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O exercício da advocacia por estrangeiros

em Moçambique1

Tomás Timbane2

1. Introdução
2. O exercício da advocacia em Moçambique
3. Actos próprios da profissão de advogado.
A consulta jurídica e o mandato forense
4. O exercício da advocacia por estrangeiros

1. Introdução

I. O presente artigo pretende-se abordar o exercício da advocacia por


estrangeiros. Não parece ser um tema dificil de aflorar, mas a entrada em vigor
dos actuais Estatutos da Ordem de Advogados de Moçambique (EOA),
aprovados pela Lei n.º 28/2009, de 29 de Setembro, a situação dos advogados
estrangeiros inscritos e o exercício, por Licenciados em Direito que, estando
inscrito numa Ordem de Advogados ou instituição similar estrangeira,
encontram-se em Moçambique a exercer actividades que se podem enquadrar
na prática de actos próprios da profissão, justificam a presente abordagem.
Para além disso, os últimos acontecimentos, que levaram ao
encerramento de alguns escritórios de advogados, leva a presumir que nos
próximos dias o problema do exercício de advocacia por estrangeiros estará na

1
Versão escrita da comunicação apresentada na palestra subordinada ao tema “Procuradoria
Ilícita e Advocacia por estrangeiros”, realizada no dia 28 de Fevereiro de 2011, organizada pela
Ordem dos Advogados de Moçambique. Todas as observações e comentários sobre esta
apresentação e do que ela versa, serão muito apreciados e podem ser enviados aos
endereços electrónicos ttimbane@ttadvogados.net e/ou ttimbane@gmail.com.
2
Advogado. Presidente do Conselho Jurisdicional da Ordem dos Advogados de
Moçambique. Assistente Universitário na Faculdade de Direito da Universitário Eduardo
Mondlane.
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ordem do dia, até porque, mesmo agora, tratando-se de exercício fora do que
está previsto no EOA, não deixa de ser um aspecto a discutir.

II. Até ao presente momento encontram-se inscritos na Ordem dos


Advogados de Moçambique (OAM) 36 (trinta e seis) advogados estrangeiros,
sendo que 10 (dez) foram diplomados em Moçambique3. Do número total de
advogados estrangeiros inscritos, 10 (dez) encontram-se com inscrição
suspensa, sendo que dos advogados estrangeiros diplomados fora de
Moçambique, apenas 10 (dez) tem domicílio efectivo e exercem advocacia
permanente em Moçambique.
Quase todos os advogados estrangeiros são portugueses, e muito deles
estão inscritos ao abrigo do Protocolo de Cooperação entre as Ordens de
advogados de Moçambique e Portugal, primeiro suspenso e depois
substituído, a 2 de Novembro de 2009, pelo actual protocolo, o qual não
prevê, em nenhuma das suas 14 (catorze) cláusulas, a inscrição de advogados
de cada um dos países no outro.

III. Até à entrada em vigor do actual protocolo, encontrava-se em vigor


o Protocolo assinado em 29 de Março de 1996, nos termos do qual os
advogados de cada um dos países poderiam inscrever-se no outro. Não havia,
é verdade, regras de inscrição e critérios para o efeito, mas para evitar
distorções que pudessem ocorrer, as partes adoptaram, no dia 17 de Julho de
1996, uma limitação de 10 (dez) por cento dos advogados nacionais, ainda
que, nos casos em que não existissem advogados em número suficiente,
pudesse ser autorizada inscrição desde que os interessados quisessem fixar
domicílio profissional nas províncias ou distritos.

IV. Outro aspecto que merecia previsão, era o da prestação de serviços


de consulta jurídica sem carácter de permanência por advogados inscritos em
cada um dos países. Nesse caso, o exercício da advocacia era livre, ressalvados
os termos daquele protocolo e da legislação de cada um dos países.
Actualmente, não havendo protocolo sobre a prática dos serviços de consulta
jurídica, ainda que sem carácter de permanência, parece não haver dúvidas que
o regime é o constante do EOA, o qual condiciona esse exercício, nos termos
que adiante serão referidos.

2. O exercício da advocacia em Moçambique

I. Segundo resulta do n.º 1 do art. 52 do EOA, só os advogados e os


advogados estagiários com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados de
3
Os advogados estrangeiros diplomados em Moçambique não se encontram sujeitos a
nenhuma limitação, podendo inscrever-se na Ordem dos Advogados de Moçambique nos
mesmos termos que os moçambicanos (art. 150, n.º 1 do EOA).
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Moçambique podem, em todo território nacional e perante qualquer
jurisdição, instância, autoridade ou entidade pública ou privada, praticar actos
próprios da profissão e, designadamente exercer o mandato judicial ou
funções de consulta jurídica em regime de profissão liberal remunerada.
Isso implica a necessidade de definir um conjunto diversificado de
situações, as quais irão determinar, sempre, o que se deva entender por
exercício da advocacia. Desde logo, importa, porém, definir ou indicar perante
quem esse exercício deve ser feito: a lei refere-se a qualquer jurisdição –
comum ou especial4 - , mesmo perante entidade pública ou privada. Isso
significa que a prática de actos próprios da profissão de advogado, mesmo
perante entidades privadas, só pode ser feita por advogados ou advogados
estagiários, desde que inscritos na Ordem dos Advogados de Moçambique5.

II. Em segundo lugar, importa definir o que seja advogado ou


advogado estagiário: é todo o indivíduo, Licenciado em Direito, que esteja
como tal inscrito na Ordem dos Advogados, quer plenamente – advogados –
quer restritivamente – advogados estrangeiros.
Não importa a nacionalidade do inscrito, até porque pode tratar de uma
pessoa de nacionalidade estrangeira que tenha frequentado, com sucesso, o
Curso de Direito numa instituição de ensino superior de Direito em
Moçambique. O EOA equipara essa pessoa de nacionalidade estrangeira aos
moçambicanos, podendo, pois, entender-se que a lei moçambicana usa um
critério que toma em conta o conhecimento do sistema jurídico
moçambicano, obtido numa instituição moçambicana.

III. Em terceiro lugar, o exercício da advocacia implica a prática de


actos próprios da profissão de advogado, designadamente o exercício do
mandato judicial ou de funções de consulta jurídica em regime de profissão
liberal remunerada. Isso significa, pois, que é necessário definir ou indicar o
que sejam actos da profissão de advogado, mandato judicial ou consulta
jurídica, sendo que em qualquer dos casos, trata-se-á de exercício de uma
actividade liberal e remunerada.
Pode ocorrer que essas actividades não sejam feitas de forma
remunerada, mas isso não impede que se qualifique tais funções como sendo
actos próprios da profissão: é o caso do mandato judicial pro bono, das
actividades desenvolvidas por instituições de defesa dos direitos humanos, em
que não havendo uma remuneração do constituinte perante o advogado ou

4
Para definir o que seja jurisdição e uma melhor caracterização do carácter plural da função
juridicional em Moçambique, podem ver-se as nossas Lições de Processo Civil I, Escolar
Editora, Maputo, 2010, pp. 31 e ss. Isso significa que não se pode limitar oi exercício da
advocacia aos tribunais, mas mesmo perante instituições públicas ou privadas.
5
O art. 154 do EOA estabelece os termos em que, restritivamente, os técnicos e assistentes
jurídicos podem exercer a advocacia.
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advogado estagiário, este tem uma relação contratual com aquela instituição,
mas os actos aí referidos configuram actos próprios da profissão.

3. Actos próprios da profissão de advogado. A consulta jurídica e


o mandato forense

I. O patrocínio jurídico consiste na assistência técnica e profissional que


os advogados, que são os profissionais dotados de qualificações jurídico-
profissionais, prestam a qualquer interessado, tendo em vista a solução de uma
determinada questão.6
O EOA, tendo em conta o interesse público do exercício da profissão,
enumera o que se deve entender por actos próprios da profissão. Em primeiro
lugar, são considerados como tais o exercício do mandato forense e a consulta
jurídica.

II. No que se refere ao exercício do mandato forense, considerando a


simplicidade da sua caracterização, o art. 46 do EOA enumera 3 situações
consideradas como tais: (i) o mandato judicial conferido para ser exercido em
qualquer tribunal, incluindo os tribunais ou comissões arbitrais, (ii) o exercício
de mandato com representação, com poderes para negociar a constituição,
alteração ou extinção das relações jurídicas e (iii) o exercício de qualquer
mandato com representação em procedimentos administrativos, incluindo
tributários, perante quaisquer pessoas colectivas públicas ou respectivos
órgãos ou serviços, ainda que suscitem ou discutam apenas questões de facto.
Em primeiro lugar, só pode exercer o mandato perante um tribunal ou
comissão arbitral (tribunal arbitral ou centro de arbitragem), em representação
de terceiro, quem exerce advocacia. Exercem advocacia os advogados,
advogados estagiários e numa outra dimensão técnicos ou assistentes jurídico
como tal considerados.

III. Considera-se consulta jurídica a actividade de interpretação e


aplicação de normas jurídicas a um caso concreto ou abstracto, bem como o
aconselhamento jurídico no interesse e por conta de terceiro. Isso significa
que mesmo uma pessoa que não esteja autorizada para praticar actos próprios
da profissão de advogado, pode fazer consulta jurídica, mas quando essa
interpretação e aplicação de normas jurídicas seja feita no interesse e por
conta de terceiro, em regra só pode ser feita por quem exerce advocacia.
Isto quer dizer que quando a actividade é feita para um terceiro e para
tutelar interesses desse terceiro, trata-se, aí, de consulta jurídica, só não sendo
obrigatória a inscrição na Ordem dos Advogados quando essa actividade seja

6
Definição adaptada do conceito de patrocínio judiciário. Para mais considerações, vd. as
nossas Lições de Processo Civil I, cit., p. 226.
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feita mediante trabalho subordinado e no regime de exclusividade ou por
professores das Faculdades de Direito.

IV. A subordinação pode ser entendida em dois sentidos, uma


económica7 e outra técnico-jurídica. Neste segundo sentido, a subordinação
será entendida como dependência jurídica, significando que o trabalhador
executa uma actividade sob a autoridade e direcção do empregador, recebendo
instruções e ordens, bem como está sujeito ao poder disciplinar do
empregador8.
Há, aí, uma relação laboral entre o prestador do serviço e a entidade
empregadora, não podendo praticar-se essa actividade a mais ninguém que
não a esse empregador. Por exemplo, uma sociedade de advogados não pode
ter ao seu serviço, mesmo que em regime de exclusividade e em trabalho
subordinado perante ela, alguém a prestar a terceiro actividades próprias da
profissão, não só porque quem presta essas actividades é o trabalhador-
Licenciado em Direito, como também porque fá-lo para o interesse de
terceiro.

V. Tendo em conta que o estrangeiro só pode trabalhar em


Moçambique nos termos da respectiva legislação, importa, também, avaliar se
não terá sido empregue no regime de quotas. Nesse caso, se assim fôr, não há
dúvidas que se trata de um trabalhador, por isso em regime de trabalho
subordinado. Por aí também poderá ser aferida entre o estrangeiro e a
empresa, escritório ou sociedade de advogados uma relação de trabalho
subordinado.

VI. Assim, podemos concluir que o exercício da consulta jurídica por


pessoas não inscritas na OAM só é admissível, excepcionalmente, para (i)
serviço gratuito organizado pela OAM, instituições de defesa dos Direitos
Humanos e instituições de ensino superior do Direito para a prática de
estudantes (art. 57, n.º 2 do EOA)9, (ii) técnicos e assistentes Jurídicos

7
Esta corresponde à dependência económica, entendendo-se como tal aquela em que o
trabalhador necessita da remuneração para sustentar a sua família, pois esse né o seu único
ou primordial meio de subsistência (MONTEIRO FERNANDES, Direito do Trabalho, cit.,
p. 134). Segundo ROMANO MARTINEZ, Direito do Trabalho, Almedina, Coimbra, 3.ª
Edição, 2006, p. 148, trata-se de um entendimento que não deve ser tido em conta para o
Direito do Trabalho, porque para o trabalho subordinado interessa apenas a dependência
jurídica. Refere, ainda, que a dependência económica existirá, eventualmente, com respeito
a um trabalhador independente, que pode encontrar-se na dependência económica daquele
para quem trabalha.
8
ROMANO MARTINEZ, Direito do Trabalho, cit., p. 148.
9
Na Proposta de Revisão do EOA que, em finais de 2006, foi apresentada pela Comissão
composta pelo signatário e pela Dra. Fernanda Lopes, retirou-se a expressão “não”,
resultando que a consulta jurídica efectuada nos termos do n.º 2 do art. 54 do EOA
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inscritos no IPAJ, nos termos das condições e limitações impostas no art. 145
do EOA e (iii) consulta jurídica efectuada em regime de trabalho subordinado
e em regime de exclusividade entre empregador e trabalhador, sem que
ocorra, em nenhuma circunstância, a prestação de serviços a terceiros (v. arts.
52, n.º 1, 54, n.º 1, 57, n.º 1 e 151, n.º 1 todos do EOA).

VII. Pode, pois, admtir-se que um Licenciado em Direito, não inscrito


na OAM, trabalhador subordinado e em regime de exclusividade preste
consulta jurídica ao seu empregador, ainda que perante terceiros. Nesse caso,
não há, pois, prestação de serviços a terceiros, muito menos estes se
beneficiam dos serviços prestados pelo trabalhador de outrem.
Não se pode, pois, admitir, como se pode sustentar, que um
trabalhador subordinado, ainda que em regime de exclusividade, preste
serviços incluídos no âmbito dos actos próprios da advocacia que venham a
beneficiar terceiros, mesmo aquele que nunca se relacione com esses terceiros.

VIII. Para além do exercício do mandato judicial e da consulta jurídica,


são actos próprios da advocacia, quando praticados no interesse de terceiros
(i) a negociação tendente à cobrança de dívidas, (ii) a elaboração de contratos,
com excepção daqueles que por lei são atribuídos a outras entidades, (iii) a
instrução, organização, requisição e apresentação de actos de registos nas
respectivas conservatórias e demais entidades públicas, (iv) a instrução,
organização e marcação de escrituras de diversa natureza e o
acompanhamento dos actos notariais, (v) a instrução e elaboração de
documentos e requerimentos destinados a quaisquer processos e consulta dos
mesmos nos serviços de finanças, secretarias de autarquias locais e demais

obrigava a inscrição na Ordem dos Advogados. Depois de algumas discussões, o Conselho


Directivo não aprovou essa disposição, tendo submetido á Assembleia da República o
texto que agora está em vigor, o qual retomou a versão do anterior Estatuto. Continuam
válidas as razões que levaram à apresentação daquela proposta: o contrato de trabalho
celebrado pelo advogado não pode afectar a sua plena isenção e independência técnica
perante a entidade patronal nem violar o Estatuto. Sendo assim, se os consultores não
estão obrigados à inscrição, não estão submetidos à autoridade e à disciplina dos órgãos
profissionais assim como a todos os deveres e obrigações dos advogados nem poderão ver
asseguradas as suas garantias ou prerrogativas (ORLANDO GUEDES DA COSTA,
Direito Profissional do Advogado – Noções Elementares, 6.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2008, p.
172). Há deveres que mesmo o consultor jurídico estará obrigado: a honorabilidade, a
honestidade, integridade, os quais são, para o advogado, obrigações profissionais. No
entanto, como não está sujeito a inscrição na Ordem, o consultor jurídico está à margem da
intervenção da Ordem, quer para ver assegurados os seus direitos e prerrogativas, quer para
protecção da deontologia profissional. Sendo assim, só quando esse consultor jurídico não
preste serviços a terceiro está dispensado de se inscrever na Ordem, uma vez que os
direitos e prerrogativas que se lhe aplicariam visam proteger a relação entre o advogado e o
cliente, a quem aquele presta a sua actividade com todas as garantias previstas na lei,
situação que não ocorre quando se trata de trabalho subordinado.
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entidades públicas, (vi) a representação e intervenção no âmbito dos
procedimentos de formação de contratos ou actos de entidades públicas,
excepto quando a representação seja feita pelos respectivos representantes
legais.

4. Exercício da advocacia por estrangeiros

I. O EOA estabelece duas categorias de estrangeiros que podem


exercer advocacia em Moçambique: os que foram diplomados por qualquer
Faculdade de Direito de Moçambique e os que tenham cursado o Curso
superior de Direito no estrangeiro. No primeiro caso, os estrangeiros podem
inscrever-se na Ordem dos Advogados nos mesmos termos que os
moçambicanos. Compreende-se a razão de ser desta previsão legal: se o
estrangeiro estudou em Moçambique, é natural que conheça o sistema jurídico
moçambicano, pelo que não se justifica que não seja equiparado aos
moçambicanos.

II. Situação diversa ocorre nos casos de estrangeiros diplomados por


Faculdade de Direito estrangeira. Segundo resulta da alínea a) do n.º 2 do art.
142 do EOA, os estrangeiros diplomados por qualquer Faculdade de Direito
de Moçambique podem inscrever-se na Ordem dos Advogados, nos mesmos
termos dos moçambicanos, se a estes o seu país conceder reciprocidade. Isso
significa que, para que uma pessoa sem a nacionalidade moçambicana possa
exercer advocacia em Moçambique, é necessário que haja entre o Estado
Moçambicano e o Estado onde aquele estrangeiro tenha cursado Direito10, um
acordo de reciprocidade, isto é, que as leis desse Estado permitam que os
moçambicanos, em igualdade de circunstâncias, possam exercer advocacia
nesse país.

III. Moçambique e Portugal tem um acordo que estabelece o regime de


reciprocidade11. No acordo de cooperação com Portugal, estabelece-se que os
advogados e os solicitadores nacionais de cada um dos Estados, podem
exercer patrocínio perante os tribunais do outro.

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Numa primeira perspectiva poderia sustentar-se que o acordo deveria ser entre o
Moçambique o Estado de que aquele estrangeiro seja nacional, mas o EOA aponta noutro
sentido. Pretende-se, apenas, que o acordo exista entre Moçambique e o país onde aquele
estrangeiro frequentou o Curso de Direito, pois conhece esse sistema e não seria razoável
exigir que o acordo fosse com o Estado de que ele é nacional.
11
Acordo de Cooperação Jurídica e Judiciária, assinado no dia 12 de Abril de 1990 e
ratificado pela Assembleia da República pela Resolução n.º 10/91, de 20 de Dezembro (v.
o art. 3, nos termos do qual os advogados e solicitadores nacionais de um dos Estados
contratantes poderão exercer patrocínio perante os tribunais do outro, com observância
das condições exigidas pela lei deste).
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Há, aqui alguns aspectos que devem ser tomados em consideração. Em
primeiro lugar, os nacionais de cada um dos Estados pode exercer patrocónio
no outro Estado. Só os nacionais de um Estado perante outro. Por exemplo,
um angolano inscrito na Ordem dos Advogados Portugueses não pode
invocar esse Acordo para sustentar a existência de reciprocidade, porque este
acordo refere-se aos nacionais de cada um dos Estados. Do mesmo modo, um
timorense inscrito na Ordem dos Advogados de Moçambique não pode
invocar esse mesmo Acordo, justamente porque não é nacional de nenhum
desses países12. Assim, só os indivíduos com nacionalidade moçambicana ou
portuguesa, advogados ou solicitadores, poderão, em cada um dos países,
exercer o referido patrocínio.

IV. Em segundo lugar, o referido patrocínio pode ser exercido perante


os tribunais do outro. Os actos próprios da profissão de advogado não se
limitam a actos a praticar nos tribunais, ou seja, ao mandato forense,
considerando-se, como tal não só este, como também a consulta jurídica e os
demais actos referidos no EOA.
Julgamos que não é díficil sustentar a extensão deste regime ao
exercício de todos os actos próprios da profissão de advogado, desde logo

12
Situação diferente parece ocorrer quando se trata de um moçambicano ou português
tenha estudado em Portugal ou Moçambique. O Acordo e o EOA não regulam essa
situação, até porque um moçambicano que tenha estudado em Portugal não sendo aqui
estrangeiro, muito menos nacional português, não pode reclamar a aplicação, quer do art.
150 do EOA, quer do Acordo de reciprocidade existente entre os dois países. A OAM já
foi colocada perante esta situação: um moçambicano que era advogado em Portugal,
solicitou a sua inscrição em Moçambique, alegando que não se justificava que fosse
submetido a estágio. Em dois casos, a 1.ª instância (Conselho Nacional) entendeu que essa
situação não tinha previsão legal, pelo que indeferiu o pedido. Em recurso ao Conselho
Jurisdicional (), este entendeu, em dois casos, que não não existe qualquer norma que
regule a situação de um cidadão moçambicano, Licenciado em Direito por universidade
estrangeira (in casu portuguesa) com a respectiva equivalência do grau universitário obtida
em Moçambique através do Ministério da Educação e Cultura, e regularmente inscrito
como advogado na Ordem dos Advogados Portugueses (OAP), pretender inscrever-se na
Ordem dos Advogados de Moçambique como advogado, dispensando o estágio de acesso
à profissão previsto no EOA. Referiu, ainda, que o EOA regula o acesso à profissão de
nacionais moçambicanos diplomados por universidades nacionais, e de estrangeiros
diplomados e/ou inscritos nas respectivas ordens nacionais dos seus países, entendendo
que a omissão da regulação da questão de um moçambicano Licenciado em Direito,
regularmente inscrito numa ordem estrangeira, in casu portuguesa, poder igualmente
efectuar a sua inscrição na OAM é passível de ser considerada uma lacuna de previsão, pelo
que a OAM deveria ter admitido a inscrição de moçambicanos inscritos na OAP, ainda que
impondo certas condições. Em face dessa decisão do Conselho Jurisdicional, o Conselho
Nacional tem decidido nesse sentido, admitindo a inscrição de moçambicanos inscritos na
Ordem dos Advogados Portugueses, ainda que impondo certas condições, como, por
exemplo, um período de adaptação, o qual é supervisionado por um advogado, findo o
qual este elabora um relatório confirmando ou não a adaptação do advogado.
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porque o acordo de cooperação visava reconhecer o interesse comum e as vantagens
recíprocas da extensão da cooperação já existente para a área jurídica13. Para além disso,
é um acordo de cooperação que visa operacionalizar a cooperação em matéria
jurídica e judiciária.
Na cooperação jurídica, não se pode perder de vista que o exercício da
advocacia não se resume à intervenção nos tribunais, podendo, pois, admitir-
se que a inscrição abranja não só advogados que pretendam intervir em
tribunais como para quaisquer outros casos. A intervenção de um profissional
da advocacia, muitas vezes é preventiva, no aconselhamento das partes,
evitando-se, pois, o recurso a tribunal.

V. Em terceiro lugar, os estrangeiros que podem exercer advocacia


devem estar inscritos como advogados ou solicitadores14 em cada um dos
países, pelo que um cidadão português que não seja advogado em Portugal
não pode invocar o acordo para solicitar a sua inscrição em Moçambique. Não
é difícil compreender esta limitação, desde logo porque não sendo advogado
no país de que é nacional, não pode pretender inscrever-se noutro país e
beneficiar de um estatuto e qualidade que não tem no seu país de origem.
Será, pois, necessário determinar quem é advogado ou solicitador em
Portugal, o que se pode atestar através da junção de um certificado ou
declaração emitidos pela Ordem dos Advogados Portugueses ou pela Câmara
dos Solicitadores.

VI. O segundo requisito que consta do art. 150 do EOA, é a realização


de exame de avaliação e aptidão. Pretende-se aferir se o estrangeiro conhece,
não só o sistema jurídico moçambicano, como também os princípios que
norteiam o direito moçambicano. Tratar-se-á de um exame cujos
pressupostos, requisitos e condições serão definidos pelo Conselho Nacional
da OAM, mas enquanto tal não ocorrer a naprovação nesse exame não pode
ser aplicada (art. 150, n.º 3).

VII. Em terceiro lugar, a lei estabelece que para além da necessidade de


existir um regime de reciprocidade, admissão no exame de avaliação e aptidão,
a Ordem dos Advogados deve estabelecer um conjunto de requisitos, cujo
âmbito e alcance não refere15. Esse requisitos podem abranger um conjunto
diversificado de situações, sempre limitativas do direito que a lei concede ao

13
V. Preâmbulo do Acordo de Cooperação Jurídica e Judiciária.
14
Em Moçambique não há solicitadores, podendo equipar-se a estes os técnicos jurídicos
(art. 154 do EOA).
15
Na última assembleia-geral, foi constituída uma comissão para elaborar o respectivo
Regulamento. Fazem parte da Comissão os advogados Pedro Couto, que a preside, Filipe
Sitoe e o signatário. A proposta do Regulamento está na sua fase final e em Março será
submetida ao Conselho Nacional da Ordem dos Advogados de Moçambique.
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exercício da advocacia por estrangeiros. Compreende-se, pois, que o EOA
não proíba o exercício da advocacia por estrangeiross, mas impõe algumas
limitações.

Muito Obrigado.

10/8

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