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RELATÓRIO DE CONJUNTURA N° 01

Presidência da República
Secretaria-Geral da Presidência
Secretaria Especial de Assuntos Estratégicos

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Michel Temer
Presidente da República

Moreira Franco
Ministro de Estado Chefe da
Secretaria-Geral da Presidência da República

Hussein Kalout
Secretário Especial de Assuntos Estratégicos

Marcos Degaut
Secretário Especial Adjunto

Marcelo Baumbach
Secretário de Ações Estratégicas

Carlos Roberto Pio da Costa Filho


Secretário de Planejamento Estratégico

Pablo Duarte Cardoso


Diretor de Assuntos
Internacionais Estratégicos

Joanisval Brito Gonçalves


Diretor de Assuntos de
Defesa e Segurança

Ana Paula Lindgren Alves Repezza


Diretora de Integração Produtiva
e Desenvolvimento Econômico

Alberto Pfeifer
Diretor de Projetos Especiais

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RELATÓRIO DE CONJUNTURA N° 01

Brasil
UM PAÍS EM BUSCA DE
UMA GRANDE ESTRATÉGIA

MAIO 2017

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RELATÓRIO DE CONJUNTURA N° 01

UM PASSO À FRENTE
Moreira Franco
Ministro de Estado Chefe da Secretaria-Geral
da Presidência da República

O desafio é superar a mais grave crise econômica de nossa história e inaugurar uma trajetória de
desenvolvimento que nos garanta sustentabilidade e agregação de valores econômicos, ideológicos
e sociais ao conjunto da sociedade brasileira. É romper o ciclo de crescimento, inaugurado a partir dos
anos 50 do século passado, que não consegue cristalizar ganhos de renda, produtividade, inovação,
integração no mercado internacional, consolidação democrática, segurança jurídica, estabilidade
institucional e outros atributos indispensáveis a uma rota ascendente de incorporação de valores. De
crise em crise, não estamos saindo do lugar.

Nossas tarefas são, primeiro, colocar o país nos trilhos, restabelecendo equilíbrio e responsabilidade
fiscal; segundo, recuperar ambiente de segurança jurídica, atratividade, transparência e regulação capaz
de induzir os investimentos privados indispensáveis à retomada do crescimento e da consequente
geração de empregos e renda. Terceiro, formular políticas que garantam sustentabilidade no longo
prazo à nova estratégia de crescimento econômico fundada em reformas microeconômicas capazes de
produzirem uma cultura que valorize o trabalho produtivo, a qualificação permanente dos trabalhadores e
das práticas empresariais, a inovação, o conhecimento tecnológico, a ampliação da presença de produtos
brasileiros no mercado internacional.

Cumprir esse programa não é fácil, trivial nem imediato. Requer dedicação, tempo e clareza política.
A obstinação necessária para que se cumpram as metas estipuladas tem que se apoiar no debate
constante sobre caminhos, meios e métricas; estar sustentada fortemente na convivência do saber, do
conhecimento e da compreensão viva da realidade do país e dos caminhos que devemos percorrer para
erigir uma sociedade democrática que respeite as liberdades individuais e a igualdade de oportunidades
para todos. E que tenha vitalidade para propagar politicamente esses valores morais em um mundo
conturbado pela intolerância, pela violência política e pelo desrespeito aos direitos fundamentais dos
homens.

Foi estimulados por esse desafio e pelos objetivos do Presidente Michel Temer de retomar o crescimento
do país que refundamos a Secretaria de Assuntos Estratégicos no âmbito da Secretaria-Geral da
Presidência da República. E, nela, para estimular o debate, a reflexão e a formulação de propostas a
fim de implementar políticas que fortaleçam a sociedade e o cidadão brasileiro, interna e externamente,
cria-se uma ferramenta de trabalho, o Relatório de Conjuntura. Serão estudos, pesquisas, contribuições
de pessoas do governo e de fora do governo que queiram colaborar para ampliar os horizontes, a
compreensão e a dimensão dos problemas que estamos desafiados a solucionar. Evidentemente, os
conceitos teóricos e políticos destes relatórios são de inteira responsabilidade de seus autores.

Vamos aproveitá-los.

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RELATÓRIO DE CONJUNTURA N° 01

BRASIL, UM PAÍS EM BUSCA


DE UMA GRANDE ESTRATÉGIA
Hussein Kalout e Marcos Degaut

Muito se discute, hoje, a necessidade de o de uma agenda pontual e conjuntural, que


Brasil relançar um projeto de política externa ainda não integra um projeto de política exterior
coerente e que seja capaz de alcançar resultados estratégico e coerente. E o maior desafio em
adequados a suas aspirações e potencialidades. formular tal projeto está em uma mais adequada
Frequentemente, os diagnósticos a respeito definição dos objetivos de longo prazo que o país
tendem a concentrar-se prioritariamente no se propõe alcançar.
governo de Dilma Rousseff, e não faltarão razões
O que parece inegável à luz de toda a evidência,
para esse enfoque. Com efeito, o período de
de fato, é que os problemas que acometem a
2011 a 2016 foi marcado pela perda de projeção
política externa brasileira são significativamente
internacional do Brasil, e muito do fenômeno há
mais profundos do que análises superficiais
que se creditar à falta de engajamento da chefe
permitiriam concluir e já se arrastam há longo
de governo na articulação de uma diplomacia
tempo. Nesse sentido, a conjuntura atual, ainda
presidencial efetiva, à sua inapetência pelos
temas de política exterior e à consequente marcada pelo processo político que culminou no

escassez de recursos dedicados a alavancar afastamento de Dilma Rousseff e na posse do


projetos internacionais. Presidente Michel Temer, apresenta-se propícia
para uma análise mais circunstanciada de alguns
Tal avaliação, no entanto, peca por não analisar os fatores que têm levado à perda de qualidade
mandatos precedentes com o rigor necessário na política exterior e à consequente perda de
e carrega consigo o risco de permitir ao atual prestígio do Brasil.
governo uma complacência improcedente. Ao
que parece, o governo do Presidente Michel Ao longo das décadas, tem-se verificado como
Temer decidiu concentrar esforços numa elemento constante na retórica diplomática
espécie de diplomacia presidencial voltada, oficial brasileira a insistência na necessidade
precipuamente, para consolidar a legitimidade de reforma da governança e da alteração da
da nova administração e tranquilizar investidores geografia econômica global. Para além dessas
internacionais. Esse ativismo diplomático inicial constatações e prescrições, no entanto, a análise
se reveste de caráter legítimo e justificável, à luz da política externa indica não se haver promovido
da herança recebida e dos desafios enfrentados. a formulação de uma agenda internacional
Entretanto, será também inegável que se trata consistente e integrada, que identifique

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claramente os principais objetivos comerciais, avaliar que tipo de sistema seria mais conducente
econômicos e políticos que o Brasil se propõe à consecução dos interesses nacionais; (b) definir
alcançar. E, por carecer desses elementos e implementar prioridades integradas; e (c)
fundamentais – a identificação precisa de identificar e alocar os recursos e instrumentos de
objetivos concretos e meios de traduzi-los em poder disponíveis ou alcançáveis para perseguir
ação diplomática efetiva –, a política externa aqueles objetivos de maneira articulada.
brasileira, que deveria traduzir os interesses do
Integrados e sistematizados, esses elementos
país na arena internacional, parece ainda não ter
permitem identificar um conjunto de princípios,
encontrado seu norte.
objetivos, perspectivas e meios que ajudarão a
Nessa perspectiva, e de forma subjacente a guiar a política exterior, reduzindo ambiguidades
problemas pontuais e episódicos, tal situação e contradições, aumentando sua consistência
evidencia certo grau de desacerto na formulação e facilitando a ação externa do país, que passa
de uma grande estratégia, entendida como a realizar-se com maior contexto, coerência e
mecanismo que permita ao Brasil, em um mundo inteligibilidade.
em constante transformação, garantir o interesse Para além desses ganhos consideráveis em
nacional em todas as suas manifestações, a partir transparência e clareza conceitual, uma grande
de uma visão integrada de país. Tal estratégia estratégia bem definida, que combine elementos
deverá ser clara, articulada, coerente e funcional, de soft e hard power, não apenas cumprirá uma
de forma a permitir ao Brasil voltar a perseguir função prospectiva, de “guia” de ação, mas
o status de verdadeiro ator global, efetivo e também, de forma simultânea, uma função
influente. A articulação de uma grande estratégia retrospectiva, na medida em que permitirá ao
representa um exercício prático, baseado na governo utilizá-la como instrumento de prestação
definição e conjugação de meios e fins, de de contas de suas ações à sociedade. Terá
maneira que intenções estejam relacionadas a ainda, como benefício adicional, a capacidade de
capacidades, e objetivos estejam relacionados a arregimentar o necessário apoio doméstico em
recursos disponíveis ou alcançáveis. Em suma, torno de um projeto nacional.
trata-se de alinhar os recursos de poder do país
Não se trata, evidentemente, de exercício
com seus interesses e prioridades, orquestrando-
trivial. De fato, a dificuldade em articular uma
se fins, meios e métodos.
grande estratégia nesses moldes condena
A formulação de uma grande estratégia faz-se na países a implementarem políticas ineficientes e
operação simultânea de análises retrospectivas e contraditórias e a adotar atitude passiva e reativa
prospectivas por meio das quais os formuladores diante dos desafios e incertezas da ordem
de política exterior buscam cumprir três etapas: internacional. Dessa forma, o processo decisório
(a) estabelecer sua visão de mundo – isto é, que em política externa passa a ser administrado
tipo de ordem desejam construir, de acordo com burocraticamente, em bases cotidianas, ad hoc, o
suas possibilidades concretas e circunstâncias – e que revela ausência de paradigmas e acentuado

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RELATÓRIO DE CONJUNTURA N° 01

empirismo. Em contextos assim, pequenos modernização, preso a categorias mentais e


êxitos administrativos – como a redução de tradições que já não resistem ao peso do tempo.
embargos à entrada da carne brasileira no
Tudo isso está relacionado à falta de incentivos
mercado americano, ou a contabilidade relativa
que deveriam guiar os tomadores de decisão
à atuação meramente cartorial de concessão
em política exterior: em vista da inexistência
de vistos e emissão de certidões – passam a
de um debate mais profundo, na sociedade,
ser celebrados como grandes êxitos de política
sobre os temas de política externa, os atores de
exterior. Não será o caso, aqui, de se negar a
maior incidência em sua formulação e execução
importância intrínseca desses indicadores, de
terminam adotando posições defensivas com o
um ponto de vista administrativo ou comercial.
propósito de resguardar seu papel proeminente.
Mas será o caso, sim, de se assinalar a evidência Trabalham, por outro lado, para que a política
de que eles não permitem identificar sequer o exterior permaneça fora dos debates políticos
esboço de uma grande estratégia externa. mais amplos.
Nesta altura, ainda não é possível identificar com Essas perspectivas alimentam e reforçam
precisão qual a visão de longo prazo do governo algumas realidades inquestionáveis: no Brasil, a
em relação a sua política exterior, o que não apenas política externa não faz parte do debate eleitoral
prejudica a imagem externa do país, mas carrega ou das preocupações da opinião pública; não se
também o risco de afastar agentes econômicos, tem consciência de seu impacto sobre os rumos
alimentar a insegurança jurídica, tensionar o da sociedade; é amplamente desconsiderada
relacionamento político com potenciais parceiros, pelos agentes econômicos privados; não está
causar retração em fluxos comerciais e diminuir o presente nos currículos escolares; e seus
espaço para a ação diplomática. Em um ambiente objetivos, enfim, não encontram respaldo
de limitadas transparência e clareza conceitual, adequado nem mesmo entre outros órgãos
acabam proliferando medidas tópicas, dispersas da administração pública. Este, aliás, é um dos
e descoordenadas, incapazes de configurar uma sintomas mais evidentes do relativo desprestígio
estratégia coerente. da política exterior no Brasil: a incapacidade de
seus formuladores e executores de conjugar o
Para afastar esses riscos, é preciso que sejam
universo das instituições públicas numa atuação
criados indicadores claros, quantitativos e
coordenada. Pelos custos que tudo isso acarreta
qualitativos, com vistas a determinar metas,
ao Brasil, torna-se fundamental identificar os
priorizar objetivos, integrar ações e avaliar
motivos que levaram a essa situação.
resultados. Sem esses elementos, o processo
decisório fundamenta-se em estratégias sempre No passado mais imediato, a articulação da
interinas, fruto de possíveis interpretações política exterior definhou por uma conjugação
inadequadas ou incompletas da realidade de fatores circunstanciais: as prioridades do
internacional, movendo-se por inércia, de forma governo anterior, que, como se viu, não incluíam
hermética e insulada, avesso à inovação e à a agenda externa; as restrições orçamentárias

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daí decorrentes e que vieram a se agravar O tema do CSNU será, de todos, o mais evidente,
com o comprometimento da saúde da própria na medida em que as discussões a respeito se
economia nacional; e a lentidão dos condutores arrastam já há décadas, encontram-se no mais
da política exterior em diagnosticar suas próprias perfeito limbo político e sem a menor perspectiva
deficiências e gestar as reformas necessárias de evolução no curto ou médio prazos. Este
à revitalização de sua atividade. Contudo, é um quadro que se contrapõe aos recursos
a ausência de paradigmas e planejamento vultosos que o Brasil empenhou na consecução
estratégico, os seguidos insucessos externos e de seu objetivo prioritário: a obtenção de um
o baixo perfil da atuação diplomática brasileira assento permanente no órgão, erigido em meta
não são fenômenos que se possam atribuir – inalcançável, no momento – por mais de uma
unicamente ao desinteresse e à falta de diretrizes geração de agentes diplomáticos.
presidenciais ou à escassez de recursos materiais.
Tampouco avançou substancialmente a
Trata-se, antes, de falha sistêmica, na medida
integração econômica e política da América
em que todas as instituições governamentais,
do Sul, sob os auspícios do Brasil. Mais do
o setor privado e a sociedade civil revelaram-se
que isso: os esforços brasileiros nesse sentido
incapazes de formular e executar uma grande
terminaram gerando reações negativas à
estratégia nacional.
pretensão brasileira de liderar a região, uma
Admita-se, no entanto, que fossem válidos todos pretensão frequentemente confessa, raras
esses argumentos, comumente esgrimidos vezes dissimulada, mas consistentemente sem
pelos executores da política exterior (e nem efetividade. Em razão de escolhas controversas
sempre o são). Ainda assim, corrigidas essas que o Brasil fez, o seu prestígio e o seu capital
carências, há que se perguntar o que se teria feito político terminaram abalados, e a própria região
de diferente em termos de políticas adotadas e acabou fragmentando-se politicamente, com o
resultados alcançados. Provavelmente não muito, surgimento de um bloco de países contrários ao
pois uma breve análise basta para evidenciar as atual governo brasileiro, o que mina ainda mais
contradições inerentes às prioridades de política as perspectivas de liderança regional.
exterior estabelecidas nos últimos anos. E isto
E não se tratou aqui apenas da incapacidade de
se deve, sobretudo, à ausência de uma grande
alcançar objetivos novos. Pior: o que se deu, na
estratégia, não a esses outros condicionantes.
última década, foi a efetiva reversão dos avanços
Considere-se o seguinte dado: nestes últimos registrados desde, pelo menos, 1990, quando
anos, o Brasil não foi bem-sucedido em nenhum as metas de maior integração regional e maior
dos quatro eixos principais de sua política participação dos vizinhos na pauta comercial
exterior – a reforma do Conselho de Segurança brasileira ganharam impulso, com o Tratado
das Nações Unidas (CSNU), a integração sul- de Assunção. Em contraste, o que se viu nos
americana, a política comercial extrarregional e a últimos anos foi o congelamento da construção
atuação no âmbito do BRICS. de um mercado comum e a paulatina reversão

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RELATÓRIO DE CONJUNTURA N° 01

ao protecionismo entre sócios nominais, com Organização Mundial do Comércio (OMC). Tal
a constante aplicação de salvaguardas e outras foi a grande aposta da diplomacia comercial
medidas de defesa comercial. Abandonou-se, brasileira a partir de 2003, e o país não soube
em suma, a ideia mesma do comércio como reagir adequadamente quando o processo se
locomotiva do projeto de integração, e essa estagnou e a opção se revelou infundada. Nesse
realidade traduz-se na redução da participação mesmo contexto, também se tornou evidente
regional na pauta comercial brasileira: de cerca
o fracasso da tentativa de liderar um bloco de
de 20% dos fluxos totais, em 2000, esse valor
países em desenvolvimento supostamente
decresceu a menos de 15%, em 2015.
unidos por interesses comuns.
FIGURA 1. BRASIL: PARTICIPAÇÃO DE PARCEIROS AMÉRICA DO
SUL NO COMÉRCIO EXTERIOR BRASILEIRO (Importações e exportações
para os parceiros em porcentagem da soma de exportações e importações totais)
Enquanto a Rodada Doha perdia dinamismo e
Mercosul /1 Unasul /2
25 perspectivas, o Brasil também se revelava incapaz
20
de avançar, alternativa e simultaneamente, no
15
trato bilateral com parceiros potenciais. Amarrado
10
à estrutura do Mercosul e excessivamente
5

0
deferente às opções de seus sócios, o Brasil
1990 1995 2000 2005 2010 2015
Fontes: Cálculos da SAE-PR com dados da UNCOMTRADE. 1/ Mercosul: Argentina,
Paraguai e Uruguai; 2/ Unasul: Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia, Equador, Guiana,
não foi capaz de levar o bloco a firmar mais do
Paraguai, Peru, Suriname, Uruguai, Venezuela.

que três acordos de livre comércio (com Israel,


O fenômeno não afetou apenas o Brasil. Palestina e Egito) e dois acordos preferenciais
Analisado conjuntamente, o próprio Mercosul (com Índia e a União Aduaneira da África Austral).
ainda padece de baixíssimos níveis de comércio Aquele cenário de paralisia poderia, talvez, ter
entre seus integrantes, como se pode observar sido contornado com uma opção consciente
no gráfico abaixo. por um “Mercosul de duas velocidades”,
FIGURA 2. BLOCOS REGIONAIS: PARTICIPAÇÃO DO COMÉRCIO que permitisse aos integrantes negociar seus
INTRABLOCO NO COMÉRCIO EXTERIOR, 2015 (Importações e
exportações para os parceiros em porcentagem da soma de exportações e
importações totais) próprios arranjos bilaterais (ou ao menos que
70

60
60,2 os comprometesse com tais acordos segundo
50
41,1
cronogramas perfeitamente diferenciados).
40

30
22,4 A paralisia ou timidez negociadora também se
20 14,4
10 refletiu no terreno dos investimentos. Como
0
UE NAFTA ASEAN Mercosul evidencia no quadro a seguir, o Brasil ficou ainda
Fontes: Cálculos da SAE-PR com dados da UNCOMTRADE.
muito atrás de outros países emergentes quando
O Brasil não colheu maiores êxitos no cenário se tratou de assinar tratados sobre investimentos,
mais amplo de sua política comercial global. que garantem aos investidores estrangeiros um
Ao longo dos últimos quinze anos, registrou- quadro de maior segurança jurídica e institucional
se grande ativismo brasileiro na Rodada Doha e – mais importante – empiricamente tendem a
de negociações multilaterais, no âmbito da aumentar tais fluxos.

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FIGURA 3. PAÍSES SELECIONADOS: TRATADOS SOBRE que esse conjunto de países, potencialmente
INVESTIMENTO (Número total de tratados bilaterais ou multilaterais sobre o
investimento)
200
Assinado
antagônicos entre si, talvez não esteja realmente
Ratificado
150 24 disposto a traduzir suas capacidades econômicas
100
28
15 e políticas individuais em influência geopolítica
141 24 22 19 8
50 97
83
64 65 63 66
9

52
27 6

44
19 24
coletiva ou seja capaz de fazê-lo.
32
19 13
0

Ao contrário do que por vezes se apregoa, não


Fontes: UNCTAD Investment Hub. há, por exemplo, indicador que sustente a tese
de que esse grupo de países tende a liderar o
Resta, por fim, a opção pelo BRICS, cujos crescimento econômico global. Hoje, a China e
integrantes não foram capazes de coordenar a Índia ainda mantêm bons níveis de expansão
seus interesses e ações de modo a formular e econômica, embora abaixo de suas respectivas
implementar uma estratégia concertada, seja médias de anos recentes. Os demais membros,
diante de países mais desenvolvidos, seja para no entanto, amargam persistente retração e têm,
moldar à sua feição a agenda internacional. Para antes, comprometido os indicadores globais,
além da retórica diplomática – e excetuado, talvez, arrastando-os para baixo.
o seu Banco de Investimentos, de que se tratará
Numa perspectiva bilateral, embora a China
mais adiante –, a verdade é que o BRICS ainda
tenha ultrapassado os EUA como nosso principal
não disse a que veio: o grupo não avançou rumo
parceiro comercial, tal fenômeno precisa ser posto
à construção de uma identidade coletiva, a uma
em perspectiva. Numa análise mais detalhada,
plataforma concreta de propostas estratégicas,
constata-se que a pauta de exportações para
a uma nova moldura teórica para negociações os chineses é hoje menos diversificada do que
comerciais. Permanece uma frágil associação há dez anos e excessivamente concentrada
de interesses, o que se deverá muito ao fato de em  commodities. Num sentido mais amplo, o
as relações entre seus membros serem mais de Brasil tornou-se dependente da China, tanto pelo
competição, ou mesmo franco desinteresse, do volume de nossas exportações (responsáveis por
que de cooperação. quase um quarto de nosso superávit comercial)
Historicamente, Brasil, Rússia, China, Índia e quanto pelo de nossas importações.
África do Sul pautaram-se por estratégias de Ademais, é verdadeiro que as exportações para a
desenvolvimento, prioridades externas, culturas China alimentaram o superciclo de commodities
estratégicas, estilos de negociação, tradições, que contribuiu para o crescimento da renda no
sistemas e práticas políticas inteiramente interior do país. Mas também é verdadeiro que,
diversos. Em razão disso, suas ações conjuntas de forma concomitante, o Brasil perdeu espaço
raramente vão além da emissão de declarações em outros mercados, notadamente o americano,
de intenções, de encontros coreografados em grande medida por nossa incapacidade de
e iniciativas de reduzido espectro e alcance. negociar acordos de livre comércio capazes de
Subjacente a isso, há no mínimo a suspeita de atender a nossos interesses e necessidades.

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RELATÓRIO DE CONJUNTURA N° 01

Como ilustração, registre-se que, nos anos 80 este talvez se revele, no futuro, um dado capaz
do século passado, Brasil e China tinham níveis de matizar estas conclusões. Feita essa ressalva,
quase idênticos de exportação para os EUA. Em no entanto, o fato é que a atuação do BRICS se
2015, para lá enviamos US$ 36 bilhões, um valor tem ressentido de uma clara falta de harmonia
irrisório, se comparado aos mais de US$ 498 política. O próprio exemplo do Banco, aliás, o
bilhões de vendas chinesas. demonstra: para tornar-se funcional, a instituição
precisa de uma capitalização emergencial de US$
Da mesma forma, as vendas brasileiras para
4 bilhões de cada integrante. Apenas a China e a
todos os integrantes do BRICS entraram em
Índia demonstraram disposição de integralizar a
queda livre nos últimos anos. Para a Rússia,
quantia, diante do escasso interesse, ou falta de
caíram de US$ 3,9 bilhões em 2014 para US$
condições, de Brasil, Rússia e África do Sul.
2,4 bilhões em 2015. Para a Índia, no mesmo
período, variaram de US$ 4,8 bilhões para US$ No mais, as questões mais prementes da
3,6 bilhões. Para a China, caíram de US$ 46 prosperidade, da paz e da segurança internacionais
bilhões em 2013 para US$ 36 bilhões em 2015. bem demonstram a incapacidade ou indisposição
E para a África do Sul, caíram de US$ 1,8 bilhão desses países de agir coletivamente. Ressalvadas
para US$1,3 bilhão no mesmo período. Para além umas quantas declarações de princípios sem
das quedas, os números também demonstram alcance efetivo, essa foi a tônica quando
que apenas a China é um parceiro comercial de se defrontaram com a crise síria, a questão
primeira grandeza para o Brasil. nuclear iraniana, as dificuldades financeiras
As estatísticas são ainda menos favoráveis no europeias, a crise dos refugiados ou o combate
terreno dos investimentos estrangeiros diretos, ao terrorismo. Naqueles casos específicos
à luz do último censo de capitais estrangeiros em que o agrupamento de fato assumiu uma
realizado pelo Banco Central, referente ao postura mais assertiva, isto se deveu sobretudo
quinquênio 2010-2014 (e consolidado em 2015). a esforços individuais ou a ações concertadas
Segundo esses dados, o estoque registrado bilateralmente pelos membros mais afetados,
no Brasil é de US$ 531 bilhões. Desse total, não a uma verdadeira comunhão de interesses,
os membros do BRICS respondem por apenas princípios e valores de todos os integrantes.
2,82%, e a quase totalidade dessa cifra tinha
Analisado por um prisma estratégico, esse não
origem chinesa (2,29%). Dentre os demais, a
é um desfecho surpreendente. O que esperar,
Índia responde por 0,28%, a África do Sul por
afinal, de um agrupamento cujos membros
0,2% e a Rússia por 0,05%. São dados que,
nutrem entre si não poucas desconfianças
do ponto de vista estritamente comercial, não
mútuas, sobretudo no que respeita à China, à
justificam, por ora, a formação de uma aliança
Rússia e à Índia e a suas ambições geopolíticas
preferencial dessa natureza.
no espaço euro-asiático? A China, como se
Aqui já se mencionou o Banco de sabe, não tenciona favorecer a ascensão de
Desenvolvimento do BRICS, criado em 2014, e um concorrente regional, e isso basta para que

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não apoie o pleito indiano de um assento Em suma: analisados os quatro eixos, a conclusão
permanente no CSNU (como, de resto, que se impõe é de que nenhum deles ajudou
tampouco endossa a pretensão brasileira). A a conformar uma estratégia global efetiva que
Rússia segue o mesmo raciocínio, ao passo capture e reflita interesses nacionais genuínos e
transcenda as perspectivas de uma administração
que a Índia não permite o ingresso da China
isolada ou de um partido governante. Ao contrário,
no fórum Índia-Brasil-África do Sul. Em sentido
servem antes para ilustrar os danos que a falta de
mais amplo, a China não precisa e não quer levar
uma grande estratégia pode acarretar ao Brasil,
em conta os interesses dos demais parceiros na medida em que esses eixos não se reforçam
ao formular sua política exterior, evitando com mutuamente e revelam processos decisórios por
isso compromissos que comprometam a sua vezes erráticos e frequentemente marcados por
liberdade de ação. tensões e contradições.

COOPERAÇÃO SUL-SUL E
A REFORMA DA ONU
Um elemento central em uma grande estratégia da sociedade brasileira e a orientação desses
que se pretenda efetiva diz respeito à habilidade de governos em domínios como o dos direitos
um país em forjar alianças efetivas e estabelecer humanos, o apego aos princípios democráticos
parcerias que ofereçam perspectivas concretas ou o apreço à própria estabilidade do sistema
de benefícios mútuos. Na última década e meia, internacional.
o Brasil procurou ampliar suas opções e aumentar
É inegável que a postura brasileira revelou boa
seu prestígio e influência internacionais por meio
dose de pragmatismo, elemento que deve estar
de duas linhas de atuação: por um lado, tratou-
se de tentar fortalecer a chamada cooperação sempre presente nos cálculos dos formuladores

Sul-Sul; por outro, de refundar as regras que da política exterior. Afinal, em política internacional
governam a ordem internacional sob novas não há amizades permanentes, apenas interesses
bases. Ambas, em si, eram e permanecem nacionais. Ainda assim, é preciso levar em conta
objetivos válidos. que essas opções se construíram, em boa
medida, em detrimento de valores e princípios
Na prática, no entanto, essa ação coordenada
que o Brasil sempre defendeu e promoveu.
incluiu o estabelecimento de parcerias
preferenciais – ou no mínimo a aparência A tensão entre valores e interesses está presente,
de maior proximidade política – com países em maior ou menor medida, na política exterior
como a Venezuela e a Rússia, a despeito das de qualquer país, e não há solução fácil para a
discrepâncias evidentes entre as aspirações contradição que ela encerra. Ainda assim, a

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RELATÓRIO DE CONJUNTURA N° 01

reflexão que se impõe é em que medida o Brasil que incluíram a prisão arbitrária e ilegal de
poderá ter errado na dosagem; se, ao privilegiar oponentes políticos, bem como para as fraudes
ganhos materiais – oriundos, sobretudo de trocas eleitorais supostamente perpetradas nas duas
comerciais – ou certa universalidade diplomática, últimas eleições, e para a erosão da liberdade de
não terá comprometido além da medida justa imprensa na Argentina, nos governos de Néstor
o legado de coerência e respeitabilidade que e Cristina Kirchner.
soube construir ao longo das décadas. Em que
Em cada um dos casos, a inação brasileira era
medida, no final das contas, assumiu o mesmo
justificada como estrita observância do princípio
duplo padrão de comportamento que sempre
da não interferência. O mesmo princípio, no
criticou em países mais poderosos. Talvez por
entanto, não impediu o governo brasileiro de
desejar integrar uma nova oligarquia internacional
criticar políticas conduzidas por países europeus
ampliada, o Brasil não tenha afirmado
ou pelos EUA. Em contraste com a delicadeza
suficientemente o seu comprometimento com
adotada no trato com a Rússia ou a Venezuela,
o primado dos direitos humanos e do direito
o Brasil teve poucos temores de criticar as
internacional.
potências ocidentais até mesmo onde sua ação
Ao longo dos últimos anos, o Brasil omitiu-se não lhe dizia respeito. Este será o caso, por
sistematicamente de criticar as atrocidades exemplo, da opção preferencial da Chanceler
cometidas na Síria e no Iêmen, além de se Angela Merkel por medidas de austeridade
abster de apoiar, quando necessário, iniciativas como melhor estratégia para suplantar a crise
no âmbito das Nações Unidas que visavam à financeira europeia do início desta década, que
garantia do respeito às normas internacionais. mereceu críticas públicas por parte do governo
brasileiro. Na mesma linha devem interpretar-se
O mesmo se deu quando o país permaneceu
as críticas brasileiras à ação militar conduzida pela
silente quanto à intervenção russa na Ucrânia;
França no Mali, em 2012, onde combatia grupos
quando se absteve de votar o primeiro esboço
terroristas a pedido do governo de Bamako, o
de resolução na ONU condenando o governo
que, no entanto, aos olhos de Brasília, revelava
sírio pela violenta repressão aos manifestantes
intoleráveis tentações neocoloniais.
que demandavam mais democracia, em 2011;
quanto às evidências de apoio de governos O Brasil também apresentou um padrão de
do Oriente Médio ao grupo terrorista Estado incoerência e seletividade nos posicionamentos
Islâmico; ou, ainda, quando da intervenção que adotou com respeito aos conflitos do Oriente
saudita no Iêmen, que vitimou milhares de civis. Médio. Mais do que isso, em alguns desses
Mais perto de casa, em nome de uma suposta casos registrou-se verdadeira dissonância entre
solidariedade ideológica continental, essa discurso e prática diplomáticos. Para ilustrá-lo,
dinâmica se repetiu quando se fecharam os olhos basta observar a narrativa estabelecida sobre
para as violações de direitos humanos cometidas a política exterior brasileira em matéria de
pelo governo de Nicolás Maduro, na Venezuela, direitos humanos e contrastá-la com o processo

17
decisório em casos emblemáticos, como a crise desnecessariamente os EUA. Um país com as
síria, a guerra no Iêmen e, em menor grau, a dimensões e os atributos do Brasil não pode adotar
problemática líbia. Como já se assinalou, toda quaisquer formas de alinhamentos automáticos.
política exterior deve orientar-se por doses No entanto, o país precisa de definições claras
razoáveis de pragmatismo e Realpolitik. Ainda e objetivas sobre o que se espera extrair de
assim, analisados os casos concretos, será forçoso seu relacionamento bilateral com Washington e
concluir que os posicionamentos brasileiros também sobre que interesses e valores comuns
sobre o Oriente Médio foram excessivamente deveriam promover-se conjuntamente no
dúbios, contraditórios e destoantes dos eixos ambiente multilateral. Até aqui não temos clareza
principiológicos da política exterior nacional. em qualquer desses dois objetivos.

Para corrigir essa discrepância, a diplomacia No mais, convém não perder de vista que,
brasileira precisa realinhar seu discurso à a despeito de uma campanha que já dura
realidade de suas ações objetivas, de maneira a décadas, o Brasil logrou obter o apoio de apenas
dar a devida consideração ao tema dos direitos dois membros permanentes do CSNU à sua
humanos. A escolha entre princípios e interesses pretensão de vir a integrar o organismo: a França
é uma falsa dicotomia. O estabelecimento de e o Reino Unido. A Rússia, como se sabe, não
parcerias preferenciais que levem em conta vê com bons olhos a expansão do Conselho,
o respeito aos preceitos fundamentais dos por temor de ver a sua influência global ainda
regimes internacionais proporcionaria ganhos de mais diluída. Com base nesse cálculo, Moscou
legitimidade internacional no longo prazo. evita apoiar o pleito brasileiro inequivocamente.
Nada do que precede deve desestimular a As formulações russas a esse respeito foram
busca por novos horizontes e oportunidades tornando-se cada vez mais esquivas com o passar
comerciais. Esse argumento, no entanto, não do tempo, apesar de as duas partes apregoarem,
se justifica quando se transforma apenas em bilateralmente ou no âmbito dos BRICS, uma
um manto para mascarar opções ideológico- sintonia política que não se verifica na prática.
partidárias. Essa postura desbalanceada revela EUA e China, por seu turno, embora favoreçam
inconsistência na forma como as relações uma expansão modesta do organismo, até aqui
internacionais do país foram administradas evitaram endossar a candidatura brasileira.
nos últimos anos, o que se traduz em perda
Da mesma forma, haveria que se analisar que
de credibilidade e de influência, minando as
benefícios concretos o Brasil soube extrair da
chances do país de se tornar uma voz respeitada
associação com a Alemanha, a Índia e o Japão
no concerto das nações e torpedeando a
para promover o ingresso conjunto no CSNU,
própria campanha por um assento permanente
por meio do chamado G4. Existem elementos
no CSNU.
suficientes para sustentar que o Brasil, ao
O Brasil tampouco alcançará sua principal associar-se a aspirações que estavam longe de
meta de política exterior confrontando incontroversas, pode ter minado as suas próprias

18
RELATÓRIO DE CONJUNTURA N° 01

chances, ao atrair para si a oposição que a Rússia que esse cenário acabe por materializar-se, mas
e a China dedicavam às demais candidaturas. é preciso levar em conta que, para isso, o Brasil
terá de fazer concessões adicionais de um custo
Tampouco terá ajudado, nesse sentido, o fato de o
estratégico potencialmente muito mais elevado.
Brasil ter-se escusado de apresentar candidatura
a assento não permanente do CSNU desde o Esse quadro enfraquece a posição do Brasil na
término de seu último mandato, referente ao América Latina, de modo geral, e reduz ainda
biênio 2010-2011. Diante das demais candidaturas mais a nossa capacidade de agregar apoios,
regionais já apresentadas, o país somente teria na região, à candidatura do país a um assento
outra chance de integrar o Conselho a partir de permanente no CSNU. Num momento em que
2033. Caso se confirme esse cenário, esta terá avultam as vulnerabilidades brasileiras, reais ou
sido a mais longa ausência brasileira do principal percebidas, países como México e Argentina,
órgão decisório do sistema das Nações Unidas tradicionalmente refratários ao pleito brasileiro,
(superando o período de quase vinte anos, de tenderão a adotar objeções ainda mais enfáticas.
1969 a 1988, em que o país se excluiu daquele Neste rol não exaustivo de equívocos brasileiros,
organismo por decisão deliberada dos governos há que se mencionar também a decisão de ceder
militares). Isto provocará inevitável encolhimento ao Paraguai eventual vaga brasileira no Tribunal
do Brasil nas relações internacionais e diminuição Internacional do Direito do Mar. Não haveria,
de sua capacidade de influência externa, visto numa política estratégica de Estado, qualquer
que ficará de fora das concertações diretas que justificativa plausível para essa decisão, por
forjam e modulam o processo decisório e a diversos motivos. Em primeiro lugar, pelo fato de
ordem internacional. aquela Corte ser de importância estratégica para
Em resposta a essa constatação, por vezes se a segurança nacional e a exploração dos recursos
esgrime o argumento de que o Brasil poderá econômicos da chamada “Amazônia Azul” (que
compensar a ausência com assentos em abrange o Pré-Sal). Em segundo lugar, pelo fato

instâncias menos centrais, mas supostamente de o beneficiário do gesto brasileiro ser um país
sem acesso ao mar.
mais efetivas para a condução dos grandes temas
de governança global. O argumento, infelizmente, A isso há que se somar o fato de o Brasil também
não procede. Abrir mão da presença na instância ter perdido as vagas de que dispunha no Tribunal
decisória máxima traz consigo, queiramos ou Penal Internacional e no órgão de apelação do
não, a mensagem de que o país simplesmente Sistema de Solução de Controvérsias da OMC.
não está à altura dos desafios impostos pelas Nesse contexto, passa a ser crucial para o país
circunstâncias externas. De resto, parece irrealista manter as duas únicas vagas que ainda ocuparia
e ingênuo imaginar que países menores da em tribunais internacionais, fora do sistema
América Latina terminarão cedendo suas vagas interamericano: na Corte Internacional de Justiça,
ao Brasil, em troca do apoio em foros de menor em primeiro lugar, e precisamente no Tribunal
importância. Não é de todo impossível, registre-se, Internacional do Direito do Mar, em segundo.

19
Por essa razão, não se deve aceitar o argumento prisma de uma política estratégica de Estado:
de que a concessão feita ao Paraguai se daria em o país que dispõe da maior costa marítima da
troca de um hipotético apoio paraguaio a uma América do Sul, e uma das maiores do planeta,
candidatura brasileira ainda não apresentada, em não pode retirar-se voluntariamente de um órgão
organismo internacional não identificado. Essa estreitamente vinculado a essa sua circunstância
hipótese, ainda que se venha a verificar, não estratégica. No mais, há o risco de o eventual
apenas não traz garantia nenhuma de equivalência ocupante da vaga ver-se sujeito a pressões de
hierárquica ou estratégica entre as postulações potências extrarregionais que bem poderiam
satisfeitas. O que é mais grave, reitere-se, é induzi-lo a votar contra os interesses estratégicos
que não se poderia justificar ou entender sob o do Brasil.

ATIVISMO COMERCIAL
FORA DO EIXO
Segundo dados da OMC, o Brasil exportou oportunidades que o país não poderia dar-se ao
US$ 256 bilhões em 2011 e apenas US$ 191 luxo de desprezar.
bilhões em 2015. A participação no comércio
Considere-se, a propósito, a seguinte realidade:
internacional, que já foi de 2,5% do total, agora é
dentre as doze maiores economias mundiais,
de menos de 1%. Quando se analisa a proporção
dez também figuram entre os doze maiores
entre bens e serviços exportados e importados e
exportadores. Como oitava economia, o Brasil
o PIB, o Brasil estaria à frente apenas da República
representa uma das duas únicas exceções, ao
Centro-Africana, com 11,5%, enquanto a média ocupar apenas o 26° lugar, atrás de México (12°),
mundial é de 29,8%. Para agravar esse quadro, Emirados Árabes (16°), Taiwan (21°), Malásia
ressalte-se que esse período de decréscimo (24°) e Polônia (25°). Em 2016, poderá ter sido
coincide com uma conjuntura de queda no superado por Austrália, Vietnã e Turquia, todos
crescimento do PIB. com economia menor do que a nossa. Além de
A conclusão que se impõe é de que o Brasil falta de competitividade, esse quadro denuncia
parece ignorar as transformações em curso no a inexistência de uma política industrial coerente
sistema de comércio internacional, insistindo e integrada e os equívocos fundamentais de
nossa política comercial, que, por anos a fio,
em conceitos que o afastam cada vez mais
permaneceu apegada a conceitos de corte
das principais cadeias produtivas globais e
ideológico e a estratégias anacrônicas.
reduzem sua participação no total de trocas
internacionais. Nada disso se faz sem graves Mais: no conjunto dos países emergentes,
prejuízos para a economia e a sociedade o Brasil destaca-se por manter uma média
brasileiras, ainda que seja com a perda de tarifária consideravelmente elevada. Ora, está

20
RELATÓRIO DE CONJUNTURA N° 01

demonstrado que os países que impõem pelo Acordo de Tecnologia da Informação,


tarifas de importação mais altas tendem a realizadas recentemente à margem da OMC. O
participar menos do comércio internacional, acordo, recorde-se, zerou as tarifas referentes
seja importando, seja exportando. Com isso, os ao comércio de semicondutores, aparelhos
recursos disponíveis na economia são alocados de ressonância magnética e tomografia
de forma mais ineficiente, e a população perde computadorizada, além de duas centenas de
oportunidades de, por meio do comércio, outros produtos eletrônicos. Devido à decisão de
alcançar maiores níveis de bem-estar. não participar, o Brasil não poderá beneficiar-se
FIGURA 4. PAÍSES EMERGENTES: COMÉRCIO E TARIFAS DE dessas amplas isenções tarifárias.
IMPORTAÇÃO
150 No mais, é preciso salientar que a união aduaneira
Comércio total, porcentagem do PIB (%)

Países Emergentes
Brasil
estabelecida no Mercosul impôs amarras
100 consideráveis à expansão comercial do Brasil.
Como já se assinalou, o bloco mantém acordos
50
Baixas Tarifas,
de livre comércio somente com Israel, Palestina
Mais Comércio
Altas Tarifas, e Egito. Em contraste, no mesmo período, o
Pouco Comércio
0
0 5 10 15 Chile assinou mais de 20 acordos semelhantes,
Tarifa de importação, média ponderada NMF (%)
Fontes:
Fontes: Cálculos
Cálculos da
da SAE-PR
SAE-PR com
com dados
dados do
do Banco
Banco Mundial.
Mundial. Nota:
Nota: excluídos
excluídos micropaíses
micropaíses ee inclusive com a União Europeia, EUA, Austrália,
países com população
países com população menor
menorque
a dois
doismilhões
milhõesde
dehabitantes.
habitantes.
Canadá, China e quase toda a América Latina.
Talvez por ser histórico defensor do Some-se a essas amarras a incapacidade crônica
multilateralismo, o Brasil relute em reconhecer demonstrada pelo bloco, ao longo dos anos, de
que um novo sistema comercial está sendo eliminar listas setoriais e nacionais de exceção à
gestado às margens da OMC. Como resultado, Tarifa Externa Comum.
o país se encontra hoje fora do eixo dos grandes Diante de tudo isso, conviria reexaminar a
projetos comerciais em curso ou em análise: conveniência de preservar a Decisão do Conselho
não participa das negociações da Transatlantic do Mercado Comum de nº 32/2000, que em
Trade and Investment Partnership (TTIP), que tese obrigaria todos os países integrantes a
poderá ligar comercialmente a América do Norte negociar em bloco quaisquer arranjos comerciais
à Europa; da Trans-Pacific Partnership (TPP), (“em tese” porque nunca foi incorporada ao
que deveria criar imensa zona de livre comércio
direito doméstico dos países membros). Mesmo
entre os países da orla do Pacífico; e manteve-
na ausência de uma definição mais precisa a
se apartado da Aliança do Pacífico, zona de livre
esse respeito, não haveria por que não explorar
comércio formada pelos países economicamente
a possibilidade de um Mercosul “de duas
mais dinâmicos da América Latina: México, Peru,
velocidades”, que satisfaça simultaneamente
Chile e Colômbia.
aos países mais abertos ao comércio extrabloco
O Brasil tampouco participou das discussões e àqueles que desejem permanecer mais
para a expansão da lista de produtos cobertos fechados ao mundo exterior. Todas essas seriam

21
alternativas legítimas à estagnação da política considerar em que medida esse crescimento foi
comercial e de investimentos verificada nos de fato fruto da abertura das embaixadas (noutras
últimos vinte anos. palavras, se aí não se verifica a falácia do post
hoc ergo propter hoc) e em que medida não
Em matéria de comércio exterior, há outro
houve aí um custo de oportunidade que não se
elemento que mereceria ao menos ser
deveria desprezar (i.e., se o aumento de nossas
considerado: em que medida os resultados
exportações não se teria beneficiado mais de uma
comerciais refletiram o ativismo diplomático dos
expansão diplomática mais pontual e planejada,
últimos quinze anos, que se traduziu em enorme
por exemplo, por meio da abertura de novos
expansão da rede de repartições diplomáticas
consulados em países dinâmicos como a China
brasileiras no exterior. Haverá aqui, no mínimo,
e a Índia, com um claro mandato de promoção
elementos suficientes para pôr em questão uma
possível desconexão entre política externa e comercial e atração de investimentos). De toda

comércio internacional, e para submeter a juízo forma, quando analisados de forma agregada, tais
rigoroso a política de expansão assinalada. números representam um acréscimo de meros
0,38% em nossa pauta exportadora.
Considere-se que o Brasil mantém, atualmente,
226 postos diplomáticos ou consulares no No mais, é preciso levar em conta que, muito
exterior. É um número superior ao de países frequentemente, essas novas repartições
como a Alemanha (215), Itália (205), Canadá nem sequer podem realizar condignamente
(180), México (164) e Argentina (148), e inferior as suas atribuições, em virtude dos seguidos
apenas à rede mantida pelos EUA (270), França contingenciamentos impostos pelo governo
(267), China (265) e Reino Unido (256). Desde federal (o que, aliás, constitui uma ilustração a mais
2003, foram criadas 77 novas embaixadas ou de um certo desprestígio da diplomacia junto às
consulados, a maioria em países de escasso esferas decisórias). Em qualquer hipótese, será
interesse comercial para o Brasil, como Bahamas, o caso de considerar em que medida atende,
Dominica, Belize, Azerbaijão, Benin, Burkina Faso de fato, ao interesse nacional a manutenção de
e Mauritânia. uma rede de postos dispendiosa, complexa e
frequentemente subutilizada.
Contraste-se, agora, esse dado com o seguinte:
segundo números do próprio Itamaraty, as Em resposta a considerações dessa ordem,
exportações brasileiras para dezoito países é comum esgrimir-se o argumento de que a
africanos onde se abriram novas embaixadas expansão diplomática atende a valores outros,
cresceram de US$ 736 milhões, em 2004, algo mais intangíveis que as exportações,
para US$ 1,6 bilhão, em 2014. Analisados relacionados ao diferencial de influência que
isoladamente, esses números apontam um o ecumenismo político confere ao Brasil. Este
acréscimo que não deixaria de ser substantivo: não é um argumento irrelevante, mas também
US$ 860 milhões, ou 117% do total verificado no precisaria ser posto à prova. Considere-se, por
início do período. Ainda assim, seria necessário exemplo, o estudo recentemente publicado pela

22
RELATÓRIO DE CONJUNTURA N° 01

Wharton School da Universidade da Pensilvânia, número de representações diplomáticas, a fim


que elenca o Brasil apenas na 22ª posição entre de reajustá-las a suas necessidades e recursos
os países que dispõem de maiores recursos de disponíveis. Para compensar essa situação,
poder, influência política e relevância diplomática. alguns desses países recorreram a mecanismos
Com esse resultado, o Brasil fica atrás de países criativos como o estabelecimento de protocolos
com economias substancialmente menores que de cooperação para assistência consular, jurídica
a sua, como o Egito, a Arábia Saudita, Israel, e hospitalar recíproca. Diante desses exemplos,
Coreia do Sul e Suécia. torna-se lícito inquirir em que medida um país
No mais, há que se considerar o exemplo de como o Brasil, que vem padecendo de evidentes
países como Suíça, Áustria, Canadá, Austrália, dificuldades econômicas, deve continuar
Holanda e Reino Unido, que recentemente perseguindo estratégias que se revelaram
empreenderam esforços sérios para reduzir o disfuncionais e onerosas aos cofres públicos.

A INTEGRAÇÃO SUL-AMERICANA
E AS AMBIÇÕES GLOBAIS DO BRASIL
As políticas brasileiras para a América do Sul têm brasileiro de que é possível se tornar uma
sido frequentemente ambíguas e paradoxais, não potência global sem se tornar antes verdadeiro
obstante a retórica diplomática atribuir à região líder regional.
o papel de principal prioridade externa. Talvez
Essa aspiração de tornar-se uma potência
devido à sua tradicional ambição de obter um
global não vem sem custos: frequentemente, a
status de ator global, o Brasil revele a existência agenda global do Brasil dá ensejo a que países
de uma real dicotomia, nunca superada, em vizinhos manifestem preocupação e desconforto
seu pensamento geopolítico para a região em quanto ao efetivo engajamento brasileiro nos
torno de qual caminho seguir: integração ou temas regionais, quanto à nossa relutância em
hegemonia. nos submetermos a instituições supranacionais
Por um lado, busca-se reafirmar, no campo dos (que poderiam constranger nossa autonomia e
discursos, a liderança política na região, objetivo margem de manobra políticas) e quanto à ênfase
excessiva em nossos próprios interesses.
camuflado na retórica de uma liderança não
hegemônica; por outro, demonstra-se notável É fato que o Brasil, historicamente, preferiu evitar
indisposição em assumir papel mais assertivo na ver a sua influência diluída em organizações
moldagem e condução dos assuntos regionais. regionais: a preferência nacional sempre foi por
Essa relutância parece traduzir crença longamente negociar soluções estritamente bilaterais onde
arraigada no imaginário do establishment político aplicáveis. Terá sido antes como exceção que

23
o Brasil idealizou ou emprestou apoio à criação pauta do Brasil – índice que já foi de 16% – e
de organismos coletivos como o Mercosul, a decresceram 18% em 2014 e 12% em 2015,
UNASUL e o Conselho de Defesa Sul-Americano. retrocedendo aos níveis de 2006, de cerca de
US$ 18 bilhões. As importações, que já foram de
Mesmo nesses casos, o efetivo engajamento
13% e se encontram em meros 6%, diminuíram
brasileiro não se deu sem condicionantes
11% em 2014 e 28% em 2015, recuando também
sérios. Muito para atender a sensibilidades
ao patamar de 2006 (US$ 12 bilhões), números
brasileiras, a UNASUL acabou constituindo-
que refletem a aguda perda de vitalidade desse
se numa organização de mandato superficial
esquema sub-regional.
e praticamente “sem dentes”, para usar a
linguagem consagrada (i.e., sem real poder O Brasil, em suma, permaneceu atrelado
coercitivo). Essas carências levaram alguns ao Mercosul e a seus sócios, economias no
países da região a buscar alternativas a uma mais das vezes instáveis e problemáticas.
suposta hegemonia brasileira (e.g., na Alternativa Continuou desprovido de estratégia viável de
Bolivariana para as Américas), ao passo que negociações comerciais, carente de maior
outros passaram a questionar mais abertamente competitividade industrial e incapaz de reagir
as prioridades estabelecidas em Brasília. política e diplomaticamente às transformações
Dentre esses casos, merece especial destaque ocorridas no sistema de governança comercial
o de Colômbia, Peru e Chile, que optaram por global. Com tudo isso, o Brasil isolou-se
assinar acordos de livre comércio com os EUA e, comercialmente, perdendo oportunidades,
nesse contexto, buscar relações mais estreitas influência e investimentos. Sem uma reavaliação
com a superpotência global, em detrimento dos estratégica de sua agenda comercial, o país
vínculos com Brasília, percebidos como de menor estará fadado a continuar exercendo o papel
potencial. Juntamente com o México, esses de coadjuvante, reagindo a iniciativas de países
países estabeleceram, em 2012, a Aliança do mais assertivos e exercendo pouca ou nenhuma
Pacífico, um bloco de livre comércio concebido, influência no encaminhamento das questões de
entre outros objetivos, para contrabalançar o interesse global.
peso do Brasil e do Mercosul (que, por oposição,
Diante disso, a estratégia nacional parece ainda
se percebia como uma organização disfuncional,
espelhar a ultrapassada doutrina da “projeção
dividida, esvaziada e perenemente ameaçada
continental do Brasil” sobre a América do Sul,
de defecção por parte dos sócios menores, o
que preconiza uma liderança natural do Brasil
Paraguai e o Uruguai). Desde seu lançamento, as
na região e seu papel como voz do continente
exportações da Aliança do Pacífico cresceram,
em fóruns internacionais. Ao mesmo
em média, 3,5% ao ano, e hoje já representam
tempo, no entanto, e contraditoriamente, o
47% do total registrado na América Latina.
país evita incorrer em responsabilidades e
Em contrapartida, as exportações para o compromissos regionalistas adicionais e seus
Mercosul representam apenas 9% do total da respectivos custos, que poderiam limitar sua

24
RELATÓRIO DE CONJUNTURA N° 01

atuação diplomática em escala global. A ideia, de maneira realista, almejar obter o apoio de
sedutora, é a de que seria possível colher os nossa vizinhança para seus objetivos globais.
frutos positivos da liderança sem arcar com o
Em segundo lugar, essa perspectiva negligencia
ônus.
a disposição da maioria dos demais países
Essa perspectiva encerra em si duas sul-americanos em procurar alguma forma de
contradições. Primeiro, desconsidera que os acomodação com os Estados Unidos, que podem
processos de integração e de construção de fornecer, se lhes convier, os bens públicos que
liderança não são empreendimentos sem alto tanto são necessários aos nossos vizinhos e que
custo econômico-comercial e risco político. o Brasil reluta em prover.
E é justamente, em parte, por perceberem À luz de tudo o que precede, torna-se cada vez
essa contradição que os países vizinhos estão mais evidente que o Brasil não dispõe de uma
claramente reagindo às iniciativas brasileiras, e política efetiva para a região, nem do capital
por isso buscam parcerias alternativas que lhes político, econômico e militar necessário para
pareçam mais benéficas. Sem proporcionar desempenhar um papel de liderança regional.
bens públicos em larga escala, significativos Com isso, em lugar de alcançar a projetada
benefícios econômicos, concessões e hegemonia consensual, o Brasil corre o risco de
preferências comerciais, assistência e proteção assumir o papel muito mais modesto de um líder
militar e outros incentivos, o Brasil não pode, sem seguidores.

DEFESA, SEGURANÇA
E INTELIGÊNCIA
Há, finalmente, uma última variável de extrema governos têm-se mostrado inábeis em
importância no processo de formular, explicar articular uma doutrina de inteligência e de
e implementar uma grande estratégia: o papel defesa adequada às necessidades e desafios
que nela devem desempenhar a defesa, impostos pelos novos tempos. Sobre os
a segurança e a inteligência. Tais temas organismos de inteligência, por exemplo,
são elementos indissociáveis do processo ainda pesa o estigma da desconfiança
decisório de política externa em qualquer país provocado por sua atuação durante o regime
que almeje ser um player global ou mesmo militar. Em consequência, o sentimento que
regional. No Brasil, entretanto, essas áreas perpassou o establishment político nacional
não têm recebido a necessária atenção na
pugnava, consciente ou inconscientemente,
elaboração da agenda externa.
pelo enfraquecimento da inteligência e pela
Há uma explicação histórica para o fenômeno: exclusão do tema de defesa e segurança do
desde a redemocratização, sucessivos eixo político nacional.

25
Não é de se admirar, portanto, que não se tenha como uma ameaça à democracia do que como
empreendido um projeto de modernização e de um setor governamental criado para assessorar
reestruturação dessas funções, de suas missões autoridades públicas e proteger a sociedade e o
estatais e de suas agendas estratégicas, Estado.
agregando-as ao plano principal do planejamento
De resto, há por vezes uma tendência, em
voltado para o desenvolvimento socioeconômico
outros segmentos, de considerar os “serviços
do país e para a consecução de objetivos de
secretos” como indesejáveis recém-chegados
política externa. Ilustração desse problema,
na discussão da agenda de política externa e
ainda inexiste no Brasil um órgão, em nível
defesa nacional do país. É bem verdade que,
ministerial, encarregado de formular, estimular,
nos últimos anos, o número de adidâncias de
executar, coordenar, supervisionar e fiscalizar
inteligência no exterior aumentou de três para
políticas estratégicas multissetoriais vitais para o
quinze postos. Ainda assim, há espaço para maior
progresso do país.
cooperação entre o Ministério das Relações
Nesse sentido, não há dúvidas de que o Exteriores e os órgãos integrantes do Sistema
desempenho de um governo será tão efetivo Brasileiro de Inteligência (SISBIN). Deveria haver
quanto as informações que se tem e as que sua maior consciência de que os subsídios colhidos
inteligência proporciona. Sem um serviço de pela ABIN, órgão central do SISBIN, poderiam
inteligência eficaz, respeitado, com um mandado preencher lacunas nas análises realizadas pelos
institucional claro – e submetido a um sólido agentes diplomáticos e, com isso, fortalecer o
mecanismo de controle legislativo–, a tarefa de processo decisório sobre a política exterior. No
avaliar políticas públicas e externas, antecipar sentido inverso, é preciso maior esforço de todas
ameaças, prospectar oportunidades, desenhar as adidâncias – não apenas as de inteligência –
cenários e possíveis cursos de ação torna-se no sentido de buscar maior coordenação com as
ainda mais difícil. repartições diplomáticas das quais fazem parte.

A despeito disso, e muito pelas razões que aqui já Some-se a isso o fato de que o MRE, a
se assinalaram, a atividade de inteligência carece, despeito de ser formalmente um membro
no Brasil, de tradições e meios de operação bem do SISBIN, não conta em seus quadros com
estabelecidos. Não seria irrealista dizer que a número significativo de profissionais treinados
sociedade brasileira, de forma geral – incluindo- no exercício de atividades de inteligência,
se aí os operadores políticos –, não tem uma habilitação que, à semelhança do que ocorre
visão clara acerca do que é inteligência, seu papel com diplomatas de outros países, como EUA,
e funções em uma sociedade democrática. Essa França e Canadá, poderia dotá-los de mais
falta de conhecimento acerca da natureza, missão, ferramentas para um melhor desempenho de
papel e utilidade da atividade de inteligência, aliada suas missões institucionais. Como se sabe,
ao forte preconceito cultural contra ela, faz com a tradição histórica da chancelaria brasileira
que seja indevidamente vista, por muitos, mais privilegiou a formação de diplomatas generalistas,

26
RELATÓRIO DE CONJUNTURA N° 01

em detrimento de especialistas de habilidades das prioridades da inteligência nacional. Embora


mais circunscritas. Esta não é uma orientação alguma atividade de inteligência seja realizada no
em si questionável, e a experiência histórica MRE, de forma quase artesanal, não há nada em
demonstra que o generalismo pode conferir-nos sua estrutura que se assemelhe ao Bureau of
benefícios em situações determinadas. Há que Intelligence and Research (INR) do Departamento
se levar em conta, no entanto, que essa decisão de Estado dos Estados Unidos, uma unidade
também traz consigo custos importantes que fornece all-source intelligence de alto nível
em termos de conhecimento institucional e, para o Secretário de Estado, o Conselheiro de
consequentemente, limita a capacidade da Segurança Nacional e o próprio Presidente dos
instituição de realizar análises mais profundas em EUA. De forma geral, o INR procura garantir
situações determinadas. que a inteligência, considerada um instrumento
legítimo de política externa, informe as decisões
Definir os contornos da formação dos diplomatas dos policymakers em relação aos objetivos
brasileiros é uma escolha de longo prazo, um exteriores do país.
exercício que deve sopesar adequadamente
Estas são apenas algumas das possibilidades a
os custos e benefícios das opções realizadas.
serem exploradas para melhor encaminhar os
No curto prazo, no entanto, os custos do
problemas que aqui se apontam. De todo modo,
generalismo bem poderiam ser mitigados com
qualquer grande estratégia nacional de política
uma melhor formação dos diplomatas nas
exterior, para ser exitosa, terá de manifestar-
atividades de coleta, processamento, análise
se em ações cuidadosamente formuladas,
estratégica e disseminação de informações,
minuciosamente monitoradas e regularmente
sem prejuízo de uma discussão mais profunda
ajustadas. Todos esses processos podem
sobre a conveniência de se adotar sistema que
ser empreendidos sem o recurso à atividade
contemple a formação de certo número de
de inteligência, mas a possibilidade de que
especialistas em outras áreas.
sejam bem-sucedidos torna-se mais elevada
No sentido inverso, a diplomacia tampouco se baseados em informações e avaliações
participa, habitualmente, da tarefa de formulação promovidas pela comunidade de inteligência.

CONCLUSÕES
Como se viu, tornou-se corrente, no Brasil, a brasileiros, sobre as verdadeiras fontes do poder
percepção de que a política exterior perdeu nacional, suas virtudes, fraquezas e limitações,
muito de seu brilho, e não sem razão. Por todos sobre quais são os interesses nacionais e sobre
os motivos, este parece o momento adequado a melhor forma de alcançá-los. Estes são passos
para uma reflexão, por parte dos dirigentes indispensáveis à formulação de uma grande

27
estratégia nacional que seja coerente e habilite Política externa não se faz no vácuo. Um país com
o Brasil a perseguir seus objetivos regionais e o peso econômico do Brasil não pode contentar-
globais, de forma coordenada e complementar, se com uma diplomacia reativa e conformista,
e que evite as armadilhas inerentes à busca de que atue a reboque dos acontecimentos, que
objetivos contraditórios por meios ineficientes exerça pouca influência sobre os rumos das
— armadilhas que, como se viu, resultam em relações internacionais e que sofra em demasia
desperdício de recursos, energia e capital político. os efeitos das políticas adotadas pelos atores
globais. Baseado em um realismo propositivo,
De forma a tornar suas aspirações à liderança
o Brasil deve definir claramente objetivos,
regional mais críveis, o Brasil precisa redefinir
princípios e recursos que orientem sua política
seu papel no continente. Para isso, deverá
exterior e garantam o foco da diligência política
revisar suas políticas e dispor-se a alocar os
nos temas verdadeiramente importantes para a
recursos econômicos e políticos necessários
consecução desses objetivos. Sem isso, o Brasil
para arregimentar os países vizinhos em torno de
fracassará em sua busca por um lugar junto às
seu projeto. De resto, o Brasil precisa identificar
grandes potências mundiais, e suas ações nesse
a natureza e o alcance das suas relações com
sentido permanecerão para sempre no terreno
os EUA, bem como reavaliar o custo-benefício
da retórica.
de algumas de suas alianças e iniciativas globais,
sempre de um ponto de vista pragmático, porém Ao mesmo tempo, o Brasil precisa formular uma
alicerçado em critérios claros e precisos. estratégia de inserção econômica internacional
que abandone a visão da economia internacional
Da mesma forma, o Brasil precisa fortalecer
como um jogo de soma zero, em que os ganhos
seus recursos e habilidades de hard power, a
de um ator equivalem às perdas de outro.
fim de equalizá-los com seus recursos de poder
Maximizar o bem-estar de sua população é parte
nas esferas diplomática e econômica, como se
indispensável de qualquer esforço de defesa do
dá com todas as grandes potências, podendo
interesse nacional. Uma grande estratégia de
ser capaz de fazer uso, quando necessário,
política exterior precisa incorporar essa dimensão,
dos instrumentos de uma efetiva “diplomacia
a partir da compreensão de que ganhos mútuos
coerciva”. O Brasil, apesar dos problemas que aqui
e cooperação não significam necessariamente
se apontam, continua a dispor de capacidades
submissão.
diplomáticas consideráveis e de uma base
econômica que lhe dá condições de tornar-se A defesa efetiva do interesse nacional dependerá
um verdadeiro ator global. Em contraste, seus de nossa capacidade de formular uma grande
recursos militares, de inteligência e de segurança estratégia que nos permita uma atuação
não têm a mesma projeção. Enquanto o país internacional proativa, coerente e integrada,
não encaminhar esse problema, equalizando os por meio da qual possamos antecipar-nos a
seus recursos e fazendo-os operar em sintonias novas circunstâncias e desafios. Uma estratégia
semelhantes, não terá condições de realizar as nesses moldes, de resto, haverá de constituir-se
suas ambições estratégicas. em auxílio fundamental em nossa missão mais

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RELATÓRIO DE CONJUNTURA N° 01

ampla de retomar o crescimento econômico e


contribuir para resgatar a identidade, o orgulho e
a altivez da política exterior brasileira.

Todo país que se proponha assumir um papel


global ou exercer liderança em sua região precisa
de um projeto estratégico de Estado, focado no
longo prazo, mas que também seja capaz de
dar coerência e coesão aos projetos atuais. O
Brasil, até aqui, carece de um projeto integrado
nesse sentido, em particular em política exterior.
É fundamental, em essência, construir uma
“Marca Brasil” também nesse domínio, porque
sem ela permaneceremos indefinidamente sem
um norte estratégico.

Colaboraram para a produção deste estudo:


Marcelo Baumbach, Carlos Roberto Pio, Pablo
Cardoso e Carlos Góes.

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Presidência da República
Secretaria-Geral da Presidência
Secretaria Especial de Assuntos Estratégicos

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