Você está na página 1de 27

O período de ruptura e

experimentação (1914 – 1945): o


“deslocamento do centro dinâmico
da Economia Brasileira”.
O que estudamos até agora
Consideramos até o momento alguns aspectos econômicos presentes na Formação Econômica do Brasil
de Celso Furtado:
sistema escravista da economia açucareira: séculos XVI e XVII;
sistema escravista da economia mineira: século XVIII;
economia cafeeira em uma economia de mão de obra assalariada: século XIX.

Esta aula segue a sequencia proposta por Furtado na quinta e última parte do livro: a economia de
transição para um sistema industrial. Nesta parte, Furtado considera o processo de “deslocamento do
centro dinâmico da Economia Brasileira”. De uma forma mais ampla, vamos considerar o processo de
“ruptura” do modelo primário exportador e o início de um processo de substituição de importações no
país.
Ponto de partida: as implicações da política de
valorização do café no contexto da Crise de 30
(...) ao irromper a Crise de 1929, o setor cafeeiro encontrava-se debilitado por uma crise de
superprodução sem precedentes, que acarretou drástica redução no preço do produto. No
entanto, o nível da produção e a renda do setor cafeeiro não chegaram a ser profundamente
afetados. Em primeiro lugar, porque ocorreu uma forte desvalorização cambial, que permitiu
socializar as perdas provenientes da queda no preço internacional do produto; e, em segundo,
porque pôs-se em marcha uma política de retenção e destruição de parte da produção cafeeira.
Ricardo Bielschowsky, Formação Econômica do Brasil: uma obra-prima do
estruturalismo cepalino; capitulo 2 do livro “50 anos de Formação Econômica do Brasil:
ensaios sobre a obra clássica de Celso Furtado”, disponível em:
https://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=5614 .
Ponto de partida: as implicações da política de
valorização do café no contexto da crise de 30

Numa perspectiva mais ampla, a política de


valorização do café evidenciou uma
possibilidade: o Estado poderia intervir no
sistema produtivo de forma a evitar crises.
Consequências da política de valorização
do Café
I - Sustentação da renda (política keynesiana)
Para Furtado, a política de valorização do café, particularmente no início da década de 30,
contemplou mecanismos de manutenção da renda agregada na economia. Sob o ponto de vista
da análise keynesiana, tais mecanismos se manifestaram pela “injeção de demanda” na
economia a partir da elevação dos gastos do governo com a compra e queima do café. Na visão
do autor, tratou-se de uma política essencialmente keynesiana.
Lógica: compra do café pelo Governo => pagamento aos fazendeiros => manutenção do emprego
da mão de obra no campo => manutenção da renda da economia (salários e lucros) =>
sustentação da demanda agregada interna => estimulo à produção interna.
Consequências da política de valorização
do Café
II - Desvalorização cambial
A queda nas exportações de café, ao reduzir o fluxo de entrada de moeda estrangeira no país,
provocou desvalorização cambial que tornou as importações mais caras.
Lógica: se a taxa de câmbio sobe, as importações ficam mais caras. Exemplo: considere a taxa de
câmbio como o preço, em Reais, de 1 Dólar. Suponha um aparelho celular importado ao preço de
Us$ 1 mil. Se a taxa de câmbio é de R$ 5,30 por 1Us$, ou simplesmente 5,30, mercadoria custará,
em Reais, R$ 5.300,00. Se a taxa subir para 6,00 (desvalorização do Real perante o Dólar), o valor
do celular em Reais subirá para R$ 6.000,00.
Para a taxa de câmbio na época da análise aqui considerada, ver capítulo 31 do FEB - Os
mecanismos de defesa e a crise de 29, particularmente as notas de número 157 a 160.
Consequências da política de valorização
do Café
I - Sustentação da renda
+
II - Desvalorização cambial
=
Incentivo à industrialização substitutiva de importações, que representa o sentido da
expressão “deslocamento do centro dinâmico” utilizado por Furtado.
O sentido do deslocamento do centro dinâmico da
Economia brasileira após 1930
Para Furtado, as consequências da política de valorização do café, aliadas à redução no fluxo do
comércio internacional, incentivou o deslocamento da produção da agricultura de exportação
para produções destinadas ao mercado interno. Neste contexto, a crise de 30 trouxe
oportunidades para o Brasil.

De uma forma mais ampla, as mudanças estruturais consideradas por Furtado inserem-se no
que podemos considerar de período de ruptura do sistema de relações econômicas
internacionais decorrente das Guerras e Grande Depressão.

Vamos considerar, neta aula, este período em um contexto regional mais amplo: a América
Latina.
Ruptura e
Experimentação (1914 –
1945)
O mundo capitalista até a 1ª. Guerra
Até pelo menos a 1 guerra mundial, houve um ciclo de forte expansão do comércio e das
finanças internacionais.
Esta expansão deu origem a um sistema de divisão internacional do trabalho entre países
industrializados e produtores primários. Neste sistema, o Centro era ocupado pela Inglaterra.
Tratava-se de um mundo respaldado pela Economia Política Clássica particularmente pela
teoria das vantagens comparativas (David Ricardo) e, de uma forma mais geral, da ideia de
que o livre mercado (aqui internacional) é a “forma mais eficiente” de organização produtiva
(aqui mundial).
Pode-se considerar, neste mundo, a seguinte divisão:
◦ Inglaterra: centro do capitalismo comercial, industrial e do progresso técnico (e das ideias econômicas);
◦ Brasil: a produção primária voltada para o mercado internacional; mercado domestico pouco desenvolvido;
◦ EUA: fica “fora” da divisão e desenvolve uma estrutura produtiva cuja dinâmica reside no mercado interno.
Características das economias primário-exportadoras da
América Latina no Sec. XIX (resumo)

 Setor primário exportador como setor dinâmico da economia, cujo


crescimento depende do desempenho das economias europeias
(ou do mercado internacional).
 Atividade produtiva concentrada em poucos produtos.
 Alta concentração de renda: mercado interno limitado (também pelo
tamanho relativo das populações).
 A demanda por bens manufaturados é atendida pelas importações
da Europa (e já no início do século XX cada vez mais pelos EUA).
 Estrutura econômica essencialmente rural.
 Baixos níveis de educação (altas taxas de analfabetismo).
 Baixa produtividade da mão de obra.
 Baixa capacidade inovadora (inovações tecnológicas).
Concentração das exportações (1913)
Fonte: Bulmer-Thomas, Victor. La história económica de América Latina desde la independência. Fondo de Cultura
Económica, 2ª. Edição, 2010.

país 1º. produto % 2º. produto % total

Argentina Milho 22,5 Trigo 20,7 43,2


Bolívia Estanho 72,3 Prata 4,3 76,6
Brasil Café 62,3 Borracha 15,9 78,2
Colômbia Café 37,2 Ouro 20,4 57,6
Chile Nitratos 71,3 Cobre 7,0 78,3
Cuba Açúcar 72,0 Tabaco 19,5 91,5
Equador Cacau 64,1 Café 5,4 69,5
México Prata 30,3 Cobre 10,3 40,6
Peru Cobre 22,0 Açúcar 15,4 37,4
Venezuela Café 52,0 Cacau 21,4 73,4
O Período de ruptura e experimentação

 Trata-se do período que vai do início da 1ª.


Guerra ao fim da segunda Guerra.
 Ruptura: as guerras e principalmente a crise de
30 desarticulou (rompeu com) o sistema de
relações internacionais no mundo capitalista:
redução do comércio internacional, redução dos
investimentos produtivos e financeiros
internacionais (créditos internacionais, por
exemplo), elevação do protecionismo, dentre
outras consequências.
A ruptura e a experimentação

 1ª. Guerra: fim de um longo período de paz


 Depressão de 30: o mundo fica mais pobre
=> redução do comércio e das várias formas
de internacional
 2ª. Guerra: o “golpe de misericórdia”=> a
Europa é quase que totalmente destruída
As transformações

 Ruptura e Oportunidades:
 Condições internas e principalmente externas
favorecem transformações importantes nas
estruturas produtivas dos países latino-americanos
(no caso do Brasil, trata-se do momento do
“deslocamento do centro dinâmico da Economia
Brasileira”).
As transformações
 O período, entretanto, teve impactos diferenciados:
 As guerras: em vários casos ampliou as exportações da América

Latina: alimentos e minérios => alguns países passam a acumular


reservas.
 A Grande Depressão:

 queda do comércio internacional (efeito renda)

 queda nos preços dos bens primários no mercado internacional

(queda na demanda)
 protecionismo + guerras cambiais => reversão do processo de

internacionalização produtiva e financeira


 Escassez de financiamento internacional

 Em todo o período, a oferta produtos (manufaturas)

provenientes da Europa foi reduzida => novas oportunidades


As transformações
 Fatores que favoreceram a industrialização antes da 1ª.
Guerra (Celso Furtado):
 A renda gerada do setor exportador
 Crescimento das populações urbanas
 Mão de obra assalariada
 Imigração europeia
 Logo, qualquer interrupção do fluxo internacional poderia
estimular a produção industrial
As transformações
 A capacidade de cada país de aproveitar as oportunidades não foi
homogênea, uma vez que o processo de industrialização dependeu:
 do tamanho do mercado interno (Brasil, Argentina e México);
 da qualificação da mão de obra (regiões específicas: cidades, presença
de imigrantes, existência de sistema educacional e seu alcance);
 das instituições (neste ponto, a comparação com os EUA pode ser
considerada);
 da prévia existência de um setor industrial;
 da posição geográfica do país;
 das relações do país com a Europa.
 Ou seja, a capacidade de cada país de aproveitar as oportunidades não foi
homogênea.
Um exercício de reflexão: como cada um destes fatores atuaram nos EUA e na
América Latina?
Conseqüências gerais
 Em geral, particularmente nos casos da
Argentina, Brasil, Chile, Colômbia e México,
ocorreu no período um processo de
substituição de importações “espontâneo”,
tendo em vista o tamanho do mercado e as
condições técnicas relativas favoráveis.
Consequências gerais

 Por outro lado, cresce a influência, em vários


países, do Estado na economia
 México: programa de obras públicas e

reforma agrária.
 Brasil: Getúlio Vargas => política de

expansão da intervenção estatal.


 Chile: criação do CORFO: organismo

estatal para o desenvolvimento industrial


Consequências gerais

Cresce percepção acerca da importância do Estado


na Economia.
Uma observação importante

 A melhora das condições sanitárias proporcionou


incrementos nas taxas de crescimento
populacional; houve também um grande aumento
nas populações das cidades => nova ordem
para alguns governos: criar empregos =>
espaço para o populismo e a alternativa da
industrialização.
O significado da experimentação no
período 1914 – 1945: resumo
 “De forma geral, as evidências sobre a capacidade
de mudanças são chamativas. A indústria cresceu,
a agricultura se diversificou.
 As economias com maior mercado interno, como o
Brasil, experimentaram processos de
industrialização via substituição de importações.
 Cresce a percepção da importância do Estado na
transformação das estruturas econômicas.
O Fim da 2ª. Guerra: e agora?
O mundo entra em uma fase de “reconstrução”:

◦ Plano Marshall
◦ Novas instituições: FMI, Banco Mundial, ONU, GATT etc.
◦ Preocupação com a expansão soviética na Europa
◦ Os EUA surgem como a grande potencia mundial
O fim das turbulências e as opções para a
América Latina
 Após a 2ª. Guerra, duas opções se colocaram para a América
Latina (incluindo o Brasil):
I - voltar ao modelo primário-exportador; ou
II - continuar o processo de substituição de importações
“Informações” importantes:
Novo centro: EUA, com baixo coeficiente relativo de importação
Evidência empírica: baixo dinamismo relativo dos produtos
primários no mercado internacional
Os países ricos são industrializados
Necessidade de criação de empregos + governos populistas
=> O Brasil considerou claramente a opção II.
Próximas aulas
O período do Pós-Guerra:
A industrialização substitutiva de importações
A era dos Planos de desenvolvimento
Bibliografia
Quinta parte do FEB de Furtado, particularmente os capítulos 30 a 33.

Bibliografia complementar:

Rosemary Thorp, Progress, Poverty and Exclusion: An Economic History of Latin America

in the 20th Century,disponível em:

https://publications.iadb.org/en/publication/16284/progress-poverty-and-exclusion-ec
onomic-history-latin-america-20th-century

Ver também o livro A Economia Latino Americana, de Celso Furtado (várias edições, a

última pela Companhia das Letras. Não há diferença entre as edições).

Você também pode gostar