Fazer download em docx, pdf ou txt
Fazer download em docx, pdf ou txt
Você está na página 1de 6

O ESTADO NOVO: INSTITUCIONALIZAÇÃO DO DUALISMO (DIREÇÃO X

EXECUÇÃO) NA EDUCAÇÃO BRASILEIRA

O país viveu sob uma Constituição gerada por uma Assembleia Nacional
Constituinte pouco tempo. Em 1937 Getúlio Vargas, que havia se tornado Presidente da
República pelo resultado da votação da Assembleia de 1934 (a Assembleia tinha poderes para
fazer a Constituição e concomitantemente eleger o Presidente), logo depois, em 1937, tornou-se
ditadura através de um golpe militar. Nasceu aquilo que o próprio Getúlio denominou de o
“Estado Novo”, com outra Constituição, esta, então, feita por um homem só, Francisco Campos.
No campo da política educacional, o “Estado Novo” (1937-1945) pode ser apresentado
como criando uma legislação dada pela nova Constituição e por uma série de leis definidas pelo
Ministro da Educação Gustavo Capanema as chamadas “leis orgânicas do ensino”.
Quanto à educação, a Carta de 1937 inverteu as tendências democratizantes da Carta de
1934. É interessante compararmos trechos dos textos legais. O Art. 149 da CF/1934 dissera: “A
educação é direito de todos e deve ser ministrada pela família e pelos poderes públicos...”. O
Art. 125 da CF/1937 prescrevia que “A educação integral da prole é o primeiro dever e o direito
natural dos pais. O Estado não será estranho a esse dever, colaborando, de maneira principal ou
subsidiária, para facilitar a sua execução de suprir as deficiências e lacunas da educação
particular”. Ou seja, o “Estado Novo” praticamente abriu mão de sua responsabilidade para com
educação pública através de sua legislação máxima, assumindo apenas um papel subsidiário em
relação ao ensino. O ordenamento democratizante alcançado em 1934, quando a letra da lei
determinou a educação como direito de todos e obrigação dos poderes públicos, foi substituído
por um texto que desobrigou o Estado de manter e expandir o ensino público.
Também a gratuidade do ensino, conseguida na Carta de 1934, ficou maculada na
Constituição de 1937, a qual prescrevia, no Art. 130, que: “por ocasião da matricula, será
exigida aos que não alegarem, ou notoriamente não puderem alegar, escassez de recursos, uma
contribuição módica e mensal para a caixa escolar”. Com isso, o “Estado Novo” forneceu
indícios de não desejar carrear os recursos públicos provindos dos impostos para a
democratização das oportunidades de educação para a população. Institucionalizou-se, assim, a
escola pública paga e o donativo obrigatório através da caixa escolar. Isso equivaleu a
simplesmente não se propor a qualquer defesa da educação popular geral.
A intenção da Carta de 1937 era manter um explícito dualismo educacional: os ricos
proveriam seus estudos através do sistema público ou particular e os pobres, sem usufruir desse
sistema, deveriam ter como destino as escolas profissionais ou, se quisessem insistir em se
manter em escolas propedêuticas a um grau mais elevando, teriam de contar com a boa vontade
dos ricos para com as caixas escolares. Assim, o artigo 129 determinou como primeiro dever do
Estado a sustentação do ensino pré-vocacional e profissional destinado às classes menos
favorecidas. Com isso o texto constitucional reconheceu e cristalizou a divisão entre pobres e
ricos e, oficialmente, extinguiu a igualdade formal entre cidadãos, o que seria a lógica do
Estado liberal. O incentivo dado às classes menos favorecidas para procurarem a escola
pública foi condicionado à opção delas pelo ensino profissionalizante.
Também as omissões da Carta de 1937 nos dizem muito do espírito da época. Ao
contrário da CF/1934, a Carta de 1937 não legislou sobre dotação orçamentária para a educação.
Também não legislou sobre o concurso público para o magistério oficial (GHIRALDELLI
JUNIOR, 2001, p. 72-74).
O Estado Novo estruturou o ensino segundo o princípio da dualidade de trabalho
manual e trabalho intelectual, de execução e direção.
Com já foi dito anteriormente, a Constituição de 1937: educação profissional “se destina
às classes menos favorecidas” e é, em matéria educacional, o primeiro dever do Estado (Art.
129). No mesmo artigo, é estabelecido o regime de cooperação entre a indústria e o Estado
(RIBEIRO, p. 120).
Eis, a seguir, o teor da “Reforma Capanema” (entre 1942 a 1946): criação do Ensino
Primário (gratuito e obrigatório), do Ensino Secundário (Ginasial de 4 anos e Colegial de 3
anos, que dava acesso ao Superior), do Normal (que mantinha interface com o Secundário), do
Industrial, do Comercial, do Agrícola, do SENAI e do SENAC (SAVIANI, 2008, p. 269). Sobre
o sistema paralelo e mais ágil de ensino profissionalizante, pelo SENAI, SENAC..., confira
GHIRALDELLI JUNIOR, 1994, p. 87-88.
Do ponto de vista da concepção, o conjunto da reforma tinha caráter centralista,
fortemente burocratizado; dualista, separando o ensino secundário, destinado às elites
condutoras, do ensino profissional, destinado ao povo conduzido e concedendo apenas ao ramo
secundário do ensino a prerrogativa de acesso a qualquer carreira de nível superior;
corporativista, pois vinculava estreitamente cada ramo ou tipo de ensino às profissões e ofícios
requeridos pela organização social (SAVIANI, 2008, p. 269).
Ghiraldelli Jr mostrou que, com o Art. 130 da Constituição outorgada de 1937, o Estado
Novo forneceu indícios de não desejar carrear os recursos públicos provindos dos impostos para
a democratização das oportunidades de educação para a população; instituiu na escola pública e
a esmola obrigatória através da caixa escolar. A intenção da Carta de 1937 era manter um
explícito dualismo educacional: os ricos proveriam seus estudos através do sistema público ou
particular e os pobres, sem usufruir esse sistema, deveriam se destinar às escolas profissionais.
Assim, o Art. 129 determinou como primeiro dever do Estado a sustentação do ensino pré-
vocacional e profissional destinado às classes menos favorecidas. Com isso o texto
constitucional reconheceu e cristalizou a divisão de classes e, oficialmente, extinguiu a
igualdade dos cidadãos perante a lei O incentivo dado às classes menos favorecidas para
procurarem a escola pública foi condicionado à opção delas pelo ensino profissionalizante
(GHIRALDELLI JUNIOR, 1994, p. 82).
As Leis Orgânicas do Ensino (decretadas entre 1942 a 1946), consagrando o espírito da
Carta de 37, oficializaram o dualismo educacional. Era, nas letras da Reforma Capanema, a
organização de um sistema de ensino bifurcado, com um ensino secundário pública destinado
às “elites condutoras” e um ensino profissionalizante para as classes populares (GHIRALDELLI
JUNIOR, 1994, p. 84. 86).
A característica mais saliente das reformas educacionais empreendidas por Campos e
Capanema traz a marca do pacto com a Igreja Católica, costurado por Francisco Campos no
início da década de 1930. Por esse pacto Vargas, apesar de sua origem castilhista (positivista),
se dispõe a apoiar a inclusão das teses católicas na Constituição de 1934, recebendo em
troca o apoio político da Igreja (SAVIANI, 2008, p. 270).
A Reforma Capanema, relativamente ao Ensino Primário (Decreto nº 8529/1946), não
cumpriu rigorosamente o espírito da Carta de 37 e, em função das necessidades do capitalismo,
foi afetada pelos ventos escolanovistas do Manifesto de 1932 (GHIRALDELLI JUNIOR, 1994,
p. 85).
Mas quanto ao Ensino Secundário (Decreto-Lei 4244/1942), a Reforma Capanema
reflete o transplante da ideologia nazi-fascista já agora na organização escolar brasileira
(RIBEIRO, p. 122). Eis alguns trechos do próprio Capanema sobre o ensino secundário indicam
a influência da tendência fascista presente no período chamado de “Estado Novo” (RIBEIRO, p.
137-138; GHIRALDELLI JUNIOR, 1994, p. 86): “O ensino secundário se destina à preparação
das individualidades condutoras, isto é, dos homens que deverão assumir as responsabilidades
maiores dentro da sociedade e da nação, dos homens portadores das concepções e atitudes
espirituais que é preciso infundir nas massas, que é preciso tornar habituais entre o povo... “O
estabelecimento do ensino secundário tomará o cuidado especial na educação moral e cívica de
seus alunos, buscando neles formar, como base do patriotismo, a compreensão da continuidade
histórica do povo brasileiro, de seus problemas e desígnios, de sua missão em meio aos povos
(Art. 22)... “Deverão ser desenvolvidos nos adolescentes os elementos essenciais da moralidade:
o espírito de disciplina, a dedicação aos ideais e a consciência da responsabilidade. Os
responsáveis pela educação moral e cívica da adolescência terão ainda em mira que é finalidade
do ensino secundário formar as individualidades condutoras, pelo que é forçoso desenvolver nos
alunos a capacidade de iniciativa e de decisão e todos os atributos fortes da vontade (art. 32)”.
Fica reafirmada, aqui, a discriminação, já constatada no texto constitucional de 1937,
dentre desfavorecidos e favorecidos. A “paz social” seria conseguida pela formação eficiente da
elite, que teria a função social de conduzir as massas, o povo passivo. Na formação dessa elite,
privilegiou-se o modelo humanista clássico (em prejuízo do humanismo de base científica), por
exemplo, tornando obrigatório o latim nos sete anos do ensino secundário. Modelo nazi-fascista
de desenvolvimento: promover o progresso econômico sem mudar a ordem social vigente
(RIBEIRO, p. 138).
Para deixar claro e sublinhado, o que era o dualismo educacional do Estado Novo? Era,
nas letras da Reforma Capanema, a organização de um sistema de ensino bifurcado, com o
ensino secundário público destinado, nas palavras do texto da lei, às “elites condutoras”, e um
ensino profissionalizante para outros setores da população. Assim, a letra da lei definia, por
antecipação ao processo escolar por qual passaria cada indivíduo, o desejo de criar “elites
condutoras” a partir de um dado setor já privilegiado economicamente. A ideia de elite
condutora não é antagônica à ideia de democracia, mas a ideia de elite condutora forjada a partir
de uma segregação antecipada, onde determinados setores da sociedade são encaminhados para
um determinado tipo de escola e outros setores para outro tipo de escola, pela lei, é
incompatível com a ideia de democracia, seja esta democracia mais ou menos liberal, mais ou
menos uma socialdemocracia. Da maneira que se criou a bifurcação, o que se tinha, é claro, era
o “Estado Novo”, no campo educacional, como espelho de qualquer estado fascista da época,
ainda que não tivéssemos aqui uma doutrinação no interior da sala de aula como a que se
verificou ou se verificaria em estados totalitários (GHIRALDELLI Jr. 2001, p. 75).
Independentemente de qualquer avaliação, a Reforma Capanema foi notável e relevante
pelo seu “caráter pioneiramente sistematizador do ensino nacional. Enfim, criou-se um
sistema. E daí por diante tudo o que se fez foi em torno do esqueleto imposto por Capanema,
indo contra tal esqueleto ou a favor, tentando modifica-lo ou derrubá-lo” (GHIRALDELLI Jr,
1994, p. 88; 2003, p. 92; 2001, p. 78-79).

****
Política do “Estado Novo” (1937-1945) de nacionalização das escolas étnicas no Brasil
Em aulas anteriores, estudamos as escolas paroquiais no sul do BR, que foram escolas étnicas.
Mas lá, a gente não fechou o assunto, não tratou do fim dessa história de sucesso das escolas
paroquiais. Trata-se aqui do fim que levaram essas escolas. A base bibliográfica é: KREUTZ,
Lucio. A educação de imigrantes no Brasil. In: LOPES, Eliane M. T.; FARIA FILHO, Luciano
M.; VEIGA, Cynthia G. 500 anos de educação no Brasil. 4. ed. Belo Horizonte: Autêntica
2010. p. 347-370:
O “Estado Novo” produziu uma legislação nacionalista de ensino. As escolas étnicas foram
fechadas ou transformadas em escolas públicas por meio de uma sequência de decretos de
nacionalização (KREUTZ, 2010, p. 348. 354. 365-367):

Decreto 406 de maio de 1938: - o material usado na escola elementar deveria ser em língua
portuguesa; - professores e diretores deveriam ser brasileiros natos; - foi proibida a circulação
nos distritos rurais livros de texto, revistas ou jornais em língua estrangeira; - o currículo
deveria incluir História e Geografia do Brasil; - foi proibido o ensino de língua estrangeira a
menores de 14 anos;
- dever-se-ia dar destaque à bandeira nacional em dias festivos (Id. p. 365).
Decreto 1006 de 10/12/1939, assinado pelo Presidente da República:
- o Ministro da Educação deveria supervisionar os livros usados na educação básica (Id. p. 365).
Decreto 1545 de 25/08/1939:
- instruiu os Secretários Estaduais de Educação a: - construir e manter escolas em áreas de
colonização estrangeira; - fiscalizar o ensino de línguas estrangeiras; - estimular o patriotismo
por parte dos estudantes; - intensificar o ensino de História e de Geografia do Brasil; - proibir
expressamente que uma escola fosse dirigida por um estrangeiro; - proibir o uso de uma língua
estrangeira em assembleias e reuniões públicas; e ordenou que professores de Educação Física
fossem militares de carreira (sargentos e tenentes) (Id. p. 366).
Decreto 2072 de 08/03/1940:
- criou a organização da Juventude Brasileira em todas as escolas;
- instituiu a Educação Física uniformizante (por exercícios comuns) e obrigatória para os
estudantes de 11 a 18 anos (Id. p. 366).
Decreto 3580 de 30/09/1941: proibiu a importação e a impressão local de livros-texto de
línguas estrangeiras (Id. p. 366).
As medidas de nacionalização compulsória do ensino só precipitaram um processo de
transformação já em curso. Havia uma tendência crescente de pais e alunos de aderirem ao
apelo da escola pública gratuita, pois precisavam aprender o idioma nacional e se integrar
socialmente com a população do país. Os meios de comunicação e de transporte haviam
quebrado o isolamento anterior dos núcleos rurais (p. 367).

***

A seguir, sobre a nacionalização no RS, excertos do texto: KREUTZ, Lucio. Escolas étnicas no
Brasil e a formação do estado nacional: a nacionalização compulsória das escolas dos
imigrantes (1937-1945). Poiésis, Tubarão, v. 3, n. 5, p. 71 – 84, Jan./Jun. 2010.
A partir de 1938, na fase repressiva da nacionalização das escolas étnicas, esta
desembocou a em forte acirramento de ânimos, com a prisão de professores, vistoria de material
escolar das crianças no caminho da escola, na destruição de obras e documentos históricos e
culturalmente valiosos. No Rio Grande do Sul, o Decreto n. 7.212 de 06 de abril de 1938 foi a
primeira legislação específica sobre a nacionalização do ensino, assinado pelo Sr. Oswaldo
Cordeiro de Farias, Interventor Federal no estado. Ainda em 1938, foi emitido o segundo
decreto, o de n. 7.247 de 23 de abril, assinado pelo Secretário da Educação J.P. Coelho de
Souza, que complementava os dispositivos do decreto anterior, dispondo instruções sobre o
registro das escolas particulares na Diretoria da Instrução Pública.
Esses decretos estaduais previam, essencialmente, o que seria determinado nos
sucessivos decretos federais, traçando estratégia de criação do maior número possível de escolas
públicas na região colonial com o seu aperfeiçoamento qualitativo, a prescrição de livros
escolares das escolas públicas e do idioma nacional obrigatório, a nacionalização dos
estabelecimentos particulares de ensino por meio da regulação severa para a licença de
professores.
As escolas da imigração eram vistas pelo Secretário da Educação do Estado do RS, J.
P. Coelho de Souza, como “um indício seguro de resistência local antibrasileira e que se exigia
o empenho máximo do Governo em extirpar este foco nazista” (KREUTZ, 2005, p. 78). Para
Coelho de Souza, apenas as escolas teuto-brasileiras significavam perigo, sendo que os núcleos
italianos, judeus, poloneses e japoneses não eram objeto de preocupação para o governo do
estado por nacionalizarem-se sem resistência (COELHO DE SOUZA, J. P. Denúncia: o
nazismo nas escolas do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Thurmann, 1941, p. 12). Já quanto às
escolas da imigração alemã o Secretário de Educação Coelho de Souza afirmou: “Problema,
sem dúvida gravíssimo e de difícil solução, é o que oferece a zona colonial alemã [...]. A
colônia alemã oferece uma organização capaz de provocar a atenção e a preocupação
governamentais. [...] A ação germanizadora do nazismo introduziu-se sub-repticiamente na
chamada população teuto-brasileira. Para tanto, dominaram as escolas particulares às centenas
espalhadas pelo estado. [...] Esse domínio, tomado absoluto, foi conseguido por meio de
subvenções distribuídas pelo consulado alemão de Porto Alegre [...]. Dominadas as escolas,
eram então catequizados os alunos. Através desses obtinham os agentes pardos o apoio das
mães. E as mães, estavam certos, arrastariam os pais (COELHO DE SOUZA, 1941, p. 22-24).
Para J. P. Coelho de Souza, não havia problemas de nacionalização nas escolas urbanas
de imigrantes e nem nas escolas de ordens religiosas, residindo o problema apenas nas
escolas étnicas rurais. Salienta Coelho de Souza que as escolas urbanas, pela sua vinculação
com o meio social e cultural mais amplo, adaptaram-se mais facilmente às medidas de
nacionalização. Dada a alegada resistência em relação às medidas de nacionalização pela
imigração alemã em área rural, defendeu o Secretário de Educação a regulamentação de novo
decreto, de 12 de dezembro de 1938, que fechava 241 escolas particulares, quebrando-se, assim,
de forma definitiva, com a oposição dos imigrantes alemães. Todavia, os dados divulgados pelo
Interventor Federal no estado, Sr. Oswaldo Cordeiro de Farias, em relação às escolas étnicas
alemãs, eram bem menores, afirmando que apenas 91 escolas, de um montante de mais de duas
mil escolas dessa região, foram proibidas de funcionar (CORDEIRO DE FARIAS, 1942).
Nos levantamentos feitos pelas Associações de Professores da Imigração Alemã,
católica e evangélica, acerca da questão escolar, a partir da década de 1920, são apresentados o
nome de cada professor, da escola, o número de alunos e a localidade em que estava situada a
escola. Por esses levantamentos eram 1.041 escolas da imigração alemã no período da
nacionalização, 1.226 professores e 45.576 alunos. Esses levantamentos eram publicados na
imprensa desse grupo de imigrantes, sendo que entre os católicos foram feitas pelo
Lehrerzeitung (Jornal do Professor), Familienfreundkalender (anuário católico) e pelo
Deutsches Volksblatt (jornal católico).
O Secretário da Educação do RS, Coelho de Souza, relatou alguns episódios do alegado
conflito entre os imigrantes alemães e o governo. Denominou-o como “denúncias contra a
escola teuto-brasileira”. O primeiro desses episódios estava relacionado com a Escola Normal
de Novo
Hamburgo. Relata que estava na cidade de Novo Hamburgo em viagem de inspeção, quando
atendeu ao convite do Sr. Leopoldo Petry, Presidente da Sociedade União Popular, para
participar dos festejos do Dia do Colono e visitar a Escola Normal Católica. Afirma que na
ocasião um aluno teria proferido discurso em que era feita uma rude crítica à Campanha de
Nacionalização do Ensino, em que se declarava a necessidade de culto à tradição germânica e
que todos os habitantes do Rio Grande do Sul deveriam seguir as leis alemãs (COELHO DE
SOUZA, 1941, p. 112). Relatou, ainda, o Secretário que imediatamente teria rebatido o discurso
e ao retomar a Porto Alegre teria dado ciência do fato ao Sr. Interventor Cordeiro de Farias e ao
arcebispo Dom João Becker, sendo que ambos teriam desaprovado o ocorrido de forma
veemente. Instalado inquérito, ter-se-ia concluído que o incidente comprovava a existência de
mentalidade antinacionalista no Brasil, a existência de desejo de absoluta integração brasileira
por parte dos descendentes de imigrantes e a existência de um contraste entre a moderação e o
anseio de colaboração do Governo no problema da nacionalização e a agressividade dos
elementos que pretendem embaraçá-la. Com o resultado do inquérito foi o Pe. Miguel Meyer,
SJ, demitido da direção da Escola Normal de
Novo Hamburgo, e o Prof. Reynaldo Krauspenhaar, considerado inspirador do aluno que
proferiu o “inoportuno” discurso, foi excluído do corpo docente e recomendado a procedimento
policial (COELHO DE SOUZA, 1941, p. 177-8).
A análise desse episódio demonstra uma acusação apressada, típica de um clima de
exaltação de ânimos. O Secretário Coelho de Souza, ao demitir o Diretor e recomendar o
professor para procedimento policial afirmou que “cumpre notar que estas medidas repressivas
foram tomadas com a aprovação e os aplausos da alta autoridade eclesiástica” (COELHO DE
SOUZA, 1941, p. 117-8). Entretanto, consta no Jornal do Professor Católico (LZ, 1933, n. 2-3)
que o Pé Miguel Meyer fora nomeado para a direção da escola pela própria Cúria Metropolitana
de Porto Alegre. Ainda, ao ser questionado se o Pe. Miguel Meyer e os demais religiosos
pertencentes às ordens religiosas de origem alemã eram nazistas, posicionou-se o Secretário
Coelho de Souza de forma negativa. O Lehrerseminar católico vinha sendo, por anos, o
responsável pela organização e publicação do Lehrerzeitung católico, sendo, um espelho da
postura ideológica do corpo docente e do Diretor da Escola Normal. Era nítida a defesa do
Deutschtum, isto é, a importância do cultivo dos valores culturais, por motivos religiosos, sem
qualquer insinuação quanto ao nazismo.
Outro episódio narrado pelo Sr. Secretário como de conflito entre imigrantes alemães e o
Governo diz respeito a dois ofícios que lhe foram enviados pelo Sr. Francisco Salles Guimarães,
fiscal do ensino particular em Santa Rosa. Juntamente com o primeiro ofício, este oficial havia
enviado um caderno escrito em alemão por uma irmã da professora da escola da Linha Dr.
Pedro Toledo, e, no segundo ofício, havia se queixado do Pe. Rauber, vigário de Campina das
Missões, que teria sido flagrado rezando o terço em alemão junto a uma família de pessoa
moribunda, já no dia seguinte ao das longas preleções do Inspetor sobre a necessidade do uso do
português, e considerava-o grave insulto e desrespeito às recomendações oficiais (COELHO DE
SOUZA, 1941).

Importante referir algumas visíveis consequências do processo de nacionalização do


ensino para a imigração alemã. Dentre essas consequências temos uma acentuada e
indiscriminada destruição de livros, revistas, almanaques, jornais e muitos outros documentos
do período, que compunham a memória histórica. Foram destruídos pelos agentes de
nacionalização e também pelos próprios imigrantes como auto-defesa. Com isso tivemos perdas
que parecem irreparáveis, como o Allgemeine Lehrerzeitung e o Das Schulbuch, que até o
presente momento ainda estão bastante incompletos.
Com as políticas de nacionalização do ensino, criou-se um clima de tensão e medo na
região colonial dos imigrantes e a proibição da língua materna, que era fator de identificação
étnico-cultural e religiosa, atingiu a nova geração que passou a um constrangedor silêncio sobre
sua própria identidade.
O processo de nacionalização foi conduzido numa perspectiva de muita imposição, com
quase nenhum diálogo pelo Secretário de Educação, Sr. Coelho de Souza e pelo Chefe de
Polícia Major Aurélio da Silva Py, ocasionando um ambiente antipedagógico que refletia
negativamente na qualidade do ensino e da aprendizagem de toda uma geração. Com o
afastamento dos professores, com a destruição do material didático e com a proibição da língua
alemã, a escola se tomou estranha para o aluno da imigração, seja pela língua, seja pelo método
de ensino.
As escolas étnicas rurais foram privadas do professor. Diversos desses foram presos durante o
processo de nacionalização, fazendo com que se desestruturasse a rede de organização das
comunidades. No meio rural, toda a estrutura necessária para a viabilização de atividades
econômico-sociais, artísticas e religiosas era assumida de forma comunitária, tendo sido o
professor uma das lideranças mais expressivas nesses núcleos rurais.
É importante salientar que, com o processo de nacionalização, a Igreja Católica e o
Estado, que possuíam nítida contradição de princípios quanto à competência da escola,
amenizaram suas diferenças, passando a Igreja a reconhecer um direito inalienável do Estado na
educação e no ensino, a sugerir convênios entre a Igreja na promoção da escola e do ensino e a
suspender formalmente as sanções que haviam sido prescritas para os pais que enviassem seus
filhos para a escola.

Você também pode gostar