Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
A Construo Do Conhecimento em Cincias Ambientais
A Construo Do Conhecimento em Cincias Ambientais
A Construo Do Conhecimento em Cincias Ambientais
Introdução
O propósito deste ensaio é refletir sobre a construção do conhecimento
em Ciências Ambientais; para tanto busca-se elencar alguns desafios e contri-
buições no que tange aos aspectos epistemológicos e metodológicos na cons-
trução desses conhecimentos e de que forma a abordagem decolonial poderá
contribuir nos países considerados periféricos ao fomentar o reconhecimento
de diversas epistemes e, ao mesmo tempo, subsidiar a descolonização epistê-
mica nesses lugares. O campo de Ciências Ambientais mostra-se fecundo para
a descolonização epistêmica, pois promove alguns questionamentos ao pon-
derar acerca de um meio de vida sustentável nos países da América do Sul.
Reconhece a importância geopolítica e a espacialidade na construção do co-
nhecimento desses países colonizados, buscando criar caminhos que enrique-
çam o saber sistêmico e endógeno de cada territorialidade.
O ponto de partida destas reflexões é pautado na sustentabilidade
socioambiental, tendo como pressuposto o ser humano como parte da nature-
za. Ou seja, não se trabalha aqui com a visão antropocêntrica, a qual apregoa
uma separação entre ser humano e a natureza ou entre o corpo e a mente, mas
se busca romper o dualismo existente na sociedade moderna por meio de uma
proposição ética, ou seja, uma reflexão no campo da antropologia filosófica.
Para tanto, é preciso também pensar acerca da mente desse sujeito cognoscen-
te que faz a construção do conhecimento. Torna-se interessante desenvolver o
entendimento de que as ideias por si só não mudam o mundo, mas sem elas
também não podemos mudá-lo. Mangabeira (2018), nesse sentido, provoca-nos
a pensar a construção do conhecimento quando aponta que “as ideias domi-
nantes no país não fazem justiça no Brasil, mistificam mais do que revelam,
racionalizam em vez de explicar. Enfim, não aprofundam o entendimento do
existente porque não avançam na imaginação do possível” (MANGABEIRA,
14
Ambiente e Sociedade no Brasil Central: Diálogos Interdisciplinares e Desenvolvimento Regional
1
Etologia é a ciência que estuda as relações dos humanos e dos animais com o mundo. Para
Godoy (2008), Deleuze e Guattari apresentam a etologia como uma disciplina molar privilegia-
da. Os animais e os homens não cessam de extrair mundos do mundo, fazendo com que o meio
não seja jamais anterior ao corpo: o meio será já o que se extraiu, e, nesse sentido, afirma-se
que cada ser humano ou não humano será um ponto de vista, uma perspectiva A etologia,
entendida dessa maneira, é uma afirmação do perspectivismo.
15
FERREIRA, M. R. • A construção do conhecimento em Ciências Ambientais:
contribuições da abordagem decolonial
e ser afetado), desenvolvendo uma filosofia prática por meio de um saber vivo
ao estudar as relações dos humanos e não humanos com o mundo.
Esses elementos apontam para novas abordagens que poderão propor-
cionar alguns possíveis caminhos nesse campo. Vamos nos apoiar na experiên-
cia conduzida durante cinco anos no Programa de Pós-Graduação em Desen-
volvimento Territorial Sustentável (PPGDTS) da Universidade Federal do Pa-
raná (área de Ciências Ambientais) para destacar alguns pontos relevantes da
abordagem decolonial na construção do conhecimento em Ciências Am-
bientais. Essa opção decolonial busca uma incursão epistêmica e metodológi-
ca que possa fraturar o projeto de modernidade/colonialidade e abrir possibi-
lidades para rever posturas, posicionamentos, horizontes e projetos tanto das
instituições de ensino como dos pós-graduandos (mestrandos/doutorandos)
no Brasil. Segundo Maldonado-Torres (2016), há nessa abordagem um caráter
fronteiriço do pensamento decolonial, no qual está intrínseco seu caráter trans-
disciplinar. O projeto e a atitude decolonizadora levam o sujeito cognoscente,
que emerge da zona do não ser, a alimentar-se da vida ativa, da criação artísti-
ca e dos conhecimentos em vez de revelar, derrubar e superar a linha ontológi-
ca moderno-colonial. Os estudos decoloniais estão relacionados com as novas
lentes, perspectivas para lançar o olhar sobre os velhos problemas latino-ame-
ricanos a fim de gerar novos pensamentos, um novo sentir e um novo fazer.
16
Ambiente e Sociedade no Brasil Central: Diálogos Interdisciplinares e Desenvolvimento Regional
17
FERREIRA, M. R. • A construção do conhecimento em Ciências Ambientais:
contribuições da abordagem decolonial
18
Ambiente e Sociedade no Brasil Central: Diálogos Interdisciplinares e Desenvolvimento Regional
19
FERREIRA, M. R. • A construção do conhecimento em Ciências Ambientais:
contribuições da abordagem decolonial
20
Ambiente e Sociedade no Brasil Central: Diálogos Interdisciplinares e Desenvolvimento Regional
21
FERREIRA, M. R. • A construção do conhecimento em Ciências Ambientais:
contribuições da abordagem decolonial
22
Ambiente e Sociedade no Brasil Central: Diálogos Interdisciplinares e Desenvolvimento Regional
23
FERREIRA, M. R. • A construção do conhecimento em Ciências Ambientais:
contribuições da abordagem decolonial
Considerações finais
Este ensaio buscou repensar o campo das Ciências Ambientais e alguns
elementos necessários para a construção desse conhecimento situado, rom-
pendo o espelho eurocêntrico por meio do entendimento da subjetividade e a
importância de um abrir-se às conversações do sujeito cognoscente, um sujeito
que desenvolve novas ações por meio de um desenvolvimento de uma consciên-
cia decolonial ou talvez de uma metacognição (consciência de sua alta de cons-
ciência). Os sujeitos que buscam desenvolver pesquisas em Ciências Ambien-
tais devem atentar e sensibilizar-se acerca da importância de repensar seu pen-
samento e avaliar a situação da mente (colonizada ou degradada) no desenvol-
vimento de seu fazer-pesquisa. Observa-se que em países como o Brasil, com
tanta riqueza da sociobiodiversidade e ao mesmo tempo com tanta desigual-
dade social, o uso da abordagem decolonial no campo de Ciências Ambien-
tais pode contribuir para refletir acerca de toda injustiça socioambiental exis-
tente em nossa sociedade, em especial no tocante a gênero, raça e etnia.
O maior desafio é ainda a descolonização epistêmica, segundo nosso
entendimento. Só a partir da descolonização epistêmica é possível que os sa-
24
Ambiente e Sociedade no Brasil Central: Diálogos Interdisciplinares e Desenvolvimento Regional
beres dos povos originários, silenciados desde o século XV, possam realmente
contribuir para sair dessa crise civilizatória e reconstruir a harmonia entre ser
humano e natureza sem relações dicotômicas.
Verificou-se também que o desenvolvimento de uma ciência social ativa e
comprometida requer unidade nova de teoria-prática e uma política científica
própria. É necessário problematizar as epistemes, sair do paradigma de domi-
nação tão bem construído nos últimos séculos por meio da modernidade/
decolonialidade no sistema-mundo, em especial instigada pelos países ociden-
tais, para um paradigma ético do cuidado e da responsabilidade na construção
do conhecimento via universidade subjetiva e participativa. Esses elementos
como Modernidade/Colonialidade/Racionalidade demonstram uma degra-
dação não apenas mental de um processo de colonização do ser, mas também
uma degradação ambiental pautada em uma perversa afinidade com o ideário
da razão instrumental, na qual ocorre ainda a concepção de natureza como
objeto a ser dominado. A construção dessa ciência comprometida impõe pro-
blematizar e desenvolver trajetórias epistemológicas e metodológicas que pos-
sam romper o racismo epistêmico, priorizar a valorização dos saberes bem
como o entendimento de nossa história para a construção de novas relações
entre os seres humanos e não humanos e a superação do espelho eurocêntrico.
É um convite para uma nova postura e atitude na construção do conhecimen-
to em Ciências Ambientais, pois, ao optar pela abordagem decolonial, denun-
ciam-se e evidenciam-se os problemas socioambientais existentes e contextua-
lizados. Consideramos que, ao desenvolver a junção das ciências em uma pers-
pectiva interdisciplinar e transdisciplinar nos programas científicos com abor-
dagem crítica, teremos uma maior interação de saberes, pois romperemos com
os dualismos como: superior/inferior; conhecimento acadêmico/popular; ho-
mem/mulher; branco/negro; ocidente/oriente; central/periférico; urbano/
rural; natureza/ser humano; desenvolvido/subdesenvolvido; corpo/alma; ra-
zão/emoção.
Procuramos enquanto professores-pesquisadores refletir sobre esses dua-
lismos e classificações que incidem na colonialidade do ser, do refletir, do sa-
ber e do reposicionar a nossa existência, retirando-nos da condição de subal-
ternos ou inferiorizados em que buscam nos colocar. Essas inquietações bus-
cam instigar nas universidades o seu repensar e o seu quefazer, avocando a
atenção sobre os sujeitos (mente de um novo sujeito cognoscente), tão neces-
sários para a construção de conhecimentos pertinentes, prudentes e includen-
tes, singulares, a fim de desenvolver uma reflexão ética que possa, de fato,
promover a integração da justiça social e ambiental, tão caras ao campo das
25
FERREIRA, M. R. • A construção do conhecimento em Ciências Ambientais:
contribuições da abordagem decolonial
Referências bibliográficas
ABRAMOVAY, R. Construindo a Ciência Ambiental. São Paulo: Annablume, 2002.
BALLESTRIN, L. América Latina o giro decolonial. Revista Brasileira de Ciência
Política, Brasília, n. 11, p. 89-117, maio-ago. 2013.
DUSSEL, E. Transmodernidade e interculturalidade: interpretação a partir da filoso-
fia da libertação. Soc. Estado, Brasília, v. 31, n. 1, p. 51-73, abr. 2016.
ESCOBAR, A. Sentipensar con la tierra. Nuevas lecturas sobre desarrollo, territorio y
diferencia. Medellín: Ediciones UNAULA, 2014.
FALS BORDA, O.; MORA-OSEJO, L. La superación del eurocentrismo – Manifiesto
por la ciência. In: FALS BORDA, Orlando. Socialismo raizal y el ordenamiento ter-
ritorial. Bogotá: Ed. Desde Abajo, 2013.
FALS BORDA, O. La ciencia y el pueblo: In: GROSSI, F.; GIANOTTEN, V.; WIT, T.
(Org.). Investigación participativa y praxis rural. Lima: Mosca Azul, 1981.
FOLADORI, D. Desafios epistemológicos para o pensamento socioambiental con-
temporâneo: a produção do conhecimento institucional e sua relação com os demais
saberes e práticas. Revista Guaju, 2016.
GUATTARI, F. As três ecologias. Campinas-SP: Papirus, 1990.
GODOY, A. A menor das ecologias. São Paulo: Editora EDUSP, 2008.
MACEDO, R. S. Pesquisa e o acontecimento: compreender situações, experiências e
saberes acontecimentais. Salvador: EDUFBA, 2016.
MALDONADO-TORRES, N. Sobre la colonialidad del ser: contribuciones al desar-
rollo de un concepto. In: CASTRO-GÓMEZ, S.; GROSFOGUEL, R. (Orgs.). El giro
decolonial. Reflexiones para una diversidad epistémica más allá del capitalismo glo-
bal. Bogotá: Universidad Javeriana-Instituto Pensar, Universidad Central-IESCO, Si-
glo del Hombre Editores, 2007.
MALDONADO-TORRES N. Transdisciplinaridade e decolonialidade. Sociedade e
Estado, v. 31, n. 1, p. 75-97, 2016.
MANGABEIRA, R. U. Depois do colonialismo mental: Repensar e organizar o Bra-
sil. São Paulo: Autonomia Literária, 2018.
MIGNOLO, W. Histórias Globais/projetos Locais. Colonialidade, saberes subalter-
nos e pensamento liminar. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2003.
26