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MICROBIOLOGIA DE ALIMENTOS

1. INTRODUÇÃO

A capacidade de sobrevivência ou de multiplicação dos microorganismos que estão


presentes em um alimento depende de uma série de fatores. Entre estes fatores estão aqueles
relacionados com as características próprias do alimento (fatores intrínsecos) e os relacionados
com o ambiente em que o alimento se encontra (fatores extrínsecos).

Intrínsecos:
a) atividade de água (Aa; Wa);
b) acidez (pH);
c) potencial de oxi-redução (Eh);
d) composição química;
e) fatores antimicrobianos naturais;
f) interações entre micro-organismos presentes.

Extrínsecos:
a) umidade;
b) temperatura ambiental;
c) composição gasosa do ambiente.
Importante: estes fatores podem ter efeito interativo.

O crescimento bacteriano é influenciado por vários fatores ambientais, destacando-se o


alimento, a temperatura, a umidade, o pH e o oxigênio. Cada um destes fatores é importante e
pode limitar o crescimento, determinando o desenvolvimento bacteriano. A presença de alguns
organismos, sejam outras bactérias ou determinados fungos pode levar a alterações do
crescimento das populações bacterianas, quer pela competição por alimento e espaço quer
pela produção de compostos químicos inibidores do seu crescimento.
Quando uma determinada bactéria é semeada num meio líquido de composição
apropriada e incubada em temperatura adequada, o seu crescimento segue uma curva definida
e característica.

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Curva de Crescimento Bacteriano

Fase lag (A): esta fase de crescimento ocorre quando as células são transferidas de um meio
para outro ou de um ambiente para outro. Esta é a fase de ajuste e representa o período
necessário para adaptação das células ao novo ambiente. As células nesta fase aumentam no
volume total em quase duas ou quatro vezes, mas não se dividem. Tais células estão
sintetizando DNA, novas proteínas e enzimas, que são um pré-requisito para divisão.

Fase exponencial ou log (B): nesta fase, as células estão se dividindo a uma taxa geométrica
constante até atingir um máximo de crescimento. Os componentes celulares como RNA,
proteínas, peso seco e polímeros da parede celular estão também aumentando a uma taxa
constante. Como as células na fase exponencial estão se dividindo a uma taxa máxima, elas
são muito menores em diâmetro que as células na fase Lag. A fase de crescimento
exponencial normalmente chega ao final devido à depleção de nutrientes essenciais,
diminuição de oxigênio em cultura aeróbia ou acúmulo de produtos tóxicos.

Fase estacionária (C): durante esta fase, há rápido decréscimo na taxa de divisão celular.
Eventualmente, o número total de células em divisão será igual ao número de células mortas,
resultando na verdadeira população celular estacionária. A energia necessária para manter as
células na fase estacionária é denominada energia de manutenção e é obtida a partir da
degradação de produtos de armazenamento celular, ou seja, glicogênio, amido e lipídeos.

Fase de morte ou declínio (D): quando as condições se tornam fortemente impróprias para o
crescimento, as células se reproduzem mais lentamente e as células mortas aumentam em
números elevados. Nesta fase o meio se encontra deficiente em nutrientes e rico em toxinas
produzidas pelos próprios micro-organismos.

As bactérias, bolores e leveduras são os micro-organismos de maior destaque como


agentes potenciais de deterioração e como eventuais patógenos ao homem. Na grande maioria
das situações, as bactérias são os micro-organismos numericamente predominante nos
alimentos, principalmente por :

• apresentarem um tempo de geração bastante reduzido;


• serem capazes de utilizar uma diversidade de substratos;
• apresentarem ampla variação de comportamento dos diferentes gêneros frente a
fatores ambientais.

O conhecimento dos fatores (intrínsecos e extrínsecos) que favorecem ou inibem a


multiplicação dos micro-organismos é essencial para compreender os princípios básicos que
regem tanto a alteração como a conservação dos alimentos.

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2. FATORES INTRÍNSECOS

2.1. ATIVIDADE DA ÁGUA – Aa

O crescimento e o metabolismo microbiano exigem a presença de água numa forma


disponível. Água ligada a macromoléculas por forças física não está livre para agir como
solvente ou para participar de reações químicas e, portanto, não pode ser aproveitada pelos
microorganismos. A Aa é um índice desta disponibilidade para utilização em reações químicas
e crescimento microbiano

A adição de solutos a um líquido puro irá causar uma redução na pressão de vapor da
solução e consequentemente diminuir a Aa. Essa redução varia em função da natureza da(s)
substância(s) adicionada(s), da quantidade adicionada e da temperatura.
Sendo 1 o valor de Aa obtido na água pura, os valores de Aa oscilarão entre 0 e 1.
O exemplo abaixo representa uma relação existente entre o valor de Aa e a adição de
compostos com sal, açúcar e glicerol, que quando adicionados causam redução no valor de
Aa.

Aa = 0.995 → um meio com 0.88% de NaCl; 8,52% de sacarose; e


Exemplo 1
4,45% de glicose
Aa = 0.860 → um meio com 18.18% de NaCl; 68,60% de sacarose; e
Exemplo 2
58,45% de glicose

A Aa de um alimento pode também ser reduzida através da remoção de água


(desidratação) e do congelamento.
Na maioria dos alimentos frescos, a Aa é superior a 0,95. Os microorganismos têm um
valor mínimo, um valor máximo e um valor ótimo de Aa para sua multiplicação. Considerando
que a Aa da água pura é 1,00 e que os microorganismos não se multiplicam em água pura, o
limite máximo para o crescimento microbiano é ligeiramente menor que 1,00. O comportamento
dos microorganismos em relação à Aa mínima e ótima é bastante variável. Em geral, as
bactérias requerem Aa mais alta que os fungos. As bactérias Gram-negativas são mais
exigentes que as Gram-positivas em relação à Aa necessária. A maioria das bactérias
deteriorantes não se multiplica em Aa inferior a 0,91, enquanto que os fungos deteriorantes
podem fazê-lo em Aa de até 0,80.

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Tabela 1 – Atividade de água de alguns alimentos e suscetibilidade à deterioração

FAIXA DE Aa MICROORGANISMOS CAPAZES DE ALIMENTOS COM AA NA FAIXA


SE DESENVOLVER INDICADA

Pseudomonas, Escherichia, Proteus, Alimentos muito perecíveis (frutas


Shigella, Klebsiella, Bacillus, frescas, vegetais, carnes, peixe),
1,00 – 0,95 Clostridium perfringens e algumas lingüiças, salsichas e pães cozidos,
leveduras. alimentos contendo até 40% de
sacarose e 7% de sal.
Salmonella, V. parahaemolyticus, C. Alguns queijos (cheddar, suíço,
Botulinum, Serratia, Lactobacillus, provolone), carnes curadas (presunto),
0,95 – 0,91 Pediococcus, alguns fungos, concentrado de frutas, alimentos
Rhodotorula, Pichia. contendo até 55% de sacarose ou 12%
de sal.
Muitas leveduras (Candida, Torulopsis, Embutidos fermentados (salames),
Hansenula), Micrococus. bolos confeitados, queijos desidratados,
0,91 – 0,87 margarina, alimentos contendo até 65%
de sacarose ou 15% de sal.

A maioria dos fungos, Staphylococcus Concentrados de frutas, leite


aureus, a maioria das Saccharomyces condensado, xaropes de chocolate e
0,87 – 0,80 spp., Debaryomyces. frutas, farinha, arroz, granulados
contendo 15 a 17% de umidade, bolos
de frutas, presuntos caseiros, foundies
e confeitos açucarados.
0,80 – 0,75 A maioria das bactérias halófilas. Geléias, marmeladas, marzipã, glacê
de frutas e marshmallow.
Fungos xerofílicos (Aspergillus Flocos de aveia contendo 10% de
chevalieri, A. candidus, Wallemia sebi), umidade, cremes para recheio, geléias,
0,75 – 0,65 Saccharomyces bisporus. marshmallow, melaço, caldo de cana
de açúcar, algumas frutas secas e
castanhas.
Leveduras osmofílicas (Saccharomyces Frutas secas contendo de 15 a 20% de
0,65 – 0,60 rouxii), poucos fungos (Aspergillus umidade: algumas balas, caramelos e
echinulatus, Monascus, Monascus mel.
bisporus).
Sem proliferação microbiana. Macarrão e massa similares, contendo
0,50 12% de umidade, temperos com 10%
de umidade.
0,40 Sem proliferação microbiana. Ovo em pó com 5% de umidade.
0,30 Sem proliferação microbiana. Biscoitos e torradas com 3-5% de
umidade.
Sem proliferação microbiana. Leite em pó (2 – 3% umidade), vegetais
0,20 desidratados (5% umidade), flocos de
milho (5% umidade), sopas
desidratadas.

Atividade de água, temperatura e disponibilidade de nutrientes são interdependentes.


Assim, a qualquer temperatura, a capacidade de micro-organismos multiplicarem-se abaixa
quando a Aa abaixa. Quanto mais próxima da temperatura ótima de multiplicação, mais larga é
a faixa de Aa em que o crescimento bacteriano é possível. A presença de nutrientes também é
importante, pois amplia a faixa de Aa em que os micro-organismos podem multiplicar-se.

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A Aa limitante para o crescimento de determinado organismo depende ainda de outros
fatores intrínsecos que podem agir simultaneamente, como o pH do meio, o potencial de óxido-
redução e a presença de substâncias antimicrobianas naturais ou intencionalmente
adicionadas, entre outros. De modo geral, quando esses fatores provocam um afastamento das
condições ótimas para a multiplicação de determinado micro-organismo, mais alto será o valor
de Aa necessária.
O efeito da diminuição de Aa a um valor inferior ao considerado ótimo para um micro-
organismo é o aumento da fase lag do crescimento microbiano e a diminuição da velocidade de
multiplicação e do tamanho da população microbiana final. Este efeito ocorre devido à
alterações em todas as atividades metabólicas, uma vez que todas as reações químicas das
células são dependentes de água. Alguns micro-organismos, como o Staphylococcus aureus,
têm multiplicação quase normal, mesmo em baixa Aa.

2.2. POTENCIAL HIDROGENIÔNICO – pH

O pH (potencial hidrogeniônico) é uma escala logarítmica que varia de 0 a 14, e nos


indica quão ácida ou alcalina é uma substância. Valores abaixo de 7,0 são ácidos e acima são
alcalinos. O valor 7,0 é neutro.

pH = - log { H+ } ; Quanto > H+, <pH, e consequentemente mais ácido o alimento.

Assim como ocorre com a atividade de água, os micro-organismos têm valores de pH


mínimo, ótimo e máximo para sua multiplicação. Verifica-se que pH em torno da neutralidade,
isto é, entre 6,5 e 7,5, é o mais favorável para a maioria dos micro-organismos. Alguns micro-
organismos são favorecidos pelo meio ácido, como as bactérias láticas, certamente porque há
inibição da microbiota de competição. Os bolores e leveduras mostram maior tolerância ao pH,
sendo que os bolores podem multiplicar-se em valores de pH mais baixos que as leveduras,
sendo estas, por sua vez, mais tolerantes que as bactérias a valores baixos de pH. Entre as
bactérias verifica-se que as patogênicas são as mais exigentes quanto ao pH.

Tolerância a valores baixos de pH: bolores > leveduras > bactérias

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Alimentos como frutas, refrigerantes, vinhos e vinagres apresentam pH inferior àquele
em que a proliferação bacteriana é possível. Esses alimentos normalmente deterioram-se
devido ao crescimento de bolores e leveduras, uma vez que estes toleram pH inferior a 3,5.
De acordo com o pH, os alimentos são subdivididos em três grandes grupos: os
alimentos de baixa acidez, quem têm pH superior a 4,5; os alimentos ácidos, que têm pH entre
4,0 e 4,5, e os alimentos muito ácidos, que tem pH inferior a 4,0. Esta classificação está
baseada no pH mínimo para multiplicação e produção de toxina de Clostridium botulinum (4,5)
e no pH mínimo para multiplicação da grande maioria das bactérias (4,0). Dessa forma,
alimentos de baixa acidez (pH > 4,5) são os mais sujeitos a multiplicação microbiana, tanto de
espécies patogênicas quanto de espécies deteriorantes. Já nos alimentos ácidos (pH entre 4,0
a 4,5), há predominante de crescimento de leveduras, de bolores e de algumas poucas
espécies bacterianas, principalmente bactérias láticas e algumas espécies de Bacillus. Nos
alimentos ácidos (pH < 4,0), o desenvolvimento microbiano fica restrito quase que
exclusivamente a bolores e leveduras.

predominância de crescimento bacteriano - em face do


pH > 4.5
menor tempo de geração (patôgenos, esporângicas ou
Alimentos de baixa acidez
não, aeróbios ou anaeróbios, mesófilos ou termófilos)
predominância de leveduras oxidativas ou fermentativas
pH entre 4.5 e 4.0
e de bolores (em aerobiose). Algumas bactérias
Alimentos ácido
esporogênicas e não esporogênicas.
fica restrito a quase que exclusivamente às leveduras e
pH < 4.0
bolores. Bactérias acéticas, e Zymomonas (esta até pH
Alimentos muito ácidos
3.7)

Acredita-se que o pH adverso afeta principalmente a respiração dos micro-organismos,


por ação em suas enzimas e no transporte de nutrientes para dentro da célula microbiana. Tal
como acontece com a Aa, também o pH desfavorável provoca um aumento na fase Lag da
multiplicação microbiana.
Quando os micro-organismos estão em pH diferente do pH neutro, sua capacidade de
multiplicação depende da sua capacidade de modificar o pH adverso. Quando em pH ácido, as
aminoácidos-descarboxilazes de muitos micro-organismos são ativas (pH ótimo próximo de
4,0), resultando na produção de aminas, que aumentam o pH. Por outro lado, em pH alcalino,
ocorre a ativação de aminoácidos-descarboxilazes (pH ótimo próximo de 8,0), que produzem
ácidos orgânicos, cujo efeito é a redução do pH.
Os diferentes ácidos podem exercer um efeito inibitório ou letal sobre a célula
+
microbiana, pela concentração hidrogeniônica (nível de H livre) ou pela toxicidade do ácido
não dissociado. Os ácidos podem causar sobre os micro-organismos, os seguintes efeitos:

 maior gasto de energia para manter o pH intracelular;


 desnaturação de proteínas, DNA;
 alteração da atividade das enzimas responsáveis pelas atividades vitais da célula;
 menor velocidade de crescimento.

O pH intracelular (em condições normais em torno de 7.0) é bastante afetado pelas


variações externas. A acidificação no interior da célula pode ser devido :

• a migração dos íons H+ do meio externo para o meio interno


• dissociação das moléculas dos ácidos que penetram através da membrana
• ácidos orgânicos fracos na forma não dissociada, os quais são facilmente solúveis na
membrana celular, interferindo assim na sua permeabilidade, o que leva a afetar o
transporte de substrato e a fosforilação oxidativa, inibindo o transporte de elétrons e
causando a acidificação do interior da célula

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• alguns ácidos ao se dissociarem liberam ânions que podem ser metabolizados e
alguns tem atividade inibitória.

2.3. POTENCIAL DE OXIDO-REDUÇÃO – Eh

Os processos de oxidação e redução estão relacionadas com a troca de elétrons entre


compostos químicos. O potencial de oxi-redução pode ser definido como sendo a facilidade
com que determinado substrato ganha ou perde elétrons.

oxidação - liberação ou perda de elétrons


redução - o composto recebe elétrons

Quando ocorre a transferência de elétrons de um composto para outro, estabelece-se


um diferença de potencial entre os mesmos, a qual pose ser medida com instrumentos
apropriados, sendo expressa em volts (V) ou milivolts (mV).

Tabela 1 – Potencial de oxi-redução de alguns micro-organismos

Micro-organismos Eh de crescimento (em mV)


Aeróbios (bolores, leveduras oxidativas
e muitas bactérias – causadoras de + 350 a + 500
deterioração dos alimentos)
+ 30 a - 250 (melhor = -150)
Anaeróbios (bactérias deteriorantes • na ausência de O2 toleram substrato com Eh
patogênicas – Clostridium botulinum) elevado (+ 370)
• na presença de O2 este limite cai para + 100
Anaeróbios Facultativos (família
+ 100 a + 350
Enterobacteriaceae)

A determinação do valor de Eh de um alimento é bastante difícil porque ocorre a


interação da tensão de oxigênio que envolve o alimento com a presença de compostos
químicos que agem sobre o valor de Eh. De modo geral, alimentos de origem vegetal têm
valores de Eh entre +300 e +400mV, o que explica a deterioração desses produtos por
bactérias aeróbias e bolores. Carnes em grandes pedaços têm Eh em torno de -200mV,
enquanto que nas moídas o valor de Eh pode subir para até +200mV. O músculo do animal,
imediatamente após sua morte, tem Eh de +250mV, porém, decorridas cerca de 300 horas,
esse valor pode cair para -250mV, dando condições para a multiplicação da microbiota
anaeróbia da carne. Queijos têm valores de Eh bastante variáveis: dependendo das condições
de fabricação, esses valores podem variar de -20 até -200mV.

2.4. COMPOSIÇÃO QUÍMICA

Para que a multiplicação microbiana seja possível, é necessário que estejam


disponíveis os seguintes nutrientes:
 água;
 fonte de energia;
 fonte de nitrogênio;
 vitaminas
 sais minerais.

Como fonte de energia, os micro-organismos podem utilizar açúcares, álcoois e


aminoácidos. Lipídeos também podem servir como fonte de energia, mas esses compostos são
metabolizados por um numero reduzido de micro-organismos encontrados em alimentos.
Fontes de nitrogênio mais importantes para os micro-organismos são os aminoácidos,
mas uma grande variedade de outros compostos nitrogenados também podem ser utilizados.
As vitaminas são importantes fatores de crescimento de micro-organismos, uma vez
que fazem parte de diversas coenzimas envolvidas em várias reações metabólicas. As

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vitaminas mais importantes são as do complexo B, a biotina e acido pantotênico. Entre os
micro-organismos, verifica-se que as bactérias Gram-positivas, que, juntamente com os
bolores, são capazes de sintetizar todos os seus fatores de crescimento.
Embora necessários em quantidades muito reduzidas, os minerais são indispensáveis
para a multiplicação microbiana, pois estão envolvidas em muitas reações enzimáticas. Entre
esses minerais merecem destaque o sódio, o potássio, o cálcio e o magnésio, além do ferro,
zinco, fósforo, dentre outros.

2.5. FATORES ANTIMICROBIANOS NATURAIS

Algumas substâncias naturalmente presentes nos alimentos possuem a capacidade de


retardar ou até mesmo impedir a multiplicação microbiana, o que confere uma maior
estabilidade a esses alimentos frente ao ataque de micro-organismos.
A tabela abaixo mostra alguns exemplos desses alimentos:

Tabela 3 – Relação entre substâncias antimicrobianas e alguns micro-organismos

Alimentos Substâncias Micro-organismos


Codimentos Eugenol (cravo), alicina (alho), Micro-organismos num modo em
aldeído cinâmico e eugenol geral.
(canela) e timol e isotimol
(orégano).
Ovo (clara) pH desfavorável (entre 9 e 10) a A lizosina é ativa, principalmente,
lizosina, a avidina, a conalbumina em bactérias Gram-positivas.
e outros inibidores enzimáticos.
Leite (gado bovino) Ação específica: as O SLP é bactericida para bactérias
imunoglobulinas, o fator Gram-negativas e bacteriostático
complemento, os macrófagos e os para as Gram-positivas.
linfócitos.
Ação inespecífica: o sistema
lactoperoxidase (SLP)* , a
lactoferrina**, lisozima e a nisina.
Frutas, sementes e vegetais Derivados do ácido Bactérias e alguns fungos
hidroxicinêmico, os taninos, ácidos
orgânicos e óleos essenciais.

*O SLP age através da quebra de peróxido (água oxigenada, por exmplo) presentes no leite,
liberando oxigênio que promove a oxidação de grupos SH de enzimas metabólicas vitais para
os micro-organismos. Esse sistema depende ainda da presença de tiocianato ou outro
substrato oxidável.
**A lactoferrina do leite tem também atividade antimicrobiana. Trata-se de uma proteína que
inibe a multiplicação através da retirada de íons ferro do leite.

Entre os fatores antimicrobianos naturais devem ser incluídas as estruturas biológicas


que funcionam como barreiras mecânicas para a penetração de micro-organismos. Nessa
categoria estão a casca das nozes, das frutas e dos ovos, a pele dos animais e a película que
envolve as sementes.
Além dos fatores antimicrobianos naturalmente presentes nos alimentos, têm
importante papel os compostos químicos propositalmente adicionados aos alimentos
(conservantes) como recurso tecnológico para estender sua vida útil.

2.6. INTERAÇÕES ENTRE MICRO-ORGANISMOS

Um determinado micro-organismo, ao se multiplicar em um alimento, produz


metabólitos que podem afetar a capacidade de sobrevivência e de multiplicação de outros
micro-organismos presentes nesse alimento. Por exemplo, temos o caso das bactérias
produtoras de ácido lático (bactérias láticas) que podem alterar o pH do alimento de tal forma

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que o tornam ácido demais para o crescimento de muitos outros micro-organismos. Por outro
lado, a formação de compostos alcalinos, como aminas, formadas por ação de descarboxilases
produzidas por muitos micro-organismos, resulta no aumento do pH do alimento, tornando-o
propício para a proliferação daquelas bactérias anteriormente inibidas pelo pH ácido. É o que
ocorre com as leveduras que degradam o ácido lático de alimentos fermentados, tornando-os
favoráveis ao crescimento e produção de toxinas por Clostridium botulinum.
A tabela 4 mostra alguns exemplos de bactérias que através de seus metabólitos
interferem de forma a inibir ou ser essencial no desenvolvimento de outras bactérias.

Tabela 4 – Interação entre alguns micro-organismos

Bactérias interferentes Metabólitos Bactérias que sofreram a


interferência
Pseudomonas aeruginosa (+) Tiamina e triptofano Staphylococcus aureus
Estreptococos e os lactobacilos (-) Água oxigenada Pseudomonas spp., Bacillus spp. e
Proteus spp.
Determinadas cepas de E. coli e Bacteriocinas (colina– E. coli
algumas enterobactérias. atividade bactericida)

Bacteriocinas:

Muitos micro-organismos são capazes de produzir determinadas substâncias com


atividade bactericida, denominadas genericamente de bacteriocinas.
Atualmente são conhecidas muitas bacteriocinas produzidas principalmente por Gram-
positivos, patogênicas ou não, como as Nisina A, E produzida pelo Lactococcus lactis spp lactis
e a Sacacina A produzida pelo Lactobacillus sake. O maior interesse na área de alimentos é
pelas bactérias láticas, capazes de produzir uma ou mais bacteriocinas, como as citadas
anteriormente.
Algumas bacteriocinas são proteínas simples, outras têm componentes lipídicos e
açúcares. São classificadas em lantibióticas e não-lantibióticas, de acordo com suas
características estruturais. Apesar do seu mecanismo de ação ainda não ser suficientemente
elucidado, sabe-se que a porção protérica é fundamental para a atividade. A sua produção é
mediada por plasmídios, assim como é plasmidial a resistência a bacteriocinas.
Bacteriocinas e bactérias produtoras de bacteriocinas em alimentos têm sido
empregadas como recurso tecnológico na produção de certos tipos de alimentos, com o
objetivo de controlar o desenvolvimento de micro-organismos patogênicos e/ou de micro-
organismos deteriorantes nesses produtos. Por serem as bacteriocinas consideradas
conservadoras “naturais”, seu emprego em alimentos é muito promissor.

Exclusão Competitiva:

Também há outras formas de interação entre micro-organismos que podem ser


utilizadas no controle do desenvolvimento de micro-organismos patogênicos em alimentos,
como a exclusão competitiva.
A exclusão competitiva consiste na adição de micro-organismos inofencivos a um
produto com a finalidade de estimular o processo competitivo existente entre os componentes
da microbiota presente. Assim, os microrganiesmos patogênicos podem ficar desfavorecidos
nessa competição e serem eliminados ou terem sua produção reduzida.
Este processo vem sendo utilizado no controle de contaminação de aves com
patógenos como Salmonella e Campylobacter. Promove-se a colonização da superfície epitelial
do trato gastrintestinal de aves recém-nascidas com micro-organismos inóculos retirados de
aves adultas saudáveis. A exclusão competitiva é particularmente interessante no caso de aves
que são alimentadas com ração contendo antibióticos. Os antibióticos interferem na microbiota
do trato gastrintestinal das aves, facilitando a colonização por patógenos.
Estudos têm demonstrado que culturas puras de bactérias ou preparações contendo
um único gênero bacteriano não são protetores.

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Micro-organismos utilizados na produção de alimentos e enzimas:

1. Produção de etanol - leveduras


2. Produção de ácidos orgânicos: produção de vinagre - Bactérias Acéticas - Acetobacter;
produção de ácido láticos - Bactérias Láticas; produção de ácido propiônico - Bactérias
Propiônicas; produção de ácido cítrico; produção de ácido glucônico; produção de
ácido fumárico; produção de ácido giberlinas
3. Produção de proteína unicelular
4. Produção de aminoácidos - lisina, ácido glutâmico
5. Produção de enzimas
6. Produção de antibióticos
7. Produção de solventes
8. Produção de polissacarídeos
9. Produção de lipídeos
10. Produção de alimentos por fermentação lática : picles, azeitona, queijo, chucrute,
iogurte

3. FATORES EXTRÍNSECOS

3.1. TEMPERATURA

A temperatura corresponde a um dos principais fatores ambientais que influenciam o


desenvolvimento bacteriano. A medida que há um aumento da temperatura, as reações
químicas e enzimáticas na célula tendem a tornar-se mais rápidas, acelerando a taxa de
crescimento. Entretanto, em determinadas temperaturas inicia-se o processo de desnaturação
de proteínas e ácidos nucléicos, inviabilizando a sobrevivência celular.
Assim, todos os micro-organismos apresentam uma faixa de temperatura onde
desenvolvem-se plenamente, havendo registros de multiplicação a um mínimo de -35°C e um
máximo de 90°C. Nesta faixa de temperatura podemos determinar as temperaturas mínimas,
ótima e máxima (temperaturas cardeais), para cada micro-organismo. A temperatura máxima
provavelmente reflete os processos de desnaturação, enquanto os fatores que determinam a
temperatura mínima ainda não são bem conhecidos, embora certamente a fluidez da
membrana seja um dos fatores determinantes destes níveis térmicos baixos.
A tabela 5 demonstra a classificação dos micro-organismos de acordo com a
temperatura ideal de multiplicação:

Tabela 5 – Relação entre temperatura ideal de multiplicação e alguns micro-organismos

Micro-organismos Temperatura de multiplicação Temperatura ótima


Psicrófilos 0°C e 20°C 10°C e 15°C
Psicrotróficos 0°C e 7°C
Mesófilos Mínima: 5°C e 25°C 25°C e 40°C
Máxima: 40°C e 50°C
Termófilos Mínimo: 35°C e 45°C 45°C e 65°C
Máximo: 60°C e 90°C

Os micro-organismos psicrotróficos, nem sempre possuem a mesma velocidade de


multiplicação, então foram propostas duas novas categorias de classificação: europsicrotrófico,
referente aos que não formam colônias visíveis até o 6º – 10º dia entre 0°C e 7°C e o
estenopsicrotrófico, referente aos que não formam colônias visíveis em cinco dias nessa faixa
de temperatura. Ao primeiro grupo pertencem as espécies Enterobacter cloacae, Yersinia
enterocolítica e Hafnia alvei, e ao segundo, Pseudomonas fragi e Aeromonas hydrophyla.

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Os micro-organismos psicrófilos e psicrotrófilos multiplicam-se bem em alimentos
refrigerados, sendo os principais agentes de deterioração de carnes, pescado, ovos, frangos e
outros.
Os micro-organismos mesófilos correspondem à grande maioria daqueles de
importância em alimentos, inclusive a maior parte dos patógenos de interesse.
A maioria das bactérias termófilas importantes em alimentos pertence aos gêneros
Bacillus e Clostridium, incluindo tanto espécies deteriorantes, quanto espécies patogênicas.
Os fungos são capazes de crescer em faixa de temperatura mais ampla do que as
bactérias. Muitos fungos são capazes de se multiplicar em alimentos refrigerados. As
leveduras, por sua vez, não toleram bem temperaturas altas, preferindo as faixas mesófilas e
psicrófilas.

3.2. UMIDADE RELATIVA DO AMBIENTE

Há uma correlação estreita entre a atividade de água (Aa) de um alimento e a umidade


relativa de equilíbrio do ambiente. Quando o alimento está em equilíbrio com a atmosfera, a
umidade relativa (UR) é igual a Aa x 100. Assim, alimentos conservados em ambiente com UR
superior à sua Aa tenderão a absorver umidade do ambiente, causando um aumento em sua
Aa. Por outro lado, os alimentos perderão água se a umidade ambiental for inferior à sua Aa,
causando uma diminição nesse valor. Essas alterações provocarão modificações na
capacidade de multiplicação dos micro-organismos presentes.

 Alimento (equilíbrio) → UR = Aa x 100


 Alimento (UR > Aa) → Aa ↑ (absorção de água)
 Alimento (UR < Aa) → Aa ↓ (perda de água)

O relacionamento Aa/U.R.E deve ser levado em conta para melhor adequar as


condições de embalagem dos produtos alimentícios e de garantir o controle do
desenvolvimento microbiano - maior prolongando o tempo de armazenagem.

3.3. COMPOSIÇÃO GASOSA DO ALIMENTO

A composição gasosa do ambiente que envolve um alimento pode determinar os tipos


de micro-organismos que poderão nele predominar. A presença de oxigênio favorecerá a
multiplicação de micro-organismos aeróbios, enquanto que sua ausência causará
predominância dos anaeróbios, embora haja bastante variação na sensibilidade dos
anaeróbios ao oxigênio.

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Modificações na composição gasosa são capazes de causar alterações na microbiota
que sobrevive ou que se multiplica em determinado alimento.
 Atmosferas modificadas: correspondentes a ambientes nos quais o oxigênio é – total
ou parcialmente – substituído por outros gases (oxigênio, nitrogênio e gás carbônico),
são empregados como recursos tecnológicos para aumentar a vida útil dos alimentos.
 O efeito antimicrobiano do CO2 depende: da temperatura (o efeito é tanto mais intenso
quanto mais baixa for a temperatura), do pH e da Aa do alimentos, dos tipos e das
condições metabólicas dos micro-organismos presentes e, evidentemente, da
concentração do CO2.
 O nitrogênio é um gás inerte, com pouco ou nenhum efeito antimicrobiano, exceto pela
substituição do O2.
 Atmosferas contendo 10% de CO2 são utilizadas, há muito tempo, para prolongar o
tempo de armazenamento de frutas, especialmente maçãs e peras.

4. CONCEITO DOS OBSTÁCULOS DE LEISTNER

O conhecimento dos fatores intrínsecos e extrínsecos que agem sobre determinado


alimento permite prever sua “vida de prateleira”, sua estabilidade microbiológica, bem como
conhecer a capacidade de crescimento e/ou a produção de toxinas por micro-organismos
patogênicos eventualmente presentes. No entanto, o conhecimento de cada uma dessas
características isoladamente é pouco útil, devido aos efeitos, interativos entre elas. Esses
efeitos podem ser não apenas aditivos como também sinergísticos ou mesmo antagônico.

O estudo das interações entre os vários fatores intrínsecos e extrínsecos que afetam a
capacidade de sobrevivência e de multiplicação dos micro-organismos nos alimentos deu
origem ao famoso conceito dos obstáculos de Leistner.

Esse conceito é ilustrado com sete exemplos representando três alimentos com
diferentes fatores intrínsecos e extrínsecos atuando com intensidades diferentes no controle
microbiano:

1. cada um dos fatores (Aa, pH, Eh, temperatura e conservador químico) contribui com
parcela igual no retardamento do crescimento microbiano até que esse crescimento é
completamente bloqueado. Esse alimento é, portanto, estável e seguro. Trata-se, no
entanto de um modelo teórico, de ocorrência pouco provável.
2. os quatro fatores são suficientes para garantir a estabilidade microbiana.
3. nesse mesmo produto, um único fator intrínseco (Aa) pode ser suficiente para manter a
estabilidade de um alimento, se a carga microbiana inicial for baixa.
4. se a carga microbiana inicial for elevada, os quatro fatores serão insuficientes para
controlar o desenvolvimento microbiano. Esse produto terá vida útil curta ou poderá
causar uma toxinfecção alimentar.
5. o produto é enriquecido com mais nutrientes, o que causa um efeito trampolim no
crescimento microbiano. Nesse produto, a intensidade dos obstáculos deve ser
aumentada para que sejam eficientes e impeçam o desenvolvimento microbiano.
6. menos obstáculos podem ser necessários, uma vez que os micro-organismos estão
com seu metabolismo afetado.
7. A estabilidade é garantida por obstáculos que agem sinergisticamente.

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C = calor
R = refrigeração
Aa = atividade de água
Eh = potencial oxi-red
Co = conservador
V = vitaminas
N = nutrientes
mc = microbiota de competição

O efeito final é mais eficiente do que aquele que seria obtido se os obstáculos agissem
individualmente.
O conceito dos obstáculos deu origem à tecnologia dos obstáculos, que se baseia na
utilização simultânea de mais de uma forma de controle microbiano nos alimentos, como salga,
acidificação, processamento térmico, adição de conservadores químicos, etc. O objetivo é a
obtenção de produtos alimentícios estáveis, de prolongada vida de prateleira, e seguros à
saúde dos consumidores.

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Questões

1) Os fatores intrínsecos podem agir simultaneamente e são interdependentes entre si.


Relacione essa interação entre esses fatores, determinado a necessidade da Atividade
de Água (Aa).

2) Explique em que consiste a “exclusão competitiva” exemplificando.

3) Defina a Teoria dos Obstáculos de Leistner.

4) Conceitue potencial de óxido-redução(Eh) de um alimento e explique em que


condições os micro-organismos se multiplicam.

5) Qual a importância da atividade da água (Aa) para o desenvolvimento microbiano? De


que forma pode ser essa Aa manipulada para o controle de micro-organismos?

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