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Práticas Históricas de Intervenção no

Corpo e a Construção de um Saber


Jurídico: A Contribuição do Pensamento
de Foucault à Ciência Jurídica

Prof. Dr. Francisco Alencar Mota


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Michel Foucault
1926 – 1884

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Objetivo Geral da Apresentação

Mostrar (a partir do pensamento de Michel


Foucault) como se constrói um discurso em
torno da criminalidade

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Pressuposto Básico de Partida

Nossas representações acerca da


criminalidade são construções histórico-
discursivas, ou seja, não possuem
realidades em si mesma, sendo essa uma
grande colaboração das Ciências Sociais
para a ciência e pesquisa jurídica.

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Pressuposto Básico de Partida

A compreensão que temos da criminalidade


são representações, discursos, construções,
cuja evidência se pode obter mediante
análise (histórica) dos “fatos” ou
“fenômenos” jurídicos.

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Exemplo de Análise:

As análises empreendidas por Michel Foucault


sobre as representações acerca da
criminalidade na Europa (França, Inglaterra)
nos séculos XVIII e XIX

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Tese Básica

As práticas de intervenção no corpo através da


perspectiva da criminalidade (justiça
criminal) encontram nos respectivos
contextos históricos a sua forma e
significado, tendo a ver com os meios de
dominação, controle e disciplinamento, nem
sempre aparentes, mas velados, adquirindo
conotação ideológica.

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Tese Básica (cont)

Não se constituem em processos naturais,


universais, mas processos históricos e
sociais, daí se modificarem ao longo dos
respectivos contextos históricos.

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Relações Básicas propostas por
Foucault

Corpo ←→ Poder

↓ ↑ X ↑↓

Crime ←→ Discurso (saber)

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A Ostentação dos Suplícios
(cap. II)

Desde “A Ordenação de 1670” até final do


século XVIII e início do século XIX:

Os crimes eram vistos como objeto de punição,


ou seja, não visavam nenhuma perspectiva
de correção, mas a condenação
“espetacular” do criminoso.

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Tipologia dos Crimes

 Crimes de Morte
 Suplício (geralmente acompanhado de
morte)
 Crimes de Banimento
 Crimes de multa

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Suplício (definição)

 Pena corporal, dolorosa, mais ou menos


atroz... Fenômeno inexplicável a extensão
da imaginação dos homens para a barbárie
e a crueldade (apud Foucault)
 Morte-suplício: arte de reter a vida no
sofrimento
 Arte quantitativa do sofrimento

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Características do Suplício

 A lentidão no sofrimento
 Caráter espetacular (festa das multidões)
 Ritual (Inquérito sob Tortura → Exposição
Pública → Pronunciamento Final → Morte →
Exposição Pública do Corpo ou de Partes
Deste)

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Formas Principais de Suplício e de
Morte

 A forca
 A guilhotina
 A roda
 A fogueira

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Guilhotina

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Roda

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Fogueira

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Fogueira

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Morte de Fogueira

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Esquartejamento Por Cavalos

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Compreensão do Suplício Como
Penalidade

 Forma reveladora da relação verdade-poder (todo o sistema de


inquéritos, confissões, provas do crime apontam para uma
realidade que identifica noções de verdade e poder
(modalidades de penas conforme gravidade das provas)
 Duplo papel das atrocidades: princípio da comunicação do
crime com a pena e “exasperação” do castigo em relação ao
crime (ou seja, a atrocidade se explica em função da
ostentação do poder)
 Expressão do poder que se afirma em função da obediência,
da verdade (esta obtida em meio às provas e à confissão)

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Compreensão do Suplício Como
Penalidade (cont)

 Forma de submeter as próprias multidões ao


poder do soberano (caráter público do
suplício)
 Forma de tornar as multidões “partícipes” do
poder, como testemunhas das confissões e
dos atos de justiça (forma de dominação das
multidões)

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Contradições a que incorreu o sistema
e que lhe propiciou o desaparecimento

 As multidões passam a ouvir críticas ao Soberano e


autoridades feitas pelos acusados
 Heroicização dos condenados (sobretudo no caso das
condenações injustas), passando a conquistas a
admiração das multidões (mudança na função política
da criminalização)
 Reescrita estética do crime: os crimes passam a ser
admirados e enaltecidos: troca-se o paradigma da
“confissão” pela “descoberta” (surgimento das histórias
policiais)
 Troca-se a intervenção física no corpo pelo trabalho
intelectual, compatível com a perspectiva da descoberta
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Contradições a que incorreu o sistema
e que lhe propiciou o desaparecimento
(cont)

 O suplício acabou ensinando o povo a


também responder com violência

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Contradições a que incorreu o sistema
e que lhe propiciou o desaparecimento
(cont)

 Elitização do criminoso (substituição do herói


popular pelo criminoso de “classe alta” que,
embora mau, é inteligente.
 Inversão de valores: pelos suplícios, o
governante tornava público o seu poder. Os
grandes assassinos tornaram-se o jogo
silencioso dos sábios.

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Conclusões

 Limites da punição como forma de


dominação (Tese: é melhor vigiar que punir)
 Inexistência de sentido em “matar”, num
novo contexto (sociedade industrial) em que
se faz necessário pessoas vivas para
trabalhar nas fábricas.
 Necessidade de disciplinar os criminosos
ao invés de matá-los, como forma de
controle
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Rudimentos da Reforma

 Estabelecer novos pressupostos para a punição que


não seja “vingança do Soberano”, em que está
baseado o suplício (punir ≠ vingança);
 Mudança do paradigma de punição: do que faz a
própria lei para o que presta justiça aplicando a lei;
 Afastar-se da punição como poder pessoal do
Soberano para a punição por setores “competentes”
(órgãos independentes da pretensão de legislar), o
que implica a distribuição do poder público.

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Mas o que está em jogo, o embrião da
reforma do direito penal?

 Uma nova economia política do poder de


punir, o que implica uma nova estratégia
para o exercício do poder de castigar.
 Objetivo: punir com legitimidade social: não
punir menos, mas punir melhor. Tornar o
direito de punir, uma função regular,
coextensiva a toda a sociedade.

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Objetivo Latente da Reforma
 “Não é tanto fundar um novo direito de punir a partir
de princípios mais equitativos; mas estabelecer uma
nova ‘economia’ do poder de castigar, assegurar
uma melhor distribuição dele, fazer com que não
fique concentrado demais em alguns pontos
privilegiados, nem partilhado demais entre instâncias
que se opõem; que seja repartido em circuitos
homogêneos que possam ser exercidos em toda
parte, de maneira contínua e até o mais fino grão do
corpo social”.
Michel Foucault

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Frase Que Sintetiza o Espírito da
Reforma

“Que o castigo decorra do crime; que a lei


pareça ser uma necessidade das coisas, e
que o poder aja mascarando-se sob a força
suave da natureza”

M. Foucault

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Economia Política das Ilegalidades

Ocupado o lugar do Soberano com relação


ao poder de punir, faz-se por conseguinte
necessário administrar a nova economia
das ilegalidades que se subdividem, na
sociedade capitalista, em dois tipos
principais:

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Tipos de Ilegalidade

1. Ilegalidade de bens (típicas das classes populares,


que serviram de contrapartida ao poder do
Soberano) Exemplo: roubo, saques, para os quais
aplicava-se a pena dos castigos, trocadas na
seqüência por controle.
2. Ilegalidade de direitos (típica dos setores
burgueses). Exemplo; fraudes, evasões fiscais,
operações comerciais irregulares, para os quais se
aplicavam multas.

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Desafios Para a Nova Economia do
Sistema Penal

Gerir diferencialmente as ilegalidade, e não


suprimi-las todas

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O Poder Disciplinar

“O sucesso do poder disciplinar se deve sem


dúvida ao uso de instrumentos simples; o
olhar hierárquico, a sanção normalizadora
e sua combinação num procedimento que
lhe é específico, o exame”.

Foucault

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O Poder Disciplinar

“A disciplina “fabrica” indivíduos; ela é a


técnica específica de um poder que toma os
indivíduos ao mesmo tempo como objetos e
como instrumentos de seu exercício”

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“O indivíduo é sem dúvida o átomo fictício de
uma representação “ideológica” da
sociedade; mas é também uma realidade
fabricada por essa tecnologia específica de
poder que se chama “disciplina”.
Foucault

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Principais micro-espaços disciplinares

 O leito
 A cela
 A sala de aula
 A unidade

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Instituições Disciplinadoras:

 Hospitais
 Asilos
 Prisões
 Escolas
 As fábricas

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Instituições Disciplinadoras

“As instituições disciplinadoras produziram


uma maquinaria de controle que funcionou
como um microscópio do comportamento”

M.F

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Principal agente do poder disciplinar

O Vigilante: o médico, o professor, o


capataz,

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Função “normalizadora” (positiva) da
Disciplina

 Curar (hospitais e asilos)


 Aprender (a escola)
 Comportar-se (os presídios)
 Produzir (fábricas e oficinas)

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Principais males a sanar

 A doença
 A loucura
 A ignorância
 A delinqüência
 A preguiça

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Métodos

 Os castigos físicos (na escola)


 A dieta (hospitais)
 O diagnóstico (hospícios)
 O trabalho forçado (presídios)

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Forma de averiguação e de controle da
disciplina:

Os Exames

“O exame supõe um mecanismo que liga um


certo tipo de formação de saber a uma certa
forma de exercício do poder”
Foucault

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Sociedades em comparação

Sociedade clássica Sociedade Moderna


↓ ↓
Sociedade do Espetáculo Sociedade de vigilância
↓ ↓
Sociedade de templos, Sociedade de hospitais,
teatros e circos presídios, fábricas e
escolas

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“Somos bem menos gregos que pensamos.
Não estamos nem nas arquibancadas nem
no palco, mas na máquina panóptica,
investidos por seus efeitos de poder que nós
mesmos renovamos, pois somos suas
engrenagens”

Foucault
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Sobre as Prisões

Surgimento da “forma prisão” (penalidade


de detenção, modelo de detenção penal,
prisão castigo)

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Tese do autor

“A forma prisão se constituiu fora do aparelho


judiciário, quando se elaboraram, por todo o corpo
social, os processos para repartir os indivíduos, fixá-
los e distribuí-los espacialmente, classificá-los, tirar
deles o máximo de tempo, e o máximo de suas
forças, treinar seus corpos, codificar seu
comportamento contínuo, mantê-los numa
visibilidade sem lacuna, formar em torno deles um
aparelho completo de observação, registro e
notações, constituir sobre eles um saber que se
acumula e se centraliza”
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A forma prisão (instituição prisão) faz parte
de uma aparelhagem para tornar os
indivíduos “dóceis” (dimensão política) e
“úteis” (dimensão econômica), através de
um trabalho preciso sobre seu corpo, antes
que a lei a definisse como a pena por
excelência.

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Duplo fundamento:

 Jurídico-econômico: idéia de “pagamento da


dívida” e de “pura privação de liberdade”.
 Técnico-disciplinar: (onidisciplinar, ou seja,
instituição sem especialização, como a escola,
oficina, exército): aparelho disciplinar exaustivo, que
toma a seu cargo todos os aspectos do indivíduo,
seu treinamento físico, sua aptidão para o trabalho,
seu comportamento cotidiano, sua atitude moral,
suas disposições

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Função da prisão:

De utilidade/positividade: realizar transformações no


indivíduo, para isso prestando-se os seguintes
esquemas:
1. Político-moral do isolamento individual e da
hierarquia;
2. Modelo econômico da força aplicada a um trabalho
obrigatório;
3. Modelo técnico-médico da cura e da normalização.

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