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Você é Racional?

Edward Fullbrook, 2004.

Segundo o autor espera-se que: uma pessoa não seja racional no sentido da
economia tradicional, e para isso o capítulo busca demonstrar tal expectativa.
MUNDOS FANTÁSTICOS EXIGEM PESSOAS FANTÁSTICAS

Através da economia neoclássica observa-se suas estranhas origens, pois mesmo sendo inventada na
década de 1870 baseou-se na mecânica newtoniana do século XVII (17) e não em uma ciência em
desenvolvimento nesse período como a física eletromecânica. Assim os sistemas econômicos eram
tanto em mercados individuais como economias inteiras, com mecanismos autorregulados compostos
de elementos atomísticos e que tendem ao equilíbrio.

Para Arrow (1983) há dois aspectos do equilíbrio geral usada na economia:


□ 1) a noção da determinação.
□ 2) a noção específica que cada relação representa um equilíbrio de forças, quando haver uma
violação terá uma força em movimento para restaurar o equilíbrio.

Dessa forma, o equilíbrio da teoria neoclássica mostra-se mais que apenas um conceito sobre a
realidade econômica em não oferecer uma conformação direta ou refutar; assim precisa-se analisar
o comportamento para uma pessoa ser julgada racional.
Considerando a economia neoclássica que mercados e economias são sistemas determinados pelo
princípio do equilíbrio através da hipótese do equilíbrio, destaca-se duas características principais:
□ 1) É apresentado como um artigo de fé a priori e não apresenta-se como um processo de pesquisa
científico;
□ 2) É uma metafísica holística e não individualista. Assim refere-se ao sistema econômico e não aos
agentes econômicos, entretanto para compor esse sistema os agentes humanos não podem ser de
qualquer tipo.

Mesmo sendo uma hipótese logicamente impossível, que não há um padrão comportamental dos
agentes; os neoclássicos buscam mostrar que essa hipótese é logicamente possível, sendo essa
atividade o centro das atenções em cursos de microeconomia; geralmente representados por um modelo
matemático que requerem uma longa lista de estipulações sobre microelementos como: competição pura;
coeficientes de produção constantes; produtos e métodos de produção idênticos dentro da indústria. Essas
micro condições combinadas devem preceder que a Hipótese de Equilíbrio seja verdadeira.
Entretanto a hipótese de equilíbrio requer a hipótese de uma força motriz do comportamento
independente dos agentes econômicos individuais; essa é a hipótese chamada Hipótese do
Comportamento Individual. Assim o comportamento dos agentes individuais determinam valores de
equilíbrios do mercado, desde que esse comportamento seja circunscrito em várias propriedades
formais; por isso a derivação dessas propriedades é o centro do projeto da teoria neoclássico. Com isso
essas propriedades e a classe de comportamento definem o que a tradição neoclássica entende por
“racionalidade” e “comportamento econômico racional”; no mesmo sentido um comportamento inconsistente
é “irracional”.
Após definir o comportamento individual que torna a hipótese do equilíbrio verdadeira com
“comportamento racional”, é necessário entender que o comportamento humano ocorre independe do
contexto. Assim a superestrutura do paradigma neoclássico segue uma ordem lógica em seu
desenvolvimento:
1) Hipótese do Equilíbrio.
2) Hipótese do Comportamento Individual.
3) Justificativa das Hipóteses:
a.As propriedades derivadas do comportamento individual consiste com a hipótese de
equilíbrio.
b. A manobra retórica de definir essas propriedades como “racionalidade”.
c. A “racionalidade” descreve os agentes econômicos.
Em sala de aula, a economia neoclássica lê seus modelos de trás para frente, levando a ilusão de que o
comportamento das unidades econômicas individuais determinam os valores de equilíbrio nos
mercados e economias inteiras. Entretanto os modelos foram construídos sem investigar o comportamento dos
agentes individuais, mas os requisitos lógicos em alcançar esse estado agregado de equilíbrio geral. Assim não é o
comportamento dos agentes individuais que determina a estrutura geral do modelo e nem a estrutura do ranking de
preferência; mas o requisito global para uma estrutura particular que dita o comportamento dos agentes
individuais. Para isso é necessário utilizar três suposições axiomáticas para a escolha do consumidor, os
dois primeiros são mais utilizados enquanto o terceiro raramente é mencionado.

□ Axioma da transitividade: se um bem X for preferível ou indiferente a Y, e Y for preferível ou indiferente a Z;


logo X será preferível ou indiferente a Z.
□ Axioma da Completude: o consumidor expressa sua preferência ou indiferença em qualquer cesta de consumo
(dentre as cestas possíveis conforme a restrição orçamentária), assim o consumidor compara as cestas possíveis
até o limite de seus poderes cognitivos.
□ Axioma da independência: esse axioma busca a relação segundo Hicks no comportamento dos grupos e
não apenas no comportamento individual; pois as funções de demanda do mercado
neoclássico pressupõe a ausência da independência entre o comportamento dos agentes
individuais.
PESSOAS REAIS NO MUNDO REAL: RACIONALIDADE DO MUNDO REAL
Aplicando a racionalidade neoclássica a oito tipos comuns de situações de consumo e determinar se é justo
chamar de “racionalidade” ou se seria melhor chamar de “irracionalidade” neoclássica.

1) Situação de duplo vínculo: no mundo real, o conceito de racionalidade é aplicado em


contexto socioeconômicos, tornando uma natureza inerentemente bilateral; funcionando como teorias
normativas e descritivas, esse duplo papel estende-se a palavra “racional” com uma visão tanto no nível
normativo quanto descritivo. Assim a palavra “racional” admite haver o irracional e pessoas que são
caracterizadas dessa forma; a palavra racional e seu antônimo são comuns e emotivas dentro da política
social; na qual as categorias básicas de cidadania e personalidades são explicadas pela referência a noção de
racionalidade.

Outra aplicação da racionalidade individual por exemplo ocorre com as desigualdades sociais, pois
quando um grupo de pessoas são consideradas inferior, espera-se que as mesmas apresentem um “grau de
racionalidade” compatível ao seu grupo social; por exemplo o código de escravos que tornava a leitura
um crime para afro-americanos, de forma a manter essas pessoas sempre inferiores a pessoas brancas.
Utilizando a ideia de grupos socialmente divididos pode-se aplicar na mesma lógica para o
comportamento “racional” e “irracional”, na qual são padrões de comportamento
observáveis: assim um comportamento observável R (racional) e o comportamento que não é
racional é um comportamento irracional I.
Uma pessoa B que pertença a uma categoria social (grupo B), esses membros são punidos por
pessoas de outra categoria social (grupo A) para R e recompensados em I; dessa forma uma pessoa
B vai preferir I do que R, escolhendo comportar-se irracionalmente, pois pelo conceito de
racionalidade supõe-se que uma pessoa vai escolher o comportamento com as
consequências que prefere; por isso para uma pessoa B é irracional se comportar
racionalmente, e vice-versa.

Entretanto o comportamento de uma pessoa A também pode ser influenciado pela dimensão
normativa do conceito de racionalidade pois a mesma busca ser racional; sendo esse um caso
extremo de racionalidade de duplo vínculo.
Assim como os grupos e indivíduos humanos definem-se pela imitação de outros, a
racionalidade de duplo vínculo passa pela realidade socioeconômica de todos. Quando
uma sociedade não for perfeitamente homogênea, conforme a racionalidade for tornando-
se uma convenção ou instituição comum em sentido amplo, elas passas a ser escolhidas
como tomada de decisão; uma vez que a racionalidade pode ter um caráter subjetivo
específico da situação socioeconômica do indivíduo e que leva a comportamentos
de decisão interdependentes, intransitivos e/ou incompletos; e assim sem identificar a
experiência de cada indivíduo e entender seu ponto de vista, não se sabe qual o padrão de
comportamento racional para eles.
2- Ser Social (Social Being)

Ser um Ser Social significa ter consideração, às vezes positivas, às vezes negativas, sobre o comportamento,
opinião e convivência dos outros. Estes aspectos influenciam nas escolhas econômicas de uma pessoa em
uma sociedade de consumo. No entanto, a racionalidade comportamental neoclássica exclui de sua análise
escolhas do consumidor embasadas no próprio ser social.

A racionalidade neoclássica infere que, dada uma escolha racional, as demandas dos indivíduos são
independentes uma das outras, assim sendo o comportamento de ser social seria irracional já que supõe
decisões de consumo baseadas em interações sociais.

Ser um ser social também contradiz a condição de transitividade, devido ao fato de que o ser social tem
mudanças de normas que variam de grupo para grupo, tempo para tempo, e indivíduo para indivíduo,
ocorrendo assim grupos de referência que culminam em escolhas intransitivas.
O fato de os consumidores serem seres sociais e se preocuparem uns com os outros, dá a eles razões
sensatas para basear suas escolhas, em parte, em considerações sobre as escolhas de outras pessoas.

Isto observa-se especialmente na sociedade atual, onde a demanda do consumidor é cada vez mais
fundamentada no desejo de troca para adquirir uma identidade social, para ser reconhecido pelos
outros. Assim sendo, o desejo de identidade social se traduz em desejos de consumo, porque as
mercadorias têm propriedades materiais e imateriais. Bens carregam significados socioculturais
que surgem do próprio processo de troca de mercado e esses significados afetam os
consumidores.

Exemplo: Vestir-se na moda, comprar as próprias roupas baseado no que os outros estão comprando e
dispor-se a aderir às tendências e contratendências. Além disso, vestir-se de forma a parecer respeitável,
jovem, adulto, formal ou cotidiana. Consumos baseados de certa forma em imitações de outras pessoas.
3- Imitação Recíproca (Reciprocal Imitation)

Em determinadas situações, a razoabilidade requer a imitação de outros agentes que, por


conseguinte, estão imitando outros agentes. John Maynard Keynes observou que os mercados de
ações são movidos por indivíduos que se esforçam para copiar os outros, assim, se alguém se
preocupa com o valor de mercado futuro de seu investimento,a decisão racional fundamenta-se nas
decisões antecipadas de outros investidores.

Nesse aspecto, a racionalidade exige um comportamento contrário ao axioma


neoclássico da independência.

Exemplo: Fenômenos da moda, que se tornam difundidos à medida que as sociedades enriquecem,
seguem o mesmo padrão de comportamento intersubjetivo.
4- Bens Autorreferenciais (Self-referential Goods)

O papel-moeda é intrinsecamente sem valor. Nossa disposição de aceitá-lo em troca de algo de valor
intrínseco baseia-se na crença de que outras pessoas também aceitarão em troca do bem. Esse
processo de desmaterialização é identificado em alguns produtos de consumo contemporâneo.

Exemplo: A Pepsi Cola voltou suas tentativas de criar demanda para o marketing da marca, tornando
um símbolo de participação na própria população de usuários. Os anúncios da empresa e a demanda
que geravam só podiam ser entendidos em termos de símbolo.

A eficácia destes símbolos está fundamentada no conceito de pessoas que acreditam que outras pessoas
creem que o produto representa determinadas qualidades e valores.
A propriedade comunicativa das mercadorias, onde os significados levam à criação do valor de mercado,
surge a partir do processo de troca de mercado. Neste sentido, o aspecto individualista se cruza
com o coletivo e holístico, dando origem a um fato social pactuado. Tanto esta quanto outras
interdependências são centrais na escolha do consumidor moderno, em contraponto aos neoclássicos.

No caso dos sistemas monetários desmaterializados e a necessidade de manter a confiança nestes, quando
o dinheiro assume forma de papel-moeda inconversível e depósitos bancários, ele torna-se apenas um
mero símbolo, desprovido de valor intrínseco, como é o caso de bens autorreferenciais. Assim, como
qualquer bem autorreferencial, as demandas individuais por ele são essencialmente interdependentes.
5- Espontaneidade (Spontaneity)

A racionalidade neoclássica é filha de uma visão holística e também dos tempos austeros em que surge.
Quando a margem entre sobrevivência e morte é precária, os meios materiais de vida permitem
somente a existência mais estreita, neste contexto a aplicação inflexível da racionalidade neoclássica
mostra-se como melhor estratégia para maximizar suas perspectivas.
No entanto, surgem diferenças radicais quando se ganha riqueza, a partir daí surge o conflito entre a
aplicação da racionalidade axiomática neoclássica e a busca por prazeres ociosos.
De fato, a fidelidade à racionalidade neoclássica exclui várias classes principais de prazer
do consumidor na "economia da experiência" de hoje. Estas incluem escolhas motivadas
pela espontaneidade, espirito aventureiro e desejo de mudança.
Há um impasse lógico na noção de racionalidade ao supor que agentes econômicos sempre agem
de acordo com um plano, desconsiderando a espontaneidade.

A racionalidade neoclássica exige que as escolhas sigam uma ordenação de preferências, em um


plano que, mesmo quando simplificado leva a uma racionalidade procedimental bastante Neste
contexto, perante a ótica neoclássica, decisões espontâneas de consumo e as pessoas que as tomam
são irracionais.

Exemplo: Alegrias de carnaval , prazeres da compra por impulso são demonstrações da


espontaneidade do consumo, abrindo lacunas no bom consumismo da racionalidade. As diferenças
culturais quanto a valores atribuídos a espontaneidade fazem ainda com que o conceito neoclássico
não seja uma construção racialmente neutra.
6- Aventura (Adventure)

A racionalidade neoclássica assume que as ordenações de preferências transitivas e completas


( Transitividade e Completude) dos consumidores são feitas com base no conhecimento perfeito dos
resultados futuros ou, pelo menos, em alguma tentativa de aproximação. A aventura, no
entanto, gira em torno da ignorância.

Sua essência reside no desconhecimento da experiência vindoura e de seu resultado. Muitas decisões
cotidianas de consumo também ocorrem sob a influência do desejo do desconhecido.

Exemplo: Os esportes de especulação, que formam uma das maiores indústrias do mundo, devem seu
enorme apelo à indeterminação de seus resultados.
7- Livre Escolha (Free Choice)

Como um sistema lógico, a racionalidade neoclássica funciona eliminando a livre escolha de seu espaço
conceitual. Define-se racionalidade como pessoas escolhendo o que elas previamente decidiram ou
determinaram que preferem.

Segundo Kenneth Arrow, a racionalidade exige, que as escolhas do agente estejam em conformidade
com uma ordenação ou uma escala de preferências. supõe-se que o indivíduo escolha entre as
alternativas disponíveis aquela que é mais alta em sua classificação. comportamento racional significa
simplesmente comportamento de acordo com alguma ordenação de alternativas em termos de
desejabilidade relativa.

Esta abordagem basicamente congela as disposições de escolha dos agentes econômicos em algum
momento no passado. sem a lacuna temporal, o comportamento irracional é impossível sob a definição
neoclássica. Da mesma forma, sob as preferências reveladas ocorre o período em que as preferências são
reveladas.
Críticas

Se a vida humana é um processo de desenvolvimento, então, por definição, não se pode saber quais serão
seus pontos de vista em relação a futuras situações de escolha. Insinuar o contrário, como faz o
paradigma neoclássico, é ceder e encorajar os outros na fantasia.

Se a auto-identidade é um projeto de mudança contínuo, intencional e reflexivo - e, por


implicação, também o são as ordenações de preferência e meta-preferências e assim por diante -
então não há base para propor, em qualquer escala de tempo , consistência de escolha como
princípio maximizador.

Outro ponto é que as escolhas de pessoas são cada vez mais escolhas de estilo de vida que dizem respeito
a escolhas de auto-identidade. Quando isso ocorre, as escolhas de mercado determinam as
preferências e não o contrário.
8- Gosto pela Mudança (Taste for Change)

Percebe-se que as escolhas e preferências das pessoas por vezes são um processo reflexivo.

Caroline Foley identificou que o gosto pela mudança como algo generalizado para motivar a escolha
do consumidor e, que os consumidores frequentemente preferem algo porque até então não o
preferiam, rompendo com o paradigma neoclássico.

Se um consumidor gosta de mudança, então alguma intransitividade de escolha é uma condição


necessária para sua gratificação.

A este processo, Foley chamou de Lei da Variedade de Desejos.


Axiomas Violados

Categorias de Completude Transitividade Independência


comportamento de
decisão

Situações de Duplo- x x x
Vínculo

Ser Social x x
Imitação Recíproca x x
Bens Autorreferenciais x
Espontaneidade x x
Aventura x
Livre Escolha x x
Gosto pela Mudança x
Conclusão

Projetos para entender a lógica da escolha econômica que não se envolvem com situações do mundo
real do mesmo estão fadados ao fracasso epistemológico e delírios axiomáticos das mesmas razões
que também são tentativas de teorizar sobre o mundo natural sem observá-lo.

O interesse da economia no comportamento de escolha tem estado e continua a estar muito distante da
investigação empírica, e muito menos científica.

O texto indica oito categorias de comportamento de tomada de decisão que a racionalidade neoclássica
considera irracionais, mas que poderiam ser consideradas razoáveis por
qualquer pessoa.

É notável que este comportamento econômico dos agentes é crescente e possivelmente já dominante
nas decisões que os consumidores, especialmente jovens, tomam nas economias avançadas.

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