em Hobbes José Gomes André Thomas Hobbes (1588-1679)
- Filósofo inglês, com obra vasta de
Filosofia Política: Elementos do Direito (1640), De Cive (1642), Tratado sobre a Natureza Humana (1650) - Livro principal: Leviatã (1651) Hobbes: o Estado como artefacto “[...] a natureza [...] é imitada pela arte dos homens também nisto: que é possível fazer um animal artificial. Pois vendo que a vida não é mais do que um movimento dos membros [...] por que não poderíamos dizer que todos os autómatos (máquinas que se movem a si mesmas por meio de molas, tal como um relógio) possuem uma vida artificial? Pois o que é o coração, senão uma mola; e os nervos, senão outras tantas cordas? [...] E a arte vai mais longe ainda, imitando aquela criatura racional, a mais excelente obra de natureza, o Homem. Porque pela arte é criado aquele grande Leviatã a que se chama Estado, ou Cidade [Commonwealth, or state], que não é senão um homem artificial, embora de maior estatura e força do que o homem natural, para cuja protecção e defesa foi projectado.” [Hobbes, Leviatã, trad. port., INCM, Introdução, p. 23] Hobbes: a vontade de poder
“A felicidade é um contínuo progresso do desejo, de
um objecto para outro, não sendo a obtenção do primeiro outra coisa senão o caminho para conseguir o segundo. Sendo a causa disto que o objecto do desejo do homem não é gozar apenas uma vez, e só por um momento, mas garantir para sempre os caminhos do seu desejo futuro. [...] Assinalo assim, em primeiro lugar, como tendência geral de todos os homens um perpétuo e irrequieto desejo de poder e mais poder, que cessa apenas com a morte.” [Hobbes, Leviatã, trad. port., INCM, p. 91]. Hobbes: o estado de natureza “[...] durante o tempo em que os homens vivem sem um poder comum capaz de os manter a todos em respeito, eles encontram-se naquela condição a que se chama guerra, e uma guerra que é de todos os homens contra todos os homens. [...] Numa tal situação, não há lugar para a indústria, pois o seu fruto é incerto, não há cultivo da terra, não há construções confortáveis, nem artes, nem letras; não há sociedade; e o pior de tudo é que há um constante temor e perigo de morte violenta. A vida do homem é solitária, pobre, sórdida, selvagem e curta.” [Hobbes, Leviatã, trad. port., INCM, p. 111]. Hobbes: a necessidade do estado civil
“Eis a segunda lei de natureza: que um homem concorde,
quando outros também o façam, e na medida em que tal se considere necessário para a paz e para a defesa de si mesmo, em renunciar ao seu direito a todas as coisas, contentando-se, em relação aos outros homens, com a mesma liberdade que aos outros homens permite em relação a si mesmo. Porque enquanto cada homem detiver o direito de fazer tudo quanto queira todos os homens se encontrarão numa condição de guerra.” [Hobbes, Leviatã, trad. port., INCM, p. 116]. Hobbes: a necessidade de um poder coercitivo “Para que as palavras «justo» e «injusto» possam ter lugar, é necessária alguma espécie de poder coercitivo, capaz de obrigar igualmente os homens ao cumprimento dos seus pactos, mediante o terror de algum castigo que seja superior ao benefício que esperam tirar do rompimento do pacto, e capaz de fortalecer aquela propriedade que os homens adquirem por contrato mútuo, como recompensa do direito universal a que renunciaram. E não pode haver tal poder antes de se erigir um Estado.” [Hobbes, Leviatã, trad. port., INCM, p. 125]. Hobbes: o surgimento do Estado (1)
“[...] torna-se necessário um poder que mantenha os
homens em respeito, e que dirija as suas acções no sentido do benefício comum. A única maneira de instituir um tal poder comum, [...] é conferir toda a sua força e poder a um homem, ou a uma assembleia de homens, que possa reduzir as suas diversas vontades [...] a uma só vontade. [...] Isto é mais do que consentimento, ou concórdia, é uma verdadeira unidade de todos eles, numa só e mesma pessoa, realizada por um pacto de cada homem com todos os homens, de modo que é como se cada homem dissesse a cada homem: Hobbes: o surgimento do Estado (2) ...Cedo e transfiro o meu direito de me governar a mim mesmo a este homem, ou a esta assembleia de homens, com a condição de transferires para ele o teu direito, autorizando de uma maneira semelhante todas as suas acções. Feito isto, à multidão assim unida numa só pessoa chama-se Estado [...]. A essência do Estado pode ser assim definida: uma pessoa de cujos actos uma grande multidão, mediante pactos recíprocos uns com os outros, foi instituída por cada um como autora, de modo a ela poder usar a força e os recursos de todos, da maneira que considerar conveniente, para assegurar a paz e a defesa comum. Àquele que é portador dessa pessoa chama-se soberano e dele se diz que possui poder soberano. Todos os restantes são súbditos.” [Hobbes, Leviatã, trad. port., INCM, p. 146] A imagem do Leviatã A imagem do Leviatã Hobbes: a ideia de representação “Uma multidão de homens é transformada em uma pessoa quando é representada por um só homem ou pessoa, de maneira a que tal seja feito com o consentimento de cada um dos que constituem essa multidão. Porque é a unidade do representante, e não a unidade do representado, que faz com que a pessoa seja una. [...]. Dado que a multidão naturalmente não é uma, mas muitos, eles não podem ser entendidos como um só, mas como muitos autores, de cada uma das coisas que o representante diz ou faz em seu nome. Cada homem confere ao seu representante comum a sua própria autoridade em particular, e a cada um pertencem todas as acções praticadas pelo representante [...]” [Hobbes, Leviatã, trad. port., INCM, p. 139] Hobbes: para um Estado civil e eclesiástico
“[...] apesar da insignificante distinção entre temporal e
espiritual, não deixa de haver dois reinos e cada súbdito fica sujeito a dois senhores [...], ambos os quais querem ver as suas ordens cumpridas como leis, o que é impossível. Se houver apenas um reino, ou o civil, que é o poder do Estado, tem de estar subordinado ao espiritual, e então não há nenhuma soberania excepto a espiritual; ou o espiritual tem de estar subordinado ao temporal e então não existe outra supremacia senão a temporal. Quando portanto estes dois poderes se opõem um ao outro, o Estado só pode estar em grande perigo de guerra civil e dissolução. ” [Hobbes, Leviatã, trad. port., INCM, p. 260] Hobbes: ainda a preferência pela monarquia
“[...] quanto mais intimamente unidos estiverem o
interesse público e o interesse pessoal, mais se beneficiará o interesse público. Ora, na monarquia o interesse pessoal é o mesmo que o interesse público. [...] [por outro lado], as resoluções de um monarca estão sujeitas a uma única inconstância, que é a da natureza humana, ao passo que nas assembleias, além da natureza, verifica-se a inconstância do número. [...] Em quarto lugar, é impossível um monarca discordar de si mesmo, seja por inveja ou por interesse; mas numa assembleia isso é possível, e em grau tal que pode chegar a provocar uma guerra civil. ” [Hobbes, Leviatã, trad. port., INCM, p. 159] Hobbes: os limites da obediência...
“[...] Entende-se que a obrigação dos súbditos para
com o soberano dura enquanto, e apenas enquanto, dura também o poder mediante o qual ele é capaz de o proteger. Porque o direito que por natureza os homens têm de se defender a si mesmos não pode ser abandonado através de pacto algum. A soberania é a alma do Estado, e uma vez separada do corpo os membros deixam de receber dela o seu movimento.” [Hobbes, Leviatã, trad. port., INCM, p. 182] ... todavia, a obediência é devida em todos os restantes casos “[...] dado que o direito de representar a pessoa de todos é conferido ao que é tornado soberano mediante um pacto celebrado apenas entre cada um e cada um, e não entre o soberano e cada um dos outros, não pode haver quebra do pacto da parte do soberano, portanto nenhum dos súbditos pode libertar-se da sujeição, sob qualquer pretexto de transgressão. [...] Ninguém tem a liberdade de resistir à espada do Estado, em defesa de outro, seja culpado ou inocente. Porque essa liberdade priva a soberania dos meios para nos proteger, sendo portanto destrutiva da própria essência do Estado. ” [Hobbes, Leviatã, trad. port., INCM, p. 150; p. 181] O absolutismo de Hobbes “Pertence ao cuidado do soberano fazer boas leis. Mas o que é uma boa lei? Por boa lei entendo apenas uma lei justa, pois nenhuma lei pode ser injusta. A lei é feita pelo soberano poder e tudo o que é feito por tal poder é garantido e diz respeito a todo o povo, e aquilo que qualquer homem assim tiver ninguém pode dizer que é injusto. Acontece com as leis do Estado o mesmo que com as leis do jogo: seja o que for que os jogadores estabeleçam não é injustiça para nenhum deles.” [Hobbes, Leviatã, trad. port., INCM, p. 273] Hobbes liberal?
“Liberdade significa, em sentido próprio, a ausência
de oposição (entendendo por oposição os impedimentos externos do movimento) [...] um homem livre é aquele que, naquela coisas que graças à sua força e engenho é capaz de fazer, não é impedido de fazer o que tem vontade de fazer. [...] em todas as espécies de acções não previstas pelas leis os homens têm a liberdade de fazer o que a razão de cada um sugerir, como o mais favorável ao seu interesse.” [Hobbes, Leviatã, trad. port., INCM, pp. 175-177]
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