os relatos de Fernanda sobre administração. Fiquei
em silêncio.

— Gente, a conversa tá boa, mas eu preciso ir ao banheiro.

Cecília, vamos? — Fernanda falou, levantando.

— Fernanda... — chamei baixinho.

— Vai dar tudo certo. Confia em mim. — Elas saíram, deixando-


nos a sós. Ele estava tão constrangido com a situação quanto eu, mas
deu o primeiro passo.

— A Fernanda é uma mulher incrível.

— Realmente. — Tive que concordar.

— Marcos, eu sei que ela te obrigou a vir até aqui. Minha esposa
tentou fazer o mesmo comigo até o último dia da sua vida, mas fui
cabeça-dura... E dar tempo ao tempo talvez não tenha sido a melhor
escolha. Sei que você dever ter muito para falar, mas eu queria falar
primeiro, tentar explicar... Quando eu recebi a proposta de emprego
para ser gerente regional de uma rede de supermercados, fiquei
realizado, eu poderia proporcionar uma vida boa a minha família, era
minha ascensão pessoal. O problema era que, no dia seguinte, eu teria

que mudar para Manaus para assumir o cargo. Recordo de chegar em


casa afoito, queria que a Ana fizesse as malas rápido, pegaríamos o
primeiro voo. Ela não aceitou ir, estava grávida de poucos meses e não
estava disposta a começar uma vida em outro lugar. Você deve

imaginar como eu me senti. Eu tinha menos de vinte e quatro horas


para tomar uma decisão.

— E optou pela carreira.

— Sim, mas eu nutria esperanças que ela repensasse e fosse atrás


de mim logo em seguida. Entretanto, ela não fez isso. Nos
correspondíamos por cartas e ligações, ela me mandava fotos do
desenvolvimento da sua gestação. Só voltei a ver sua mãe
pessoalmente após o seu nascimento, assim que soube, larguei tudo e

vim para o Rio para registrá-lo.

— Não precisava ter se dado ao trabalho. — Ele ignorou meu


comentário e prosseguiu.

— Quando peguei você no colo, pensei que eu tinha feito a


escolha certa, eu te proporcionaria a vida que não tive.
— Acho que seu plano falhou.

— Falhou. Falhou por que, na minha cabeça, vinte e três anos


atrás, eu acreditava que felicidade estava relacionada ao dinheiro.
Achei que os presentes e as ligações supririam minha ausência. E que
quando tudo se estabilizasse, eu poderia voltar para minha família.
Você foi crescendo e cada dia se afastando, minhas ligações eram

rejeitadas, minha presença ignorada. Eu juro que tentei não me deixar


afetar por nada, até o dia que você jogou na minha cara que eu era
apenas o esperma que te gerou. Essa frase nunca saiu da minha cabeça
e sabe por quê? Porque você tinha razão, eu perdi a oportunidade de
te ensinar a andar de bicicleta, eu não estava ao seu lado quando
quebrou o braço, eu não te levei ao Palestra.

— Sou Lusa.

— Seu avô recrutou você para o lado dele. — Ele sorriu. — Perdi
tudo isso, não sei seu gosto musical, sua comida favorita, seu time do
coração.

— Acho que já está tarde para voltar ao passado — falei,


levantando do sofá e caminhando em direção a porta.

— Marcos, eu peço que me escute.


— O senhor acabou de passar por uma cirurgia. Essa conversa
pode ficar para outra hora, quem sabe possamos esperar por mais

trinta anos? — falei com sarcasmo.

— Não sei se viverei mais trinta anos, por isso eu peço que fique.
Não estou pedindo seu perdão, porque sei que não é fácil conseguir,
estou apenas pedindo que escute. Eu já fiz muita merda na minha

vida, já magoei muita gente, mas o único arrependimento que eu


tenho é de não ter estado ao lado de sua mãe quando ela mais
precisou.

— Ela me teve ao seu lado.

— Ela não poderia ter melhor companhia. Os pais do Alexandre


contaram que você foi a fortaleza dela. Eu queria ter ido até vocês,
mas não tive coragem de ver a mulher que eu mais amei na vida

morrendo. As lembranças que eu queria guardar da Ana eram do seu


sorriso fácil, da sua voz doce cantando quando cozinhava, da sua
generosidade com o próximo — falou visivelmente emocionado, as
máquinas que monitoravam seu coração disparam, a frequência
cardíaca havia aumentado.

— Acho melhor o senhor parar de falar ou quer voltar para o


centro cirúrgico?
— Não é uma taquicardia que me leva agora. Sossega! — Bebeu

um copo de água que havia ao lado da sua cama e prosseguiu. — Eu


sinto muito por não ter tido a oportunidade de conviver com você.
Mas fico feliz em ver o homem que se tornou. Você não vai dizer
nada?

— Valeu.

— Você esperou trinta anos para me ver e “valeu” será sua


última fala? Esperei que você gritasse, me acusasse.

— Eu já fiz isso anos atrás. E seria hipócrita dizer que retiro o


que eu disse.

— Entendo.

— Estou aqui por Mariana, minha filha. Não posso privá-la de

conhecer o avô. Assim como minha mãe nunca privou você de me ver,
mas é só. Acredito que com o tempo poderemos estar no mesmo
ambiente sem que sua presença me agite, sem que eu olhe para você e
me pergunte “por quê”... Mas hoje não.

— Eu gostaria de voltar no tempo.

— Não dá. Mas dá para você ser um avô bacana, como o meu foi
para mim.

— Você nunca vai me perdoar?

— Honestamente? Talvez não como filho, o estrago aqui dentro


já foi feito. Não te odeio na mesma proporção que odiava na minha
adolescência... — Sorri tristemente. — Mas também não te amo. Para

mim, você é um passado que eu gostaria de esquecer. Entretanto,


como pai, eu consigo enxergar que suas atitudes eram bem-
intencionadas, nenhum pai quer ferir seu filho de propósito, mas
mesmo assim acaba ferindo. A relação pai e filho nunca existiu entre
nós, mas a sua de avô-neta poderá existir. Minha casa estará aberta
para recebê-lo.

— Posso te pedir um abraço? — Hesitei. Mas acabei cedendo.

Era o início de uma nova página, não com o final feliz que todos

esperavam, até por que esses só existiam nos contos de fadas. Na vida
real, os erros não eram facilmente esquecidos, as mágoas nem sempre
perdoadas e as feridas nem sempre cicatrizavam. Assim era a vida.
CAPÍTULO XXXVIII

Fernanda Albuquerque

— Fê, acorda! Vamos chegar atrasados na coletiva.

— Só mais cinco minutinhos — resmunguei sem abrir os olhos.

— Você disse isso há trinta minutos. Se não estiver disposta a ir,


tudo bem.

— Não, eu vou! Tenho que prestigiar meu maninho.

Hoje era a coletiva de apresentação das Paraolimpíadas e, como


todo conceito de publicidade e marketing foi idealizado
pela Albuquerque's, com a assinatura do Fernando, recebemos
credenciais para acompanhar a cerimônia. Levantei da cama
preguiçosamente e entrei no banheiro, sendo seguida pelo Marcos. Ele
usava um terno preto italiano que definia muito bem seu corpo. Não
pude deixar de admirá-lo e desejá-lo naquela roupa de executivo fatal.
Cogitei a hipótese. Será que teríamos mais cinco minutos? Ele notou
meu olhar e falou, como se adivinhasse meus pensamentos:

— Estamos em cima da hora. Quando voltarmos, eu deixo você


tirar minha roupa com a boca.

— Negando sexo? — perguntei, incrédula.

— Não. Estou adiando. O Fernando me matará se eu não estiver


lá pontualmente.

— Ele não iria te matar. Eu não deixaria — falei, aproximando-


me dele e desabotoando o botão do terno.

— Fernanda... — Ignorei seu pedido fraco e retirei o terno.

Puxei-o pela gravata para mais perto e colei meus lábios nos seus
para impedir seu protesto. Instintivamente, seu corpo se colou ao
meu, suas mãos percorreram minha camisola e minha bunda foi
apalpada com força. Minhas mãos buscaram o zíper da sua calça e
foram impedidas de chegar até o destino. Segurando minhas mãos
sobre minha cabeça, ele me guiou box adentro. O tecido fino da
camisola não impediu que eu sentisse o azulejo frio contra as minhas
costas. Sua boca traçou um caminho de beijos pelo meu colo. Minhas
mãos ainda permaneciam impedidas de tocá-lo. Ele sabia como me
enlouquecer. Eu já estava entregue ao desejo quando sua língua
invadiu minha boca com urgência. O Fernando que espere. Sem que eu
percebesse e tivesse tempo de agir, uma ducha de água gelada atingiu
todo o meu corpo por completo e o Marcos estava seco fora do box,
gargalhando.

— Puta que pariu! — gritei, a água gelada percorrendo o meu


corpo.

— Desculpa, mas você precisava de um banho de água gelada —


disse, gargalhando.

— Você é um completo idiota! — respondi, irada. — Eu achando


que tinha seduzido você — falei, tirando a roupa.

— Não é só você que usa a sedução para alcançar seus objetivos.


— Babaca! Sabe quando você vai tocar no meu corpo depois
dessa? Nem tão cedo! — Bufei de raiva.

— À noite eu deixo você usar e abusar de mim — respondeu de


dentro do quarto.

— Vai sonhando! — rebati.

— É o que mais faço quando estou longe de você. Agora adiante


que seu irmão já me mandou mensagem furioso.

— A partir de hoje estou em greve de sexo — informei, entrando


no quarto completamente nua, somente com uma toalha enrolada nos
cabelos, foi o banho mais rápido da minha vida.

— Sério?!

— Seríssimo! Você não é tão irresistível quanto acha que é.

— Não sei porque o que acabou de acontecer no banheiro me diz


o contrário.

— Aquilo não irá mais se repetir.

— Ahan — falou, aproximando-se de mim.

— Não me toca! — rosnei e ele se afastou com as mãos para o


alto, sorrindo.

— Mais tarde eu vou colocar em ação todo o meu charme, vamos


ver se você vai resistir. Ah! A propósito, sua bunda empinada dessa
forma já meu deu excelentes ideias.
— Cafajeste! — falei, arremessando o hidratante que usava em
sua direção. Ele foi mais rápido e desviou, fechando a porta.

— Adoro esse seu jeito agressivo, amor.

— Cala a boca, Marcos!

— Também te amo e te aguardo lá embaixo.

Se tinha alguém que sabia me tirar do sério, esse alguém era o


Marcos. Amor e ódio, tesão e ira, desejo e arrependimento, nossa
relação vivia numa montanha-russa. Não éramos um casal tranquilo,
sereno; ele era o fogo e eu, o álcool. Essa combinação não resultava em
serenidade. Pegávamos fogo na cama e além dela. Nossas brigas eram
explosivas, nossas reconciliações mais ainda. E eu que tinha medo que
a gravidez me trouxesse normalidade... Vi extremamente o oposto.
Meu corpo pedia o seu a qualquer hora, em qualquer lugar, e ele
prontamente me saciava. Com exceção de hoje. Porque às vezes,
quando ele precisava ser somente meu babaca favorito, ele resolvia ser
o homem racional. Só podia ser para me enlouquecer. Só podia.

***

— Finalmente, achei que vocês não chegariam a tempo. —


Fernando nos aguardava na porta do auditório.

— Sua irmã se distraiu um pouco.

— Distraiu? — Meu irmão me encarou.

— Eu... Demorei a levantar da cama lendo uma noticia no meu


celular! — menti.
— Entendi.

— Cadê a Thalita?

— Ela ficou presa na ponte área. Não vai chegar a tempo.

— Você tá uma pilha, né, cara?

— Está tão na cara assim?

— Não, você controla bem as emoções, como um bom


Albuquerque — falei, arrumando a sua gravata.

— Então você só pode ser adotada. Você anda muito


temperamental — Marcos brincou, fazendo meu irmão sorrir.

— Temperamental é um novo vocábulo para intransigente,


intempestiva e incontrolável, agora?

— Hahaha! Fernando, não dá corda a esse babaca.

— Babaca que você ama.

— Talvez o meu jeito temperamental tenha afetado meus


neurônios e eu perdi a minha capacidade de raciocínio.

— Ela é sempre assim? — Fernando indagou, achando graça da


situação.

— Em oitenta por cento do dia, sim. Mas hoje em especial ela


acordou com o pé esquerdo.

— Quer saber o porquê, maninho? Porque o meu namorado não


quis me comer antes de vir para cá.

— Fernanda! — repreenderam-me ao mesmo tempo.

— Marcos, a mulher é sua! Estou fora dessa. Doma ela antes que
ataque o presidente da confederação por estar atrasado.

— Pode deixar. Eu sei como acalmá-la e... — Não deixei ele


completar e segui meu irmão em direção ao auditório. Ele se sentou
nas primeiras filas, destinadas aos organizadores e comissão do
evento.

— Fernanda, quer fazer o favor de andar mais devagar? Estou


vendo a hora que você vai cair desses saltos. — Ele segurou meu braço
com uma leve pressão, fazendo-me parar.

— Me solta! — falei com os dentes trincados no auditório lotado


por jornalistas e convidados.

— Nada disso. Queira me acompanhar, senhora Albuquerque, e


sorria, não vai querer aparecer na TV com essa cara de poucos amigos.
— Respirei fundo e comecei a contar mentalmente até cinquenta.

— Eu prefiro sentar na ponta, já que terei que ir ao banheiro


algumas vezes. — Ele assentiu.

Assim que nos sentamos, a apresentação do evento começou. O


governador do Rio deu início à cerimônia. Todo aquele papo de que
era uma honra receber o evento e que graças a sua gestão isso foi
possível ecoou pelo auditório por trinta longos minutos. Em seguida,
foi a vez do secretário de esportes falar sobre a importância de receber
um evento deste porte. Uma hora havia se passado e a parte principal,
a logo e o mascote da Paraolimpíadas, ainda não tinham sido
apresentados. Eu já estava impaciente de ficar sentada ouvindo um
blá, blá, blá político e levantei para ir ao banheiro e esticar as pernas.

— Quer que eu te acompanhe? — Marcos perguntou assim que


me levantei.

— Não! Fica aí. Quando eles resolverem concentrar no assunto


principal, você me dá um toque.

O lado de fora do auditório estava bem movimentado. Homens


engravatados e com celulares nos ouvidos falavam ao mesmo tempo,
tornando o ambiente ruidoso. No banheiro, mulheres retocavam
maquiagens e, assim como eu, a maioria reclamava da demora para
apresentar o mascote, grande parte eram repórteres de emissoras
locais. Fiquei um pouco na área externa, minhas pernas doíam por
ficar sentada por muito tempo.

Duas mulheres passaram por mim comendo sonho e minha boca


salivou. Chamei uma delas e perguntei onde elas haviam comprado.
Gentilmente, elas informaram que foi numa delicatessen em frente ao
hotel. Que mal faria comer um sonho?

A delicatessen era especializada em sonhos. Com inúmeros


sabores, fiquei tentada a provar todos. Resisti à tentação e
provei quatro. Mas, em minha defesa, eram mini sonhos. Não sei
precisar quanto tempo permaneci no local, iniciei uma conversa
animada com a filha da dona da delicatessen, ela também estava
grávida e ficamos conversando sobre bebês, fraldas e hormônios.

Adentrei no auditório e me dirigi a fileira em que estava sentada.


Assim que cheguei mais perto, notei que o Marcos conversava
animadamente com uma ninfeta ruiva. E, a julgar pelos sorrisos e
cochichos, a conversa estava muito animada. Se meu olhar perfurasse,
a essa hora já haveria um buraco ao redor do pescoço do Marcos.
Sentei e mantive minha visão para o palco. Eu não ouvia uma palavra
do que eles diziam, estava mais concentrada no papo animado dos
dois ao meu lado. O telefone da ruiva tocou e ela passou
apressadamente por nós. Talvez se meu pé estivesse no caminho ela
poderia cair acidentalmente.

— Tá se sentindo bem?

— Pareço mal?

— A julgar pela tensão do seu corpo e essa ruga de preocupação


no meio da testa, sim.

— Eu não tenho ruga nenhuma na testa! — resmunguei, embora


minha vontade fosse de gritar.

— Meu chefe me monitorando! — A ruiva voltou e falou,


sorrindo para o Marcos, sentando em seu lugar ao lado dele. — Como
eu dizia, estou morando no Rio há pouco tempo e não conheço muita
coisa ainda.

Vaca. Está claramente se oferecendo para ele.

— Um livro guia de pontos turísticos te auxiliará nesse problema


— respondi sem me conter, encarando-a

— Prefiro conhecer com o auxílio de um carioca. Ouvi falar que


eles são bem prestativos.

— São? — perguntei, dirigindo-me ao Marcos.


— Na maioria das vezes. Tenho certeza que a Manu encontrará
um guia para ela. — Manu? Que intimidade é essa?

— Eu sabia que minha intuição estava certa. Talvez eu não tenha


que procurar muito... — Ela olhou Marcos como se quisesse despi-lo
só com o olhar. Foi a gota d'água.

— Ah, terá sim, a não ser que esteja considerando um homem


que não seja meu namorado, terá que ciscar em outro lugar para
encontrar.

— Desculpa, senhora. Eu não sabia...

— Agora que já sabe, queira nos dar licença — falei, agarrando o


Marcos pela mão. Se eu ficasse no mesmo ambiente que essa garota,
eu iria voar no pescoço dela.

Saí pisando firme e caminhando em direção ao lounge do hotel.

— Essa foi a declaração de amor mais tórrida que já recebi de


você. Gostei de ver você marcando território — Marcos falou,
sorrindo.

— Seu cafajeste. Estava gostando de ser cantado por aquela


ninfeta, né?

— Você consegue ficar ainda mais linda com ciúmes.

— Eu deveria bater em você.

— Se bater, é capaz de eu gamar ainda mais.


— Babaca. — Não consegui conter o riso.

— Esquentadinha. Ciumenta. Gostosa! — falou, passando o


braço pela minha cintura. — Eu só tenho olhos para você. Já falei
tantas vezes. Vou recorrer ao meu melhor argumento.

Sua boca colou na minha, suas mãos percorreram minhas costas,


sua língua preencheu cada centímetro da minha boca. Nossos
corações bateram no mesmo ritmo descompassado.

O ritmo perfeito.

***
Marcos Castro

Uma das coisas que admirava na Fernanda era a sua capacidade


de autocontrole. Ela conseguia se sair bem em situações de estresse.
Sabia comandar e liderar todos ao seu redor. Todavia, no campo
emocional... Fosse pelos hormônios da gravidez ou por seu
temperamento, fato era que de uns tempos para cá ela passou a se
mostrar ciumenta. A cena que acabou de acontecer foi apenas uma das
inúmeras que já vivenciamos. Não nessa proporção, ela geralmente
fechava a cara, ficava irritada e em outros momentos gritava comigo,
dizendo que eu retribuí o olhar. Hoje ela não só fechou a cara, como
me arrastou para longe da mulher que conversava comigo. E isso me
fez ficar com um sorriso bobo no rosto. Gostava desse seu lado
possessivo, que me reivindicava como sua posse. Afinal, o que eu não
gostava nela?

— Preciso continuar te provando o quanto só tenho olhos para


você? — Afastei nossas bocas, mas não nossos corpos.
— Acho que não compreendi bem o último argumento. — Sorriu
e me deu um selinho. — Estou morrendo de fome, será que já
podemos ir?

— Seu irmão não vai notar nossa ausência já que a Thalita


conseguiu chegar.

— Perfeito. Agora vamos que convidei a Gabi para almoçar.

Seguimos para o restaurante indicado por sua amiga. Um


restaurante com o conceito de boteco. Mas não eram quitutes, eram
pratos tipicamente brasileiros. Ponto para a Gabriela. Nada de bistrôs
franceses ou mexicanos. Apenas uma boa comida brasileira. Assim
que nos viu, ela acenou para que nos aproximássemos.

— Bebendo a essa hora?

— Caipirinha, amor. Afinal estou no Rio! Se junta a mim,


Marcos?

— Tentador... Mas não, estou dirigindo e ainda vou trabalhar.

— Eu bebo por você, então. — Sorriu.

As duas amigas começaram um papo animado, que ia de


relacionamentos à cotação do dólar em questão de minutos. E
nenhuma das duas perdia o fio da meada. Ainda não sabia como as
mulheres conseguiam falar de tantos assuntos ao mesmo tempo. Isso
seria sempre um mistério para mim.

Depois do almoço, seguimos para a Albuquerque's, já estávamos


no elevador quando interpolei Fernanda antes de irmos cada qual
para sua sala.
— Amor, tudo certo para hoje à noite, né?

— Eu preciso mesmo ir?

— Ir pra onde? — Gabriela perguntou, entrando na conversa.

— Um amigo meu vai comemorar seu aniversário numa boate e


eu chamei a Fernanda para ir junto.

— Lógico que ela vai. Ou melhor, nós iremos, não é nenhuma


festa VIP, é?

— Não, Gabriela — respondi. — Tenho certeza que você será


bem-vinda ao nosso grupo.

— Sendo assim, já é.

— Gabi, você deveria pelo menos fingir que não estava tão a fim
de ir à festa.

— Ah, Fê. É a minha chance de conhecer os amigos do Marcos.


Falando em amigos, algum solteiro? — Fernanda riu e eu me juntei ao
riso dela.

— Tem o Alê... — respondi.

— Amiga, ele é lindo! Alto, atlético, gosto... — Fuzilei Fernanda e


ela controlou a empolgação. — Eu ia dizer que gosto muito do
Alexandre e tenho certeza que a Gabi também apreciará seu amigo.

— Já gostei do Alê!
— Espera só até você ver. Vai ficar de quatro...

— Fernanda! — repreendi.

— Amor, só tenho olhos para você. Mas isso não significa que eu
não aprecie a paisagem — falou, sorrindo e me dando um selinho
rápido. — Até a noite.

— Então conta mais sobre esse deus grego...

As duas se afastaram cochichando e rindo. Arrependi-me desse


convite. Levar Fernanda para essa comemoração talvez não tivesse
sido uma boa ideia.

***

Cheguei ao local da comemoração por volta das vinte e duas


horas sem a Fernanda. A última vez que falei com ela, estava
chegando do shopping com a Gabriela. Tinha ido comprar uma roupa
para a festa, já que nada do seu guarda-roupa servia, segundo ela. Eu
tentei argumentar que era um exagero, o closet dela tinha mais de
vinte vestidos, sem contar as saias, blusas, calças, mas ela me ouviu?
Não, ficou toda chorosa, dizendo que o que adiantava ter tantos
vestidos se estava usando uns dois números a mais. Dei a batalha por
vencida e acatei seu pedido de nos encontrarmos direto no local onde
ocorreria a comemoração do Luiz.

O local escolhido pelo Luiz Eduardo — o aniversariante da noite


— foi uma casa de festas localizada na região central do Rio. A casa de
show Music era um ambiente diversificado, com espaço amplo; assim
que adentrei no espaço, observei uma pista de dança de música
eletrônica, assim como um bar no terraço e um elevador panorâmico
que levava a um caraoquê. Não era um caraoquê comum; na verdade,
o conceito era de casa de show americana, na qual há apresentação de
cantores profissionais acompanhados por bandas, mas qualquer um
dos presentes poderia subir no palco e cantar.

— Ganhou um vale nigth, Marcos? — Danilo falou assim que me


aproximei do grupo dos meus amigos no bar.

— Não preciso disso para sair. Ela confia no homem que tem. —
Sorri.

— Até parece. Com certeza já, já a patroa tá na área! —


perturbou Luiz.

— Feliz aniversário, sacana! — Abracei meu amigo. — Por falar


em patroa, cadê a sua?

— Está no andar de cima com as amigas. Me diz que essa fase


dos hormônios passa, vai? Ela já teve uma crise de ciúmes porque
uma mulher esbarrou em mim quando chegamos. — Eu sorri, a
esposa dele estava grávida de três meses.

— Se eu disser que só piora? Espera ela gritar com você porque


está ganhando peso, te acusar de que você não liga pra ela. É só o
começo...

— Valeu mesmo! Agora me senti muito melhor — ele falou,


cabisbaixo, arrancando gargalhada do grupo.

— Ora, ora, ora se não é o Marcos. Ouvi dizer que quem é vivo
sempre aparece — Carla, prima do Alê, falou, beijando-me no canto
da boca, já fiquei com ela algumas vezes.
— Oi... Pensei que tivesse voltado para os Estados Unidos.

— Voltei mesmo, só vim resolver umas coisas e aproveitei para


curtir o Rio.

— Legal — respondi.

— Que tal animarmos a noite dançando?

— Estou esperando uma pessoa.

— A mãe do seu filho?

— Fernanda, minha namorada e mãe da minha filha.

— Ai meu Deus! Vivi para ver você domado por uma mulher. —
Ela sorriu. — Sendo assim, deixe eu sair daqui antes que sua dona
chegue e me mate por estar ao seu lado. — afastou-se, sorrindo.

Só então reparei que usava um vestido justíssimo que nem


deixava espaço para a imaginação. Incrivelmente gostosa, tinha que
admitir.

— Caralho!!! Duas delícias acabam de chegar.

Virei a cabeça para notar Fernanda e sua amiga se aproximarem.


Fernanda usava uma saia longa com uma fenda que começava na
altura da sua coxa e uma blusinha curta, dessas que estão na moda, de
manguinha e que deixava uma parte da sua barriga de trinta e sete
semanas à mostra. Ela notou que eu a observava; na verdade,
devorava-a com o olhar, e piscou para mim, sorrindo. Mesmo com a
convivência, ela ainda tinha esse poder de me conquistar só com o
olhar.
— Eu comeria essa mulher até grávida — Danilo soltou essa
pérola e me tirou do torpor de veneração da minha mulher.

— Ela já está muito bem comida! — Encarei-o.

— Danilo, melhor você começar a se desculpar, pois a loira


grávida é a namorada do Marcos.

— Foi mal, cara. Foi mal mesmo, eu não tinha como saber.

— Tranquilo. Olhar não arranca pedaço mesmo.

— Puta sorte!

— Põe sorte nisso.

— E a loira panicat?

— Gabriela, amiga dela.

— Danilo, essa já é minha — Alê sentenciou, virando o copo de


uísque.

— Boa noite — Fernanda cumprimentou a todos com um aceno e


em mim, deu um selinho.

— Boa noite — os rapazes responderam embasbacando pelas


duas loiras.

— Caras, essa é a Fernanda, minha namorada. Fernanda, esse é o


Danilo, o Luiz e o Alexandre que você já conhece.

— Olá. — Ela sorriu. — E parabéns, Luiz! — falou, abraçando-o.


— Essa é a Gabriela, amiga da Fernanda.

— Seja bem-vinda ao Rio, Gabriela — Alê falou,


cumprimentando-a com dois beijinhos.

Pela troca de sorrisos das duas amigas, Gabriela tinha aprovado


e escolhido o Alê.

***

Talvez a escolha de roupa da Fernanda tenha sido para me


provocar, a saia preta deixava suas pernas maravilhosas expostas
quando andava ou quando dançava, como agora. Seu corpo seguia a
batida cadenciada da música, sua voz se juntou à da cantora e emitiu
um som rouco e sexy. Seu olhar capturou o meu, ordenando atenção.

E eu prontamente obedeci. Absorvidos pela energia que


emanava do seu corpo, todos os meus sentidos a devoravam. Ela
cantava alto, balançava o corpo no ritmo da música e sorria, um
sorriso amplo, de extrema felicidade. O mesmo sorriso tomou conta
dos meus lábios. Eu poderia passar a vida toda admirando-a e ainda
não seria o suficiente para fazer jus ao quanto eu venerava essa
mulher.

A música agitada deu lugar a uma canção mais lenta e suave.


Aproximei-me da Fernanda e passei minhas mãos em volta da sua
cintura. Ela se aproximou o máximo que a barriga permitiu e se
aconchegou em meu peito. Abraçados, movemo-nos ao ritmo da
melodia. Não sei dizer qual a música tocava nesse momento. Para
falar a verdade, não conseguia captar nada que acontecia ao meu
redor quando estava tão próximo de Fernanda.
— Você é muito gostosa! — Minha voz saiu em um sussurro. Eu
poderia dizer o quanto ela era importante para mim, mas o gostosa
tinha um efeito especial.

— Você fala isso pelos meus seios, que quase não cabem na
roupa, ou pelas minhas pernas à mostra? — Seus olhos verdes me
encaravam e um sorriso estampava seu rosto.

— Por ambos e ainda por muitos mais. A gravidez te deixou com


curvas ainda mais admiráveis! — falei, deslizando minha mão pelas
suas costas. Detive-me ao chegar bem próximo a sua bunda.

— Marcos — protestou, sorrindo —, acho que seremos banidos


por demonstrações exageradas de carinho em público.

— Por que não pensei nisso antes?! Não vejo hora de chegarmos
em casa, para que eu possa te despir completamente usando apenas a
minha bo... — Ela não permitiu que eu terminasse, colando sua boca a
minha, beijando-me com vontade. Fernanda me puxou pelos cabelos e
só parou de beijar quando o ar pareceu ter desaparecido do ambiente.

Continuamos a dançar. Uma nova canção se iniciou e eu a


reconheci logo nos primeiros acordes do violão. Quando a voz do
intérprete se juntou à melodia, olhamo-nos, sorrindo. Era a nossa
música. O toque do meu celular quando Fernanda me ligava, a música
que eu cantarolei para ela tantas vezes nos últimos dias.

Sua mão enlaçou meu pescoço e as minhas permaneceram ao


redor da sua cintura. Embalados pela canção, movemo-nos sem nos
importar com ninguém ao nosso lado. Apenas ela e eu. A música que
representava toda a sua força e ternura. A sua música.
Dona desses traiçoeiros
Sonhos sempre verdadeiros
Oh! Dona desses animais
Dona dos seus ideais

— Amo essa música.

— É a sua música. Cada palavra desta canção traduz você e


como eu me sinto diante de você. — Ela recostou a cabeça no meu
peito e comecei a cantar: — Um olhar me atira à cama, um beijo me faz
amar... Não levanto, não me escondo porque sei que és minha dona!

Meu coração batia em ritmo desenfreado. A mão de Fernanda


pousou sobre ele, sentindo o ritmo descompassado e afoito das
batidas. Ela era a dona de um olhar que tinha o poder de me acalmar e
enlouquecer em fração de segundos. Seu olhar não vacilou e
permanecemos nessa conexão.

— Amo você, Fernanda.

— Eu que te amo, babaca.

Alguns minutos depois, voltamos para junto do pessoal e não foi


surpresa notar que Gabi estava numa conversa animada com o Alê.
Ela piscou para a amiga assim que nos aproximamos.

— Marcos, nós vamos passar um fim de semana na casa de praia,


por que não se juntam a nós?

— Nós? — Fernanda perguntou.

— Sim, eu vou com o Alexandre — Gabi respondeu, sorrindo.


— O que você acha, amor? A casa é linda e confortável. Você
poderia descansar, nada de trabalho e...

— Ok, ok. Vamos, depois eu ligo para a Cátia e peço que faça
algumas alterações na minha agenda.

— Você ainda tem uma agenda? Não deveria estar descansando?


— Luiz perguntou e Fernanda sorriu.

— Essa mulher não para, está com mais de oito meses e o


máximo que conseguiu fazer foi reduzir sua carga horária para uma
humanamente possível: seis horas diárias — respondi.

— Estou quase pronta para me afastar da empresa — disse e eu


notei que não era verdade; estava longe de estar pronta para esse
passo. — Marcos, estou cansada, podemos ir? — perguntou baixinho
só para mim.

— Claro, amor. — Beijei seu rosto. — Pessoal, o papo está bom,


mas estou fora de forma para a night, preciso ir.

Despedimo-nos do pessoal, a Gabriela disse que voltaria de táxi


e o Alê prontamente se ofereceu para deixá-la em casa quando
quisesse. Dessa forma, assumi a direção do Audi. Ultimamente tenho
dirigido mais o carro dela do que o meu, ela preferia não dirigir por
causa do incômodo do cinto de segurança e eu confesso adorar vê-la
ceder um dos seus mais valiosos brinquedos para mim.

***
Dessa vez, fomos para meu apartamento. Ela seguiu direto para
o banho, alegando cansaço. Eu me despi como de costume, ficando
apenas de cueca, deitado em minha cama. Minha intenção era fazê-la
se recostar em meu corpo e acariciar seus cabelos até dormir, mas meu
corpo reagiu ao vê-la usando uma camisola de seda preta. Seus seios
ficaram estufados no detalhe de renda e sua barriga avantajada fazia a
peça ficar ainda mais curta, deixando muito pouco para a imaginação.
Ela encarou meu olhar, trazia um creme hidratante nas mãos.

— Que cara é essa, Marcos? — perguntou, sentando na ponta da


cama.

— Ainda fico admirado com a sua beleza. Você pode achar que
não, mas está ainda mais gostosa e graças a mim...

— Sim, as dores nas pernas que sinto nesse momento também


são graças a você — disse, abrindo o hidratante.

— Está com muita dor? Quer que eu chame um médico?

— Não, vou dormir e acordarei melhor.

Aproximei-me dela e peguei o frasco do creme, passei minhas


mãos na sua a fim de transferir o conteúdo que ela despejou ali, mas o
contato das nossas mãos escorregando com o creme foi excitante.
Levantei da cama e me ajoelhei no chão, peguei um dos seus pés, um
pouco inchados, e comecei a passar o creme, massageando. Ela me
encarava pensativa.

— Isso é injusto. — Suspirou.

— O quê?
— Mariana será tanto minha quanto sua e você continua gostoso,
com todos os músculos da barriga definido, os braços fortes, a cara
safada... e... — Passei a massagear o outro pé.

— E...? — Minhas mãos espalhavam o creme por suas pernas,


uma mão em cada uma, devagar.

— E eu estou acabada e com dores. Eu amo nossa filha, mas não


vejo a hora de ter meu corpo de volta.

Levantei sua camisola e passei uma dose grande de hidratante


em sua barriga, como ela sempre fazia, dizendo que não queria ter
estrias. Passei lentamente por toda a sua barriga dura e pontuda.
Minha filha se mexeu, como se soubesse que eu estava tentando tocá-
la.

— Sua mãe só quer ver seu rosto... E se eu não quisesse tanto isso
também, desejaria que ela ficasse grávida por mais um tempo — disse
para sua barriga e pontuei com um beijo demorado na parte superior,
senti ali mais um chute. — Ela quer sair daí, também. — Olhei para
Fernanda, que me encarava.

— Você queria que eu continuasse grávida? — perguntou,


espantada.

— Meu amor, você está mais bonita do que nunca. E pode


dormir sem isso. — Retirei sua camisola pela cabeça. — Vou terminar
de passar esse hidrante e deixar você descansar.

Linda! Fernanda Albuquerque grávida e nua era a coisa mais


linda que meus olhos já tinham testemunhado.
CAPÍTULO XXXIX

Fernanda Albuquerque

O Marcos espalhou o creme hidratante nos meus braços, ombros


e costas, com muito cuidado e uma dose extra de carinho. Fez com
que eu me deitasse de lado e me abraçou, de conchinha, sua mão
direita acariciando minha barriga o tempo inteiro. Ele queria me fazer
dormir, queria me deixar descansar, mas o seu carinho me
desestabilizou, tocou um ponto profundo dentro de mim. Eu senti
uma paz e uma calma que me fizeram querer chorar.

Antes que as lágrimas viessem, o desejo veio. A proximidade do


seu corpo no meu acendeu a incessante vontade que eu tinha desse
homem. Segurei a mão que estava acariciando minha barriga e
entrelacei nossos dedos. Trouxe sua mão para um dos meus seios nus
e imitei o movimento que ele estava fazendo há pouco. Ele entendeu o
recado e começou a me acariciar devagar. Esfreguei minha bunda em
seu corpo para provocar uma reação, ele já estava pronto.

— Viu o que você faz comigo sem nenhum esforço? — Foi a vez
dele se esfregar em mim, totalmente duro. Gemi baixinho. —
Consegue sentir o quanto eu te acho gostosa e quero ter você? — Ele
apertou o bico do meu seio para me lembrar que podia não ser tão
gentil. — Você adora que eu te foda com força, gosta que eu me perca
em seu corpo... É isso que você quer agora?

Ele mordeu meu ombro com uma força calculada para ficar entre
o prazer e a dor.
— Sim, é isso que eu quero — sussurrei, era exatamente o que eu
queria.

— Você não disse que estava cansada, amor? — Agora ele tinha
as duas mãos nos meus seios, continuava se esfregando em mim e
sussurrando ao meu ouvido.

— Eu te concedo esse privilégio...

— Então será do meu jeito.

Antes que eu pudesse contra argumentar, ele retirou suas mãos


de mim. Ia me virar para olhá-lo, mas, ao notar minha intenção, disse:

— Fique do mesmo jeito que está. Não precisa se esforçar.

Marcos beijou meu ombro nu, um beijo molhado, senti sua


língua na minha pele e adoraria que ele estivesse à minha frente e não
às minhas costas. Ele arrastou o beijo até o meio das minhas costas,
num rastro molhado. Em seguida, pontuou beijos na base da minha
coluna, de um lado ao outro. Desceu mais um pouco e beijou
rapidamente um dos lados da minha bunda. Gemi, frustrada. Queria
o beijo molhado. Senti seu sorriso se espalhar pela atmosfera do
quarto. Ele aproximou sua boca da minha nádega novamente e eu
esperei sua língua, mas acabei sentindo os seus dentes. Ele arrastou os
dentes de forma leve por toda a extensão e repetiu na outra. Sem que
eu esperasse, ele me mordeu, eu gritei e me empinei, querendo mais,
mas não veio.

Ele acariciou minha bunda com as mãos, fazendo menção de


afastá-las para me tocar onde eu mais queria, eu me empinava cada
vez mais. Ele levantou a minha perna direita, segurando-me pela
coxa.

— Muito gostosa — disse, passando a mão da minha bunda até o


meu sexo.

— Marcos... — pedi.

— Como você pode achar que eu te quero menos? Que te acho


menos atraente? — Ele posicionou dois dedos na minha entrada, mas
demorou a introduzi-los. — Eu não sei como é possível, mas cada vez
que eu te tenho, te quero ainda mais.

Seus dedos entraram em mim com facilidade, era como se meu


corpo os sugasse de tão molhada que eu estava.

— E você pode não querer admitir, mas isso aqui — enfatizou


suas palavras entrando e saindo com mais rapidez — sempre foi mais
pra você também. Mantenha sua perna assim, aberta, quero provar
você.

E assim eu fiz, deitada de lado, com um dos pés apoiados sobre a


outra perna. Ele deitou de modo a ter sua cabeça próxima a minha
bunda e buscou o caminho até a minha intimidade molhada. Deu uma
lambida longa e lenta que me fez estremecer.

— Desde que eu senti o seu gosto, não senti vontade de conhecer


outros. — Lambeu novamente e eu gemi e me mexi, inquieta.

— Marcos!

— Fernanda... Eu adoro ouvir meu nome nessa sua voz sexy e


impaciente, louca para gozar.
— Então é bom fazer isso logo porq... — Fui interrompida por
uma sucção no meu clitóris. — Porra!

Ele me chupou com força, fez sua língua brincar e completou


colocando dois dedos dentro de mim. O misto de sensações me levava
a beira do descontrole. Eu gemia e apertava meus próprios seios com
força, tentando me agarrar a uma pontinha de dor que me deixasse na
realidade. Ele deve ter percebido que eu estava me segurando, então
tirou os dois dedos e introduziu seu polegar; a sensação de prazer era
menor, mas ele continuava me sugando divinamente. O golpe de
misericórdia dele não tardou: invadiu meu ânus com um dos dedos
lubrificados no meu corpo e a explosão que eu tanto adiei veio forte e
me fez estremecer. Gritei seu nome alto, enquanto o misto de
sensações me percorria.

Prazer.

Carinho.

Paixão.

Amor.

Quando os últimos tremores deixavam meu corpo, ele voltou a


sua posição inicial, de conchinha atrás de mim, abaixou sua cueca e
me penetrou. Uma nova onda de sentimentos me atingiu. Ele tocou
meus seios, beijou meu pescoço e tomou meu corpo, que já lhe
pertencia. Ele entrava e saia num ritmo constante, fazendo-me gemer
e ouvir seus gemidos no meu ouvido. Marcos me possuía e a cada
estocada exaltava o quanto me queria, o quanto eu o enlouquecia, e
gozou dizendo que me amava.
Ele saiu de mim e eu finalmente pude olhá-lo, virando-me.
Assim que meus olhos encontraram os seus, uma certeza me invadiu.
A sensação de reconhecimento, de conforto e acalento se juntou à
paixão enlouquecida que eu sentia por ele.

— Todas as minhas dúvidas se dissipam quando estou em seus


braços.

— Me sinto da mesma forma. Um bobo apaixonado, que só tem


olhos para uma única mulher. Você fodeu muito com a minha vida.

Eu o beijei lenta e carinhosamente, senti cada parte do


sentimento que já florescia e eu tentava não enxergar.

— Casa comigo? — Olhei em seus olhos.

— Oi?!

— Marcos, a pergunta não é tão difícil assim, é daquelas que só


tem dois tipos de respostas: sim ou não.

— Preciso mesmo responder? — Sorriu e, por um segundo, eu


pensei em dizer que tudo era uma brincadeira, que só o estava
testando e... — Sim, Fernanda Albuquerque, eu aceito seu pedido de
casamento. Embora esse devesse ser um pedido meu e...

— Cala a boca, futuro Sr. Albuquerque.

— Vem me calar, Sra. Castro...

E eu fui. Selei meu pedido com um beijo apaixonado. Dominei


sua língua com a minha e decidi impor meu ritmo, só para variar.
Desci uma das minhas mãos por seu peito, passei por sua barriga
definida e cheguei ao seu pau, que já estava ficando do jeito que eu
gostava. Apertei e engoli o seu gemido em minha boca, acariciei de
forma ritmada, cada vez mais rápido e logo ele afastou minhas mãos.

— Não me faça gozar assim, quero sentir você.

Afastei-me dele e deitei com os quadris na beira da cama, barriga


para cima, pernas flexionadas.

— Então vem... — Ele ficou de pé no chão e se encaixou entre as


minhas pernas, entrando em mim.

Beijou minha barriga de forma breve e se inclinou um pouco


para segurar nos meus seios, que transbordavam nas suas mãos, bem
maiores do que eram antes de estar grávida.

— Um pouco mais rápido, amor...

— Fernanda...

— Marcos, gosto de sentir você lá no fundo.

— Grrrr... — rosnou, tentando se controlar, mas aumentou a


frequência das investidas. Soltou meus seios e, com uma das mãos,
levantou uma das minhas pernas até seu ombro, com a outra, usou o
polegar para esfregar meu clitóris. Gozei gritando seu nome, ele se
derramou em mim em seguida.

— Eu te amo, presida-love.

— Eu que te amo, babaca-love.


***

Marcos Castro

Demorei a pegar no sono na noite anterior. Após ter feito amor


com Fernanda, fiquei acordando, contemplando-a dormir usando
apenas calcinha. O calor do seu corpo próximo ao meu. Sua mão presa
a minha enquanto dormia tranquilamente. Eu era um homem de

sorte. Tinha uma mulher maluca, que gritava, mandava, fazia de mim
gato e sapato e que me amava, amava com tesão, com gestos, com
palavras, com todo o seu coração. Prova disso era seu pedido de
casamento pré-gozo. Somente Fernanda Albuquerque para me
surpreender dessa maneira.

Acordei sem a presença da Fernanda ao meu lado. No seu lugar,


havia um bilhete escrito a mão.

“Amor,
Sei que sumi, mas é por uma boa causa. Confie em mim.
Tenha um bom dia,
Te amo, babaca-love.”

Assim que acabei de ler o bilhete, liguei para ela. Caixa Postal. O
que ela estava aprontando? Tenha um bom dia, vou passar um dia
inteiro sem vê-la? Ela não deveria estar falando sério. Sorri ao ver, no
criado-mudo, uma bandeja com o café da manhã que deduzi que

havia sido preparado por ela. Havia suco em caixa, torradas


industrializadas, leite em caixa, achocolatado, biscoitos água e sal,
cereal, uma garrafa de água. Direto da fábrica, bem típico dela. Eu
comia meu café da manhã quando a campainha tocou.

Vesti apenas uma bermuda e caminhei para abrir a porta. Era o


Alê, segurando diversas sacolas e dois cafés na mão.

— O que é tudo isso? — indaguei quando ele colocou os


alimentos sobre a mesa.

— Seu café. A Gabi me avisou que a Fernanda não sabia nem


fritar um ovo e imaginei que você não ia ficar satisfeito com torradas e
achocolatado. — Sorriu, sentando à mesa.

— Ainda bem que tenho amigos que não me deixarão morrer de


fome! — falei, servindo-me de uma bisnaga de pão com queijo. — A
propósito, onde ela está?

— Sei lá, Marcos...

— Alê, você mente muito mal! Como saberia se ela deixou ou


não meu café pronto se não a viu hoje?
— Sua mulher ameaçou destruir o meu carro caso eu abrisse a
boca — confessou.

— Você não levou a sério, né?

— Claro que levei. Ela derramou “sem querer” suco de uva no


banco de couro do meu Corolla.

— Ela não faria isso de propósito. — Sorri.

— Ainda dá para desistir, cara. Você tem ao seu lado uma


mulher capaz de qualquer coisa. Até fazer você casar ela conseguiu. —
Sorriu.

— É sério? Que ela vai casar comigo?

— Ela não te pediu em casamento? — falou, intrigado

— Pediu, mas foi durante o sexo. Embora a ideia tenha me

deixado feliz, não levei a sério.

— Só tenho uma coisa a dizer: conte comigo se quiser pular fora.


— Gargalhamos. Depois do café, Alexandre disse que precisava
resolver algumas coisas.

Já era fim da manhã quando ela me mandou uma mensagem


informando que estava bem. Negou-se a informar sua localização.
Mas após uma foto postada no Instagram da Gabriela, na qual
Fernanda aparece de roupão com uma taça de champanhe em uma

das mãos, observei que, além da droga da bebida em suas mãos, a


opção de localização estava ativada e lá estava o seu paradeiro.
Fernanda estava na sua própria casa. Marcos, você já foi mais inteligente!
Mandei mensagem de imediato:

Não me diz que essa droga é champanhe???

Merda!!! Eu avisei para a Gabi não postar a droga da foto @@@

Responde!!

Ei!!! Pode ir baixando a bola! Não sou sua


propriedade e você sabe muito bem disso!

Completou a mensagem com um emoji representando uma cara


furiosa.

Desculpa. Mas você parece criança que teima em


desobedecer aos pais.
Meus pais no caso seria você?! Eu não

ingiro álcool desde que descobri a gravidez.


Aquilo é uma droga de um espumante sem
álcool. Não sou irresponsável. Você sabe que
eu não faria nada que colocasse a vida da

nossa filha em risco.

Não quis te ofender, amor. Sei que seria incapaz de


pôr a vida de Mariana em risco. Acordei sem você ao
meu lado, seu bilhete me deixou confuso...

Marcos, eu estou ansiosa, nervosa e tudo


que menos quero hoje é discutir com você. Só

por hoje podemos ser casal normal?! Diz que


sim, babaca-love ;)

Você sabe que não consigo te negar nada.

Então até mais tarde, vou ali receber uma


massagem relaxante. Beijos
Peguei o carro e dirigi até a floricultura mais próxima de casa.

Comprei orquídeas e brigadeiros e segui ao encontro da Fernanda.


Passei tranquilo pela portaria, mas fui impedido de entrar quando
alcancei a porta da sua casa. Uma mulher que eu nunca tinha visto na
minha frente, vestindo um terninho e tendo um telefone acoplado ao

ouvido, disse que eu não poderia entrar na casa por ordens da noiva.

— Que noiva? — perguntei, atordoado.

— A Sra. Albuquerque. — Ela não está falando sério, está?!

— Eu não sou ninguém. Sou o seu companheiro, pai da sua filha.

— Desculpa, senhor, mas só cumpro ordens. Pode me entregar


as flores e os chocolates, eles serão entregues imediatamente a ela.

— Eu mesmo quero entregar! — falei já irritado. Uma mulher


mais velha, que observava a conversa a distância, aproximou-se.

— Boa tarde, senhor. Sou Marli, coordenadora do cerimonial, em


que posso ajudá-lo? — perguntou em tom sereno, já deveria estar
acostumada a lidar com pessoas intempestivas.

— Marcos Castro, minha noiva... — Era estranho chamá-la


assim, já que nosso noivado tinha menos de vinte e quatro horas. —
Eu gostaria de entregar essas flores pessoalmente. Ela está grávida e

gostaria de vê-la.

— Ela me falou de você, Marcos. — Sorriu. — Me disse que


provavelmente você ignoraria suas mensagens e viria a sua procura.
Mas a Fernanda pediu para passar o dia sozinha. É natural as noivas

precisarem desse tempo a sós. Não se preocupe.

— Só avisa que estou aqui. Só preciso vê-la, mesmo que


brevemente.

— Marcos, sinto muito, como eu já disse, ela me deixou de


sobreaviso que você poderia aparecer por aqui e ordenou que sob
nenhuma hipótese sua entrada fosse autorizada.

— Marli, entendo o que ela pediu e não quero prejudicá-la, mas

será que ao menos uma ligação você não poderia tentar? Apenas para
ouvir a voz dela, saber se realmente está tudo bem.

Não sei se foi a aflição nos meus olhos ou a minha voz


suplicante, só sei que meu pedido foi atendido. Um segundo depois,
Marli ligava para Fernanda.

— Boa tarde, Fernanda, tem uma pessoa do outro lado da linha.


— Passou o telefone para mim, que agradeci com um imenso sorriso.

— Preciso te ver. — Ela fungou do outro lado da linha. — Andou


chorando?

— Hormônios da gravidez — limitou-se a responder. Essa era


sua resposta padrão.

— Me deixa entrar. Trouxe brigadeiros.

— Tentador. — Sorriu — Mas não, entregue à recepcionista.

— Não vou aparecer nesse casamento se não permitir que eu te


veja agora — ameacei, firme. Quem sabe assim ela cedesse.

— É uma pena, pois eu estarei lá — respondeu no mesmo tom.

— Você quer me enlouquecer, mulher?

— Alguém tinha que compactuar da minha loucura.

— Por que você está casando comigo?

— Tecnicamente é o inverso, já que fui eu que te pedi em


casamento.

— Por que me pediu em casamento?


— Você me engravidou, eu não poderia deixar você escapar
ileso. Creio que o celibato do matrimônio é uma boa pena. — Ela

sorria do outro lado da linha. Odiava quando bancava a bem-


humorada quando eu queria falar sério.

— Fernanda, falo sério!

— Eu também. Quer tortura maior para um mulherengo do que


o casamento? Como diz o Felipe: perdeu, playboy!

— Eu não enxergo o casamento com você como tortura.

— Ainda não enxerga. — Ela sorriu. — Deixa só quando a sua


ficha cair, que você terá que suportar minha TPM, terá que acordar a
noite para cuidar da Mariana porque estarei exausta, suas idas ao
happy hour irão diminuir, que eu exijo fidelidade... Quer mais?

— Acha mesmo que me preocupo com isso? Desde que você


assumiu a presidência da Albuqurque’s, eu só tenho olhos para você.
Meu corpo só se sente completo junto ao seu, a minha boca tem seu
gosto, o meu cheiro preferido é o seu, o melhor som é o da sua voz me
chamando de amor...

— Andou treinando os votos, amor!


— Amor...

— Amor, me escuta, só me escuta. Se nove meses atrás me


perguntassem meu lugar favorito no mundo inteiro, eu teria inúmeras
opções para responder. Hoje só uma resposta faz sentindo. O meu
lugar favorito é ao seu lado. Desculpa se te assustei com meu pedido
de casamento e estou assustando ainda mais por te fazer se casar em

menos de vinte e quatro horas...

— E você? Já se perguntou se é isso mesmo que quer?

— Já. E hoje, quando acordei ao seu lado e observei você dormir


com um sorriso involuntário nos lábios, eu soube que tinha tomado a
decisão certa: quero dormir e acordar com você ao meu lado. Quero
ser completamente sua, sem pausas, vírgulas, interrogações...

— Pega mal se eu chorar no nosso casamento? Eu acho que vou

explodir de emoção quando vir você vestida de noiva.

— Não, não pega nada mal. Você será o noivo mais apaixonado
da história de todos os casamentos.

— Preciso desligar. A Marli está me olhando com cara feia.

— Tchau, amor.
— O que devo fazer até a hora de te ver?

— Seguir as instruções do e-mail. Você leu, né?

— Claro! — menti. Quem tem cabeça de ver o e-mail?

— Vá para casa e relaxe. Encomendei comida no seu restaurante


favorito. Às catorze horas o alfaiate passará por lá para ver se as

medidas estão corretas.

— Como você conseguiu organizar tudo isso?

— Sou Fernanda Albuquerque, esqueceu? Além do mais, contei


com a ajuda de pessoas especiais que nos amam.

— Ok. — Sorri.

— Marcos?

— Oi.

— Eu posso cancelar tudo, se quiser. Sei que achou tudo


precipitado...

— Precipitado?! Já ficamos uma vida separados, não quero ficar


nem mais um minuto longe de você. Agora vou deixar você se
arrumar e seguir as orientações do e-mail. Até mais, amor.
— Até breve. Te amo.

Eu vou casar... E o melhor: não tinha nenhuma dúvida sobre essa


decisão.
CAPÍTULO XL

Fernanda Albuquerque

Despertei com o raiar do sol. Marcos dormia relaxado ao meu

lado. Fiquei feito boba observando-o dormir. O sorriso involuntário


nos lábios, a expressão serena. Admirei-o e me contive para não
chorar. Céus, Fernanda, por tudo você chora, mulher. Suspirei e levantei
silenciosamente da cama. Peguei meu celular no criado-mudo e fui até
a sala.

— Fê, o que houve? — Gabi atendeu após a décima ligação.

— Pensei que nunca iria atender — falei baixo para não acordar
Marcos.

— Por que está sussurrando? Não me diz que foi sequestrada.

— Não, mas estou numa situação emergencial. Tenho um


casamento para planejar. Tem como vir me buscar aqui no apê do
Marcos?

— Casamento? Como assim?


— O meu! Pedi o Marcos em casamento ontem à noite.

— E precisa casar assim, às pressas?

— Não há motivos para perder tempo quando se tem certeza do


que se quer pelo resto da vida.

— Aleluia, mulher! — Vibrou. — Chegamos aí em trinta

minutos.

— Vou mandar mensagem para as meninas. Beijos

Encerrei a ligação e mandei mensagem para o grupo das minhas


amigas:

S.O.S

Sol diz: Que foi? Mariana já está a caminho?

Soraia diz: Já ligou para a obstetra?

Calma, Sol. Mariana ainda não vai nascer.


Soraia diz: Ufaaaa! Então pq o S.O.S??

Vou casar!!

Sol diz: Eu sabia!! Finalmente o Marcos

tomou coragem e te pediu em casamento *


——* Não surta, tá!? Vamos planejar com
calma a festa, vai ser lindo Mariana sendo
daminha..

Eu que o pedi em casamento.

Soraia diz: Bem a sua cara hahaha Estou tão


feliz por vocês <3

Lu diz: Oiiii pessoas que acordam antes das


7 e falantes!

Oiiii, amiga rsrsrs

Lu diz: Casamento? Quando?


Hoje às 17h.

Lu diz: ?????????????????????????

Hoje, tipo hoje?!

Sim, hoje, tipo hoje kkkkkkk

Lu diz: Fê, mas você só nos avisa agora?!


Não tenho vestido, nem presente.

Se vira, gata ;)

Lu diz: Ai, meu Deus. Sol, já estou discando


para a Figueiredos. Algum vestido em
mente??

Sol diz: Não. Sou indecisa.

Melhor decidir logo! Dentro de poucas horas vocês


têm que estar aqui. Será uma cerimônia aqui em casa
mesmo...
Sol diz: Vou ligar para o táxi aéreo. Lu, te encontro na Oscar Freire?

Lu diz: Sim, tomamos café por lá e seguimos para a Figueiredo.

Até mais, amores ♥ ♥ ♥

Lu diz: Até, Fê <3

Quando minha amiga chegou acompanhada do Alexandre, eu já


os esperava no hall do prédio. Contei para a Gabi todo o meu plano
do casamento. Seria uma cerimônia simples na minha própria casa,
convidados apenas meus pais e amigos mais íntimos. Ela ouviu tudo
atentamente e nem precisei concluir para ela se prontificar em ajudar.

Ligou para empresas de festas, enquanto eu falava com minha mãe.


Achei que ela fosse me chamar de maluca, mas a sua resposta foi um
sonoro “finalmente!!!”.

Eu estava sem dirigir desde que entrei na trigésima semana de


gestação. Por isso, minha mobilidade dependia do Marcos para me
levar aos lugares ou andar de táxi. Nesse momento, Alexandre
acabava de deixar Gabi numa agência de festas e me conduzia para o
endereço da minha cunhada.

O porteiro autorizou minha entrada. Assim que cheguei ao seu


apartamento fui recebida por uma Thalita enrolada num roupão e
com os cabelos molhados.

— Aconteceu alguma coisa com o Fernando? — indagou como se

temesse a resposta.

— Não. Pode ficar tranquila. — Ela respirou aliviada.

— Com o Marcos, então? — A preocupação voltou ao seu rosto.

— A última vez que o vi, ele dormia relaxado. — Sorri e ela se


juntou ao meu sorriso.

— Desculpa, Fernanda. Entra! — disse, liberando a passagem da


porta. — Confesso que fiquei surpresa com a sua visita.

— Eu que peço desculpas por aparecer sem avisar. Mas


precisava de um favor seu.

— Se eu puder ajudar. Sente-se — falou, indicando o sofá. Sentei


no sofá com dificuldade, Mariana já estava se movendo para a posição
de encaixe e agora seus movimentos me causavam um leve
desconforto. — Dói?
— Não tanto quanto aparenta. — Sorri. — Tia Thalita, eu já estou
me preparando para chegar e deixar meu pai ainda mais babão! —

disse com uma voz infantil, piegas, eu sei, coisas de mãe.

— Você terá o pai mais babão do mundo.

— Nem me fale. Papai vai surtar, né, filha, quando descobrir que

sumimos.

— Como assim?

— Calma, não está nos meus planos abandonar meu babaca-


love.

— Babaca-love?

— Sim, é uma forma carinhosa de chamá-lo. Agora diz se ele é o


ou não é um babaca-love?

— Muito. — Ela sorriu. — Agora estou curiosa para saber o que


está aprontando.

Contei sobre meu pedido de casamento espontâneo e o


casamento surpresa que ocorreria dentro de algumas horas. Ela
acompanhou todo o meu relato sorrindo.

— É isso, Thalita. Será que consigo um juiz de paz para celebrar


a cerimônia?

— Fernanda, tenho um amigo jurista que trabalha como juiz de


paz, vou entrar em contato com ele. Mas de antemão já aviso que o
casamento não terá valor oficial, para isso precisaríamos registrar o
contrato de união estável no cartório, ou dar entrada no casamento
civil.

— Sim, sim. Na verdade, o intuito é mais uma celebração. Seu


amigo, por incrível que pareça, é muito convencional em
determinados aspectos, ele estava relutante na ideia de morarmos
juntos sem oficializar a união. Você acredita que ainda não apresentei
meus pais a ele?

— Tenho certeza que Marta adorará o Marcos como genro.

— Pior que vai mesmo. Ela é fundadora do fã-clube “Marcos

para marido da Fê”. — Gargalhamos. — Vou aproveitar para fazer


tudo, apresentá-lo oficialmente aos meus pais e declarar a todos o que
ele já sabe. Que sou dele desde o nosso primeiro encontro.

— Fico muito feliz por vocês de fato. Pode ter certeza que
ganhou um companheiro para todas as horas. Já avisou ao Fernando?

— Mandei mensagens para ele e o Felipe antes de desligar o


celular.

— Meu amigo respondeu! — Thalita informou, conferindo as


mensagens no celular. — Ele aceitou. Pediu que enviasse dados do
casal, nome completo, quando se conheceram, para elaborar o seu
discurso.

— Thalita, muito obrigada.

— Não há pelo que agradecer. Estou feliz de verdade e ansiosa


para ver a cara do Marcos nesse casório.

— Se ele não surtar daqui pra lá...

— Fato. — Ela gargalhou.

***

Marcos Castro

Nunca pensei que um dia eu fosse, de fato, me casar. Não que eu


fosse contrário a casamentos, apenas nunca me vi seduzido pela ideia
até Fernanda aparecer na minha vida. Por essa mulher sou capaz de
praticar a monogamia pelo resto dos meus dias com um sorriso
imenso nos lábios. Puta merda, Marcos, fodeu muito!

Nesse momento o carro do Alexandre estacionou em frente à


casa de Fernanda. E se ela desistiu da ideia? Se tudo não passar de
uma brincadeira? Respiro fundo e levo a mão para a porta do carro
para sair e acabar logo com essa expectativa. A porta não se abre. Viro
e noto que Alê travou a porta, impedindo minha saída.

— Que foi, cara? — pergunto com uma ruga de preocupação.

— Ainda dá tempo de desistir.

— Ficou louco? Só estou nervoso.

— Eu também estaria se tivesse no seu lugar. Por isso repito:

ainda está em tempo de fugir.

— Fora de cogitação, meu amigo. Hoje saio oficialmente da lista

dos solteiros.

— Marcos Castro Prudente, você é o cara mais feliz que já vi

indo para seu próprio casamento. O que essa mulher fez com você,

meu amigo? — Sorriu.

— Não sei. Mas seja lá o que for, eu tô feliz pra caralho. Vamos

logo que não quero atrasar.

— Os caras vão te sacanear quanto eu contar que você ficou todo

frutinha depois que se apaixonou.

— Quando você encontrar a mulher da sua vida, saberá qual é


sensação de ser amado e amar alguém mais que a sua própria vida.

— Desce desse carro antes que comece a chorar feito uma

mulher. — Gargalhei e desci do carro.


Dessa vez minha entrada foi liberada. Entrei na sala com o Alê
me acompanhando. O espaço se transformou numa espécie de altar. O
ambiente estava decorado com flores e cortinas em tom creme,
tornando o ambiente intimista. Avistei alguns rostos conhecidos.
Thalita e Fernando trocavam carinhos, sentados numa cadeira lado a
lado. Vi o Felipe conversando animadamente com uma garota, eles
caminhavam em direção a cozinha quando reconheci a garota; saí em
disparada ao encontro dos dois.

Ignorei a fala do meu amigo e segui cozinha adentro. Felipe


conversava algo muito próximo do ouvido da mulher, que apenas
sorria. Observei quando o pirralho se aproximou ainda mais, sua
acompanhante deu um passo para trás, ficando com o corpo contra a
bancada da cozinha, o que dava a ele mais chances de sucesso no
ataque final. Já usei essa tática, Felipe.

— Recuar, fedelho! — Meu tom de voz firme assustou ambos.


Mas ele não afastou o seu corpo do dela.

— Oi, Marcos — ela disse com o rosto corado, encostando a mão


no peito de Felipe para que ele se afastasse.

— Oi, Cecília. — Ele liberou a passagem e ela saiu sem graça,


dizendo que o pai estaria a sua procura.

— Eu deixaria você concluir seu plano com maestria se ela não


fosse minha irmã. Sabe como é: pegar irmã do brother é trairagem,
você entende, né?

— Não enche, Marcos — respondeu visivelmente frustrado.

— Agora estamos quites, cunhadinho! — falei, sorrindo. — A


propósito, pode desembolsar a grana para comprar a minha Hornet
600 cilindradas.

— Você não levou a sério aquela aposta, levou?

— Lógico que sim. Afinal, eu ganhei a aposta e conquistei a gata


Albuquerque pra mim.

— Estava mesmo querendo conhecer o responsável por roubar


minha filha. — Uma voz grave vinda do nada me paralisou.

— Enfrenta o sogrão agora, cunhadinho. — Felipe se divertia com


a situação.

— Marcos, não é? — perguntou, sério, avaliando-me.

Respira, Marcos. Respira.

— Sim, senhor. Marcos Castro — falei, estendendo a mão para


um cumprimento. Ele observou, com uma expressão séria, a minha
mão estendida por uns segundos, que pareceram uma eternidade,
antes de exibir um sorriso e falar:

— Vamos deixar a formalidade de lado e vem cá me dar um


abraço. — Hesitei antes de me aproximar. — Eu não mordo, Marcos.

— Ele tem traumas dos Albuquerques, velho.

— Cala a boca, fedelho — respondi, sorrindo e retribuindo seu


abraço.

— Confesso que estava ansioso para conhecer o pai da minha


neta e o responsável por tirar a Nandinha do eixo. — Ele sorriu.

— Agora que me conheceu, viu que sua filha fez a escolha certa.
— Perco o sogro, mas não a piada.

— Eu avisei que era um filho da puta de um convencido,


ninguém me deu ouvidos...

— Admiro homens confiantes. Eles são grandes


empreendedores.

— Amor, estava a sua procura. — Uma senhora de meia idade,


com um sorriso nos lábios e dona de olhos verdes atentos, surgiu na
cozinha.

— Estava conhecendo o meu genro — Francisco respondeu,


beijando a mulher no topo da cabeça. Ela me olhou com expectativa e
andou em minha direção, sorrindo.

— Finalmente apresentados. — Ela me abraçou forte, um abraço


confortante e amável, abraço de mãe. Demoramos um tempo nessa
conexão.

— Já chega vocês dois, o filho aqui sou eu e não ganho nem um


oi?
— Lembra, Chico, quando ele tinha ciúmes do Fernando e ficava
com essa carinha? Não mudou nada, Lipe — ela falou, beijando seu
filho no rosto.

— Lipe não, mãe! Pega mal. — Ele bufou feito um adolescente


constrangido pelos pais, o que nos arrancou um riso coletivo.

— Desculpa atrapalhar a conversa, mas a cerimônia começará


em dez minutos. Queiram me acompanhar até a sala.

— Vão indo na frente, preciso dar uma palavrinha com o Marcos


— a mãe da Fernanda falou.

— Boa sorte, cara. — Felipe saiu sorrindo ao lado do pai.

— Nervoso, Marcos?

— Muito!

— Dita me fala muito bem de você. De como você é um pai


babão, do companheiro, do homem que faz ela feliz. Ao ver você
agora na minha frente, confirmo que minha intuição de mãe estava
certa. Ver seus olhos brilhando e marejados enquanto falo da minha
menina faz meu coração bater ainda mais forte. Tenho certeza que
vocês serão muito felizes juntos. — Acariciou a minha mão.

— Obrigado — falei, tentando conter as lágrimas. — É muito


importante para mim ser aceito por vocês. Amo a Fernanda e vou
fazer o possível e o impossível para fazê-la ainda mais feliz.

— Você já está fazendo. Seja bem-vindo à família, meu filho. —


Uma lágrima escapou do meu rosto e Marta me abraçou. Respirei
fundo para não dar vazão a emoção que eu sentia. Era bom sentir
novamente essa sensação de colo de mãe. — Posso pedir um favor a
senhora? — Minha voz saiu fraca.

— Sim.

— Poderia estar ao meu lado durante a entrada?

— Será uma honra, Marcos. — Fitou-me com lágrimas nos olhos.


— Sua mãe está muito feliz pelo homem que você se tornou. Hoje
mesmo ela deve estar radiante em ver seu menino feliz. — Lágrimas
escorreram pelo meu rosto e eu não lutei para controlá-las dessa vez.
Suas palavras pareciam bálsamo para meu coração.

É, mãe. Acho que o destino, além de me presentear com a mulher da


minha vida, me deu uma família de presente.

— Agora prepara esse coração que chegou a hora. — Segurei a


mão estendida e caminhamos juntos em direção à sala.

Posicionado na entrada da porta, eu aguardava ansiosamente os


primeiros acordes da canção que anunciaria minha entrada. Agradeci
aos céus por ser uma cerimônia íntima, pois se estivéssemos em um
salão lotado de pessoas, eu estaria ainda mais tenso.

Minhas pernas pareciam não suportar o peso do meu corpo,


minhas mãos estavam frias, meus lábios tremiam e meu coração batia
no ritmo de bateria de uma escola de samba. Respirei fundo e ofereci
meu braço direito para que Marta se apoiasse.

Chegou a hora.

Ao som dos primeiros acordes do violão, começamos a nos


mover lentamente, os olhares voltados para nós. Observei uma Thalita
sorridente ao lado de um Fernando igualmente feliz. Soraia
emocionada e um Felipe cochichando algo no ouvido da Cecília. O
moleque não desiste.

Na medida em que andávamos em direção ao altar, a voz suave


da cantora ecoou no ambiente:

Arrumei a casa, preparei o coração


Esperando a sua chegada, tão sonhada
Vesti o melhor sorriso
Espalhei pelo chão, o perfume da rosa mais enfeitada
Pra te colorir e te cobrir de bem querer

A música que eu cantarolava para Mariana no ventre da mãe. Foi


impossível não me emocionar com a canção; meus olhos ficaram
marejados. Se eu já estava assim, imagina quando visse a Fernanda
vestida de noiva, a minha noiva. Eu que já me sentia o homem mais
feliz do mundo, só aguardava a chegada da minha princesa para
deixar minha vida perfeita.

Tá faltando você pra ficar perfeito


Aprendi a amar assim do seu jeito
E aceito ser seu e viver esse amor

É, filha, só está faltando você pra ficar perfeito. Que lágrimas são
essas que escaparam dos meus olhos? Marcos, você é patético, pensei,
quando recebi de Soraia um lenço de papel.

— Se você já está assim agora, imagina quando a Fê aparecer...


— Gabriela perturbou, sorrindo.
Por falar nela... Os olhares se voltaram para o elevador e não são
os acordes da marcha nupcial que anunciam sua entrada; Fernanda
não seria ela mesma se seguisse o protocolo. Assim que a porta do
elevador abriu e ela surgiu acompanhada do seu pai, meu coração
disparou.

Sabe, quando a gente tem vontade de contar


A novidade de uma pessoa
Quando o tempo passa rápido
Quando você está ao lado dessa pessoa
Quando dá vontade de ficar nos braços dela
E nunca mais sair

Fernanda estava estupidamente ainda mais linda. Seus cabelos


soltos e ondulados. Sua boca, contornada por um batom claro, era
praticamente um convite para beijá-la. Seus olhos verdes pareciam
duas esmeraldas de tanto brilho que emitiam em minha direção. Um
delicioso sorriso emoldurava seu rosto.

O vestido marcado no busto ressaltava seus seios enormes. Sua


barriga protuberante foi evidenciada no vestido. Queria que ela
pudesse capturar a dimensão do quanto a venerava grávida. Queria
que pudesse entrar na minha mente para captar o êxtase que era
observar a mulher que você amava esperando um filho seu. Queria
que ela compreendesse que esse dia nunca sairá da minha memória.
Vê-la vestida de noiva, carregando nossa filha no ventre, tornou esse
momento ainda mais especial.

Ela caminhou em minha direção cantando o trecho da canção.


Seus olhos cheios de lágrimas e um sorriso genuíno nos lábios
compunham um belo retrato desse momento.

Quem disse que homem não chora em casamentos


provavelmente nunca deve ter presenciado um homem apaixonado se
casando. Fernanda se movia lentamente, como se quisesse perdurar o
máximo esse momento sublime. O nó que havia se formado em minha
garganta chegava a doer, mas continuei me controlando para não
começar a chorar feito um bebê.

— Eu te amo! — sibilou e duas lágrimas escorreram por seu


rosto.

— Eu que te amo! — respondi da mesma forma.

Estávamos próximos agora. Seu pai soltou seu braço e estendeu


a mão da sua filha para mim, que a segurei, acariciando
delicadamente. A mão dele sobrepôs as nossas.

— Marcos, te entrego hoje meu bem mais precioso. Cuida da


minha menina. — Apenas assenti. — Filha, permita-se ser amada e
amar incondicionalmente. Sejam felizes. — Francisco se afastou,
emocionado, disfarçando as lágrimas.

Enxuguei as lágrimas da Fernanda. Suas mãos frias e trêmulas


apertaram a minha mão esquerda com força. Seus olhos capturaram
todos os meus sentidos e reprimi a vontade de beijá-la.

— Obrigado por me fazer o homem mais feliz do mundo. —


Minha voz saiu tão fraca que não tive certeza se ela me ouviu.

— Obrigada por não ter desistido de mim.

— Eu não saberia continuar vivendo sem você. — Ela não tentou


controlar as lágrimas e em poucos segundos estava chorando
lindamente, arrancando suspiros dos presentes. Acariciei sua barriga e
passei o braço em volta da sua cintura, abraçando-a. Ela se afastou o
suficiente para me beijar lentamente.

— Eu ainda não disse que pode beijar a noiva! — O juiz de paz


interrompeu nosso beijo, arrancando risadas dos presentes.

— Tecnicamente ela quem me agarrou. — Sorri e Fernanda me


beliscou fracamente, igualmente sorrindo.

— Marcos, Fernanda, mais alguma demonstração de carinho


antes da cerimônia? Fiquem à vontade, ninguém aqui está com pressa
— perguntou, bem-humorado. Boa, juizão.

— Amor, já que ele insiste. — Passei a mão pela sua cintura e a


trouxe para mais perto, mordisquei seu lábio inferior antes de minha
língua invadir sua boca, proclamando-a como minha.
Instantaneamente, ela correspondeu, passando as mãos pelos meus
cabelos e me beijando com a mesma volúpia. Ouvi aplausos e assobios
animados.

— Pai, vai deixar ele beijá-la assim na frente de todo mundo? —


Felipe gritou.

— Chama o bombeiro! — uma voz feminina gritou em seguida.

— Marcos, temos plateia — disse, afastando nossas bocas e


sorrindo.

— Acho melhor dar início à cerimônia antes que ele acabe


engravidando ela novamente.
— Gabi, cala a boca! — Soraia a repreendeu e eu não controlei o
riso.

— Marcos, Fernanda, é com grande satisfação que estou nesse


momento aqui com todos vocês. Quando recebi uma mensagem para
que pudesse vim celebrar essa união, prontamente aceitei. Não pelos
motivos comuns, mas pela história do casal. Um casal nada
convencional, conforme a Fernanda me confidenciou. E agora, vendo
vocês dois juntos e tudo que já aconteceu aqui, tenho certeza que o
casamento de vocês entrará para a lista de casamentos inesquecíveis.

A cerimônia foi divertida, o juiz — um homem por volta dos


quarenta anos — tinha uma boa oratória e era engraçado — o tom de
formalidade voltou apenas quando chegou a hora da troca de
alianças.

— Chegamos ao grande momento da cerimônia. Mais do que um


símbolo de uma união, a aliança representa o elo da cumplicidade, do
respeito mútuo, dos momentos felizes e tristes que serão
compartilhados entre vocês dois, da nova vida que se inicia a partir de
hoje. O casal fez seus próprios votos, não é? — Assentimos. — Marcos,
queira, por favor, pegar a aliança. Fernanda, estenda a mão esquerda
para recebê-la.

— Puta merda! — Fernanda soltou em alto e bom tom.

— Que foi, está se sentindo mal? — perguntei, preocupado.

— As alianças... Esqueci completamente — lamentou-se.

— Essas? — Tirei do bolso da calça uma caixa em formato de


coração com duas alianças dentro.
— Você lembrou! — Ela sorriu. — São lindas!

— Ficarão ainda mais em nossas mãos.

— O casal poderia me passar a palavra novamente? — Todos


riram. — Quando quiser, Marcos, pode começar seus votos.

Segurei a mão esquerda de Fernanda e comecei:

— Em primeiro lugar, eu preciso dizer o quanto te amo. Te amo


como nunca amei ninguém. Te amo de um jeito que não consigo mais
pensar em minha vida sem você...

Não sabia se conseguiria terminar os votos sem chorar.


CAPÍTULO XLI

Fernanda Albuquerque

Optei por ficar sozinha, passei parte da tarde trancada no quarto.


Precisava desse tempo sozinha para me tranquilizar. Sol e Lu
avisaram que chegariam por volta das quinze horas, tiveram
dificuldades em alugar um jatinho em cima da hora. Devem chegar
perto da cerimônia começar. Gabi já me ligou para dizer que tudo
estava na mais perfeita ordem e que estava indo para o salão para se
arrumar. O que seria de mim hoje sem a ajuda da Gabi? Tenho as
melhores amigas do mundo.

Minha mãe e minha bá estavam ajudando a me vestir. O vestido


escolhido não era de uma noiva tradicional, afinal na trigésima sexta
semana de gravidez minha barriga estava enorme. A maioria dos
vestidos que vi eram muito justos na cintura ou com muitos babados,
que me deixariam ainda maior. Após experimentar diversos vestidos,
decidi por um modelo da estilista carioca Silvia Linhares: longo, na
cor pétala, tom mais claro de rosa que existe, com camadas de tule e
telas de rendas francesas, além de pétalas de tecido cortadas a laser.
No último momento, desisti do véu e da grinalda. O buquê de rosas
cor de champanhe finalizava o meu look.

Não vejo a hora de ver meu babaca gostoso no altar.

Minha mãe fechou o último botão das costas e eu me virei para


olhar meu reflexo. Minha imagem refletida no espelho, juntamente
com o reflexo de Dita e minha mãe, formava um quadro perfeito. As
duas mulheres da minha vida. Uma mãe de sangue, a outra mãe do
coração. Em comum, o amor incondicional. Agora que era mãe,
conseguia compreender a dimensão de amar alguém mais que a
própria vida.

As duas estavam emocionadas. Nós três, refletidas no espelho,


era mágico. Uma lágrima escapou dos meus olhos e elas me
abraçaram ao mesmo tempo.

— Amo vocês! — murmurei em meio às lágrimas.

— Não chora, minha menina, vai borrar a maquiagem — Dita


disse, chorando também.

— Isso mesmo, filha. Vamos controlar as emoções, porque o


casamento mal começou — minha mãe falou, enxugando uma
lágrima.

— Fê, hoje não vejo a minha menina de outrora. Vejo uma


mulher, uma mulher que está se unindo ao seu companheiro. Uma
mulher que em pouco tempo será mãe. Uma mulher que eu amo como
se tivesse sido gerada do meu próprio ventre. — Dita me fez chorar
mais uma vez.

— Vocês querem me destruir dessa forma — disse, enxugando


as lágrimas.

— Vamos, Dita. Vamos aguardar nossa menina lá embaixo. —


Minha mãe segurou a mão de Dita e elas se foram, deixando-me
sozinha.

Respirei fundo e caminhei para beber um copo de água quando


meu quarto foi invadido pelas minhas amigas. Minha “quadrilha de
salto alto e gloss” chegou fazendo a maior festa. Os sorrisos
contagiaram todo o ambiente. Estavam lindas com seus vestidos e
saltos altos... E uma panela de brigadeiro.

— Brigadeiro?

— Brigadeiro, Fê. Fê, brigadeiro — Gabi brincou, como tivesse


apresentando duas pessoas.

— Eu sei o que é brigadeiro, palhaça.

— E por que a surpresa, então? Oras — disse, sentando na minha


cama com uma colher de brigadeiro na boca.

— Fê, você está a noiva mais linda do mundo — Soraia disse,


com os olhos marejados.

— Esses detalhes de renda francesa e tule são perfeitos. Seu


vestido é uma verdadeira obra de arte — Lu analisou.

— Sua bunda ficou ainda maior com essa calda. Papai Marcos
vai gostar. — Esse era o jeito de Gabi elogiar.

— Obrigada, amores. Estou tão feliz que conseguiram chegar a


tempo. — Gabi me encarou. — Estou feliz por você estar aqui
também, Gabi — disse, sorrindo. — Estou feliz por tê-las todas aqui,
juntinhas de mim.

Em pouco tempo, estávamos sentadas na cama, sem nos


importar em amassar os vestidos, conversando. O quarto foi
preenchido por conversas e risadas, como nos velhos tempos. Todas
juntas.

Enquanto elas falavam, um filme passava em minha cabeça.


Recordei das inúmeras viagens que fizemos juntas, das festas que
frequentávamos, das discussões acaloradas, dos risos inoportunos e
dos choros consolados. Agora, sentadas comendo brigadeiro sem
preocupações, parecíamos as garotinhas de treze anos que se reuniam
para a festa do pijama. As garotinhas que faziam planos bobos e
ignoravam a vida lá fora.

— Terra chamando Fê. Terra chamando. — Lu me tirou dos


meus pensamentos.

— Você não ouviu nada que dissemos, né? — Sol sorriu.

— Estava recordando o que já vivemos juntas...

— Já que estamos no clima de saudosismo, que tal relembrarmos


alguns fatos, futura senhora Castro?! Lembra da vez que me passei
por você para que você pudesse sair escondido dos seus pais...

Lógico que eu lembrava, eu tinha quinze anos e por algum


motivo estava impedida de sair de casa. Pedi a minha mãe que
deixasse Gabi dormir lá em casa. Minha amiga ficou na minha cama e
fizemos um modelo de pessoa dormindo com travesseiros no colchão
para disfarçar caso meus pais checassem. Tudo isso para poder ficar
com um amigo gato do Fernando. Sorri ao relembrar.

— E quando a Gabi seduziu o segurança do hotel para


invadirmos o quarto do Adam Levine? E Soraia Buchman ficou louca
pedindo o Adam em casamento! — Foi a minha vez de relembrar os
momentos.

— Eu tinha dezoito anos. Estava apaixonada pelo astro pop star.

— Sol, você não largou o Adam. Só falava “kiss me”! — Lu falou,


e todas gargalhamos da cara constrangida da Sol.

— Fê, e nossa viagem a Vegas?

Nunca havíamos comentado os detalhes dessa viagem. É como


dizem: “O que acontece em Vegas, fica em Vegas”! Quando estávamos
prestes a comentar sobre tal dia, ouvimos batidas na porta.

— Senhora Albuquerque? — A voz de Marli ecoou do lado de


fora.

— Oi, Marli — gritei da cama.

— O juiz de paz chegou. A cerimônia começará em cinco


minutos, ok?

— Ok. Marli, faz um favor: localiza a Thalita e a Cátia e pede


para que as duas venham até aqui.

— Certo.

Em um momento, estávamos todas relaxadas conversando. No


outro, disputávamos o espelho para verificar nosso estado. Gabi
retocava o batom vermelho. Sol alisava o vestido. Lu arrumava a calda
do meu vestido.

— Cadê os adesivos para colar no vestido? — Sol perguntou,


animada.

— Estão na primeira gaveta do criado-mudo! — respondi.

Ela pegou os adesivos e distribuiu. Era a tradição das amigas


escreverem seus nomes e colar na barra do vestido da noiva, para
serem as próximas a casar. Gabi foi a única que ficou com a adesivo na
mão e não buscou um lugar para apoiar e escrever seu nome.

— Fugindo do casamento, Gabriela? — perturbei.

— Não preciso de uma superstição para casar — responde com


uma piscadela.

— Eu preciso! Já fui largada uma vez. Não quero ser outra vez —
Sol disse, levantando a barra do vestido e colando seu nome.

— A esperança é a última que morre — Lu brincou, juntando seu


adesivo ao de Sol.

— Sério que preza por lance do casamento? Você está com o


Emerson desde o ensino médio, hoje moram juntos. Possuem uma
união estável.

— Verdade. Mas explica isso a minha família tradicional que,


vira e mexe, surge com papo: e o casamento?

— Ainda bem que desse mal eu não sofro. — Gabi sorriu, seus
pais eram divorciados e seu pai já havia se casado algumas dezenas de
vezes com mulheres mais novas.

Ouvimos batidas na porta, antes de ela ser aberta. Eram Thalita e


Cátia.

— Chamou? — Thalita disse com apenas a cabeça para dentro do


quarto.

— Sim, entrem! — respondi.

— Olá — Thalita cumprimentou e recebe um sonoro “olá” de


volta.
— Boa tarde, quanta mulher bonita! — Cátia comentou.

— Só tenho amiga gostosa, inclusive você! — Abracei a mulher


que estava sendo meu braço direito.

— Meninas, aqui, coloquem seus nomes. — Lu entregou os


adesivos. Cátia imediatamente correu para escrever.

— Thalita, me salva! Diz que não possui o mesmo desespero de


todas elas para colar seu nome na barra do vestido da noiva! — Gabi
implorou, arrancando dela uma gargalhada.

— Gabi! — Sol repreendeu. — Thalita, não dê ouvidos a ela! —


diz, sorrindo.

Todos os olhos recaíram sobre Thalita e Gabriela. Gabi não


gostava de fazer nada sob pressão e Thalita, apesar de amar meu
irmão e estar muito perto de ser pedida em casamento, não era a
maluca dos casamentos, como minha amiga Sol.

— Thalita, acho melhor escrevermos logo nossos nomes, antes


que sejamos fuziladas — Gabi disse com uma risada alta. Ambas
escreveram. — Estive pensando... Todas vocês querem casar por que
possuem homens desejados pela maioria da população. Fernando,
com todo respeito Thalita, é intelectual, educado e gostoso pra
caralho. — Minha cunhada sorriu e concordou com a cabeça. —
Emerson — ela continuou — é o tipo bad boy tatuado, personal trainner,
um metro e oitenta de tentação e gostosura. João Pedro, cara Soraia, é
um príncipe em um corpo de um gostoso. Marcos...

— Andou observando meu homem? — brinquei, sorrindo.

— Marcos é o meu número, desculpa, amiga! Cara de cafajeste,


sorriso diabólico, romântico, passional e engraçado. Partiu ménage,
Fernanda?

— Propondo ménage a uma mulher grávida?

— Por que não? Dizem que as grávidas são mais sensíveis aos
estímulos sexuais. — Nisso ela estava certa. — Está considerando a
hipótese, amiga? — perturbou.

— Não me comprometa na frente da minha cunhada. — Sorri.

— Thalita, se você conhecesse o passado dela...

— Meu passado me condena tanto quanto o seu, Gabi.

— Mas eu não escondo.

— Também não. Só não fico espalhando por aí...

— Eu também nunca contei a ninguém nossa aventura com os


gêmeos alemães.

— Gêmeos? — Sol perguntou, curiosa.

— Num passado distante! — falei, fuzilando Gabi.

— Sim, bem distante — concordou, sorrindo.

— Que tal um brinde ao casamento da Fê? — Lu interrompeu,


abrindo o frigobar do quarto. Só havia refrigerantes e sucos. — Diante
das opções, vamos de refri — disse, sorrindo. Distribuiu as latinhas de
refrigerante. Nunca pensei que brindaria no dia do meu casamento
com refrigerante, ainda mais em latinha.

— À felicidade da Fernanda — Sol puxou o brinde.


— Aos bons momentos — Gabi continuou.

— Aos encontros — completei e todas brindamos com nossos


refrigerantes.

Após o brinde, meu pai apareceu, avisando que a hora tão


esperada havia chegado. As meninas desceram para a entrada delas.
Marcos entraria em seguida, depois seria a minha vez. Entramos no
elevador, nada de me cansar descendo as escadas para minha entrada,
seria triunfal, mas a minha maneira. Respirei fundo segundos antes da
porta se abrir

Mariana, amor, aguenta só mais um pouquinho.

Assim que saímos do elevador, vi o Marcos do outro lado da sala


me esperando, ansioso. Ele usava um terno cinza grafite, camisa da
mesma cor e gravata prateada. Estava lindo. Mais lindo ainda era o
seu olhar em minha direção. Olhar de paixão, desejo e amor. Senti-me
despida com seu olhar. Um olhar que capturava não só o meu corpo,
mas a minha alma.

Fiz o percurso lentamente, olhando apenas para ele. Os seus


olhos me conduziram por todo o caminho. Cantei cada trecho da
canção da minha entrada para ele, cada palavra era para ele, assim
como o meu olhar de emoção e o sorriso bobo que estava nos meus
lábios.

Chegamos ao momento dos votos. Marcos segurou com


delicadeza minha mão esquerda e me olhou por um longo tempo,
antes de respirar fundo e começar:

— Em primeiro lugar, eu te amo. Te amo como nunca amei


ninguém. Te amo de um jeito que não consigo mais pensar em minha
vida sem você. Sempre achei que estava imune a esse tipo de
sentimento, que minha vida seria uma vida de pegações e paixões
tórridas. Até você aparecer. Você me conquistou desde a primeira
resposta mal-humorada, me fascinou no dia que pisou naquela sala de
reuniões e tornou-me seu quando transamos pela primeira vez. Mas
você tinha que fazer jogo duro, tinha que tornar minha vida um
inferno. Afinal essa é a Fernanda Albuquerque pela qual eu me
apaixonei... Precisei usar todo meu poder de argumentação e charme
para invadir a fortaleza do seu coração. Toda vez que eu achava que
tinha te conquistado, você me passava uma rasteira e eu voltava a
estaca zero. Você poderia ter sido mais doce, né, amor? — Sorri
perante seu comentário. — Só que o destino costuma brincar com as
pessoas e colocou em nossa vida a Mariana. Ela chegou para ser uma
aliada. — Sua mão acariciou a minha barriga. — Para me ajudar a
cada dia conquistar um espaço no seu coração. Eu já disse isso várias
vezes, mas ainda não foi o suficiente: você me deu o melhor presente
da vida. Obrigado, amor, pela nossa filha.

Nesse momento não contive as lágrimas e ele as enxugou com o


dorso da mão. Visivelmente emocionado, Marcos prosseguiu com
uma voz rouca:

— Em breve nós seremos uma família. A nossa família. Quero cuidar


de vocês como se fossem minha própria vida. Quero me entregar, me
dedicar e crescer ao seu lado. Quero ser o seu esposo, seu cúmplice,
seu amante, seu amigo, seu porto seguro. Quero simplesmente ser
seu. — Seus olhos estavam marejados e sua voz falhou. Lágrimas
escapavam dos meus olhos, mas o meu sorriso permanecia. — Acho
que essa é a hora que te prometo, né? Não prometo tranquilidade,
porque eu estaria mentindo, somos fogo e álcool, impulsivos e
apaixonados e eu gosto disso. Gosto desse jogo de gato e rato. Gosto
principalmente do sexo de reconciliação. Mas prometo sorrisos
espontâneos, gargalhadas, lealdade e, acima de tudo, amor, muito
amor.

Ele deslizou a aliança pelo meu dedo anelar e beijou minha mão.

— Que discurso foi esse? Você quer acabar comigo, né? — disse,
sorrindo.

— Fernanda, após o discurso apaixonado do Marcos, chegou a


sua vez — anunciou o juiz.

Sol entregou o meu celular, onde estavam escritos os meus votos.


As palavras ali escritas não chegavam nem perto da declaração de
amor que acabei de receber. Por isso, devolvi o celular a minha amiga
e deixei a emoção falar por mim. Segurando sua mão esquerda, iniciei
a minha fala:

— Eu nunca me vi presa a alguém, como estou a você, e não é só


por nossa filha. Mariana veio para ser o empurrão que precisávamos
para ficarmos juntos. Eu poderia usar todas as palavras do dicionário
para descrever o que eu sinto por você, mas ainda assim seriam
insuficientes para traduzir o quanto eu te amo. Recordo do primeiro
dia que nos vimos naquele bar, você ignorou minha cara de poucos
amigos e se aproximou; quando eu precisei assumir a presidência e
passei a conviver com você, foi foda! — O juiz de paz me encarou. —
Desculpe, mas nenhuma outra palavra descreve como eu me senti.
Suas investidas constantes me deixavam desconcertadas, eu queria
viver o momento, me deixar levar pelo seu sorriso, mas meu sexto
sentindo gritava que era cilada. Eu fiquei louca quando descobri que
estava grávida, não estava nos meus planos. Você não estava nos
meus planos. — Ele assentiu, sorrindo. — Eu não trilharia um melhor
caminho para mim sem você ao meu lado, o destino foi sábio ao
colocar você no meu caminho. Encontrei em você o companheiro de
todas as horas, o amor da minha vida. Sabe, Marcos, eu tenho muitas
dúvidas quanto ao que o futuro me reserva, mas independente do que
aconteça, eu quero ter você ao meu lado. Quero criar nossa filha ao
seu lado, quero curtir as baladas com você, quero te ver crescendo
ainda mais profissionalmente, quero envelhecer ao seu lado. O
casamento será nosso rito de passagem, deixaremos de ser dois para
sermos um — disse sem conter as lágrimas. Deslizei o anel em seu
dedo. — E para você nunca ter dúvidas: eu te amo. — Beijei sua
aliança. — Te amo. — Beijei sua mão. — Te amo. — Beijei sua testa. —
Te amo. — Beijei seu nariz. — Te amo. — Beijei seu queixo. — Te amo,
hoje, amanhã e pelos próximos cem anos. — Beijei seus lábios.

Um selinho casto, mas sua boca mordiscou os meus lábios e


adeus delicadeza. Em segundos estávamos nos beijando como se
nossas vidas dependessem daquilo. Nossos corpos reagiram...

— Eu vos declaro marido e mulher! — o juiz disse e

permanecemos nos beijando. — Pode continuar beijando a noiva. —


Risos e aplausos ecoaram no ambiente.

Desde o primeiro beijo, nos tornamos um do outro. E assim


continuaríamos, durante a vida inteira.

FIM
EPÍLOGO

Marcos Castro

Jogo da final da Libertadores. Portuguesa x River Plate. O


primeiro jogo no Canindé terminou em um empate sem gols,
deixando a decisão para o segundo jogo. Meus cunhados foram
assistir ao jogo na Argentina. Mesmo com ingresso comprado, não me
juntei a eles. Fernanda já passava da quadragésima semana de
gestação e Mariana poderia nascer a qualquer instante, restando
apenas que eu torcesse a quilômetros de distância, mas o meu amor
pela Lusa atravessava fronteiras. Iniciei meu ritual pré-jogo: estendi a
bandeira do clube na janela, ainda que sob os protestos de Fernanda,
vesti a cueca vermelha reservada exclusivamente para os jogos
decisivos e a camisa surrada que me acompanhava há sete anos.
Aumentei o volume da TV. Gostava de me sentir no estádio. Ritual
feito, só restava o jogo começar. E o Brasil estava representado em
campo pela Portuguesa, assim tínhamos um típico clássico mundial:
argentinos de um lado, brasileiro do outro. A Fê estava na cozinha
conversando com a Dita, passou o dia impaciente, reclamando de
dores nas pernas e do peso da barriga.

Comeeeeeeça a partida, o narrador anunciou.

— Bora Luuuuuuusa! — gritei sozinho no quarto.

O primeiro tempo do jogo foi de muitos "quaaaaaase", "acorda,


zaga" e diversos xingamentos. A Fernanda veio para o quarto no
início do segundo tempo, sentando-se com dificuldade ao meu lado
na cama. O barrigão de nove meses dificultava seus movimentos, em
contrapartida, ela estava ainda mais linda assim. Ela mal olhava para
a TV, estava absorta com as músicas no seu iPod. Esbravejei após o
atacante perder um gol feito e a Fernanda reprovou meu grito com
um olhar; ela detestava futebol e considerava tal amor algo exagerado,
ela nunca entenderia, por isso nem argumentava.

— Tudo bem? — indaguei quando levantou.

— Xixi pela quarta vez em uma hora.

Caminhou até o banheiro lentamente, com a mão apoiada na


barriga, e bateu a porta. Voltei minha atenção para a TV: ataque do
River, mais o bobeio da minha zaga e o adversário marcou um gol do
caralho. Pulei da cama xingando alto de raiva. Aproximei-me da TV,
meu time tinha trinta minutos para virar o jogo.

— Vamos, Lusa! — incentivei, de pé na frente da TV, aos berros


quando o ataque começou, os passes estavam perfeitos!

— Marcos, a bolsa estou...

— GOOOOOOOL, PORRA! CHUPA, ARGENTINOS!!!!

— Marcos. — Fernanda vinha em minha direção. Corri até ela e a


beijei, comemorando o gol. — Marcos! — Dessa vez ela gritou. — A
bolsa estourou!

— Eu compro outra pra você, amor. — Peguei o celular para


mandar mensagem para os caras.

Vamos ganhar essa porra!


— Marcos. — Ela segurou minha mão e cravou as unhas ali. —
Mariana vai nascer agora!

Ouvir o nome da minha filha fez meu coração bater ainda mais
acelerado.

— Nascer? Agora? — perguntei, confuso, as palavras não tinham


sentido, pareciam se embaralhar na minha mente.

— Não, Marcos, ano que vem! Claro que é agora. — Ela arfou. —
Liga para a obstetra... Diz que a bolsa estourou.

— Ligar? Onde está o meu celular? Não ensaiamos e deveríamos


ir ao hospital? — Corri para pegar a bolsa da bebê e as chaves do
carro. — Dita, socorro! — gritei a plenos pulmões.

— Não vai surtar! Se tem alguém prestes a fazer isso, sou eu que
estou sendo castigada por contrações... Celular na sua mão. —
Apontou. — Claro que temos que ir ao hospital. Ou quer que ela nasça
aqui no quarto?

Tive que tentar três vezes até consegui desbloquear, procurei o


número da agenda e liguei, mas só dava caixa postal.

— Caixa postal! Pra que ser serve um caralho de um telefone se


vive na caixa postal? — gritei com o aparelho. — Vamos para o
hospital, Fernanda!

— Você vai assim? — Apontou para mim e só aí notei que estava


usando apenas a camisa da Lusa e a cueca boxer vermelha.

Pulei dentro da primeira calça jeans que achei e calcei uma


sandália de dedos mesmo. Ela gritou de dor e meu coração doeu.

— Não invente que eu preciso tirar essa camisa, as contrações


estão aumentando? Segura minha mão, amor... Vai dar tudo certo.

— Sua mão é analgésico agora? — esbravejou.

— Vamos logo, quanto mais você se irritar, mais dor sentirá.


Você precisa relaxar, eu li isso... — Procurei sua bolsa e coloquei em
meu ombro, segurei-a pela mão, conduzindo-a para fora do quarto.

— Tá, Marcos, vamos logo! Tenta ligar novamente para a


obstetra — disse quando estávamos descendo pelo elevador. — Dita,
avisa aos meus pais que estou indo para a maternidade — pediu
quando chegamos a sala.

— Que nossa senhora do bom parto te dê uma boa hora, menina.


— Beijou o rosto de Fernanda.

— Amém! — disse, conduzindo Fernanda até o carro.

Ajudei-a sentar no banco e ajustei o cinto de segurança para que


incomodasse o mínimo possível.

— Confortável, amor?

— Essa é a hora que tenho que dar a resposta fofa e dizer "ao seu
lado tudo fica bom"? — Ela me encarou.

— Não, essa é a hora em que dirijo rapidamente até o hospital.


— Fechei a porta e dei a volta para ocupar a direção.

Deixei o carro morrer antes mesmo de sair da garagem. Calma,


Marcos.
— Acho melhor chamar um táxi, eu aguento esperar. —
Contorceu-se de dor e apertou firme minha coxa.

Respirei fundo. Girei a chave e tentei mentalizar o rostinho da


minha princesa.

— Não precisa, eu serei o responsável por levar os meus amores


para o momento mais lindo da minha vida. — Ignorei a dor que suas
unhas faziam na minha perna e pus o carro em movimento.

O difícil foi dirigir rápido e manter a calma para não me


envolver em nenhum acidente. Boa parte do trajeto foi feito sob
gemidos e beliscões no meu braço, avancei alguns sinais amarelos e,
assim que avistei a maternidade, soltei um suspiro de alívio.
Estacionei o carro na rampa de entrada, local indevido, mas acenei
para o segurança, que assentiu e chamou um enfermeiro ao notar a
mulher grávida.

O enfermeiro se aproximou trazendo uma cadeira de rodas, que


Fernanda se recusou a usar.

— Não vou entrar na maternidade numa cadeira de rodas.

— Senhora, será mais confortável, o centro cirúrgico fica no


primeiro andar. — As palavras "centro cirúrgico" me fizeram suar frio.

— Fernanda, senta logo nessa cadeira! — Fui firme e ela


obedeceu sem contestar, deveria estar sentindo muita dor mesmo.

Enquanto eu preenchia a papelada na recepção, ela foi levada


para a sala pré-parto. Merda de burocracia. Assinei inúmeros
documentos sem realmente ler, apresentei os documentos que
estavam na carteira dela e quando estava devidamente registrado
como acompanhante da paciente, a minha entrada foi liberada.

Ouvi Fernanda resmungando do lado de fora, seu som era


música para meus ouvidos, era possível ouvir ao longe o grito das
outras mulheres. Entrei na sala e ela me ofereceu um sorriso fraco.

— Isso é analgésico? — Apontei para o cateter preso ao seu


braço.

— Antes fosse, é um remédio para aumentar as contrações...

— Por isso elas gritam feito loucas! — concluí.

— Em breve sua esposa também estará assim — uma enfermeira


de cara fechada disse ao aumentar a dose que a Fernanda recebia.

— A Dra. Heloísa está aqui na maternidade, me informei na


recepção, hoje é o plantão dela. — Fernanda assentiu com a cabeça
antes de gemer de dor.

— Por que me apoiou quando optei pelo parto normal? — Sua


voz saiu estridente.

— Porque você disse que a recuperação era rápida, era melhor


para nossa filha e...

— Eu sei o que disse, mas você podia contestar às vezes.

— Mas...

— Mas nada, Marcos, não solta minha mão. — Acariciei sua mão
e ela apertou com força.

Uma enfermeira se aproximou, vestiu um par de luvas e colocou


a mão entre as pernas de Fernanda, sob a roupa que nem percebi
haviam trocado.

— Vamos lá, mamãe?

— Eu vou junto! — sentenciei.

— Quando o médico autorizar, o senhor poderá entrar para


acompanhar o parto.

A maca começou a ser conduzida em direção a saída. Não


larguei sua mão até que chegamos a entrada do centro cirúrgico, a
partir dali eu não poderia avançar. Sem soltar sua mão, beijei sua
testa.

— Vai dá tudo certo, amor! Nossa princesa está chegando. —


Minha voz saiu trêmula e baixa.

— Marcos, se acontecer algo comigo... — Não a deixei completar


a frase.

— Fernanda, já deu tudo certo, estarei ao seu lado lá dentro.

— Amor, me escuta... Se acontecer algo comigo, promete que vai


cuidar da nossa filha e ser muito feliz? — Seus olhos marejaram.

— Cuidarei de vocês e aí, sim, serei feliz.

— Marcos, só promete.

— Não.

— Por favor — suplicou.

— Fernanda...

— Senhora, nós precisamos entrar.


— Marcos... — Interrompi seu protesto com um beijo,
encostando minha boca na sua. Não consegui prometer o que ela
havia pedido, me doía só a ideia de perder uma das duas. Lágrimas
escaparam dos meus olhos enquanto a beijava e eu não era o único
que chorava.

— Te amo, nunca esqueça disso, babaca-love.

— Eu que te amo, amor — sussurrei e ela foi arrastada para


dentro da sala.

Onde estava o tutorial paterno que ensinava o que fazer durante


o nascimento dos filhos? Eu andava de um lado para o outro no
corredor de espera, não desgrudava o olhar do centro cirúrgico. E essa
demora? Por que ninguém vem autorizar minha entrada? Será que ela
está sentindo muita dor?

Algum tempo depois, uma eternidade para mim, minha entrada


foi autorizada.

— Marcos Castro, pronto para acompanhar o momento mais


importante da vida de um homem? — o enfermeiro me perguntou,
enquanto eu passava pelo processo de higienização. Por mais que
estivesse ansioso para entrar na sala, não reclamei do procedimento.
Não queria que nada contaminasse meus amores

— Você já é pai?

— De três meninos — disse, orgulhoso.

— Acompanhou o parto dos três?

— Sim, é mágico o momento, ver o rostinho deles, ouvir o choro


anunciando a vinda ao mundo.

— Deve ser mesmo.

— Tá tenso, né?

— Muito!

— Fica tranquilo, para passar segurança a sua esposa.

— Tem algum uísque por aí?

— Calma, senhor. — Sorriu.

— Você fala isso porque já está acostumado.

— No nascimento do meu primeiro filho eu cheguei a desmaiar,


acredita?

— Porra!

— Porra mesmo! — Gargalhou. — Não conte a ninguém que eu


falei palavrão, eu deveria ser profissional.

— Obrigado por me deixar à vontade. — Ele me conduziu até a


sala.

A sala era irritantemente branca, talvez a intenção fosse deixar as


mulheres calmas, mas estava aumentando o meu nível de ansiedade.
Diversos equipamentos estavam a postos, monitores cardíacos,
medidores de pressão e alguns outros que não quis olhar; se fossem
usados não seria um bom sinal. Concentrei-me na maca inclinada.
Fernanda estava rodeada de pessoas, não consegui visualizar seu
rosto e paralisei quando seu grito ecoou pela sala. Matava-me saber
que estava sentindo dor, mesmo que essa dor representasse o
nascimento de Mariana.

Filha, seja boazinha com a mamãe.

— Marcos, pode se aproximar — a obstetra disse assim que me


viu imóvel.

— Amor? — Sua voz saiu fraca. Respirei fundo e mentalizei:


controla esse nervosismo, porra!

— Estou aqui, amor. — Aproximei-me, beijando sua cabeça, ela


suspirou aliviada.

— Fernanda, estamos com dez centímetros de dilatação.

— O que isso significa? — perguntei, assustado.

— Que sua filha pode nascer a qualquer momento.

— Qualquer momento, tipo...?

— Agora! — Fernanda agarrou minha mão com força.

— Vamos lá, mamãe, chegou a hora de entrar em ação! Faça o


máximo de força que conseguir. — Fernanda respirou fundo e fez
força. — Isso mesmo, Fernanda, empurre essa menina para fora! — A
médica incentivava.

Fernanda continuou seguindo o que a médica dizia. Vez ou


outra respirava fundo; esse esforço durou um longo tempo, seu rosto
estava vermelho e suado. As mulheres são verdadeiras guerreiras por
aguentar a dor do parto. Acariciei sua mão.

— Mais uma vez, Fernanda, agarre a lateral da cama se precisar.

— Pode apertar a minha mão, amor...


Ela apertou forte e gritou intensamente, meus dedos foram
praticamente esmagados, lágrimas rolaram pelo canto dos seus olhos.
De repente, um choro agudo preencheu a sala, um choro estridente
que soou como a mais bela canção que os meus ouvidos já escutaram.
O primeiro som emitido pela minha filha.

Lágrimas escaparam dos meus olhos, tentei enxergar minha filha


nas mãos da obstetra, mas não consegui. Olhei para Fernanda, que
chorava e sorria ao mesmo tempo.

— Nossa menina nasceu, amor — sussurrei com emoção.

O sorriso da Fernanda era banhado por lágrimas, o que só o fazia


irradiar ainda mais. Beijei sua testa suada e sua boca salgada por
nossas lágrimas.

— Marcos, venha dar as boas-vindas a sua princesa. — Fui até a


médica, que me esperava para cortar o cordão umbilical.

— Bem-vinda ao mundo, meu amor. — Meus dedos tremeram,


mas consegui cortar. Ainda não tinha conseguido vê-la direito, apenas
que estava suja e chorava muito.

Voltei para o lado da minha esposa. Permanecemos de mãos


dadas, aguardando o momento de ver o rostinho da nossa princesa.
Será que herdou os olhos verdes da mãe ou os meus olhos escuros?
Vai possuir o gênio da Fernanda ou será mais descolada, como o
papai? Já estava ansioso para vivenciar tudo isso.

A obstetra se aproximou trazendo nossa pequena nos braços e


colocou a Mari sobre o corpo da mãe. Contive as novas lágrimas para
capturar a imagem das duas mulheres da minha vida, juntas pela
primeira vez. Eu observava completamente tomado de amor.

— Oi, filha! — ela falou entre lágrimas. — Mamãe não via a hora
de ver seu rostinho. — Sua mão delicadamente acariciou Mariana.

Eu estava atônito. Esperei tanto para ter a minha pequena nos


braços e agora, a poucos centímetros dela, eu estava paralisado. Em
êxtase. Lágrimas furtivas molharam o meu rosto, ao mesmo tempo
que um enorme sorriso não saia da minha boca.

— Filha, essa é a segunda vez que você deixa o papai sem


palavras — Fernanda informou.

— Ela é linda — consegui pronunciar.

— Marcos, obrigada por me tornar mãe. — Ela me olhou. — Te


amo!

— Eu quem devo agradecer todos os dias, sou pai de uma filha


sua. Amo vocês! – Selei esse momento com um beijo tenro em minha
pequena, depositei meus lábios calmamente sobre os da minha
esposa.

O movimento involuntário de um sorriso surgiu nos nossos


lábios, ela também devia estar se perguntando quanto tempo duraria
essa calmaria.

Fernanda Albuquerque
Minha filha nasceu. A minha união com o Marcos estava
aninhada no meu colo. Não contive as lágrimas e chorei de felicidade.
Marcos, por sua vez, também não conteve a emoção; éramos nós que
parecíamos dois bebês chorões. Nossa princesinha permanecia
tranquila, enquanto os papais babavam.
Eu soube realmente o que era ser mãe quando ouvi o primeiro
som vindo de Mariana. Um choro que capturou todos os meus
sentidos, que anunciou o seu nascimento. Um som que aguçou em
mim um instinto protetor, até animalesco. Ao ouvi-la, compreendi o
que era amar alguém mais que sua própria vida. O contato das nossas
peles, o calor que emanava dos nossos corpos e os nossos corações
batendo no mesmo ritmo acelerado, fizeram-me chorar mais uma vez.

Ainda no centro cirúrgico, amamentei minha menina pela


primeira vez. Eu a olhava com verdadeira adoração. A boca pequena
sugando-me com ânsia, o cabelo ralinho e preto. A expressão serena, a
pele bronzeada do pai e os olhinhos verdes como os meus.

Após o parto, eu fiquei exausta, mas não conseguia fechar os


olhos, esperava que trouxessem Mariana para o quarto em que estava,
não entendia por que os bebês tinham que ir para o berçário... Eu já
sentia falta do contato com minha filha. O cansaço acabou falando
mais alto e adormeci mesmo contra a minha vontade. Quando
despertei, Marcos dormia em um sofá que mal comportava seu corpo,
no canto do quarto.

— Marcos — chamei baixinho.

— Aconteceu alguma coisa? O que você está sentindo? —


Acordou sobressaltado e correndo em minha direção.

— Calma! — Sorri. — Está tudo bem. — Suspirou, aliviado. — Te


chamei para que vá descansar em casa, estamos bem.

— Não se preocupe, o sofá é confortável. — Notei que mentia


quando se esticou e fez uma careta de dor.
— Pode ir passar a noite em casa, amanhã preciso de você inteiro
para cuidar de mim e da Mari.

— Avisei aos seus pais que deu tudo certo no parto, sua mãe
disse que na primeira hora do dia estará aqui para ver a neta.

— Ela surtou de felicidade, né?

— Sim, mas seu pai surtou bem mais. — Sorri. — Até nota
anunciando o nascimento da neta ele já fez questão de soltar na
imprensa. — Sorrimos juntos.

— Não tem jeito de te convencer a ir embora, né?

— Não, então melhor nem se cansar argumentando.

— Então deita aqui. — Apontei para o espaço ao meu lado.

— Fernanda... — Ele ponderou.

— Isso não é um pedido, é uma ordem, vem! — Minha voz saiu


suave e ele sorriu.

— Ainda acho que não é prudente. Eu posso te machucar sem


querer...

— Impossível, você me trata como seu fosse um bem precioso.

— E é, a joia rara que lapidei com cuidado. — Aproximou-se da


cama. — Descansa, amor, você não dormiu quase nada — falou
quando notou meu bocejo.

— Só vou descansar quando deitar aqui comigo.

Aguardei alguns segundos antes dele passar as mãos pelos


cabelos, gesto que ele fazia sempre que se via obrigado a atender um
pedido meu. Ele abriu o sorriso de “você venceu mais uma vez” e,
com cautela, acomodou-se lentamente ao meu lado, tão no canto que
poderia cair se eu soprasse. Com o mesmo cuidado, movi-me
vagarosamente para depositar minha cabeça em seu peito.

— E o resultado do jogo? — perguntei.

— A Lusa perdeu nos pênaltis.

— Sério? — perguntei, incrédula. Ele estava tão feliz.

— Sim, já está em todos os sites esportivos — respondeu


tranquilamente. — Resolveu se interessar pela Lusa, também? —
Sorriu.

— Te amo, mas não a esse ponto. — Sorri de volta. — Só


estranhei o fato de você não estar triste, sei o quanto é fanático pela
Lusa...

— Amor, minha filha nasceu. Não vejo um único motivo para


lamentar o dia de hoje.

Ele beijou o topo da minha cabeça e começou a falar o quanto


Mari era linda e tudo o que pretendia fazer para afastar os futuros
pretendentes da filha... Adormeci ao som da sua voz.

***

— Bom dia. — Uma voz feminina nos despertou.

— Bom dia! — respondemos juntos.

— Aquele sofá não é confortável, né? — A enfermeira se


aproximou sorrindo e empurrando o berço com um balão rosa que
combinava com a roupinha da minha princesa.

— Não mesmo — Marcos respondeu, levantando da cama,


dando-me um beijo. — Bom dia, filha, dormiu bem? — Mariana
pareceu reconheceu a voz do pai e ficou agitada.

— Filha, já reconhece a voz do papai, né? Espera só a mãe contar


o que ele já andou planejando para afastar seus paqueras. — Sorri.

— Ouve bem, Mari, porque o papai aqui não vai pegar leve com
esses aproveitadores.

— Já pensou se ela for festeira, como nós?

— Não! — protestou, batendo no criado-mudo para afastar essa


possibilidade. — Ela será calminha.

— Vai herdar essa calma de quem, babaca-love? — Sorri. —


Prepare o coração, porque Mariana veio para causar.

— Não acho a mínima graça — falou, fechando a cara e indo


para o banheiro.

Recebi flores das minhas amigas e as primeiras visitas foram dos


meus pais, que estavam super babões e falantes, não desgrudaram da
neta durante o tempo que permaneceram conosco. No fim da tarde,
meu irmão gêmeo veio com a Thalita.

— Que princesa mais linda! — Thalita disse ao ver Mariana nos


braços do pai.

— Linda, né, gata? — Sorri, o Marcos não perderia esse costume.

— Fernanda, você está ótima, tudo bem? — perguntou,


aproximando-se.

— Tudo sim, obrigada pelas flores — agradeci pelas orquídeas


que decoravam o ambiente.

— Demoramos porque a Thalita vasculhou o shopping inteiro


até encontrar o presente, gastou mais tempo nisso do que eu para
voltar da Argentina.

— Eu não iria presentear minha sobrinha com qualquer coisa —


defendeu-se.

— A presença de vocês já é um presente — comentei, sorrindo, e


era a mais pura verdade.

— Concordo, mas estou curioso para ver o presente da tia


Thalita! — Marcos disse, sorrindo.

— Compramos presentes para todos, o primeiro da Fernanda e


da Mari. — Abri a embalagem que continha dois pijamas cor de rosa
estampados por mini coroas. O meu havia escrito no centro “Rainha”
e o da Mariana, “Princesa”.

— Adorei, Thalita! Você acertou em cheio. Vamos usar assim que


chegarmos em casa.

— Esse é para o papai. — Ela abriu a embalagem, já que o


Marcos segurava Mariana no colo.

Era uma camisa esportiva vermelha e verde, que presumi ser da


Portuguesa, abaixo do escudo da Portuguesa, havia o nome
“Mariana” bordado. Marcos ficou feliz quando viu.

— Caralho! Desculpa, filha. Essa vai virar a minha camisa da


sorte.

— Mostra as costas a ele, amor. — Atendendo ao pedido do


Fernando, ela virou a camisa e meu marido soltou um “puta que
pariu” audível e dessa vez sem constrangimento. Não entendi o
porquê da reação. De onde eu estava, não conseguia ver o que tinha
de tão especial no fundo.

— Felipe conseguiu o contato com a repórter do "Portuguesa TV"


e tivemos acesso à pré-seleção. Aproveitei e pedi para os jogadores
autografarem a camisa — meu irmão disse, sorrindo.

— Valeu mesmo, Fernando, vou emoldurar e colocar na sala, os


caras vão pirar quando virem.

— Fernanda, acho que sua casa acaba de receber uma decoração


esportiva. — Thalita sorriu.

— Adeus decoração clean! — lamentei, sorrindo.

— Amor, o que você acha da Thalita ser madrinha da Mari?

A pergunta do Marcos me pegou desprevenida. Nada contra a


Thalita, pelo contrário, havíamos nos tornando mais próximas, mas a
questão é que já seria difícil escolher apenas uma das minhas amigas...
Como se adivinhasse meus pensamentos, ela respondeu.

— Marcos, agradeço o convite, mas tenho certeza que tia Sol já


está na fila há mais tempo! — disse, oferecendo um sorriso cúmplice.

— Thalita...

— Tranquilo, Fernanda, tenho certeza que em breve teremos


mais um bebê a caminho e desde já me coloco na fila para ser
madrinha.

— É só a Mariana completar um aninho que já encomendamos o


próximo, não é, amor?

— Lembrete: comprar um estoque de preservativos. — Meu


comentário provocou um riso coletivo.

— Posso escolher o padrinho pelo menos? — Marcos indagou,


brincando. — Fernando Albuquerque para padrinho é uma ótima
opção, não é, filha? Imagina só os presentes, viagens anuais a Disney...

— Quanto desinteresse da sua parte. — Meu irmão sorriu.

— Agora sério, aceita ser padrinho da Mariana?

— Nem precisa perguntar duas vezes.

— Filha, você terá os dindos mais lindos do mundo — anunciei.

— Fala isso pela Soraia, né? — Meu marido não perdia a chance
de provocar meu irmão.

— Sol é gata, mas meu namorado é muito mais — Thalita


defendeu Fernando, sorrindo.

Felipe se juntou a nós pouco tempo depois e foi logo acusando o


Marcos de trairagem por não ter sido chamado para ser o padrinho;
Marcos logo contornou a situação, dizendo que ele seria padrinho do
próximo herdeiro e iria fazer par com ninguém mais ninguém menos
que a advogata. Fernando, claro, não gostou nada quando Felipe
começou a perturbar que eles formariam um belo par no altar no dia
do batismo.
***

— Finalmente a sós. — Suspirei quando entrei no nosso quarto e


deitei ao lado de Marcos na cama. Passava das onze horas da noite
quando Mariana adormeceu.

— Exausta, né, amor?

— Mais feliz que exausta. — Sorri e me aconcheguei no seu


corpo.

— Quer que eu faça uma massagem para relaxar?

— Massagem significa suas mãos no meu corpo... Melhor não. —


Sorri. — Quero só ficar abraçada assim juntinho com você.

— Tenho um presente para você.

Ele esticou a mão sobre o criado-mudo e pegou uma pequena


caixa preta. Abriu a caixa e vi uma linda corrente de ouro com um
pingente de uma mulher e uma menina de mãos dadas. As duas
bonequinhas usavam vestidos preenchidos por pequenos diamantes, a
joia era lindíssima e delicada. Ele mal me deu tempo de agradecer e já
foi afastando meu cabelo para depositar em meu pescoço.

— É linda — murmurei.

— Não mais que vocês.

— Já te disse que te amo?

— Hoje ainda não. — Ele sorriu.

— Então vou te contar um segredo: eu te amo tanto, Marcos


Castro Albuquerque, que ficaria grávida novamente só para reviver
cada felicidade que foi a gestação de Mariana ao seu lado! — sussurrei
em seu ouvido e me afastei, mordiscando o lóbulo da sua orelha.

— Daqui a quarenta dias podemos começar a pôr em prática esse


plano. — Ele sorriu com malícia.

— Quarenta longas noites... — Sorri. — Tenho ideias de como


preencher essas noites. — Mordi o seu lábio inferior com uma leve
pressão. Ele tentou protestar, mas invadi sua boca com minha língua.

— Fernanda... — Suspirou. Eu ignorei seu pedido fraco e


continuei provocando-o com minha língua. O choro de Mariana
preencheu o ambiente por meio da babá eletrônica e não pude
ignorar. Afastei nossas bocas, relutante.

— Acho que Mariana também tem ideias de como preencher


nossas noites. — Ele sorriu, levantando-se para ir ver nossa menina.

Como um bom pai de primeira viagem, ele não conseguiu deixar


nossa pequena dormir sozinha, então acabou trazendo-a para nossa
cama. Agora os dois dormiam relaxados e eu observava meus amores
ali, pertinho de mim. E era assim que eu queria que
permanecêssemos. Juntos e felizes. Pelo resto dos nossos dias.
Nota da Autora

Nossa, esses dois deram um trabalhão, hein? Obrigada por terem


chegado aqui! João Pedro e Soraia tinham um capítulo nesse livro,
mas para que não ficasse muito extenso, optamos por retirar! Mas
CALMA! Vocês podem ler gratuitamente lá no nosso perfil no
Wattpad (@AnePimentel). Vocês encontrarão lá, também, um conto
sobre o primeiro dia dos namorados desse casal explosão.
Sigam-nos os bons! Nas nossas redes sociais vocês ficam por
dentro de todas as nossas novidades. Estamos no Instagram
(@autoraanepimentel), no Facebook (Autora Ane Pimentel) e no
Wattpad (@AnePimentel).
Estão preparados para conhecer a história do nosso fedelho,
Felipe Albuquerque? Não deixem de conferir Carpe Vita.
Amamos vocês,
Ane Pimentel.
Agradecimentos:

Não cansamos de agradecer ao destino, que propiciou o encontro


de duas gêmeas de alma. Cada palavra, ideia, personagem e cena são
realizados em completa sintonia. O filtro, ou a falta dele, para escrever
é o mesmo. Somos loucas, sonhadoras, amantes dos livros e das
palavras. E o resultado dessa loucura toda pode ser vista no que
escrevemos. Esse é o maior motivo de gratidão.
Além disso, não podemos deixar de agradecer as nossas
pimentinhas, que embarcaram mais uma vez nas nossas loucuras.
Riram, choraram, reclamaram e elogiaram Destino. Vocês são
incríveis. Esse livro é para vocês.
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