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Dimensões atlânticas: notas sobre o tráfico negreiro e as rotas comerciais entre a Alta Guiné e o

Maranhão, 1755-1800.

Maria Celeste Gomes da Silva (PPGH – UFRRJ) *

Neste texto apresentamos as primeiras reflexões acerca de uma pesquisa em andamento sobre
tráfico negreiro e rotas comerciais entre a Alta Guiné1 e o Maranhão. Enfocamos o comércio de
cativos africanos realizado pela Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão (CGGPM) durante a
segunda metade do século XVIII, especialmente a estreita relação que manteve a América
Portuguesa (Estado do Grão-Pará e Maranhão) com a região da Alta Guiné, mais especificamente
com os portos de Bissau e Cacheu – que mais forneceram cativos para as lavouras maranhenses, de
arroz e algodão. Argumentamos que as conexões estabelecidas entre estas regiões são anteriores a
criação da CGGPM, ou seja, esta empresa monopolista se favoreceu de experiências anteriores para
remontar, em Bissau e Cacheu, redes atlânticas de compras de cativos. Ao analisarmos a importância
desta empresa monopolista no incremento do tráfico de escravos - em especial nos referidos portos
– consideramos inicialmente a verificação do volume e freqüência dos desembarques de africanos da
Alta Guiné no Maranhão colonial. Utilizamos basicamente a correspondência do Conselho
Ultramarino (depositada no Arquivo Histórico Ultramarino de Lisboa), com destaque para os
“mapas de escravatura”.2 Outro conjunto de fontes utilizado é a coleção “Documentação colonial
portuguesa na África, Ásia e Oceania”, depositada no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro
(IHGB).

Em torno das companhias de comércio no Maranhão: breve histórico

Até meados do século XVIII, indígenas (escravizados ou livres aldeados) constituíam a


principal força de trabalho no Maranhão. A ampla utilização desses trabalhadores se devia, entre
outras razões, a dificuldade que os moradores encontravam para obter cativos africanos, já que boa
parte deles não dispunha de condições financeiras para adquirirem escravos da África ou disputar
com as demandas do mesmo para outras áreas coloniais. Tal quadro econômico e demográfico

*
Mestranda do Programa de Pós Graduação em História da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e
Bolsista CAPES/Reuni
1
Zona oeste da África ocidental, entre a atual Dakar e o Cabo das Palmas, na fronteira da Libéria e da Costa do
Marfim.
2
Digitalizados e disponibilizados em Cd-Rom (Biblioteca Nacional) através do Projeto Resgate

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começou a sofrer mudanças quando em 1751, Francisco Xavier de Mendonça Furtado – indicado por
Pombal - assumiu o governo do Estado do Grão-Pará e Maranhão. Disposto a implementar uma
política de fomento ultramarino decidiu integrar a região ao complexo mercantil atlântico,
regulamentando – e apoiando com incentivos fiscais e controle - as trocas entre Lisboa e áreas
coloniais, especialmente através dos portos de São Luís e Belém. Neste contexto, com a criação da
CGGPM tentava-se dinamizar esta área da América portuguesa, especialmente em termos de
freqüência, volume e controle do comércio colonial e do tráfico negreiro3. O comércio de escravos
se constituiu no principal negócio da Companhia Geral, suprindo as lavouras de arroz e algodão, e
propiciando a reposição da mão-de-obra, agora não mais preponderantemente indígena. Tal política
de fomento estimulando os lavradores com o adiantamento de escravos, ferramentas e garantias de
preços remuneradores, propiciou a organização da rota atlântica do algodão maranhense, inserindo
assim essa região na economia-mundo.
A Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão foi uma dentre as muitas experiências de
companhias comerciais vivenciada por Portugal. Antes da criação dela, a Companhia de Comércio
do Maranhão (1682-1684) já tinha tentado desenvolver o extremo norte do Brasil monopolizando
gêneros exportáveis e se comprometendo a inserir cativos africanos na região, atendendo dessa
forma a crescente necessidade de mão-de-obra. Com isso, a Coroa portuguesa tanto procurou
resolver os problemas locais em torno da reposião e controle da mão-de-obra, como conectar áreas
comerciais “com o desenvolvimento da praça de Cacheu e da própria Guiné”
(CHAMBOULEYRON, 2006:95). Os acionistas dessa Companhia assumiram o compromisso de
inserir 500 negros por ano, sendo que durante vinte anos exerceriam o monopólio do comércio no
Maranhão, ficando responsáveis por enviarem anualmente um navio de São Luis e outro do Pará a
Portugal. Porém, abusos cometidos por sócios da Companhia e a descapitalização sofrida pelos
moradores mais abastados da região, entre outros fatores, acabaram ocasionando a denominada
“revolta de Beckmann”, e o fim do estanco em 1684. De acordo com Vicente Salles, em relação ao
tráfico de peças da África, a Companhia de Comércio do Maranhão não prestou serviços relevantes,
pois o comércio negreiro realizado por ela não atendeu aos interesses e nem as necessidades dos
colonos que constantemente reclamavam da falta de mão-de-obra (SALLES, 1971:27-35). Segundo
Affonso de Taunay, essa empresa teria se comprometido a fornecer 500 cativos africanos por ano a
um custo de cem mil réis cada, porém, até 1683 não havia introduzido nenhum escravo na região,
fato que também contribuiu para a revolta (TAUNAY, 1941:585).
De acordo com Chambouleyron, a conexão entre Guiné e Maranhão se tornou explícita em
diversos momentos, como em 1685 quando a Coroa portuguesa ordenou que o Conselho

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Em muitas regiões do Brasil, como Salvador, o controle do tráfico estava nas mãos de negociantes brasileiros.

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Ultramarino “analisasse questões relativas ao comércio de Cacheu e Maranhão”
(CHAMBOULEYRON, 2006:94). Segundo sua análise, Portugal tanto visava estabelecer uma
conexão atlântica – o que resolveria problemas da escravização e da escravidão indígena no
Maranhão – assim como também procurava solidificar a sua presença na Guiné.
A Companhia do Grão-Pará e Maranhão foi instituída com capitais particulares e ao longo de
vinte anos monopolizou a navegação das rotas comerciais negreiras entre São Luis, Belém, Bissau,
Cacheu e Ilhas de Cabo Verde, ou seja, o tráfico de africanos, a venda de mercadorias e a compra de
gêneros coloniais (algodão, arroz, drogas do sertão, etc.). Ela se constituiu num importante elemento
que impulsionou a economia amazônica, especialmente a do Maranhão, sendo responsável pela
introdução maciça de africanos e redes de abastecimento e escoamento para arroz e algodão na
segunda metade do século XVIII.
Sob o aspecto político, a criação da Companhia significou a passagem de “uma economia
patrimonial ultramarina para uma economia mercantil de nítida modernidade, em que o Estado se
associa a capitais particulares na salvaguarda do império” (DIAS, 1971:209-210). As condições
financeiras da realeza não permitiam que esta defendesse suas regiões coloniais, assim, buscando
preservar seu império Portugal contou com a colaboração financeira da CGGPM e foi nesta empresa
que encontrou “ajuda para a organização da defesa militar de terras e águas da Amazônia brasileira”
(DIAS, 1971:35). Embora fosse uma empresa privada, cabia a ela o pagamento das despesas da folha
secular e eclesiástica, a administração e também a defesa militar das ilhas de Cabo Verde e da Costa
da Guiné. E apesar de não exercer a administração das capitanias do Grão-Pará e Maranhão, a
Companhia forneceu assistência financeira, pois além de ser responsável pela expansão econômica
(fornecimento de escravos a prazo e adiantamentos aos lavradores), ela também foi incumbida de
montar e manter uma rede militar permanente, que em meados do Oitocentos protegeu o patrimônio
dos Braganças no norte do Brasil. Deste modo, a Companhia ajudou o Estado português a manter em
definitivo o domínio político sobre esse território, tornando-se assim, uma instituição vital para a
monarquia. A CGGPM estava estreitamente apoiada na Coroa portuguesa, ou seja, ela estava
diretamente ligada ao Rei e só a ele deveria prestar contas (DIAS, 1971:217-228).
Designada, em seus estatutos, como corpo político a Companhia do Grão-Pará e Maranhão era
administrada por uma diretoria (Junta da Administração), sendo esta composta de um provedor, sete
deputados, um secretário e três conselheiros. Os diretores deveriam ser todos portugueses natos ou
naturalizados, sendo que o provedor e os deputados tinham que ser comerciantes com interesses na
Companhia, ou seja, com mais de 10.000 cruzados em ações. Essa empresa além de autonomia
governativa, também “deliberava como órgão coletivo delegado e diretamente subordinado ao rei,
único poder político de cuja vontade dependia” (DIAS, 1971:257). Nos centros de negociação no
ultramar a Companhia mantinha feitores, estes tinham por tarefa assegurar o bom funcionamento da

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empresa colonial e zelar pela execução de ordens e esquemas de ação mercantil que eram planejadas
no reino pelos diretores da Companhia.
De acordo com Dias, a CGGPM foi a responsável pela ação civilizadora na região do Grão-
Pará e Maranhão, pois foi quem possibilitou a expansão da colonização na Amazônia brasileira
através do cultivo de produtos comerciáveis. Por meio de sua atividade fomentista, conseguiu reunir
em torno de si grande parte dos lavradores, fixando-os a terra. E foi o cultivo da terra criado e
estimulado pelo giro mercantil que alterou o “complexo fisionômico social, político e econômico” da
região (DIAS, 1971:58). A colonização do norte do Brasil esteve intimamente ligada à instauração e
eficiência da Companhia Geral, pois foi quem ajudou os povoadores “a substituir o incipiente
extrativismo vegetal e o miserável cultivo de subsistência e itinerante por uma poderosa e
remuneradora empresa nascida e crescida sob a proteção do comércio externo” (DIAS, 1971:59). A
empresa monopolista impulsionou atividades na agricultura, pecuária, indústria e comércio. Ao
desenvolver a produção de animal de corte (bovino) e também ao cultivar artigos tropicais, como
algodão, arroz, café, tabaco e cacau, ela contribuiu significativamente para o enriquecimento do
patrimônio da Coroa. Esse fato transformou progressivamente o norte do Brasil em um mercado
fornecedor de produtos comerciáveis de grande valor.
Foi devido à importação e financiamento de mão-de-obra africana, juntamente com capital e
técnica, que a Companhia monopolista participou dos resultados da colonização, esta teve início na
segunda metade do século XVIII, quando da montagem da empresa agrária que se firmou no
comércio à distância. “Através, portanto, da política econômica da aplicação multiplicadora de
capitais e da mantença de força de trabalho, a Companhia transformou-se num poderoso fator de
povoamento” (DIAS, 1971, p. 69). Ainda segundo Dias, o mercado produtor de arroz só pôde se
firmar devido à política fomentista da Coroa e da Companhia, assim como, o estímulo que esta deu
aos lavradores, ao adiantar escravos e ferramentas e também ao garantir preços remuneradores,
propiciou a organização da rota atlântica do algodão maranhense, ele também salienta que fatores
externos como, a Guerra dos Sete Anos (1756-1763) e a guerra de independência (1763-1776),
favoreceram o giro mercantil da CGGPM. O principal motivo de criação da Companhia foi a
introdução de mão-de-obra africana no Estado do Grão-Pará e Maranhão, o tráfico de escravos foi
um negócio vital para a empresa monopolista, pois caberia aos cativos africanos cultivarem os
gêneros tropicais que seriam exportados de São Luís e de Belém para Lisboa, sendo que o centro de
resgates de escravos preferido eram os portos de Bissau e Cacheu e foram destas áreas que sairam o
maior número de cativos africanos para o Maranhão (DIAS, 1971:441-467).
É importante salientar que, de 1755 até 1778 a CGGPM operou em regime de monopólio
comercial, o que concedeu a ela privilégios como isenção de impostos sobre a negociação da

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escravatura, etc. e tendo expirado o prazo de vinte anos para sua atividade, ela continuou a negociar
escravos até 1788, só que em regime de livre comércio.
Ao escolher a área compreendida entre o Cabo Branco e o Cabo das Palmas (Cabo Verde,
Bissau, Cacheu) para exercer sua atividade monopolista, a Companhia, segundo Carreira, levou em
conta a proximidade de Lisboa, a vantagem de movimentar grande variedade de produtos africanos e
também a possibilidade de colocação de mercadorias euro-asiáticas nesta região (CARREIRA, 1988:
101-105). A troca de mercadorias por cativos era realizada mediante acordos entre traficantes e
chefes tradicionais africanos, estes ficavam encarregados de organizar feiras ou apontar os locais em
que se concentravam os escravos a serem vendidos. Eventualmente a compra de escravos era
confiada aos capitães dos navios, ocasião em que estes aproveitavam para sobre valorizar os custos.
No entanto, essas negociações realizadas diretamente pelos capitães foram bastante restringidas, já
que com o passar dos anos a ação de administradores locais, com lojas fixas em Bissau e Cacheu
foram sendo consolidadas. As compras de escravos eram feitas nos mais diversos rios e esteiros,
sendo este serviço confiado aos caixeiros volantes, que utilizavam de pequenas embarcações, como
chulapas, escunas e lambotes, para realizarem suas transações. Os navios costumavam ficar
ancorados nos esteiros ou rios por um período variável de 60 a 120 dias aguardando a chegada de
carregações, isso tornava o negócio arriscado, pois ficavam expostos ao ataque de nativos. A demora
nos rios causava prejuízos, pois aumentavam as despesas com as soldadas das tripulações e o
número de mortes entre os cativos (devido a doenças, maus tratos, falta de água e de alimentos).
Outra dificuldade enfrentada pela Companhia foi a concentração de cativos nos barracões de
Cacheu, Bissau e Angola. Essa aglomeração de pessoas provocou elevados índices de mortandade
entre os cativos, devido a doenças (como a varíola), a péssima alimentação e principalmente por
causa das tentativas de fuga e rebeliões que eram contidas a tiro. Estima-se que nos barracões de
Bissau, Cacheu e Angola morreram respectivamente: 1.210, 710 e 641 cativos, sendo que o total de
mortes nesses barracões chegou a 2.561 (CARREIRA, 1988:109).
Segundo Charles Boxer, entre 1757 e 1777 a Companhia inseriu 25.365 negros no Pará e no
Maranhão, sendo todos provenientes de portos da África Ocidental, especialmente de Cacheu e
Bissau, que até então eram localidades de pouca relevância no comércio escravista transatlântico
(BOXER, 2002:205). Para Carreira, nos vinte anos de atividade a Companhia retirou desses dois
portos uma média anual de 906 cativos (CARREIRA, 1988:33) e este mesmo autor afirma que
apesar dos primeiros navios com escravos terem largado em 1756 em direção ao Brasil, para efeito
de contagem do prazo das atividades da Companhia do Grão-Pará, se considera como frota apenas o
conjunto de navios largados em 1758.
Neste sentido, os dados colhidos na documentação do IHGB (tabela 1) nos informam que de
1758 a 1777 foram inseridos um total de 9.320 cativos provenientes da Alta Guiné no Maranhão,

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destes, 4.758 (51%) eram originários de Cacheu e 4.562 (49%) eram de Bissau. Durante esse
período, o setor dos rios de Guiné e Cabo Verde foi administrado pela Companhia Geral e esta
desfrutava da isenção de pagamento de direitos sobre os cativos. (CARREIRA, 1981:14-15).

TABELA 1
CATIVOS INSERIDOS NO MARANHÃO
1758-1777
Anos Embarque: Embarque: Escravos
Cacheu Bissau Por ano
1758 349 127 476
1759 339 178 517
1760 494 - 494
1761 170 - 170
1762 227 361 588
1763 303 281 584
1764 157 150 307
1765 282 376 658
1766 498 208 706
1767 190 313 503
1768 416 585 1001
1769 173 625 798
1770 186 100 286
1772 50 496 546
1773 0 174 174
1774 507 130 637
1776 200 185 385
1777 217 273 490
SOMA
GERAL 4 758 4 562 9 320
Fonte: Instituto Histórico Geográfico Brasileiro (IHGB)

Apesar dos dados colhidos no IHGB indicarem como área de embarque de cativos apenas
Bissau e Cacheu, informações obtidas junto ao Projeto Resgate (BN) apontam que em 1777 a
CGGPM também comercializou com a região de Benguela, neste ano aportou em São Luís um navio
com 425 cativos. Os dados a seguir se referem aos anos de livre comércio negreiro em que atuou a
Companhia do Grão-Pará e comerciantes particulares.
Na tabela 2 verifica-se uma maior inserção de cativos africanos após o fim das atividades
monopolistas da CGGPM, isso nos leva a ressaltar os seguintes aspectos: primeiro, a Companhia
atuou no restabelecimento de antigas rotas comerciais negreiras e assim pode, com a inserção de
africanos no Maranhão estimular as lavouras, segundo, após esse papel inicial e findado seu contrato
de exclusividade, ela continou atuando na atividade de tráfico negreiro (em forma de livre
comércio). Portanto, acreditamos que sua atuação durante vinte anos abriu caminho, para que mais
tarde - após sua liquidação – comerciantes particulares continuassem a operar nas mesmas rotas
negreiras. Assim, a capitania maranhanse continuou recebendo cativos africanos provenientes de

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Bissau e Cacheu. De acordo com Carreira, antes, durante e mesmo após o término das atividades da
Companhia do Grão-Pará e Maranhão, o tráfico de cativos continuou a ser realizado no setor de
Cacheu e Bissau, não havendo alteração importante, tanto que no início do século XIX têm-se
notícias de que os cativos das ilhas de Cabo Verde eram provenientes da Costa da Guiné, Bissau,
Cacheu e Serra Leoa. Os portos dessas localidades continuavam a ser freqüentados por navios
portugueses, que ao adquirirem escravatura partiam com ela “em direitura a Pernambuco, Maranhão
ou Pará”. Ou seja, o mercado abastecedor e consumidor permaneciam “os mesmos que a empresa
[CGGPM] alimentou durante três dezenas de anos” (CARREIRA, 1984:110-111) e, mesmo com o
final do monopólio da Companhia Geral, não ocorreram mudanças significativas nos tipos de
negócios. Assim, as transações comerciais se mantiveram tanto que no período de 1788 a 1794 de
Bissau e Cacheu sairam um total de 6.043 cativos (média anual 670), sendo que todos tiveram como
destino a capitania maranhense.

TABELA 2

CATIVOS INSERIDOS NO MARANHÃO, 1781-1799

Anos Nº de cativos por portos Total de

Bissau Cacheu Guiné Angola Malagueta Costa da Mina Moçambique cativos por ano
1781 - - 944 - - - - 944
1782 281 378 - - - - - 659
1785 226 190 - 606 - - - 1 022
1786 403 - - - - - - 403
1787 200 472 - 738 40 - - 1 450
1788 520 442 - 1150 - - - 2 112
1789 458 347 - 743 - - - 1 548
1790 479 1042 - - - 184 - 1 705
1791 415 292 - - - - - 707
1792 754 333 - - - - - 1 087
1793 663 478 - - - - - 1 141
1794 682 464 - - - - - 1 146
1795 595 543 - - - - - 1 138
1796 638 - 248 - - - - 886
1797 744 218 - - - - 371 1 333
1799 945 - - - - - - 945

SOMA 8 003 5 199 1 192 3 237 40 184 371 18 226


Fonte: Arquivo Histórico Ultramarino, Correspondência da Capitania do Maranhão, Projeto Resgate –
Biblioteca Nacional(BN)

Por esta tabela percebemos que do total de 18.226 cativos inseridos no Maranhão, 8.003 eram
de Bissau, 5.199 eram de Cacheu e 1.192 indicavam apenas a área Guiné como porto de embarque,

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assim consideramos que 16.112 eram provenientes da Alta Guiné e fora desta área temos: Angola
com 3.237, foi a segunda região fornecedora de escravos ao Maranhão. O tráfico com Angola durou
dez anos, teve início em 1756 e foi até 1765, depois reiniciou por Benguela em 1772 durando até
1782, isso por intermédio da CGGPM, já para os anos de 1785,1787,1788 e 1789 os cativos de
Angola que desembarcaram na capitania maranhense tinham sido consignados a particulares, ou seja,
nestes anos o comércio negreiro tinha sido realizado por negociantes independentes. (CARREIRA,
1983:138). Mas é importante salientar que, com a criação da Companhia Geral de Pernambuco e
Paraíba em 1759, a CGGPM deixou de negociar com Angola. Carreira aponta que, a cedência de
mercado para a Companhia de Peranambuco e Paraíba se deu não apenas devido a interesses em
comum (queriam evitar a concorrência), mas em especial “devido à presença nos reinos de Angola e
de Benguela, de outros compradores independentes, mais activos e talvez mais
eficientes.”(CARREIRA, 1983:237); as demais regiões, Malagueta com 40, Costa da Mina com 184
e Moçambique com 37, indicam que o fornecimento de cativos para o Maranhão foi esporádico, pois
como podemos perceber cada uma delas só inseriu cativos em apenas um ano.
Em 1781 percebemos que foram inseridos 944 escravos por cinco embarcações, sendo que
como porto de embarque constava apenas o nome genérico de Guiné. Os africanos foram divididos
em homens e mulheres, e pela primeira vez constatamos a consignação dos carregamentos a
particulares (até este momento toda a comercialização era feita pela Companhia), também ficamos
cientes da forma pelas quais os cativos foram vendidos (se a vista ou a crédito).
Percebemos pela documentação que, a partir de 1785 o tráfico de escravos foi realizado sob
forma de contrato e por particulares, ou seja, desta data em diante não verificamos nenhuma
negociação realizada pela Companhia, fato que nos leva a supor que deste ano em diante a empresa
monopolista esteve ocupada apenas com a liquidação de seus negócios. Mas Carreira afirma que,
mesmo em processo de liquidação a Companhia conseguiu transportar de 1778 até 1788 a quantidade
de 1.508 escravos (CARREIRA, 1983:93-94), entretanto, não conseguimos encontrar tais indícios na
documentação analisada. O ano de 1788 foi de fato, o último em que a Companhia Geral do Grão-
Pará e Maranhão atuou.
Carreira aponta que, de 1788 a 1794 saíram de Bissau e Cacheu um total de 6.129 cativos, estes
tiveram como destino as seguintes localidades: Cabo Verde com 82; Pernambuco com 34; Maranhão
com 5.022; Pará com 769 e sem indicação de destino constam 222 africanos. Pelos números se
percebe que, o tráfico continuava a orientar-se para a capitania maranhense – 81,9% do total de
saídas – enquanto a região do Pará sofreu uma redução com apenas 12,5%. “Por outro lado, a média
anual de saídas situou-se nos 876 escravos, semelhante à encontrada durante a atividade da
Companhia” (CARREIRA, 1981:115-116).

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O ano de1799 foi o último para o qual encontramos notícias a respeito do tráfico de escravos
da Alta Guiné para o Maranhão. Em um ofício de 27 de novembro, o segundo tenente do mar
Manuel Coelho de Abreu relata ao Secretário de Estado da Marinha e Ultramar a viagem que
realizou de Lisboa a Bissau e desta a São Luis. Por esta documentação verificamos que, no referido
ano entrou na capital maranhense um comboio com cinco navios vindos da ilha de Bissau e estes
traziam escravos, cera e marfim. As embarcações, galera Ninfa do Mar, galera Ligeira, bergantim
Piedade, bergantim Esperança e a escuna São Jose Fellix, transportaram um total de 945 africanos,
que foram classificados da seguinte forma: 585 escravos homens; 116 moleques; 170 escravas
mulheres e 74 molecas. Carreira demonstrou que, durante o período de atividade da Companhia
Geral (tanto de monopólio como de livre comércio) foram adquiridos 31.317 escravos adultos e
adolescentes e destes, 22.404 eram originários da área compreendida entre o rio Casamansa e a Serra
Leoa (chamados de rios de Guiné), o que representa 71,5% do total, sendo que dos reinos de Angola
e Benguela sairam 8.913 cativos (28,5%). Esses números representam o total de peças adquiridas,
pois levando em conta as perdas (falecidos em terra e durante as viagens) se obtem as seguintes
quantidades: Guiné com 18.268; Angola com 6.717 (CARREIRA, 1983:86-87).

Comentários finais

Cabe ressaltar que por meio da bibliografia consultada não fica nenhuma dúvida de que a
Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão teve um papel fundamental na capitania maranhense.
Pois além de, favorecer o comércio da região com a introdução maciça de cativos africanos para as
lavouras de algodão e arroz, estimulou os lavradores com o fornecimento de mão-de-obra e
ferramentas a prazo, ou seja, criou condições para o desenvolvimento de uma economia regional
baseada na plantation escravista com a produção voltada para o mercado externo, integrando assim
a região maranhense na economia-mundo.
Salienta-se que, o principal motivo de criação da Companhia foi a inserção de cativos africanos
no Estado do Grão-Pará e Maranhão, pois a estes caberia o cultivo de gêneros tropicais que seriam
exportados para Lisboa. E como centro principal de resgate de africanos se privilegiou a região da
Alta Guiné. Nossas investigações preliminares apontam que, a maioria dos cativos africanos
inseridos no Maranhão durante a segunda metade do século XVIII eram originários dessa área, mais
especificamente dos portos de Cacheu e Bissau, sendo que mesmo após o fim das atividades da
empresa monopolista, esses portos continuaram (pelo menos até 1799) a serem os principais
fornecedores de mão-de-obra escrava para as lavouras maranhenses.

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Tem-se conhecimento de que o referido domínio português, muitas das vezes pode ser
traduzido como uma negociação entre a Coroa portuguesa e autoridades locais africanas, desta forma
é interessante cogitar a respeito das redes comerciais apropriadas pela Companhia, ou melhor,
procurar entender que tipo de acordo foram feitos entre os representantes da empresa monopolista e
autoridades africanas que possibilitassem aqueles o monopólio do tráfico de escravos. Assim, este
trabalho representa apenas um primeiro passo na tentativa de descortinar as dimensões africanas das
redes de comércio negreiras que abasteceram a capitania maranhense durante a segunda metade do
Oitocentos e também prestar sua contribuição ao debate em torno do tráfico transatlântico de
escravos relalizado entre a América portuguesa e a África.

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