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PARTE II

EXERCÍCIO DO PODER ADMINISTRATIVO

MÓDULO IV PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO

1. Noção

A ação da Administração Pública constitui um resultado. Esta conceção pressupõe que toda a
ação administrativa seja precedida de um conjunto de atos, lógica e sequencialmente
ordenados segundo uma tramitação, em ordem à produção de um determinado resultado –
designadamente, um regulamento administrativo, um ato administrativo ou um contrato
administrativo –, dando corpo ao procedimento administrativo

O Procedimento Administrativo pode ser definido como o caminho ou a via através do qual a
Administração Pública pode obter uma decisão. É, por isso, através deste procedimento que
a Administração é capaz da formação e da expressão de uma vontade.

A atividade administrativa não se esgota na tomada de decisões, visto que antes e depois de
cada decisão há sempre um conjunto de passos a tomar, sejam eles atos preparatórios a
praticar, estudos a efetuar, averiguações a fazer, exames e vistos a realizar, informações e
pareceres a recolher, etc.
A atividade da Administração Pública é, em larga medida, uma atividade processual, isto é,
sobre cada assunto, começa num determinado ponto e depois caminha por fases, desenrola-
se de acordo com um certo modelo, avança pela prática de atos que se encadeiam uns nos
outros e, pela observância de certos trâmites, de certas formalidades e de certos prazos que
se sucedem numa determinada sequência. Chama-se a esta sequência o procedimento
administrativo.
O procedimento administrativo é, assim, a sequência juridicamente ordenada de atos e
formalidades tendentes à preparação e exteriorização da prática de um ato da Administração
ou à sua execução

O artigo 1º da Lei do Procedimento Administrativo (LPA) define procedimento administrativo


como a sucessão ordenada de atos e formalidades tendentes à formação e manifestação da
vontade da Administração Pública, ou à sua execução.

2. Objetivos da regulamentação do procedimento administrativo

Os objetivos da regulamentação jurídica do procedimento administrativo são os seguintes:

Þ Disciplinar o desenvolvimento da atividade administrativa, procurando assegurar uma


racionalização dos meios, evitando a burocratização e aproximar os serviços públicos
das populações (princípio da eficiência);
Þ Esclarecer o melhor possível a vontade da Administração, de modo a que sejam
sempre tomadas decisões legais e adequadas ao dever de a Administração prosseguir
da melhor forma o interesse público (princípios da legalidade e da boa administração);
Þ Salvaguardar os direitos subjetivos e os interesses legítimos dos particulares, impondo
à Administração todos os cuidados e limites para que estes sejam respeitados ou,
quando devam ser sacrificados, evitando que sejam de forma ilegal ou excessiva
(princípio do respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos);
Þ Assegurar a participação dos cidadãos na formação de decisões que lhes digam
respeito (democracia participativa).

Em suma, a regulamentação jurídica do procedimento administrativo visa, por um lado,


garantir a melhor ponderação da decisão a tomar à luz da lei e do interesse público e, por
outro lado, assegurar o respeito pelos interesses e direitos legítimos dos particulares. As
normas que regulam o procedimento administrativo são típicas normas do Direito
Administrativo, que procuram conciliar as exigências do interesse coletivo com as exigências
legitimas dos interesses individuais.

3. Princípios Fundamentais do Procedimento Administrativo

a) Caráter documental: em regra o procedimento assume uma forma escrita. Esta


exigência é formulada quer em razão da necessidade de as decisões serem
suficientemente ponderadas, quer como forma de conservar para o futuro o registo
completo e seguro do que foi feito, do que se votou ou do que se disse. Portanto, a
cada procedimento administrativo corresponde um processo administrativo, pois
existe um conjunto de documentos em que se traduzem os atos e formalidades que
integram o procedimento administrativo.
b) Simplificação do formalismo: a lei traça algumas linhas gerais de atuação e algumas
formalidades essenciais, sendo o resto variável conforme os casos e as circunstâncias,
competindo à Administração conduzir o procedimento pelas formas que julgar mais
adequadas, dentro do respeito devido pelas regras legais e constitucionais. Nesse
sentido rege o princípio da adequação procedimental: na ausência de normas jurídicas
injuntivas, o responsável pelo procedimento goza de discricionariedade na respetiva
estruturação, que, no respeito pelos princípios gerais da atividade administrativa,
deve ser orientada pelos interesses públicos da participação, da eficiência, da
economicidade e da celeridade na preparação da decisão (19º LPA).
c) Natureza inquisitória: a Administração é ativa, goza do direito de iniciativa para
promover a satisfação dos interesses públicos postos por lei a seu cargo, não estando
em regra condicionada pelas posições dos particulares (18º LPA).
d) Princípio da desburocratização e eficiência: implica que a Administração se organize,
tanto quanto possível, de modo a possibilitar uma utilização racional dos meios ao seu
dispor, simplificando o mais possível tanto as suas operações próprias como o
relacionamento com os particulares (19º LPA).
A eficácia e eficiência da Administração requerem uma adequada concretização dos
seguintes aspetos:
- garantir a eficácia da ação administrativa;
- evitar a burocratização;
- aproximar os serviços públicos das populações;
- assegurar a celeridade das decisões administrativas;
- garantir a economia das decisões administrativas.
e) Colaboração da Administração com os particulares: considera-se que a melhor
prossecução das tarefas assumidas pela Administração impõe a colaboração
permanente daquela com os particulares. A Administração deve atuar em estreita
colaboração com os particulares, prestando-lhes as informações e os esclarecimentos
necessários (20º e 24º LPA).
f) Direito de informação dos particulares: este princípio impõe uma exigência de
publicidade e transparência da Administração Pública. Está em causa não apenas a
existência de garantias subjetivas dos administrados, mas também a previsão de
mecanismos que contribuam para a otimização da decisão administrativa e para o
controlo democrático do exercício do poder administrativo.
O artigo 20º exige dois requisitos para que exista direito de informação: que o
particular requeira a informação e que seja diretamente interessado no processo.
Este direito encontra-se ainda consagrado no artigo 24º LPA, no princípio da
administração aberta, que prevê o acesso aos arquivos e registos administrativos. Este
é um direito que existe independentemente de estar em curso qualquer
procedimento administrativo, e não pertence apenas aos cidadãos diretamente
interessados, as a todos aqueles que demonstrem um interesse legitimo em obter a
informação (jornalistas, biógrafos, etc.)
g) Participação dos particulares na formação das decisões que lhes respeitem: o artigo
14º LPA prevê que os particulares têm o direito de intervir pessoalmente no
procedimento administrativo.
h) Principio da decisão: encontra-se previsto no artigo 7º LPA, e estabelece a pretensão
de que a administração se pronuncie sempre que para tanto é solicitada pelos
particulares, e também facilitar a proteção dos particulares (ou qualquer pessoa
pública ou privada cuja posição jurídica esteja dependente de uma decisão
procedimental da competência de um órgão administrativo) em face a omissões
administrativas ilegais, garantindo, por exemplo, o direito de reagir em tribunal contra
a passividade administrativa pela existência de um dever legal de decidir.
i) Princípio da gratuitidade: previsto no artigo 8º LPA, que estabelece que o
procedimento administrativo é gratuito.

4. Espécies de Procedimentos Administrativos:

I. Quanto à iniciativa (17º LPA)

- Procedimentos de iniciativa pública: a Administração toma a iniciativa de


desencadear os procedimentos. Ex: procedimento destinado à realização de uma
obra pública, abertura de um concurso para preenchimento de uma vaga.
- Procedimentos de iniciativa particular: os particulares tomam a iniciativa de
desencadear os procedimentos. Ex: o procedimento de obtenção de uma
autorização, uma licença, um subsídio, etc.

II. Quanto ao objeto

- Procedimentos decisórios: têm por objeto preparar a prática de um ato da


administração. Podem ser de 1º grau ou de 2º grau, conforme visem preparar a
prática de um ato primário ou de um ato secundário.
- Procedimentos executivos: têm por objeto executar um ato da Administração. Ex:
procedimento pelo qual a Administração promove a demolição de um prédio que
está quase a cair, depois de ordenar o proprietário e este não o ter feito.

5. Procedimento decisório

O procedimento relativo a atos administrativos primários tem as seguintes fases:

I. Fase inicial

Esta é a fase que dá início ao procedimento. Este início pode ser desencadeado pela
Administração, através de um ato interno, ou por um particular interessado, através de
requerimento, como estabelece o artigo 17º LPA.
Se for a Administração a iniciar o procedimento, deverá comunicá-lo às pessoas cujos direitos
ou interesses legalmente protegidos possam ser lesados pelos atos a praticar no decurso do
procedimento e que possam ser identificadas desde logo (os interessados) (16º LPA).
Se for o particular a tomar iniciativa, deverá fazê-lo através da apresentação de um
requerimento escrito, do qual constem as menções indicadas no artigo 31º/1 LPA. Ver
também artigo 13º.

II. Fase da instrução

Esta fase destina-se a averiguar os fatos que se interessem à decisão final e, nomeadamente,
a recolher as provas que se mostrarem necessárias.
É uma fase largamente dominada pelo princípio inquisitório.
Cabe ao diretor da instrução averiguar todos os factos cujo conhecimento seja adequado e
necessário à tomada de uma decisão legal e justa dentro do prazo razoável, podendo recorrer
a todos os meios de prova admitidos em direito. Pode, também, determinar aos interessados
a prestação de informações, a apresentação de documentos ou coisas, e a colaboração
noutros meios de prova. De resto, sem prejuízo de averiguação oficiosa dos factos relevantes
por parte da Administração, cabe aos interessados provar os factos que tenham alegado.
Durante a fase de instrução pode ser ouvido o particular cujo requerimento tenha dado
origem ao procedimento ou contra quem este tenha sido instaurado

Em matéria de prova podem ser resumidas as seguintes regras:


- dever de averiguação dos factos por parte da Administração;
- admissão ampla de meios probatórios;
- livre apreciação da prova;
- desnecessidade de prova ou alegação de factos públicos ou notórios ou dos que o
diretor do procedimento, por força do exercício de funções, tenha conhecimento;
- ónus da prova a cargo dos interessados relativamente a factos que aleguem, sem
prejuízo do dever geral de averiguação a cargo da Administração.

III. Fase da audiência dos interessados

A audiência dos interessados é uma das mais importantes faces de dois princípios gerais: o
princípio da colaboração da Administração com os particulares e o princípio da participação.
A audiência prévia consiste no direito de os interessados participarem na formação de
decisões que lhes digam respeito.
Inclui a notificação dos interessados antes de ser tomada a decisão final sobre o sentido
provável desta, de modo que estes possam pronunciar-se sobre todas as questões com
interesse para a decisão.
O dever de notificar está previsto no artigo 25º e, por princípio, deve ser observado. No
entanto, existem casos em que essa notificação é dispensada, nos termos do artigo 26º,
quando sejam atos praticados oralmente na presença dos interessados ou quando o
interessado, através de qualquer intervenção no procedimento, revele perfeito
conhecimento do conteúdo desses atos. O artigo 27º estabelece o que deve conter a
notificação, o artigo 28º prevê que a mesma deve ser feita no prazo de 10 dias e o artigo 29º
estabelece que as notificações devem ser feitas pessoalmente, por ofício ou por telefone.

A falta de audiência prévia dos interessados, nos casos em que seja obrigatória, constitui uma
ilegalidade e traduz-se num vício de forma, por preterição de uma formalidade essencial: será
anulável, nos termos do artigo 52º.

IV. Fase da preparação da decisão

Esta é a fase em que a administração pondera adequadamente o quadro traçado na fase


inicial, a prova recolhida na fase de instrução e os argumentos aduzidos pelos particulares na
fase da audiência dos interessados. A Administração prepara-se para decidir.

V. Fase da decisão

O procedimento termina com a decisão, assim como estabelece o artigo 34º. O procedimento
pode terminar pela prática de um ato administrativo, a emissão de um regulamento
administrativo ou a celebração de um contrato administrativo.

A LPA apresenta um prazo geral para a prática de qualquer ato administrativo pela
Administração de 15 dias, nos termos do artigo 30º/1. Assim, os procedimentos de iniciativa
particular ou oficiosa devem ser decididos dentro deste prazo geral de 15 dias.

VI. Fase complementar

Nesta fase são praticados certos atos e formalidades posteriores à decisão final do
procedimento: registos, arquivamento de documentos, publicação.

Obrigatoriedade de decisão

O artigo 35º estabelece a obrigatoriedade de a Administração decidir expressamente sobre


todas as questões pertinentes suscitadas durante o procedimento. Assim, se a Administração
nada fizer ou nada disser sobre determinado assunto pertinente, estará a violar a lei e a
ofender um direito subjetivo de um cidadão.

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