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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE SANTA CRUZ

Departamento de Ciências Econômicas (DCEC)

Microfundamentos e Macroeconomia
Intertemporal

Docente: Andreia Andrade dos Santos

Ilhéus, 2023.1
Consumo e Escolha intertemporal
• O consumo agregado é um importante componente da demanda agregada
que representa uma variável fundamental para os formuladores de política
econômica
• Como o governo pode estimular o consumo?
 via redução de impostos ou;
 Via implantação de medidas de estímulo ao crédito ao consumidor.
Essas ações tem o objetivo de se elevar o nível de utilização da capacidade
produtiva da economia.
• De maneira contrária, é comum adotar-se restrições ao consumo, para
desaquecer a economia e evitar, por exemplo, pressões inflacionárias pelo
lado da demanda.

Esta aula tem como objetivo explorar a variável Consumo, com base nos
trabalhos desenvolvidos por Keynes, Simon Kusnetz, Irving Fisher, Franco
Modigliani e Milton Friedman.
Keynes e a função consumo
• Na análise keynesiana, a renda é o principal determinante do consumo agregado:
quanto maior a renda, maior tende a ser o dispêndio das famílias. A relação entre
consumo e renda é dada pela Propensão Marginal a Consumir (PMgC), definida
como a proporção de unidades monetárias adicionais destinadas ao consumo.

• Keynes traz o conceito de Lei Psicológica Fundamental:


“A lei psicológica fundamental, da qual temos o direito de depender com
grande confiança, (...) [diz] que os homens estão dispostos, como regra e em
média, a aumentar seu consumo à medida que sua renda aumenta, mas não
tanto quanto o aumento de sua renda.” (KEYNES, 1936, p. 96).

Ou seja, a PMgC estaria entre zero e um, significando que as pessoas aumentam o
consumo quando a renda aumenta, mas não na mesma proporção. Isso se deve ao
fato de que o indivíduo poupa a diferença entre a sua renda efetiva e os gastos
necessários para manter o seu padrão habitual de vida.
Keynes e a função consumo
• A função consumo keynesiana é comumente representada da seguinte
forma linear:
C = + cY
Com e 0< c <1
Lembrando que:
C = consumo agregado
Y = renda
= consumo autônomo,
que independe da renda
c = Propensão Marginal
a Consumir

• A curva é declinada, o que permite concluir que o crescimento do consumo em


relação a renda não é proporcional
Keynes e a função consumo
• O fato de o consumo depender da renda tem importante implicação na eficácia da
política fiscal sobre a renda, em decorrência do efeito multiplicador. Consideremos
o modelo keynesiano simplificado dado por:

Y = C + I + G + X - M;
Substituindo C = + cY

=
onde representa o multiplicador da política fiscal que é maior do que um.

• O fato de o consumo depender da renda e de c estar entre zero e um resulta


num maior poder da política fiscal sobre a renda.
Keynes e a função consumo
• Também com base na função consumo keynesiana, podemos verificar que a
razão entre o nível de consumo e o nível de renda, conhecida como
propensão média a consumir (PMeC), cai à medida que a renda aumenta.
• De fato, tomando-se a função consumo, podemos verificar que:

Considerando C = + cY

Chegamos a: = + c, sendo o consumo médio (consumo sobre renda)

Derivando em relação a Y, chegaremos a: = (- )


Ou seja, as famílias de renda mais alta tendem a poupar mais do que as de baixa
renda.
Perceba que quanto maior a renda Y, menor a variação do consumo com o
crescimento da renda.
Keynes e a função consumo
Segundo Keynes isso ocorreria:

“Pois a satisfação das necessidades primárias imediatas de um homem e sua


família é geralmente um motivo mais forte do que os motivos para a
acumulação, que só adquirem influência efetiva quando uma margem de
conforto foi alcançada. Essas razões levarão, como regra, a uma maior
proporção da renda a ser poupada à medida que a renda real aumenta”.
(KEYNES, 1936, p. 97).

Com o desenvolvimento das técnicas econométricas, apareceram trabalhos


empíricos que testaram a função consumo keynesiana. Um dos estudos mais
importantes deve-se ao economista Simon Kuznets que, com base em uma
série temporal para o período de 1869 a 1938, verificou uma proporcionalidade
entre a renda e consumo, rejeitando a hipótese da propensão média a
consumir ser decrescente em relação à renda. Essa evidência sugeria que, no
longo prazo, a função consumo se comportaria diferentemente da análise
keynesiana.
A função consumo no Longo Prazo: Kuznets

Assim, para longos períodos, a relação C/Y é estável, ou seja, não apresenta
nenhuma tendência a aumentar ou diminuir;
A função consumo no Longo Prazo: Kuznets
• Uma provável explicação para essa diferença pode residir no fato de que a função
consumo de curto prazo deve ser considerada em dado ano, com base nas classes
de renda, chamada de função consumo a partir de orçamentos familiares,
enquanto a longo prazo, tem-se uma função consumo a partir de séries de tempo.

No Curto Prazo, a hipótese keynesiana


se confirmaria
O formato da função consumo com
base em orçamentos familiares revela
que, se a renda se eleva, o consumo
também se eleva, mas a taxas
decrescentes, já que há uma elevação
da propensão a poupar nas classes
mais elevadas de renda. Ou seja, a
propensão média a consumir seria
decrescente, dentro da hipótese
keynesiana.
A função consumo no Longo Prazo: Kuznets

Já no Longo prazo...
... os resultados estatísticos têm
revelado que a função consumo é
linear, e que a propensão marginal e
média a consumir são iguais (ou seja,
uma reta partindo da origem) e
constantes. No longo prazo essa
relação Y e C se estabiliza e se torna
proporcional.

• Os resultados dos trabalhos empíricos motivaram uma série de novas


explicações para o comportamento do consumo. Grande parte dessas
explicações derivaram da contribuição de Irving Fisher nos anos 30, acerca da
escolha intertemporal, que leva em conta os interesses presentes e futuros nas
decisões de consumo.
Consumo e escolha intertemporal: Fisher

• Na abordagem intertemporal, as famílias decidem quanto consumir e poupar


hoje, levando em conta o futuro. Consumir mais hoje e consequentemente
poupar menos pode significar um menor consumo amanhã.
• Por outro lado, as pessoas, geralmente quando jovens, poupam para poderem
ter um consumo desejável no futuro, já que, quando idosas, é esperada uma
renda menor.
• As famílias podem ainda tomar empréstimos para consumir mais no presente,
mas que deverão ser pagos no futuro, comprometendo parte do consumo no
futuro.
• Assim, em suas decisões quanto ao consumo, os agentes enfrentam uma
restrição conhecida como restrição orçamentária intertemporal.
Consumo e escolha intertemporal: Fisher
Fisher considerava que o consumidor:
• Possui preferências a respeito da quantidade de bens que irá consumir ao longo de
sua vida.
• Possui informação perfeita (“perfect foresight”) a respeito dos rendimentos que irá
obter ao longo da sua vida
• Não está “restrito por liquidez”, ou seja, num determinado período ele pode
consumir mais do que ganha, uma vez que o indivíduo pode financiar o seu
excesso de consumo sobre a renda com empréstimos, ou pode consumir menos
do que ganha, acumulando assim, uma poupança positiva que utiliza na compra
de ativos financeiros
Além disso:
• Os indivíduos não recebem e nem deixam heranças e não podem morrer deixando
dívidas (condição de No–Ponzi-Game).
Consumo e escolha intertemporal: Fisher
Para entendermos como as famílias alocam o consumo ao longo do tempo,
consideremos um modelo simples de dois períodos.
 O período 1 representa a juventude;
 O período 2 representa a velhice do consumidor.

• Consideremos ainda:
 a renda e o consumo do consumidor quando jovem;
 sua renda e consumo quando velho, respectivamente.

• Vamos supor a possibilidade de se tomar empréstimos.


Consumo e escolha intertemporal: Fisher
A poupança do período 1 () é dada por:
=
No segundo período, o consumo é dado por:
= (1+r). +
onde r representa a taxa de juros.
Combinando as duas equações obtemos:
= (1+r). (+
I:
+= +

que representa a restrição orçamentária intertemporal do consumidor.


Por essa restrição, o consumo no período 1 mais o consumo no período 2, descontado
pelo fator (1 + r) tem que ser igual à renda no período 1 mais a renda no período 2
também descontada por (1 +r).
Consumo e escolha intertemporal: Fisher
Podemos interpretar a restrição orçamentária intertemporal graficamente:
A inclinação da reta é dada por - (1 + r) e
todos os seus pontos representam
combinações possíveis para o consumidor.
No ponto A, o consumidor consome
exatamente sua renda no período 1. Como
não poupa, o consumo no período 2 também
é igual à renda nesse período.
No ponto B, o consumidor poupa no primeiro
período, o que lhe permite consumir mais do
que sua renda no segundo período.

No ponto C, o consumidor consome mais do que sua renda no período 1. Isso só é


possível porque o consumidor pediu empréstimos. Tais empréstimos, evidentemente,
deverão ser pagos no período 2.
Consumo e escolha intertemporal: Fisher
• Para analisarmos a escolha do
consumidor, vamos supor que suas
preferências quanto à alocação do
consumo possam ser representadas por
curvas de indiferenças convexas em
relação à origem.
• Essa figura apresenta duas curvas de
indiferença. Cada uma delas representa
combinações de consumo nos períodos
1 e 2, que proporcionam o mesmo nível
de utilidade. Curvas de indiferença mais
altas são preferíveis.
O consumidor é indiferente entre as combinações de consumo dos pontos A e B e todos
os pontos da curva são preferíveis aos pontos da curva . A inclinação da curva de
indiferença é dada pela taxa marginal de substituição (TMgS) entre o consumo nos
períodos 1 e 2 e representa o quanto o consumidor está disposto a abrir mão do
consumo no primeiro período para poder consumir mais no segundo.
Consumo e escolha intertemporal: Fisher

• A decisão do consumidor
pode ser facilmente
obtida, combinando-se as
curvas de indiferença com
a restrição orçamentária
intertemporal (R)
• O equilíbrio dá-se no
ponto E, onde a curva de
indiferença tangencia a
restrição orçamentária
intertemporal.
Consumo e escolha intertemporal: Fisher

• Podemos notar que um


aumento na renda no
primeiro período
aumenta o consumo tanto
no período 1 quanto no
período 2.
Consumo e escolha intertemporal: Fisher

• Alterações na taxa de juros também


provocam mudanças no consumo.
Vamos supor uma elevação nas taxas
de juros. Graficamente, temos uma
mudança na inclinação da restrição
orçamentária.
• O efeito da alteração da taxa de
juros sobre o consumo em ambos os
períodos não é direto como no caso
anterior. Tal efeito pode ser
decomposto em dois: efeito renda e
efeito substituição
Consumo e escolha intertemporal: Fisher

• Efeito renda: Se o consumidor é um poupador, uma elevação na taxa de juros melhora


sua situação, proporcionando maior consumo no período 2. O efeito renda aumenta
sua renda total.
• Efeito substituição: A elevação dos juros, entretanto, torna mais barato o consumo no
período 2 em relação ao período 1. Nessa situação, o consumidor tenderá substituir o
consumo no período 1 pelo consumo no período 2 (o efeito substituição).
• O efeito total é dado pela soma dos dois efeitos. No caso do poupador, podemos
afirmar com certeza que o consumo no período 2 aumenta com o aumento na taxa de
juros. Com relação ao período 1, no entanto, nada podemos afirmar, já que o efeito
renda pode atuar a favor do consumo nos dois períodos.
Consumo e renda permanente
• A principal contribuição da teoria do consumo baseada na escolha
intertemporal é que as famílias, em suas decisões quanto ao consumo, levam
em conta não apenas a renda presente mas também a renda futura. Tal ideia
foi aperfeiçoada por Milton Friedman na década de 50, a partir da hipótese da
renda permanente.
• Para Friedman, as pessoas tendem a manter um padrão de consumo estável
ao longo do tempo. Esse padrão de consumo depende da renda permanente,
ou seja, a renda que as famílias esperam receber ao longo de suas vidas.
Alterações no consumo, segundo essa teoria, são devidas a alterações na
renda permanente.
• Friedman parte da premissa de que as famílias desejam nivelar o consumo ao
longo do tempo, isto é, o consumo não deve ser influenciado pelas variações
puramente transitórias nos rendimentos das famílias.
• As famílias pautariam suas decisões de consumo com base na sua renda
permanente, ou seja, o nível constante de renda que proporciona à família, a
mesma restrição orçamentária intertemporal que ela teria no caso de um fluxo
de renda flutuante.
Consumo e renda permanente
• Essa ideia talvez explique o motivo por que as pessoas buscam qualificação superior:
pessoas formadas geralmente possuem maior renda permanente.
• Podem ocorrer, entretanto, alterações temporárias na renda. Exemplo: a sazonalidade
da renda de um produtor rural: na época da colheita, sua renda é maior do que no
período de entressafra. Isso não significa que esse produtor consome mais na safra do
que na entressafra. Ele buscará nivelar seu consumo ao longo do ano, poupando no
período de abundância e despoupando nos momentos de escassez.
• Quando os indivíduos se confrontam com uma variação na sua renda, procurarão
determinar se essa variação é permanente ou transitória. Se a variação for transitória,
eles ajustarão sua poupança de forma a manter seu padrão de consumo estável.
• Friedman considera que o enigma do consumo ocorreu devido à função consumo
keynesiana ter levado em conta a renda corrente ao invés da renda permanente.
• Assim, segundo a abordagem de Friedman, alterações transitórias na renda teriam
pouco ou nenhum efeito sobre o consumo, porque as pessoas tendem a poupar ou
despoupar quando ocorrem alterações temporárias na renda, mantendo com isso um
padrão estável de consumo ao longo do tempo.
Modelo do ciclo de vida
• Outra importante contribuição sobre o consumo baseada na escolha intertemporal
deve-se a Franco Modigliani, também nos anos 50, conhecida como modelo do ciclo
de vida do consumo e poupança.
• Segundo esse modelo, as pessoas decidem o quanto poupar e o quanto consumir de
acordo com as expectativas sobre a renda durante todo seu período de vida.
• A ideia baseia-se no fato de que, ao longo da vida, a renda dos consumidores tende a
sofrer variações significativas. Quando jovem, a pessoa experimenta uma renda menor.
Com o passar dos anos, a consolidação de sua vida profissional proporciona uma renda
maior. Ao atingir a velhice, a renda das pessoas tende a sofrer uma queda significativa,
geralmente pela impossibilidade de continuar trabalhando.
• O modelo ciclo da vida baseia-se na ideia de que o consumo de um determinado
período não depende da renda corrente, mas da renda auferida ao longo de toda a
vida economicamente ativa.
• De acordo com as hipóteses do ciclo da vida, a renda dos indivíduos tende a sofrer
flutuações sistemáticas ao longo da vida. Dessa forma, o comportamento da poupança
seria determinado pelo estágio do ciclo da vida em que o indivíduo se encontra
Modelo do ciclo de vida
• Assim, quando jovens, as pessoas tendem a despoupar ou tomar
empréstimos, já que esperam uma renda maior no futuro. No auge de sua
vida profissional, pagam os empréstimos e ainda poupam para poder
continuar com o mesmo padrão de vida quando velhas.
• Essa transferência de poupança dos jovens para os velhos pode ser
espontânea ou compulsória. A poupança espontânea dá-se quando o
consumidor se programa ao longo de sua vida. O consumidor também pode
recorrer a planos de previdência privada.
• Por outro lado, a poupança compulsória dá-se por imposição do governo,
que se encarrega, via sistema de previdência pública, de transferir poupança
entre as gerações. Talvez os motivos dessa preocupação se justifiquem pelo
fato de o governo entender que os jovens não se preocupam
adequadamente com a velhice.
Modelo do ciclo de vida
Características dos diversos
estágios do ciclo da vida de um
consumidor:
1) No estágio I, referente à
juventude, a renda dos indivíduos
é baixa, e tais indivíduos,
geralmente, contraem dívidas
porque sabem que ganharão
rendas maiores no futuro;

2) No estágio II, referente à meia idade, a renda atinge um pico e os indivíduos pagam as
dívidas contraídas no estágio I, além de pouparem para a velhice;
3) No estágio III, referente à velhice, a renda tende a zero, e os indivíduos consomem
toda a poupança acumulada.
Sendo assim, as flutuações da renda corrente teriam impacto unicamente sobre a
poupança dos indivíduos, e não sobre a sua decisão de consumo.
Os avanços na economia
• Se para Keynes a consumo era função apenas da renda corrente, outras teorias sugerem
que o consumo também é influenciado por taxa de juros, renda permanente, riqueza e
expectativas quanto ao comportamento da renda futura.
• Nas novas abordagens, três considerações merecem destaques:
 Efeitos da política econômica sobre o consumo. Considerando a função consumo
keynesiana, basta que a política atinja a renda disponível das pessoas para que o
consumo agregado sofra alterações. Se considerarmos o modelo de Friedman,
somente políticas que atinjam a renda permanente alteram o consumo.
 O fato de o consumo depender da riqueza pode explicar as diferenças entre as
funções consumo de curto e de longo prazo. No curto prazo, a riqueza da pessoa
muda pouco, sendo a renda disponível o principal determinante do consumo. A longo
prazo, se considerarmos que tanto a renda quanto a riqueza sobem, a função consumo
passa a apresentar sucessivos deslocamentos para cima, mantendo assim a propensão
média a consumir constante ao longo do tempo.
 Os modelos de escolha intertemporal chamam a atenção para a importância da
existência de mercados financeiros, que permitem às pessoas alocarem suas rendas
ao longo do tempo.
Ações de política econômica

O fato de o consumo depender principalmente da renda permanente


tem importante implicação em termos de política econômica:
políticas que visam ao consumo agregado só terão impactos se
alterarem a renda permanente, ou seja, a renda que as famílias
esperam receber ao longo de suas vidas
Referência da aula

Básica:

Cápítulo 9- Consumo e Escolha Intertemporal


LOPES, L.M; VASCONCELLOS, M.A.S (org). Manual de Macroeconomia. 3 ed. São Paulo: Atlas,
2008

Artigo
Oreiro, F. D. G. Os Microfundamentos do Consumo: De Keynes até a Versão Moderna da
Teoria da Renda Permanente. Economia, Curitiba, 28/29, (26-27), p. 119-139, 2002/2003.
Editora UFPR
 

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