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Claudio Castelo Filho - Da Submisso - Com..01
Claudio Castelo Filho - Da Submisso - Com..01
Claudio Castelo Filho - Da Submisso - Com..01
Claudio nos apresenta um trabalho cujo título parece delimitar de forma precisa um campo,
indica um movimento vetorial de uma posição de submissão à autoridade a outra que seria
de responsabilidade por si mesmo. Apresenta para tanto uma gama de situações retiradas
da sua ampla e interessante história de vida, que vai desde a pintura e a literatura, passando
pela história ocidental em conexão com sua história pessoal e a de outros, histórias de vida
de pessoas públicas e, por fim, de pacientes da sua clínica. Brinda-nos, assim, com
observações muito interessantes, e ao modo de um contador de estórias vai implicitamente
nos apresentando seu vértice de pensamento psicanalítico, salpicando aqui e ali com ideias
teóricas e explícitas esse seu vértice, produzindo uma ampliação do campo em várias
direções a partir do seu tema inicial.
Escolhi alguns pontos dentro desse `grande tema´, aqui e sempre, o indivíduo e o grupo.
1Aufklärung ist der Ausgang des Menschen aus seiner selbst verschuldeten Unmündigkeit. Unmündigkeit ist
das Unvermögen, sich seines Verstandes ohne Leitung eines anderen zu bedienen. Selbstverschuldet ist diese
Unmündigkeit, wenn die Ursache derselben nicht am Mangel des Verstandes, sondern der Entschließung und
des Mutes liegt, sich seiner ohne Leitung eines anderen zu bedienen. Sapere aude! Habe Mut dich deines
eigenen Verstandes zu bedienen! ist also der Wahlspruch der Aufklärung. Kant, In O que é o Esclarecimento?,
1784)
(trad. livre)
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Tema de incontáveis reflexões e argumentações, aqui me restringirei ao vértice psicanalítico
para um exame e comentário, abordando diversas camadas desta intrincada inter-relação.
Claudio inicia nos trazendo de forma viva diferentes relatos que demonstram a tensão entre
o indivíduo e o grupo externo, e como esse grupo externo tem sua correspondência no
mundo interno de cada um, como a autoridade que se expressa nas suas diferentes formas
na realidade externa grupal como valores e preconceitos, etc.. é introjetada e passa a fazer
pressão internamente.
Klein2 nos deixou a ideia de que para combater o Hitler externo real seria preciso se haver
com o nosso Hitler interno, o Hitler interno de cada um. Só assim, tendo experiência com
ele, discriminando o objeto interno da realidade externa, teremos condição de combater o
Hitler externo. Ou fugir dele, acrescentaria. Ou seja, avaliar e conhecer a realidade externa e
2 ´Se prevalecer o sentimento de que a guerra no exterior está sendo, de fato, travada no interior – de que no
interior um Hitler interno está sendo combatido por um sujeito que assimilou características de um Hitler, e se
torna semelhante a um Hitler – o resultado será o desespero. Fica, então, impossível lutar nessa guerra, pois
isso levaria inevitavelmente à catástrofe no interior. Se houver um equilíbrio maior entre os acontecimentos
internos e os externos, a guerra não domina a situação e é possível voltar-se com força e determinação contra
o inimigo externo´. (Klein, 1940, citada por Frank, 2019)
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poder julgar qual a ação apropriada e qual o risco a correr. Penso novamente que foi o
exemplo dramático que Claudio nos contou (p. 8). Seria uma forma de se opor ao
autoritarismo em direção à responsabilidade por si. Uma maneira de se separar do grupo
para a sobrevivência do indivíduo.
O nosso Hitler interno é uma roupagem do superego. Sabemos também, a partir de Klein,
que a presença do superego se faz sentir desde os primórdios da construção do aparelho
psíquico. Suas primeiras manifestações se confundem com o objeto mau-persecutório, suas
características são tirania, onipotência, desmesura, e exigência autoritária. A vivência com a
autoridade é destino. O desenvolvimento dessa vivência se dará através de camadas de
experiência com os objetos externos, dando novos contornos a essa questão.
A experiência com as pessoas, com pai e mãe que compartilham da realidade social e que
também por sua vez carregam em si as marcas da mesma realidade grupal e social, sua
maneira própria de lidar com os valores, os preconceitos, a autoridade, essa experiência
específica também deixará seus traços na mente da criança. Muito já foi escrito sobre como
os pais apresentam a realidade à criança, como, desde cedo, um mundo de valores,
concepções e preconceitos vão sendo transferidos e implantados na criança. Esse conjunto
é chamado por vezes também de cultura. A criança é inserida em uma realidade prenhe de
contradições. Lembro aqui dos exemplos trazidos por Claudio a respeito do racismo
presente na própria pessoa negra. Ou como às vezes a mãe negra rejeita seu filho pela cor,
ou torce para ter um filho claro. Estaríamos diante da introjeção dos valores grupais-sociais
que se impõe autoritariamente e superegoicamente na mente da pessoa, criando uma
divisão e um grande afastamento de si e do que ela é.
Freud (1921) deixou detalhadamente registrado como o grupo se mantém unido pelos laços
libidinais, que se expressam pela projeção e identificação do ideal do eu no líder do grupo,
aquele que detém e será o continente das ideias de poder, admiração, onipotência, ou seja,
dos `restos´ ou da parcela de narcisismo de cada um, ao mesmo tempo que os indivíduos se
identificam entre si por se verem irmanados nesse vínculo amoroso com o líder.
Bion desde o início esteve muito atento a essa esfera da experiência emocional do indivíduo
- o ser em grupo -- deixando-nos ideias preciosas até hoje a respeito (Bion, 1961). Lembro
aqui rapidamente da discriminação entre o grupo de trabalho e os grupos de pressupostos
básicos. Os grupos de PB são configurações grupais movidas por pressão grupal visando
evasão de dor e desprazer, bem como de contato com a realidade (externa, grupal e
interna), à qual os indivíduos aderem involuntariamente, isto é, sem que seja uma escolha
consciente, mas antes são levados a isso por serem tocados naquele extrato da mente que
funciona como um fundo comum a todos nós.
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Em todos os casos o indivíduo estará submetido e imerso no clima emocional do grupo e a
pressão para continuar aderido é grande, o risco de sobrevivência ao divergir desse
movimento é sentido como terrorífico e aniquilador, e muitas vezes essa fantasia pode se
concretizar em uma realidade, vide o exemplo que Claudio nos traz da conhecida que fugiu
em tempo do clima antissemítico que se espraiava já antes da 2. Guerra Mundial.
Até aqui estou sublinhando a importância do grupo externo na mente de cada um, e no
convívio de cada um com seu par ou seu grupo.
Surge a ideia de pensarmos em uma grupalidade interna, tendo como modelo uma mente
que funciona a partir de vários objetos internos que formam uma grupalidade e se inter-
relacionam. E dando mais um passo, podemos pensar também na introjeção do grupo como
um objeto interno (Susemihl, 1996). Assim um determinado grupo, de estudo, de
pertinência, institucional, pode ter as características e funcionar como um objeto interno,
sofrendo as mesmas vicissitudes pulsionais de qualquer outro objeto interno. Pode se
tornar um grupo idealizado (nós temos a chave da autoridade em psicanálise...) ou se tornar
um grupo perseguido ou perseguidor, etc... Repete-se também nessa esfera a questão
básica, os vínculos de amor, ódio e conhecimento, as questões de evasão da dor e o
mecanismo de alucinose, ou sofrimento e contato com a realidade interna e externa,
crescimento ou desenvolvimento, integração e reparação. Ou seja, a massa atua em nós, os
valores sociais, os preconceitos, os movimentos grupais atuam em nós.
Mas então, existe alguma possibilidade para se desenvolver no sentido proposto por
Claudio da submissão à autoridade em direção à responsabilidade por si? E qual seria?
Claudio nos conta também relatos de pessoas e de histórias, nas quais foi possível enfrentar
a realidade externa adversa, e ainda assim, ser capaz de viver seus próprios desígnios, por
mais diferentes que sejam. Conta-nos de grandes atores brasileiros, e também de histórias
da literatura e do passado, que `...à revelia do contexto social não ficaram à mercê do lugar
que lhe fora atribuído...´ em função de um determinado estado de mente. (p. 8)
Claudio então opõe o medo do adulto ao do bebê, enfatizando que ainda que nossa
sobrevivência dependa do grupo, por sermos animais gregários, isso não significa que
precisemos estar psiquicamente submetidos ao grupo, do qual, diferente do bebê, não
necessitamos para sobrevivência física. (p. 8) Acrescenta a essa ideia ainda outra (p. 9) a
respeito da importância em não se identificar com a visão do grupo sobre si, não se tornar
um rejeitado ou um não amado ao se ver tratado assim pelo grupo. Ou ainda, a importância
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de se desprender das próprias expectativas em relação ao grupo. Ou como ele resume
algumas páginas adiante (p. 11): `a possível liberdade para sermos honestos e livres conosco
está não só na aceitação de que jamais seremos aquilo que os outros possam esperar de
nós, como a de aceitar que os outros e a realidade não existem para corresponder as nossas
expectativas´.
Podemos acrescentar a essas colocações, novamente a esfera grupal. Bion nos lembra que
´A resistência ao crescimento é endopsíquica e endogregária; está associada com a
turbulência no indivíduo e no grupo ao qual o indivíduo em crescimento pertence´. (Bion,
1970, p. 38) Já vimos que se desprender do movimento grupal é muito assustador. Há a
pressão real externa que se liga a temores profundos internos, que tem suas raízes nas
experiências que habitam as profundezas do nosso ser.
Bion (1970) nos traz a ideia do místico ou do gênio, aquele que se desprende do movimento
e das convenções grupais e traz elementos novos e desconhecidos no âmbito daquele
grupo. `...Freud, assim como tantos outros antes dele, sentiu a necessidade de se isolar –
insular-se – do grupo a fim de trabalhar. ...´ (Bion, 1970, p. 3) Acompanhamos de perto3 os
anos de sofrimento do nem tão jovem Freud, que tendo sido acompanhado por um amigo
distante o suficiente para não interferir demais, soube através de sua autoanálise tratar sua
depressão e nos legou um novo campo de conhecimento e de investigação. Penso que é um
processo modelar que, de certa forma, todo analista precisa refazer em sua análise pessoal.
Penso que essa é uma das contradições da nossa análise didática ou de formação
institucionalizada: para que ela realmente atinja seu fim ela precisa ser um caminho de
procura própria, de separação do estabelecido, inclusive do establishment psicanalítico, não
por ódio ou rivalidade, ou por inveja e ingratidão, mas o establishment precisa ser
eclipsado, a autoridade precisa ser enfrentada, e o caminho para a responsabilidade de si
precisa ser encontrado, um caminho de retorno solitário, e ao final imprevisível... talvez o
objeto psicanalítico não seja encontrado...
Claudio nos lembra da rica experiência pessoal de Klein, sobre o sentimento de solidão, ou o
senso de ser só, que permanece ao longo da vida e está ligado a dores do processo de
integração. (p. 14)
3 Correspondência Freud-Fliess
4 The road not taken, Robert Frost
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Precisamos nesse sentido internamente nos dispor a deixarmos viver o místico dentro de
nós, deixá-lo fazer frente ao nosso grupo autoritário interno. Suportar a separação, o medo
de aniquilamento, a perseguição, a angústia de abandono - sofrer essas emoções talvez faz
parte das experiências que podem calçar a condição para a responsabilidade de si.
Nesse sentido, Claudio propõe que emancipar-se é a capacidade de tolerar maiores níveis de
angústia e não o contrário... A emancipação aparece com o conhecimento advindo da
experiência e a convivência com a constante angústia diante do desconhecido e da ausência
de certezas (p. 15)
Termino esse comentário com uma citação de Bion, poética e condensada: `Aquele aspecto
de O que apresenta corretamente o desconhecido e o desconhecível, embora manifesto às
duas pessoas, é o ponto escuro que precisa ser iluminado pela cegueira´. (Bion, 1970, p. 76)
Literatura
Bion, W. R. (1961). Experiências com grupos (Trad. W. I. Oliveira). RJ: Imago, 1970.
Freud, S. (1921). Psicologia de grupo e análise do ego. In S. Freud, Edição standard brasileira
das obras psicológicas completas de Sigmund Freud (C. M. Oliveira, Trad., Vol. 13). RJ:
Imago, 1969.