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REVISÃO / REVIEW

Hipotireoidismo na gestação Sheila Mamede da Costa 1

Lino Sieiro Netto 2


Alexandre Buescu 3
Hypothyroidism in pregnancy Mario Vaisman 4

1-4Serviço de Endocrinologia . Faculdade de Medicina.


Hospital Universitário Clementino FragaFilho.
Universidade Federal do Rio de Janeiro. Sala FE23.
Av. Brigadeiro Tromposwiski, s.n. Ilha do Fundão,
Rio de Janeiro, RJ, Brasil. CEP: 21.941.590

Abstract Pregnancy induces many physiological Resumo A gestação induz mudanças fisiológicas
changes in maternal thyroid function. Furthermore, na função tireoidiana materna. Além disso a presença
the presence of thyroid autoimmunity or iodine defi- de auto-imunidade tireoidiana ou de deficiência de
ciency can exacerbate these alterations, resulting in iodo exacerbam essas alterações, podendo resultar
maternal and/or fetal hypothyroidism and further em hipotireoidismo materno e/ou fetal e desta forma
occasional complications for the mother and the ocasionar complicações para as mães e o desenvolvi-
development of the fetus. Several studies have report- mento dos fetos. Vários estudos têm demonstrado que
ed that untreated hypothyroidism during pregnancy filhos de mães com hipotireoidismo não tratado
may cause a significant decrease in intellectual devel- durante a gestação, podem apresentar comprometi-
opment of the offspring. The aim of this review of the mento do desenvolvimento intelectual. O objetivo
literature is to show the importance of identification desta revisão bibliográfica é mostrar a importância
and early therapy in pregnant women thus eliminating de identificar e tratar precocemente as gestantes com
the risk of complications. We also point that women essa enfermidade, e dessa forma eliminar os riscos de
with previously diagnosed hipothyroidism should be complicações. Recomenda-se também que as mulheres
advised to stabilize their disease before becoming com diagnóstico prévio de hipotireoidismo devem ser
pregnant to avoid these complications. aconselhadas a estabilizar a sua doença antes da
Key words Pregnancy, Hypothyroidism, Thyroid gestação e assim previnirem em complicações.
gland Palavras-chave Gestação, Hipotireoidismo, Glân-
dula tireóide

Rev. Bras. Saúde Matern. Infant., Recife, 4 (4): 351-358, out. / dez., 2004 351
Costa SM et al.

Introdução com os hormônios tireoidianos sendo responsável por


grande parte do transporte de T4 (68%) e T3 (80%).
É comum o surgimento de desordens tireoidianas em Durante a gestação, a afinidade das três proteínas por
mulheres na idade reprodutiva e durante a gestação.1 T4 e T3 não são significativamente alteradas, mas a
A freqüência de hipotireoidismo na gestação varia concentração de TBG aumenta aproximadamente de
em cada país, porém estima-se em torno de 0,3% a duas a três vezes, enquanto que a concentração de
25%. Nos países que não apresentam deficiência de albumina e transtirretina permanecem inalteradas. O
iodo, a doença tireoidiana auto-imune é a principal nível sérico de TBG aumenta nas primeiras semanas
causa de hipotireoidismo. A disfunção está rela- da concepção, com pico em torno da 21ª semana de
cionada a um grande número de complicações para a gestação, mantendo-se assim até o final desse perío-
mãe e para o desenvolvimento dos fetos, sendo as do. Os níveis elevados de estrógenos induzem esse
mais freqüentes a hipertensão gestacional e o baixo aumento pelo efeito combinado de aumentar a
peso fetal.2 síntese hepática e, também, a sialização da mólecula
Vários estudos têm demonstrado que a presença de TBG, levando desta forma a diminuição de seu
de anticorpos anti-tireoidianos especialmente o anti- clearance hepático em relação à mulher não grávida.
corpo antiperoxidase tireodiana, pode ocasionar Como resultado dessas alterações os níveis de T3 e
complicações para a mãe e o neonato, tais como, a T4 total aumentam durante a gestação, com tendên-
deteriorização da função tireoidiana das mães e cia a situar-se no limite superior da normalidade. No
aumento de abortos espontâneos. Mulheres com início da gestação esses níveis costumam elevar-se
abortos no primeiro trimestre de gestação apresen- acentuadamente e, mantêm um platô no início do
tam níveis elevados de anti-TPO em comparação segundo trimestre em cerca de 30-100% dos valores
com aquelas que não o tiveram.3-5 antes da gestação. A concentração dos hormônios
O período gestacional representa um estresse livres tendem a reduzir seus valores, com um ligeiro
para a glândula tireóide. Mulheres provenientes de aumento do TSH, resultante da estimulação do eixo
regiões com deficiência moderada de iodo (ingestão hipófise-tireóide. Para a mulher grávida que reside
<100 µg/dl) têm aumento da concentração de TSH em área suficiente de iodo, a diminuição na fração
durante a gestação, comparadas com mulheres de livre é limitada em aproximadamente 10 a 15%, já
áreas suficientes de iodo. Esse aumento de TSH é em locais de restrição ou deficiência de iodo a
maior naquelas que apresentam auto-imunidade redução é significativamente mais pronunciada.9-11
tireoidiana, podendo levar a hipotireoidismo mater- A segunda seqüência de eventos ocorre transito-
no e/ou fetal.3,6 Vários estudos têm mostrado que o riamente durante o primeiro trimestre e resulta da
desenvolvimento intelectual dos filhos das mães com estimulação direta da tireóide materna por níveis
hipotireoidismo pode ser comprometido.2,3,7 elevados de gonadotrofina coriônica (hCG), que é
O rastreamento das gestantes com risco de acompanhada por uma inibição parcial do eixo hipó-
hipotireoidismo deve ser realizado rotineiramente, fise-tireóide. Entre 8-14 semanas de gestação, há
pois o tratamento com levotiroxina pode atenuar ou uma diminuição transitória no TSH sérico, coinci-
eliminar o risco de complicações.8 dente com o pico na concentração de hCG. 9,11 Em
aproximadamente 20% das grávidas normais são
observados níveis de TSH no limite inferior da
Função tireoidiana durante a gestação normalidade (<0,20 mU/L), sendo os níveis de hCG
significativamente maiores em comparação com
A gravidez é um período que induz algumas 80% das grávidas que mantêm os níveis de TSH
mudanças fisiológicas, modificando dessa forma a inalterados. 10,11 A ação estimulatória do hCG pode
função tireoidiana. Três séries de eventos ocorrem em de um modo geral, ser quantificada: um incremento
tempos diferentes, resultando em efeitos complexos de 10.000 IU/L está associado com um aumento
que podem ser somente transitórios ou persistir até o médio de T4 livre de 0,6 pmol/L, e uma diminuição
termo. no TSH de 0,1 mU/L. A fim de se tornar clinica-
A primeira seqüência de eventos começa durante mente aparente (induzir tireotoxicose gestacional),
a primeira metade da gestação e se mantém até o os níveis circulantes de hCG normalmente excedem
termo. Os hormônios tireoidianos são transportados 50.000-75.000 IU/L, permanecendo assim por um
no sangue através de três proteínas: globulina trans- período prolongado, enquanto que na maioria das
portadora da tiroxina (TBG), transtirretina e albu- grávidas, o pico de hCG dura somente poucos dias.
mina. Embora a TBG esteja presente em baixa Consequentemente, na maior parte das gestantes
concentração no nível sérico, apresenta alta afinidade normais, esse efeito estimulatório permanece

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Hipotireoidismo gestacional

secundário, e com curta duração, não sendo volvimento dos seus fetos, caso a doença não seja
rotineiramente detectáve.l,9,12 adequadamente tratada.3,16
A terceira seqüência de eventos inicia-se na As mudanças que ocorrem na função tireoidiana
segunda metade da gestação, sendo relacionada na gestação são sutis, quando a glândula e a ingesta
com modificações no metabolismo periférico dos de iodo são normais. Contudo o estresse da doença
hormônios tireoidianos maternos. Três enzimas auto-imune e/ou a deficiência de iodo são suficientes
cata-lizam a desiodação dos hormônios tireoideos para resultar em hipotireoidismo gestacional em
nos tecidos humanos. A atividade da deiodase Tipo I algumas mulheres.17
provavelmente não é modificada durante a gravidez. O sistema nervoso central fetal depende de iodo e
A deiodase Tipo II é expressa na placenta e sua ativi- tiroxina para o seu desenvolvimento durante toda a
dade pode representar um mecanismo homeostático gestação, sendo dessa forma necessária uma avalia-
para a manutenção da produção de T3 localmente, ção das crianças nascidas de mães com severa defi-
quando as concentrações de T4 estão reduzidas. A ciência de iodo. Para tentar determinar a importância
placenta também contém grandes quantidades de do iodo na gestação, Cao et al.,18 demonstraram que
deiodase Tipo III, enzima que converte T4 para T3 das gestantes que receberam iodo durante o primeiro
reverso, e T3 para T2. Por sua atividade enzimática e segundo trimestres, somente 2% de seus filhos
extremamente alta, durante a vida fetal, a deiodase apresentaram moderada ou severa anormalidade
Tipo III pode explicar o T3 baixo e concentrações de neurológicas. Contudo, caso essa suplementação seja
T3 reverso alta, que são característicos do metabo- feita tardiamente durante o terceiro trimestre ou no
lismo hormonal da tireóide fetal.9,13 início do pós-parto, as anormalidades aumentam
Em conjunto, alterações metabólicas associadas para aproximadamente 9%.2,18
com a progressão da primeira metade da gestação O hipotireoidismo materno é comumente causa-
constituem uma fase transitória de um estado de pré- do por tireoidite auto-imune ou por destruição da
concepção para gravidez. Para que efetivamente glândula (ablação com iodo ou cirurgia), e raramente
ocorram, tais alterações requerem uma produção por desordem hipotalâmica-hipofisária. A prevalên-
hormonal aumentada pela glândula tireóide materna. cia durante a gestação varia em cada país.2 Klein et
Uma vez que um novo equilíbrio tenha sido atingi- al., 19 nos EUA ,encontraram aumento de TSH (>6
do, as demandas hormonais aumentadas são manti- mU/L) em 49 (2,5%) das 2000 gestantes avaliadas
das até o termo, provavelmente através da passagem entre 15ª a 18ª semanas de gestação e diminuição do
transplacentária de hormônios da tireóide materna e T4 em 0,3%. Glinoer, 10 na Bélgica, analisou 1900
aumento do turnover de T4 materno, presumivel- gestantes encontrando 2,2% de hipotireoidismo. 11
mente sob a influência da alta atividade da deiodase No Japão, Fukushi et al.,20 observaram hipotireodis-
Tipo III. mo em 102 (0,14%) das 70.632 gestantes avaliadas.
Para gestantes de países que não apresentem Vários são os efeitos do hipotireoidismo não trata-
deficiência de iodo, o desafio da tireóide materna é do para as mães e seus fetos (Quadro 1).2,21 Leung et
ajustar a produção hormonal a fim de atingir um al.,22 acompanharam 68 mulheres com hipotireoidis-
novo estado de equilíbrio, e depois disso, mantê-lo mo durante toda a gestação, das quais 23 apresen-
até o termo. Todavia essas adaptações fisiológicas tavam hipotireoidismo clínico e 45 subclínico. Como
são atingidas sem dificuldades pela tireóide normal. resultado a prevalência de hipertensão gestacional foi
Contudo, esse não é o caso quando a capacidade elevada em ambos os grupos, sendo de 22% para o
funcional da glândula está prejudicada, como ocorre clínico e 15% no subclínico, em comparação com
na doença tireoidiana auto-imune, hipotireoidismo 7,6% do grupo sem disfunção. Nos recém-nascidos,
ou quando a gestante reside em área deficiente de baixo peso foi a complicação mais comum dos filhos
iodo.9,14 das mães com hipotireoidismo clínico, sendo encon-
trado em aproximadamente 22%. Presença de malfor-
mações congênitas e natimortos foram observadas
Hipotireoidismo materno nas gestantes que não fizeram uso adequado do
hormônio tireoidiano.22 Também com o objetivo de
A associação de hipotireoidismo com anovulação fez avaliar as conseqüências do hipotireoidismo na
com que alguns médicos concluíssem que gestações gestação, Davis et al.,23 acompanharam 16 mulheres
complicadas por hipotireoidismo eram extremamente com hipotireoidismo clínico, e dessas, sete apresen-
raras.3,15 Posteriormente vários estudos demonstraram taram pré-eclâmpsia e três placenta prévia e hemor-
que essas mulheres podem engravidar, assim como ragia pós-parto. Nesse grupo foi observado baixo
apresentarem repercussões para elas e para o desen- peso fetal (<2000 g) em cinco mulheres e dois nati-

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mortos. Das 12 gestantes com hipotireoidismo sub- Quadro 1


clínico, duas apresentaram pré-eclâmpsia e hemorra-
gia pós-parto. 23 Caso o hipotireoidismo clínico ou Hipotireoidismo materno: efeitos na mãe e feto.

sub-clínico não seja tratado adequadamente, pode


relacionar-se com o aumento do número de abortos Materno Fetal
espontâneos. Além disso, essas mulheres apresentam
freqüentemente anti-TPO positivo (80% versus 9%
Hipertensão Gestacional Prematuridade
das mulheres com TSH normal), e alguns estudos têm
Pré-eclâmpsia Baixo peso ao nascimento
confirmado um aumento da incidência de abortos
Placenta prévia Natimorto
durante o primeiro trimestre de gestação.24 Vaquero
Anemia Sofrimento fetal
et al.,25 demonstraram recentemente que a reposição
Hemorragia pós-parto
de T4 poderia beneficiar um pequeno grupo dessas
mulheres com história de abortos recorrentes. Adaptado de Smallridge RC. Hypothyroidism and
Tem sido demonstrado em vários estudos que pregnancy. Endocrinologist 2002; 12: 454-63. 2
filhos de mães com hipotireoidismo descompensado
durante a gestação podem apresentar significante
decréscimo do quociente de inteligência (QI).
Aproximadamente 20% dessas crianças tem níveis
de QI igual ou menor 85, mostrando desta forma a
importância da avaliação da função tireoidiana antes
ou durante o início da gestação.2,7,26

Diagnóstico laboratorial

O indicador mais sensível do hipotireoidismo é a etiologia do hipotireoidismo, além de ser um


determinação sérica do TSH, o qual se encontra marcador de risco das pacientes que podem desen-
invariavelmente elevado no hipotireoidismo primário, volver a doença durante a gravidez ou disfunção
sobretudo em mulheres de regiões com deficiência tireoidiana pós-parto. Tem sido relatada também a
de iodo. As concentrações de T4 livre podem estar associação de anti-TPO a um risco aumentado de
dentro dos limites da normalidade em pacientes com aborto espontâneo em aproximadamente 17% de
hipotireoidismo subclínico, tendendo a diminuir de gestantes, quando comparado com 8,4% em mulheres
acordo com gravidade do quadro. Os níveis de T3 com anticorpos negativos.1,2,27,28
livre podem estar ainda normais mesmo quando o T4 Portanto, o rastreamento durante a gestação (Figu-
livre já se encontra em níveis baixos. Os níveis de ra 1) é justificado devido às complicações obstétricas
T3 e T4 totais, encontram-se elevados durante a e fetais associadas com hipotireoidismo não tratado,
gestação em função do aumento da concentração de assim como a avaliação das pacientes com risco para
TBG, não sendo utilizados para o diagnóstico. A desenvolvimento de disfunção tireoidiana pós-parto,
determinação de anticorpos anti-TPO é importante especialmente tireoidite pós-parto (TPP).28
na identificação de tireoidite de Hashimoto como a

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Hipotireoidismo gestacional

Figura 1

Algorítmo de rastreamento para disfunção tireoidiana na gestação e pós-parto.

Início da gestação (12- 20 semanas)


Ac- TPO + T4 livre + TSH

Ac - /TSH + T4livre
TSH >4
normal

Ac+/ TSH < 2 Ac +/ TSH 2-4

Tratamento com L-T4 e


acompanhar no PP
Não acompanhar

T4 livre normal - baixo para IG

T4 livre e TSH
em 6 meses e acompanhar no PP

Tratamento com L-T4 e


acompanhar no PP

Ac - TPO = Anticorpo peroxidase tireoidiana; Ac = Anticorpo negativo); Ac+ = Anticorpo positivo; IG = Idade gestacional; L-T4 =
Levotiroxina; PP = Pós-parto
Fonte: Adaptado de Glinoer D. Management of hypo and hyperthyroidism during pregnancy. Growth Horm IGF Res 2003; 13: S45-S54. 28

Tratamento retornando à dose habitual pré-gestacional. Várias são


as causas que tentam explicar a etiologia do aumento
Todas as mulheres portadoras de hipotireoidismo, da necessidade de T4. No primeiro trimestre ocorre
especialmente aquelas com pretensão a engravidar, aumento do pool de TBG permanecendo assim até o
devem ser estimuladas a obter um bom controle da final da gestação, e durante o segunda metade da
sua doença antes da concepção. As mulheres com gestação há aumento do tamanho da placenta, com
diagnóstico e tratamento prévio à gestação devem ter maior atividade da deiodase tipo III inativando os
o TSH e o T4 livre monitorados a partir do primeiro hormônios tireoidianos, e, também, a expansão do
trimestre, com revisão a cada seis a oito semanas, volume plasmático. Tem sido sugerido que gestantes
devendo a dose da reposição com Levotiroxina que fazem suplementação com sulfato de ferro e que
(LT4) ser ajustada caso necessário. Tem sido obser- reduz a absorção de T4, necessitam também de
vada, com muita freqüência por diversos autores, a aumento da dose da reposição hormonal.3,29,30
necessidade de aumento da dose de reposição de T4 Tem sido demonstrado que esse aumento da
em aproximadamente 25 a 50% das doses utilizadas necessidade de Levotiroxina está relacionado com a
na pré-concepção, iniciando a partir do 1º trimestre, etiologia do hipotireoidismo. Foi observado que as
e persistindo até o final da gestação. Essas necessi- pacientes atireóticas por ablação cirúrgica e/ou
dades aumentadas cessam no período de pós-parto, radioiodo necessitaram aumentar a dose da reposição

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significativamente durante a gestação em compara- ressecção de tireóide para tratamento de neoplasia e


ção com as pacientes com hipotireoidismo por que se encontram em reposição de doses suprafisi-
tireoidite de Hashimoto que necessitaram de um ológicas de hormônio como estratégia de tratamento
aumento muito menor, provavelmente pela presença (supressão) necessitam de aumento da dose já no
de uma reserva tireóidea residual com capacidade de primeiro trimestre de gestação.
compensar as necessidades requeridas.3,31 Sabendo que a avaliação correta do hipotireoidis-
Nas pacientes em que o diagnóstico é realizado mo antes e durante a gestação é fundamental
durante a gravidez o reajuste da dose deve ser feito para evitar as conseqüências para as mães e desen-
com cerca de seis semanas após o início do tratamen- volvimento dos fetos, Brent baseado em vários
to, devendo elas ser avaliadas durante toda a estudos, elaborou diretrizes para o manejo da doença
gestação com a dosagem de TSH verificada a cada (Quadro 2).3
seis a oito semanas. As pacientes submetidas à

Quadro 2

Diretrizes para avaliação de mulheres com hipotireoidismo antes e durante a gestação.

1. Mulheres com hipotireoidismo com pretensão a engravidar devem ser alertadas da necessidade de obter um bom
controle da sua doença antes e durante a gestação.
2. Níveis séricos de TSH devem ser dosados no 1º trimestre.
3. Mulheres atireóticas, especialmente aquelas em terapia supressiva para câncer de tireóide, devem ser
aconselhadas a aumentar a dose de T4 em aproximadamente 25 a 50%, logo que a gestação for confirmada.
4. Durante toda a gestação deve ser monitorizado os níveis de TSH, a cada seis a oito semanas.
5. Retorno imediato após o parto para a dose de T4 utilizada antes da gestação.

Fonte: Adaptado de Brent GA. Thyroid 1999; 9: 663. 3

Disfunção tireoidiana pós-parto alcançando um nadir no parto, com um pico no


terceiro e quarto mês de pós-parto.29,33
Embora esta revisão esteja direcionada para a A TPP é uma disfunção causada pela destruição
gestação, é importante lembrar que o período de pós- auto-imune da tireóide, acometendo aproximada-
parto também é propício para o aparecimento de mente 5 a 10% das mulheres no primeiro ano de pós-
disfunção tireoidiana, sendo a causa mais comum parto, caracterizado por transitório hipertireoidismo
TPP.1,3,4 hipotireoidismo ou ambos, sendo que aproximada-
Durante a gravidez, o sistema imune materno é mente 25 a 30% podem desenvolver hipotireoidismo
suprimido, o que pode ocorrer devido a atividade permanente. As pacientes com TPP podem também
aumentada das células T supressoras fetais. 32 No apresentar recorrência em até 69% da doença em
final da gravidez e durante os três primeiros meses gestações subsequentes.33,34
de pós-parto ocorre uma queda das células T CD4 O anticorpo anti-TPO é considerado como o prin-
(células T helper) e um aumento das células T CD8 cipal marcador da doença. Lazarus et al.,35 estudaram
(células T supressoras), causando queda da relação 152 gestantes com anti-TPO positivo (dosagem reali-
CD4/CD8. Mulheres que desenvolvem TPP têm uma zada até a 16ª semana de gestação) e compararam com
alta relação CD4/CD8 e ativação das células T CD4 239 mulheres com anticorpo negativo acompanhadas
no período de pós-parto. Após o parto o desapareci- mensalmente durante os 12 meses de pós-parto, tendo
mento rápido dos fatores supressores de imunidade observado TPP em aproximadamente 50% daquelas
materna leva a um "rebote" na função auto-imune. com auto-imunidade.
Portanto os títulos de anticorpos tireoidianos apre- A maioria das pacientes com TPP tem manifes-
sentam tendência para a redução durante a gestação, tações clínicas leves de tireotoxicose e/ou hipoti-

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reoidismo, sendo freqüente que a doença passe Diversos autores têm sugerido que todas as
despercebida por médicos e pacientes por associa- mulheres devam ser submetidas ao rastreamento
rem os sintomas ao período de pós-parto. para TPP durante o primeiro trimestre de gestação
Laboratorialmente, as dosagens de T4 Livre e com a dosagem de anti-TPO, sendo aquelas com
TSH variam de acordo com as diversas fases da títulos elevados acompanhadas com T4 Livre e TSH
disfunção tireóidea, sendo a captação de iodo 131 durante os 12 meses de pós-parto, com a finalidade
baixa na fase de tireotoxicose, fazendo, dessa forma, de identificar casos da doença.34,37
a diferenciação com a doença de Graves.36

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Recebido em 12 de fevereiro de 2004


Versão final apresentada em 12 de maio de 2004
Aprovado em 14 de julho de 2004

358 Rev. Bras. Saúde Matern. Infant., Recife, 4 (4): 351-358, out. / dez., 2004

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