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Fundação Presidente Antônio Carlos – FUPAC

Faculdade Presidente Antônio Carlos de Visconde do Rio Branco

MATERIAL III – DIREITO CIVIL:

DIREITO DAS OBRIGAÇÕES

(...)

Dando continuidade a matéria, e conforme frisado nas aulas anteriores, o artigo 242 do Código Civil Brasileiro, que
trata das modificações e frutos dos bens na obrigação de dar coisa certa na modalidade restituir nos remete ao direito
de propriedade bem como a necessidade de verificação de conceitos relativos ao possuidor de boa fé e má fé.

Vejamos a transcrição do art. 242 do Código Civil Brasileiro:

Art. 242. Se para o melhoramento, ou aumento, empregou o devedor trabalho ou dispêndio, o caso se regulará pelas
normas deste Código atinentes às benfeitorias realizadas pelo possuidor de boa-fé ou de má-fé.
Parágrafo único. Quanto aos frutos percebidos, observar-se-á, do mesmo modo, o disposto neste Código, acerca do
possuidor de boa-fé ou de má-fé.

Portanto, para entendimento do artigo 242, caput, obrigatoriamente temos que nos remeter ás disposições relativas às
benfeitorias, conforme já detalhado nas aulas anteriores.

Passemos a transcrição das disposições legais relativas ás benfeitorias constantes no Código Civil, frisando que o
conceito e classificação de benfeitorias esta expresso no artigo 96 do Código Civil Brasileiro, o qual prevê:

Art. 96. As benfeitorias podem ser voluptuárias, úteis ou necessárias.


§ 1 o São voluptuárias as de mero deleite ou recreio, que não aumentam o uso habitual do bem, ainda que o tornem
mais agradável ou sejam de elevado valor.
§ 2 o São úteis as que aumentam ou facilitam o uso do bem.
§ 3 o São necessárias as que têm por fim conservar o bem ou evitar que se deteriore.

Quanto á realização das benfeitorias pelo possuidor de má fé e boa fé (devedor do bem na obrigação de restituir),
temos ás seguintes disposições constantes no artigo 1219 e 1220 do Código Civil Brasileiro:

Art. 1.219. O possuidor de boa-fé tem direito à indenização das benfeitorias necessárias e úteis, bem como, quanto às
voluptuárias, se não lhe forem pagas, a levantá-las, quando o puder sem detrimento da coisa, e poderá exercer o
direito de retenção pelo valor das benfeitorias necessárias e úteis.

Art. 1.220. Ao possuidor de má-fé serão ressarcidas somente as benfeitorias necessárias; não lhe assiste o direito de
retenção pela importância destas, nem o de levantar as voluptuárias.

Das disposições constantes no Código Civil Brasileiro podemos concluir que Benfeitoria é toda obra
realizada pelo homem na estrutura de um bem, com o propósito de conservá-lo, melhorá-lo ou
proporcionar prazer ao seu proprietário.

As benfeitorias podem ser: necessárias, úteis ou voluptuárias, ressaltando-se que cada uma delas produz
um efeito jurídico.

Necessárias são aquelas que se destinam à conservação do imóvel ou que evitam que ele se deteriore.
Exemplo: os reparos de um telhado, infiltração ou a substituição dos sistemas elétrico e hidráulico
danificados serão benfeitorias necessárias, vez que conservam o imóvel e evitam sua deterioração.
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As benfeitorias úteis são obras que aumentam ou facilitam o uso do imóvel. Exemplo: a construção de
uma garagem, a instalação de grades protetoras nas janelas, ou o fechamento de uma varanda são
benfeitorias úteis, porque tornam o imóvel mais confortável, seguro ou ampliam sua utilidade.

Já as benfeitorias voluptuárias não aumentam ou facilitam o uso do imóvel, mas podem torná-lo mais bonito ou
mais agradável. Exemplo: as obras de jardinagem, de decoração ou alterações meramente estéticas. Ou ainda as de
cunho recreativo como piscinas (a piscina não aumenta a utilidade da casa ou apartamento para a finalidade dele,
que é de servir de moradia e abrigo)

Portanto, tomando por norte ás disposições do artigo 242, caput, e artigo 1219 e 1220 do Código Civil, podemos
estabelecer os seguintes esquemas acerca das melhorias realizadas em bens quando se trata de obrigação de
restituir:

SE O DEVEDOR POSSUIDOR DO BEM A SER RESTITUIDO ESTA DE BOA FÉ:

BENFEITORIA NECESSÁRIA Possui Direito à indenização pelos Poderá reter a coisa até o efetivo
gastos pagamento
BENFEITORIA ÚTIL Possui Direito à indenização pelos Poderá reter a coisa até o efetivo
gastos pagamento
BENFEITORIA VOLUPTUÁRIA O devedor pode levantar o bem Não há direito a retenção.
desde que não cause detrimento do
bem, restando ao credor Se as benfeitoria não puderem ser
proprietário a opção de indenizar o levantadas sem detrimento do bem
devedor pela benfeitoria não haverá direito a indenização
voluptuária e permanecer com esta

SE O DEVEDOR POSSUIDOR DO BEM A SER RESTITUIDO ESTA DE MÁ-FÉ:

BENFEITORIA NECESSÁRIA Possui Direito à indenização pelos Não pode reter a coisa
gastos
BENFEITORIA ÚTIL Não possui Direito à indenização Não pode reter a coisa
BENFEITORIA VOLUPTUÁRIA Não possuir direito a levantamento Não pode reter ou levantar a coisa
ou indenização

O artigo 242, parágrafo único do Código Civil prevê o seguinte acerca dos frutos gerados pelo bem:

Parágrafo único. Quanto aos frutos percebidos, observar-se-á, do mesmo modo, o disposto neste Código, acerca do
possuidor de boa-fé ou de má-fé.

Desta forma, o artigo 242, parágrafo único do Código Civil nos remete aos artigos 1214 e 1216 do Código Civil, os
quais dispõe o seguinte:

Art. 1.214. O possuidor de boa-fé tem direito, enquanto ela durar, aos frutos percebidos.
Parágrafo único. Os frutos pendentes ao tempo em que cessar a boa-fé devem ser restituídos, depois de deduzidas as
despesas da produção e custeio; devem ser também restituídos os frutos colhidos com antecipação.

Art. 1.216. O possuidor de má-fé responde por todos os frutos colhidos e percebidos, bem como pelos que, por culpa
sua, deixou de perceber, desde o momento em que se constituiu de má-fé; tem direito às despesas da produção e
custeio.

Primeiramente, para fins de melhor entendimento da matéria, necessário frisar quais são as espécie de frutos:
Naturais

São aqueles que provêm diretamente da coisa principal, eventualmente com o concurso do trabalho humano (ex:
produtos agrícolas, partes aproveitáveis de animais),aqueles que não são passados pela indústria.
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Industriais

Assim se denominam os que aparecem pela mão do homem, isto é, os que surgem em razão da atuação ou indústria do
homem sobre a natureza, como a produção da fábrica.

Civis

Os frutos civis são os rendimentos produzidos pela utilização econômica da coisa principal, decorrentes da concessão
do uso e gozo da coisa (ex: juros, aluguéis, prestações periódicas, em dinheiro, decorrentes da concessão do uso e
gozo do bem).

Acerca dos frutos percebidos, também irá depender se o possuidor da coisa (devedor na obrigação de restituir) está de
boa-fé ou má-fé, sendo possível estabelecer as seguintes conclusões:

SENDO O DEVEDOR (POSSUIDOR DA COISA) DE BOA-FÉ:

Frutos Percebidos (já colhidos): pertencem ao devedor enquanto durar a boa fé.

Exemplo: João arrenda de José uma fazenda na qual existe uma plantação de pés de laranja.
João esta cumprindo devidamente com a contraprestação financeira compactuada e o prazo do contrato ainda esta
vigente. As laranjas (frutos), colhidas neste período pertencem a João.

Frutos Pendentes (não colhidos), pertencem ao credor (proprietário do imóvel), quando termina a boa fé do
devedor:

Exemplo: No exemplo anterior João passa a descumprir o acordo celebrado entre ás partes gerando a sua notificação e
consequente rescisão do contrato em dezembro de 2023, passando a deixar de configurar sua boa fé. Nesta data
(dezembro de 2023), haviam laranjas verdes ainda pendentes de colheita, cessada a boa fé do devedor os frutos
pendentes são pertencentes ao proprietário do bem (credor).

Observação: Neste caso o proprietário (credor) deverá pagar ao devedor (possuidor) pelas despesas de produção e
custeio.

Frutos Percebidos com antecipação (colhidos antecipadamente).

No exemplo anterior, João, em novembro de 2023, antes de cessada a boa fé mas já ciente que iria deixar de cumprir o
contrato e dar causa a rescisão, colhe antecipadamente todas as laranjas verdes da colheita antes do período correto.

Tais frutos pertencem ao credor, sendo de direito do devedor somente as despesas para custeio e produção.

SENDO O DEVEDOR (POSSUIDOR DA COISA) DE MÁ-FÉ:

Frutos percebidos (colhidos) no período de má-fé (pertencem ao credor)

No exemplo anterior, após a configuração da má-fé o devedor (João) colhe todas as frutas verdes e maduras existentes
na plantação.

Neste caso João deverá devolver os frutos ou indenizar José, sendo devido a João tão somente as despesas realizadas
para produção e custeio.

Frutos que o devedor, por sua culpa, deixou de perceber

Após o inicio da má-fé João abandona a colheita deixando que todas ás laranjas apodreçam no pé.

Neste caso José deverá ser indenizado por estes frutos, porém, também é devido a João as despesas de produção e
custeio.

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DA OBRIGAÇÃO DE DAR COISA INCERTA (ARTIGO 243 A 246):

Art. 243. A coisa incerta será indicada, ao menos, pelo gênero e pela quantidade.

Art. 244. Nas coisas determinadas pelo gênero e pela quantidade, a escolha pertence ao devedor, se o contrário não
resultar do título da obrigação; mas não poderá dar a coisa pior, nem será obrigado a prestar a melhor.

Art. 245. Cientificado da escolha o credor, vigorará o disposto na Seção antecedente.

Art. 246. Antes da escolha, não poderá o devedor alegar perda ou deterioração da coisa, ainda que por força maior
ou caso fortuito.

Antes de adentrarmos na matéria é de suma importância salientar que a grande maioria da doutrina entende que a
nomenclatura obrigação de dar coisa incerta esta incorreta, eis que a coisa no presente caso é elegível, passível de
escolha e definida por gênero e quantidade (exemplo: 01 cavalo), mas não é incerta!

A obrigação de dar coisa certa é definida por gênero, qualidade e quantidade (01 cavalo marrom de peso tal, raça tal,
idade tal)

O artigo 104, II do Código Civil prevê:

Art. 104. A validade do negócio jurídico requer:


(...)
II - objeto lícito, possível, determinado ou determinável;

No caso da obrigação de dar coisa incerta estamos nos referindo ao objeto determinável, ou seja, que será futuramente
escolhido (determinado).

Quanto a escolha da coisa incerta, esta é definida como concentração e esta expressa no art. 244 do Código Civil:
“Nas coisas determinadas pelo gênero e pela quantidade, a escolha pertence ao devedor, se o contrário não resultar
do título da obrigação; mas não poderá dar a coisa pior, nem será obrigado a prestar a melhor”.

O artigo 244 segue o critério da qualidade média, o devedor não pode dar a coisa pior e nem é obrigado a dar a coisa
melhor.

Observação: Muitas vezes é necessária a realização de perícia para determinação da qualidade.

Após o credor ser cientificado da escolha a obrigação passa a ser de dar coisa certa!

O artigo 246 se refere a perda e deterioração “Art. 246. Antes da escolha, não poderá o devedor alegar perda ou
deterioração da coisa, ainda que por força maior ou caso fortuito”.

O gênero não perece (genus nunquam perit), portanto, enquanto incerta, não realizada a concentração (escolha) não
poderá ser alegada a perda ou deterioração da coisa.

Disposição Doutrinária:

Denominada obrigação genérica, a expressão obrigação de dar coisa incerta indica que a obrigação tem por objeto
uma coisa indeterminada, pelo menos inicialmente, sendo ela somente indicada pelo gênero e pela quantidade,
restando uma indicação posterior quanto à sua qualidade que, em regra, cabe ao devedor. Na verdade, o objeto
obrigacional deve ser reputado determinável, nos moldes do art. 104, inc. II, do CC.

A título de exemplo, pode ser citada a hipótese em que duas partes obrigacionais pactuam a entrega de um animal que
faz parte do rebanho do vendedor (devedor da coisa). Nesse caso, haverá a necessidade de determinação futura do
objeto, por meio de uma escolha.

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Assim, coisa incerta não quer dizer qualquer coisa, mas coisa indeterminada, porém suscetível de determinação futura.
A determinação se faz pela escolha, denominada concentração, que constitui um ato jurídico unilateral. Assim,
enuncia o art. 243 do atual Código Civil que a coisa incerta será indicada, ao menos, pelo gênero e pela quantidade.

O art. 244 do mesmo diploma civil expressa que nas coisas determinadas pelo gênero e pela quantidade a escolha ou
concentração cabe ao devedor, se o contrário não resultar do título da obrigação. De qualquer forma, cabendo-lhe a
escolha o devedor não poderá dar a pior. Ademais, não será obrigado a prestar a melhor.

A segunda parte do dispositivo legal apresenta o princípio da equivalência das prestações, pelo qual a escolha do
devedor não pode recair sobre a coisa que seja menos valiosa. Em complemento, o devedor não pode ser compelido a
entregar a coisa mais valiosa, devendo o objeto obrigacional recair sempre dentro do gênero intermediário. Aplicando-
se a proporcionalidade ao art. 244 do CC, se a escolha couber ao credor, este não poderá fazer a opção pela coisa mais
valiosa nem ser compelido a receber a coisa menos valiosa. Mais uma vez aplica-se o princípio da equivalência das
prestações, fixando-se o conteúdo da obrigação no gênero médio ou intermediário.

Em todo o conteúdo do art. 244 do CC, valoriza-se a vedação do enriquecimento sem causa (arts. 884 a 886 do CC),
sintonizada com a função social obrigacional e com a boa-fé objetiva.

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