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VIGIAR

E
PUNIR
MICHEL FOUCAULT

Samuel Cabanha – Psicólogo CRP 08/13777


Suplício: O corpo dos
condenados
 Execução de Damiens – 1757 (Parricídio – LUIS XV)
 Regulamento de uma casa de detentos – final séc. XVIII
 Estilos penais diferentes – mudança na Europa e nos EUA da
economia do castigo
 Maior mudança: desaparecimento dos suplícios, do corpo
como alvo principal da repressão penal.

Processo:
1- desaparecimento do espetáculo punitivo: de cerimonial a
ato administrativo. Espetáculo passa a ser visto como
selvageria. Punição torna-se algo velado e não mais
exemplar. Publicidade apenas no debate e na sentença. A
pena passa a ser considerada não apenas castigo, mas
instrumento de reeducação, correção.
2- Extinção do domínio sobre o corpo: corpo como
intermediário e não objeto direto. No lugar do suplício, dos
castigos físicos baseados no sofrimento e na dor (mesmo na
pena de morte,) uma economia de suspensão de direitos.

No lugar do carrasco: guardas, médicos, advogados,


educadores, psicólogos.
Redução dos suplícios – em especial entre 1760-1840. Mas na
Revolução Francesa, guilhotina como espetáculo.
Sofrimentos físicos também não acabam totalmente até
meados séc. XIX – ainda trabalhos forçados, masmorra etc.
Mudança no objeto da punição – não apenas os atos (o crime,
como previsto nos Códigos Penais), mas as pessoas (vontade
do réu, anomalia psíquica, perversões – atenuantes e
agravantes). Laudo psiquiátrico, criminologia e antropologia
criminal. Punir o que se faz e quem se é. Vai além do juiz e do
jurídico – psicólogos, psiquiatras, etc. PODER E SABER: o
discurso científico.
 Punição não é apenas um sistema punitivo, jurídico,
mas parte de um sistema maior: de uma certa
economia política do corpo, como relação de poder.
 É sempre do corpo que se trata, mesmo que não seja
de maneira direta: corpo e suas forças, sua utilidade
e docilidade, sua repartição e submissão.
 Primeiro, o poder investe sobre o corpo como força de
produção, de trabalho. O corpo é útil se produtivo e
submisso, por meio de uma tecnologia política do
corpo (não violenta, disseminada).
 MICROFÍSICA DO PODER – poder estratégico, além
das instituições, com inúmeros pontos de luta e
resistência. Micropoderes.
Ostentação dos suplícios
 Na França, antes da Revolução (pela Ordenação de 1670): cerca de
10% era pena de morte. Mais da metade era pena de banimento.
 Mas penas não físicas, como multas e banimentos - grande parte
era acompanhada de uma pena acessória com dimensão de
suplício, como marcação a ferro, açoite, etc. Qualquer pena um
pouco séria devia incluir alguma coisa do suplício.
 Suplício - pena corporal, dolorosa, mais ou menos atroz.

3 características principais:

 1- produzir certa quantidade de sofrimento físico que se possa apreciar,


comparar e hierarquizar. Envolve cálculo, quantificação: número de açoites,
localização da marca de ferrete, etc.
 2- a produção do sofrimento é regulada – correlacionar o suplício com a
gravidade do crime, o criminoso, o nível social das vítimas;
 3- caráter ritual: deve ser marcante para a vítima (deixar uma cicatriz, por
exemplo) e ostensivo pelo lado da justiça.
 Séc. XVII – Na França e maior parte da Europa, o
processo criminal era sigiloso até a sentença.
Construção da verdade sem o acusado.
 Busca pela confissão: participação do acusado no
processo. Meios de obtenção: juramento antes do
interrogatório e tortura.
 Interrogatório: suplício da verdade. Não é “selvagem”,
mas calculado. É um jogo judiciário estrito e parte do
sistema punitivo clássico. É um ato de instrução
como um elemento de punição.
 Se o acusado resistia à tortura – não podia mais ser
condenado à morte (interrogatório com reserva de
provas) ou o juiz deveria desistir das acusações.
 Corpo interrogado no suplício: ponto de aplicação do
castigo e lugar da extorsão da verdade. E esta
duplicidade continua na execução da pena (recriação da
verdade no corpo e suplícios).
 Suplício judiciário também é ritual político: o crime
também ataca o soberano. A intervenção do soberano é
uma réplica à ofensa. Portanto, mesmo com reparação,
é preciso punir a “parte” do soberano. Suplício é, assim,
um cerimonial para reconstituir a soberania lesada por
um instante. A pena aqui não é proporcional, mas o
lugar do excesso e do desequilíbrio – reativar o medo do
soberano, o teatro do horror do séc. XVII (no séc. XVIII,
os suplícios serão sustentados pela economia do
exemplo).
 Papel do carrasco no ritual.
 O perdão real – a carta com lacre de cera verde.
 Regicídio – punição deveria ser a soma de todos os suplícios
possíveis, uma vingança sem fim.
 Personagem principal do ritual – povo. Participa (insultos,
humilhações) e também é testemunha do cumprimento
adequado da pena. Mas também podia tentar atrapalhar ou
impedir a execução (revolta, tumulto, tomar o acusado do
carrasco, etc) ou apenas maldizer os juízes, os carrascos, o
poder, etc.
 “Humanização” do direito penal – É movido por questões
humanitárias? Ou fruto do medo político diante do efeito
desses rituais ambíguos?
 Discurso de cadafalso: últimas palavras do condenado, para
que ele pudesse atestar seu crime e a justiça da sua
condenação. Uso de discursos “apócrifos” como propaganda,
sob a forma de folhetins, mas que acabavam tendo um efeito
colateral – os criminosos transformados em heróis ou mesmo
em santos (como os arrependidos). Como consequência,
folhetins foram proibidos.
Punição: a punição generalizada
 Segunda metade séc. XVIII – protesto geral contra suplícios
(juristas, legisladores, magistrados)
 É preciso que a justiça puna ao invés de se vingar.
 A “humanidade” como medida do castigo. “Suavidade”.
 Fruto de um duplo processo a partir do séc. XVII - e não de
uma simples questão humanitária:

 1- diminuição da criminalidade violenta (dos corpos aos bens, da


“criminalidade de sangue para uma criminalização de fraude” e
“profissionalização”). Suavização dos crimes antes da suavização
das leis. Mas, por outro lado, também devido ao policiamento mais
estreito e mais eficaz, bem como melhoria técnica (descoberta,
captura, informação) . MAIS VIGILÂNCIA DO COMPORTAMENTO
COTIDIANO DA POPULAÇÃO.
 2- redução da intensidade da punição – mas aumento da
intolerância aos delitos econômicos e intervenções penais mais
numerosas. Crítica é ao excesso de castigo.
 Também se deve a uma crítica dos reformadores ao funcionamento
da justiça – excesso de instâncias, privilégios, conflitos de poder,
justiça religiosa, etc. Para Foucault, há uma disfunção do poder que
vem de um excesso central, o superpoder monárquico.
 Portanto, objetivo da reforma não é tanto um novo direito de punir
com princípios mais equitativos e sim uma nova economia do poder
de castigar: melhor distribuição, para que seja exercido em toda
parte, por todo o corpo social. Para que seja mais eficaz, regular,
constante, diminuindo seus custos econômicos e políticos: ou seja,
uma nova ECONOMIA POLÍTICA DO PODER DE PUNIR.
 Necessidade de “descolar” julgamento e punição da soberania.
 Fazer da punição e da repressão uma função regular coextensiva à
sociedade: não punir menos, mas melhor. Menos severidade e
mais universalidade.
 Em suma, a conjuntura da reforma não é a de uma nova sensibilidade
(humanidade), mas outra política em relação às ilegalidades.
 No Antigo Regime, havia uma relação entre criminalidade e uma ilegalidade
mais vasta, tolerada (leis não aplicadas, privilégios, etc), na qual se
fundava. E ilegalidade era fator de aumento da criminalidade (tolerância era
estímulo).
 Para os mais pobres, a ilegalidade (de direitos) era uma condição de
existência (margens de tolerância, como não cumprimento de certas
obrigações, pasto livre, já que não tinham propriamente privilégios).
 As ilegalidades das classes eram ao mesmo tempo relações de conflitos de
interesse, mas também de cumplicidade. Alvo comum: fisco (luta contra
agentes, contrabando).
 Segunda metade séc. XVIII – inversão do processo. Ilegalidade se volta
contra os bens (pilhagens, roubos) – Crise da ilegalidade popular. Com
novo direito de propriedade, burguês e sem impostos feudais, a tolerância
acaba e ser torna infração pura e simples.
 Desenvolvimento econômico e industrial e novas formas de
propriedade – intolerância sistemática e armada contra a
ilegalidade, exigência de repressão rigorosa. Necessário
controlar, codificar e punir as práticas ilícitas.

 Novas formas de acumulação do capital, relações de


produção e estatuto jurídico da propriedade – ilegalidade de
direitos a ilegalidade de bens. Ou seja, há uma
reestruturação da economia das ilegalidades com o
desenvolvimento da sociedade capitalista.

 Há uma nova divisão de classes: ilegalidade de bens (roubo)


para classes populares e ilegalidade de direitos para a
burguesia (desviar suas próprias leis, principalmente com
circulação econômica às margens, como fraudes e evasões
fiscais).
 Também nova divisão judiciária – para ilegalidade de bens, justiça
comum e castigos; para a de direitos, jurisdições especiais com
transações, multas atenuadas.
 Necessidade de vigilância constante sobre ilegalidade de bens –
continuidade e permanência, não tolerância.
 Em suma, reforma nasce da luta contra superpoder monárquico e
infrapoder das ilegalidades conquistadas e toleradas ( que estavam
ligados – poder irregular e descontínuo do soberano deixando agir
às margens).
 Nova economia do poder de punir no séc. XVIII.

2 linhas de objetivação do crime e do criminoso:

1- Princípio do contrato social: Punir se torna uma defesa da


sociedade. Direito de castigo do corpo social em relação ao
criminoso. O criminoso como o inimigo de todos.
2- Princípio da moderação das penas: limitar o direito da sociedade
de punir. Tratamento humano, mas não fundada na humanidade do
criminosos e sim como um cálculo: controlar os efeitos do poder, o
mínimo necessário. Racionalidade econômica.
 Calcular pena não em relação ao crime, mas a sua possível
repetição.

Cálculo - regras:

 1- regra da quantidade mínima – pena necessária a tornar


crime desvantajoso; não vale a pena arriscar;
 2- regra da idealidade suficiente – maximizar a sensação, a
ideia da desvantagem causada pela pena; representação,
lembrança como suficiente para evitar crime.
 3- regra dos efeitos laterais – mínima para quem sofre e
máxima para quem imagina. Efeitos mais intensos para
aqueles que não cometeram o desvio – desestimular.
 4- regra da certeza perfeita – certeza de que a um crime
corresponde uma punição. Leis claras e públicas que definam
crimes e punições. Fim tradições orais e costumes. Também
é a certeza da punição.
 5- regra da verdade comum - Busca da verdade do crime,
que deve ser inteiramente comprovada. Abandono da tortura.
Inocente até que se prove o contrário.
 6- regra da especificação ideal – todas as infrações têm
que ser qualificadas. Tipificação em código, exaustivo e
explícito, definindo crimes e fixando penas. Também levar em
conta quem é o criminoso, pois uma mesma pena pode ter
efeitos diferentes e é necessário evitar a reincidência
(individualização das penas).
 Início da individualização das penas – instituto da
reincidência como qualificadora.

EM SUMA: Sob a humanização das penas, há toda uma


racionalidade, uma economia calculada do poder de punir. O
objeto não é mais o corpo, mas a “alma”; não mais castigos
corpóreos e sim jogo de representações e sinais.
A mitigação das penas
 Corpo novamente como personagem principal – mas de outro
modo. Uma nova arte de punir que é uma nova política do corpo.
Cruzamento entre as duas linhas de objetivação do crime e do
criminosos do séc. XVIII.

Arte de punir, que deve obedecer às seguintes condições:

 1- Punição não como algo arbitrário, mas como consequência


natural do crime. Estabelecer relação entre a natureza do delito e a
da punição.
 2- Representação da pena e suas desvantagens mais viva que o
crime com seus prazeres. Desestimular. Usar força contra força,
como, por exemplo, pena de trabalho ao preguiçoso.
 3- Pena não permanente, já que o objetivo é reeducar o criminosos.
 4- Produção de sinais do castigo à sociedade como
um todo. Visibilidade do castigo. Ex: construção de
estradas.
 5- Economia da publicidade. Não mais o suplício, mas
a lição, o discurso, a exposição da moralidade pública.
 6- Com o discurso, o criminoso deixa de ser
glorificado e se torna o inimigo que deve ser
reeducado.
 Mas o teatro punitivo dos reformadores acaba dando
lugar à pena de detenção mesmo para crimes sem
gravidade. Em especial, na Inglaterra e nos EUA:
recuperação do homoeconomicus pelo trabalho no
cumprimento da pena.
 Da cidade punitiva (funcionamento do poder penal
repartido em todo o espaço social) à instituição
coercitiva.
Disciplina: os corpos dóceis
 Séculos XVII e XVIII – disciplinas: métodos que permitem o
controle minuciosos das operações do corpo, que realizam a
sujeição constante de suas forças e lhes impõem uma relação de
utilidade-docilidade.
 Começa nas instituições (exército, conventos) e se torna uma
fórmula geral de dominação.
 Corpo como objeto e instrumento do poder. Fabricação do
indivíduo.

Técnicas da disciplina:

 1- distribuição dos indivíduos no espaço, por exemplo, com a


clausura. Ex: quartéis, conventos, colégios internos, prisão.
 2- individualização da localização , cada indivíduo no seu lugar –
ex: cela no convento.
 3- criação do espaço útil – ex: funcionários em uma fábrica;
disposição individualizada, a divisão do trabalho, permite vigiá-los,
compará-los e hierarquizá-los.
 4- disciplina distribui os corpos, faz arranjos e os faz circular em
uma rede de relações. Não é imóvel. Classificação e hierarquia.

Ex: divisão em séries no ensino.

 O Controle da atividade: horário, tempo do ato (marcha soldados),


corpo disciplinado com gestos eficientes (ginástica), articulação
corpo-objeto (como carregar a arma), organização exaustiva e
detalhada do tempo.
 Organização das gêneses – disciplina como aparelho para
adicionar e capitalizar o tempo por meio de sua divisão em fases,
segmentos sucessivos. O tempo disciplinar, um tempo “evolutivo”.
Ex: cada fase com exercícios de dificuldade crescente e uma prova
ao final, séries múltiplas e progressivas.
 Corpo individual pode ser articulado com outros pela disciplina,
criando um conjunto. Ex: Exército.
Os recursos para o bom
adestramento
 Poder disciplinar = poder de adestrar.
 A disciplina fabrica os indivíduos: é uma técnica
específica de um poder que toma os indivíduos ao
mesmo tempo como objetos e como instrumento de
seu exercício.
 Usa instrumentos simples e sutis.

1- VIGILÂNCIA (OU OLHAR) HIERÁRQUICA – ver sem


ser visto, jogo de olhares por meio da arquitetura.
Visibilidade geral por meio de transparências,
aberturas e passagens. Modelo quase ideal é o
acampamento militar. Poder mais físico e menos
corporal. (Vide capítulo O Panoptismo).
2 – SANÇÃO NORMALIZADORA: na essência de todos
os sistemas disciplinares funciona um pequeno
mecanismo penal, as micropenalidades. PUNIR E
CORRIGIR OS DESVIOS, o que é inadequado à regra,
que não atinge o nível requerido.

 Controle do tempo, atividade, maneira de ser,


discursos, corpo, sexualidade. É penalizável as
infrações mais tênues de conduta.
 Punição – processos sutis : castigo físico leve,
pequenas humilhações, multas, exercícios repetidos.
 Gratificação/sanção: evitar o desvio.
 Atos se tornam indivíduos: qualificação de
desempenhos, classificação.
 Penalidade perpétua das instituições disciplinares:
normaliza, torna normal.
3- EXAME: combina técnicas da hierarquia
que vigiar com as da sanção quer
normaliza. Permite qualificar, classificar e
punir.

 Cada indivíduo é um estudo de caso;


 Descrição, análise e produção de
registros e documentos;
 Códigos;
 Relação entre poder e saber.
O panoptismo
 Séc. XVII – cidade pestilenta – modelo compacto de dispositivo
disciplinar; poder onipresente e onisciente. Utopia da cidade
perfeitamente governada, ideal de exercício do poder disciplinar.
 Funcionamento da disciplina nas instituições: divisão binária e de
marcação (louco-não louco), repartição diferencial (quem é, onde
deve estar). Conjunto de técnicas e instituições para medir,
controlar e corrigir os anormais.

PANÓPTICO DE BENTHAM:

 É a figura arquitetural desta composição;


 Se torna um modelo generalizável de comportamento;
 Automatiza e desindividualiza o poder.
 Poder visível e inverificável.
 Efeito mais importante: induzir no detento um estado consciente e
permanente de visibilidade que assegure o funcionamento
automático do poder.
De uma disciplina de exceção para uma
vigilância generalizada –sociedade se torna
disciplinar no séc. XVIII. A disciplina “sai” das
instituições e permeia toda a sociedade.
Não há risco de se degenerar em tirania, pois
poder é controlado por toda a sociedade.
Disciplina: nem instituição, nem aparelho : é
uma tecnologia do poder.
Prisão: Instituições completas e
austeras
 Prisão surge antes de sua utilização sistemática pelas leis penais. Ela se
constitui fora do aparelho judiciário. “A forma geral de uma aparelhagem
para tornar os indivíduos úteis e dóceis, através de um trabalho preciso
sobre seu corpo criou a instituição-prisão, antes que a lei a definisse como
a pena por excelência” (p.195).
 Fim do séc. XVIII e início do séc. XIX – novidade é a passagem a uma
penalidade de detenção (a “humanização”).
 Para Foucault, a perigosa quando não inútil, mas não sabemos o que
colocar em seu lugar.
 Se transformou em uma obviedade: é um castigo igualitário (retira a
liberdade que é um bem de todos), pode ser quantificada (anos, dias),
permite o exercício da disciplina para reeducar o indivíduo.
 Prisão nunca foi uma instituição inerte sacudida por reformas, mas um
campo ativo de projetos, remanejamentos, experiências.
 Instituições completas e austeras: prisão deve ser aparelho disciplinar
exaustivo, incessante, permanente – uma disciplina despótica. Vai além da
privação da liberdade e diferente da representação sonhada pelos
reformadores.
Seus princípios são:

1- Isolamento do condenado: do mundo, dos outros detentos.


Pena individual e individualizante. Solidão como “reforma”
pela reflexão e como maneira de evitar organização dos
presos. 2 modelos: isolamento, mas com contato (como
refeições em comum) ou isolamento absoluto.
2- Trabalho como forma de transformação: Acompanha a
pena. Instrumento de docilização do detento e criação de
uma relação de poder e submissão e não de produção
econômica (embora possa ensinar o valor do trabalho
honesto quando retribuído).
3- Para sua eficácia enquanto instrumento de regeneração:
precisa de uma justa duração da pena e “progressão de regime” ou
fases.

Há uma autonomia do penitenciário, um suplemento disciplinar em


relação ao jurídico: os mecanismos carcerários. Tem-se uma disputa
entre os juízes (aplicação da pena) e o sistema penitenciário
(cumprimento da pena), do qual irá nascer mais tarde a figura do juiz
de aplicação das penas.
Nas prisões: vigilância, mas também conhecimento sobre o
indivíduo punido. Local de realização do panóptico e de constituição
de um saber, para que o detento possa ser modificado.
Na operação penitenciária de reeducação, o infrator condenado se
torna o delinquente. Não se trata mais do ato cometido e sim do
indivíduo, da sua vida, tornado necessária uma investigação
biográfica.
 A partir do conhecimento, estabelece-se classes de
delinquentes, com características definidas e
tratamento específico. Ex: o perigoso. É a
criminologia, o saber que permite qualificar
“cientificamente” o ato como delito e o indivíduo
enquanto delinqüente.
 Técnica penitenciária e o delinquente nasceram
juntos.
 O delinquente permite unir as 2 linhas de objetivação
do crime e do criminoso: o “monstro” que viola o pacto
social e a do sujeito jurídico requalificado pela
punição. Há uma sobreposição no delinquente do
infrator da lei e do objeto de uma técnica científica.
Ilegalidade e deliquência
 Sec. XVIII – grande espetáculo da cadeia (os presos
acorrentados e expostos, sendo transferidos) se
relaciona com a antiga tradição dos suplícios públicos.
Também é abolida e substituída por carroças
fechadas, uma espécie de prisão ambulante, de
panóptico móvel; uma carruagem penitenciária.
Funciona como transporte e aparelho de correção.
 Crítica à prisão aparece cedo, entre 1820-1845, com
argumentos semelhantes aos atuais: não diminui a
taxa de criminalidade, provoca reincidência, fabrica
delinquentes pelo tipo de existência que dá aos
presos, permite uma organização dos presos para
ações futuras, prova miséria da família do detento
gerando indiretamente delinquentes.
 Sete máximas universais da boa condição penitenciária há 150
anos e que nunca foram plenamente alcançadas:

1- deve transformar o comportamento do detento;


2- detentos devem ser isolados pela gravidade do ato , pela idade,
pelas técnicas de correção e fases de transformação;
3- regime das penas deve ser progressivo;
4- trabalho é essencial para transformação e socialização progressiva
dos presos;
5- educação do detento é obrigação do poder público e precaução
indispensável no interesse da sociedade;
6- regime da prisão deve ser, pelo menos em parte, controlado e
assumido por pessoal especializado que possua capacidades
morais e técnicas de zelar pela boa formação dos indivíduos;
7- necessidade de assistência ao detento durante e após a prisão até
sua readaptação definitiva.
PARA REFLEXÃO
 Prisão, seu “fracasso” e reforma não são 3 fases sucessivas, mas
simultâneas.
 Sistema carcerário – é a prisão, mas também discursos,
arquitetura, regulamentos coercitivos, proposições científicas,
programas para corrigir a delinquência e mecanismos que a
solidificam.
 O que está por trás do pretenso fracasso (e manutenção) das
prisões – a função das penalidades é gerir as ilegalidades (marcá-
las, diferenciá-las, controlá-las) e não pura e simplesmente reprimi-
las. E a ilegalidade “objeto” do sistema carcerário é a delinquência.
A prisão produz o delinquente, o sujeito patológico, por isto o seu
“fracasso”.
 Portanto, a penalidade de detenção fabrica uma ilegalidade
fechada, separada e útil. A delinquência é efeito da prisão em um
processo de punição-reprodução. A prisão fabrica o que é chamada
a combater.
 Por quê? – Produz vantagens: uma ilegalidade vigiada, concentrada,
controlada, desarmada, dominada e útil, que acaba funcionando com um
exemplo. Prisão também diferencia as ilegalidades para controlá-las,
permitindo o uso de algumas pela classe dominante, marcando uma linha
de tolerância (e de intolerância para as ilegalidades populares).
 Necessidade da vigilância policial – sobre toda sociedade, mas também
sobre detentos libertos (também usados como informantes). Além disto,
estabelecimento de cumplicidade do crime com o poder.
 A colonização da delinquência pelas ilegalidades dominantes não ocorreu
sem lutas e sem resistência. Para conseguir este feito, foram necessários –
processo de moralização das classes pobres, processos para aumentar a
hostilidade contra os delinquentes, “confusão” entre delitos e greves e
outros atos de caráter político, apresentar delinquentes como presentes em
toda parte (função do noticiário policial). Como consequência, campanha de
jornais contra “conforto” nas prisões, contra trabalho penal.

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