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Disciplina 2

Direito Processual Penal I

Aula 8:
Prisão e Liberdade

Professor:

Fauzi Hassan Choukr

abdconst.com.br 1
Prisão e Liberdade

Professor:

Fauzi Hassan Choukr

Pós-doutor pela Universidade de Coimbra. Doutor e Mestre pela


USP; Especializado em Direitos Humanos pela Universidade de Oxford
(New College) e em Direito Processual Penal pela Universidade Castillala
Mancha (2007); Coordenador do PPGD da FACAMP, Faculdades de
Campinas/SP. Promotor de Justiça no Estado de São Paulo.

2
FUNDAMENTOS PARA O PROCESSO PENAL CAUTELAR NO ESTADO DE DIREITO

Comentários atualizados com as disposições da Lei 13.964/2019

Esquematização prévia dos conceitos:

abdconst.com.br 3
1. Medidas cautelares e presunção de inocência

Já tivemos a oportunidade de apontar que, no processo penal aderente aos primados constitucionais,
a prisão tem de ser encarada como uma exceção, e a liberdade como uma regra e, por isso, as
privações de liberdade anteriores à sentença condenatória definitiva devem ter, sempre e
necessariamente, fundamentação e finalidade cautelares.

Conforme preceitua MAGALHÃES1,

“a denominada presunção de inocência constitui princípio informador de


todo o processo penal, concebido como instrumento de aplicação de sanções
punitivas em um sistema jurídico no qual sejam respeitados,
fundamentalmente, os valores inerentes à dignidade da pessoa humana;
como tal, deve servir de pressuposto e parâmetro de todas as atividades
estatais concernentes à repressão criminal”

e concluirá dizendo que a presunção de inocência se projeta na disciplina probatória, como


condição do acusado e na estrutura íntima do devido processo legal.

1.1. Gradação das medidas cautelares: a prisão cautelar como ultima ratio

A busca de mecanismos alternativos à prisão


cautelar não é nova no direito brasileiro, cabendo Rogério Lauria Tucci (USP),
recordar que no Projeto de Lei 1655, de 1981, Francisco de Assis Toledo, e
Hélio Fonseca.
proveniente dos trabalhos de Comissão de Juristas
instituída no Governo Geisel havia a sugestão de
medidas que viessem a suceder a constrição da
liberdade.

1
Presunção de Inocência e Prisão Cautelar, p. 37
4
Tal sugestão acompanhava aquela já preconizada no
BRASIL. Senado.
“Projeto Frederico Marques” (este também presente na
Anteprojeto de reforma do
comissão dos trabalhos do mencionado PL 1655) de Código de Processo Penal.
Brasília: Senado Federal,
forma a conferir ao Magistrado o “c) poder de aplicação,
2009. Disponível em:
pelo juiz, de medidas alternativas à prisão provisória, de <http://legis.senado.gov.
br/mate-pdf/58503.pdf>.
acordo com as recomendações da Organização das
Nações Unidas em Congresso realizado em 1980 em
Caracas, Venezuela, sobre Prevenção do Crime e
Tratamento do Delinqüente”. Tal projeto, como já anotado
foi retirado do Congresso Nacional em 1989 quando se
encontrava no Senado (PLC 175/1984).

Com efeito, no projeto “Frederico Marques” (PL 633/1975) havia previsão no então artigo 472
que abria o título “das providências cautelares” (titulo IV, capítulo I) com vistas à “assegurar a
atuação da justiça penal” de que pessoa acusada ou suspeita pudesse vir a ser submetida a um
regime de prisão e, alternativamente, liberdade provisória com ou sem fiança.

Na sequência era concebida a possibilidade da submissão às seguintes “medidas”:

a) medida de segurança provisória;

b) inabilitações provisórias;

c) restrições processuais. Lei 12.403/11 - Naquela


Malgrado as diferenças estruturais entre aquela proposta as restrições
processuais eram compulsórias
proposta legislativa e a Lei 12.403/11 a busca pela combinação do art. 527 e
pela alternatividade à prisão era a mesma e a do art. 109, este de caráter
genérico que determinava as
forma como compreendida a fundamentação da obrigações processuais a todas
as pessoas acusadas que já
prisão e a imposição dessas medidas têm alguns
tivessem sido citadas.
aspectos semelhantes

abdconst.com.br 5
Por outro lado, no plano internacional, às
normas que inspiraram as ideias dos anos 1970 Tais regras interpretam o
conteúdo do artigo 9º, nº 3, do
seguiram-se as denominadas “Regras Mínimas Pacto Internacional sobre os
das Nações Unidas para a elaboração de Direitos Civis e Políticos ao
estabelecer que «a detenção pr
Medidas não Privativas de Liberdade (Regras isiona l de pe ssoa s
aguardando julgamento não
de Tóquio) adotadas pela Assembleia Geral
deve ser regra geral, mas a sua
das Nações Unidas na sua resolução 45/110, libertação pode ser subordinada
a garantir que assegurem a
de 14 de Dezembro de 1990 que, em seu item
presença do interessado no
2.1, determinam: “As disposições pertinentes julgamento”.
das presentes Regras aplicam-se a todas as
pessoas que são objeto de procedimento de
julgamento ou de execução de sentença, em
todas as fases da administração da justiça
penal.

Para os fins das presentes Regras, estas pessoas são denominadas “delinquentes” - quer se
trate de suspeitos, de acusados ou de condenados”. Na sequência, tratando especificamente
sobre a prisão de natureza cautelar define que (item 6) “A prisão preventiva como medida
de último recurso” e (6.1).
A prisão preventiva deve ser uma medida de último recurso nos procedimentos penais,
tendo devidamente em conta o inquérito sobre a presumível infracção e a proteção da
sociedade e da vítima.”

Por fim, (6.2) “As medidas substitutivas da prisão preventiva são utilizadas sempre que possível. A
prisão preventiva não deve durar mais do que o necessário para atingir os objetivos enunciados na
regra 6.1. e deve ser administrada com humanidade e respeitando a dignidade da pessoa” e (6.3) “O
delinquente tem o direito de recorrer, em caso de prisão preventiva, para uma autoridade judiciária
ou para qualquer outra autoridade independente.”

6
Encerrada a tramitação dos projetos reformistas das décadas de 1970 e 1980, no transcurso
das reformas pontuais nos anos 1990, nos trabalhos da Comissão presidida pelo então
Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira instituída pelo Poder Executivo houve, entre as
inúmeras propostas, a de reformar a disciplina da prisão cautelar para contemplar “a
ampliação das hipóteses de prisão preventiva e a possibilidade de sua substituição por
medidas restritivas de liberdade que dispensam o recolhimento à prisão, contribuindo para a
melhoria do sistema carcerário”

Naquela sugestão:

" Existem dois tipos de medidas que constituem alternativas à prisão


preventiva. Elas podem restringir a liberdade ou outros direitos do
imputado. As primeiras estão previstas no art. 319, verbis: “A prisão
preventiva poderá ser substituída por medidas restritivas de liberdade,
consistentes em: I - apresentação semanal em local determinado; II -
proibição, sem autorização judicial, de ausentar-se: a) da comarca, ou
seção judiciária, por mais de oito dias; b) do País; c) da residência, salvo
para exercer as funções relativas ao trabalho”. As outras estão descritas no
art. 320: “No caso de crime contra a fé pública, contra a administração
pública, a ordem tributária, a ordem econômica, as relações de consumo
ou contra o sistema financeiro, será facultado ao juiz impor, também, as
seguintes medidas: I - afastamento do exercício da função pública; II -
impedimento de participar, direta ou indiretamente, de licitação pública, ou
de contrato com a administração pública direta, indireta ou fundacional, e
com empresas públicas e sociedades de economia mista” (DOTTI, René
Ariel. A reforma do processo penal. RT 714/490).

Com a interrupção também daquele No então art. 282 do primeiro


texto da Comissão Grinover, o
processo legislativo o tema foi retomado com a seguinte texto: “§ 2 º - Quando
não couber prisão preventiva, o
instituição da Comissão Grinover e, desde
juiz poderá decretar, atendidos
os pressupostos dos artigos
319 e 320, abdconst.com.br
as seguintes 7
medidas cautelares: I –
a redação do anteprojeto, a concepção das
medidas cautelares alternativas à prisão surgiu
de forma bastante semelhante àquela que,
quase dez anos depois, viria a ser sancionada. O
grande problema, desde o início dos
trabalhos legislativos, é a equivocada
compreensão que acabou sendo legislada no
art. 321, pois induz à conclusão que as
medidas alternativas são atuadas quando houver
liberdade provisória. A dizer, inexistem
fundamentos cautelares, mas, mesmo
assim, impõem-se medidas constritivas da
liberdade. Trata-sede deformação sistêmica
inaceitável, pois o modelo de funcionamento
desejado é completamente diverso.

Com efeito, em primeiro lugar deve a decisão encontrar aquilo que se poderia denominar de
“necessidade cautelar” diante da somatória dos arts. 312, 313 e 282, I e II, todos do CPP. O
resultado positivo da análise racional a todos esses fundamentos e critérios implica que o processo
depende de algum asseguramento a ser prestado pela pessoa acusada para que a tutela de
conhecimento possa seguir sem intercorrências.

Além disso há um escalonamento que tem as medidas diversas da prisão contidas no art. 319 do
CPP como prioritárias para, após verificar a (in)suficiência dessas possibilidades chegar-se, como
“ultima ratio” à prisão cautelar.

O art. 321 embaralha por completo esse caminho e induz a compreensões distintas da finalidade do
modelo alternativo. Por isso há de ser saudado com ênfase relevante acórdão do STJ, da lavra do
Min. Rogério Schietti Machado Cruz – Relator (6.ª Turma HC 282.509 j. 19. 11. 2013 - public.22.
11. 2013) que trabalhou o tema de forma lapidar:

"" Com efeito, as medidas alternativas à prisão preventiva não pressupõem, ou não
deveriam pressupor, a inexistência de requisitos ou do cabimento da prisão preventiva,

8
mas sim a existência de uma providência igualmente eficaz (idônea, adequada) para o
fim colimado com a medida cautelar extrema, porém com menor grau de lesividade à
esfera de liberdade do indivíduo. É essa, precisamente, a ideia da subsidiariedade
processual penal, que permeia o princípio da proporcionalidade, em sua máxima parcial
(ou subprincípio) da necessidade (proibição de excesso): o juiz somente poderá
decretar a medida mais radical - a prisão preventiva - quando não existirem outras
medidas menos gravosas ao direito de liberdade do indiciado ou acusado por meio
das quais seja possível, com igual eficácia, os mesmos fins colimados pela prisão
cautelar. Trata-se de uma escolha comparativa, entre duas ou mais medidas
disponíveis - in casu, a prisão preventiva e alguma(s) das outras arroladas no artigo
319 do CPP - igualmente adequadas e suficientes para atingir o objetivo a que se
propõe a providência cautelar. Desse modo, é plenamente possível que estejam
presentes os motivos ou requisitos que justificariam e tornariam cabível a prisão
preventiva, mas, sob a influência do princípio da proporcionalidade e a luz das
novas opções fornecidas pelo legislador, deverá valer-se o juiz de uma ou mais das
medidas indicadas no artigo 319 do CPP, desde que considere sua opção suficiente e
adequada para obter o mesmo resultado - a proteção do bem sob ameaça - de forma
menos gravosa. ... Isso equivale a dizer que os motivos justificadores da prisão
preventiva são os mesmos que legitimam a determinação do recolhimento noturno ou
qualquer outra das medidas cautelares a que alude o artigo 319 do CPP, sendo
equivocado condicionar a escolha de uma dessas últimas ao não cabimento da prisão
preventiva. Na verdade, a prisão preventiva é, em princípio, cabível, mas a sua
decretação não é necessária, porque, em avaliação judicial concreta e razoável,
devidamente motivada, considera-se suficiente para produzir o mesmo resultado a
adoção de medida cautelar menos gravosa. Logo, a dicção normativa do artigo 321,
ao condicionar, se for o caso, a imposição das medidas cautelares - observados os
critérios constantes do artigo 282 do Código - a que estejam “ausentes os requisitos
que autorizam a decretação da prisão preventiva”, suscita a seguinte indagação: com
base em quê será autorizada a providência cautelar menos gravosa, dentre as previstas
no artigo 319?

Cabe, ao final do tópico, recordar que

abdconst.com.br 9
Cuando los tribunales recurren a la detención preventiva sin considerar la
aplicación de otras medidas cautelares menos gravosas, en atención a la
naturaleza de los hechos que se investigan, la prisión preventiva deviene en
desproporcionada2

2. A norma processual penal cautelar: Legalidade estrita das cautelares penais e a


inexistência do “poder geral de cautela”

Como observamos de longa data, a


norma processual penal não dá
LOPES JR., Aury. A (in)existência
vazão ao denominado “poder
de poder geral de cautela no processo
geral de cautela”, posição esta penal. Boletim IBCCRIM: São Paulo,
defendida por ano 17, n. 203, p. 08-09, out., 2009.
parte de abalizada doutrina.
ALVES, Rogério Pacheco. O
Há, contudo, posições em
poder geral de cautela no processo
sentido contrário, sendo que a
penal. RT 799, pgs. 423 e seguintes.
maior parte delas enfatiza a Maio 2002. Disponível em
“eficiência” do processo penal www.revistasrtonline.com. br
como justificação do rol de
BINDER, Alberto M. “Introdução
medidas por mera determinação ao direito processual penal”. Trad.
judicial. Apoiados numa por Fernando Zani. Rio de Janeiro:
compreensão já presente na Lumen Juris. 2003.
doutrina estrangeira mas
ainda não explorada na doutrina
pátria pela literatura dominante,
afirmamos que:

“A tipicidade das normas cautelares penais é uma decorrência lógica das


premissas de um processo penal consentâneo com o Estado de Direito.

2
CrEDH, Case of Ladent v. Poland (Application No. 11036/03), Sentencia del 18 de marzo de 2008, Sección Cuarta de
la Corte, párrs. 55 y 56.
10
Neste ponto, nunca é demais recordar da lição correta de BARROS ao
afirmar, que “A possibilidade jurídica na ação cautelar consiste em se
verificar prima facie, se a medida cautelar pleiteada é admissível no
estatuto processual ou em qualquer lei dessa natureza. Existe uma
tipicidade processual não diferente da tipicidade de direito substancial.
Portanto, importa verificar se o pedido do autor pode subsumir-se num dos
modelos descritos nos preceitos normativos do direito vigorante. Inexistindo
no ordenamento jurídico a medida cautelar pleiteada, não há possibilidade
jurídica para o pedido do autor” (BARROS, 1982).

Assim, a norma processual penal, da mesma maneira


HASSEMER,
que a norma de direito penal material, reveste-se de
Winfried. Crisis y
taxatividade das previsões restritivas de direitos
características del
fundamentais, devendo possuir redação certa e precisa,
moderno derecho
evitando expressões “porosas” como a encontrada na
penal. Actualidade
fundamentação “ordem pública” da prisão preventiva Actualidade Penal, n.
(vide crítica infra) e que deixem ao julgador margem 43/22, 1993, p. 635-
excessiva de discricionariedade interpretativa. 646.

abdconst.com.br 11
3. O conceito de “necessidade cautelar”

É o resultado da constatação judicial sobre a adoção de uma ou mais medidas invasivas da liberdade
estritamente previstas no ordenamento para que o processo penal possa se desenvolver de forma
regular e consiga alcançar uma solução de mérito.

Este conceito substituiu o binômio periculum in mora + fumus bonii iuris cuja matriz teórica é
distante do processo do marco constitucional-convencional posto que, seu primeiro aspecto (“perigo
na demora”) nada mais é que a antecipação da cognição de mérito, inviável na cautelaridade
processual penal posto que desvirtua os fins típicos das cautelares como, aliás, ficou assentado na
reforma trazida com a Lei 13964/2019.

E, a ideia de “perigo na demora” não se sustenta na estrutura constitucional-convencional porque


diz respeito, essencialmente, a uma celeridade processual ligada a antecipação de mérito. Nas bases
constitucionais-convencionais o foco está na duração razoável do processo que, no caso das
cautelares, significa a impossibilidade da duração excessiva ou desproporcional da restrição
imposta sob risco de significar, por vias transversas, pena antecipada ou a própria substituição da
pena material pela restrição processual.

3.1. Momento de verificação da necessidade cautelar

A verificação da necessidade cautelar se dá em qualquer momento da persecução penal, seja na fase


investigativa ou ao longo do processo de conhecimento ainda não definitivamente julgado.

Assim, toda medida incidente na liberdade pessoal anterior ao trânsito em julgado possui
natureza cautelar.

12
3.2. Os fundamentos da necessidade cautelar na estrutura constitucional-convencional

A questão central para adequar-se uma estrutura cautelar ao Estado de Direito é: quais os
fundamentos legítimos para postular a ocorrência da necessidade cautelar.

Observado cenário internacional e comparado e, em especial aquele, tem-se que

“La Convención prevé como únicos fundamentos legítimos de la prisión


preventiva los riesgos de que el imputado intente eludir el accionar de la
justicia o de que intente obstaculizar la investigación judicial”3
E, no mesmo julgado:

“Por lo tanto, es contrario a esta norma y al derecho a la presunción de


inocencia, e incongruente con el principio de interpretación pro homine , el
que se justifique la detención previa al juicio en fines preventivos como la
peligrosidad del imputado, la posibilidad de que cometa delitos en el futuro
o la repercusión social del hecho. No sólo por las razones expuestas, sino
porque se apoyan en criterios de derecho penal material, no procesal,
propios de la respuesta punitiva”

O regramento cautelar com as reformas em 2011 e 2019 provocou alterações na estrutura originária
do CPP mas sem que pudesse alcançar um padrão mínimo condizente com os estandares
internacionais e comparado, dadas as seguintes circunstâncias:

a) O modelo cautelar funciona assentado na prisão cautelar, seus fundamentos e


requisitos;
b) Da análise desses fundamentos e requisitos verifica-se, por execlusão da prisão, a
incidência das medidas não encarceradoras;
c) Os fundamentos e requisitos da prisão preventiva são, essencialmente, os mesmos da
redação original do Código distantes, portanto, do marco constitucional-convencional;
3
CIDH. Informe No. 86/09, Caso 12.553, Fondo, José, Jorge y Dante Peirano Basso, Uruguay, 6 de agosto de 2009,
párrs. 81 y 84; CIDH. Informe No. 77/02, caso 11.506, Fondo, Waldermar Gerónimo Pinheiro y José Víctor Dos
Santos, Paraguay, 27 de diciembre de 2000, párr. 66.
abdconst.com.br 13
d) O art. 282 do CPP reformado em 2011 e 2019 não cumpre a função de “base geral”
do sistema cautelar pessoal porquanto seu conteúdo é uma reprodução quase literal do
conteúdo dos arts. 312 e 313 e de disposições referentes à “prisão temporária”;
e) Por tal razão, pouco importa que nesse artigo esteja prevista a aplicação das medidas
não encarceradores como “alternativas” à prisão.

De forma esquemática o cenário do art. 282, as chamadas “bases gerais” se apresenta da seguinte
forma:

Por outro lado, ao analisar-se o conteúdo do artigo 312 do CPP, a desconformidade constitucional-
convencional persiste apesar das modificações de 2011 e 2019.

Quando analisamos em obra publicada em 2001 os inúmeros projetos de reforma que dariam
vazão a mais uma rodada de alterações pontuais do CPP, dentre eles o das medidas cautelares,
apontamos em relação ao anteprojeto que:

A retórica cautelar assentada no Código de Processo Penal nos


fundamentos do art. 312 (ordem pública, garantia da instrução criminal e
da futura aplicação da lei penal) e posteriormente acrescida* manteve-se
na sua essência inalterada.

E completávamos afirmando que: “diante disto fica praticamente desimportante do ponto


de vista dogmático que se sugira (e apenas se sugira) a restrição da liberdade como exceção
14
dentro das cautelares”, posto que, no âmago do anteprojeto identificamos:

Outros textos sugeridos [que] dão a entender a primazia da constrição da


liberdade nos mesmos moldes atuais, ao aduzirem que, “Quando não
couber prisão preventiva, o juiz poderá decretar outras medidas cautelares.

Apontando que o art. 312 se sobreporia por todo


Choukr, Fauzi H. e Ambos,
o “novo” modelo que, desde seu início Kai. A Reforma do Processo
careceria de consistência diante da redação Penal No Brasil e na América
Latina. São Paulo: Editora
daquilo que viria a ser o atual art. 321 (ver Método, 2001.
infra) asseveramos que “Desta forma, embora
apregoando- se uma revolução cultural no
sistema cautelar, a própria redação sugerida
induz à manutenção do sistema na práxis e
cultura” (sem grifo no original).

Era natural, portanto, que desde os trabalhos


acadêmicos, dentre todos os fundamentos de
Tema que nos é caro
cautelaridade, a permanência da ordem pública, com de há mui to. V e j a - s e
as críticas de CHOUKR, F. H. . A ordem
aderência constitucional e as tentativas pública como fundamento
jurisprudenciais, sobretudo no âmbito do STF, de da prisão cautelar. Revista
do Instituto Brasileiro de
conceituá-la viesse a ser um (ou “o”) fator decisivo na
Ciências Criminais, SP, v.
inalterabilidade do modelo cautelar pessoal no Brasil
04,
com as incompatibilidades perante a Constituição e a n. revista, p. 89, 1993.
Convenção Americana de Direitos Humanos

Assim, quando se depara com acórdão que afirma que:

" No tocante ao tema da garantia da ordem pública, reiterou-se que esta

abdconst.com.br 15
envolve, em linhas gerais, as seguintes circunstâncias principais: a)
necessidade de resguardar a integridade física ou psíquica do paciente ou
de terceiros; b) objetivo de impedir a reiteração das práticas criminosas,
desde que lastreado em elementos concretos expostos fundamentadamente
no decreto de custódia cautelar; e c) necessidade de assegurar a
credibilidade das instituições públicas, em especial o Poder Judiciário, no
sentido da adoção tempestiva de medidas adequadas, eficazes e
fundamentadas quanto à visibilidade e transparência da implementação de
políticas públicas de persecução criminal (HC 91386/BA, rel. Min. Gilmar
Mendes, 19.2.2008).

É imperioso refletir nas consequências de um poder jurisdicional cautelar que venha a atender a
“implementação de políticas públicas de persecução criminal”, quando intervenientes do processo
judicial, notadamente o Juiz, passe a conceber sua função, no processo, como integrante de um
mecanismo de efetivação de políticas públicas criminais, o que pode perigosamente aproximá- lo
de uma função que não lhe é própria. Isso é muito diferente do controle jurisdicional de políticas
públicas por meio, sobretudo, da verificação de sua compatibilidade constitucional mediante
ações próprias.

Ademais, na visão contemporânea do assunto pelo STF acentua-se a ordem pública como
instrumento preventivo ao se afirmar que:

" A garantia da ordem pública, por sua vez, visa, entre outras coisas, evitar a
reiteração delitiva, assim resguardando a sociedade de maiores danos’
(HC 84.658/PE, rel. min. Joaquim Barbosa, Segunda Turma, DJ de 3-6-
2005). Nessa linha, deve-se considerar também o ‘perigo que o agente
representa para a sociedade como fundamento apto à manutenção da
segregação’ (HC 90.398/SP, rel. min. Ricardo Lewandowski, Primeira
Turma, DJE de 17-5-2007) (HC 106.788, rel. min. Ellen Gracie, julgamento
em 31-5-2011, Segunda Turma, DJE de 4-8-2011).

Quando não, vai-se a uma retórica circular, sem um ponto de apoio efetivamente concreto quando
se decide que

16
"
O conceito jurídico de ordem pública não se confunde com incolumidade
das pessoas e do patrimônio (art. 144 da CF/1988). Sem embargo, ordem
pública se constitui em bem jurídico que pode resultar mais ou menos
fragilizado pelo modo personalizado com que se dá a concreta violação da
integridade das pessoas ou do patrimônio de terceiros, tanto quanto da
saúde pública (nas hipóteses de tráfico de entorpecentes e drogas afins).
Daí sua categorização jurídico-positiva, não como descrição do delito nem
da cominação de pena, porém como pressuposto de prisão cautelar; ou
seja, como imperiosa necessidade de acautelar o meio social contra
fatores de perturbação que já se localizam na gravidade incomum da
execução de certos crimes. Não da incomum gravidade abstrata desse ou
daquele crime, mas da incomum gravidade na perpetração em si do crime,
levando à consistente ilação de que, solto, o agente reincidirá no delito.
Donde o vínculo operacional entre necessidade de preservação da
ordem pública e acautelamento do meio social. Logo, conceito de ordem
pública que se desvincula do conceito de incolumidade das pessoas e do
patrimônio alheio (assim como da violação à saúde pública), mas que se
enlaça umbilicalmente à noção de acautelamento do meio social. É certo
que, para condenar penalmente alguém, o órgão julgador tem de olhar
para trás e ver em que medida os fatos delituosos e suas coordenadas dão
conta da culpabilidade do acusado. Já no que toca à decretação da prisão
preventiva, se também é certo que o juiz valora esses mesmos fatos e vetores,
ele o faz na perspectiva da aferição da periculosidade do agente. Não
propriamente da culpabilidade. Pelo que o quantum da pena está para a
culpabilidade do agente assim como o decreto de prisão preventiva está
para a periculosidade, pois é tal periculosidade que pode colocar em risco
o meio social quanto à possibilidade de reiteração delitiva (cuidando-se,
claro, de prisão preventiva com fundamento na garantia da ordem
pública)” (HC 96.212, rel. min. Ayres Britto, julgamento em 16-6-2010,
Primeira Turma, DJE de 6-8-2010). No mesmo sentido: HC 114.524, rel.
min. Rosa Weber, decisão monocrática, julgamento em 13- 8-2012, DJE
de 22-8-2012; HC 102.043, rel. min. Dias Toffoli, julgamento em 24-8-
2010, Primeira Turma, DJE de 22-11-2010.

abdconst.com.br 17
Não é exagero afirmar, diante da ausência de elementos Lenart, André. “O STF e a
substanciais concretos para sua definição, que esse fundamentação do decreto de
prisão preventiva.” Revista da
fundamento, de incidência cada vez mais rara no direito SJRJ 15 . 22
comparado, acentua o caráter efetivamente incerto e, para (2010): 61-80.

alguns, lotérico, do encarceramento cautelar. Concorda-se


com a incerteza, mas a “loteria” não é tão aleatória assim
como demonstra o perfil da população carcerária e, em
particular, a de presos preventivos

E, numa percepção genérica, pode-se opor a manutenção desse fundamento como contraponto à
estrutura processual penal aderente ao Estado de Direito que prima pela presunção de inocência.
É, assim, a “ordem pública” um dos principais alicerces de refutação de um ordenamento
condizente com a Constituição que, para muitos, é visto pejorativamente como “garantista” e em
excesso.
Aqui é necessário acrescer breve comentário sobre os
profundos equívocos que repousam sob o rótulo de FERRAJOLI, Luigi.
Constitucionalismo pri nci
“garantismo”. Sem pretender adentrar na extensão pi al i sta y c o n st itu c io
conceitual desse assunto, destaca-se que o garantismo, n a lis m o gar antista.
DOXA, Cuadernos de
sobretudo na obra de seu autor mais reconhecido no Filosofía del Derecho, 34
Brasil, Luigi Ferrrajoli (e distorcidamente tido como o (2011)
ISSN: 0214-8676 pp.
“pai” dessa construção) , preconiza um modelo de 15-53.
estrita subsunção legal, a dizer, de normatividade estrita
e com apelo aos direitos fundamentais como sustentação
de um modelo político que se reflete no jurídico.

Assim, opõe-se esse modo de construir o constitucionalismo (garantista) daquele principialista


no qual aspectos morais integram padrões decisórios, buscando evidenciar, assim, que:

"
A distinção entre direito e moral envolve, ainda, uma limitação à figura dos
juízes, repelindo arbitrariedades derivadas de juízos morais. Equivale,

18
ainda, a uma limitação às atividades do Poder Legislativo, repelindo que
este se imiscua na vida moral dos cidadãos.

É com base nos direitos fundamentais e não na conexão entre direito e


moral que, para Ferrajoli (2012, p. 23), se fundamenta a dimensão
substancial da democracia constitucional, direitos estes que são direitos de
todos, e condicionam a validade substancial e a coerência do direito
positivo São os direitos
fundamentais, portanto, vínculos impostos normativamente, titularizados
por todos, e razão de ser do ente estatal (CADEMARTORI; NEVES, 2012,
p. 126-144).

Pode-se afirmar no âmbito da técnica processual que a manutenção do fundamento “ordem


pública” na “reforma” de 2011 e na “modernização” de 2019 nada alterou o expansionismo judicial
processual penal e, diante do autorizado emprego do processo penal como instrumento de
política pública pelo STF não se traduz numa expressão de constitucionalismo garantista,mas,
sim principialista.

O resultado concreto é que um sistema que se apregoou como tendente à minimização resistiu e se
manteve vivo em sua essência.

abdconst.com.br 19
3.3. Aplicação em concreto: Impossibilidade de necessidade cautelar ex lege

É decorrência direta da estrutura constitucional e convencional a impossibilidade de


imposição direta, por lei, de medidas cautelares em determinados tipos penais, ainda que
considerados de especial gravidade pelo legislador.

A verificação daquilo que se denomina no presente Capítulo de necessidade cautelar depende de


análise judicial no caso concreto, concretizada nas etapas legais definidas pelo legislador.

Certo, afasta-se definitivamente a concepção automática da decretação da prisão como existia na


redação original do art. 312 quando o CPP entrou em vigor, devendo ser ressaltado que mesmo
após a Constituição ainda tentou o legislador, em algumas ocasiões, implantar mecanismo
compulsório da prisão cautelar, cabendo (tardiamente) ao STF manifestar-se definitivamente para
impedir essa construção legislativa.

O CPP, no seu art. 312 dispunha: “A prisão preventiva será


decretada nos crimes a que for cominada a pena de reclusão, por
tempo, no máximo, igual ou superior a dez anos”. Como recorda
autorizada doutrina sobre esse artigo, “Estava implantada em nosso
direito a prisão preventiva compulsória ou obrigatória, impossibilitando
ao juiz examinar a necessidade da decretação dessa medida cautelar.
Consequência do chamado Estado Novo a que se atribuiu as cores de
um fascismo indígena, implantado com a Carta Política de 1937, ou
fruto da imprevisão dos legisladores de então, como querem outros, o
certo é que por força desse preceito, durante muitos anos, não tiveram
os nossos juízes a faculdade de deliberar sobre a necessidade da prisão
preventiva.Mesmo com a normalização democrática resultante da
Constituição de 1946, numregime constitucional em que o povo influía
diretamente na formação dos poderes do Estado, essa drástica medida
continuou vigorando...” CAMPOS BARROS, op. cit.

20
Na Ação Direta De Inconstitucionalidade 3.112- 1 que teve como relator o Min. Ricardo
Lewandowski. No corpo do acórdão tem-se que: “A prisão obrigatória, de resto, fere os princípios
constitucionais da ampla defesa e do contraditório (art. 5º, LV), que abrigam um conjunto de
direitos e faculdades, os quais podem ser exercidos em todas as instâncias jurisdicionais, até a sua
exaustão.”

No mais, o próprio STF reiterou esse entendimento em acórdãos diversos e, dentre eles, o com a
seguinte ementa: vedação legal absoluta em caráter apriorístico, da concessão de liberdade
provisória. lei de drogas (art. 44). Inconstitucionalidade. ofensa aos postulados constitucionais da
presunção de inocência, do “due process of law”, da dignidade da pessoa humana e da
proporcionalidade. O significado do princípio da proporcionalidade, visto sob a perspectiva
“proibição do excesso”: fator de contenção e conformação da própria atividade normativa do
estado. Precedente do supremo tribunal federal: adi 3.112/df (estatuto do desarmamento, art. 21).
Caráter extraordinário da privação cautelar da liberdade individual. Não se decreta prisão cautelar,
sem que haja real necessidade de sua efetivação, sob pena de ofensa ao “status libertatis” daquele
que a sofre. Irrelevância, para efeito de controle da legalidade do decreto de prisão cautelar, de
eventual reforço de argumentação acrescido por tribunais de jurisdição superior. Precedentes.
Medida cautelar deferida) STF
- med. Caut. Em habeas corpus 97.976-9 Minas Gerais – relator: min. Celso de Mello – Data do
Julgamento: 09 de março de 2009 (grifos no original).

A Lei 13964 de 2019 abraçou a matriz constitucional-convencional ao enfatizar a necessidade da


observância das condições fáticas, reais e concretas para a apreciação da necessidade cautelar
vedando:
a) Imposição de medidas cautelares em virtude e etapas do procedimento4;
b) Imposição de medidas cautelares descompassadas do momento gerador da necessidade
cautelar e5
c) Imposição de medidas cautelares sem fundamentação na situação real dos autos 6

4. Cognição cautelar e reserva de jurisdição


4
Art. 313, §2º do CPP, com a redação dada pela Lei 13964/2019
5
Art. 312, §2º do CPP, com a redação dada pela Lei 13964/2019
6
Art. 315 do CPP, com a redação dada pela Lei 13964/2019
abdconst.com.br 21
O modelo constitucional-convencional brasileiro impõe o controle jurisdicional da prisão, não sendo
possível que a análise da necessidade cautelar seja feita por órgãos administrativos. Trata-se, assim,
de reserva de jurisdição para a constrição da liberdade com medidas diversas da prisão ou com a
própria prisão preventiva.

A estrutura do CPP com a redação dada pela Lei 13964/2019 impôs modificações explicítas na
norma infraconstitucional que, rigorosamente falando, já eram extraíveis desde a base
constitucional-convencional 1988/1992. Mas, num ambiente cultural em que o normativismo –
plano distinto e inferior ao positivismo – é a bússola de funcionamento prático do direito vivo, as
modificações são positivas uma vez que:

a) Evidenciam o papel do julgador – art. 3º-A;


b) Impedem protagonismo judicial na decisão sobre a necessidade cautelar

4.1. o método de apuração da necessidade cautelar

Da cultura do sistema internacional referente ao devido processo legal tem-se, no tema específico
da metodologia para apuração da necessidade cautelar que

“El acusado deberá tener la posibilidad de estar presente en los


procedimientos en los que se decida la aplicación de la prisión preventiva,
bajo determinadas condiciones este requisito se podrá satisfacer mediante el
uso de sistemas de video adecuados, siempre y cuando se garantice el
derecho de defensa. Todo acusado tiene derecho a ser escuchado por el juez
y argüir personalmente contra su detención, la detención preventiva no
debería decidirse solamente con vista al expediente del caso . Asimismo, la
resolución por medio de la cual se impone esta medida “debe ser realmente
dictada por el juez, luego de escuchar en persona al detenido, no por
‘sumariantes’ ni por secretarios de juzgado”7

7
ONU, Grupo de Trabajo sobre Detenciones Arbitrarias, Informe sobre Misión a Argentina, E/CN.4/2004/3/Add.3,
publicado el 23 de diciembre
22
E, ainda,
La celebración de una audiencia previa sobre la procedencia de la prisión
preventiva, además de garantizar el principio de inmediación, permite, entre
otras cosas, que la persona imputada y su defensa conozcan con antelación
los argumentos a partir de los cuales se infiere el riesgo de fuga o de
interferencia con las investigaciones. Además, ofrece un mejor escenario,
tanto para la defensa, como para la parte acusadora, en el que presentar sus
argumentos a favor o en contra de la procedencia de la prisión preventiva, o
en su caso de otras medidas menos restrictivas. En definitiva, la oralidad
garantiza la posibilidad de discutir todas las cuestiones vinculadas con la
aplicación de la medida cautelar8

A reforma de 2011 das cautelares manteve a estrutura inquisitiva da verificação da necessidade


cautelar, o que pode ser constatado na:

a) Ausência de oralidade no procedimento decisório;


b) Consequente distanciamento do juiz para com a pessoa presa cautelarmente e
c) Baixa densidade racional na motivação, com a manutenção do modelo anterior de
pluralidade de fundamentos que acabam servindo de espécie de “decisão à la carte” quando,
por exemplo, em sede de habeas corpus, se vai verificar a necessidade cautelar (ampliação
dos fundamentos da decisão pelo Juízo competente para apreciação do HC).

Por sua vez, a Lei 13964/2019 nada alterou nesse cenário. As modificações trazidas dizem respeito
à fundamentação das decisões e não o método de sua produção.

Neste ponto, as críticas ao modelo de 2011 permanecem.


Teria sido voltar-se ao texto do projeto “Frederico
Marques” que em seu então artigo 479 disciplinava a
8
Informe sobre el uso de la prisión preventiva en las Américas / [Preparado por la Relatoría sobre los Derechos de las
Personas Privadas de Libertad de la Comisión Interamericana de Derechos Humanos]. p. ; cm. (OAS. Documentos
oficiales ; OEA/Ser.L). 2013. ISBN 978-0-8270-6096-8
abdconst.com.br 23
autuação em apartado para fins de apreciação da prisão Projeto “Frederi co Marques”.
preventiva e contraditório em audiência, com oitiva da Brasil: Senado. Anteprojeto de
reforma do Código de Processo
pessoa a ser submetida à constrição e plena cognição com Penal. Brasília: Diário do
oitiva de testemunhas quando o caso não exigisse a Congresso Nacional. Seção I.
Suplemento A. Edição de 12 de
determinação liminar da medida”. junho de 1975. Pgs. 34/35.

Contudo, um importante passo na matéria foi dado


introduzida pelo CNJ sobre a necessidade da apresentação
pessoa presa em flagrante ao Juiz, procedimento que, entre nós, ganhou o
título de “audiência de custódia”.

24
4.1.1. A “audiência de custódia” e controle da necessidade cautelar

O tema começou a ser tratado legislativamente pelo PLS 544 de 2011, apresentado
pelo Senador Antônio Carlos Valadares, que preconizou a seguinte nova redação para
o art. 306 do CPP:

“§ 1º No prazo máximo de vinte e quatro horas depois da prisão, o preso deverá ser
conduzido à presença do juiz competente, ocasião em que deverá ser apresentado o
auto de prisão em flagrante acompanhado de todas as oitivas colhidas e, caso o
autuado não informe o nome de seu advogado, cópia integral para a Defensoria
Pública”.

Contudo, a reforma pretendida ganhou rumos diferentes porquanto a lei das cautelares
de 2011 não conseguiu alterar o grave cenário da população carcerária de presos
preventivos e, tampouco, influiu na diminuição das noticiadas torturas no ambiente
policial.

Surgiu, assim, o “projeto audiência de custótdia”, slogan empregado pelo CNJ, a


partir de São Paulo, mas cuja primazia do primeiro aparato em funcionamento coube
ao Estado do Maranhão que havia instituído a “audiência” meses antes (Provimentos
21 e 23 de 2014 do TJMA de novembro de 2014).

A combinação dos artigos 287 e 310 do CPP, com a redação dada pela Lei
13964/2019 acabou por regular definitivamente essa audiência fazendo-o de forma
muito similiar à Resolução 213 do CNJ. Essa regulação revela a opção brasileira em
restringir essa audiência ao controle estrito da necessidade cautelar, sem propiciar
espaço para outros desdobramentos processuais como, por exemplo, o acordo de não
persecução penal (ANPP).

4.2. A racionalidade na apreciação da necessidade cautelar: fundamentos


decisórios
abdconst.com.br 25
Um dos aspectos mais destacados da reforma trazida com a Lei 13964/2019 foi a
explicitação em ambito normativo infraconstitucional, das diretirzes de fundamentação
na decisão que reconhece – ou não – a necessidade cautelar.

Mais uma vez o que se buscou foi condensar no texto de lei aspectos dominantes da
jurisprudência – muito mais que da doutrina – visando confinar a atividade do julgador
à obediência da caso concreto e, ainda, forçar a obediência a precedentes de caráter
vinculante. Assim, o cenário normativo passou a ser o seguinte:

“Art. 315. A decisão que decretar, substituir ou denegar a prisão preventiva será sempre
motivada e fundamentada.
§ 1º Na motivação da decretação da prisão preventiva ou de qualquer outra cautelar, o
juiz deverá indicar concretamente a existência de fatos novos ou contemporâneos que
justifiquem a aplicação da medida adotada.
§ 2º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória,
sentença ou acórdão, que:
I - limitar-se à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar
sua relação com a causa ou a questão decidida;
II - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de
sua incidência no caso;
III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão;
IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese,
infirmar a conclusão adotada pelo julgador;
V - limitar-se a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus
fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta
àqueles fundamentos;
VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela
parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação
do entendimento.” (NR)

5. Tempo e medida cautelar

No marco constitucional-convencional (e mais neste que naquele) é perempetória a


afirmação que a imposição da medida cautelar não pode ser desproporcional ao tempo

26
da própria pena – nesse caso afigura-se como pena antecipada. 9

Não por outra razão, em todas as análises sobre o tema que partem da estrutura
internacional de proteção aos direitos fundamentais afirma-se que “Así, en atención al
derecho a la presunción de inocencia y al carácter excepcional de la prisión preventiva
surge el deber del Estado de revisar periódicamente la vigencia de las circunstancias
que motivaron su aplicación inicial” posto que “Este ejercicio de valoración posterior
se caracteriza por el hecho de que, salvo evidencia en contrario, el riesgo procesal
tiende a disminuir con el paso del tiempo”.10

5.1. Controle temporal da medida cautelar

A disciplina infraconstitucional brasileira então modificada pela Lei 12.403/11 no CPP


não previa de forma clara a duração da medida cautelar (e não apenas da prisão
preventiva), tampouco qualquer mecanismo compulsório de sua revisão periódica.

Ademais, se observada a estrutura dos ritos em vigor desde 2008, não há qualquer
diferença obrigatória entre as situações processuais estando a pessoa submetida à
persecução presa ou solta. Assim, temos a seguinte disciplina legal.

E assim disciplinando a matéria o direito brasileiro afasta-se da compreensão basilar


do tema no sistema interamericano posto que “El derecho de toda persona detenida de
ser juzgada dentro de un plazo razonable o a ser puesta en libertad, sin perjuicio de
que continúe el proceso (artículo 7.5 de la Convención y XXV de la
Declaración),implica la obligación correlativa del Estado de “tramitar con mayor
diligencia y prontitud los procesos penales en los que el imputado se encuentre

9
Neste sentido: Pena antecipada - Corte IDH. Caso López Álvarez Vs. Honduras. Sentencia de 1 de
febrero de 2006. Serie C Nº 141, párr. 69; Corte IDH. Caso Acosta Calderón Vs. Ecuador. Sentencia de
24 de junio de 2005. Serie C Nº 129, párr. 111; Corte IDH. Caso Tibi Vs. Ecuador. Sentencia de 7 de
septiembre de 2004. Serie C Nº 114, párr. 180; Corte IDH. Caso “Instituto de Reeducación del Menor”
Vs. Paraguay. Sentencia de 2 de septiembre de 2004. Serie C Nº 112, párr. 229; Corte IDH. Caso
Suárez Rosero Vs. Ecuador. Sentencia de 12 de noviembre de 1997. Serie C Nº 35, párr. 77.
Igualmente, CIDH. Informe Nº 86/09, Caso 12.553, Fondo, José, Jorge y Dante Peirano Basso,
Uruguay, 6 de agosto de 2009, párr. 133; CIDH. Informe Nº 2/97, Caso 11.205, Fondo, Jorge Luis
Bronstein y otros, Argentina, 11 de marzo de 1997, párr. 12; CIDH. Tercer Informe sobre la Situación
de los Derechos Humanos em Paraguay, Cap. IV, párr. 34.
10
COMISIÓN INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS INFORME SOBRE EL USO DE
LA PRISIÓN PREVENTIVA EN LAS AMÉRICAS - 30 diciembre 2013
abdconst.com.br 27
privado de libertad” 11.

A reforma de 2011 construiu, na verdade, uma previsão de “duração da instrução”


seguindo uma forma “tradicional” de lidar com o tema. Esquematicamente:

Tipo Procedimento Prazo finalização da instrução.


Ordinário 60 dias (art. 400 do CPP).
Sumário 30 dias (art. 531 do CPP, primeira parte).
Infração penal de menor potencial ofensivo (Lei 9099/95): sem
Sumaríssimo previsão expressa. Sem possibilidade, em princípio, de pessoa
acusada presa. Procedimento informado pelo princípio da celeridade.
Júri Primeira fase do procedimento: 90 dias (art. 412 do CPP).

Contudo, o mínimo que existe de limitação temporal e que, como visto, não se aplica
exclusivamente às medidas cautelares, sofre mitigações de várias ordens tal como
compreendido na jurisprudência dos tribunais.

Assim, quanto ao alegado excesso de prazo aponte-se, inicialmente, que a


jurisprudência do STF orienta-se no sentido de não haver constrangimento ilegal por
excesso de prazo,quando a complexidade da causa, a quantidade de réus e de
testemunhas justificam a razoável demora para o encerramento da ação penal (cf. HC
89.168, rel. min. Cármen Lúcia, julgamento em 26- 9-2006, Primeira Turma, DJ de
20-10-2006; HC 108.504, rel. min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 11-10-
2011, Segunda Turma, DJE de 14-12- 2011; HC 98.620, rel. p/ o ac. min. Luiz Fux,
julgamento em 12-4-2011, Primeira Turma, DJE de 31-5-2011).

O resultado prático dessa deformação pode ser sentido nas seguintes estatísticas
disponibilizadas pelo CNJ:

11
Caso Barreto Leiva Vs. Venezuela. Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 17 de noviembre de
2009. Serie C No. 206; párr. 120; Corte IDH. Caso Bayarri Vs. Argentina. Excepción Preliminar,
Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 30 de octubre de 2008. Serie C No. 187, párr. 70
28
Ainda:

Porém, com a nova redação do art. 316, parágrafo único do CPP, com a redação dada
pela Lei 13964/2019, passa a existir um necessário controle periódico ao menos da
prisão preventiva de modo a aproximar minimamente o direito brasileiro aos cânones
comparados e contemporâneos da matéria.

Certo, é uma evolução a ser saudada, nada obstante alguns pontos pudessem, desde
sempre, possuir melhor técnica legislativa e aderência ao marco constitucional
convencional, a saber:

a) Determinação de revisão periódica de toda medida cautelar imposta, uma vez


que as não encarceradoras igualmente significam privação da liberdade;
b) Controle judicial em audiência, e não de forma cartorial e burocrática como é

abdconst.com.br 29
da tradição procedimental inquisitiva e que, desde uma visão retrospectiva de
funcionamento da mecânica processual penal, será assim atuada na revisão periódica;
c) Protagonismo do responsável pela acusação na sustentação da permanência da
necessidade cautelar e não o tratamento de uma mera revisão “de ofício” como
mencionado na norma reformada.

6. A prisão temporária

Quadro esquemático geral:

Norma Finalidade Hipóteses


Legal
Prisão Lei 7960 de Preservar a Ser imprescindível para as investigações
Temporária 1989 investigação
O indiciado não tiver residência fixa ou não fornecer
elementos
necessários ao esclarecimento de sua identidade

Houver fundadas razões, de acordo com qualquer


prova admitida na
legislação penal, de autoria ou participação do
indiciado em outros crimes

6.1. Processo legislativo

A prisão temporária foi estabelecida pela Medida Provisória no 111, de 24 de


novembro de 1989 e confirmada, com pequena mudança de redação, pela Lei no 7.960
de 21 de dezembro daquele mesmo ano. Nos anos de vigência da norma sua
constitucionalidade foi questionada junto ao Supremo Tribunal Federal seja pelo

30
processo legislativo empregado (questionamento formal), a partir de Medida Provisória
e sem o requisito de urgência constitucionalmente necessário, seja pela sua
incompatibilidade com o texto constitucional diante de modificações que ampliaram
a possibilidade de emprego desse mecanismo.

Requisito de urgência - Na origem da lei Texto constitucional - Ação


acerca da prisão temporária, uma pergunta Declaratória de
Inscontitucionalidade
sobre a elaboração legislativa era passível de movida pelo Partido
ser levantada, a que dizia respeito à Trabalhista Brasileira em
tramitação no STF sob n.
possibilidade (ou não) do emprego de 4109 (andamento
disponível em
“medidas provisórias” em matérias
http://www.stf.jus.br/port
processuais. Também haveria de ser al/processo/ver Processo
Andamento.asp?
questionado se os requisitos de urgência e incidente=2629686) e que
relevância que inspiram a drástica inserção conta com parecer
desfavorável da
do Executivo em sede legislativa estariam Procuradoria Geral da
presentes em medida provisória com tal República à declaração da
incompatibilidade
objeto. O assunto foi apreciado em ação constitucional.
direta de inconstitucionalidade movida pela
Ordem dos Advogados do Brasil (n. 162,
julgada em 14/12/1989) e o Supremo Tribunal
Federal considerou constitucional o processo
legislativo empregado. Apenas com a
Emenda Constitucional n. 32, de 11 de
setembro de 2001 passou-se a proibir
expressamente o emprego de medidas
provisórias para legislar matéria processual
penal.

abdconst.com.br 31
S e g u n d o s e t o r e s da d o u t r i n a tr CINTRA JÚNIOR, Dyrceu Aguiar Dias. Prisão
a t o u - s e da formalização de uma temporária, o arbítrio tolerado. Boletim IBCCRIM, São
prática reconhecidamente existente Paulo, n. 15, p. 01., abr. 1994.
no plano das atividades de polícia
judiciária e que já fora contemplada no Trata-se do projeto de lei (PL) 1655/1983 derivado do
anteprojeto de Código de Processo denominado “Projeto Frederico Marques” este, por
Penal de 1983, como demonstrado por sua vez, oriundo do Decreto nº 61.239, de 25 de
PITOMBO: agosto de 1967 e retirado do Congresso pelo próprio
Poder Executivo em 17 de novembro de 1989 pela
Mensagem nº 797/89.

" Pretende-se, agora, da autoridade policial presidente do inquérito em curso,


do Ministério Público e do ofendido possam representar pedindo ao juiz
competente a prisão do indiciado e do suspeito pelo prazo máximo de cinco
dias. O magistrado há de decidir motivadamente, decretando ou não a prisão
temporária (arts. 408, V, e 423 do projeto de CPP de 1983). No tocante ao
indiciado, visa o projeto levá-lo a praticar ato que a lei lhe determina, como
objeto que é de investigação; ou, também, deixar de praticar ato que a lei lhe
proíbe, para não obstaculizar a investigação criminal em curso (nos I, II, III e
IV do art. 424, c/c os arts. 91-93). A representação mencionada é de
acontecer, igualmente, na suspeita de roubo, latrocínio, extorsão, seqüestro,
estupro, atentado violento ao pudor, rapto não-consensual, quadrilha ou bando,
tráfico de entorpecentes e de substância que determine dependência física ou
psíquica (no V do art. 424, c/c o parágrafo único do art. 419). Não se há de
executar a prisão temporária contra o indiciado se desaparecem os motivos
que levaram o juiz a decretá-la (art. 425). A prisão temporária, afirme-se de
pronto, emergiu de modo prevalente, qual novidade, no projeto, ao influxo
dos inafastáveis problemas dos grandes centros urbanos (arts. 423-425)12.

12
PITOMBO, Sérgio Moraes. 1986 :pgs. 296-300. Para complementação da crítica a esse
projeto ver Malan, Diogo. Prisão Temporária. In http://www.malanleaoadvs.com.
br/artigos/prisao_temporaria.pdf. Acessado em 15.01.2014
32
É de ser destacado, contudo, que no curso do estado de exceção vivido entre 1964 a 1988 (tomada
esta data como marco da reforma constitucional), no âmbito de uma legislação adjetivada como
“emergencial” existia, ao amparo da Lei de Segurança Nacional - Lei nº 6.620/78, uma forma de
prisão aproximada à prisão temporária, cabível apenas nos casos de apuração de crimes contra a
segurança nacional de acordo o art. 53 da mencionada Lei. A mesma disciplina, com modificação
do tempo de duração da prisão foi mantida pela Lei de nº 7.170, de 14 de dezembro de 1983 (atual
lei de segurança nacional), então com previsão no seu artigo 33.

Art. 53 - Durante as investigações, a autoridade responsável pelo inquérito poderá manter o


indiciado preso ou sob custódia por até trinta dias, fazendo comunicação reservada à autoridade
judiciária competente. § 1º - O responsável pelo inquérito poderá manter o indiciado
incomunicável por até oito dias, observado o disposto neste artigo, se necessário à investigação.
§ 2º - Os prazos de prisão ou custódia fixados neste artigo poderão ser prorrogados uma vez,
pelo mesmo período de tempo acima referido, mediante solicitação do encarregado do inquérito à
autoridade judiciária competente, que decidirá, ouvido o Ministério Público.

Art. 33 - Durante as investigações, a autoridade de que presidir o inquérito poderá manter o


indiciado preso ou sob custódia, pelo prazo de quinze dias, comunicando imediatamente o fato ao
juízo competente. § 1º - Em caso de justificada necessidade, esse prazo poderá ser dilatado por
mais quinze dias, por decisão do juiz, a pedido do encarregado do inquérito, ouvido o Ministério
Público. § 2º - A incomunicabilidade do indiciado, no período inicial das investigações, será
permitida pelo prazo improrrogável de, no máximo, cinco dias.

Possivelmente pela sua aproximação a um mecanismo


típico de estado de exceção essa modalidade de
T OU RI N H O F I L HO ,
prisão foi considerada por muitos autores, entre eles
Fernando da Costa. Processo
TOURINHO FILHO, como “medida odiosa penal, vol 3, Saraiva, São
e arbitrária”. Paulo: 2003, p. 467.

6.2. A funcionalidade específica da prisão temporária

abdconst.com.br 33
Nas primeiras interpretações doutrinárias houve alguma hesitação quanto à definição jurídica dessa
modalidade de prisão, em um momento em que a literatura nacional estava por demais apegada
aos cânones anteriores à reconstitucionalização de 1988 e distante do próprio texto da Convenção
Americana de Direitos do Homem que viria e entrar no cenário jurídico brasileiro em 1992.

Ou “subcautelaridade” como
Assim, à época chegou-se a afirmar que a prisão descrito por LOUREIRO, M. F.
Reflexões sobre a prisão
temporária não possuia natureza cautelar ou MÉDICI, Sérgio
temporária de Oliveira.
nos crimes contra a
mesmo que seria uma antecipação da prisão Observações sobre aIn: prisão
ordem econômica. Luiz A n
tôn io CâBoletim
temporária. m a r a . IBCCRIM,
(Or g. ).
preventiva, Crimes Empresariais - Não
São Paulo, n. 20, p. Cautelas
Autoincriminação, 07., set.
1994.Pessoais e Sigilo Processual.
MÉDICI, Sérgio de Oliveira. 1ed.Curitiba: Juruá, 2012, v.
Observações sobre a prisão 1, p. 251-272.
temporária. Boletim IBCCRIM
São Paulo, n. 20, p. 07.,
set.1994

esta última a verdadeira cautela de ordem pessoal com a


GRECO FILHO, Vicente;.
qual Manual de processo penal. 7.
ed. São Paulo: Saraiva 241).

34
alguns estudos postulavam comunhão de identidade e fundamentos com a preventiva

6.3 Fundamentos da prisão temporária

Neste ponto reside uma das mais acesas polêmicas quanto à lei em tela vez que são três os
fundamentos para a decretação dessa modalidade de custódia cautelar, a saber:
I. ser imprescindível para as investigações;

II. o indiciado não tiver residência fixa ou não fornecer elementos necessários ao
esclarecimento de sua identidade;
III. existir “ fundadas suspeitas” que a conduta apurada se subsuma a uma das
expressamente previstas no rol existente na norma e desde sua entrada em vigor passou-se a discutir
a necessidade da presença dos três fndamentos em conjunto, apenas um deles isoladamente ou, no
mínimo, com a presença de duas das hipóteses legais.

Segundo DE FREITAS, “fundadas razões” nada mais são que indícios


leves de autoria ou participação do indiciado nos delitos do inciso III,
“fundadas razões são indícios menores, não tão claros quanto os que
regulam a prisão preventiva, mas suficientes para a prisão temporária”,
em “Prisão Temporária”. Saraiva, São Paulo: 2004, pp. 115-121.

GRINOVER aduz a impossibilidade da decretação da custódia temporária com base em apenas um


dos incisos, pois não estaria presente ou o fumus boni iuris ou o periculum in mora, desnaturando
assim a essência cautelar da medida. Nesta linha de raciocínio conclui pela necessária presença,
sempre, do inciso III, vez que caracterizador do fumus, a ele agregando-se ao menos um dos outros
dois. Conclui que deve ser afastada a posição que exige a presença concomitante dos três
requisitos, porquanto a prisão temporária só caberia se o indiciado, além das outras condições,
preenchesse a de ser pessoa de identidade
duvidosa ou de domicílio incerto, o
que circunscreveria a aplicabilidade da medida a casos raríssimos, não sendo este, a juízo

abdconst.com.br 35
da nobre autora, o “espírito da lei”. GRINOVER, Ada Pellegrini. Limites
constitucionais à prisão temporária. Revista
Jurídica Brasileira, n. 207, 1995.

Invocado o “espírito da lei”, é necessário conhecê-lo um pouco mais a fundo para concluir porque
apenas a necessidade de duas e não das três causas fundamentadoras da custódia em apreço.

36
A necessidade sempre da presença do do periculum. Não havendo ligação lógica ou
inciso III é do sistema da lei. Desejasse teleológica dessas causas, não há motivo para exigir
o legislador seu cabimento para suas presenças contemporâneas ao lado do sempre
qualquer crime, não haveria a presente inciso III.
necessidade da exposição taxativa de um
rol de tipos penais.
Sendo medida cautelar, há necessidade
da presença do periculum, cujos
fundamentos são dados pelos incisos I e
II. Resta indagar se apenas um deles já
constitui o perigo reclamado pela
medida cautelar ou se apenas presentes
os dois conjuntamente (o que
equivaleria dizer a necessidade dos três
requisitos) haveria a legalidade da
constrição da liberdade. Contudo, de
plano, deve ser evitada a posição
utilitária quanto à diminuição das
hipóteses fáticas caso fosse exigida a
presença de todos os requisitos.
Por outro lado, os fundamentos cautelares
dos incisos I e II são absolutamente
distintos. O primeiro, de
constitucionalidade duvidosa porque
resvala na seara da inquisitividade, ao
transformar o suspeito em objeto da
investigação, nada influi ou deflui da
condição do segundo inciso, que trata
apenas das matérias residência e
identidade. Assim, a cumulatividade não
se faz necessária porque o legislador
vislumbrou a ambas como fundamentos

abdconst.com.br 37
6.4 Esgotamento da prisão
temporária e atuação policial na
liberação da pessoa presa

Se quanto à determinação da prisão é


clara a existência de reserva
jurisdicional, o mesmo não se dá quanto
à liberação do preso, o que possibilita
margem de discussão acerca da
autonomia policial para soltá-lo, seja
quando esgotado o prazo judicialmente
determinado ou, ainda, antes desse
prazo e mesmo sem conhecimento
judicial.

“Ultrapassado o prazo máximo da prisão


temporária, o investigado poderá ser
posto em liberdade por ato próprio
da autoridade policial, ou, para tanto,
necessitará esta de expedição de alvará
de soltura da autoridade judicial? Apesar
das divergências existentes, não temos a
menor dúvida de que, sendo a prisão
temporária decretada por decisão judicial,
ainda que expirado o seu prazo, apenas
por ato do juiz poderá ser revogada”
(AVENA, Norberto. Processo Penal
Esquematizado
– 2ª ed. – Rio de Janeiro: Forense; São
Paulo: Método, 2010, página 895).

38
Atrelada a uma visão utilitária da prisão temporária para a investigação no inquérito policial, não
são raras as manifestações jurisprudenciais que dão pela possibilidade da Autoridade Policial, por
sua própria iniciativa, soltar a pessoa presa quando entender que a prisão não é mais necessária sem
que isso configure qualquer irregularidade com repercussões administrativas ou penais. Fica
exponenciado, por essa linha de entendimento, o grau de autonomia policial na condução da
investigação e na elaboração do mérito que dela se faz.

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