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O Sebastianismo

1. D. Sebastião e o mito sebastianista


D. Sebastião nasceu em Lisboa a 20 de Janeiro de 1554, filho do príncipe D. João e de
D. Joana de Áustria, e morreu a 4 de Agosto de 1578 na batalha de Alcácer Quibir. Foi o
décimo sexto rei de Portugal e é, até hoje, conhecido pelo cognome de “O Desejado”.
D. Sebastião herdou o trono de seu avô, D. João III, em 1557, mas, como era menor,
ficou sua avó, D. Catarina de Portugal, como regente. Desde muito cedo, sentiu a necessidade
de readquirir a glória passada e continuar a cruzada de conquistar a terra dos infiéis, em
nome de Deus. Assim, quando atinge os catorze anos, reorganiza o exército, preparando-
se para a guerra no Norte de África, de onde nunca iria regressar.
Com a perda do jovem monarca, na batalha de Alcácer Quibir, e a posterior anexação
de Portugal a Espanha, em 1580, o nosso país atravessa um dos períodos mais negros da
sua História. D. Sebastião não deixa descendência, o que afunda Portugal numa época de
inércia e de brumas, à espera de um heróico rei salvador. Da relutância em reconhecer
que, com a morte do rei, morria também o velho Portugal, nasce um mito: o Sebastianismo.
O mito sebastianista sustenta a esperança messiânica e a crença nacional no regresso de
D. Sebastião. O rei “Desejado” iria vencer toda a opressão, sofrimento e miséria em que
Portugal vivia, restituindo-lhe o brilho e a glória de tempos passados.

2. O Sebastianismo em Frei Luís de Sousa


A leitura interpretativa de Frei Luís de Sousa não pode esquecer a actuante presença
do Sebastianismo e o que este mito do “Desejado” significava na concepção de Portugal:
uma nação à procura da sua identidade, assombrada por mitos do passado.
A possibilidade teórica do regresso de D. Sebastião é simbolicamente representada na
peça pelo regresso de D. João de Portugal, na figura do Romeiro. As personagens que
melhor simbolizam a esperança no seu regresso são Telmo e Maria.
Ao longo da peça, são várias as referências expressas à mítica figura de D. Sebastião
que, segundo Garrett, inserem esta obra “no rico intertexto e interdiscurso literário e cul-
tural do Sebastianismo”- Memória ao Conservatório Real:
§No primeiro diálogo entre D. Madalena e Telmo, D. Madalena censura ao velho aio as
suas crendices sebásticas: “(...) as tuas alusões frequentes a esse desgraçado rei D.
Sebastião, que o seu mais desgraçado povo ainda não quis acreditar que morresse, por
quem ainda espera em sua leal incredulidade.”, Acto I, cena II. Telmo acreditava no
regresso do seu velho amo, D. João de Portugal, que acompanhara o jovem monarca
D. Sebastião à sangrenta batalha de Alcácer Quibir.

§As crenças sebastianistas de Telmo são assimiladas pela influenciável jovem Maria
de Noronha, que acredita indubitavelmente no regresso do desejado monarca, D.
Sebastião: “(...) que não morreu e que há-de vir, um dia de névoa muito cerrada...”-
Acto I, cena III. Esta influência de Telmo no espírito de Maria provoca grande aflição
a D. Madalena de Vilhena: “(...) não vês que estás excitando com tudo isso a curiosidade
daquela criança, aguçando-lhe o espírito (...)”- Acto I, cena II.

§O incêndio da casa de Manuel de Sousa Coutinho permite a mudança de espaço


físico, para o palácio de D. João de Portugal, e o contacto com o retrato de D. Sebastião,
que merece a curiosa e entusiasmada atenção de Maria: “(...) é o do meu querido e
amado rei D. Sebastião”- Acto II, cena I. Aliás, o incêndio da casa de Manuel de Sousa
Coutinho não é só um viril acto de patriotismo, mas é fulcral para o entendimento do
Sebastianismo na peça: o incêndio espelha a determinada busca de um novo espaço,
e mesmo de uma nova ordem, para uma família assombrada pelo passado, que representa
uma nação assombrada por mitos e sonhos, como o do Sebastianismo. Garrett parece
dizer-nos que Portugal não se pode imobilizar na fixidez de um passado mítico, mas
tem de mudar o rumo da sua história, procurar uma nova ordem.

Podemos, então concluir que o mito do Encoberto assume uma conotação negativa
em Frei Luís de Sousa, sendo perspectivado como sinal de paragem no tempo, de estagnação
e de sacrifício do herói na catástrofe final: Maria de Noronha representa o sacrifício
necessário para expiar os fantasmas do passado e definir o futuro do país.
Com o regresso de D. João de Portugal na figura do Romeiro, o rumo da história altera-
se e precipita-se o aniquilamento da harmonia da família de Manuel de Sousa Coutinho
e de D. Madalena e a morte de Maria. D. João é o anti-herói, o antimito, cuja simples
presença provoca destruição. De facto, há nesta obra uma concepção destruidora deste
regresso, já que não conduz à redenção ou salvação, mas origina catástrofe e desgraça.
Garrett parece sugerir que o Passado saudosista e a sua passividade prejudicam a dinâmica
do Presente, impedindo a regeneração activa do país.

Mais do que meras personagens de um drama familiar, na peça de Garrett temos seres
simbólicos, representativos do destino colectivo português, num momento de profunda
crise política, devido à perda da independência. Neste sentido, a resposta “Ninguém!” do
Romeiro a Frei Jorge pode ser associada a Portugal, um país subjugado pelo domínio
filipino.
Por isso, a espera sebástica em Frei Luís de Sousa simboliza a problematização do
modo de ser português, a auto-interrogação de um Portugal que busca a sua identidade
e não se encontra.

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