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Filosofia Social e Política na Europa,

FLUL, 2023-24

Estado, sociedade e política


em Hobbes
José Gomes André
Thomas Hobbes (1588-1679)

- Filósofo inglês, com obra vasta de


Filosofia Política: Elementos do
Direito (1640), De Cive (1642), Tratado
sobre a Natureza Humana (1650)
- Livro principal: Leviatã (1651)
Hobbes: o Estado como artefacto
“[...] a natureza [...] é imitada pela arte dos homens também
nisto: que é possível fazer um animal artificial. Pois vendo que a
vida não é mais do que um movimento dos membros [...] por
que não poderíamos dizer que todos os autómatos (máquinas
que se movem a si mesmas por meio de molas, tal como um
relógio) possuem uma vida artificial? Pois o que é o coração,
senão uma mola; e os nervos, senão outras tantas cordas? [...] E
a arte vai mais longe ainda, imitando aquela criatura racional, a
mais excelente obra de natureza, o Homem. Porque pela arte é
criado aquele grande Leviatã a que se chama Estado, ou Cidade
[Commonwealth, or state], que não é senão um homem
artificial, embora de maior estatura e força do que o homem
natural, para cuja protecção e defesa foi projectado.”
[Hobbes, Leviatã, trad. port., INCM, Introdução, p. 23]
Hobbes: a vontade de poder

“A felicidade é um contínuo progresso do desejo, de


um objecto para outro, não sendo a obtenção do
primeiro outra coisa senão o caminho para conseguir o
segundo. Sendo a causa disto que o objecto do desejo
do homem não é gozar apenas uma vez, e só por um
momento, mas garantir para sempre os caminhos do
seu desejo futuro. [...] Assinalo assim, em primeiro
lugar, como tendência geral de todos os homens um
perpétuo e irrequieto desejo de poder e mais poder, que
cessa apenas com a morte.”
[Hobbes, Leviatã, trad. port., INCM, p. 91].
Hobbes: o estado de natureza
“[...] durante o tempo em que os homens vivem sem um poder
comum capaz de os manter a todos em respeito, eles
encontram-se naquela condição a que se chama guerra, e uma
guerra que é de todos os homens contra todos os homens. [...]
Numa tal situação, não há lugar para a indústria, pois o seu
fruto é incerto, não há cultivo da terra, não há construções
confortáveis, nem artes, nem letras; não há sociedade; e o pior
de tudo é que há um constante temor e perigo de morte
violenta. A vida do homem é solitária, pobre, sórdida,
selvagem e curta.”
[Hobbes, Leviatã, trad. port., INCM, p. 111].
Hobbes: a necessidade do estado civil

“Eis a segunda lei de natureza: que um homem concorde,


quando outros também o façam, e na medida em que tal
se considere necessário para a paz e para a defesa de si
mesmo, em renunciar ao seu direito a todas as coisas,
contentando-se, em relação aos outros homens, com a
mesma liberdade que aos outros homens permite em
relação a si mesmo. Porque enquanto cada homem
detiver o direito de fazer tudo quanto queira todos os
homens se encontrarão numa condição de guerra.”
[Hobbes, Leviatã, trad. port., INCM, p. 116].
Hobbes: a necessidade de um
poder coercitivo
“Para que as palavras «justo» e «injusto» possam ter
lugar, é necessária alguma espécie de poder
coercitivo, capaz de obrigar igualmente os homens
ao cumprimento dos seus pactos, mediante o terror
de algum castigo que seja superior ao benefício que
esperam tirar do rompimento do pacto, e capaz de
fortalecer aquela propriedade que os homens
adquirem por contrato mútuo, como recompensa do
direito universal a que renunciaram. E não pode
haver tal poder antes de se erigir um Estado.”
[Hobbes, Leviatã, trad. port., INCM, p. 125].
Hobbes: o surgimento do Estado (1)

“[...] torna-se necessário um poder que mantenha os


homens em respeito, e que dirija as suas acções no sentido
do benefício comum. A única maneira de instituir um tal
poder comum, [...] é conferir toda a sua força e poder a um
homem, ou a uma assembleia de homens, que possa reduzir
as suas diversas vontades [...] a uma só vontade. [...] Isto é
mais do que consentimento, ou concórdia, é uma verdadeira
unidade de todos eles, numa só e mesma pessoa, realizada
por um pacto de cada homem com todos os homens, de
modo que é como se cada homem dissesse a cada homem:
Hobbes: o surgimento do Estado (2)
...Cedo e transfiro o meu direito de me governar a mim
mesmo a este homem, ou a esta assembleia de homens, com
a condição de transferires para ele o teu direito,
autorizando de uma maneira semelhante todas as suas
acções. Feito isto, à multidão assim unida numa só pessoa
chama-se Estado [...]. A essência do Estado pode ser assim
definida: uma pessoa de cujos actos uma grande multidão,
mediante pactos recíprocos uns com os outros, foi instituída
por cada um como autora, de modo a ela poder usar a
força e os recursos de todos, da maneira que considerar
conveniente, para assegurar a paz e a defesa comum.
Àquele que é portador dessa pessoa chama-se soberano e
dele se diz que possui poder soberano. Todos os restantes
são súbditos.” [Hobbes, Leviatã, trad. port., INCM, p. 146]
A imagem do Leviatã
A imagem do Leviatã
Hobbes: a ideia de representação
“Uma multidão de homens é transformada em uma pessoa
quando é representada por um só homem ou pessoa, de
maneira a que tal seja feito com o consentimento de cada
um dos que constituem essa multidão. Porque é a unidade
do representante, e não a unidade do representado, que faz
com que a pessoa seja una. [...]. Dado que a multidão
naturalmente não é uma, mas muitos, eles não podem ser
entendidos como um só, mas como muitos autores, de
cada uma das coisas que o representante diz ou faz em seu
nome. Cada homem confere ao seu representante comum
a sua própria autoridade em particular, e a cada um
pertencem todas as acções praticadas pelo representante
[...]” [Hobbes, Leviatã, trad. port., INCM, p. 139]
Hobbes: para um Estado civil e eclesiástico

“[...] apesar da insignificante distinção entre temporal e


espiritual, não deixa de haver dois reinos e cada súbdito
fica sujeito a dois senhores [...], ambos os quais querem
ver as suas ordens cumpridas como leis, o que é
impossível. Se houver apenas um reino, ou o civil, que é o
poder do Estado, tem de estar subordinado ao espiritual, e
então não há nenhuma soberania excepto a espiritual; ou
o espiritual tem de estar subordinado ao temporal e então
não existe outra supremacia senão a temporal. Quando
portanto estes dois poderes se opõem um ao outro, o
Estado só pode estar em grande perigo de guerra civil e
dissolução. ” [Hobbes, Leviatã, trad. port., INCM, p. 260]
Hobbes: ainda a preferência pela monarquia

“[...] quanto mais intimamente unidos estiverem o


interesse público e o interesse pessoal, mais se
beneficiará o interesse público. Ora, na monarquia o
interesse pessoal é o mesmo que o interesse público. [...]
[por outro lado], as resoluções de um monarca estão
sujeitas a uma única inconstância, que é a da natureza
humana, ao passo que nas assembleias, além da natureza,
verifica-se a inconstância do número. [...] Em quarto
lugar, é impossível um monarca discordar de si mesmo,
seja por inveja ou por interesse; mas numa assembleia
isso é possível, e em grau tal que pode chegar a provocar
uma guerra civil. ” [Hobbes, Leviatã, trad. port., INCM, p. 159]
Hobbes: os limites da obediência...

“[...] Entende-se que a obrigação dos súbditos para


com o soberano dura enquanto, e apenas enquanto,
dura também o poder mediante o qual ele é capaz de o
proteger. Porque o direito que por natureza os homens
têm de se defender a si mesmos não pode ser
abandonado através de pacto algum. A soberania é a
alma do Estado, e uma vez separada do corpo os
membros deixam de receber dela o seu movimento.”
[Hobbes, Leviatã, trad. port., INCM, p. 182]
... todavia, a obediência é devida em
todos os restantes casos
“[...] dado que o direito de representar a pessoa de todos
é conferido ao que é tornado soberano mediante um
pacto celebrado apenas entre cada um e cada um, e não
entre o soberano e cada um dos outros, não pode haver
quebra do pacto da parte do soberano, portanto nenhum
dos súbditos pode libertar-se da sujeição, sob qualquer
pretexto de transgressão. [...] Ninguém tem a liberdade
de resistir à espada do Estado, em defesa de outro, seja
culpado ou inocente. Porque essa liberdade priva a
soberania dos meios para nos proteger, sendo portanto
destrutiva da própria essência do Estado. ”
[Hobbes, Leviatã, trad. port., INCM, p. 150; p. 181]
O absolutismo de Hobbes
“Pertence ao cuidado do soberano fazer boas leis. Mas
o que é uma boa lei? Por boa lei entendo apenas uma
lei justa, pois nenhuma lei pode ser injusta. A lei é feita
pelo soberano poder e tudo o que é feito por tal poder é
garantido e diz respeito a todo o povo, e aquilo que
qualquer homem assim tiver ninguém pode dizer que é
injusto. Acontece com as leis do Estado o mesmo que
com as leis do jogo: seja o que for que os jogadores
estabeleçam não é injustiça para nenhum deles.”
[Hobbes, Leviatã, trad. port., INCM, p. 273]
Hobbes liberal?

“Liberdade significa, em sentido próprio, a ausência


de oposição (entendendo por oposição os
impedimentos externos do movimento) [...] um
homem livre é aquele que, naquela coisas que graças
à sua força e engenho é capaz de fazer, não é
impedido de fazer o que tem vontade de fazer. [...] em
todas as espécies de acções não previstas pelas leis os
homens têm a liberdade de fazer o que a razão de cada
um sugerir, como o mais favorável ao seu interesse.”
[Hobbes, Leviatã, trad. port., INCM, pp. 175-177]

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