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Transtornos Alimentares e

Obesidade
Faculdade CNI
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SUMÁRIO

UNIDADE 1 – TRANSTORNOS ALIMENTARES


1.1 Anorexia Nervosa..................................................................................................................... 4
1.2 Bulimia Nervosa ....................................................................................................................... 7
1.3 Outros Transtornos do Comportamento Alimentar .....................................................10
1.4 Obesidade ................................................................................................................................11

UNIDADE 2 – DIAGNÓSTICO E CURSO DOS TRANSTORNOS ALIMENTARES


2.1 Introdução................................................................................................................................14
2.2 Anorexia Nervosa...................................................................................................................17
2.3 Bulimia Nervosa .....................................................................................................................21
2.4 Transtorno de Compulsão Alimentar ...............................................................................25
2.5 Outro transtorno alimentar especificado ........................................................................27

UNIDADE 3 – EFICÁCIA DO MINDFUL EATING PARA TRANSTORNOS ALIMENTARES


E OBESIDADE: REVISÃO INTEGRATIVA
3.1 Introdução................................................................................................................................29
3.2 Transtornos alimentares .....................................................................................................31
3.3 Mindful eating e transtorno da compulsão alimentar, anorexia nervosa, bulimia
nervosa e obesidade ....................................................................................................................33

REFERÊNCIAS ............................................................................................................ 35
4

UNIDADE 1 – TRANSTORNOS ALIMENTARES

1.1 Anorexia Nervosa


A anorexia nervosa caracteriza-se pela presença de peso muito baixo em

relação à altura devido à restrição de ingesta calórica em relação às necessidades, o

que leva à perda de peso autoinduzida. Tal perda se dá, portanto, por abstenção de

alimentos que engordam ou por comportamentos como vômitos e/ou purgação

autoinduzidos, exercício excessivo e uso de anorexígenos e/ou laxantes e diuréticos

(Fichter, 2005; Wilson; Shafran, 2005). A anorexia nervosa ocorre bem mais em

mulheres (proporção mulheres: homens de 10:1), com prevalência nos últimos 12

meses de 0,4% entre jovens do sexo feminino (APA, 2014).

Há busca implacável de magreza e medo intenso e mórbido de parecer ou ficar

gorda(o) (Nunes; Abuchaim, 1995). Para o diagnóstico, o índice de massa corporal

deve ser menor do que 18,5 em adultos ou abaixo do quinto percentil em crianças e

adolescentes. Essa perda de peso corporal não deve ser devida a outra doença (CID-

11, 2018).

Pode haver vômitos autoinduzidos, uso de laxantes e gastos excessivos de

energia, tipicamente associados ao medo de ganhar peso. O baixo peso e a forma do

corpo (estar bem magra) são centrais para a autoavaliação da pessoa e,

frequentemente, percebidos de forma distorcida, como se fossem normais ou mesmo

obesas (ou com partes do corpo “muito gordas”), em uma pessoa que, de fato, está

extremamente magra (CID-11, 2018).


5

Quando a perda de peso marcante ocorre, surgem alterações endócrinas como

amenorreia hipotalâmica (suspensão da menstruação), hipercortisolemia relativa,

resistência nutricialmente adquirida ao hormônio do crescimento, baixo nível de fator

1 de crescimento insulina-like, queda da leptina, da insulina, da amilina e outras

incretinas, assim como aumento da grelina (resistência à grelina), do PYY e da

adiponectina. Há também queda importante da densidade óssea, e podem ocorrer

fraturas e mudanças na microarquitetura dos ossos (Misra; Klibanski, 2014).

Tem sido sugerido que a anorexia nervosa possa ser compreendida como uma

perturbação das vias de recompensa ou uma tentativa de preservar a homeostase

(equilíbrio fundamental) mental. Tem sido dada ênfase especial à resistência à grelina

e à importância de peptídeos orexígenos no hipotálamo lateral, além de à intervenção

da microbiota e do sistema de sinalização de neuropeptídeos (ver Gorwood et al.,

2016).

Do ponto de vista psicopatológico, é característica da anorexia nervosa a

distorção da imagem corporal: apesar de muito emagrecida, a paciente percebe-se

gorda, sente que algumas partes de seu corpo, como o abdome, as coxas e as

nádegas, estão “muito gordas”. O pavor de engordar persiste como uma ideia

permanente, mesmo que a paciente esteja com o peso bem abaixo do normal. Essa

distorção da imagem corporal é uma ideia prevalente, típica, mas não obrigatória, na

anorexia nervosa.

Não é incomum que a pessoa com anorexia apresente episódios de bulimia

(comer compulsivo seguido de vômitos e/ou purgação). Eles ocorrem com mais
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frequência em garotas adolescentes e mulheres jovens, e muitos casos se iniciam

com dietas aparentemente inocentes, que evoluem para graves quadros anoréticos.

Parece haver prevalência bem maior do transtorno em sociedades

industrializadas, ocidentais, nas quais, especialmente em relação às mulheres, ser

atraente está ligado à magreza (Gerbasi et al., 2014). Outro mecanismo envolvido é a

luta obstinada por “controle total”. A paciente busca tenazmente controlar sua vida

por meio da alimentação, do peso e das formas corporais.

Tenta controlar conflitos (na área do relacionamento com os pais, com amigos,

no campo da sexualidade, etc.) por meio do controle do peso e da imagem corporal. A

mortalidade é variável (em torno de 5%) devido a complicações cardiovasculares,

hidreletrolíticas, metabólicas e endocrinológicas.

Atualmente, o Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM-

5) reconhece dois subtipos de anorexia nervosa: o tipo restritivo, no qual a paciente

se torna e permanece anorética pela restrição de alimentos, podendo apresentar ou

não sintomas obsessivo-compulsivos, e o tipo compulsão alimentar purgativa, no

qual, além de evitar ingerir alimentos calóricos, a pessoa tem comportamentos ativos

de perda de calorias, como vômitos autoinduzidos, exercícios excessivos e uso de

laxantes, diuréticos e enemas (Keel; Fichter; Quadflieg, 2004).

Deve-se diferenciar a anorexia nervosa do transtorno alimentar

restritivo/evitativo (CID-11 e DSM-5). Este se caracteriza por esquiva ou restrição

graves na área da alimentação, “produzidas”, em certo sentido, pela aversão a

alimentos pela pessoa acometida (não por falta de alimentos). Geralmente o padrão
7

começa a desenvolver-se na fase de criança lactente ou na primeira infância (0-3

anos) e pode persistir ao longo da infância, da adolescência e do período adulto. O

comportamento alimentar restritivo resulta em aporte inadequado e insuficiente de

quantidade e variedade de alimentos para gasto energético e as necessidades

nutricionais.

A restrição alimentar causa perda de peso significativa, falha em ganhar peso

adequado para o desenvolvimento infantil ou, na gestante, para o desenvolvimento

da gestação. A alimentação pode depender de suplemento nutricional ou nutrição

enteral por sonda. Importante salientar aqui que o padrão alimentar restritivo,

diferentemente do que ocorre na anorexia nervosa, não reflete preocupações com o

peso ou com as formas corporais. O comportamento está centrado em evitar

alimentos, não em parecer magro ou no pavor de engordar.

1.2 Bulimia Nervosa


A bulimia nervosa (BN) caracteriza-se por preocupação persistente com o

comer e desejo irresistível de se alimentar, com o paciente sucumbindo a repetidos

episódios de hiperfagia, ou binge eating (“ataques” à geladeira, à despensa, com

sensação de perda do controle no comer). Caracteriza-se, ainda, por preocupação

excessiva com controle do peso corporal, que leva o paciente a tomar medidas

extremas, como vômitos autoinduzidos, purgação, enemas e diuréticos, a fim de

mitigar os efeitos do aumento de peso decorrente da ingestão de alimentos (Mehler,

2003).
8

Os indivíduos com BN estão geralmente dentro da faixa de peso normal,

embora alguns possam apresentar-se levemente acima ou abaixo dela (mas na

obesidade mórbida ela também está presente). O comportamento purgativo pode

produzir alterações hidreletrolíticas (hipocalemia, hiponatremia e hipocloremia). A

perda de ácido gástrico por meio dos vômitos pode ocasionar alcalose metabólica, e

a frequente indução de diarreia pelo abuso de laxantes pode causar acidose

metabólica.

O vômito recorrente pode acarretar perda significativa e permanente do

esmalte dentário, o que pode levar à perda dos dentes. Da mesma forma que a

anorexia nervosa, a bulimia ocorre, em cerca de 90% dos casos, em mulheres

(proporção mulheres:homens de 10:1), iniciando-se no fim da adolescência ou no

início da idade adulta. A prevalência global em jovens do sexo feminino é de 1 a 1,5%

(APA, 2014). Os indivíduos com BN tipicamente se envergonham de seus problemas

alimentares e procuram ocultar seus sintomas. Há um sentimento importante de falta

de controle.

No Brasil, em um estudo epidemiológico realizado em Minas Gerais

(mencionado anteriormente), com 1.807 crianças e adolescentes (7-19 anos), a

prevalência de possível BN (BITE ≥ 20) foi de 1,1% (Vilela et al., 2002). Na cidade de

São Paulo, um estudo epidemiológico com 1.464 pessoas revelou a prevalência de BN

de 2,4% em mulheres e de 0,3% em homens (Andrade et al., 2002). No estudo

epidemiológico referido, de Porto Alegre, com amostra representativa de 1.525

mulheres, de 12 a 29 anos de idade, a prevalência de possível BN (BITE ≥ 20) foi de


9

2,9% (Nunes et al., 2003). Assim, esse transtorno não só está presente em nossa

sociedade como tem níveis, no mínimo, semelhantes aos da população norte-

americana.

Como a BN é um comportamento socialmente condenável, as pacientes

costumam negar os sintomas quando inquiridas por profissionais de saúde. O DSM-

5 indica quatro níveis de gravidade da BN:

1. leve, com média de 1 a 3 episódios de bulimia e comportamentos

compensatórios inapropriados (vômitos autoinduzidos, uso de

laxantes, diuréticos, entre outros) por semana;

2. moderada, com 4 a 7 episódios semanais;

3. grave, com 8 a 13 episódios por semana;

4. extrema, com mais de 14 episódios semanais.

Por fim, é importante citar que o transtorno de compulsão alimentar (DSM-5

e CID-11) se caracteriza por episódios frequentes e recorrentes de comer compulsivo

(binge eating), pelo menos uma vez por semana, por vários meses. O indivíduo tem a

sensação subjetiva de perda do controle em comer, não consegue, na compulsão,

parar de comer. Sente muito sofrimento com isso, acompanhado de sentimento de

culpa e repulsa de seus comportamentos. Entretanto, nesse caso, diferentemente da

BN, não há comportamentos purgativos após a compulsão alimentar. A pessoa não

produz vômito autoinduzido, não faz exercícios extremos e não abusa de laxantes ou

enemas; ela apresenta apenas a compulsão alimentar.


10

1.3 Outros Transtornos do Comportamento Alimentar


O transtorno denominado “pica” (DSM-5 e CID-11), já descrito por Hipócrates,

400 anos antes de Cristo (que a descreveu como “ânsia por comer terra devido a uma

alteração sanguínea”), caracteriza-se pela ingestão persistente e regular de

substâncias não alimentares, muitas vezes bizarras, como geofagia (comer argila,

terra) ou comer reboco, giz, gesso, plástico, metal, papel ou, ainda, ingredientes crus

dos alimentos (como grande quantidade de sal ou farinha), durante o período mínimo

de um mês.

O curioso nome pica foi dado a esse transtorno em alusão ao nome científico

de uma ave, a pega-rabuda, ou pega-rabilonga (nome científico em latim Pica pica,

em inglês magpie), um tipo de corvo de 45 cm que, por ser extremamente voraz, come

quase de tudo. Alguns autores sugerem incluir a coprofagia (comer fezes) e a

potomania (ingerir grandes quantidades de água) como variantes desse transtorno

(Kouidrat et al., 2014).

A ingestão de substâncias deve ser inapropriada para o estágio de

desenvolvimento da criança (para o diagnóstico, a criança deve ter mais de 2 anos) e

não faz parte de uma prática culturalmente sancionada e compartilhada (a geofagia,

sobretudo argila, já foi prática cultural em algumas regiões da África). A pica é um

transtorno observado com maior frequência em crianças pequenas, gestantes,

lactantes, pessoas com deficiência intelectual, autismo ou esquizofrenia (Kouidrat et

al., 2014; Tokue et al., 2015).

O transtorno causa danos à saúde, prejuízo do funcionamento social ou risco

significativo devido à frequência, à quantidade ou à natureza das substâncias ou


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objetos ingeridos. A relação entre pica e déficits de micronutrientes tem sido

postulada (mas não confirmada), pois há com frequência anemia e níveis baixos de

hemoglobina, do hematócrito e de zinco, entretanto os sentidos causais não puderam

ser esclarecidos (Miao et al., 2015).

No transtorno de ruminação (DSM-5 e CID-11), há o comportamento repetido

e intencional de regurgitar (do estômago para a boca novamente) o alimento ingerido.

O alimento regurgitado pode ser remastigado e reengolido ou pode simplesmente ser

cuspido, ejetado para fora da boca (não como vômito).

Para esse diagnóstico, o comportamento deve ocorrer com frequência, em

geral várias vezes por semana, durante pelo menos um mês. Esse comportamento

não é explicado por causas físicas gastrintestinais, como refluxo gastresofágico ou

estenose do piloro, e não ocorre exclusivamente durante o curso de outro transtorno

alimentar (anorexia, BN, compulsão ou evitação alimentar). Em crianças, a idade

mínima para o diagnóstico do transtorno é de 2 anos.

1.4 Obesidade
Embora a obesidade não seja classificada como um transtorno do

comportamento alimentar, será abordada aqui devido a sua frequência e grande

importância para a saúde física e mental. Ela é uma condição complexa, determinada

por fatores genéticos, desenvolvimento psicológico, familiares e culturais.

A obesidade é mais frequente em indivíduos de baixo nível socioeconômico e

do sexo feminino e em sociedades industrializadas e urbanas, bem como culturas nas

quais a atividade física não é predominante. A pandemia da obesidade, que cresce a


12

cada ano em muitos países, tem tido marcante impacto na vida contemporânea

(Wadden, 1995; Swinburn et al., 2011). Além disso, a condição tem grande

importância para a saúde pública, pois associa-se a taxas elevadas de (Halpern, 1998;

Kolotkin; Andersen, 2017):

• Morbidade. Aumento na prevalência de diabetes melito tipo 2,

hipertensão arterial, apneia do sono, problemas ortopédicos e

dermatológicos. Em mulheres ocorrem irregularidades menstruais,

hiperandrogenismo e infertilidade. Em homens ocorre diminuição dos

níveis de testosterona e disfunção erétil.

• Mortalidade. Ocorre por distúrbios cardiovasculares, respiratórios e

endócrinos, assim como pelo risco aumentado de tumores de mama,

útero, ovário, próstata, intestino grosso e vias biliares.

• Piora na qualidade de vida. A obesidade impacta seriamente na

qualidade de vida das pessoas. Tem sido demonstrado que o

tratamento exitoso da obesidade mórbida (com cirurgia bariátrica ou

tratamento clínico) tem importante efeito positivo sobre a qualidade de

vida.

Um dos pontos fundamentais da obesidade é a disfunção dos mecanismos de

saciedade do indivíduo. De modo geral, o indivíduo não se alimenta apenas de forma

precipitada ou voraz; ele faz suas refeições de forma contínua enquanto houver

alimento disponível; não é capaz (ou tem dificuldade) de parar de comer. O indivíduo

com obesidade é muito sensível a assuntos alimentares e preocupado com a comida,


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com os diferentes sabores dos alimentos, com sua disponibilidade e aparência, entre

outros aspectos.

Anotações

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UNIDADE 2 – DIAGNÓSTICO E CURSO DOS TRANSTORNOS


ALIMENTARES

2.1 Introdução
Um comportamento é dito como comportamento-problema quando a

consequência de sua ação é, de alguma forma, prejudicial à pessoa ou diretamente a

outra pessoa. Um transtorno mental é caracterizado por um conjunto de sinais,

sintomas e/ou comportamentos persistentes que causam prejuízo funcional,

ocupacional ou pessoal à pessoa ou a outros (APA, 2014). Quando se apresentam os

transtornos alimentares, quer-se referir aos transtornos em que o principal indicativo

são comportamentos ou pensamentos recorrentes e persistentes referentes à

alimentação ou ao ato de comer que, quando na sua execução, causam prejuízo ou

sofrimento à pessoa. Os prejuízos estão relacionados a uma alteração no consumo de

alimentos que levam à um comprometimento à saúde física ou psíquica.

Além da anorexia nervosa (AN), bulimia nervosa (BN) e transtorno de

compulsão alimentar (TCA), o Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos

Mentais, em sua quinta edição (DSM-5, APA, 2014), apresenta os transtornos de pica

(quando há a persistente ingestão de substâncias não alimentares), transtorno de

ruminação (persistente regurgitação de alimentos), transtorno alimentar

restritivo/evitativo (recusa em alimentar-se baseada nas características sensoriais

alimentares, entre outros fatores evitativos, que leva a uma insatisfação às

necessidades básicas nutricionais), outro transtorno alimentar especificado e

transtorno alimentar não especificado.


15

À exceção do transtorno de pica, que pode haver comorbidade com outros

transtornos alimentares, os demais transtornos têm critérios

excludentes/diferenciais entre si, devido a especificidades do curso, apresentação

clínica e necessidades de tratamento. Sendo assim, não é possível diagnosticar, por

exemplo, anorexia nervosa durante um mesmo episódio de bulimia nervosa (APA,

2014). Dessa forma, reconhecer os diferenciais de cada transtorno torna-se essencial

para o adequado tratamento e encaminhamento.

Respeitando os objetivos do presente livro, serão abordados e aprofundados,

neste capítulo, os critérios de AN, BN e TCA. Destaca-se a ausência da obesidade

como um transtorno mental, ainda que no senso comum possa ser considerada. Na

clínica, é sabido que a obesidade provém do desequilíbrio entre ingesta energética e

gasto energético (WHO, 2015). Porém, o gasto energético provém de diversos fatores

além e diferentes aos necessariamente relacionados ao comportamento alimentar,

tais como genéticos, fisiológicos e ambientais. Tais fatores variam muito entre

indivíduos e, ressaltamos, não necessariamente estão relacionados a

comportamentos ou pensamentos prejudiciais diretamente relacionados à

alimentação ou ao ato de comer (o sedentarismo, por exemplo, está relacionado à

obesidade. Porém não tem a ver com comportamentos ou pensamentos associados

à alimentação ou às consequências da alimentação para ser considerado um

transtorno alimentar). De toda a forma, não considerar a obesidade como transtorno

mental não a exclui de estar relacionada a transtornos mentais (tais como TCA,

transtornos de humor, etc.) ou a comportamentos problema (sedentarismo, por


16

exemplo) e, por isso, ela também será abordada em capítulos específicos na terceira

parte deste livro.

A seguir, apresentamos uma tabela comparativa entre os transtornos AN, BN

e TCA para facilitar a identificação de sinais e sintomas e, assim, diagnosticar

adequadamente os transtornos.

Tabela 1.1. Comparação de características e sintomas presentes na anorexia

nervosa, bulimia nervosa e transtorno de compulsão alimentar*

A consequência prejudicial dos transtornos alimentares é relativamente

conhecida. Estudo avaliando alterações nas funções cognitivas em tarefas que

avaliam memória e aprendizagem verbal, memória e aprendizagem visual, velocidade

de processamento da informação, habilidade viso espacial, memória de trabalho,

funções executivas, fluência verbal, atenção e função motora, aponta que pacientes

com transtornos alimentares têm significativa pontuação baixa em comparação a

pessoas sem nenhum transtorno mental. A AN tem pior desempenho na


17

aprendizagem e memória verbal, aprendizagem e memória visual, habilidade viso

espacial, memória de trabalho e funções executivas. Alterações em BN também

foram notadas, porém mediadas por sintomas depressivos e índice de massa corporal

(IMC) (Weider, Indredavik, Lydersen & Hestad, 2015).

Anorexia nervosa e bulimia nervosa são mais frequentes em adolescentes do

sexo feminino e comórbidas de depressão e outros transtornos mentais (Harrignton,

Jimerson, Haxton, & Jimerson, 2015). Outros dados epidemiológicos poderão ser lidos

no Capítulo 2 deste livro.

As alterações dos critérios e do grupo de transtornos considerados

“transtornos alimentares” do DSM-5, incluindo, por exemplo, o transtorno de

compulsão alimentar, tende a minimizar um problema que era comum: o de

transtornos de pessoas com transtornos alimentares serem diagnosticados como

“transtorno alimentar sem outra especificação” (baseado no DSM-IV-TR) por falta de

critérios específicos, influenciando no plano e na execução do tratamento (Christine,

Timothy, & Evelyn, 2013).

2.2 Anorexia Nervosa


Três aspectos se destacam para diagnosticar anorexia nervosa: restrição

persistente de alimentação, medo intenso de ganhar peso ou comportamento

prejudicial persistente que interfere no ganho e alteração na percepção do próprio

corpo. A AN envolve assumir comportamentos que levam a deixar de ser atendida às

necessidades básicas calóricas para manter o organismo adequadamente ativo

através de uma restrição da ingesta de calorias. Isso tem como resultado a diminuição
18

significativa do peso corporal, a ponto de ficar inferior ao peso mínimo normal em

relação à idade, gênero, desenvolvimento e saúde física geral. Pode-se utilizar o índice

de massa corporal (IMC) como medida para determinar a normalidade do peso

corporal. O IMC é calculado como o peso em quilogramas dividido pela altura em

metros quadrados. É sabido que o IMC é falho, pois não distingue massa magra de

gordura. Porém, para o ambiente clínico, permanece sendo um bom índice de triagem.

Uma pessoa com IMC inferior a 17,0 pode ser considerada com um peso

significativamente baixo. Esse pode ser um bom indicativo (porém não suficiente) do

preenchimento desse critério de AN. Destaca-se que se deve considerar a inexistência

de qualquer problema fisiológico que possa resultar na diminuição do peso. Caso tais

perturbações fisiológicas estejam presentes, não se deve considerar satisfeito esse

critério de restrição alimentar.

Associado a esse critério restritivo alimentar, há ou um medo forte em retomar

ou ganhar peso e, assim, engordar e/ou uma série de comportamentos que levam a

não aquisição de peso. Mesmo que a pessoa perca peso, esse medo tende a

permanecer, podendo, inclusive, aumentar. Por fim, há uma perturbação na forma

como o próprio peso ou a forma corporal são vivenciados, afetando a autoavaliação,

a autoestima e, em alguns casos, levando à ausência de reconhecimento da gravidade

de estar em tão baixo peso corporal. Tal perturbação pode levar a comportamento tais

como pesagem frequente, medição excessiva de partes específicas do corpo,

observação excessiva do corpo em espelhos (APA, 2014). Perder peso pode ser visto

como uma conquista e uma marca de autocontrole (o contrário, ganhar peso, como
19

uma derrota e fracasso). A Classificação Internacional de Doenças (CID-10) acrescenta

como critério um transtorno endócrino generalizado envolvendo o eixo hipotalâmico-

hipofisário-gonodal (OMS, 1993). Tal transtorno é marcado por alterações hormonais

e funcionais em níveis hematológicos, bioquímicos, endócrinos, entre outros.

É incomum que pessoas que sofrem de AN procurem atendimento por vontade

própria, visto que a marca do sucesso e autocontrole para elas é, justamente, resistir

à restrição alimentar. Usualmente, familiares notam a perda do peso excessiva e as

alterações nos comportamentos alimentares ou posteriores à alimentação e, assim,

encaminham para tratamento. Dessa forma, é importante que o clínico esteja

preparado para receber um(a) paciente indisposta e resistente ao tratamento.

O critério de amenorreia, presente no DSM-IV, foi retirado do DSM-5, pois há

indivíduos que apresentam todos os critérios para AN, mas relatam alguma

menstruação, mesmo que sem regularidade. Outro motivo para a exclusão do critério

é que ele não poderia ser aplicado a meninas prémenarca, mulheres com uso de

pílulas anticoncepcionais, mulheres pós-menopausa e homens (Black & Grant, 2015).

Mesmo não sendo um critério, amenorreia está associada a piores condições médicas

gerais e, por isso, é uma informação importante para o clínico e o planejamento do

tratamento.

Há dois tipos de AN: tipo restritivo (F50.01), caracterizado por não haver

episódios recorrentes de compulsão alimentar ou comportamentos purgativos ou

compensatório, tais como vômitos e uso de laxantes e diuréticos de forma induzida e

indevida. A redução do peso está associada à dieta, jejum ou realização de exercícios


20

físicos excessivos. O outro tipo é o compulsão alimentar purgativa (F50.02), em que

há a presença de episódios recorrentes de compulsão alimentar purgativa (ou seja,

após a compulsão alimentar, lança mão de vômitos ou outras substâncias que incitam

a eliminação calórica do alimento). É sabido que muitos pacientes podem transitar por

esses subtipos. Devido a isso, é importante informar, no momento do diagnóstico, o

subtipo atual a partir dos sintomas apresentados no presente momento, mesmo que

historicamente estivesse em outro subtipo.

O DSM-5 aponta a necessidade de especificar a gravidade atual da AN. Em

adultos, a gravidade é avaliada a partir do Índice de Massa Corporal (IMC) e em

crianças e adolescentes, no percentil do IMC. Para adultos, a gravidade vai de leve

(IMC menor que 17), Moderada (de 16 a 16,99), Grave (de 15 a 15,99) e Extrema

(menor que 15). Além do IMC, o grau de prejuízo funcional, problemas clínicos

associados e a necessidade de supervisão por terceiros influenciam na avaliação da

gravidade.

Há diversas condições médicas importantes e potencialmente fatais

associadas à AN que devem ser acompanhadas pelo(a) clínico. Como é possível ler nos

capítulos 5 e 9 desse livro, as alterações nutricionais e clínicas afetam a maioria dos

sistemas regulatórios do corpo, causando sérios prejuízos ao seu funcionamento.

Além disso, quando gravemente abaixo do peso, sintomas depressivos, isolamento

social, irritabilidade, insônia e diminuição da libido também podem estar presentes

(APA, 2014).
21

É importante o clínico ou familiares ficarem atentos à atividades físicas

excessivas e a uso indevido de medicamentos para perder peso ou evitar ganhar. Tais

condutas estão associadas à fase inicial de tratamento (APA, 2014). Outras condutas

associadas são: ansiedade de alimentar-se em público, rigidez cognitiva, expressão

emocional limitada, diminuição na espontaneidade social. Mulheres com dificuldade

de recuperar-se do transtorno eram mais propensas a ter sintomas depressivos

antes do desencadeamento da AN e apresentavam maiores características de

perfeccionismo (Keski-Rahkonen et al., 2014)

Geralmente a AN inicia durante a adolescência ou na adultez jovem. O curso e

desfecho variam muito, indo de recuperação total após primeiro episódio até curso

crônico ao longo da vida, podendo levar à morte (Franko et al., 2013). Maiores

informações epidemiológicas sobre o transtorno poderão ser lidas no capítulo 2 desse

livro. Quanto aos diagnósticos diferenciais, é importante descartar os seguintes

transtornos, entre outros: transtorno dimórfico corporal, transtorno por uso de

substância, bulimia nervosa, transtorno restritivo/evitativo (APA, 2014). Ambos

manuais classificatórios destacam a importância de observar e diferenciar sintomas

obsessivos, quando presentes (OMS, 1993).

2.3 Bulimia Nervosa


A bulimia nervosa (BN) é marcada pela recorrência e persistência de episódios

de compulsão alimentar associados a comportamentos compensatórios

inapropriados com o objetivo de impedir o acréscimo do peso, tais como vômito

induzido ou uso de medicamentos e exercícios físicos em excesso. Compulsão


22

alimentar é definida pela ingestão de uma quantidade de alimentos

significativamente maior do que a maioria das pessoas comeriam no mesmo período

e nas mesmas circunstâncias e pela sensação de falta de controle sobre o que se está

ingerindo. É importante, para uma adequada classificação do diagnóstico, essa

definição de compulsão alimentar. Ela deixa claro que eventos sociais em que

culturalmente ou socialmente se come mais, como festas de aniversário, feriados

comemorativos, só devem ser considerados episódios de compulsão se a pessoa

comer significativamente mais do que a maioria das pessoas comeram durante o

evento, que por si já é farto de alimento e leva pessoas a comerem mais que o seu

normal (APA, 2014). Além disso, um episódio de compulsão alimentar não precisa

ocorrer somente em um contexto: se a pessoa comeu em uma festa a quantidade

alimentar semelhante à que outras pessoas comeram, porém continuou a comer

quando chegou em casa, isso pode ser avaliado como compulsão alimentar. Cabe

ressaltar que a definição e avaliação do “normal” deve ser avaliado dentro do contexto

específico em que ocorre o comportamento alimentar. “Normal” vem de “norma” e

refere-se à frequência, intensidade e duração de algo em comparação a outros em um

mesmo contexto.

A compulsão alimentar não é circunscrita a um tipo de alimento (por exemplo:

doce). Ela está muito mais vinculada à quantidade e frequência alimentar do que ao

tipo de alimento em si. Uma sensação imediata ao episódio pode ser um alívio de

sofrimento, porém, alterações de humor e autoavaliações negativas podem vir a

médio e longo prazo.


23

Como já dito anteriormente, a BN não é marcada apenas pela compulsão

alimentar e sim, também, pela utilização de comportamentos compensatórios

inapropriados, também chamados de comportamentos purgativos, para impedir o

acréscimo do peso. Diz-se que um comportamento é um comportamento

compensatório inapropriado quando sua realização tem a função de afastar a pessoa

de algo aversivo a ela, porém, a consequência desse comportamento tende a se tornar

um problema maior que o próprio estímulo aversivo. A purgação pode vir através de

exercícios físicos exagerados (os quais interferem o dia a dia da pessoa), vômitos

autoinduzidos, jejum, uso de laxantes, diuréticos ou outras medicações para evitar

acrescer peso. Desses, um dos mais utilizados é o vômito, devido ao rápido alívio

gerado e a sensação de controle da situação após um episódio de compulsão. Para

compreender melhor a purgação, pode-se fazer a associação desse ato com o da

compulsão ou ritual em um transtorno obsessivo-compulsivo. Ambos, tanto a

purgação em BN quanto o ritual em TOC, têm a função de aliviar o sofrimento gerado

pelo evento anterior (compulsão alimentar, no caso da BN, obsessão, no caso de TOC).

Há casos em que o vômito é utilizado não só após episódios de compulsão alimentar,

mas após qualquer alimentação, nos primeiros sinais perceptivos de alimento no

estômago. A purgação torna-se tão problemática quanto a compulsão alimentar.

Diferente do apresentado no DSM-IV-TR (APA, 2014), tanto a compulsão

alimentar quanto os comportamentos compensatórios ocorrem frequentemente,

tendo uma média de episódios de, no mínimo, uma vez por semana (antes exigia-se

dois episódios semanais). Tal alteração foi avaliada em estudo para verificar se
24

pessoas com um episódio (DSM5) diferiam nas funções psicológicas das pessoas que

preenchiam critérios pelo DSM-IV-TR. Os resultados sugerem que prejuízos diretos e

indiretos relacionados ao transtorno alimentar são compatíveis entre aqueles com

um episódio semanal e dois ou mais (MacDonald, McFarlane, & Olmsted, 2014).

Assim como na anorexia nervosa, na bulimia nervosa a autoimagem corporal (forma

e peso do corpo) influencia indevidamente na autoavaliação geral da pessoa que sofre

desse transtorno. Cabe destacar que, diferente da anorexia nervosa tipo compulsão

alimentar purgativa, na BN não há restrição da ingesta de alimento como padrão

comportamental.

Pessoas que sofrem de BN tendem a sentir vergonha do seu padrão alimentar

e buscam esconder seus problemas com a alimentação. A compulsão normalmente

ocorre em situações em que se encontram sozinhas ou de forma bem discreta.

Fatores desencadeantes de um episódio de compulsão alimentar são: humor triste ou

deprimido, discussão com outras pessoas, dietas, avaliações negativas quanto ao

corpo, ao peso ou a alimentos e o tédio (APA, 2014).

Também é possível especificar a gravidade atual do transtorno, a partir da

frequência de comportamentos compensatórios inapropriados. Vai de Leve (média de

1 a 3 episódios por semana), Moderada (4 a 7), Grave (8 a 13) e Extrema (14 ou mais

por semana).

O IMC de uma pessoa com BN geralmente indica uma numeração normal, ou

com sobrepeso (Herzog & Eddy, 2010). Após a compulsão alimentar, tendem a optar

por comidas dietéticas ou a evitar alimentos engordantes. Assim como na AN, a BN


25

tem seu início comumente na adolescência ou idade adulta jovem. Frequentemente a

compulsão alimentar começa durante ou após um episódio de dieta para perder peso

(APA, 2014). BN é um transtorno duradouro, durando muitos anos na maioria dos

casos, crônico ou intermitente. A mudança diagnóstica de BN para AN ocorre em uma

minoria dos casos. Porém, a alteração sintomatológica de AN para BN pode ser

presente (OMS, 1993). Dados epidemiológicos da BN poderão ser lidos no Capítulo 2

deste livro.

Um adequado diagnóstico diferencial deve ser feito, descartando possíveis

outros transtornos, tais como: anorexia nervosa, tipo compulsão alimentar purgativa

(bem comum de haver confusão diagnóstica com esse transtorno), transtorno de

compulsão alimentar e síndrome de Kleine-Levin (APA, 2014).

2.4 Transtorno de Compulsão Alimentar


O transtorno de compulsão periódica já estava no apêndice B do DSM-IV-TR

(APA, 2002), porém, sem dados conclusivos de suas características. Estudos

denominavam de transtorno de compulsão alimentar periódica (Palavras, Kaio, Mari,

& Claudino, 2011) o que veio a ser chamado no DSM-5 (APA, 2014) somente por

transtorno de compulsão alimentar (TCA). Dentre os critérios apresentados no

apêndice B do DSM-IV-TR em comparação aos que foram definidos no DSM-5 só há

uma diferença, os episódios mínimos exigidos: no manual atual deve haver uma média

de um episódio por semana por três meses; já no apêndice se previa dois por semana,

durante seis meses.


26

O TCA é marcado pela recorrência de episódios de compulsão alimentar, tais

como descritos na BN (leia mais na subseção anterior desse capítulo), porém sem a

realização de comportamentos compensatórios inapropriados. Associados aos

episódios de compulsão alimentar estão ao menos três dos seguintes componentes:

comer mais rapidamente que o normal (em relação a si mesmo e a outros); comer até

se sentir desconfortavelmente cheio; comer grandes quantidades de alimento na

ausência da sensação física de fome; comer sozinho por vergonha do quanto se está

comendo; sentir-se desgostoso de si mesmo, deprimido ou muito culpado em seguida

(APA, 2014).

Como já dito anteriormente, assim como na BN, os episódios ocorrem, em

média, ao menos uma vez por semana há, no mínimo, três meses. Porém, diferente

da AN e da BN, deve haver sofrimento significativo em virtude do comportamento

compulsivo alimentar. A gravidade do transtorno pode ser avaliada por episódios de

compulsão alimentar (diferente da BN que é avaliado a partir dos comportamentos

compulsivos inapropriados): Leve (de 1 a 3 episódios de compulsão alimentar por

semana), Moderada (4 a 7), Grave (8 a 13) ou Extrema (14 ou mais).

O peso de pessoas que sofrem de TCA pode ser de normal/adequado a obeso.

Há uma considerável associação entre TCA e sobrepeso e alguns casos de obesidade

(Klatzkin, Gaffney, Cyrus, Bigus, & Brownley, 2015). Porém, é importante diferenciar

obesidade de TCA. A maioria das pessoas obesas não necessariamente sofre de TCA.

Por ser um transtorno recentemente classificável, há pouco conhecimento sobre o

curso do transtorno, em comparação à BN e AN. A realização de dietas é comum após


27

os episódios de compulsão alimentar – e essa é uma característica que usualmente a

difere da BN, pois nos casos de BN as dietas geralmente antecedem episódios de

compulsão (APA, 2014). Quanto aos diagnósticos diferenciais, é importante avaliar se

os sinais e sintomas apresentados pela pessoa não são melhor explicados por BN,

obesidade (lembrando que não é um transtorno mental), transtornos do humor ou

borderline (uso da ingestão de alimentos como estratégia de regulação emocional).

2.5 Outro transtorno alimentar especificado


Há casos em que o quadro de sintomas e sinais que se apresenta são

característicos a um transtorno alimentar que causa prejuízo funcional ou sofrimento

clinicamente significativo, porém não preenchem todos os critérios dos transtornos

apresentados anteriormente. O DSM-5 (APA, 2014) apresenta alguns exemplos de

casos em que essa classificação seja a mais indicada: anorexia nervosa atípica, bulimia

nervosa de duração limitada, síndrome do comer noturno, entre outros.

Pessoas com transtornos alimentares sofrem tanto pelas consequências de

suas ações quanto pelas ações em si. Um bom tratamento utilizando a terapia

cognitivo-comportamental como método de intervenção, associado com

intervenções nutricionais, físicas e médicas, começa com um adequado diagnóstico.

Mudanças nos planos terapêuticos são comuns, respeitando as características de

cada transtorno. Devido a isso, saber reconhecer sinais e sintomas e diferenciá-los

adequadamente potencializa o sucesso terapêutico.


28

Anotações

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29

UNIDADE 3 – EFICÁCIA DO MINDFUL EATING PARA


TRANSTORNOS ALIMENTARES E OBESIDADE: REVISÃO
INTEGRATIVA

3.1 Introdução
O conceito e a prática de mindfulness, conhecida em português como atenção

plena, tem sua origem na filosofia budista e pode ser definida como “uma prática

dirigida à percepção e à ampliação da consciência dos processos internos, tal como

experiências físicas, sensações, sentimentos, eventos mentais e flutuações”

(MENEZES; KLAMT-CONCEIÇÃO; MELO, 2014). É uma postura de aceitação das

experiências, com foco nas sensações internas, tratando-se de um estado

contemplativo (VORKAPIC; RANGÉ, 2013). A atenção plena pode ser praticada de

maneira formal ou informal. A prática formal diz respeito a um conjunto de técnicas

de meditação propriamente ditas e exigem treino regular. Já a prática informal

consiste no exercício da atenção plena na vida cotidiana, como o comer consciente

(GERMER; SIEGEL; FULTON, 2016).

Jon Kabat-Zinn difundiu a prática da atenção plena para a medicina

comportamental na década de 1970, a partir das experiências dele com a meditação,

dando origem ao Programa de Redução de Estresse Baseado em Mindfulness (MBSR)

que foi a pioneira das intervenções baseadas em mindfulness (IBMs)

(VANDENBERGHE; ASSUNÇÃO, 2009). Em decorrência da utilização desse conceito e

prática milenar adaptado para o contexto laico, iniciou-se a realização de pesquisas

para a verificação da eficácia das IBMS. Alguns desses estudos verificaram que o
30

mindfulness pode ser eficaz na redução e na melhora do estresse relacionado ao

comer excessivo, na redução do estresse psicológico e no desenvolvimento do bem-

estar, melhora dos padrões de cortisol, auxiliar na redução da compulsão alimentar e

de outros sintomas de transtornos alimentares, e pode, também, auxiliar na redução

de peso em adultos com ou sem obesidade (DAUBENMIER et al., 2011).

Kabat-Zinn (1990), em seu programa MBSR, verificou a importância de focar

uma parte do treinamento ao relacionamento dos participantes com a comida. Nesse

programa, ele começou a trabalhar o mindful eating (comer consciente), trazendo a

consciência para a qualidade do alimento, para o processo de fabricação e cultivo, para

a origem do alimento e para os ingredientes que o compõem. Kabat-Zinn (1990)

ressalta também a importância de prestar atenção à quantidade de comida ingerida,

à frequência, aos horários e ao modo como as pessoas se sentem após comerem. O

autor observou que os pacientes que iam até sua clínica não tinham como objetivo

perder peso, mas, simplesmente por prestarem atenção, comerem mais lentamente,

sentirem-se satisfeitos comendo menos e estarem mais conscientes dos seus

impulsos para usar a comida como satisfação de suas necessidades psicológicas,

obtinham uma redução de peso ao longo de oito semanas (KABAT-ZINN, 1990).

Assim, Mindful eating é o comer com atenção plena, quando a pessoa olha

profundamente o alimento e se torna consciente de todos os elementos e esforços

necessários para tornar as refeições uma realidade (HANH; CHEUNG, 2009).

Também pode ser entendido como o uso de todos os sentidos para escolher

alimentos que tanto trazem satisfação quanto nutrição ao corpo, o reconhecimento


31

das respostas pessoais ao alimento (se gosta ou não, ou se é neutro) sem

julgamentos, e a consciência da fome física e dos sinais de saciedade de modo a

orientar as decisões sobre quando começar e parar de comer a fim de que o

relacionamento com a comida seja transformado (THE CENTER FOR MINDFUL

EATING, 2017). Durante a refeição, a meditação de comer lentamente, observar a

visão do alimento no prato, as sensações que o alimento provoca, os sabores do

alimento, os movimentos musculares da mastigação e o processo de deglutição são

estratégias que podem ser utilizadas para tratar a compulsão alimentar (KRISTELLER;

WOLEVER, 2011).

3.2 Transtornos alimentares


Os transtornos alimentares (TA’s) são quadros psiquiátricos e se caracterizam,

segundo a American Psychiatric Association (2014) “por uma perturbação persistente

na alimentação ou no comportamento relacionado à alimentação que resulta no

consumo ou na absorção alterada de alimentos e que compromete significativamente

a saúde física ou o funcionamento psicossocial”.

Os principais TA’s são a anorexia nervosa, bulimia nervosa e transtorno de

compulsão alimentar. Esses transtornos apresentam em comum o sofrimento

intenso relacionado ao peso e à forma do corpo e as dificuldades para manter uma

alimentação saudável, o que acarreta uma série de complicações clínicas (ARATANGY;

BUONFIGLIO, 2017).

As principais complicações clínicas na anemia nervosa são a queda da pressão

arterial, desidratação, desmaios, fraqueza, tremor, hipotermia (baixa temperatura


32

corporal), aumento da sensibilidade ao frio e a desnutrição crônica, o que faz com que

esta seja considerada uma doença psiquiátrica letal (ARATANGY; BUONFIGLIO, 2017).

Quanto à bulimia nervosa as principais complicações se apresentam com a

hipotensão, desidratação, desmaios, fraqueza, erosão do esmalte dos dentes e

problemas gastrointestinais (esofagite, refluxo gastresofágico, síndrome do intestino

irritável) (ARATANGY; BUONFIGLIO, 2017). No transtorno de compulsão alimentar,

pode ocorrer problemas digestivos, hipertensão arterial, diabetes, problemas de pele

e alterações do colesterol e triglicérides (ARATANGY; BUONFIGLIO, 2017).

Estudos epidemiológicos sobre transtornos alimentares no Brasil são raros

“os indivíduos que apresentam tais condições tendem a negar suas manifestações e

evitar a ajuda de profissionais de saúde” (SOUZA; KELBERT, 2016, p.38). Souza e

Kelbert (2016) encontraram apenas um estudo indicando que a prevalência de bulimia

nervosa ao longo da vida de 1,5%, 1,0% nos últimos 12 meses e 0,7% no último mês

com base nos critérios da CID 10.

Não foram encontrados estudos epidemiológicos sobre anorexia nervosa e

transtorno de compulsão alimentar.

A causa dos TA´s é multifatorial e exige a interação de fatores biológicos,

psicológicos e sociais. O contexto histórico também fomenta uma epidemia de

obesidade que, ao mesmo tempo, pressiona as pessoas a terem um corpo magro,

através da propagação do ideal de beleza pelas mídias sociais e pela indústria da

moda, e colaboram para o advento da insatisfação corporal e dos transtornos

alimentares (ARATANGY; BUONFIGLIO, 2017). Apesar de, estatisticamente, serem


33

condições de baixa prevalência apresentam um grau de morbidade e mortalidade

significativo e por isso é tão relevante estudar estes transtornos (PINZON;

NOGUEIRA, 2004).

3.3 Mindful eating e transtorno da compulsão alimentar, anorexia


nervosa, bulimia nervosa e obesidade
O estudo de Rawal e colaboradores (2009), que pesquisaram a abordagem

mindfulness para transtornos alimentares, obteve relatos de pacientes alegando

maior foco na experiência do momento presente e na habilidade de interromper a

tendência automática a reagir aos pensamentos e ruminações. Também relataram o

desenvolvimento de maior aceitação de si mesmos, do corpo deles e da tolerância

quanto ao ganho de peso, sugerindo uma forma experiencial de autorregulação

emocional importante para o tratamento dessas condições (Rawal et al, 2009).

A literatura aponta que existem técnicas cognitivas e comportamentais

eficazes para o tratamento do transtorno da compulsão alimentar, da anorexia

nervosa, da bulimia nervosa e da obesidade, tais como identificação de pensamentos

e crenças disfuncionais, análise funcional do comportamento, registro do

comportamento por meio de registro de automonitoração, identificação de

estratégias de autocontrole, definição de metas e treino em habilidades sociais

(VALENTE; SIQUARA, 2015).


34

Anotações

____________________________________

____________________________________
Os transtornos alimentares são patologias que
____________________________________
necessitam de um tratamento em longo prazo, tanto
____________________________________ no que diz respeito ao acompanhamento clínico,
quanto à psicoterapia individual. Deste modo o fator
____________________________________ econômico, principalmente em países
subdesenvolvidos, onde o acesso ao tratamento é
____________________________________ limitado, deve ser levado em conta. Quando da
indicação de terapia familiar, não podemos deixar de
____________________________________ avaliar as implicações econômicas que isto possa
representar para esta família. O plano terapêutico
____________________________________
descrito, por apresentar o modelo de sessões
____________________________________ estruturadas orientada em metas, focalizada na
resolução de problemas e com duração pré-
____________________________________ determinada, passará a ser uma alternativa eficaz
para estes casos.
____________________________________ O foco do tratamento está centrado nos
transtornos alimentares, tanto que as situações
____________________________________ usadas nas fases descritas, estão relacionadas a
estas patologias. O processo de alta deverá incluir
____________________________________
uma reavaliação do caso, levando em conta outras
____________________________________ patologias que possam ter sido identificadas durante
o tratamento. Para estes casos será necessária a
____________________________________ indicação de psicoterapia individual.
É esperado que à medida que trabalhamos com
____________________________________ famílias, conflitos “antigos” possam aparecer. Mesmo
que o plano de tratamento esteja centrado em um
____________________________________ foco específico, estes conflitos deverão fazer parte do
processo terapêutico. Caso seja necessária uma
____________________________________
atenção especial, que altere a estrutura inicial, o
____________________________________ terapeuta deverá ter a sensibilidade de pensar em
contraindicação para este plano, redirecionando o
____________________________________ tratamento para este conflito.

____________________________________
35

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