Você está na página 1de 154

Supremo Tribunal Federal

Ementa e Acórdão

Inteiro Teor do Acórdão - Página 1 de 154

27/08/2015 PLENÁRIO

HABEAS CORPUS 127.483 PARANÁ

RELATOR : MIN. DIAS TOFFOLI


PACTE.(S) : ERTON MEDEIROS FONSECA
IMPTE.(S) : JOSÉ LUIZ OLIVEIRA LIMA E OUTRO(A/S)
COATOR(A/S)(ES) : RELATOR DA PET 5244 DO SUPREMO TRIBUNAL
FEDERAL

EMENTA

Habeas corpus. Impetração contra ato de Ministro do Supremo


Tribunal Federal. Conhecimento. Empate na votação. Prevalência da
decisão mais favorável ao paciente (art. 146, parágrafo único, do
Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal). Inteligência do art.
102, I, i, da Constituição Federal. Mérito. Acordo de colaboração
premiada. Homologação judicial (art. 4º, § 7º, da Lei nº 12.850/13).
Competência do relator (art. 21, I e II, do Regimento Interno do
Supremo Tribunal Federal). Decisão que, no exercício de atividade de
delibação, se limita a aferir a regularidade, a voluntariedade e a
legalidade do acordo. Ausência de emissão de qualquer juízo de valor
sobre as declarações do colaborador. Negócio jurídico processual
personalíssimo. Impugnação por coautores ou partícipes do
colaborador. Inadmissibilidade. Possibilidade de, em juízo, os
partícipes ou os coautores confrontarem as declarações do colaborador e
de impugnarem, a qualquer tempo, medidas restritivas de direitos
fundamentais adotadas em seu desfavor. Personalidade do colaborador.
Pretendida valoração como requisito de validade do acordo de
colaboração. Descabimento. Vetor a ser considerado no estabelecimento
das cláusulas do acordo de colaboração - notadamente na escolha da
sanção premial a que fará jus o colaborador -, bem como no momento
da aplicação dessa sanção pelo juiz na sentença (art. 4º, § 11, da Lei nº
12.850/13). Descumprimento de anterior acordo de colaboração.
Irrelevância. Inadimplemento que se restringiu ao negócio jurídico
pretérito, sem o condão de contaminar, a priori, futuros acordos de

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9346031.
Supremo Tribunal Federal
Ementa e Acórdão

Inteiro Teor do Acórdão - Página 2 de 154

HC 127483 / PR

mesma natureza. Confisco. Disposição, no acordo de colaboração, sobre


os efeitos extrapenais de natureza patrimonial da condenação.
Admissibilidade. Interpretação do art. 26.1 da Convenção das Nações
Unidas contra o Crime Organizado Transnacional (Convenção de
Palermo), e do art. 37.2 da Convenção das Nações Unidas Contra a
Corrupção (Convenção de Mérida). Sanção premial. Direito subjetivo
do colaborador caso sua colaboração seja efetiva e produza os
resultados almejados. Incidência dos princípios da segurança jurídica e
da proteção da confiança. Precedente. Habeas corpus do qual se
conhece. Ordem denegada.
1. Diante do empate na votação quanto ao conhecimento de habeas
corpus impetrado para o Pleno contra ato de Ministro, prevalece a
decisão mais favorável ao paciente, nos termos do art. 146, parágrafo
único, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.
Conhecimento do habeas corpus, nos termos do art. 102, I, “i”, da
Constituição Federal.
2. Nos termos do art. 21, I e II, do Regimento Interno do Supremo
Tribunal Federal, o relator tem poderes instrutórios para ordenar,
monocraticamente, a realização de quaisquer meios de obtenção de prova
(v.g., busca e apreensão, interceptação telefônica, afastamento de sigilo
bancário e fiscal).
3. Considerando-se que o acordo de colaboração premiada constitui
meio de obtenção de prova (art. 3º da Lei nº 12.850/13), é indubitável que
o relator tem poderes para, monocraticamente, homologá-lo (art. 4º, § 7º,
da Lei nº 12.850/13).
4. A colaboração premiada é um negócio jurídico processual, uma
vez que, além de ser qualificada expressamente pela lei como “meio de
obtenção de prova”, seu objeto é a cooperação do imputado para a
investigação e para o processo criminal, atividade de natureza processual,
ainda que se agregue a esse negócio jurídico o efeito substancial (de
direito material) concernente à sanção premial a ser atribuída a essa
colaboração.
5. A homologação judicial do acordo de colaboração, por consistir

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9346031.
Supremo Tribunal Federal
Ementa e Acórdão

Inteiro Teor do Acórdão - Página 3 de 154

HC 127483 / PR

em exercício de atividade de delibação, limita-se a aferir a regularidade, a


voluntariedade e a legalidade do acordo, não havendo qualquer juízo de
valor a respeito das declarações do colaborador.
6. Por se tratar de negócio jurídico personalíssimo, o acordo de
colaboração premiada não pode ser impugnado por coautores ou
partícipes do colaborador na organização criminosa e nas infrações
penais por ela praticadas, ainda que venham a ser expressamente
nominados no respectivo instrumento no “relato da colaboração e seus
possíveis resultados” (art. 6º, I, da Lei nº 12.850/13).
7. De todo modo, nos procedimentos em que figurarem como
imputados, os coautores ou partícipes delatados - no exercício do
contraditório - poderão confrontar, em juízo, as declarações do
colaborador e as provas por ele indicadas, bem como impugnar, a
qualquer tempo, as medidas restritivas de direitos fundamentais
eventualmente adotadas em seu desfavor.
8. A personalidade do colaborador não constitui requisito de
validade do acordo de colaboração, mas sim vetor a ser considerado no
estabelecimento de suas cláusulas, notadamente na escolha da sanção
premial a que fará jus o colaborador, bem como no momento da aplicação
dessa sanção pelo juiz na sentença (art. 4º, § 11, da Lei nº 12.850/13).
9. A confiança no agente colaborador não constitui elemento de
existência ou requisito de validade do acordo de colaboração.
10. Havendo previsão em Convenções firmadas pelo Brasil para que
sejam adotadas “as medidas adequadas para encorajar” formas de
colaboração premiada (art. 26.1 da Convenção de Palermo) e para
“mitigação da pena” (art. 37.2 da Convenção de Mérida), no sentido de
abrandamento das consequências do crime, o acordo de colaboração, ao
estabelecer as sanções premiais a que fará jus o colaborador, pode dispor
sobre questões de caráter patrimonial, como o destino de bens adquiridos
com o produto da infração pelo agente colaborador.
11. Os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança
tornam indeclinável o dever estatal de honrar o compromisso assumido
no acordo de colaboração, concedendo a sanção premial estipulada,

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9346031.
Supremo Tribunal Federal
Ementa e Acórdão

Inteiro Teor do Acórdão - Página 4 de 154

HC 127483 / PR

legítima contraprestação ao adimplemento da obrigação por parte do


colaborador.
12. Habeas corpus do qual se conhece. Ordem denegada.
ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do


Supremo Tribunal Federal, em sessão plenária, sob a presidência do
Senhor Ministro Ricardo Lewandowski, na conformidade da ata do
julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos e nos
termos do voto do Relator, em denegar a ordem.

Brasília, 27 de agosto de 2015.

MINISTRO DIAS TOFFOLI


Relator

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9346031.
Supremo Tribunal Federal
Relatório

Inteiro Teor do Acórdão - Página 5 de 154

26/08/2015 PLENÁRIO

HABEAS CORPUS 127.483 PARANÁ

RELATOR : MIN. DIAS TOFFOLI


PACTE.(S) : ERTON MEDEIROS FONSECA
IMPTE.(S) : JOSÉ LUIZ OLIVEIRA LIMA E OUTRO(A/S)
COATOR(A/S)(ES) : RELATOR DA PET 5244 DO SUPREMO TRIBUNAL
FEDERAL

RELATÓRIO

O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI (RELATOR):


Habeas corpus impetrado por José Luiz Oliveira Lima e outros em
favor de Erton Medeiros Fonseca contra ato do Ministro Teori Zavascki,
Relator da Pet nº 5.244/DF, que homologou o termo de colaboração
premiada de Alberto Youssef.
Sustentam os impetrantes que deve ser admitido o habeas corpus
contra ato com que o Ministro Relator teria homologado termo de
colaboração premiada ilegal, ao fundamento de que, por violar a Lei nº
12.850/13, esse produzirá prova ilícita, uma vez que “(...) a obtenção de
provas sem a observância das garantias previstas na ordem constitucional
ou em contrariedade ao disposto em normas de procedimento
configurará afronta ao princípio do processo legal” (grifos do autor).
Em abono à tese do cabimento do writ, argumentam que

“[a] situação é especial porque, por meio de uma decisão


monocrática, o Exmo. Ministro responsável pela homologação
do acordo poderá, como no caso que se pretende submeter a
essa Corte, ensejar a produção de provas ilícitas. O Paciente,
embora atingido pelos efeitos do acordo de delação ilegal, não é
parte no termo de colaboração e, portanto, não pode manejar
recurso, como, por exemplo, o agravo regimental”.

Ao ver dos impetrantes,

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9346029.
Supremo Tribunal Federal
Relatório

Inteiro Teor do Acórdão - Página 6 de 154

HC 127483 / PR

“(...) o habeas corpus contra ato de Ministro responsável


pela homologação do acordo de colaboração premiada não fere
a organicidade dessa Corte, muito pelo contrário, restabelece o
rumo natural em um órgão colegiado: as decisões isoladas do
Relator devem passar necessariamente pelo crivo do Plenário.
(…)
Nessas circunstâncias, impedir que o Paciente possua o
direito ao habeas corpus é atentar diretamente contra o art. 102,
I, ‘d’, da Constituição Federal e, mais amplamente, significa
tolhê-lo de manejar o habeas corpus em seu favor para
questionar a decisão que homologou a produção da prova por
meio da colaboração premiada”.

Nesse sentido, pugnam pela não aplicação da Súmula nº 606 desta


Corte ao caso vertente.
Quanto ao mérito do habeas corpus, relatam os impetrantes que o
paciente, preso preventivamente desde 14/11/14, foi denunciado pelo
Ministério Público Federal pelos crimes de organização criminosa,
corrupção ativa, corrupção passiva, lavagem de dinheiro e uso de
documento falso, com base nas declarações do colaborador Alberto
Youssef, razão por que

“(...) sem necessidade de qualquer exame aprofundado da


prova, resta[ria] evidente que o Paciente encontra-se legitimado
para questionar a legalidade da decisão que homologou o
acordo de delação premiada, uma vez que a colaboração
prestada por Alberto Youssef já [seria] usada em seu desfavor
desde a decretação de sua prisão preventiva”.

Prosseguem os impetrantes afirmando que,

“[a]o se homologar um acordo de colaboração premiada, a


autoridade judicial não deve aferir apenas os seus elementos
objetivos e subjetivos, mas as suas características próprias, ou

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9346029.
Supremo Tribunal Federal
Relatório

Inteiro Teor do Acórdão - Página 7 de 154

HC 127483 / PR

seja, aquelas ontológicas, intrínsecas à sua própria natureza.


E dentre os critérios ontológicos da delação está,
justamente, a confiança.
(…) Ou seja, a condição fundamental para um delator é a
confiança, de tal sorte que, não apenas ele deve confiar no
agente estatal, mas ele próprio deverá se fazer confiar, ser
digno de confiança. Essa é a condição básica, elemento a priori,
de qualquer formalização de contrato de delação (...)”.
(…)
Portanto, se é defeso ao agente estatal, no âmbito de sua
discricionariedade juridicamente vinculada, transigir com
alguém indigno de confiança, por óbvio, não seria admissível
que o Estado-acusador transigisse de tal forma na seara do
direito penal!
Tal circunstância se torna ainda mais patente ao se ter em
vista que a discricionariedade do ato firmado no acordo de
delação afasta direitos e garantias individuais
constitucionalmente previstos, de forma que nem mesmo o
livre convencimento motivado judicial poderia justificar a
ausência de fidúcia no delator.
Excelências, no caso que se traz ao vosso conhecimento, o
próprio Estado-acusador havia reconhecido (repise-se, apenas 7
dias antes do novo acordo) que o delator seria um criminoso
profissional há no mínimo 20 anos, que já desrespeitou um acordo
anterior. Portanto, de que forma seria ele digno de confiança
estatal e, portanto, dotado de pressuposto inerente à condição
de delator?
Não se trata, apenas, de ausência de requisito subjetivo
para a delação, conforme será explorado mais adiante, mas de
completa ausência de pressuposto ontológico e axiológico da
condição de delator.
(…)
No caso que deu ensejo a esta impetração, a situação
apresentada se mostra ainda mais grave, pois a personalidade do
colaborador fora descrita como voltada para a prática criminosa,
apenas alguns dias antes da formalização do acordo de delação.

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9346029.
Supremo Tribunal Federal
Relatório

Inteiro Teor do Acórdão - Página 8 de 154

HC 127483 / PR

Relembrando, em uma denúncia oferecida em 22.4.14, o


Ministério Público Federal afirma que Alberto Youssef ‘trabalha,
no mínimo, há vinte anos no mercado de câmbio paralelo, como
doleiro’, tendo já desobedecido aos termos de um primeiro
acordo de delação premiada. A discricionariedade vinculada de
qualquer agente estatal está adstrita aos termos da Lei e aos
princípios norteadores da moralidade e boa-fé”.

Além do elemento ontológico da confiança, asseveram os


impetrantes que, nos termos do art. 4º da Lei nº 12.850/13, a
personalidade do colaborador deve ser verificada no momento da
concessão do benefício, de modo que, diante do descumprimento de
anterior acordo de colaboração, esse pressuposto de validade não teria
sido observado, o que conduziria à ilegalidade da decisão homologadora
do novo acordo de colaboração em questão.
Sustentam ainda que a ilegalidade do acordo de colaboração
também deriva da existência de cláusulas patrimoniais ilícitas prevendo a
liberação de imóveis de vultoso valor à ex-mulher e às filhas do
colaborador, que teriam sido adquiridos com os proventos da infração e
ocultados por meio de lavagem de dinheiro. Para os impetrantes,

“[o] acordo de colaboração premiada não pode ser


elaborado de forma discricionária, pelo contrário, deve seguir
os termos dispostos na legislação pátria, que não prevê, em
nenhuma hipótese, a concessão de benefícios patrimoniais.
O art. 4º da Lei nº 12.850/13 estabelece o alcance dos
benefícios, preceituando que o Juiz poderá "conceder o perdão
judicial, reduzir em até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade
ou substituí-la por restritiva de direito”. Logo, não há previsão de
isenção ou mitigação da responsabilidade civil de reparar os
danos (…)
(…)
Além de não existir dispositivo legal para legitimar as
doações feitas no acordo de colaboração, há, em nosso
ordenamento jurídico, norma que proíbe expressamente

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9346029.
Supremo Tribunal Federal
Relatório

Inteiro Teor do Acórdão - Página 9 de 154

HC 127483 / PR

qualquer espécie de flexibilização das regras internas de


confisco de bens adquiridos por meio de crimes de lavagem de
capitais e corrupção.
Trata-se da Convenção de Mérida (Decreto. nº 5.687/2006),
que disciplina o tratamento aos crimes de lavagem de capitais e
corrupção. Ao abordar o embargo preventivo, apreensão e
confisco de bens, seu art. 31 estabelece que ‘cada Estado Parte
adotará, no maior grau permitido em seu ordenamento jurídico
interno, as medidas que sejam necessárias para autorizar o confisco
(...) do produto de delito qualificado de acordo com a presente
Convenção ou de bens cujo valor corresponda ao de tal produto'.
Assim, incorporada ao direito positivo brasileiro pelo
Decreto nº 5.687/2006, a Convenção de Mérida impõe que o
Brasil adote medidas de confisco de bens adquiridos com
proveitos de crimes de corrupção e lavagem de capitais ‘no
maior grau permitido em seu ordenamento jurídico interno’. Ou seja,
nenhuma lei permite a liberação de bens em favor do
Colaborador, e, como se não bastasse, há também um
mandamento legal expresso para que as medidas jurídicas de
confisco existentes sejam adotadas no maior grau permitido. É
absolutamente ilegal, portanto, que o acordo de colaboração
premiada resolva relativizar o tema e doar bens ao
Colaborador.
Vale ainda observar que o acordo de colaboração
premiada esta ilegalmente dispondo de bens que dizem
respeito a reparação do dano sofrido pela suposta vítima, no
caso, a Petrobras”.
(…)
Ademais, a Lei nº 9.615/98, que dispõe sobre o crime de
lavagem de dinheiro, igualmente prevê a imposição de ‘medidas
assecuratórias sobre bens, direitos ou valores para reparação do
dano decorrente da infração penal antecedente’ (art. 4º, § 4º,
grifamos). Referida legislação também estabelece preferência
ao ressarcimento do lesado, estipulando a perda ‘de todos os
bens, direitos e valores relacionados, direta ou indiretamente, à
prática dos crimes previstos nesta Lei, inclusive aqueles utilizados

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9346029.
Supremo Tribunal Federal
Relatório

Inteiro Teor do Acórdão - Página 10 de 154

HC 127483 / PR

para prestar a fiança, ressalvado o direito do lesado ou de


terceiro de boa-fé’ (art. 7º, I, grifamos).
A Convenção de Mérida (Decreto nº 5.687/2006)
igualmente determina o confisco de bens adquiridos com
valores ilícitos e sua ‘restituição a seus legítimos proprietários
anteriores’. A Convenção de Palermo (Decreto nº 5.015/2004)
estabelece a adoção de uma série de medidas para permitir o
confisco do produto das infrações, ressalvando que ‘não
deverão, em circunstância alguma ser interpretadas de modo a
afetar os afetar os direitos de terceiros de boa fe’.
No caso concreto, o acordo de colaboração ‘liberou’, em
favor de pessoas próximas ao Colaborador os bens adquiridos
com os resultados dos crimes praticados contra a Petrobras,
afrontando os direitos preferenciais de reparação do dano ao
lesado, impostos pelo Código de Processo Penal, Lei de
Lavagem de Dinheiro, Convenção de Mérida e Convenção de
Palermo.
Diante do exposto, o acordo de colaboração premiada, ao
liberar, em favor de pessoas ligadas ao Colaborador, bens
adquiridos com os valores provenientes das infrações,
estabeleceu benefício não previsto em lei e ofendeu o art. 31 do
Decreto nº 5.687/2006 (Convenção de Mérida), que impõe a
aplicação das medidas de confisco no maior grau permitido,
proibindo qualquer flexibilização das normas vigentes.
Da mesma forma, ao liberar bens que, em tese, poderiam
ser objeto de reparação do dano civil por parte da Petrobras, o
acordo violou a preferência legal do ofendido na recuperação
de ativos, prevista no art. 125 do Código de Processo Penal; art.
7º, inciso I, da Lei nº 9.615/98; art. 57 do Decreto nº 5.687/2006
(Convenção de Mérida) e art. 12 do Decreto nº 5.015/2004
(Convenção de Palermo).
Em conclusão, as ilegais cláusulas patrimoniais inseridas
no acordo de colaboração premiada, homologadas por decisão
judicial, ofendem inúmeras normas jurídicas e desrespeitam o
princípio constitucional do devido processo legal.”

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9346029.
Supremo Tribunal Federal
Relatório

Inteiro Teor do Acórdão - Página 11 de 154

HC 127483 / PR

Ante o exposto, requerem os impetrantes “o reconhecimento da


ilegalidade do despacho que homologou o acordo de colaboração
premiada, determinando-se a nulidade de toda prova a partir dele
produzida”.
Em 7/4/15, com fundamento no art. 21, § 1º, do Regimento Interno do
Supremo Tribunal Federal, neguei seguimento ao presente habeas
corpus, ao fundamento de que a jurisprudência da Corte, com a ressalva
de meu entendimento pessoal, não tem admitido o habeas corpus
originário para o Pleno contra ato de seus ministros ou de outro órgão
fracionário.
Contra essa decisão foi interposto tempestivo agravo regimental,
pugnando-se por sua reforma.
O Procurador-Geral da República Dr. Rodrigo Janot Monteiro de
Barros opinou pelo não provimento do recurso, aduzindo que a
jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Federal não admite habeas
corpus ao Plenário contra ato de Ministro Relator. Sustenta, ainda, a
higidez do acordo de colaboração premiada ora hostilizado.
O eminente Ministro Teori Zavascki, Relator da Pet. nº 5.244/DF e
indicado como autoridade coatora, prestou as informações solicitadas.
Em 17/8/15, reconsiderei a decisão de negativa de seguimento ao
habeas corpus e determinei seu regular processamento, a fim de ser
submetido ao Plenário, facultando-se aos impetrantes sustentarem
oralmente suas razões.
É o relatório.

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9346029.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. DIAS TOFFOLI

Inteiro Teor do Acórdão - Página 12 de 154

26/08/2015 PLENÁRIO

HABEAS CORPUS 127.483 PARANÁ

VOTO

O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI (RELATOR):


Conforme já relatado, trata-se de habeas corpus impetrado por José
Luiz Oliveira Lima e outros em favor de Erton Medeiros Fonseca contra
ato do Ministro Teori Zavascki, Relator da Pet nº 5.244/DF, o qual
homologou o termo de colaboração premiada de Alberto Youssef, in
verbis:

“DECISÃO: 1. Trata-se de requerimento, formulado pelo


Procurador-Geral da República, de homologação do ‘Termo de
Colaboração Premiada’ de fls. 3-19. firmado entre o Ministério
Público Federal - MPF e, como colaborador, Alberto Youssef,
conforme prevê o § 7º do art. 4º da Lei n. 12.850/2013. Informa o
requerente que. a partir de procedimentos investigatórios no
âmbito do Inquérito Policial n. 714/2009, foi possível identificar
um conjunto de pessoas físicas e jurídicas envolvidas em
operações ilícitas, entre as quais as ‘utilizadas inclusive para
lavar dinheiro oriundo de crimes antecedentes praticados em
detrimento da PETROBRAS’. A primeira fase da investigação
propiciou a deflagração da denominada ‘Operação Lava Jato’,
em março de 2014, ‘com a finalidade de apurar a atuação de
organizações criminosas responsáveis pela operação de
estruturas paralelas ao mercado de câmbio e lavagem de
dinheiro, abrangendo um grupo doleiros com âmbito de
atuação nacional e transnacional’. Encontram-se atualmente em
curso, segundo a petição, mais de duzentos e cinquenta
procedimentos investigatórios. no âmbito dos quais foram
expedidos mandados de busca e apreensão, de condução
coercitivas e prisão, além da decretação do afastamento do
sigilo bancário de diversas pessoas físicas e jurídicas. Foram
propostas, a partir dessas investigações, doze ações penais.

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9346028.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. DIAS TOFFOLI

Inteiro Teor do Acórdão - Página 13 de 154

HC 127483 / PR

Entre os investigados e acusados, um deles é Alberto Youssef,


que, estando preso. concordou em firmar o termo de
colaboração ora submetido à homologação judicial,
justificando-se a competência originária do Supremo Tribunal
Federal para promover a decisão a respeito em face da especial
circunstância de que. entre as pessoas indicadas como
envolvidas nos delitos objeto da colaboração, figuram
autoridades com prerrogativa de foro perante a Suprema Corte.
Para o fim da verificação determinada pelo art. 4º, § 7º da
Lei 12.850/2013. deleguei ao Juiz Márcio Schiefler Fontes,
magistrado instrutor convocado para atuar neste Gabinete (art.
3º, III, da Lei 8.038/1990), a oitiva prevista naquele dispositivo, a
teor do art. 21-A, § 1º, I, do RISTF. Realizada a audiência
determinada, nas dependências do Hospital Santa Cruz,
Subseção Judiciária de Curitiba/PR, juntou-se o respectivo
termo e mídia digital (fls. 110-114, em que consta a gravação
audiovisual da oitiva do colaborador na presença de seu
defensor.
2. Dos documentos juntados com o pedido é possível
constatar que, efetivamente, há elementos indicativos, a partir
dos termos do depoimento, de possível envolvimento de várias
autoridades detentoras de prerrogativa de foro perante
tribunais superiores, inclusive de parlamentares federais, o que
atrai a competência do Supremo Tribunal Federal, a teor do art.
102,I, b, da Constituição.
3. Afirmada a competência, examino o pedido de
homologação. A constitucionalidade da colaboração premiada,
instituída no Brasil por norma infraconstitucional na linha das
Convenções de Palermo (art. 26) e Mérida (art. 37), ambas já
submetidas a procedimento de internalização (Decretos
5.015/2004 e 5.687/2006. respectivamente), encontra-se
reconhecida por esta Corte (HC 90688, Relator(a): Min.
RICARDO LEWANDOWSKI. Primeira Turma, julgado em
12/02/2008, DJe-074 DIVULG 24-04-2008 PUBLIC 25-04-2008
EMENT VOL-02316-04 PP-00756 RTJ VOL-00205-01 PP-00263
LEXSTF v. 30. n. 358. 2003. p. 389-414) desde antes da entrada

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9346028.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. DIAS TOFFOLI

Inteiro Teor do Acórdão - Página 14 de 154

HC 127483 / PR

em vigor da Lei 12.850/2013, que exige como condição de


validade do acordo de colaboração a sua homologação judicial
que é deferida quando atendidos os requisitos de regularidade,
legalidade e voluntariedade.
A voluntariedade do acordo foi reafirmada pelo
colaborador no depoimento já mencionado, prestado
judicialmente na presença e com anuência de seu advogado,
conforme demonstra a mídia juntada aos autos. A regularidade
da documentação apresentada pelo Ministério Público se soma
à legitimidade do procedimento adotado, com especial
observância da Lei 12.850/2013. Quanto ao conteúdo das
cláusulas acordadas, é certo que não cabe ao Judiciário outro
juízo que não o da sua compatibilidade com o sistema
normativo. Sob esse aspecto, os termos acordados guardam
harmonia, de um modo geral, com a Constituição e as leis, com
exceção do compromisso assumido pelo colaborador, constante
da Cláusula 10, k, exclusivamente no que possa ser interpretado
como renúncia, de sua parte, ao pleno exercício, no futuro, do
direito fundamental de acesso à Justiça, assegurado pelo art. 5º,
XXXV, da Constituição.
É dizer: não há, na ressalva, nada que possa franquear ao
colaborador descumprimento do acordado sem sujeitar-se à
perda dos benefícios nele previstos. O contrário, porem, não
será verdadeiro: as cláusulas do acordo não podem servir como
renúncia, prévia e definitiva, ao pleno exercício de direitos
fundamentais.
4. Ante o exposto, HOMOLOGO o ‘Termo de Colaboração
Premiada’, de fls. 3-19, com a ressalva acima indicada, a fim de
que produza seus jurídicos e legais efeitos perante qualquer
juízo ou tribunal nacional, nos termos da Lei 12.850/2013.
'Remeta-se, desde logo, ao juízo da 13ª Vara Federal da
Subseção Judiciária de Curitiba/PR e, oportunamente, ao
Superior Tribunal de Justiça, cópia da presente decisão,
juntamente com cópia do termo de colaboração premiada,
apondo-se em cada folha a identificação correspondente, a fim
de que seja dado o devido cumprimento, no âmbito de atuação

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9346028.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. DIAS TOFFOLI

Inteiro Teor do Acórdão - Página 15 de 154

HC 127483 / PR

autuação desses órgãos judiciários, devendo ser por eles


observados, no que couber, o regime de sigilo imposto pelo art.
7º da referida Lei 12.850/2013.
Os demais pedidos, formulados em petição própria (v.g.,
cisão dos expedientes e instauração de procedimentos
autônomos), serão examinados em decisão apartada.”

Essa é a razão por que se insurgem os impetrantes.

I) DA ADMISSIBILIDADE DA IMPETRAÇÃO DE HABEAS


CORPUS PARA O TRIBUNAL PLENO CONTRA ATO DE MINISTRO
RELATOR DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.

Preliminarmente, registro que, nos termos do art. 21, I e II, do


Regimento Interno do Supremo Tribunal, o relator tem poderes
instrutórios para ordenar a realização de quaisquer meios de obtenção de
prova (v.g., busca e apreensão, interceptação telefônica, afastamento de
sigilo bancário e fiscal).
Considerando-se que o acordo de colaboração premiada também é
um meio de obtenção de prova (art. 3º da Lei nº 12.850/13), é indubitável
que o Relator tem poderes para, monocraticamente, homologá-lo, nos
termos do art. 4º, § 7º, da Lei nº 12.850/13.
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, majoritariamente,
não vem admitindo o habeas corpus originário para o Pleno contra ato de
seus ministros ou de outro órgão fracionário da Corte. Vide:

“HABEAS CORPUS. DECISÃO DE MINISTRO


RELATOR DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. NÃO
CABIMENTO. SÚMULA 606. DECISÃO IMPUGNÁVEL POR
MEIO DE AGRAVO INTERNO, E NÃO ATRAVÉS DE OUTRA
IMPETRAÇÃO. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. 1.
Esta Corte firmou a orientação do não cabimento de habeas
corpus contra ato de Ministro Relator ou contra decisão
colegiada de Turma ou do Plenário do próprio Tribunal,
independentemente de tal decisão haver sido proferida em sede

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9346028.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. DIAS TOFFOLI

Inteiro Teor do Acórdão - Página 16 de 154

HC 127483 / PR

de habeas corpus ou proferida em sede de recursos em geral


(Súmula 606). 2. É legítima a decisão monocrática de Relator
que nega seguimento a habeas corpus manifestamente
inadmissível, por expressa permissão do art. 38 da Lei
8.038/1990 e do art. 21, § 1º, do RISTF. O caminho natural e
adequado para, nesses casos, provocar a manifestação do
colegiado é o agravo interno (art. 39 da Lei 8.038/1990 e art. 317
do RISTF), e não outro habeas corpus. 3. Habeas corpus não
conhecido (HC nº 97.009/RJ, Tribunal Pleno, Relator para
acórdão o Ministro Teori Zavascki, DJe de 4/4/14);

“HABEAS CORPUS. Ação de competência originária.


Impetração contra ato de Ministro Relator do Supremo Tribunal
Federal. Decisão de órgão fracionário da Corte. Não
conhecimento. HC não conhecido. Aplicação analógica da
súmula 606. Precedentes. Voto vencido. Não cabe pedido de
habeas corpus originário para o tribunal pleno, contra ato de
ministro ou outro órgão fracionário da Corte” (HC nº 86.548/SP,
Tribunal Pleno, Relator o Ministro Cezar Peluso, DJe de
19/12/08).

Sempre ressalvei, contudo, meu entendimento pessoal, em sentido


contrário, pelo cabimento do writ nessas hipóteses, com fundamento no
art. 102, I, i, da Constituição Federal, segundo o qual compete ao
Supremo Tribunal

“processar e julgar habeas corpus, quando o coator for


Tribunal Superior ou quando o coator ou o paciente for
autoridade ou funcionário cujos atos estejam sujeitos
diretamente à jurisdição do Supremo Tribunal Federal”.

Em acréscimo, saliento que, na espécie, o paciente não figura como


parte na Pet nº 5.244/DF, razão por que não poderia interpor agravo
regimental contra a decisão do Ministro Relator que homologou o acordo
de colaboração premiada, o que justifica, ainda mais, o cabimento da

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9346028.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. DIAS TOFFOLI

Inteiro Teor do Acórdão - Página 17 de 154

HC 127483 / PR

impetração originária do habeas corpus para o Plenário contra o ato em


questão.
Admito, portanto, a impetração e passo a analisar seu mérito.
Sem a pretensão de esgotar a matéria, reputo pertinentes algumas
reflexões a respeito do instituto da colaboração premiada, denominação
que, por ter sido expressamente adotada pela Lei nº 12.850/13, mostra-se
mais adequada que delação premiada.
Esse instituto deita suas raízes no período colonial, mais
precisamente em dois dispositivos do Livro V das Ordenações Filipinas,
que entraram em vigor no Brasil em 1603 e somente foram revogadas
mais de duzentos anos depois, em 1830, pelo Código Criminal do
Império.
No Título VI, item 12, do citado Livro V, previa-se o perdão ao
partícipe e delator do crime de lesa majestade (“e quanto ao que fizer
conselho e confederação contra o Rey, se logo sem algum spaço, e antes
que per outrem seja descoberto, elle o descobrir, merece perdão”), assim
como uma recompensa (“mercê”) ao delator, “segundo o caso merecer”,
desde que não fosse o principal organizador da empreitada criminosa
(“se elle não foi o principal tratador desse conselho e confederação”).
Esse benefício, todavia, não tinha incidência se outrem delatasse o
crime (“sendo já per outrem descoberto”) ou se já houvesse investigação a
seu respeito (“posto em ordem para se descobrir”), pois, nessas hipóteses,
o rei já teria conhecimento do fato ou estaria em condições de o saber.
O segundo dispositivo constava do Título CXVI (“como se perdoará
aos malfeitores [...] que derem outros à prisão”).
Relativamente aos crimes de falsificação de moeda, sinal ou selo;
incêndio; homicídio; furto; falso testemunho; “quebrantar prisões e
cadêas de fôra per força”; “forçar mulher”;”entrar em Mosteiro de Freiras
com proposito deshonesto”; “em fazer falsidade em seu Officio, sendo
Tabellião, ou Scrivão”, previa-se, por exemplo, que

“[q]ualquer pessoa, que der à prisão cada hum dos


culpados, e participantes (...); tanto que assi der à prisão os
ditos malfeitores, ou cada hum delles, e lhes provar, ou forem

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9346028.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. DIAS TOFFOLI

Inteiro Teor do Acórdão - Página 18 de 154

HC 127483 / PR

provados cada hum dos ditos delictos, se esse, que o assi deu á
prisão, participante em cada hum dos ditos maleficios, em que
he culpado aquelle, que he preso, havemos por bem que, sendo
igual na culpa, seja perdoado livremente, postoque não tenha
perdão da parte”.

Esse mesmo dispositivo previa ainda, além do perdão ao delator,


uma recompensa pecuniária, ao estabelecer que,

“sendo o malfeitor, que assi foi dado à prisão, salteador de


caminhos, que aquelle, que o descobrir, e der á prisão, e lho
provar, haja de Nós trinta cruzados de mercê”.

Feito esse registro histórico, passo à análise da colaboração premiada


como meio de obtenção de prova.

II) DA COLABORAÇÃO PREMIADA COMO MEIO DE


OBTENÇÃO DE PROVA.

A colaboração premiada, por expressa determinação legal (art. 3º, I


da Lei nº 12.850/13), é um meio de obtenção de prova, assim como o são a
captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos, a
interceptação de comunicações telefônicas e telemáticas ou o afastamento
dos sigilos financeiro, bancário e fiscal (incisos IV a VI do referido
dispositivo legal).
Cumpre, aqui, extremar, de um lado, meios de prova e, de outro,
meios de pesquisa, investigação ou obtenção de prova.
Mario Chiavario, com base na tipologia adotada pelo Código de
Processo Penal italiano, distingue meios de prova (mezzi di prova) dos
meios de pesquisa de prova (mezzi di ricerca della prova): os primeiros
definem-se oficialmente como os meios por si sós idôneos a oferecer ao
juiz resultantes probatórias diretamente utilizáveis em suas decisões; os
segundos, ao revés, não constituem, per se, fonte de convencimento
judicial, destinando-se à “aquisição de entes (coisas materiais, traços [no

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9346028.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. DIAS TOFFOLI

Inteiro Teor do Acórdão - Página 19 de 154

HC 127483 / PR

sentido de vestígios ou indícios] ou declarações) dotados de capacidade


probatória”, os quais, por intermédio daqueles, podem ser inseridos no
processo (Diritto processuale penale – profilo istituzionale. 5. ed.
Torino: Utet Giuridica, 2012. p. 353).
Para Antônio Magalhães Gomes Filho.

“[o]s meios de prova referem-se a uma atividade


endoprocessual que se desenvolve perante o juiz, com o
conhecimento e participação das partes, visando a introdução e
fixação de dados probatórios no processo. Os meios de pesquisa ou
investigação dizem respeito a certos procedimentos (em geral,
extraprocessuais) regulados pela lei, com o objetivo de conseguir
provas materiais, e que podem ser realizados por outros
funcionários (policiais, por exemplo).
Com base nisso, o Código de Processo Penal italiano de
1988 disciplinou, em títulos diferentes, os mezzi di prova
(testemunhos, perícias, documentos), que se caracterizam por
oferecer ao juiz resultados probatórios diretamente utilizáveis
na decisão, e os mezzi di ricerca della prova (inspeções, buscas e
apreensões, interceptações de conversas telefônicas etc.), que
não são por si fontes de conhecimento, mas servem para
adquirir coisas materiais, traços ou declarações dotadas de força
probatória, e que também podem ter como destinatários a
polícia judiciária ou o Ministério Público” (Notas sobre a
terminologia da prova - reflexos no processo penal brasileiro.
In: Estudos em homenagem à professora Ada Pellegrini
Grinover. Org.: Flávio Luiz Yarshell e Maurício Zanoide de
Moraes. São Paulo, DSJ Ed., 2005, p. 303-318).

No mesmo sentido, aduz Gustavo Badaró que,

“enquanto os meios de prova são aptos a servir,


diretamente, ao convencimento do juiz sobre a veracidade ou
não de uma afirmação fática (p. ex., o depoimento de uma
testemunha, ou o teor de uma escritura pública), os meios de
obtenção de provas (p. ex.: uma busca e apreensão) são

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9346028.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. DIAS TOFFOLI

Inteiro Teor do Acórdão - Página 20 de 154

HC 127483 / PR

instrumento para a colheita de elementos ou fontes de provas,


estes sim, aptos a convencer o julgador (p. ex.: um extrato
bancário [documento] encontrado em uma busca e apreensão
domiciliar). Ou seja, enquanto o meio de prova se presta ao
convencimento direto do julgador, os meios de obtenção de
provas somente indiretamente, e dependendo do resultado de
sua realização, poderão servir à reconstrução da história dos
fatos” (Processo Penal. Rio de Janeiro. Campus: Elsevier. 2012,
p. 270).

Há que se distinguir, ainda, “elemento de prova” de “resultado da


prova”.
Antônio Magalhães Gomes Filho, após assentar a natureza
polissêmica do vocábulo “prova”, aduz que,

“na terminologia do processo, a palavra prova serve


também para indicar cada um dos dados objetivos que
confirmam ou negam uma asserção a respeito de um fato que
interessa à decisão da causa. É o que se denomina elemento de
prova (evidence, em inglês). Constituem elementos de prova, por
exemplo, a declaração de uma testemunha sobre determinado
fato, a opinião de um perito sobre a matéria de sua
especialidade, o conteúdo de um documento etc.
(…)
Sob outro aspecto, a palavra prova pode significar a
própria conclusão que se extrai dos diversos elementos de
prova existentes, a propósito de um determinado fato: é o
resultado da prova (proof, em inglês), que é obtido não apenas
pela soma daqueles elementos, mas sobretudo por meio de um
procedimento intelectual feito pelo juiz, que permite estabelecer
se a afirmação ou negação do fato é verdadeira ou não” (Notas
sobre a terminologia da prova (reflexos no processo penal
brasileiro. In: Estudos em homenagem à professora Ada
Pellegrini Grinover. Org.: Flávio Luiz Yarshell e Maurício
Zanoide de Moraes. São Paulo, DSJ Ed., 2005, p. 303-318).

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9346028.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. DIAS TOFFOLI

Inteiro Teor do Acórdão - Página 21 de 154

HC 127483 / PR

Como se observa, a colaboração premiada, como meio de obtenção


de prova, destina-se à “aquisição de entes (coisas materiais, traços [no
sentido de vestígios ou indícios] ou declarações) dotados de capacidade
probatória”, razão por que não constitui meio de prova propriamente
dito.
Outrossim, o acordo de colaboração não se confunde com os
depoimentos prestados pelo agente colaborador.
Enquanto o acordo de colaboração é meio de obtenção de prova, os
depoimentos propriamente ditos do colaborador constituem meio de
prova, que somente se mostrarão hábeis à formação do convencimento
judicial se vierem a ser corroborados por outros meios idôneos de prova.
Nesse sentido, dispõe o art. 4º, § 16, da Lei nº 12.850/13 que
“nenhuma sentença condenatória será proferida com fundamento apenas
nas declarações de agente colaborador”.
Aliás, o Supremo Tribunal Federal, há muito, assentou o
entendimento de que “a delação, de forma isolada, não respalda
condenação” (HC nº 75.226/MS, Segunda Turma, Relator o Ministro
Marco Aurélio, DJ de 19/9/97), e de que “a chamada de corréus, retratada
ou não em juízo, não pode servir como fundamento exclusivo da
condenação”, mas tão somente “como elemento ancilar da decisão” (HC
nº 90.708/BA, Primeira Turma, Relator o Ministro Sepúlveda Pertence, DJ
de 13/4/07).
Mais recentemente, na AP nº 465/DF, Pleno, Relatora a Ministra
Cármen Lúcia, DJe de 30/10/14, o Supremo Tribunal Federal voltou a
ressaltar que a delação de corréu não pode servir como elemento decisivo
para a condenação.
Como destacado nesse julgado,

“[s]egundo a nossa consolidada jurisprudência, admite-se


a invocação da delação, desde que ela não constitua o
fundamento exclusivo da condenação (Habeas Corpus ns. 75.226,
Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 19.9.1997; e 71.813, Rel. Min. Marco
Aurélio, DJ 17.2.1995; e o Recurso Extraordinário n. 213.937,
Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 25.6.1999).

10

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9346028.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. DIAS TOFFOLI

Inteiro Teor do Acórdão - Página 22 de 154

HC 127483 / PR

Asseverou-se no último dos julgados mencionados:

‘EMENTA: CRIMINAL. PROVA. CONDENAÇÃO.


DELAÇÃO DE CO-RÉUS. INVOCAÇÃO DO ART, 5º,
INCISOS LIV E LV, DA CONSTITUIÇÃO: AFRONTA
INOCORRENTE. É certo que a delação, de forma isolada,
não respalda decreto condenatório. Sucede, todavia, que,
no contexto, está consentânea com as demais provas
coligidas. Mostra-se, portanto, fundamentado o
provimento judicial quando há referência a outras provas
que respaldam a condenação. (...)’.

Igualmente, o Habeas Corpus n. 81.618, Relatora a Ministra


Ellen Gracie, DJ 28.6.2002:

‘EMENTA: Habeas corpus. Pretendida declaração de


nulidade da sentença condenatória, que estaria baseada
apenas na delação feita por co-réu. Pretensão que encontra
obstáculo no reconhecimento, pelo acórdão recorrido, de
que não se está diante de uma condenação baseada
exclusivamente nessa delação, mas que envolve outros
elementos de prova, insuscetíveis de exame no âmbito
restrito do habeas corpus (...)’”.

A questão do valor probatório das declarações do agente


colaborador será retomada no item IV infra.

III) DA COLABORAÇÃO PREMIADA COMO NEGÓCIO


JURÍDICO PROCESSUAL.

Além de meio de obtenção de prova, o acordo de colaboração


premiada enquadra-se na categoria negócio jurídico processual.
Antônio Junqueira de Azevedo, após criticar as definições de
negócio jurídico pela gênese (“como ato de vontade”) e pela função

11

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9346028.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. DIAS TOFFOLI

Inteiro Teor do Acórdão - Página 23 de 154

HC 127483 / PR

(“como norma jurídica concreta”), prefere defini-lo por sua estrutura:

“O negócio jurídico, estruturalmente, pode ser definido ou


como categoria, isto é, como fato jurídico abstrato, ou como
fato, isto é, como fato jurídico concreto.
Como categoria, ele é a hipótese de fato jurídico (às vezes
dita ‘suporte fático’), que consiste em uma manifestação de
vontade cercada de certas circunstâncias (as circunstâncias
negociais) que fazem com que socialmente essa manifestação seja
vista como dirigida à produção de efeitos jurídicos; negócio
jurídico, como categoria, é, pois, a hipótese normativa
consistente em declaração de vontade (…).
In concreto, negócio jurídico é todo fato jurídico
consistente em declaração de vontade, a que o ordenamento
jurídico atribui os efeitos designados como queridos,
respeitados os pressupostos de existência, validade e eficácia
impostos pela norma jurídica que sobre ele incide” (Negócio
jurídico: existência, validade e eficácia. 4. ed. atual. de acordo
com o novo Código Civil (Lei nº 10.406, de 10/1/02). São Paulo:
Saraiva, 2002. p. 4-16).

Assentada essa premissa, segundo Otávio Luiz Rodrigues Júnior,

“é possível definir negócio-jurídico processual como uma


declaração de vontade, unilateral ou bilateral, dirigida ao fim
específico da produção de efeitos no âmbito do processo, de
que é exemplo, no processo civil, a transação em juízo (art. 267,
III, CPC)” (Estudo dogmático da forma dos atos processuais e
espécies. Revista Jurídica, n. 321, ano 52. Porto Alegre:
Notadez, julho/2004, p. 53).

A colaboração premiada é um negócio jurídico processual, uma vez


que, além de ser qualificada expressamente pela lei como “meio de
obtenção de prova”, seu objeto é a cooperação do imputado para a
investigação e para o processo criminal, atividade de natureza
processual, ainda que se agregue a esse negócio jurídico o efeito

12

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9346028.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. DIAS TOFFOLI

Inteiro Teor do Acórdão - Página 24 de 154

HC 127483 / PR

substancial (de direito material) concernente à sanção premial a ser


atribuída a essa colaboração.
Dito de outro modo, embora a colaboração premiada tenha
repercussão no direito penal material (ao estabelecer as sanções premiais
a que fará jus o imputado-colaborador, se resultar exitosa sua
cooperação), ela se destina precipuamente a produzir efeitos no âmbito
do processo penal.
Quanto ao emprego da denominação “imputado” para qualificar o
sujeito passivo da persecução penal, Rodrigo Capez observa que

“[n]a fase da investigação preliminar, há suspeito,


investigado ou indiciado, de acordo com o menor ou maior
grau de possibilidade (suspeito, investigado) ou de
probabilidade (indiciado) de autoria. Acusado, por sua vez, é o
sujeito passivo da ação penal, a pessoa contra quem se deduz a
pretensão acusatória.1
Desta feita, somente é possível falar-se em acusado com o
oferecimento da denúncia ou queixa, quando se formaliza uma
imputação contra o denunciado ou querelado. 2 Nesse sentido,
antes mesmo do recebimento da denúncia ou queixa, já há
acusado ou réu.
O Código de Processo Penal italiano, ao disciplinar a fase
de investigação preliminar, se refere ao investigado, nos arts. 61
e 415-bis, como ‘persona sottoposta alle indagini preliminari’
(‘pessoa submetida à investigação preliminar’) ou ‘indagato’
(‘inquirido’), substantivo de uso corrente na praxe judiciária
italiana, mas ‘pouco elegante’, nas palavras de Paolo Tonini.3

1 BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Processo penal. Rio de Janeiro:


Campus: Elsevier, 2012, p. 200. LOPES JÚNIOR, Aury. Direito Processual Penal.
9. ed. rev. e atual. 2ª tir. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 341-342 e p. 732.
2 TORNAGHI, Hélio. A relação processual penal. 2. ed. rev. e atual. São
Paulo: Saraiva, 1987. p. 185.
3 TONINI, Paolo. Manuale di procedura penale. 14. ed. Milão: Giuffrè
Editore, 2013, p. 130. Vide, ainda, CHIAVARIO, Mario. Diritto processuale penale
– profilo istituzionale. 5. ed. Torino: Utet Giuridica, 2012. p. 180-182).

13

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9346028.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. DIAS TOFFOLI

Inteiro Teor do Acórdão - Página 25 de 154

HC 127483 / PR

Por sua vez, imputado (‘imputato’) é a pessoa a quem o


Ministério Público, no exercício da ação penal, atribui (=
imputa) o delito, nos termos dos arts. 60 e 405 do Código de
Processo Penal italiano.4
De acordo com Mario Chiavario, o termo ‘acusado’,
embora não fosse usual ‘na tradição processual-penalística
italiana’, veio a ser incorporado pela Constituição italiana no
art. 111, inc. 3, que trata das garantias processuais da pessoa
acusada (‘accusata’) de um crime. Referido autor observa ainda
que, na tradicional terminologia legislativa italiana, é central o
emprego da expressão ‘imputato’, que assume essa condição
após o exercício da ação penal e a correlata formulação da
imputação.5
Feito o paralelo com a legislação italiana, resta verificar se
existe, no processo penal brasileiro, um termo mais abrangente,
que possa compreender todas as qualificações passíveis de
emprego ao longo da persecução penal (suspeito, investigado,
indiciado, denunciado, querelado, acusado, réu).
A expressão ‘acusados em geral’, embora adotada pela
Constituição Federal no art. 5º, LV, não parece a mais adequada,
porque a qualificação ‘acusado’ traz ínsita a ideia de ação penal
já exercida.
José Frederico Marques observa que ‘muita confusão
existe a respeito do nomen juris ou designação que se deva dar
a quem é sujeito de uma acusação criminal’. Cita doutrina no
sentido de que, em face do sistema misto do Código de
Instrução Criminal francês, a denominação de imputado caberia
àquele que é sujeito passivo do procedimento instrutório, ou
judicium accusationis, reservando-se a designação de acusado
para a pessoa submetida ao juízo pleno da causa. Registra
ainda, citando doutrina chilena, a expressão inculpado, que

4 TONINI, 2013. p. 131; VOENA, Giovanni Paolo. Compendio di procedura


penale. In: CONSO, Giovanni; GREVI, Vittorio; BAGIS, Marta (orgs). 6ª ed. Pádua:
CEDAM, 2012, pp. 97-99.
5 CHIAVARIO, Mario. Diritto processuale penale – profilo istituzionale. 5.
ed. Torino: Utet Giuridica, 2012. p. 175-178.

14

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9346028.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. DIAS TOFFOLI

Inteiro Teor do Acórdão - Página 26 de 154

HC 127483 / PR

designaria o indivíduo suspeito, contra o qual surgem os


primeiros indícios de autoria.
Para Frederico Marques, no processo penal condenatório,
é a imputação que delimita o objeto da persecução criminal.
‘Desde a notitia criminis a imputação surge e aparece, embora
configurando-se imprecisa e incipiente. Na acusação, a causa
petendi é a própria imputação. Finalmente, a sentença
condenatória nada mais é que a imputação certa e provada
como prius e fundamento das sanções jurídico-penais. Como
imputar é atribuir a alguém um fato delituoso, tanto a notícia
do crime como a acusação contêm uma qualificação provisória
desses fatos que descreve, consistente no enquadramento
desses fatos na descrição típica contida na norma penal
incriminadora (...) Na imputação, há os seguintes elementos: a)
descrição de fatos; b) qualificação jurídico-penal desses fatos; c)
atribuição dos fatos descritos a alguém’ (...) Na notícia do crime
há uma imputação possível, que se transforma em provável
quando da acusação, e que se torna certa, ao ser proferida a
sentença condenatória.6
Nessa esteira, pensamos que, embora destoe do rigor do
processo penal italiano, a expressão ‘imputado’ melhor se
conforma a qualificar o sujeito passivo da persecução penal,
ao longo de todo o seu arco (investigação preliminar e ação
penal)” (A individualização da medida cautelar pessoal no
processo penal brasileiro. São Paulo, 2015. Dissertação
(Mestrado em Direito) Universidade de São Paulo, p. 53/54,
grifei).

Note-se que a Lei nº 12.850/13 expressamente se refere a um “acordo


de colaboração” e às “negociações” para a sua formalização, a serem
realizadas “entre o delegado de polícia, o investigado e o defensor, com a
manifestação do Ministério Público, ou, conforme o caso, entre o
Ministério Público e o investigado ou acusado e seu defensor” (art. 4º, §
6º), a confirmar que se trata de um negócio jurídico processual.
6 MARQUES, José Frederico. Elementos de direito Processual Penal.
Campinas: Bookseller, 1997. v. II, p. 62-63 e 223-225.

15

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9346028.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. DIAS TOFFOLI

Inteiro Teor do Acórdão - Página 27 de 154

HC 127483 / PR

Dentre os relevantes efeitos processuais do acordo de colaboração,


destacam-se os previstos no art. 4º da Lei nº 12.850/13: i) “o prazo para
oferecimento de denúncia ou o processo, relativos ao colaborador, poderá
ser suspenso por até 6 (seis) meses, prorrogáveis por igual período, até
que sejam cumpridas as medidas de colaboração, suspendendo-se o
respectivo prazo prescricional” (§ 3º); ii) “o Ministério Público poderá
deixar de oferecer denúncia se o colaborador não for o líder da
organização criminosa ou for o primeiro a prestar efetiva colaboração (§
4º); e iii) “nos depoimentos que prestar, o colaborador renunciará, na
presença de seu defensor, ao direito ao silêncio e estará sujeito ao
compromisso legal de dizer a verdade” (§ 14).
Além disso, nos termos do art. 5º da Lei nº 12.850/13, o acordo de
colaboração judicialmente homologado confere ao colaborador o direito
de: i) ”usufruir das medidas de proteção previstas na legislação
específica”; ii) “ter nome, qualificação, imagem e demais informações
pessoais preservados”; iii) “ser conduzido, em juízo, separadamente dos
demais coautores e partícipes”, e iv) “participar das audiências sem
contato visual com os outros acusados”.
Indubitável, portanto, tratar-se de um negócio jurídico processual.
Outrossim, de acordo com Antônio Junqueira de Azevedo, o exame
do negócio jurídico deve ser feito em três planos sucessivos: i) da
existência, pela análise de seus elementos, a fim de se verificar se o
negócio é existente ou inexistente; ii) da validade, pela análise de seus
requisitos, a fim de se verificar se o negócio existente é válido ou inválido
(subdividido em nulo e anulável); e iii) da eficácia, pela análise de seus
fatores, a fim de se verificar se o negócio existente e válido é eficaz ou
ineficaz em sentido estrito (op. cit., p. 23-64).
Ao tratar do plano da existência, o saudoso Mestre da “velha e
sempre nova Academia de Direito” do Largo de São Francisco aduz que

“[e]lemento do negócio jurídico é tudo aquilo que lhe dá


existência no campo do direito. Classificam-se, conforme o tipo
de abstração, em elementos gerais, isto é, próprios de todo e
qualquer negócio jurídico; categoriais, isto é, próprios de cada

16

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9346028.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. DIAS TOFFOLI

Inteiro Teor do Acórdão - Página 28 de 154

HC 127483 / PR

tipo de negócio; e particulares, isto é, existentes, sem serem


gerais ou categoriais, em determinado negócio. Os elementos
gerais subdividem-se em intrínsecos (ou constitutivos), que são
a forma, o objeto e as circunstâncias negociais, e extrínsecos,
que são o agente, o lugar e o tempo do negócio. Os categoriais
subdividem-se em inderrogáveis (ou essenciais) e derrogáveis
(ou naturais); os primeiros definem o tipo de negócio e os
segundos apenas defluem de sua natureza, sem serem
essenciais à sua estrutura (...)” (op. cit., p. 31-40).

Por sua vez, validade é

“(...) a qualidade que o negócio deve ter ao entrar no


mundo jurídico, consistente em estar de acordo com as regras
jurídicas (‘ser regular’). Validade, é, pois, como o sufixo da
palavra indica, qualidade de um negócio existente. ‘Válido’ é
adjetivo com que se qualifica o negócio jurídico formado de
acordo com as regras jurídicas” (Antônio Junqueira de
Azevedo, op. cit., p. 42).

Assim, requisitos de validade são as qualidades que os elementos do


negócio jurídico devem ter para que esse seja válido.

“Por isso mesmo, se o negócio jurídico é declaração de


vontade e se os elementos gerais intrínsecos, ou constitutivos,
são essa mesma declaração tresdobrada em objeto, forma e
circunstâncias negociais, e se os requisitos são qualidades dos
elementos, temos que: a declaração de vontade, tomada
principalmente como um todo, deverá ser: a) resultante de um
processo volitivo; b) querida com plena consciência da
realidade; c) escolhida com liberdade; d) deliberada sem má-fé
(se não for assim, o negócio poderá ser nulo, por exemplo, no
primeiro caso, por coação absoluta, ou falta de seriedade;
anulável por erro ou dolo, no segundo; por coação relativa, no
terceiro; e por simulação, no quarto). O objeto deverá ser lícito,
possível e determinado ou determinável; e a forma, ou será

17

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9346028.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. DIAS TOFFOLI

Inteiro Teor do Acórdão - Página 29 de 154

HC 127483 / PR

livre, porque a lei nenhum requisito nela exige, ou deverá ser


conforme a prescrição legal. Quanto às circunstâncias negociais,
não têm requisitos exclusivamente seus, já que elas são o
elemento caracterizador da essência do próprio negócio, são
aquele quid que qualifica uma manifestação, transformando-a
em declaração.
Quanto aos elementos gerais extrínsecos, temos que: a) o
agente deverá ser capaz e, em geral, legitimado para o negócio;
b) o tempo, se o ordenamento impuser que o negócio se faça em
um determinado momento, quer essa determinação seja em
termos absolutos, quer seja em termos relativos (isto é, por
relação a outro ato ou fato), deverá ser o tempo útil; e c) o lugar,
se, excepcionalmente, tiver algum requisito, há de ser o lugar
apropriado” (idem, p. 42-43).

Finalmente,

“[o] terceiro e último plano em que a mente humana deve


projetar o negócio jurídico para examiná-lo é o plano da
eficácia. Nesse plano, não se trata, naturalmente, de toda e
qualquer possível eficácia prática do negócio, mas sim, tão só,
da sua eficácia jurídica e, especialmente, da sua eficácia própria ou
típica, isto é, da eficácia referente aos efeitos manifestados como
queridos”
(…)
De fato, muitos negócios, para a produção de seus efeitos,
necessitam dos fatores de eficácia, entendida a palavra fatores
como algo extrínseco ao negócio, algo que dele não participa,
que não o integra, mas contribui para a obtenção do resultado
visado.
São, por exemplo, casos de negócios, que precisam de
fatores de eficácia, os atos subordinados a condição suspensiva.
Enquanto não ocorre o advento do evento, o negócio, se tiver
preenchido todos os requisitos, é válido, mas não produz
efeitos; certamente, a condição como cláusula faz parte (é
elemento) do negócio, mas uma coisa é a cláusula e outra o

18

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9346028.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. DIAS TOFFOLI

Inteiro Teor do Acórdão - Página 30 de 154

HC 127483 / PR

evento a que ela faz referência; o advento do evento futuro é,


nesse caso, um fator de eficácia (é extrínseco ao ato e contribui
para a produção dos efeitos).
(…)
Dados esses exemplos, passamos a apresentar uma
classificação dos fatores de eficácia. Três nos parecem ser as
espécies de fatores de eficácia: a) os fatores de atribuição da eficácia
em geral, que são aqueles sem os quais o ato praticamente
nenhum efeito produz; é o que ocorre no primeiro exemplo
citado (ato sob condição suspensiva), em que, durante a
ineficácia, poderá haver a possibilidade de medidas cautelares,
mas, quanto aos efeitos do negócio, nem se produzem os efeitos
diretamente visados, nem outros, substitutivos daqueles; b) os
fatores de atribuição da eficácia diretamente visada, que são aqueles
indispensáveis para que um negócio, que já é de algum modo
eficaz entre as partes, venha a produzir exatamente os efeitos
por ele visados; quer dizer, antes do advento do fator de
atribuição da eficácia diretamente visada o negócio produz
efeitos, mas não os efeitos normais; os efeitos, até a ocorrência
do fator de eficácia, são antes efeitos substitutivos dos efeitos
próprios do ato; é o que ocorre no segundo exemplo citado, em
que o negócio, realizado entre o mandatário sem poderes e o
terceiro, produz, entre eles, seus efeitos, que, porém, não são os
efeitos diretamente visados; c) os fatores de atribuição de eficácia
mais extensa, que são aqueles indispensáveis para que um
negócio, já com plena eficácia, inclusive produzindo exatamente
os efeitos visados, dilate seu campo de atuação, tornando-se
oponível a terceiros ou, até mesmo, erga omnes; é o que ocorre
no terceiro e último exemplo dado (cessão de crédito notificada
ao devedor e registrada) - Antônio Junqueira de Azevedo. op.
cit., p. 49-61.

Embora essa doutrina se refira ao negócio jurídico privado, sua lição


é inteiramente aplicável ao negócio jurídico processual da colaboração
premiada.
Segundo Orlando Gomes,

19

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9346028.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. DIAS TOFFOLI

Inteiro Teor do Acórdão - Página 31 de 154

HC 127483 / PR

“para a formação de um contrato, são necessárias duas ou


mais declarações de vontade que se integram. É preciso, numa
palavra, o acordo.
(…)
A declaração feita em primeiro lugar, visando a suscitar a
formação do contrato, chama-se proposta ou oferta. Aquele que a
emite, tomando a iniciativa do contrato, é denominado
proponente ou policitante. A declaração que se lhe segue, indo-lhe
ao encontro para com a primeira se harmonizar, denomina-se
aceitação. Àquele que a faz se designa aceitante ou oblato”
(Contratos. 1. ed. Rio de Janeiro : Forense, 1959. p. 64-65).

Enquanto “a proposta é uma declaração de vontade dirigida a


alguém com quem se quer contratar”, “a aceitação é a palavra afirmativa
a uma proposta de contrato”, em que “o aceitante integra a sua vontade na
do proponente, emitindo uma declaração ou realizando atos que a
exteriorizam (...)” (Orlando Gomes, op. cit., p. 64-70).
No caso da colaboração premiada, uma vez aceita por uma das
partes a proposta formulada pela outra, forma-se o acordo de
colaboração, que, ao ser formalizado por escrito, passa a existir (plano da
existência).
Não se confundem, assim, “proposta” e “acordo”, tanto que a
“proposta” é retratável, nos termos do art. 4º, § 10, da Lei nº 12.850/13,
mas não o acordo. Se o colaborador não mais quiser cumprir seus termos,
não se cuidará de retratação, mas de simples inexecução de um negócio
jurídico perfeito.
O art. 6º, da Lei nº 12.850/13 estabelece os elementos de existência
do acordo de colaboração premiada. Esse acordo deverá ser feito por
escrito e conter: i) o relato da colaboração e seus possíveis resultados; ii)
as condições da proposta do Ministério Público ou do delegado de
polícia; iii) a declaração de aceitação do colaborador e de seu defensor; e
iv) as assinaturas do representante do Ministério Público ou do delegado
de polícia, do colaborador e de seu defensor.

20

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9346028.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. DIAS TOFFOLI

Inteiro Teor do Acórdão - Página 32 de 154

HC 127483 / PR

Por sua vez, “a especificação das medidas de proteção ao


colaborador e à sua família”, prevista no inciso V do referido dispositivo
legal, afigura-se um elemento particular eventual, uma vez que o acordo
somente disporá sobre tais medidas “quando necessário”.
Quanto ao plano subsequente da validade, o acordo de colaboração
somente será válido se: i) a declaração de vontade do colaborador for a)
resultante de um processo volitivo; b) querida com plena consciência da
realidade; c) escolhida com liberdade e d) deliberada sem má-fé; e ii) o
seu objeto for lícito, possível e determinado ou determinável.
Nesse sentido, aliás, o art. 4º, caput e seu § 7º, da Lei nº 12.850/13
exige, como requisitos de validade do acordo de colaboração, a
voluntariedade do agente, a regularidade e a legalidade dos seus termos.
Destaco que requisito de validade do acordo é a liberdade psíquica
do agente, e não a sua liberdade de locomoção.
A declaração de vontade do agente deve ser produto de uma escolha
com liberdade (= liberdade psíquica), e não necessariamente em
liberdade, no sentido de liberdade física.
Portanto, não há nenhum óbice a que o acordo seja firmado com
imputado que esteja custodiado, provisória ou definitivamente, desde
que presente a voluntariedade dessa colaboração.
Entendimento em sentido contrário importaria em negar
injustamente ao imputado preso a possibilidade de firmar acordo de
colaboração e de obter sanções premiais por seu cumprimento, em
manifesta vulneração ao princípio da isonomia.
Para Celso Antônio Bandeira de Mello,

“o ponto nodular para o exame da correção de uma regra


em face do princípio isonômico reside na existência ou não de
correlação lógica entre o fator erigido em critério de discrímen e
a discriminação legal decidida em função dele” (Conteúdo
jurídico do princípio da igualdade. 3. ed. São Paulo: Malheiros,
2009. p. 37).

Em suas palavras, para que um discrímen legal seja convivente com

21

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9346028.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. DIAS TOFFOLI

Inteiro Teor do Acórdão - Página 33 de 154

HC 127483 / PR

a isonomia, impende que concorram quatro elementos:

“a) que a desequiparação não atinja de modo atual e


absoluto, um só indivíduo;
b) que as situações ou pessoas desequiparadas pela regra
de direito sejam efetivamente distintas entre si, vale dizer,
possuam características, traços, nelas residentes, diferençados;
c) que exista, em abstrato, uma correlação lógica entre os
fatores diferenciais existentes e a distinção de regime jurídico
em função deles, estabelecida pela norma jurídica;
d) que, in concreto, o vínculo de correlação supra-referido
seja pertinente em função dos interesses constitucionalmente
protegidos, isto é, resulte numa diferenciação de tratamento
jurídico fundada em razão valiosa – ao lume do texto
constitucional – para o bem público” (op. cit., p. 41).

Ora, não há correlação lógica entre supressão da liberdade física do


agente (critério de discrímen) e a vedação ao acordo de colaboração
(discriminação decidida em função daquele critério), uma vez que o fator
determinante para a colaboração premiada é a liberdade psíquica do
imputado, vale dizer, a ausência de coação, esteja ele ou não solto.
Tanto isso é verdade que, mesmo que esteja preso por força de
sentença condenatória, o imputado poderá formalizar, após seu trânsito
em julgado, um acordo de colaboração premiada (art. 4º, § 5º, da Lei nº
12.850/13)
De toda sorte, a liberdade de escolha do imputado merece reflexão
maior, notadamente quando se imbrica com o direito ao silêncio (art. 5º,
LXIII, CF).
De acordo com Maria Elizabeth Queijo, a expressão nemo tenetur
se detegere significa que ninguém é obrigado a se descobrir, equivalente
à máxima latina nemo tenetur se accusare (ninguém é obrigado a se
acusar), a qual, no direito anglo-americano, traduz-se no privilege
against self-incrimination (O direito de não produzir prova contra si
mesmo. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 4).
O reconhecimento do privilégio contra a autoincriminação se funda

22

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9346028.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. DIAS TOFFOLI

Inteiro Teor do Acórdão - Página 34 de 154

HC 127483 / PR

no instinto ou dever natural de autopreservação (João Cláudio Couceiro.


A garantia constitucional do direito ao silêncio. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2004, p. 25).
Representa, ainda, o respeito à dignidade da pessoa humana no
processo penal e a vedação da produção de provas que impliquem
violação de direitos do imputado, numa limitação à busca da verdade
(Maria Elizabeth Queijo. op. cit., p. 45).
Por ser um direito fundamental constitucionalmente assegurado, seu
exercício jamais poderá produzir qualquer efeito desfavorável ao
imputado, razão por que não se limita à mera vedação a que, na
valoração da prova, importe confissão ou seja interpretado em prejuízo
da defesa (art. 186 e seu parágrafo único, CPP).
Assim, é manifestamente ilegítima, por ausência de justificação
constitucional, a adoção de medidas cautelares de natureza pessoal,
notadamente a prisão temporária ou preventiva, que tenham por
finalidade obter a colaboração ou a confissão do imputado, a pretexto de
sua necessidade para a investigação ou a instrução criminal (Odone
Sanguiné. Prisão cautelar, medidas alternativas e direitos
fundamentais. Rio de Janeiro: Forense, 2014. p. 248-249. Cristina Guerra
Pérez. La decisión judicial de prisión preventiva – análisis jurídico y
criminológico. Valência: Tirant lo Blanch, 2010. p.162. Andrey Borges de
Mendonça. Prisão e outras medidas cautelares pessoais. São Paulo:
Método, 2011. p. 277-280).
Como assevera Vittorio Grevi, em nenhuma hipótese o exercício do
direito ao silêncio pode ser colocado como fundamento, no terreno do
periculum libertatis, de uma medida cautelar pessoal, que jamais pode
ser adotada com o fim de induzir o imputado a colaborar com a
autoridade judiciária (Compendio di procedura penale. In: CONSO,
Giovanni; GREVI, Vittorio; BAGIS, Marta (orgs). 6. ed. Pádua: CEDAM,
2012. p. 394-395 e p. 401-403).7
7 O art. 274, 1, a, do Código de Processo Penal italiano expressamente
determina que o periculum libertatis não pode ser individualizado na recusa do
imputado em prestar declarações ou em admitir as imputações. Por essa razão,
Grevi assevera “(...) che in nessun caso l’esercizio del diritto al silenzio, da parte

23

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9346028.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. DIAS TOFFOLI

Inteiro Teor do Acórdão - Página 35 de 154

HC 127483 / PR

Nesses casos, embora constitucional a norma em abstrato, na


apontada incidência ela produziu um resultado inconstitucional
(BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da constituição. 6.
ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 347, nota de rodapé nº 6).
Essa questão não é cerebrina, pois o Supremo Tribunal Federal já
reconheceu a ilegitimidade constitucional de prisão preventiva cuja razão
preponderante tenha sido a recusa da imputada, no exercício do direito
ao silêncio, em responder ao interrogatório judicial a que submetida (HC
nº 99.289/RS, Segunda Turma, Relator o Ministro Celso de Mello, DJe de
4/8/11).
O Supremo Tribunal Federal também decidiu que carece de
legitimidade constitucional, por manifesta ofensa ao privilégio contra a
autoincriminação, a decretação da prisão temporária ou preventiva do
imputado por seu não comparecimento à delegacia de polícia para
prestar depoimento (HC nº 89.503/RS, Segunda Turma, Relator o Ministro
Cezar Peluso, DJ de 8/6/07) ou “por falta de interesse em colaborar com a
Justiça”, supostamente evidenciada pelo fato de os réus “haverem
respondido às perguntas de seus interrogatórios de forma desdenhosa e
evasiva, mesmo sabedores de que tais versões não encontram guarida no
caderno investigatório” (HC nº 79.781/SP, Primeira Turma, Relator o
Ministro Sepúlveda Pertence, DJ de 9/6/2000).
E não é só.
Como aduz Rodrigo Capez,

“[a]inda que, explicitamente, não seja essa a motivação da


decisão, caso se constate, inclusive pela forma de atuação
extraprocessual do juiz ou dos órgãos da persecução penal, que
o verdadeiro objetivo da prisão cautelar é forçar a colaboração
do imputado, sua inconstitucionalidade será patente, uma vez

dell’imputato, possa essere posto a fondamento, sul terreno del periculum libertatis,
di una misura cautelare disposta a suo carico e, quindi, a maggior ragione, che
nessuna misura cautelare (a cominciare da quella carcerária) possa venire
legitimamente adottata allo scopo di indurre l’imputato stesso a collaborare con
l’autorità giudiziaria”.

24

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9346028.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. DIAS TOFFOLI

Inteiro Teor do Acórdão - Página 36 de 154

HC 127483 / PR

que é vedada a utilização da decretação ou da manutenção da


prisão cautelar como instrumento de barganha com o
imputado, no intuito de coagi-lo a colaborar” (op. cit. p. 289).

Nesse particular, o Supremo Tribunal Federal, no HC nº 127.186/PR,


Segunda Turma, Relator o Ministro Teori Zavascki, DJe de 3/8/15,
assentou que

“(...) seria extrema arbitrariedade – que certamente passou


longe da cogitação do juiz de primeiro grau e dos Tribunais que
examinaram o presente caso, o TRF da 4ª Região e o Superior
Tribunal de Justiça – manter a prisão preventiva como
mecanismo para extrair do preso uma colaboração premiada,
que, segundo a Lei, deve ser voluntária (Lei 12.850/13, art. 4º,
caput e § 6º). Subterfúgio dessa natureza, além de atentatório
aos mais fundamentais direitos consagrados na Constituição,
constituiria medida medievalesca que cobriria de vergonha
qualquer sociedade civilizada”.

Finalmente, superados os planos da existência e da validade, chega-


se ao plano da eficácia: o acordo existente e válido somente será eficaz se
for submetido à homologação judicial (art. 4º, § 7º, da Lei nº 12.850/13).
Esse provimento interlocutório, que não julga o mérito da pretensão
acusatória, mas sim resolve uma questão incidente, tem natureza
meramente homologatória, limitando-se a se pronunciar sobre a
“regularidade, legalidade e voluntariedade” do acordo (art. 4º, § 7º, da
Lei nº 12.850/13).
Para Cândido Rangel Dinamarco,

“Homologar significa agregar a um ato realizado por outro


sujeito a autoridade do sujeito que a homologa. Ao homologar atos
das partes ou dos auxiliares da Justiça, o juiz os jurisdicionaliza
(Pontes de Miranda), outorgando-lhe a eficácia dos que ele
próprio teria realizado. A homologação dos atos dispositivos
das partes é um invólucro, ou continente, cujo conteúdo

25

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9346028.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. DIAS TOFFOLI

Inteiro Teor do Acórdão - Página 37 de 154

HC 127483 / PR

substancial é representado pelo negócio jurídico realizado por


elas. Ao homologar um ato autocompositivo celebrado entre as
partes, o juiz não soluciona questão alguma referente ao
meritum causae. Limita-se a envolver o ato nas formas de uma
sentença, sendo-lhe absolutamente vedada qualquer verificação
da conveniência dos negócios celebrados e muito menos avaliar
as oportunidades de vitória porventura desperdiçadas por uma
das partes ao negociar. ‘Essas atividades das partes constituem
um limite ao poder do juiz, no sentido de que trazem em si o
conteúdo de sua sentença’ (Chiovenda). Se o ato estiver
formalmente perfeito e a vontade das partes manifestada de
modo regular, é dever do juiz resignar-se e homologar o ato de
disposição do direito, ainda quando contrário à sua opinião”
(Instituições de direito processual civil. São Paulo: Malheiros,
6. ed., 2009. v. III, p. 272-273).

No processo civil, prossegue Cândido Rangel Dinamarco, o juiz


“procede ao exame externo dos atos dispositivos, mediante uma atividade
que se chama de delibação, cumprindo ao juiz permanecer na periferia do
ato das partes, em busca dos requisitos de sua validade e eficácia”.
Assim,

“como a sentença homologatória não influi no conteúdo


dos atos negociais das partes – e limita-se a acrescer-lhes a
imperatividade que teria o próprio e verdadeiro julgamento de
mérito, é naqueles que se definem os resultados do processo – e
não no ato puramente homologador” (op. cit. p. 273-274).

Nessa atividade de delibação, o juiz, ao homologar o acordo de


colaboração, não emite nenhum juízo de valor a respeito das
declarações eventualmente já prestadas pelo colaborador à autoridade
policial ou ao Ministério Público, tampouco confere o signo da
idoneidade a seus depoimentos posteriores.
Como bem destacado pelo eminente Ministro Teori Zavascki em
suas informações:

26

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9346028.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. DIAS TOFFOLI

Inteiro Teor do Acórdão - Página 38 de 154

HC 127483 / PR

“(...) o âmbito da cognição judicial na decisão que


homologa o acordo de colaboração premiada é limitado ao juízo
a respeito da higidez jurídica desse ato original. Não cabe ao
Judiciário, nesse momento, examinar aspectos relacionados à
conveniência ou à oportunidade do acordo celebrado ou as
condições nele estabelecidas, muito menos investigar ou atestar
a veracidade ou não dos fatos contidos em depoimentos
prestados pelo colaborador ou das informações trazidas a
respeito de delitos por ele revelados. É evidente, assim, que a
homologação judicial do acordo não pressupõe e não contém,
nem pode conter, juízo algum sobre a verdade dos fatos
confessados ou delatados, ou mesmo sobre o grau de
confiabilidade atribuível às declarações do colaborador,
declarações essas às quais, isoladamente consideradas, a
própria lei atribuiu escassa confiança e limitado valor
probatório ("Nenhuma sentença condenatória será proferida
com fundamento apenas nas declarações do agente
colaborador", diz o § 16 do art. 4º da Lei 12.850/2013)”.

Em outras palavras, a homologação judicial do acordo de


colaboração premiada não significa, em absoluto, que o juiz admitiu
como verídicas ou idôneas as informações eventualmente já prestadas
pelo colaborador e tendentes à identificação de coautores ou partícipes da
organização criminosa e das infrações por ela praticadas ou à revelação
da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa.
A homologação judicial constitui simples fator de atribuição de
eficácia do acordo de colaboração. Sem essa homologação, o acordo,
embora possa existir e ser válido, não será eficaz, ou seja, não se
produzirão os efeitos jurídicos diretamente visados pelas partes.
Cabe aqui uma ressalva: se o juiz se limitar a homologar, in totum, o
acordo, essa decisão deverá ser considerada fator de atribuição de
eficácia.
Todavia, se o juiz intervier em seus termos, para glosar cláusulas
(v.g., por ilegalidade) ou readequar sanções premiais, de modo a

27

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9346028.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. DIAS TOFFOLI

Inteiro Teor do Acórdão - Página 39 de 154

HC 127483 / PR

modificar a relação jurídica entre as partes, a decisão homologatória do


acordo de colaboração deverá ser considerada elemento de existência
desse negócio jurídico processual.
Finalmente, havendo um acordo de colaboração existente, válido e
eficaz, nos termos do art. 4º, I a V, da Lei nº 12.850/13, a aplicação da
sanção premial nele prevista dependerá do efetivo cumprimento pelo
colaborador das obrigações por ele assumidas, com a produção de um ou
mais dos seguintes resultados:

a) identificação dos demais coautores e partícipes da


organização criminosa e das infrações penais por eles
praticadas;
b) revelação da estrutura hierárquica e da divisão de
tarefas da organização criminosa;
c) prevenção de infrações penais decorrentes das
atividades da organização criminosa;
d) recuperação total ou parcial do produto ou do proveito
das infrações penais praticadas pela organização criminosa;
e) localização de eventual vítima com a sua integridade
física preservada.

Se não sobrevier nenhum desses resultados concretos para a


investigação, restará demonstrado o inadimplemento do acordo por parte
do colaborador, e não se produzirá a consequência por ele almejada
(aplicação da sanção premial).

IV) DA IMPOSSIBILIDADE DE O COAUTOR OU PARTÍCIPE


DOS CRIMES PRATICADOS PELO COLABORADOR IMPUGNAR O
ACORDO DE COLABORAÇÃO.

Por se tratar de um negócio jurídico processual personalíssimo, o


acordo de colaboração premiada não pode ser impugnado por coautores
ou partícipes do colaborador na organização criminosa e nas infrações
penais por ela praticadas, ainda que venham a ser expressamente

28

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9346028.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. DIAS TOFFOLI

Inteiro Teor do Acórdão - Página 40 de 154

HC 127483 / PR

nominados no respectivo instrumento quando do “relato da colaboração


e seus possíveis resultados” (art. 6º, I, da Lei nº 12.850/13).
O acordo de colaboração, como negócio jurídico personalíssimo, não
vincula o delatado e não atinge diretamente sua esfera jurídica: res inter
alios acta.
A delação premiada, como já tive oportunidade de assentar, é um
benefício de natureza personalíssima, cujos efeitos não são extensíveis a
corréus (RHC nº 124.192/PR, Primeira Turma, de minha relatoria, DJe de
8/4/15)
Esse negócio jurídico processual tem por finalidade precípua a
aplicação da sanção premial ao colaborador, com base nos resultados
concretos que trouxer para a investigação e o processo criminal.
Assim, a homologação do acordo de colaboração, por si só, não
produz nenhum efeito na esfera jurídica do delatado, uma vez que não é
o acordo propriamente dito que poderá atingi-la, mas sim as imputações
constantes dos depoimentos do colaborador ou as medidas restritivas de
direitos fundamentais que vierem a ser adotadas com base nesses
depoimentos e nas provas por ele indicadas ou apresentadas - o que,
aliás, poderia ocorrer antes, ou mesmo independentemente, de um
acordo de colaboração.
Tanto isso é verdade que o direito do imputado colaborador às
sanções premiais decorrentes da delação premiada prevista no art. 14 da
Lei nº 9.807/99; no art. 1º, § 5º, da Lei nº 9.613/98 (Lavagem de Dinheiro);
no art. 159, § 4º, do Código Penal, na redação dada pela Lei nº 9.269/96
(extorsão mediante sequestro); no art. 25, § 2º, da Lei nº 7.492/86 e no art.
41 da Lei nº 11.343/06 (Lei de Drogas), independe da existência de um
acordo formal homologado judicialmente.
Ao disciplinarem a delação premiada, esses outros diplomas legais
reputam suficiente, para a aplicação das sanções premiais, a colaboração
efetiva do agente para a apuração das infrações penais, identificação de
coautores ou partícipes, localização de bens, direitos ou valores auferidos
com a prática do crime ou libertação da vítima, a demonstrar, mais uma
vez, que não é o acordo propriamente dito que atinge a esfera jurídica de

29

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9346028.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. DIAS TOFFOLI

Inteiro Teor do Acórdão - Página 41 de 154

HC 127483 / PR

terceiros.
Corroborando essa assertiva, ainda que o colaborador, por
descumprir alguma condição do acordo, não faça jus a qualquer sanção
premial por ocasião da sentença (art. 4º, § 11, da Lei nº 12.850/13), suas
declarações, desde que amparadas por outras provas idôneas (art. 4º, § 16,
da Lei nº 12.850/13), poderão ser consideradas meio de prova válido para
fundamentar a condenação de coautores e partícipes da organização
criminosa.
Por sua vez, o fato de o art. 4º, § 9º, da Lei nº 12.850/13 prever que
“depois de homologado o acordo, o colaborador poderá, sempre
acompanhado pelo seu defensor, ser ouvido pelo membro do Ministério
Público ou pelo delegado de polícia responsável pelas investigações” não
significa, como pretendem fazer crer os impetrantes nas razões do agravo
regimental interposto, que suas declarações somente poderão ser
tomadas após a decisão homologatória.
Significa apenas que, após a homologação do acordo, os
depoimentos do colaborador se sujeitarão ao regime jurídico instituído
pelo referido diploma legal.
A toda evidência, subsistem válidos os depoimentos anteriormente
prestados pelo colaborador, que poderão, oportunamente, ser
confrontados e valorados pelas partes e pelo juízo.
Em suma, nos procedimentos em que figurarem como imputados, os
coautores ou partícipes delatados terão legitimidade para confrontar, em
juízo, as afirmações sobre fatos relevantes feitas pelo colaborador e as
provas por ele indicadas, bem como para impugnar, a qualquer tempo, as
medidas restritivas de direitos fundamentais eventualmente adotadas em
seu desfavor com base naquelas declarações e provas, inclusive
sustentando sua inidoneidade para servir de plataforma indiciária para a
decretação daquelas medidas - mas não, repita-se, para impugnar os
termos do acordo de colaboração feito por terceiro.
Outrossim, negar-se ao delatado o direito de impugnar o acordo de
colaboração não implica desproteção a seus interesses.
A uma porque a própria Lei nº 12.850/13 estabelece que “nenhuma

30

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9346028.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. DIAS TOFFOLI

Inteiro Teor do Acórdão - Página 42 de 154

HC 127483 / PR

sentença condenatória será proferida com fundamento apenas nas


declarações de agente colaborador” (art. 4º, § 16).
A duas porque, como já exposto, será assegurado ao delatado, pelo
contraditório judicial, o direito de confrontar as declarações do
colaborador e as provas com base nela obtidas.
Na lapidar síntese de Joaquim Canuto Mendes de Almeida, “o
contraditório é, pois, em resumo, ciência bilateral dos atos e termos
processuais e possibilidade de contrariá-los” (A contrariedade na
instrução criminal. São Paulo: [s.n], 1937, item 81, p. 110).
O contraditório se expressa no binômio “informação necessária +
reação possível”, ressalvando-se que “esse segundo aspecto de mera
oportunidade ou possibilidade de reação toma nuanças diversas em
todos os processos em que se controverta em torno de uma relação
jurídica indisponível, como é o caso do processo penal”. No processo
penal, dado o risco de grave intervenção no direito fundamental à
liberdade, a reação não pode ser meramente possível. O contraditório ‘há
de ser pleno e efetivo, indicando a real participação das partes na relação
jurídica processual’ (GRINOVER, Ada Pellegrini. As garantias
constitucionais do processo. In:______. Novas tendências do direito
processual. Rio de Janeiro: Forense, 1990, p. 18).
Note-se que, na arguta observação de Ada Pellegrini Grinover, o
objetivo principal da garantia do contraditório não é a defesa, no sentido
negativo de mera oposição ou resistência, mas sim a influência, tomada
“como direito ou possibilidade de incidir ativamente sobre o
desenvolvimento e o resultado do processo” (op. cit., p. 19).
Não basta, portanto, a mera ciência, sem a possibilidade de reação,
sob pena de tornar-se inócua a garantia do contraditório.
Ada Pellegrini Grinover, ressaltando a importância do contraditório
como participação das partes no momento da produção das provas, por
se tratar “das atividades dirigidas à constituição do material probatório
que vai ser utilizado pelo órgão jurisdicional na formação de seu
convencimento”, invoca a lição de Barbosa Moreira:

“A garantia do contraditório significa, antes de mais nada,

31

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9346028.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. DIAS TOFFOLI

Inteiro Teor do Acórdão - Página 43 de 154

HC 127483 / PR

que a ambas as partes hão de conceder iguais oportunidades de


pleitear a produção de provas. (…) Significa, a seguir, que não
deve haver disparidade de critérios no deferimento ou
indeferimento dessas provas pelo órgão jurisdicional. Também
significa que as partes terão as mesmas possibilidades de
participar dos atos probatórios e de pronunciar-se sobre os seus
resultados’.
(...)
Eis assim o direito à prova, caracterizado como aspecto
insuprimível das garantias da defesa e do contraditório”
(Novas tendências do direito processual. Rio de Janeiro:
Forense, 1990. p. 20-21).

Prossegue Ada Pellegrini:

“É inegável que a palavra de um acusado, com relação aos


demais, é testemunho. Testemunho e, consequentemente, meio de
prova; e prova alguma pode ser colhida senão sob o pálio do
contraditório. Não pode o corréu confessar pelo outro, não
havendo possibilidade de dar efeitos de solidariedade a tal
confissão. Ademais, grandes são os perigos da indevida
incriminação de outra pessoa pelo imputado, ‘pois pode muito
bem acontecer que um acusado, vendo-se perdido diante de
provas contra ele colhidas, procure arrastar consigo desafetos
ou inimigos seus’ (Magalhães Noronha, Curso de direito
processual penal, São Paulo, 1976, p. 102).
Por isso, pergunta Adauto Suannes, em trabalho
específico sobre a matéria:
‘Assegurando a Constituição Federal ampla defesa
(da qual não se pode excluir o princípio do contraditório),
como poderá o contraditório tornar-se efetivo, se não se
permite a presença de um corréu ao interrogatório do réu
que o acusa? Como falar-se em estar sendo obedecido o
princípio, se ao defensor do corréu imputado não se
permite, através de reperguntas, procurar mostrar que o
imputado está mentindo’ (O interrogatório judicial e o art.

32

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9346028.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. DIAS TOFFOLI

Inteiro Teor do Acórdão - Página 44 de 154

HC 127483 / PR

153, §§ 15 e 16 da Constituição federal – tese aprovada por


unanimidade no VI Encontro Nacional de Tribunais de
Alçada ; in Rev. tribs., v. 572, p. 289)” (Novas tendências do
direito processual. Rio de Janeiro: Forense, 1990. p. 25-26).

Por essa razão, Gustavo Badaró e Pierpaolo Cruz Bottini, embora


cuidando da delação premiada prevista no art. 1º, § 5º, da Lei nº 9.613/98,
(Lavagem de Dinheiro), afirmam que as declarações do delator, para
serem consideradas meios de prova, deverão encontrar amparo em outros
elementos de prova existentes nos autos que corroborem seu conteúdo,
bem como, caso tenham sido prestadas na fase extrajudicial ou em
procedimento criminal diverso, deverão ser confirmadas em juízo,
assegurando-se ao delatado o contraditório (Lavagem de dinheiro:
aspectos penais e processuais penais. Comentários à Lei 9.613/1998, com
as alterações da Lei 12.683/2012. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2013, pp. 174-175, grifo nosso).
A propósito, Gustavo dos Reis Gazzola, ao tratar do direito de o
delatado contrastar as informações prestadas pelo colaborador, aduz que
a delação premiada no curso do processo pode gerar duas situações:

“Primeira, o delatado é corréu no processo. Deve,


portanto, o delatado, por meio de advogado, poder contrastar
as informações prestadas pelo delator no curso da própria
relação processual, o que se dará pela possibilidade de
perguntas, quer em audiência de interrogatório, quer em
audiência designada para essa finalidade.
Segunda, o delatado não é corréu no processo. A delação
será objeto de contraditório no processo a que eventualmente
estiver respondendo o delatado, ou no mesmo em que se deu a
delação, caso haja aditamento da denúncia (...)” (Delação
premiada. In: Limites constitucionais da investigação. Coord.
Rogério Sanches Cunha, Pedro Taques e Luiz Flávio Gomes. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p.180).

Também Frederico Valdez Pereira assenta a indispensabilidade de

33

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9346028.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. DIAS TOFFOLI

Inteiro Teor do Acórdão - Página 45 de 154

HC 127483 / PR

se assegurar aos delatados pelo colaborador o direito de confrontar em


juízo o arrependido, com o intuito de retirar ou abalar a credibilidade de
suas declarações, aduzindo que o exercício desse direito representa

“(...) verdadeiro método indireto de controle da atuação


dos órgãos de persecução no momento prévio de se definir por
embasar a estratégia investigativa e de imputação em pretensos
colaboradores, pois deverão então considerar, antecipadamente,
o exame a que serão submetidos na fase judicial os declarantes,
limitando-se, desse modo, a favorecer apenas sujeitos que
pareçam fiáveis e constantes na opção colaborativa.
(…) portanto, acaso se pretenda utilizar as informações
advindas da delação para sustentar um juízo condenatório,
ostentando a condição de meio de prova, é indispensável
submeter o agente colaborador ao contraditório em juízo” (op.
cit., p. 146-147).

Neste particular, o art. 4º, § 12, da Lei nº 12.850/13 determina que,


“ainda que beneficiado por perdão judicial ou não denunciado, o
colaborador poderá ser ouvido em juízo a requerimento das partes ou por
iniciativa da autoridade judicial”.
Por sua vez, a Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de
São José da Costa Rica), no art. 8º, inciso 2, f, estabelece, como garantia
judicial, “o direito da defesa de inquirir as testemunhas presentes no
Tribunal e de obter o comparecimento, como testemunhas ou peritos, de
outras pessoas que possam lançar luz sobre os fatos”.
Não resta dúvida, portanto, de que o delatado, no exercício do
contraditório, terá o direito de inquirir o colaborador, seja na audiência de
interrogatório, seja em audiência especificamente designada para esse
fim.
Assegura-se, dessa forma, a “paridade de armas” entre o delatado e
o órgão acusador, entendida como “o indispensável equilíbrio que deve
existir entre as oportunidades concedidas às partes para que, ao
apresentar suas provas e alegações ao juiz ou tribunal, não seja colocado

34

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9346028.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. DIAS TOFFOLI

Inteiro Teor do Acórdão - Página 46 de 154

HC 127483 / PR

em desvantagem em relação à parte contrária” (GOMES FILHO, Antônio


Magalhães. A motivação das decisões penais. 2. ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2013. p. 36).
Outrossim, o Supremo Tribunal Federal consolidou o entendimento
de que aos litisconsortes penais passivos deve ser assegurado o direito de
formular reperguntas aos corréus no respectivo interrogatório judicial
(HC nº 94.016/SP, Segunda Turma, Relator o Ministro Celso de Mello, DJe
de 27/2/09; HC nº 111.567-AM-AgR, Segunda Turma, Relator o Ministro
Celso de Mello, DJe de 30/10/14; HC nº 116.132/PE, Segunda Turma,
Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, DJe de 3/10/13; HC nº
101.648/ES, Segunda Turma, Relatora a Ministra Cármen Lúcia, DJe de
9/2/11; HC nº 93.607/SP, Segunda Turma, Relator o Ministro Eros Grau,
DJe de 11/6/10; HC nº 115.714/SP, Primeira Turma, Relator o Ministro
Marco Aurélio, DJe de 23/2/15).
No direito comparado, destaco que, nos Estados Unidos da América
e na Itália, o direito a confrontar declarações incriminadoras de
coimputado tem estatura constitucional.
Nos Estados Unidos da América, a Sexta Emenda estabelece que, em
todas as persecuções criminais, o acusado terá o direito de ser
confrontado com as testemunhas de acusação e de convocar testemunhas
a seu favor (In all criminal prosecutions, the accused shall enjoy the
right (…) to be confronted with the witnesses against him; to have
compulsory process for obtaining witnesses in his favor (...)).
A Suprema Corte americana, nos precedentes Lilly v. Virginia (98-
5881) 527 U.S. 116 (1999) e Washington v. Texas, 388 U.S. 14, 87 s. ct. 1920,
18 l. ed. 2D 1019 (1967), reconheceu ao corréu o direito a confrontar em
juízo, mediante exame cruzado, as declarações incriminatórias de coautor
ou partícipe do crime.
Para João Gualberto Garcez Ramos,

“esse princípio da confrontação estabelece que é um


direito do imputado o de confrontar ou ser confrontado com as
testemunhas arroladas pela acusação. Evidente que não se trata
de um direito de conteúdo meramente formal, mas garante ao

35

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9346028.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. DIAS TOFFOLI

Inteiro Teor do Acórdão - Página 47 de 154

HC 127483 / PR

imputado o direito de contestar a real condição da testemunha,


sua identidade, seus motivos, suas versões” (Curso de processo
penal norte-americano. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2006.
p. 147).

Na Itália, o art. 111, § 4º, da Constituição prevê o princípio do


contraditório na formação da prova e determina que “a culpabilidade do
imputado não pode ser provada com base em declarações feitas por
quem, de livre escolha, se subtraia voluntariamente ao exame da parte
pelo imputado e seu defensor” (Il processo penale è regolato dal
principio del contraddittorio nella formazione della prova. La
colpevolezza dell'imputato non può essere provata sulla base di
dichiarazioni rese da chi, per libera scelta, si è sempre volontariamente
sottratto all'interrogatorio da parte dell'imputato o del suo difensore).8
Já o art. 111, § 3º, da Constituição italiana assegura ao acusado a
faculdade de inquirir ou fazer inquirir, perante o juiz, a pessoa que presta
declarações em seu desfavor, de obter a convocação e a inquirição de
pessoas para sua defesa nas mesmas condições da acusação e de produzir
qualquer outro meio de prova a seu favor (“la facoltà, davanti al giudice,
di interrogare o di far interrogare le persone che rendono dichiarazioni
a suo carico, di ottenere la convocazione e l'interrogatorio di persone a
sua difesa nelle stesse condizioni dell'accusa e l'acquisizione di ogni
altro mezzo di prova a suo favore”).
Como observa Paolo Tonini, essa norma se refere a

“’pessoas’ que prestam declarações acusatórias, e não a


testemunhas, ressaltando que ‘a diversidade terminológica foi
necessária, pois a palavra ‘testemunhas’, em seu significado
técnico, não compreende, por exemplo, o declarante que tem a
qualidade de acusado’” (A prova no processo penal italiano.
Trad. Alexandra Martins e Daniela Mróz. São Paulo: Revista dos

8 Essa norma foi transposta para o art. 526, parágrafo 1º-bis, do


Código de Processo italiano, que trata das provas utilizáveis na
sentença.

36

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9346028.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. DIAS TOFFOLI

Inteiro Teor do Acórdão - Página 48 de 154

HC 127483 / PR

Tribunais, 2002. p. 25).

Por sua vez, o Código de Processo Penal italiano impõe seja feito um
confronto das declarações prestadas pelo corréu, pelo acusado conexo e
pela testemunha assistida (arts. 211 e 212), bem como que as declarações
prestadas pelo corréu no mesmo delito e pelo acusado de um
procedimento conexo ou coligado probatoriamente (art. 371, parágrafo
2º, letra b) sejam valoradas conjuntamente com outros elementos de
prova que confirmem sua credibilidade (art. 192, § 3º)
independentemente de os respectivos procedimentos estarem reunidos
ou separados.9

9 Não cabe, aqui, adentrar na complexa disciplina


processual penal italiana, relativamente: i) às declarações do
imputado no próprio procedimento a que responde (art. 208, CPP), o
qual pode assumir, se prestar declarações sobre a responsabilidade de
terceiros, a condição de testemunha (art. 64, incisos 3 e 3-bis, CPP);
ii) às declarações de imputados que concorreram para o mesmo crime
(arts. 12, inciso 1, a, e 197, a, CPP); iii) às declarações de imputados
conexos teleologicamente ou coligados, definindo-se como tais os
imputados que têm, em relação ao procedimento principal, uma
relação de conexão (art. 12, inciso 1, c, CPP) ou de coligação
probatória (art. 371, inciso 2, b, CPP), prescindindo-se da
circunstância de os respectivos procedimentos estarem reunidos ou
separados; iv) ao testemunho assistido, sobre fatos pertinentes à
responsabilidade de terceiros, do imputado coligado ou conexo
teleologicamente antes da sentença irrevogável no procedimento
contra ele movido (art. 197-bis, inciso 2, CPP); v) ao testemunho
assistido do imputado coligado ou conexo teleologicamente que já
tenha sido julgado (art. 197-bis, inciso 1, CPP); e vi) às declarações
do colaborador da justiça (“collaboratore di giustizia”), que poderá
ser ouvido como testemunha assistida, com a obrigação de dizer a
verdade sobre fato alheio (Decreto-lei nº 8/1991, convertido na Lei nº
82/1991, com as alterações da Lei n. 45/2001). A esse respeito,
confira-se: GREVI, Vittorio. Compendio di procedura penale.
6. ed. Pádua: CEDAM, 2012. p. 332-335. TONINI, Paolo.

37

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9346028.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. DIAS TOFFOLI

Inteiro Teor do Acórdão - Página 49 de 154

HC 127483 / PR

Segundo Paolo Tonini,

“’confronto’ significa geralmente o controle da idoneidade


de uma declaração. Nesse sentido, todas as declarações
prestadas no curso do procedimento penal devem ser
submetidas a um confronto. Trata-se de verificar se os fatos
afirmados pelo declarante encontram confirmação nos outros
elementos de prova constantes dos autos; isso faz parte do
dever de motivação imposto ao juiz, Na verdade, nos termos do
art. 192, inciso I, CPP, o juiz deve valorar a prova, especificando
na motivação os resultados obtidos e os critérios adotados.
(...)
O dever de confronto é expressamente estabelecido pelo
Código como condição para utilizar as declarações prestadas
pelo corréu no mesmo delito e pelo acusado de um
procedimento conexo ou coligado probatoriamente (art. 371,
inciso 2, letra b, do CPP), independentemente de os relativos
procedimentos estarem reunidos ou separados. O mesmo dever
de confronto é disposto para as duas figuras de testemunha
assistida (art. 197-bis, inciso 6, do CPP). O CPP estabelece (art.
192, inciso 3) que as declarações são valoradas conjuntamente
com outros elementos de prova que confirmem sua
idoneidade. A particularidade de tal regime jurídico consiste
no fato de as declarações serem valoradas ‘conjuntamente’. O
Código prevê uma proibição de utilização caso não existam
outros elementos que confirmem a idoneidade das
declarações, vale dizer, a falta de confronto acarreta a
inutilizabilidade das declarações nos termos do art. 191” (A
prova no processo penal italiano. Trad. Alexandra Martins e
Daniela Mróz. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2002. p. 178,
grifei).

Essa sanção processual da inutilizabilidade não atinge o ato em si,


que subsiste válido do ponto de vista formal, mas tão somente seu valor
Manuale di procedura penale. 14. ed. Milão : Giuffrè Editore,
2013. p. 303-329.

38

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9346028.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. DIAS TOFFOLI

Inteiro Teor do Acórdão - Página 50 de 154

HC 127483 / PR

probatório, constituindo um limite ao livre convencimento do juiz,

“uma espécie de ‘prova legal negativa’ no sentido de que o


legislador exclui algum elemento de prova do material que é
utilizável pelo juiz para tomar uma decisão e motivá-la”
(TONINI, Paolo. Manuale di procedura penale. 14. ed. Milão:
Giuffrè Editore, 2013. p. 209-213).

De acordo com Vittorio Grevi, a norma do art. 192, § 3º, do Código


de Processo Penal italiano10 estabelece uma espécie de presunção relativa
de falta de fidedignidade das declarações incriminadoras feitas por
coimputado, exigindo-se sua valoração conjunta com outros elementos
probatórios idôneos a comprovar sua credibilidade. Trata-se de uma
exigência de confronto probatório extrínseco (“riscontro probatorio
extrínseco”) em relação à chamada de corréu (“chiamata in correità”) -
Compendio di procedura penale. Op. cit., p. 324.
A seu ver, essa escolha normativa tem o mérito de impor ao juiz um
trabalho de verificação, tendo em vista a necessidade de corroboração de
declarações particularmente delicadas em razão de sua origem, a fim de
que, na ausência dos imprescindíveis elementos de suporte, elas não
sejam utilizadas na decisão final. Por outro lado, ao prever que as
declarações do coimputado não sejam consideradas elementos
probatórios ex lege inutilizáveis, essa opção normativa evita o risco de
exclusão apriorística de provas que a experiência demonstra serem
preciosa fonte para o conhecimento dos fatos.
Tudo dependerá, para Vittorio Grevi, do êxito do juiz em
demonstrar, na motivação, a suficiência e a aptidão desses outros
elementos probatórios para corroborar a delação feita por coimputado.
Uma motivação que, naturalmente, estará suscetível a censura em grau de

10 Art. 193, parágrafo 3º, do Código de Processo


Penal italiano: “Le dichiarazioni rese dal coimputato del medesimo
reato o da persona imputata in un procedimento connesso a norma
dell'articolo 12 sono valutate unitamente agli altri elementi di prova
che ne confermano l'attendibilità”.

39

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9346028.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. DIAS TOFFOLI

Inteiro Teor do Acórdão - Página 51 de 154

HC 127483 / PR

recurso, seja no caso em que suas declarações sejam utilizadas como


prova, não obstante a ausência de elementos que a corroborem, seja no
caso oposto em que não venham a ser utilizadas, apesar de existirem
elementos probatórios potencialmente idôneos a conferir a elas
credibilidade (Compendio di procedura penale. Op. cit., p. 323-325).
Neste particular, o art. 4º, § 16, da Lei nº 12.850/13, ao prever que
“nenhuma sentença condenatória será proferida com fundamento apenas
nas declarações de agente colaborador”, inspira-se nitidamente no citado
art. 192, § 3º, do Código de Processo Penal italiano, que não exclui a
utilizabilidade probatória das declarações feitas por coimputado sobre a
responsabilidade alheia, mas, ao impor sua valoração conjunta com
outros elementos que confirmem sua credibilidade (“attendibilità”),
subordina sua utilização à necessidade de corroboração por elementos
externos de verificação (GREVI, Vittorio. Compendio di procedura
penale. 6. ed. p. 323-324).
Essa exigência de “corroboração para as declarações
heteroinculpatórias do imputado”, nas palavras de Perfecto Andrés
Ibánez, é frequente na prática jurisdicional. A seu ver,

“[c]orroborar, para o que aqui interessa, é dar força a uma


afirmação inculpatória de fonte testemunhal com dados
probatórios de outra procedência. Donde força é qualidade de
convicção (...)”
Assim, corroborar, aqui, é reforçar o valor probatório da
afirmação de uma testemunha relativa ao fato principal da
causa, mediante a aportação de dados de um fonte distinta,
referidos não diretamente a esse fato, mas a alguma
circunstância que com ele guarda relação, cuja constatação
confirmaria a veracidade do declarado pela primeiro” (Prueba
y convicción judicial en el proceso penal. Buenos Aires:
Hammurabi , 2009. p. 124-125).

Importante salientar que, para fins de corroboração das “declarações


heteroinculpatórias” do agente colaborador, não são suficientes, por si

40

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9346028.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. DIAS TOFFOLI

Inteiro Teor do Acórdão - Página 52 de 154

HC 127483 / PR

sós, as declarações harmônicas e convergentes de outro colaborador.


Nesse ponto, penso não assistir razão a Vittorio Grevi, para quem
nada obsta que os elementos de prova que confirmem uma delação
possam ser representados por declarações de um diverso coimputado
(“Con riguardo al quale nulla vieta che i predetti elementi di prova
possano essere rappresentati anche da dichiarazioni di un diverso
coimputato, seppure acquisite soltante mediante contestazione, ovvero
mediante lettura, in sede dibattimentale” - Op. cit. p. 325).
Como anota Gustavo Badaró,

“A lei não define a natureza do meio de prova do qual


advirão os elementos de corroboração do conteúdo da delação.
Em princípio, portanto, a corroboração pode se dar por
intermédio de qualquer meio de prova ou meio de obtenção
de prova: documentos, depoimentos, perícias, interceptações
telefônicas...
Mas uma questão interessante é se serão suficientes para
justificar uma condenação duas ou mais delações com
conteúdos concordes. É o que se denomina mutual
corroboration ou corroboração cruzada. Ou seja, o conteúdo da
delação do corréu A, imputando um fato criminoso ao corréu B,
ser corroborado por outra delação, do corréu C, que igualmente
atribua o mesmo fato criminoso a B.
Cabe observar que a regra do § 16 do art. 4º da Lei 12.850
não atinge a delação premiada quanto a sua admissibilidade.
Ao contrário, é uma prova admissível que, contudo, recebe um
descrédito valorativo, por ser proveniente de uma fonte
considerada ‘impura’, o que justifica seu ontológico quid minus
em relação ao testemunho.
Se assim é, e se o próprio legislador atribui à delação
premiada em si uma categoria inferior ou insuficiente, como
se pode admitir que a sua corroboração se dê com base em
elementos que ostentam a mesma debilidade ou
inferioridade?
Assim sendo, não deve ser admitido que o elemento
extrínseco de corroboração de uma outra delação premiada

41

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9346028.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. DIAS TOFFOLI

Inteiro Teor do Acórdão - Página 53 de 154

HC 127483 / PR

seja caracterizado pelo conteúdo de outra delação premiada.


Sendo uma hipótese de grande chance de erro judiciário, a
gestão do risco deve ser orientada em prol da liberdade. Neste,
como em outros casos, deve se optar por absolver um delatado
culpado, se contra ele só existia uma delação cruzada, a correr o
risco de condenar um delatado inocente, embora contra ele
existissem delações cruzadas” (O valor probatório da delação
premiada: sobre o § 16 do art. 4º da Lei nº 12.850/13. Revista
Jurídica Consulex, n. 443, fevereiro 2015, p. 26-29, grifo nosso).

V) DA PERSONALIDADE DO COLABORADOR E DO
DESCUMPRIMENTO DE ANTERIOR ACORDO DE
COLABORAÇÃO.

O art. 4º, § 1º, da Lei nº 12.850/13, prevê que, “em qualquer caso, a
concessão do benefício levará em conta a personalidade do colaborador, a
natureza, as circunstâncias, a gravidade e a repercussão social do fato
criminoso e a eficácia da colaboração”.
Esse dispositivo não erigiu a avaliação da personalidade do
colaborador em requisito de validade do acordo de colaboração.
Dado o próprio conceito legal de associação criminosa, previsto no
art. 1º, § 1º, da Lei nº 12.850/13, (“considera-se associação de 4 (quatro) ou
mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de
tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou
indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de
infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos,
ou que sejam de caráter transnacional”), é natural que seus integrantes,
em tese, possam apresentar uma personalidade desajustada ao convívio
social, voltada à prática de crimes graves.
O instituto da colaboração premiada, aliás, seria inócuo ou
encontraria rara aplicação caso fosse voltado apenas a agentes de perfil
psicológico favorável.
Estivesse a possibilidade de colaboração processual subordinada à
personalidade favorável do agente, jamais se teria obtido, na Itália, a

42

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9346028.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. DIAS TOFFOLI

Inteiro Teor do Acórdão - Página 54 de 154

HC 127483 / PR

colaboração de inúmeros pentiti (arrependidos) da Cosa Nostra,


comprometidos até a medula com o crime organizado, como Tommaso
Buscetta, Leonardo Messina, Salvatore Contorno, Antonino Calderone e
Francesco Marino Mannoia (o melhor químico da máfia, responsável pelo
refino de toneladas de heroína para diversas famiglie), que desvenderam
sua estrutura e forma de atuação para o juízes Giovanni Falcone e Paolo
Borsellino, “de todos os pontos de vista possíveis” (Coisas da Cosa
Nostra: a máfia vista por seu pior inimigo. Giovanni Falcone; com
Marcelle Padovani. Rio de Janeiro, Rocco, 2012. p. 77).
Em verdade, a personalidade do agente constitui vetor a ser
considerado no estabelecimento das cláusulas do acordo de colaboração,
notadamente a escolha da sanção premial a que fará jus o colaborador,
bem como no momento da aplicação dessa sanção pelo juiz, na sentença
(art. 4º, § 11, da Lei nº 12.850/13).
Dispõe o art. 4º da Lei nº 12.850/13:

“Art. 4º O juiz poderá, a requerimento das partes,


conceder o perdão judicial, reduzir em até 2/3 (dois terços) a
pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de
direitos daquele que tenha colaborado efetiva e
voluntariamente com a investigação e com o processo criminal,
desde que dessa colaboração advenha um ou mais dos
seguintes resultados:
I - a identificação dos demais coautores e partícipes da
organização criminosa e das infrações penais por eles
praticadas;
II - a revelação da estrutura hierárquica e da divisão de
tarefas da organização criminosa;
III - a prevenção de infrações penais decorrentes das
atividades da organização criminosa;
IV - a recuperação total ou parcial do produto ou do
proveito das infrações penais praticadas pela organização
criminosa;
V - a localização de eventual vítima com a sua integridade
física preservada.

43

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9346028.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. DIAS TOFFOLI

Inteiro Teor do Acórdão - Página 55 de 154

HC 127483 / PR

O parágrafo primeiro desse dispositivo determina que, “em


qualquer caso, a concessão do benefício levará em conta a personalidade
do colaborador, a natureza, as circunstâncias, a gravidade e a repercussão
social do fato criminoso e a eficácia da colaboração”.
Esse parágrafo em momento algum estabelece requisitos para o
acordo de colaboração, pois o art. 4º, caput, não dispõe sobre o acordo de
colaboração, mas sim sobre a sanção premial a ser atribuída ao
colaborador.
Nesse sentido, aliás, o art. 13, parágrafo único, da Lei nº 9.807/99, ao
tratar da proteção aos réus colaboradores, de forma mais explícita prevê
que “a concessão do perdão judicial levará em conta a personalidade do
beneficiado e a natureza, circunstâncias, gravidade e repercussão social
do fato criminoso”.
Logo, o “benefício” a que alude o art. 4º, § 1º, da Lei nº 12.850/13,
não é o acordo de colaboração propriamente dito, mas sim a sanção
premial outorgada em consequências da efetividade da colaboração:
perdão judicial, redução de pena ou substituição por restritiva de direitos.
Tanto isso é verdade que o art. 4º, § 1º, da Lei nº 12.850/13 se refere à
“eficácia da colaboração” para a concessão e modulação da sanção
premial. E, por óbvio, a eficácia da colaboração jamais poderia ser
avaliada ex ante, mas somente ex post, ou seja, após a homologação do
acordo e a efetiva cooperação do agente.
Em suma, é equivocado supor-se que a personalidade favorável do
agente constitua requisito de validade do acordo de colaboração.
Também a “confiança” no agente colaborador não constitui elemento
de existência ou requisito de validade do acordo de colaboração.
Diversamente do que sustentam os impetrantes, a confiança não se
extrai, previamente, da personalidade, das características pessoais ou dos
antecedentes do delator; ela é construída objetivamente a partir da
fidedignidade das informações por ele prestadas, dos elementos de prova
que concretamente vierem a corroborá-las e de sua efetividade para as
investigações.

44

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9346028.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. DIAS TOFFOLI

Inteiro Teor do Acórdão - Página 56 de 154

HC 127483 / PR

Tanto isso é verdade que, para a validade do acordo, pouco importa


o móvel do agente colaborador.
Como aduz Alberto Silva Franco, embora tratando da delação
premiada prevista no art. 14 da Lei nº 9.807/99,

“[a] conduta do delator deve ter relevância, sob o enfoque


objetivo e deve ser voluntária, sob o ângulo subjetivo. Pouco
importa que tal conduta não tenha sido espontânea. Tem o
mesmo significado a cooperação que decorre de um
arrependimento efetivo e sincero ou que tenha sido dada por
mero cálculo ou que tenha decorrido de um sentimento de
vingança. Não interessa, para efeito da delação premiada, a
motivação do delator (...)” (Crimes hediondos. 6. ed., rev. atual.
e ampl. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2007. p. 343/343).

Pretender que o Estado deva confiar na pessoa do delator, além da


indesejável subjetividade que permearia esse juízo de valor, contrariaria a
própria essência do instituto da colaboração premiada, que se volta a
integrantes de organização criminosa, os quais não se qualificam
exatamente como cidadãos de ilibada reputação ou paradigmas do
bonus pater familias.
Irrelevante, nesse contexto, que o juízo da 13. Vara Federal Criminal
de Curitiba, na sentença condenatória proferida nos autos da ação penal
nº 5035707-53.2014.404.7000/PR, tenha valorado negativamente a
personalidade do colaborador Alberto Youssef, “por reconhecer seu
profundo envolvimento na atividade criminal”, bem como que o tenha
qualificado como “um criminoso profissional”, que “[t]eve sua grande
chance de abandonar o mundo do crime com o acordo de colaboração
premiada, mas a desperdiçou, como indicam os fatos que levaram à
rescisão do acordo” (anexo 8, fl. 34).
Irrelevante, também, que Alberto Youssef tenha descumprido
anterior acordo de colaboração homologado por aquele juízo federal,
uma vez que esse inadimplemento cingiu-se àquele negócio jurídico
processual, sem o condão de contaminar, a priori, futuros acordos de

45

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9346028.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. DIAS TOFFOLI

Inteiro Teor do Acórdão - Página 57 de 154

HC 127483 / PR

mesma natureza.
Como destacado pelo Procurador-Geral da República em sua
manifestação no agravo regimental,

“(...) muito embora tenha voltado a praticar crimes,


situação que expõe, de fato, sua personalidade voltada ao
delito, não há impeditivo algum na legislação para que ele
voltasse a colaborar na apuração desses novos crimes. Em
verdade, essa circunstância foi considerada exatamente para
limitar os benefícios que teria se não tivesse cometido outros
fatos anteriormente”.

VI) DA POSSIBILIDADE DE O ACORDO DE COLABORAÇÃO


DISPOR SOBRE OS EFEITOS EXTRAPENAIS DE NATUREZA
PATRIMONIAL DA CONDENAÇÃO.

Aduzem os impetrantes que o acordo de colaboração de Alberto


Youssef prevê a liberação de imóveis de vultoso valor a sua ex-mulher e a
suas filhas, adquiridos com os proventos da infração e ocultados por meio
de lavagem de dinheiro. Sustentam que, “ao liberar bens que, em tese,
poderiam ser objeto de reparação do dano civil por parte da Petrobras, o
acordo violou a preferência legal do ofendido na recuperação de ativos,
prevista no art. 125 do Código de Processo Penal; art. 7º, inciso I, da Lei nº
9.615/98; art. 57 do Decreto nº 5.687/2006 (Convenção de Mérida) e art. 12
do Decreto nº 5.015/2004 (Convenção de Palermo)”.
Ocorre que as cláusulas em questão não repercutem, nem sequer
remotamente, na esfera jurídica do ora paciente, que não tem, portanto,
interesse jurídico para impugná-las nem legitimidade para postular em
nome da União, como beneficiária de eventual confisco, ou da Petrobras.
Ainda que assim não fosse, reputo válidas as cláusulas do acordo de
colaboração que dispõem sobre a transmissão às filhas e à ex-mulher do
agente colaborador de dois imóveis seus.
Quanto a esse aspecto, Frederico Valdez Pereira observa que

46

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9346028.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. DIAS TOFFOLI

Inteiro Teor do Acórdão - Página 58 de 154

HC 127483 / PR

“[o]utra questão é se o MP pode incluir nas concessões ao


agente cooperante efeitos econômicos que decorreriam da
condenação, como a perda de bens e valores que constituam
proveito auferido com a prática do delito. Nessa situação, a
solução é um pouco mais complexa do que poderia sugerir um
raciocínio embasado na lógica simplista de ‘quem pode o mais,
pode o menos’, pois a relação entre sanções penais e civis é de
qualidade, e não de quantidade; trata-se de instâncias
autônomas que se comunicam nos limites regulados pela
legislação. No caso do Brasil, os diplomas legais que tratam de
benefícios no âmbito da apenação aos pentiti não preveem que
possam englobar efeitos civis econômico-financeiros, e já foi
dito no capítulo inicial que, à diferença do sistema
estadunidense do plea bargaining, não existe inserção de livre
juízo discricionário por parte dos órgãos de persecução penal
no que tange aos arrependidos; somente a lei pode disciplinar
natureza e extensão das medidas premiais, retirando, deste
modo, alguma ampla discricionariedade dos órgãos
repressivos, e mesmo jurisdicionais, quanto à sanção a ser
aplicada.
Com efeito, pode admitir-se alguma espécie de concessão
no campo patrimonial apenas na hipótese de atribuição do
perdão judicial, tendo em vista a natureza da sentença
concessiva de extinção da punibilidade com base no inc. IX do
art. 107 do CP. Embora permaneça algum dissenso na doutrina,
prevalece o entendimento de que, pelo perdão judicial, o
acusado não é considerado condenado, havendo sim, decisão
declaratória de extinção da punibilidade, sem qualquer efeito
condenatório, portanto não haveria que se cogitar da incidência
do art. 92, inc. II, b, do Código Penal, como ocorre nos casos de
mera redução da penalidade aplicada, e o órgão do MP poderia
incluir um benefício ao colaborador consistente na utilização do
proveito auferido pela prática do crime; de qualquer modo, a
decisão não vincularia o juízo civil em eventual ação para o
ressarcimento ou restituição desses bens ou valores” (p. 140-
141).

47

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9346028.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. DIAS TOFFOLI

Inteiro Teor do Acórdão - Página 59 de 154

HC 127483 / PR

Penso, todavia, que o acordo de colaboração pode dispor sobre


questões patrimoniais relacionadas ao proveito auferido pelo colaborador
com a prática dos crimes a ele imputados.
A Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado
Transnacional (Convenção de Palermo), aprovada pelo Congresso
Nacional pelo Decreto Legislativo nº 231/03 e incorporada ao
ordenamento jurídico brasileiro pelo Decreto nº 5.015, de 12 de março de
2004, expressamente admite que seus signatários adotem “as medidas
adequadas” para que integrantes de organizações criminosas colaborem
para o desvendamento de sua estrutura e a identificação de coautores e
partícipes:

“Artigo 26. Medidas para intensificar a cooperação com as


autoridades competentes para a aplicação da lei.

1. Cada Estado Parte tomará as medidas adequadas para


encorajar as pessoas que participem ou tenham participado
em grupos criminosos organizados:
a) A fornecerem informações úteis às autoridades
competentes para efeitos de investigação e produção de provas,
nomeadamente:
i) A identidade, natureza, composição, estrutura,
localização ou atividades dos grupos criminosos organizados;
ii) As conexões, inclusive conexões internacionais, com
outros grupos criminosos organizados;
iii) As infrações que os grupos criminosos organizados
praticaram ou poderão vir a praticar;
b) A prestarem ajuda efetiva e concreta às autoridades
competentes, susceptível de contribuir para privar os grupos
criminosos organizados dos seus recursos ou do produto do
crime.
2. Cada Estado Parte poderá considerar a possibilidade,
nos casos pertinentes, de reduzir a pena de que é passível um
arguido que coopere de forma substancial na investigação ou

48

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9346028.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. DIAS TOFFOLI

Inteiro Teor do Acórdão - Página 60 de 154

HC 127483 / PR

no julgamento dos autores de uma infração prevista na


presente Convenção.”

Também a Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção


(Convenção de Mérida), aprovada pelo Congresso Nacional pelo Decreto
Legislativo nº 348/05 e incorporada ao ordenamento jurídico brasileiro
pelo Decreto nº 5.687, de 31 de janeiro de 2006, estabelece, em seu art.
37.2, que

“[c]ada Estado Parte considerará a possibilidade de


prever, em casos apropriados, a mitigação de pena de toda
pessoa acusada que preste cooperação substancial à
investigação ou ao indiciamento dos delitos qualificados de
acordo com a presente Convenção” .

Embora o confisco, de acordo com o art. 92, II, c, do Código Penal,


não se qualifique como pena acessória, mas sim como efeito extrapenal
da condenação, uma interpretação teleológica das expressões “redução
de pena”, prevista na Convenção de Palermo, e “mitigação de pena”,
prevista na Convenção de Mérida, permite que elas compreendam,
enquanto abrandamento das consequências do crime, não apenas a
sanção penal propriamente dita, como também aquele efeito extrapenal
da condenação.
Logo, havendo previsão em Convenções firmadas pelo Brasil para
que sejam adotadas “as medidas adequadas para encorajar” formas de
colaboração premiada, tais como a redução ou mitigação da pena (no
sentido, repita-se, de abrandamento das consequências do crime),
parece-me lícito, sem prejuízo de ulterior e mais aprofundada reflexão
sobre o tema, que o acordo de colaboração, ao estabelecer as sanções
premiais a que fará jus o colaborador dentre as “condições da proposta
do Ministério Público ou do delegado de polícia” (art. 6º, II, da Lei nº
12.850/13), possa também dispor sobre questões de caráter patrimonial,
como o destino de bens adquiridos com o produto da infração pelo
agente colaborador, em seu nome ou de interposta pessoa.

49

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9346028.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. DIAS TOFFOLI

Inteiro Teor do Acórdão - Página 61 de 154

HC 127483 / PR

Aliás, se a colaboração exitosa pode afastar ou mitigar a aplicação


da própria pena cominada ao crime (respectivamente, pelo perdão
judicial ou pela redução de pena corporal ou sua substituição por
restritiva de direitos), a fortiori, não há nenhum óbice a que também
possa mitigar os efeitos extrapenais de natureza patrimonial da
condenação, como o confisco “do produto do crime ou de qualquer bem
ou valor que constitua proveito auferido pelo agente com a prática do
fato criminoso” (art. 91, II, b, do Código Penal), e de todos os bens,
direitos e valores relacionados, direta ou indiretamente, à prática dos
crimes de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores (art. 7º, I, da
Lei nº 9.613/98).
Mais: o art. 4º, § 4º, da Lei nº 12.850/13 prevê que

“[o] Ministério Público poderá deixar de oferecer


denúncia se o colaborador:
I) não for o líder da organização criminosa;
II) for o primeiro a prestar efetiva colaboração nos termos
deste artigo”.

Dessa feita, se a colaboração frutífera também pode conduzir ao não


oferecimento da denúncia e, por via de consequência, à impossibilidade
de perda patrimonial como efeito da condenação, parece-me plausível
que determinados bens do colaborador possam ser imunizados contra
esse efeito no acordo de colaboração, no caso de uma sentença
condenatória.
Registre-se que, nos termos do art. 5º, I, da Lei nº 12.850/13, é direito
do colaborador “usufruir das medidas de proteção previstas na legislação
específica”.
Neste particular, dispõe o art. 7º da Lei nº 9.807/99:

“Art. 7º Os programas compreendem, dentre outras, as


seguintes medidas, aplicáveis isolada ou cumulativamente em
benefício da pessoa protegida, segundo a gravidade e as
circunstâncias de cada caso:

50

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9346028.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. DIAS TOFFOLI

Inteiro Teor do Acórdão - Página 62 de 154

HC 127483 / PR

I - segurança na residência, incluindo o controle de


telecomunicações;
II - escolta e segurança nos deslocamentos da residência,
inclusive para fins de trabalho ou para a prestação de
depoimentos;
III - transferência de residência ou acomodação provisória
em local compatível com a proteção;
IV - preservação da identidade, imagem e dados pessoais;
V - ajuda financeira mensal para prover as despesas
necessárias à subsistência individual ou familiar, no caso de a
pessoa protegida estar impossibilitada de desenvolver trabalho
regular ou de inexistência de qualquer fonte de renda;
VI - suspensão temporária das atividades funcionais, sem
prejuízo dos respectivos vencimentos ou vantagens, quando
servidor público ou militar;
VII - apoio e assistência social, médica e psicológica;
VIII - sigilo em relação aos atos praticados em virtude da
proteção concedida;
IX - apoio do órgão executor do programa para o
cumprimento de obrigações civis e administrativas que exijam o
comparecimento pessoal.
Parágrafo único. A ajuda financeira mensal terá um teto
fixado pelo conselho deliberativo no início de cada exercício
financeiro.”

Ora, se um dos objetivos do programa de proteção é conferir meios


de subsistência ao colaborador e a sua família, impondo ao Estado o
dever de fornecer-lhe residência e ajuda financeira mensal, possibilitar-se
que o colaborador permaneça com determinados bens ou valores mostra-
se congruente com os mencionados fins, inclusive por desonerar o Estado
daquela obrigação.
Em suma, não soa desarrazoado que o Estado-Administração,
representado pelo titular da ação penal pública, possa dispor, no acordo
de colaboração, sobre questões de natureza patrimonial, ressalvado o
direito de terceiros de boa-fé.

51

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9346028.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. DIAS TOFFOLI

Inteiro Teor do Acórdão - Página 63 de 154

HC 127483 / PR

Ademais, essa cláusula patrimonial somente produzirá efeitos se o


agente colaborador cumprir integralmente a obrigação por ele assumida
no acordo, quando, então, terá direito subjetivo a sua aplicação.

VII) DO DIREITO SUBJETIVO DO COLABORADOR À


SANÇÃO PREMIAL.

Caso a colaboração seja efetiva e produza os resultados almejados,


há que se reconhecer o direito subjetivo do colaborador à aplicação das
sanções premiais estabelecidas no acordo, inclusive de natureza
patrimonial.
Segundo José Carlos Vieira de Andrade,

“o direito subjetivo exprime a soberania jurídica (limitada


embora) do indivíduo, quer garantindo-lhe certa liberdade de
decisão, quer tornando efetiva a afirmação do ‘poder de querer’
que lhe é atribuído. Poder (disponibilidade), liberdade (vontade)
e exigibilidade (efetividade) são, deste modo, elementos básicos
para a construção do conceito de direito subjetivo” (Os direitos
fundamentais na constituição portuguesa de 1976. Coimbra :
Almedina, 1987. p. 163-164).

Para Martin Borowski, a justiciabilidade, ou seja, sua exigibilidade


judicial, é a nota característica do direito subjetivo (La estructura de los
derechos fundamentales. Trad. Carlos Bernal Pulido. Bogotá:
Universidad Externado de Colombia, 2003. p. 40-47 e 119-120).
Assim, caso se configure, pelo integral cumprimento de sua
obrigação, o direito subjetivo do colaborador à sanção premial, tem ele o
direito de exigi-la judicialmente, inclusive recorrendo da sentença que
deixar de reconhecê-la ou vier a aplicá-la em desconformidade com o
acordo judicialmente homologado, sob pena de ofensa aos princípios da
segurança jurídica e da proteção da confiança.
Como registra Humberto Ávila,

52

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9346028.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. DIAS TOFFOLI

Inteiro Teor do Acórdão - Página 64 de 154

HC 127483 / PR

“O objeto da segurança jurídica normalmente é


qualificado como abrangendo as consequências jurídicas de
atos ou de fatos: há segurança jurídica quando o cidadão tem a
capacidade de conhecer e de calcular os resultados que serão
atribuídos pelo Direito ao seus atos. Essa é a constatação geral.
Como o princípio da segurança jurídica se dirige aos três
Poderes, a sua aplicação pode dizer respeito a uma norma geral,
legal ou regulamentar, a um ato administrativo ou a uma
decisão administrativa ou judicial. Nesse sentido, os ideais de
confiabilidade e de calculabilidade, baseados na sua
cognoscibilidade, vertem sobre cada um desses objetos”
(Segurança jurídica: entre permanência, mudança e realização
no direito tributário. 2. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2012.
p. 144).

A segurança jurídica, de acordo com Humberto Ávila, traduz-se na


“exigência de um ordenamento jurídico protetor de expectativas e
garantidor de mudanças estáveis” (“confiabilidade”), bem como na
possibilidade de o cidadão conseguir prever, com alto grau de
determinação (certeza relativa), o conteúdo das normas a que está sujeito
(“determinabilidade”) e, em medida razoável de profundidade e
extensão, as consequências jurídicas que serão atribuídas a seus atos e
que o ordenamento determina que sejam implementadas
(“calculabilidade”) - op. cit., p. 130 174-179.
Finalmente, enquanto a dimensão objetiva da segurança jurídica
demanda estabilidade e credibilidade do ordenamento jurídico, sua
dimensão subjetiva demanda a intangibilidade de situações subjetivas,
com base no princípio da proteção da confiança (Humberto Ávila, op. cit.,
p. 145-146).
José Joaquim Gomes Canotilho, ao tratar dos princípios da
segurança jurídica e da proteção da confiança como elementos
constitutivos do Estado de Direito, afirma que

“[e]m geral, a segurança jurídica está conexionada com


elementos objetivos da ordem jurídica – garantia de

53

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9346028.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. DIAS TOFFOLI

Inteiro Teor do Acórdão - Página 65 de 154

HC 127483 / PR

estabilidade jurídica, segurança de orientação e realização do


direito – enquanto a protecção da confiança se prende mais
com as componentes subjectivas da segurança, designadamente
a calculabilidade e a previsibilidade dos indivíduos em relação
aos efeitos jurídicos dos actos dos poderes públicos. A
segurança e a protecção da confiança exigem, no fundo: (1)
fiabilidade, clareza, racionalidade e transparência dos actos do
poder; (2) de forma que em relação a eles o cidadão veja
garantida a segurança nas suas disposições pessoais e nos
efeitos jurídicos dos seus próprios actos. Deduz-se já que os
postulados da segurança jurídica e da protecção da confiança
são exigíveis perante qualquer acto de qualquer poder - legislativo,
executivo e judicial. O princípio geral da segurança jurídica em
sentido amplo (abrangendo, pois, a ideia de protecção da
confiança) pode formular-se do seguinte modo: o indivíduo tem
do direito poder confiar em que aos seus actos ou às decisões
públicas incidentes sobre os seus direitos, posições ou relações
jurídicas alicerçadas em normas jurídicas vigentes e válidas se
ligam os efeitos jurídicos previstos e prescritos por essas
mesmas normas” (Direito Constitucional. Coimbra: Almedina,
1998. p. 250, grifo nosso).

Portanto, os princípios da segurança jurídica e da proteção da


confiança tornam indeclinável o dever estatal de honrar o compromisso
assumido no acordo de colaboração, concedendo a sanção premial
estipulada, legítima contraprestação ao adimplemento da obrigação por
parte do colaborador.
No Estado Constitucional de Direito, não se pode permitir a atuação
da potestade punitiva contra ou fora de suas próprias regras (IBÁÑEZ,
Perfecto Andrés. Prueba y convicción judicial en el proceso penal.
Buenos Aires : Hammurabi, 2009. p. 191).
Como observam Luiz Flávio Gomes e Marcelo Rodrigues da Silva,

“[o] acordo não pode gerar obrigações somente para o


acusado colaborador. O Estado também assume obrigações, e

54

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9346028.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. DIAS TOFFOLI

Inteiro Teor do Acórdão - Página 66 de 154

HC 127483 / PR

uma delas é justamente conceder os prêmios nos moldes do que


foi pactuado e devidamente homologado pelo juiz.
Não haveria sentido à homologação se não vinculasse o
Poder Judiciário. Aliás, a homologação judicial tem a finalidade
de garantir futuramente o cumprimento do acordo pelo Estado-
juiz se alcançar os resultados.
O artigo 4º, caput[,] da Lei 12.850/13 reza que o juiz
‘poderá’ conceder um dos prêmios lá previstos, fazendo
transparecer que seria faculdade do juiz. Contudo, se o
colaborador cumpriu todo o acordo, tendo sua cooperação sido
determinante no alcance dos resultados lá previstos, será um
dever do magistrado conceder os prêmios.
O juiz está na realidade vinculado ao acordo celebrado se
ele [o] homologou. Prova de que o juiz vincula-se ao acordo de
colaboração é a redação do artigo 4º, § 1º[,] da Lei nº 12.850/13,
que reza que ‘a sentença apreciará os termos do acordo
homologado e sua eficácia’. Vale dizer, o juiz apenas avaliará os
resultados obtidos e os objetivos pretendidos, concedendo os
prêmios na exata medida do que foi pactuado.
(…)
Claro que é na ocasião da sentença, após terminada a
instrução e obtido o conjunto da prova, que o juiz poderá
apurar com maior precisão o requisito da eficácia da
colaboração, podendo, então, suprimir, total ou parcialmente, o
benefício concedido, de forma justificada, caso, ao final, se
comprove que a colaboração não foi eficaz” (Organizações
criminosas e técnicas especiais de investigação – questões
controvertidas, aspectos teóricos e práticos e análise da Lei
12.850/2013. Salvador: JUSPODIUM, 2015. p. 283-284).

Também Frederico Valdez Pereira assenta que, tendo o colaborador


auxiliado as autoridades, revelando os fatos de que tinha conhecimento, a
incidência do benefício estipulado não constitui mero exercício de
discricionariedade judicial, mas sim direito subjetivo a seu recebimento.
Para esse autor,

55

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9346028.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. DIAS TOFFOLI

Inteiro Teor do Acórdão - Página 67 de 154

HC 127483 / PR

“[o] acordo preliminar homologado judicialmente não


importa a concessão antecipada do benefício, mas significa que,
preenchidos os seus termos, cumprindo o agente com suas
obrigações e ônus assumidos no acerto, passa a ter direito a
tratamento favorável, o que deveria mesmo constar no termo, o
qual é condicional, mas vinculado pelo seu conteúdo” (Delação
premiada: legitimidade e procedimento. 2. ed. Curitiba: Juruá,
2014. p. 138).

É evidente que “a extensão e profundidade dos elementos revelados


pelo agente colaborador deverão influenciar de forma relevante a
extensão do benefício ajustado”, mas, para sua aferição,

“(...) haverá de se considerar também o que constou do


compromisso prévio firmado entre o órgão da acusação e o
colaborador, pois o compromisso serve de referência
importante da conduta do colaborador e na definição da
dimensão do favor, e o momento para o juiz recusar ou
adequar os termos do acordo e a dimensão do benefício
previsto é no momento de sua homologação, conforme §§ 7º e
8º da Lei 12.850, eventual alteração posterior apenas poderia se
fundamentar em descumprimento total ou parcial dos
compromissos assumidos pelo colaborador, nos termos do § 11
do mesmo dispositivo; ou ainda com base na previsão do § 2º,
de concessão do perdão judicial em consideração à relevância
da colaboração prestada, verificada após a definição do acordo
originário” (Frederico Valdez Pereira, op. cit., p. 140, grifei).

Dessa feita,

“reconhecidos em concreto o preenchimento dos


requisitos da colaboração, servindo os depoimentos do agente
para subsidiar a atuação da autoridade policial ou do órgão de
acusação no juízo criminal, cumprindo o colaborador com os
compromissos assumidos anteriormente, o agente passa a ter
direito subjetivo à concessão do benefício. Com a renúncia do

56

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9346028.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. DIAS TOFFOLI

Inteiro Teor do Acórdão - Página 68 de 154

HC 127483 / PR

direito constitucional ao silêncio em benefício da


investigação, não há como se afastar a concessão do benefício,
o qual terá a sua dimensão definida no caso concreto, sujeita até
mesmo a recurso à instância superior quando houver
insatisfação de uma das partes” (Frederico Valdez Pereira, op.
cit., p. 193, grifei).

Nesse sentido, já decidiu o Supremo Tribunal Federal que,

“(...) a partir do momento em que o Direito admite a


figura da delação premiada como causa de diminuição de pena
e como forma de buscar a eficácia do processo criminal,
reconhece que o réu delator assume uma postura sobremodo
incomum: afastar-se do próprio instinto de conservação ou
autoacobertamento, tanto individual quanto familiar, sujeito
que fica a retaliações de toda ordem. Daí porque, ao negar ao
delator o exame do grau da relevância de sua colaboração ou
mesmo criar outros injustificados embaraços para lhe sonegar a
sanção premial da causa de diminuição da pena, o Estado-juiz
assume perante ele conduta desleal, a contrapasso do conteúdo
do princípio que, no caput do art. 37 da Constituição, toma o
explícito nome de moralidade” (HC nº 99.736/DF, Primeira
Turma, Relator o Ministro Ayres Britto, DJe de 21/5/10).

Ante todo o exposto, conheço do habeas corpus e, no mérito, denego


a ordem.
É como voto.

57

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9346028.
Supremo Tribunal Federal
Aditamento ao Voto

Inteiro Teor do Acórdão - Página 69 de 154

26/08/2015 PLENÁRIO

HABEAS CORPUS 127.483 PARANÁ

ADITAMENTO AO VOTO

O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI (RELATOR):


Então, Senhor Presidente, é contra essa decisão que os impetrantes
apresentaram o habeas corpus.
O eminente advogado traz uma questão que é de fundamental
importância: como poderia acionar o paciente deste caso, que não tem
prerrogativa de foro, alguma nulidade ou alguma arguição nas instâncias
inferiores, se esse acordo está homologado por um ministro do Supremo
Tribunal Federal? Como atuar na linha do agravo regimental se não é
parte na petição? Não haveria, então, a legitimidade processual, embora
aqui tenha sustentado a Vice-Procuradora-Geral da República em sentido
contrário, que o eminente advogado deveria ter tentado essa via junto ao
Relator anteriormente.
Eu, de início, neguei seguimento ao habeas corpus, na linha da
jurisprudência na qual eu sou vencido - reitero, sou vencido. Por que sou
vencido, junto com o Ministro Marco Aurélio, como também já foi
vencido o Ministro Celso de Mello e o Ministro Lewandowski? Porque a
alínea "i" do inciso I do art. 102 é claríssima.
Pois bem. Fiz, como tenho de praxe feito, para facilitar e poder
resumir o julgamento, circular proposta de minuta de voto - que, muitas
vezes, até em razão de termos que aprofundar o tema, é, até a última
hora, passível de alteração, pois podemos, inclusive, mudar de
posicionamento. Na minuta que fiz circular, inicio por não conhecer do
habeas corpus. Mas, como faço em todos os casos que julgo na Turma,
aprecio, mesmo nas hipóteses da Súmula 691, mesmo nas hipóteses de
não conhecimento, se, no caso concreto, existe ou não a possibilidade da
concessão de habeas corpus de ofício. E por que o faço? Porque, da minha
óptica, desde o Código de Processo Penal do Império, é dever do
magistrado, em qualquer juízo, instância ou tribunal, ao tomar

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9438973.
Supremo Tribunal Federal
Aditamento ao Voto

Inteiro Teor do Acórdão - Página 70 de 154

HC 127483 / PR

conhecimento de algum ato que esteja a coagir a liberdade de ir e vir de


qualquer cidadão, conceder a ordem de habeas corpus de ofício, em
qualquer juízo, instância ou tribunal. Então, eu sempre analiso as
questões colocadas. Muito mais diante da questão de fundo aqui trazida,
em que há essas questões características do nosso Direito, com relação a
desmembramento de processos e de instâncias de processamento e de
julgamento, em razão da prerrogativa de foro. No caso concreto, o
paciente não tem prerrogativa de foro nesta Corte.
Por outro lado, os temas de fundo aqui colocados envolvem balizas
que eu penso que essa Suprema Corte, sobre elas, tem o dever de
manifestar-se, até para formar e ditar orientações a respeito do tema, pois
esse instituto da delação premiada, nesta nova roupagem trazida pela
legislação de 2013, traz elementos que não havia nas legislações
anteriores e que, por isso, podem dar ensejo a interpretações diversas. E
tendo esta Corte, então, diante de si, uma primeira causa, e uma causa
extremamente relevante e importante que, além de tudo, é trazida com
fina lavra, seja na impetração, seja em parecer do conhecimento de todos
da Corte, seja nas manifestações da Procuradoria-Geral da República, eu
penso que nós temos que enfrentar os temas aqui colocados. E eu os
enfrentarei, conhecendo-se ou não da ordem, porque analisarei se há ou
não a possibilidade de uma concessão de ofício.
Mas não vou colocar a questão agora, pois gostaria de fazer o
resumo de meu voto, que são 62 páginas, Senhor Presidente, para poder
dar a dimensão de todo o caso e, depois, verificar a questão do
conhecimento, até porque eu analiso sob a óptica da concessão ou não da
ordem, seja de ofício, seja de mérito.
Assim, passo a analisar, Senhor Presidente, o tópico II de meu voto,
que está às fl. 12 e ss. O que é a colaboração premiada? E, desde o título,
eu já estou dando a resposta: o título do item II do meu voto é "Da
colaboração premiada como meio de obtenção de prova". A colaboração
premiada não é prova, ela é meio de obtenção de prova.
Vou tentar, Senhor Presidente, resumir, eminentes colegas, o quanto
possível, o voto e resumir as citações que faço.

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9438973.
Supremo Tribunal Federal
Aparte

Inteiro Teor do Acórdão - Página 71 de 154

26/08/2015 PLENÁRIO

HABEAS CORPUS 127.483 PARANÁ

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Vossa Excelência me


permite?

O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI (RELATOR):


Pois não. Estava precisando de um aparte para poder tomar um
pouco de ar e água.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Pois é, para tomar um


fôlego. Articula-se que a denúncia teria surgido em face da delação. Então
se pode, realmente, ver o interesse jurídico na impugnação do ato que
implicou a homologação do acordo.

O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI (RELATOR):


Eu até provoquei, citando Vossa Excelência, porque já conversamos,
já discutimos sobre esse tema, na Primeira Turma, quando tive a honra de
lá estar. Sei que esse é um tema que lhe é muito caro.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – É interessante o tema.


Em tese, pode haver o interesse em impugnar o objeto da delação, desde
que tenha servido para ofertar a denúncia.

O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI (RELATOR):


Mas prossigo, e sempre aberto aos debates e às discussões, mas
prossigo na linha de meu convencimento, por ora, no sentido de que a
homologação do acordo de colaboração não produz nenhum efeito na
esfera do delatado.

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9438974.
Supremo Tribunal Federal
Explicação

Inteiro Teor do Acórdão - Página 72 de 154

26/08/2015 PLENÁRIO

HABEAS CORPUS 127.483 PARANÁ

EXPLICAÇÃO

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI


(PRESIDENTE) - Cumprimento Vossa Excelência pelo enfrentamento
desse problema, instituto muito debatido pela doutrina, ainda pouco
estudado pelos tribunais; portanto, não há jurisprudência sobre a matéria.
Eu mesmo tenho refletido sobre o tema com bastante afinco porque
sabíamos que íamos enfrentá-lo em certo momento.
De qualquer maneira, Vossa Excelência trouxe uma contribuição
primorosa e que deverá ser objeto de estudo não apenas por parte dos
magistrados, mas também por parte da própria academia.
Eu vou colher os votos. O Ministro Edson Fachin deverá se
manifestar sobre o conhecimento também desse habeas corpus porque essa
é uma questão preliminar importante, e depois, Vossa Excelência, em
querendo, poderá tecer algumas considerações ou não sobre o mérito,
porque, se a maioria do Pleno não conhecer do habeas corpus...

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Poderemos até ganhar


tempo, Presidente, porque o Relator examinou a matéria de fundo.
Admite o habeas corpus e aventa a possibilidade de implemento da ordem
de ofício. Nós outros talvez possamos, para definir se prevalece a
jurisprudência sedimentada de ontem ou a de hoje, nos concentrar na
preliminar, que entendo mais importante do que a matéria de fundo.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI


(PRESIDENTE) - Há um detalhe interessante, Ministro Marco Aurélio.
Eu até conheço a posição de Vossa Excelência, eu observo que essa
Súmula 606, que estabelece que não se conhece de habeas corpus de ato de
juiz, é de 17 de outubro de 1984; portanto, anterior à Constituição. E a
Constituição, expressamente - apenas digo isso para refletirmos -, no

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9465532.
Supremo Tribunal Federal
Explicação

Inteiro Teor do Acórdão - Página 73 de 154

HC 127483 / PR

artigo 102, I, d, estabelece que cabe, sim, habeas corpus contra ato do
próprio Supremo.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Logicamente não


vamos poder cogitar de inconstitucionalidade desse preceito, no que
decorreu do poder constituinte originário.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI


(PRESIDENTE) - É interessante isso. Eu mesmo, eminente Ministro
Marco Aurélio, mas sem querer influir na opinião dos eminentes Pares,
em 2007, quando determinei a prisão preventiva para efeito de extradição
de um cidadão chamado Freddy Eusébio Rincón Valencia, que era um
famoso jogador de futebol e estava acusado de tráfico de drogas e
entorpecentes, a Colômbia, salvo engano, pretendia a extradição. E, como
nossa jurisprudência determina, estando, a meu ver, presentes os
pressupostos para a prisão preventiva para fins de extradição, eu
determinei a prisão. Mas sobreveio o Habeas Corpus 91.657, que foi
distribuído ao eminente Ministro Gilmar Mendes, e a minha decisão, em
2007, foi revertida por este Plenário - portanto, que conheceu -, mesmo
contrariamente à Súmula 606, anterior à Carta de 88, e acabou, então,
realmente, de certa maneira, temperando esse entendimento que,
aparentemente, afigura-se peremptório. Mas apenas umas reflexões
iniciais.

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9465532.
Supremo Tribunal Federal
Voto s/ Conhecimento

Inteiro Teor do Acórdão - Página 74 de 154

26/08/2015 PLENÁRIO

HABEAS CORPUS 127.483 PARANÁ

VOTO S/ CONHECIMENTO

O SENHOR MINISTRO EDSON FACHIN - Senhor Presidente,


ilustres Pares, eminente Relator, permito-me, inicialmente, cumprimentar
o Ministro Toffoli pela análise zelosa, percuciente e detalhada que fez do
instituto da colaboração premiada. E, valendo-me das palavras do Senhor
Presidente, Vossa Excelência acaba de nos dizer que temos um encontro
marcado com esse tema.
No meu modo de ver, nada obstante os cumprimentos que aqui faço,
concluo que o caso em pauta é menor que o tema. Em outras palavras,
penso - e este é o meu sentimento - que a preliminar suscitada, não
obstante vencida por Sua Excelência o Relator, é, a rigor, um óbice
intransponível, e não me refiro à questão atinente à Súmula 606
diretamente. Porque, em relação à Súmula, creio que talvez haja outro
encontro também marcado com este tema. Eis que, Vossas Excelências
certamente já bem localizaram, à luz do que Sua Excelência, o nosso
Presidente, acaba de deduzir, a Súmula é de data anterior à Constituição
de 88. Nada obstante, o encontro marcado irá revolver o art. 119, inciso I,
letra "h", da Emenda Constitucional de 69, cuja redação é, sem tirar nem
por, a alínea "i" do inciso I do art. 102 da Constituição de 88. É um tema
que vai certamente, num dado momento, nos levar a reexaminar o
sentido de alcance da Súmula, que foi editada já, de certo modo, sob as
luzes de um dado teor que admitia, com alguma razoabilidade
hermenêutica, a tese segundo a qual cabe habeas corpus sendo o coator
Ministro do Supremo Tribunal Federal.
Mas o óbice ao qual me refiro, Senhor Presidente, não é este. Fico na
preliminar do não conhecimento do presente habeas corpus, não obstante
a situação seja complexa e grave, por uma razão que me afigura bem mais
simples. O ilustre advogado - que fez do seu mister, na sustentação, um
exemplo da defesa dos interesses que patrocina e merece, portanto, os
nossos cumprimentos - afirmou, com toda razão, que o paciente não é

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9383697.
Supremo Tribunal Federal
Voto s/ Conhecimento

Inteiro Teor do Acórdão - Página 75 de 154

HC 127483 / PR

parte, diretamente, nesta circunstância que deriva da petição em face da


qual houve a homologação e, em face da homologação, a impetração do
habeas corpus. E vejo que, no substancioso e pertinente memorial, isso
está dito com todas as letras à pág. 4, dizendo "o paciente, que não é
parte," e prossegue.
Pois bem, tenho, para mim, que a solução é muito simples, porque,
tirante os atos divinos, os humanos de um modo geral estão submetidos a
recurso, inclusive dos seres humanos que são os Ministros do Supremo
Tribunal Federal. E uma decisão de Relator desafia, nos termos do art. 317
de nosso Regimento Interno, o Agravo Regimental, mas, se não é parte,
há que se socorrer do art. 499 do Código de Processo Civil, que legitima o
terceiro prejudicado, que, na janela hermenêutica do art. 3º do Código de
Processo Penal, é inteiramente aplicável à hipótese.
Portanto, não obstante a situação grave e complexa, fico nesse óbice,
que reputo intransponível, por uma consequência prática que julgo
relevante: a competência e atribuição para examinar esse tema que, digo e
repito, esse Tribunal há de fazê-lo, mas essa atribuição é, a rigor, da
Turma a qual pertence o Ministro Teori, da Segunda Turma. Se esse Pleno
apreciar esse tema no dia de hoje, nesses termos, nós estamos suprimindo
a atribuição da Segunda Turma, à luz desses dispositivos que acabo de
mencionar. Logo, a conclusão a que cheguei é que o paciente tinha, sim, a
sua disposição, o agravo regimental e, em substituição ao agravo
regimental, interpôs o habeas corpus. Eu não adentro, Senhor Presidente,
na questão do óbice da Súmula 606, porque aí há uma discussão sobre a
qual gostaria de me reservar para examinar com mais vagar no futuro.
Em resumo, voto no sentido de não conhecer do habeas corpus,
porque apresentado com caráter substitutivo, inadmissível, do recurso
cabível, que é o agravo regimental.
É como voto.

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9383697.
Supremo Tribunal Federal
Explicação

Inteiro Teor do Acórdão - Página 76 de 154

26/08/2015 PLENÁRIO

HABEAS CORPUS 127.483 PARANÁ

EXPLICAÇÃO

O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI (RELATOR):


Senhor Presidente, só um esclarecimento. Ele não poderia entrar
com regimental, porque ele não é parte na petição, só que ele é
denunciado na origem com base em depoimentos feitos em razão do
acordo de delação. Então, o que o impetrante alega? Que ele não tem
meios de impugnar esse acordo na origem, porque esse acordo está
homologado na instância última do Supremo Tribunal Federal, por um
juiz da Corte Suprema do país. E, realmente, não poderia um juiz -, seja
da Vara Federal de Curitiba, seja de Tribunal Regional Federal, seja do
Superior Tribunal de Justiça, - desconstituir esse ato homologatório. Por
outro lado, esse paciente não poderia interpor regimental, porque ele não
participa da petição, que está sob relatoria do Ministro Teori, que
homologou o acordo.
O que faz, então, a impetração? Aponta a homologação do acordo
para ser submetido a julgamento do Supremo no writ como uma
atividade coatora, pelas nulidades ou ilegalidades que, na inicial da
impetração, no entender do impetrante, atingem a liberdade de
locomoção, de ir e vir, do paciente, que, inclusive, se encontrava preso
quando da impetração; e ainda hoje está sob medidas cautelares. Está sob
medidas cautelares em razão de uma denúncia que, da óptica da
impetração, é fundamentada nesse acordo de delação.
Então, eu entendo que é relevante o conhecimento deste habeas
corpus porque, se ele não é parte para propor habeas corpus, como ele
seria parte, Ministro Fachin, para propor o agravo, então?

O SENHOR MINISTRO EDSON FACHIN - Eu me referi, Ministro,


ao agravo na condição de terceiro prejudicado, que está legitimado pelo
Código de Processo Civil, aplicável ao Código de Processo Penal, salvo

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9465533.
Supremo Tribunal Federal
Explicação

Inteiro Teor do Acórdão - Página 77 de 154

HC 127483 / PR

juízo melhor.

O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI (RELATOR):


Mas isso não exclui o HC.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI


(PRESIDENTE) - Ministro Toffoli, Ministro Fachin, eu também refleti
sobre esse tema, a partir do momento em que foi levantado pela eminente
Sub-Procuradora da República. O problema, a meu ver, é o seguinte: o
HC é um remédio constitucional de amplo espectro, que não pode ficar
sujeito a tecnicalidades processuais.
O que ocorre com o agravo regimental? O julgamento do agravo
regimental fica ao alvedrio do relator. O relator traz quando quer. Por
vezes, pode demorar semanas, meses, ou até anos, quem sabe?

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Vossa Excelência me


permite? Tivemos, inclusive, um incidente no Plenário que precipitou a
saída de integrante, porque não trouxe os agravos. Então o advogado não
tinha, àquela altura, como manusear a impetração e acabou assomando à
tribuna para colocar a matéria, e houve descompasso entre o então
presidente e esse advogado.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI


(PRESIDENTE) - Esse que é o grande problema.

O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX - Senhor Presidente, pela


ordem. Esse foi um dos fundamentos do Ministro Edson Fachin, mas nós
podemos utilizar outros fundamento sob o ângulo da admissão.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI


(PRESIDENTE) - Claro, eu estou expressando o problema não apenas
como juiz, mas até como cidadão. Isso foi dito na tribuna. Ninguém é
infalível. Aquele antigo dogma do Direito Público, segundo o qual "the

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9465533.
Supremo Tribunal Federal
Explicação

Inteiro Teor do Acórdão - Página 78 de 154

HC 127483 / PR

king can do no wrong", o rei não pode errar, não se aplica mais no século
XXI. Todos nós somos humanos, falíveis, portanto, os nosso atos, e eu
gostaria que um eventual erro meu fosse corrigido pelos eminentes Pares,
com muito gosto, antes de cometer uma injustiça.
O que ocorre é que o agravo regimental fica nas mãos do relator. E às
vezes uma questão urgente - e todas as questões que envolvem a
liberdade de ir e vir são urgentes, às vezes a pessoa sofre até maus-tratos
durante a sua prisão -, é preciso que se possa manejar um outro
instrumento, este remédio processual que vem desde o século XVII.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – E o que assentarmos,


Presidente, nesse pronunciamento repercutirá, considerados os 27
Tribunais de Justiça e também os cinco Regionais Federais, tendo em
conta a atuação do relator.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI


(PRESIDENTE) - Pois não. Respeitando o Ministro Fachin, a sua
belíssima intervenção e o seu argumento sofisticado, jurídico, que acho
que é algo que nos faz pensar, então Vossa Excelência não conhece e não
se pronuncia sobre o mérito da questão, não é?

O SENHOR MINISTRO EDSON FACHIN - Não conheço, reputo,


com a devida vênia, que a circunstância mencionada é, neste caso
presente, um óbice intransponível e me permito, Senhor Presidente, dizer
que subscrevo a sua percepção de que os atos são recorríveis. Eu não
estou assentando nesse óbice que o ato do Relator seja irrecorrível. É
suscetível de recurso, só que aponto, neste caso, o agravo, e não afasto a
hipótese de, em outra circunstância, discutir a questão da Súmula 606,
quando o habeas corpus se apresentar como um recurso pronto e não
substitutivo do recurso devido.
Com essas considerações, Senhor Presidente, fico na preliminar.

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9465533.
Supremo Tribunal Federal
Voto s/ Conhecimento

Inteiro Teor do Acórdão - Página 79 de 154

26/08/2015 PLENÁRIO

HABEAS CORPUS 127.483 PARANÁ

VOTO S/ CONHECIMENTO

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO - Presidente,


também eu deixo de conhecer o habeas corpus. Eu me alinho à
jurisprudência dominante do Tribunal quanto ao descabimento de habeas
corpus nessa hipótese,
com todo o respeito a quem pensa diferentemente. Nenhuma corte
constitucional do mundo admite habeas corpus, em toda e qualquer
situação, sem nenhum tipo de filtro ou de limitação, sob pena de perder a
sua capacidade de funcionar racionalmente e com um mínimo de
qualidade e de eficiência.
Se não fora por essa razão, eu deixaria de conhecer pela não
interposição do agravo regimental. Nós temos jurisprudência pacífica,
pelo menos na Primeira Turma, quanto ao descabimento de habeas
corpus quando não exaurida a instância pela interposição do recurso
cabível.
E se pudesse avançar, teria dúvida razoável sobre a possibilidade de
o paciente pretender essa impetração, na medida em que ele não é citado
no acordo. Ele é citado no depoimento, mas o depoimento não cai, acho
que o depoimento até subsiste, mas essa não é a discussão, eu nem
preciso avançar.
Eu, portanto, entendo que a hipótese é de não se conhecer do habeas
corpus. E se dele pudesse conhecer, não considero a decisão do Ministro
Teori Zavascki teratológica para justificar uma intervenção com a
concessão de habeas corpus de ofício. Eu, tal como o Ministro Fachin,
exalto a combatividade, a proficiência e a qualidade do serviço do
advogado, que conseguiu trazer esta questão para debate, mas,
verdadeiramente, acho que esta não é a instância própria para a tomada
dessa decisão.
De modo, Presidente, que cumprimentando o Ministro Toffoli pela
reflexão, que ainda quando não produza uma consequência direta neste

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9383277.
Supremo Tribunal Federal
Voto s/ Conhecimento

Inteiro Teor do Acórdão - Página 80 de 154

HC 127483 / PR

caso concreto será, no entanto, de grande valia para quando viermos a


discutir essa matéria, e me reservando sobre algumas questões de mérito
suscitadas por Sua Excelência para refletir mais adiante, eu não estou
conhecendo do habeas corpus.

*****

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9383277.
Supremo Tribunal Federal
Voto s/ Conhecimento

Inteiro Teor do Acórdão - Página 81 de 154

26/08/2015 PLENÁRIO

HABEAS CORPUS 127.483 PARANÁ

VOTO S/ CONHECIMENTO

A SENHORA MINISTRA ROSA WEBER - Senhor Presidente, eu


também começo louvando o belíssimo trabalho do Ministro Dias Toffoli,
assim como as belas sustentações orais, que nos fazem refletir sobre esse
tema de fundo de tanta relevância, mas, tal como o Ministro Luiz Edson
Fachin e o Ministro Luís Roberto Barroso, eu voto no sentido do não
conhecimento do habeas corpus. E assim voto porque tenho reiteradas
decisões não conhecendo de habeas corpus contra atos de Ministro desta
Corte, pela aplicação da jurisprudência que, quando cheguei, era
absolutamente firme nessa linha - embora sempre majoritária -, com
respeitabilíssimos votos vencidos.
E ainda, Senhor Presidente, não conheço porque na Primeira Turma
temos firme posição - já também aqui lembrada-, no sentido do não
conhecimento de habeas corpus substitutivo de recurso. O Ministro
Marco Aurélio traz sempre judiciosos fundamentos em sentido contrário
e fica vencido na Turma. E ainda porque, também como o Ministro
Fachin, entendo aplicável subsidiariamente ao processo penal o artigo 499
do Código de Processo Civil, expresso no sentido da possibilidade de
interposição de recurso pelo terceiro prejudicado. Então, a prevalecer a
construção muitíssimo bem exposta e apresentada neste habeas corpus,
o paciente seria um terceiro prejudicado pela decisão homologatória da
colaboração premiada e, consequentemente, estaria legitimado ao agravo
regimental, que não foi interposto.
Compreendo a preocupação de Vossa Excelência quanto ao fato de o
Relator eventualmente não apresentar o agravo regimental em Mesa, de
haver essa possibilidade, mas tenho absoluta certeza de que não foi o que
ocorreu na espécie, até porque não foi manejado agravo regimental, e o
Ministro Teori Zavascki não se eximiria - tenho absoluta certeza - de
apresentá-lo a julgamento na Segunda Turma.
Eu não gostaria de adentrar a questão de fundo - até tenho voto

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9622786.
Supremo Tribunal Federal
Voto s/ Conhecimento

Inteiro Teor do Acórdão - Página 82 de 154

HC 127483 / PR

escrito a respeito, se for o caso. Fico, Senhor Presidente, no não


conhecimento do habeas corpus, pedindo vênia aos que entendem em
contrário.

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9622786.
Supremo Tribunal Federal
Voto s/ Conhecimento

Inteiro Teor do Acórdão - Página 83 de 154

26/08/2015 PLENÁRIO

HABEAS CORPUS 127.483 PARANÁ

VOTO S/ CONHECIMENTO

O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX - Senhor Presidente,


coerentemente - eu também pertenço à Primeira Turma -, tenho assentado
nos votos, lá, a impossibilidade da utilização do habeas corpus como
substitutivo do recurso cabível. Acho que, aqui, é inequívoco que o
terceiro, na forma do voto do Relator, sentiu-se prejudicado e per saltum,
sem constar do elenco dos pacientes arrolados pela Constituição Federal,
impetrou uma ordem de habeas corpus, que, na sua essência, visa
exatamente a precipitar a discussão de uma questão de mérito que será
apreciada no momento oportuno.
Não só por força da possibilidade que teria a parte de interpor um
agravo regimental de terceiro prejudicado, porque ele mesmo afirma um
nexo de interdependência entre a decisão prolatada na homologação e o
seu prejuízo, eu ainda adjunto aqui uma questão importante que também
faz parte da jurisprudência da Primeira Turma: o cerne do habeas corpus
se volta contra a valoração de uma prova. E nós também temos
jurisprudência no sentindo da inadmissão de habeas corpus contra a
valoração da prova.
De sorte que eu também, Senhor Presidente, mantendo uma postura
minimalista, não me comprometendo com nenhuma das teses
sustentadas em relação ao que representa e à valoração jurídica da
delação premiada - muito embora elogioso o voto do Ministro Toffoli -,
acho que teremos a oportunidade própria para isso, eu também, pedindo
vênia às opiniões em contrário, voto pela inadmissão do habeas corpus.

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9421047.
Supremo Tribunal Federal
Voto s/ Conhecimento

Inteiro Teor do Acórdão - Página 84 de 154

26/08/2015 PLENÁRIO

HABEAS CORPUS 127.483 PARANÁ

VOTO S/ CONHECIMENTO

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA - Senhor Presidente,


peço vênia aos que pensam em sentido contrário, mas não conheço do
habeas corpus, como tenho votado neste Plenário. Desde que aqui cheguei,
a jurisprudência é assentada majoritariamente, como bem lembrado pela
Ministra Rosa Weber, e pelos fundamentos que sempre subsidiaram esse
tipo de entendimento.
E a despeito de a súmula ser de 1984, portanto anterior à Emenda à
Constituição, verdadeiramente o texto não mudou, nem temos a
possibilidade do habeas corpus, e, principalmente, nestes nove anos e meio
que aqui estou, este tema voltou algumas vezes. Lembro-me bem de
votos longuíssimos do Ministro Menezes Direito em debate profícuo com
o Ministro Marco Aurélio naquela ocasião, em que havia situações
opostas. Ou seja, a súmula é anterior à Constituição, mas ela não deixou
de ser discutida neste Plenário. Então, ela pode voltar sempre a ser
discutida, mas apenas para dizer que não se passou a adotá-la sempre e
se continua a adotá-la sem que isto servisse de tema de debates, que
foram muito profícuos, como lembrei.
Em segundo lugar, porque também, como fundamento desta
intransponibilidade do conhecimento, na minha concepção, acato o que já
foi realçado tanto pelo Ministro Fachin, quanto pelos que o
acompanharam, e com o realce dado pelo Ministro Barroso, no sentido de
que a circunstância de o habeas corpus abarcar sempre a possibilidade de,
em qualquer circunstância, estarmos a lidar com a liberdade de
locomoção, não significa que não se tenha que ater às regras próprias de
competência, porque não se fica sem jurisdição pelo fato de não se chegar
aos tribunais constitucionais. Se fosse assim, no mundo inteiro, não se
teria jurisdição constitucional garantida, porque a grande maioria não
aceita mesmo.
Fico, Presidente, como disse, no não conhecimento do habeas corpus,

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9985825.
Supremo Tribunal Federal
Voto s/ Conhecimento

Inteiro Teor do Acórdão - Página 85 de 154

HC 127483 / PR

com as vênias dos que pensam em contrário. E, mais uma vez, realçando
a importância do que se tem como objeto dessa impetração e que haverá,
com toda a certeza, o momento próprio e o local próprio, que será num
processo ou na via recursal devida, para um encontro, que é preciso que
seja feito por este Supremo Tribunal Federal para que esta matéria seja
devidamente solucionada.
É como voto, Presidente.

*****************

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9985825.
Supremo Tribunal Federal
Voto s/ Conhecimento

Inteiro Teor do Acórdão - Página 86 de 154

26/08/2015 PLENÁRIO

HABEAS CORPUS 127.483 PARANÁ

VOTO S / CONHECIMENTO

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - Senhor Presidente,


esse é um tema que, como já foi amplamente destacado, tem, de quando
em vez, ocupado a Corte e que a toda hora está a nos desafiar.
Veja que nós não estamos a discutir aqui o habeas corpus impetrado
contra decisão da Turma - até porque a Turma, de alguma forma, é um
modelo de presentação do próprio Plenário; não é disso que se cuida –
tampouco estamos a cogitar de habeas corpus contra a decisão do Plenário,
porque também seria um completo nonsense, mas é contra uma decisão
monocrática de um integrante da Corte e, neste caso, a mim me parece
razoável que a questão seja submetida ao Plenário.
A mim me impressionou já a sustentação, e eu cumprimento o digno
defensor, porque, a rigor – e isso ficou também demonstrado, a meu ver,
no voto do eminente Relator que produziu, como todos já destacaram,
um belíssimo voto e um estudo, inclusive, que transcende aspectos da
matéria delimitada e tratada, mas necessário ao exame de uma questão
que é nova, pelo menos no âmbito da Corte, e que se lastreia, também,
numa lei nova e que está sendo amplamente aplicada, e com êxito -, mas,
a mim me impressiona a possibilidade quase de deixar esta pessoa, que é
molestada numa dada situação jurídica, sem um remédio pronto e eficaz.
Neste caso, a mim me parece que não há como não conhecer do habeas
corpus.
Veja, eu não estou a impugnar a Súmula 606, porque fala da Turma e
do Plenário - evidentemente que neste caso não se cogita -, mas quando
se cuida de decisão do próprio Relator, e passível de ser eventualmente
atacada com eficácia no âmbito do habeas corpus.
A hipótese suscitada pelo eminente ministro Fachin, certamente, é
fascinante, mas, ao mesmo tempo, também traz embaraços que não
contém no habeas.

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9438968.
Supremo Tribunal Federal
Voto s/ Conhecimento

Inteiro Teor do Acórdão - Página 87 de 154

HC 127483 / PR

O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI (RELATOR):


E qual seria o prazo ad quem para apresentação desse recurso? Pois
ele - não sendo parte - sequer é intimado!

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - É, sim, haveria toda


uma sorte de dificuldades. De modo que, a mim me parece que é
inevitável em casos que tais a admissibilidade, a cognoscibilidade do
habeas corpus, sob pena de dificultarmos, numa injusta medida, o próprio
ideário de proteção judicial efetiva que se expressa no art. 5º, inciso
XXXV, e, claro, na própria garantia do habeas corpus. E, de resto, como
demonstrou o ministro Toffoli, a própria letra do Texto Constitucional
não deixa dúvida quanto a essa leitura, a essa possibilidade.
Eu mesmo, Vossa Excelência lembrou aqui, já tive a oportunidade
de ser relator do célebre caso do jogador, depois técnico, Freddy Rincón,
em que trouxe ao Plenário a discussão sobre a prisão preventiva,
decretada em pedido de prisão para fins extradicionais, em que o
Tribunal, depois de um debate em que se destacou, sobretudo, a posição
do ministro Direito, que entendia incabível - como já foi destacado aqui, a
posição da ministra Cármen Lúcia -, o Tribunal entendeu deferir a ordem
de forma condicionada para que ele gozasse de prisão domiciliar, até que
aquele quadro que era apontado se delineasse.
De modo que, em casos que tais, eu entendo, sim, cabível o habeas
corpus, como também compartilho da posição agora externada pelo
Relator que, no caso, não há que se deferir o habeas corpus, porque não me
parece plausível, e isso já foi glosado na manifestação do Relator, embora
a impetração esteja lastreada no cuidadoso parecer do ministro Gilson
Dipp, que se coloque à prova a idoneidade do delator ou colaborador
para fins da validação desta prova.
Nós temos aqui uma clássica citação repetida pelo ministro Pertence,
em relação à própria construção dos direitos fundamentais, de caráter
penal e processual penal. Lembrando o juiz Frankfurter, o ministro
Pertence repetia, dizia que – e essa é uma verdade difícil de ser
contestada – a jurisprudência criminal, aquela construtora dos ideais de

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9438968.
Supremo Tribunal Federal
Voto s/ Conhecimento

Inteiro Teor do Acórdão - Página 88 de 154

HC 127483 / PR

liberdade, ela não se faz em função de reivindicação ou pretensão


formulada por tipo angelicais. Em princípio, não é esse o público que usa
normalmente o habeas corpus, embora, certamente, haja inocentes que
lancem mão do instrumento, mas lembrava, portanto, o juiz Frankfurter
que era disso que se cuidava, que, de fato, a construção de importantes
liberdades fundamentais - o direito de defesa, a assistência de advogado e
tudo mais - tinha que se fazer, em geral, em face de pessoas que, muitas
vezes, tinham responsabilidade criminal.
Da mesma forma, parece difícil exigir que esse colaborador, numa
organização criminosa, seja um inocente ou uma pessoa de idoneidade
inquestionável, porque certamente essa pretensão vai levar realmente até
a um impasse hermenêutico, uma não aplicação da lei. Mas isso já foi
objeto, inclusive, de consideração do Relator, que trouxe outras achegas
que, como eu disse, desbordam do caso concreto, mas para situar, no
contexto, a complexidade do instituto que agora nós estamos a aplicar. E
fez, portanto, à guisa de obiter dicta.
Com essas brevíssimas considerações, Presidente, eu vou pedir vênia
àqueles que entendem em sentido contrário, registrando que já me
manifestei, na linha do entendimento do Colegiado, no sentido do não
conhecimento. Mas, tendo em vista, inclusive, a situação colocada, a
decisão clara do Relator e a impossibilidade efetiva de se fazer a
impugnação de outra maneira, acho que é de se conhecer o habeas corpus,
mas eu estou denegando a ordem.

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9438968.
Supremo Tribunal Federal
Voto s/ Conhecimento

Inteiro Teor do Acórdão - Página 89 de 154

26/08/2015 PLENÁRIO

HABEAS CORPUS 127.483 PARANÁ

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Presidente, vou


repetir frase que tenho lançado na atual quadra: vivenciamos tempos
muito estranhos. Mas surge, quanto ao habeas corpus, quanto a essa ação
nobre, que não tem qualquer limitação na Constituição Federal, uma luz
no fim do túnel, avizinhando-se, pelo meu conhecimento do Colegiado, o
empate e admitindo-se o habeas corpus.
O habeas corpus, de tão elogiado, passou a ser execrado. E se
desconhecendo a letra expressa da Carta da República quanto a essa
garantia constitucional, vislumbra-se uma série de obstáculos à
impetração, quando, em bom vernáculo, tem-se, no inciso LXVIII do
principal rol das garantias constitucionais, que:

"LXVIII-conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém


sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em
sua liberdade de locomoção – na via direta ou indireta, não
importa –, por ilegalidade ou abuso de poder;"

Presidente, reconheço que estamos, no Judiciário, sufocados de


processos, mas esse fato não pode conduzir a uma postura que leve a
leitura equivocada, pelos jurisdicionados, em geral, e pela academia, ou
seja, de que passamos a atuar a partir da autodefesa.
Não cabe sacrificar o ordenamento jurídico constitucional para nos
vermos livres de processos. Hoje, constato, praticamente, o esvaziamento
dessa ação, que, repito, é nobre, porque visa a proteger o segundo direito
em importância do cidadão, que é o direito de ir e vir – em primeiro lugar
está apenas a vida. Chega-se ao ponto, por exemplo, de transportar para a
seara do habeas corpus, que pode ser impetrado por qualquer do povo – e
Vossa Excelência ressaltou muito bem que não podemos transportar a
forma ortodoxa das ações para o campo dessa impetração –, para definir-
se a admissibilidade, regra que não diz respeito sequer aos recursos de
natureza ordinária, porque ligada aos de natureza extraordinária: o

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9409290.
Supremo Tribunal Federal
Voto s/ Conhecimento

Inteiro Teor do Acórdão - Página 90 de 154

HC 127483 / PR

esgotamento da jurisdição na origem. O habeas corpus não é recurso,


muito menos de natureza extraordinária.
Na dinâmica dos trabalhos no Judiciário, o Relator passou a ter
papel importantíssimo, fazendo as vezes, a rigor, do próprio Colegiado.
Os atos que pratique não ficam sujeitos à impugnação mediante o habeas
corpus? Coloca o Relator numa redoma, acima do próprio Colegiado, no
que se admite a impetração se o pronunciamento, que se aponta a cercear
a liberdade de ir e vir, for formalizado por Colegiado, mas, pelo Relator,
não? Passa a ser, para utilizar linguajar que está no dia a dia, um
verdadeiro reizinho a gozar de soberania maior.
O que é importante, Presidente, para saber se é adequado ou não um
habeas corpus? Em primeiro lugar, ter-se inicial, que, observada ou não a
forma, já que pode ser subscrita por um cidadão comum, não se exigindo
a capacidade postulatória, o grau de bacharel inscrito na Ordem dos
Advogados do Brasil, contenha a articulação sobre a existência – simples
articulação; procedência ou não diz respeito ao mérito – de ato praticado
à margem do arcabouço normativo e que, de forma direta ou indireta,
repercuta na liberdade de ir e vir, e se tenha órgão competente para
apreciar o merecimento do que formalizado.
Indago: quanto aos ministros – que não são semideuses – do
Supremo, não se tem órgão capaz de examinar o acerto ou desacerto do
ato praticado? Tem-se. A alínea – permito-me pequena correção – do
inciso I do artigo 102 da Constituição, não é a d, mas a i, no que revela
caber ao Supremo julgar originariamente habeas corpus quando o coator
for Tribunal Superior, ou quando o coator ou o paciente for autoridade –
o ministro do Supremo é uma autoridade – ou funcionário cujos atos
estejam sujeitos diretamente à jurisdição do Supremo Tribunal Federal,
ou se trate de crime sujeito à mesma jurisdição em uma única instância.
Indago: quem julga o ministro do Supremo, considerado crime
comum? É o Supremo. Então, tem-se órgão capaz, portanto, de proceder à
análise do acerto ou desacerto do que decidido pelo integrante, pelo
membro do Supremo.
Reconheço, Presidente, que, na lei alusiva ao mandado de segurança

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9409290.
Supremo Tribunal Federal
Voto s/ Conhecimento

Inteiro Teor do Acórdão - Página 91 de 154

HC 127483 / PR

– faz-se presente o critério da especialidade –, há norma a revelar que,


cabendo recurso contra o ato, não se tem a pertinência do mandado de
segurança. Qualquer recurso? Não! O legislador teve o cuidado de se
referir a recurso com eficácia suspensiva. Ainda que pudéssemos, e não
podemos, transportar essa regra para limitar a ação constitucional do
habeas corpus – é uma regra específica para o mandado de segurança –, o
agravo regimental, que poderia ter sido manuseado pelo paciente, ante o
interesse jurídico, já que se aponta que o objeto da delação premiada, da
colaboração, serviu de base à propositura da ação penal contra ele não
tem efeito suspensivo. O interesse não é meramente reflexo, mas jurídico
o que atrai a adequação, como já ressaltado por colegas, do recurso. Mas,
em primeiro lugar, não se transporta o que se contém no inciso I do artigo
5º da Lei nº 12.016/09, porque específica quanto ao mandado de
segurança, para o habeas corpus. E, em segundo lugar, o regimental não
teria a eficácia suspensiva.
Há mais. Também se alega que o habeas corpus não pode ser
manuseado contra a coisa julgada, e que a passagem do tempo daria o
incorreto por correto; sedimentaria, ante o instituto da coisa julgada, que
é um instituto constitucional, a situação jurídica. Ledo engano,
Presidente. Admito que se possa cogitar da ação de impugnação
autônoma, mas não do habeas corpus, considerado o tempo, a
oportunidade do manuseio. Mas, no tocante ao habeas corpus, foi a própria
Constituição Federal, mediante o que se contém em inciso do artigo 5º, a
que me referi, que o prevê, que temperou a eficácia da coisa julgada: não
sofre, o habeas corpus, peia decorrente sequer da coisa julgada, podendo
ser manuseado, a qualquer tempo, desde que, para se ter a procedência,
haja ato ilegal a alcançar a liberdade de ir e vir.
Presidente, o ministro Gilmar Mendes acabou enfocando um aspecto
interessante que afasta a possibilidade de se brandir o Verbete nº 606 da
Súmula. Esse verbete contém alusão ao não cabimento do habeas corpus
contra decisão de relator no Supremo Tribunal Federal? Não. Apenas,
considerado pronunciamento do Tribunal Pleno ou de Turma, que é o
Supremo fracionado. Poderia até dizer que, a contrario sensu, o verbete

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9409290.
Supremo Tribunal Federal
Voto s/ Conhecimento

Inteiro Teor do Acórdão - Página 92 de 154

HC 127483 / PR

sinaliza – não bastasse o texto constitucional, e, às vezes, a Constituição


Federal não é tão amada como deveria ser – a pertinência do habeas corpus
contra decisão proferida por relator.
Vossa Excelência me concedeu, gentilmente, como é do seu feitio,
um aparte, e tive oportunidade de trazer à balha episódio muito triste,
ocorrido neste plenário, em que certo advogado protocolou, na Ação
Penal nº 470, conhecida vulgarmente como Mensalão, agravo regimental
a favor do constituinte, contra ato do relator, um ato fundamentado do
relator – portanto, a ideia do relator já estava estampada nesse ato. O
relator, à época Presidente do Tribunal, não apresentou a julgamento esse
agravo, talvez por saber que seria provido, ante convencimento sobre a
possibilidade do trabalho externo, considerado o regime semiaberto de
cumprimento da pena. Houve – repito – episódio que não nos deu tempo
sequer para uma tentativa de evitá-lo. O advogado, já não tendo outros
meios de atuar, assomou à tribuna, interrompendo o que seria o início do
voto do ministro Gilmar Mendes em uma certa matéria – e pensei que a
fala dissesse respeito ao processo que estava sob a relatoria de Sua
Excelência –, e suscitou o tema, fazendo-o com urbanidade. A Presidência
determinou que se cortasse o som do advogado, e ele, possuidor de um
“vozeirão”, falou alto da tribuna. Não contente, o Presidente, por isso
relatei o episódio como lamentável, com esse fato, pela vez primeira,
nesta Corte, determinou que os seguranças retirassem o advogado,
portando a capa, da tribuna.
Presidente, o habeas corpus, não fosse o aspecto jurídico
constitucional que o respalda, serve justamente para evitar que,
personificando o Tribunal, um de nós assuma postura – e podemos errar,
embora geralmente acertemos, na arte de proceder e na arte de julgar –
que provoque um situação dessas.
Por isso, nessa primeira parte, limito-me a ela, admito a impetração.
Digo que o julgamento é importantíssimo, porque, quanto ao
enfrentamento da carga invencível de processos, tudo que a mitigue é
aceito pelos demais patamares do Judiciário. E tem-se, Presidente, vinte e
sete Tribunais de Justiça, que estão acompanhando este julgamento, cinco

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9409290.
Supremo Tribunal Federal
Voto s/ Conhecimento

Inteiro Teor do Acórdão - Página 93 de 154

HC 127483 / PR

Regionais Federais – não vou me referir à Justiça Especializada, que é a


do Trabalho –, e ainda os Tribunais Superiores, refiro-me ao Tribunal
Superior Eleitoral e ao Superior Tribunal de Justiça e refiro-me ao
tribunal, que tem a qualificação de superior apenas na nomenclatura,
porque não atua em sede extraordinária, que é o Superior Tribunal
Militar.
Presidente, já disse na Turma e vou repetir no Plenário de viva voz,
porque não tenho compromisso sequer com os meus próprio erros: se
arrependimento matasse, hoje seria um homem morto. Muito embora
tenha evoluído para mitigar a tese inicialmente proposta, e que caiu no
gosto dos demais colegas da magistratura, tenho evoluído para admitir o
habeas substitutivo do recurso ordinário constitucional, quando em jogo a
liberdade de ir e vir. Hoje se diz que, mesmo se a via é afunilada, como é
a de acesso a órgão que atua em sede extraordinária, cabendo, em tese,
recurso, de natureza extraordinária – repito –, não se pode manusear o
habeas corpus.
É hora, Presidente, de, como guardas da Constituição, resgatarmos
esse instituto da maior valia, que é o da impetração revelada pelo habeas
corpus.
Admito-o.

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9409290.
Supremo Tribunal Federal
Voto s/ Conhecimento

Inteiro Teor do Acórdão - Página 94 de 154

26/08/2015 PLENÁRIO

HABEAS CORPUS 127.483 PARANÁ

VOTO
(s/ conhecimento)

O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO: Desejo registrar,


antes de mais nada, Senhor Presidente, o primoroso voto que acaba de
proferir, como Relator, o eminente Ministro DIAS TOFFOLI, que
procedeu a uma minuciosa e competente análise dos diversos aspectos
concernentes ao instituto da colaboração premiada, tal como veio este a ser
disciplinado pela Lei nº 12.850/2013.

Examino a questão prévia referente ao conhecimento do presente


“habeas corpus”, que tem por objeto de impugnação decisão monocrática
emanada do eminente Ministro TEORI ZAVASCKI, Relator, nesta Corte,
da Pet 5.244/DF.

Cumpre ter presente que a jurisprudência do Supremo Tribunal


Federal entendia possível o ajuizamento desse “writ” em face de decisões
monocráticas proferidas pelo Relator da causa (HC 84.444-AgR/CE, Rel.
Min. CELSO DE MELLO – HC 85.099/CE, Rel. Min. MARCO AURÉLIO,
v.g.), muito embora inadmissível, para o Pleno, impetração de “habeas
corpus” contra decisão colegiada de qualquer das Turmas desta Suprema
Corte, ainda que resultante do julgamento de outros processos de
“habeas corpus” (Súmula 606/STF) ou proferida em sede de recursos em
geral, inclusive aqueles de natureza penal (RTJ 88/108).

Ocorre, no entanto, que essa diretriz jurisprudencial modificou-se,


pois o Plenário deste Tribunal não mais tem admitido “habeas corpus”
quando impetrado contra Ministros desta Suprema Corte (HC 91.207/RJ,

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10167997.
Supremo Tribunal Federal
Voto s/ Conhecimento

Inteiro Teor do Acórdão - Página 95 de 154

HC 127483 / PR

Red. p/ o acórdão Min. EROS GRAU – HC 97.009/RJ, Red. p/ o acórdão


Min. TEORI ZAVASCKI – HC 100.397/MG, Red. p/ o acórdão Min.
CÁRMEN LÚCIA – HC 100.738/RJ, Red. p/ o acórdão Min. CÁRMEN
LÚCIA – HC 104.843-AgR/BA, Rel. Min. AYRES BRITTO –
HC 107.325/PR, Red. p/ o acórdão Min. CÁRMEN LÚCIA, v.g.):

“‘HABEAS CORPUS’. Ação de competência originária.


Impetração contra ato de Ministro Relator do Supremo
Tribunal Federal. Decisão de órgão fracionário da Corte. Não
conhecimento. HC não conhecido Aplicação analógica da
súmula 606. Precedentes. Voto vencido. Não cabe pedido de ‘habeas
corpus’ originário para o tribunal pleno, contra ato de ministro ou
outro órgão fracionário da Corte.”
(HC 86.548/SP, Rel. Min. CEZAR PELUSO – grifei)

“AGRAVO REGIMENTAL. ‘HABEAS CORPUS’.


PROCESSUAL PENAL. IMPETRAÇÃO DIRIGIDA CONTRA
DECISÃO SINGULAR DE MINISTRO DO SUPREMO
TRIBUNAL FEDERAL. APLICAÇÃO ANALÓGICA DA
SÚMULA 606. NEGATIVA DE SEGUIMENTO DO ‘WRIT’.
DECISÃO RECORRIDA EM SINTONIA COM A
JURISPRUDÊNCIA DESTE NOSSO TRIBUNAL. AGRAVO
DESPROVIDO.
1. A recente orientação jurisprudencial desta nossa Casa de
Justiça é no sentido do descabimento da impetração de ‘habeas
corpus’ contra ato de Ministro Relator do próprio Tribunal, por
aplicação analógica da Súmula 606/STF. (Cf. HC 100.738/RJ,
Tribunal Pleno, redatora para o acórdão a ministra Cármen Lúcia,
DJ 01/07/2010; HC 101.432/MG, Tribunal Pleno, redator para o
acórdão o ministro Dias Toffoli, DJ 16/04/2010; HC 91.207/RJ,
Tribunal Pleno, redator para o acórdão o ministro Eros Grau,
DJ 05/03/2010; HC 99.510-AgR/MG, Tribunal Pleno, da relatoria do
ministro Cezar Peluso, DJ 16/10/2009; HC 97.250-AgR/SP, Segunda
Turma, da relatoria da ministra Ellen Gracie, DJ 07/08/2009;
HC 86.548/SP, Tribunal Pleno, da relatoria do ministro Cezar Peluso,
DJ 19/12/2008.)

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10167997.
Supremo Tribunal Federal
Voto s/ Conhecimento

Inteiro Teor do Acórdão - Página 96 de 154

HC 127483 / PR

2. Agravo regimental desprovido.”


(HC 103.193-AgR/RJ, Rel. Min. AYRES BRITTO –
grifei)

Não obstante a visão restritiva hoje prevalecente nesta Corte em torno


desse relevantíssimo remédio constitucional, quero registrar que sempre
entendi cognoscível a ação de “habeas corpus”, mesmo nos casos em que
promovida, como sucede na espécie, contra decisão monocrática proferida
por Ministro do Supremo Tribunal Federal.

Considerando que se reabriu, agora, no Plenário deste Tribunal, o


debate em torno da admissibilidade do “habeas corpus” quando impetrado
contra decisões singulares emanadas de Ministro desta Corte, peço vênia
para reiterar minha posição inteiramente favorável ao conhecimento do
“writ” constitucional no contexto referido.

Faço-o, Senhor Presidente, por entender que o Supremo Tribunal


Federal, ao assim decidir, afastará a abordagem restritiva que tanto tem
afetado as virtualidades jurídicas de que se acha impregnado o remédio
constitucional do “habeas corpus”, que sempre mereceu, por parte desta
Suprema Corte, reverente tratamento, ainda mais se se considerar que foi,
precisamente este Tribunal, o espaço em que floresceu, sob a égide da
Constituição republicana de 1891, a doutrina brasileira do “habeas corpus”
(RHC 122.963/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO), resultante de decisões
verdadeiramente históricas que, ao destacarem a tradição liberal deste
Alto Tribunal, revestiram-se de aspecto seminal no que concerne à
construção, em nosso País, de um “corpus” doutrinário que ampliou,
significativamente, como assinala PEDRO LESSA (“Do Poder Judiciário”,
p. 285/287, § 61, 1915, Francisco Alves), o âmbito de incidência e amparo
das liberdades fundamentais (HC 2.794/DF, Rel. Min. GODOFREDO
CUNHA – HC 2.797/DF, Rel. Min. OLIVEIRA RIBEIRO – HC 2.990/DF,
Rel. Min. PEDRO LESSA – RHC 2.793/DF, Rel. Min. CANUTO
SARAIVA – RHC 2.799/DF, Rel. Min. AMARO CAVALCANTI, v.g.),
estendendo-se, até o advento da Reforma Constitucional de 1926, para

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10167997.
Supremo Tribunal Federal
Voto s/ Conhecimento

Inteiro Teor do Acórdão - Página 97 de 154

HC 127483 / PR

além da mera proteção jurisdicional do direito de ir, vir e permanecer


(“jus manendi, ambulandi, eundi ultro citroque”):

“O ‘habeas-corpus’, conforme o preceito constitucional, não se


restringe a garantir a liberdade individual, contra a prisão ou ameaça de
prisão ilegais, ampara, também, outros direitos individuais contra o
abuso ou violência da autoridade.
Em casos semelhantes ao atual, o Tribunal tem concedido o
‘habeas-corpus’ para garantir a posse e exercício de Vereador eleito,
impedido pela autoridade de exercitar o cargo (…).”
(HC 3.983/MG, Rel. Min. CANUTO SARAIVA – grifei)

Em suma: Senhor Presidente, causa-me grave preocupação, como


anteriormente assinalei, essa limitação imposta pela jurisprudência da
Corte quanto à utilização do “habeas corpus” em face de decisões
monocráticas proferidas por Ministros do Supremo Tribunal Federal, pois
esse entendimento provoca – segundo penso – gravíssima restrição a um
fundamental instrumento de proteção jurisdicional da liberdade em nosso
País.

Por tais razões, Senhor Presidente, e ressalvando, tão somente, a


subsistência da Súmula 606/STF, peço licença para conhecer da presente
ação de “habeas corpus”, por entender possível a impetração originária do
presente “writ” contra atos ou omissões imputáveis, singularmente, a
qualquer Ministro do Supremo Tribunal Federal.

É o meu voto.

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10167997.
Supremo Tribunal Federal
Voto s/ Conhecimento

Inteiro Teor do Acórdão - Página 98 de 154

26/08/2015 PLENÁRIO

HABEAS CORPUS 127.483 PARANÁ

VOTO SOBRE CONHECIMENTO

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI


(PRESIDENTE) - Eu peço vênia à divergência para acompanhar o
Relator, entendendo, antes de mais nada, que nesses tempos tumultuosos
em que nós vivemos, em que o devido processo legal nem sempre tem
sido observado, pelo menos sob a perspectiva da jurisprudência e da
doutrina assentada há quase meio século, neste País, é muito importante
que nós resgatemos todas as potencialidades desse remédio
constitucional importantíssimo que é o habeas corpus.
Também não vou repetir tudo aquilo que disse e peço até excusas
por ter interrompido meus Pares, mas entendo que, na linha do que
suscitou o eminente Ministro Marco Aurélio e, agora, na linha também do
que argumentou o eminente decano, não posso compreender que um
agravo interno, que um recurso interno, que é o agravo regimental,
portanto, de envergadura menor do que o recurso ordinário especial ou
extraordinário, possa representar um empecilho para o ajuizamento,
desde logo, numa situação de emergência, deste remédio constitucional
que existe desde o Século XVII, como nós sabemos, e que foi um
extraordinário avanço civilizatório.
Peço vênia para entender, mas sem me pronunciar definitivamente,
que a Súmula 606, no que tange às Turmas, pelo menos - não sei se com
relação ao Plenário -, está em parte derrogada, porque eu penso que as
decisões das Turmas podem, sim, à luz do artigo 102, I, d, e, agora, com o
que nos traz como contribuição o eminente Ministro Marco Aurélio, o
inciso I.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Vossa Excelência me


permite um aparte, em reforço de argumentação? Os pronunciamentos da
Turma são impugnáveis, para o Plenário, em embargos de divergência.

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9465534.
Supremo Tribunal Federal
Voto s/ Conhecimento

Inteiro Teor do Acórdão - Página 99 de 154

HC 127483 / PR

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI


(PRESIDENTE) - Sem dúvida nenhuma. Eu ia inclusive trazer à colação
esse argumento. Portanto, penso que, parcialmente, pelo menos, está
derrogado, mas é uma questão de alta indagação.
Esse é um tema sobre o qual temos que meditar, mais uma vez -
penso eu -, não imagino que uma jurisprudência defensiva possa,
realmente, aniquilar esse instrumento importante de hierarquia
constitucional. E vejo que os Tribunais Superiores e mesmo os Tribunais
Recursais Ordinários vêm utilizando desse expediente para,
simplesmente, elidirem essa massa enorme de ações com as quais estão
assoberbados, mas o Supremo certamente haverá de corrigir esse tipo de
abordagem quanto a esse nobilíssimo instituto.
Portanto, peço vênia, com essas singelas palavras, para conhecer
também do habeas corpus.

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9465534.
Supremo Tribunal Federal
Debate

Inteiro Teor do Acórdão - Página 100 de 154

26/08/2015 PLENÁRIO

HABEAS CORPUS 127.483 PARANÁ

DEBATE

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO - Presidente,


se eu bem entendi, os Ministros que conheceram, no entanto, denegaram.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI


(PRESIDENTE) - Mas muitos não. Apenas o Ministro Gilmar Mendes.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Não me pronunciei


quanto ao fundo, reservei-me a…

O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI (RELATOR):


O Ministro Marco Aurélio não se pronunciou nem o Ministro Celso.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI


(PRESIDENTE) - O próprio Ministro Decano não se pronunciou. Eu
também não me pronunciei.

O SENHOR MINISTRO EDSON FACHIN - Senhor Presidente, se a


economia do tempo ajudar, sem embargo de desejar fazer um breve
registro, mas, quanto à conclusão, eu adianto que vou acompanhar o
Relator no sentido de denegar a ordem, embora por outros fundamentos.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI


(PRESIDENTE) - Pois não.

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA - Alguns não estão


presentes mais, não é Ministro?

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9985826.
Supremo Tribunal Federal
Debate

Inteiro Teor do Acórdão - Página 101 de 154

HC 127483 / PR

(PRESIDENTE) - É que muitos não estão presentes e eu, data venia, teria
algumas observações a fazer com relação ao belíssimo voto que o
Ministro traz, mas são pequenas questões que me preocupam, que eu
pretendo trazer à apreciação do egrégio Plenário. E eu acho que não
estamos com o Plenário completo.

O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI (RELATOR):


A temática, eu penso que merece.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI


(PRESIDENTE) - E acho que é um debate que merece ser aprofundado.
Portanto, declaro encerrada a sessão e voltaremos amanhã para
discutirmos a matéria de fundo.

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9985826.
Supremo Tribunal Federal
Extrato de Ata - 26/08/2015

Inteiro Teor do Acórdão - Página 102 de 154

PLENÁRIO
EXTRATO DE ATA

HABEAS CORPUS 127.483


PROCED. : PARANÁ
RELATOR : MIN. DIAS TOFFOLI
PACTE.(S) : ERTON MEDEIROS FONSECA
IMPTE.(S) : JOSÉ LUIZ OLIVEIRA LIMA E OUTRO(A/S)
COATOR(A/S)(ES) : RELATOR DA PET 5244 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Decisão: Após os votos dos Ministros Dias Toffoli (Relator),


Gilmar Mendes, Marco Aurélio, Celso de Mello e Ricardo Lewandowski
(Presidente), que conheciam do habeas corpus, e os votos dos
Ministros Edson Fachin, Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux e
Cármen Lúcia, que não conheciam do pedido, o Tribunal, tendo em
conta o empate, conheceu da impetração. No mérito, os Ministros
Dias Toffoli (Relator) e Gilmar Mendes denegaram a ordem. Em
seguida, o julgamento foi suspenso. Impedido o Ministro Teori
Zavascki. Falaram, pelo paciente, o Dr. José Luís Oliveira Lima,
e, pelo Ministério Público Federal, a Dra. Ela Wiecko Volkmer de
Castilho, Vice-Procuradora-Geral da República. Presidência do
Ministro Ricardo Lewandowski. Plenário, 26.08.2015.

Presidência do Senhor Ministro Ricardo Lewandowski. Presentes


à sessão os Senhores Ministros Celso de Mello, Marco Aurélio,
Gilmar Mendes, Cármen Lúcia, Dias Toffoli, Luiz Fux, Rosa Weber,
Roberto Barroso e Edson Fachin.

Vice-Procuradora-Geral da República, Dra. Ela Wiecko Volkmer


de Castilho.

p/ Fabiane Pereira de Oliveira Duarte


Assessora-Chefe do Plenário

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/autenticarDocumento.asp sob o número 10190235
Supremo Tribunal Federal
Observação

Inteiro Teor do Acórdão - Página 103 de 154

27/08/2015 PLENÁRIO

HABEAS CORPUS 127.483 PARANÁ

OBSERVAÇÃO

O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI (RELATOR):


Senhor Presidente, mais uma vez, o impetrante, Doutor José Luis
Oliveira Lima, demonstrando seu apreço e respeito por esta Corte, fez-me
chegar a seguinte petição, que faço questão de ler:

“José Luis Oliveira Lima, na qualidade de impetrante da


ordem de Habeas Corpus nº 127.483, em que figura como
paciente Erton Medeiros Fonseca, vem, respeitosamente,
perante de Vossa Excelência, informar que, infelizmente, por
força de compromissos profissionais na cidade de São Paulo,
não poderá acompanhar pessoalmente a continuidade do
julgamento iniciado na data de ontem, sendo representado pela
advogada Anna Luiza Ribeiro dos Santos de Sousa, cujo
instrumento de mandato ora se apresenta.”

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI


(PRESIDENTE) - A advogada está presente, portanto, se quiser, ou
entender necessário, levantar alguma questão de ordem de fato...
O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI (RELATOR):
Mas eu registro pela lhaneza da postura do advogado de justificar
por que não está acompanhando pessoalmente, até o final, o presente
julgamento, por compromisso que já tinha em São Paulo.
O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI
(PRESIDENTE) - Isso é uma característica desse eminente advogado José
Luis Oliveira Lima, a elegância com que se porta não só da tribuna, mas
também quando tem contato com os demais Ministros.
Então, está anotado.

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9465536.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. EDSON FACHIN

Inteiro Teor do Acórdão - Página 104 de 154

27/08/2015 PLENÁRIO

HABEAS CORPUS 127.483 PARANÁ

VOTO

O SENHOR MINISTRO EDSON FACHIN: Senhor Presidente, pedindo


vênia ao eminente Relator, voto pelo não conhecimento do presente
Habeas Corpus.

Entendo aplicável à espécie, na esteira da atual jurisprudência desta


Suprema Corte, a Súmula 606 ( não cabe habeas corpus originário para o
Tribunal Pleno de decisão de Turma ou do Plenário, proferida em habeas corpus
ou no respectivo recurso ), a qual vem sendo aplicada inclusive como óbice
ao conhecimento de habeas corpus impetrado contra ato praticado por ato
de Ministro-Relator do próprio Tribunal.

Nesse sentido:

“HABEAS CORPUS. Ação de competência originária.


Impetração contra ato de Ministro Relator do Supremo
Tribunal Federal. Decisão de órgão fracionário da Corte. Não
conhecimento. HC não conhecido Aplicação analógica da
súmula 606. Precedentes. Voto vencido. Não cabe pedido de
habeas corpus originário para o tribunal pleno, contra ato de
ministro ou outro órgão fracionário da Corte”.(HC 86548, Rel.
Min. Cezar Peluso, Tribunal Pleno, 16.10./2008).

“AGRAVO REGIMENTAL. HABEAS CORPUS.


PROCESSUAL PENAL . IMPETRA ÇÃO DIRIGIDA CONTRA
DECISÃO SINGULAR DE MINISTRO DO SUPREMO
TRIBUNAL FEDERAL . APLICAÇÃO ANALÓGICA DA
SÚMULA 606. NEGATIVA DE SEGUIMENTO DO WRIT .
DECISÃO RECORRIDA EM SINTONIA COM A
JURISPRUDÊNCIA DESTE NOSSO TRIBUNAL. AGRAVO
DESPROVIDO. 1. A recente orientação jurisprudencial desta

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9452082.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. EDSON FACHIN

Inteiro Teor do Acórdão - Página 105 de 154

HC 127483 / PR

nossa Casa de Justiça é no sentido do descabimento da


impetração de habeas corpus contra ato de Ministro Relator
do próprio Tribunal , por aplicação analógica da Súmula
606/STF. (Cf. HC 100.738/RJ, Tribunal Pleno, redatora para o
acórdão a ministra Cármen Lúcia, DJ 01/07/2010; HC
101.432/MG, Tribunal Pleno, redator para o acórdão o ministro
Dias Toffoli, DJ 16/04/2010; HC 91.207/RJ, Tribunal Pleno,
redator para o acórdão o ministro Eros Grau, DJ 05/03/2010; HC
99.510-AgR/MG, Tribunal Pleno, da relatoria do ministro Cezar
Peluso, DJ 16/10/2009; HC 97.250-AgR/SP, Segunda Turma, da
relatoria da ministra Ellen Gracie, DJ 07/08/2009; HC 86.548/SP,
Tribunal Pleno, da relatoria do ministro Cezar Peluso, DJ
19/12/2008.) 2. Agravo regimental desprovido”.
(HC 103193 AgR, Rel. Min. Ayres Britto, Tribunal Pleno,
02/03/2011)

Esse entendimento solidificou-se forte no argumento segundo o qual


não cabe a um órgão julgador, seja por seu órgão fracionário ou não,
ordenar a si mesmo que faça alguma coisa.

As decisões jurisdicionais dos Ministros desse Tribunal, ainda que


monocraticamente proferidas, são decisões do Supremo Tribunal Federal.
Certamente, passíveis de submissão ao colegiado pelo recurso próprio,
porém são decisões do Supremo Tribunal Federal. Enfatizo que não há, na
atribuição das competências ao Ministro-Relator realizada pelo
Regimento Interno desta Suprema Corte, qualquer ofensa ao princípio da
colegialidade.

Nesse sentido, anoto trecho de voto proferido pelo eminente decano


desta Corte, no julgamento da Reclamação 17.566/SP, onde demonstra,
com a acuidade que lhe é peculiar, a plena legitimidade das delegações
feitas pelo RISTF ao Relator das causas da competência desta Suprema
Corte, registrando que os grifos não correspondem ao original:

“Registro, preliminarmente, por necessário, que o

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9452082.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. EDSON FACHIN

Inteiro Teor do Acórdão - Página 106 de 154

HC 127483 / PR

Supremo Tribunal Federal, mediante seu regimento, delegou


expressa competência ao Relator da causa para, em sede de
julgamento monocrático, negar seguimento a pedido, desde que
o tema nele versado seja contraditório à jurisprudência
dominante ou a Súmula do Tribunal (RISTF, art. 21, § 1º). Ao
assim proceder, fazendo-o mediante interna delegação de
atribuições jurisdicionais, esta Suprema Corte, atenta às
exigências de celeridade e de racionalização do processo
decisório, limitou-se a reafirmar princípio consagrado em
nosso ordenamento positivo (Lei nº 8.038/90, art. 38; CPC, art.
557) que autoriza o Relator da causa a decidir,
monocraticamente, o litígio, sempre que este referir-se a tema já
definido em jurisprudência dominante no Supremo Tribunal
Federal. Nem se alegue que essa orientação implicaria
transgressão ao princípio da colegialidade, eis que o
postulado em questão sempre restará preservado ante a
possibilidade de submissão da decisão singular ao controle
recursal dos órgãos colegiados no âmbito do Supremo
Tribunal Federal , consoante esta Corte tem reiteradamente
proclamado (RTJ 181/1133-1134, Rel. Min. CARLOS VELLOSO,
AI 159.892-AgR/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.). A
legitimidade jurídica desse entendimento decorre da
circunstância de o Relator da causa, no desempenho de seus
poderes processuais, dispor de plena competência para
exercer, monocraticamente, o controle das ações, pedidos ou
recursos dirigidos ao Supremo Tribunal Federal, justificando-
se, em consequência, os atos decisórios que, nessa condição,
venha a praticar (RTJ 139/53; RTJ 168/174-175; RTJ 173/948),
valendo assinalar, quanto ao aspecto ora ressaltado, que este
Tribunal, em decisões colegiadas.” (Rcl 344-AgR/DF, Rel. Min.
MAURÍCIO CORRÊA; Rcl 9.945-AgR/SP, Rel. Min. LUIZ FUX,
v.g.), reafirmou a possibilidade processual do julgamento
monocrático , desde que observados os requisitos estabelecidos
no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. (Rcl 17566
AgR, Rel. Min. Celso de Mello, 16/09/2014).

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9452082.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. EDSON FACHIN

Inteiro Teor do Acórdão - Página 107 de 154

HC 127483 / PR

A superação desse entendimento, com a devida vênia de


entendimento contrário, significa alterar, por transversas vias, a
distribuição da competência dos respectivos órgãos colegiados
estabelecida no Regimento Interno desta Suprema Corte para, em sede
recursal, revisar as decisões proferidas pelos Ministros-Relatores.

Com efeito, ao contrário do que sustentado na impetração,


compreendo haver recurso à disposição de quem, não sendo parte, sente-
se prejudicado por uma determinada decisão.

A conjugação do disposto no art. 317, do Regimento Interno do


Supremo Tribunal Federal combinado com a regra do art. 499 do CPC,
aplicável ao processo penal pela via do art. 3º, do CPP, permite ao terceiro
prejudicado manejar o agravo regimental.

Conhecer do presente habeas corpus, ou mesmo não o conhecendo,


examinar a matéria de fundo com intuito de se aferir a presença ou não
de constrangimento ilegal que pudesse ensejar a concessão de ofício da
ordem, data venia do eminente Relator, significa suprimir a competência
regimental da 2ª Turma.

Sendo assim, voto por não conhecer do habeas corpus e não adentrar à
matéria de fundo para exame de hipótese de concessão de ofício.

VOTO - MÉRITO

Senhor Presidente, vencido que fui quanto à preliminar de


conhecimento, passo ao exame do mérito da impetração.

Estando a matéria extensamente enfrentada pelo eminente Relator,


permito-me, nesse momento, dadas as teses veiculadas na impetração,
secundar a conclusão de Sua Excelência pela denegação da ordem.

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9452082.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. EDSON FACHIN

Inteiro Teor do Acórdão - Página 108 de 154

HC 127483 / PR

Assento, todavia, uma vez mais louvando o extenso e exaustivo voto


do eminente Relator com análise ampla e profunda do instituto da
colaboração premiada que, quantos aos fundamentos expostos, neste
momento, restrinjo-me a assentar minha conclusão pela denegação da
ordem na consideração de que, em princípio, não é possível ao coautor ou
partícipe dos crimes praticados pelo colaborador, impugnar os termos do
acordo celebrado com base na Lei 12.850/2013.

Assim como o eminente Relator, entendo que o acordo não interfere


diretamente na esfera jurídica do delatado. Afinal, nos termos do art. 4º, §
16, da Lei 12.850/2013, “nenhuma sentença condenatória será proferida com
fundamento apenas nas declarações de agente colaborador”.

As declarações do colaborador, portanto, só têm validade se forem


corroboradas por outros elementos de prova, o que significa dizer que,
sozinhas, suas palavras, em face do delatado, nenhum efeito jurídico
produzem.

Sendo assim, as condições nas quais se deram o acordo, que


provavelmente integram as razões pelas quais o delatado entende que o
depoimento do colaborador não é digno de fé, devem ser levadas ao
debate, sob o crivo do contraditório, no processo penal em que o
depoimento do colaborador está sendo sopesado contra seus interesses.

Por essas razões, atento também à necessidade de ser breve e,


reservando-me para pronunciar-me sobre os demais fundamentos
jurídicos articulados no voto do eminente Relator, em momento mais
oportuno, denego a ordem.

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9452082.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. ROBERTO BARROSO

Inteiro Teor do Acórdão - Página 109 de 154

27/08/2015 PLENÁRIO

HABEAS CORPUS 127.483 PARANÁ

VOTO

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO - Presidente,


Vossa Excelência fez oportunamente o registro.
Na verdade, houve um empate quanto à questão do conhecimento,
e, evidentemente, decidiu-se em favor da defesa. Mas não houve, como se
noticiou, ainda, pelo menos, uma virada na jurisprudência do Tribunal,
que ainda aguardará a manifestação oportuna, quando seja o caso, do
Ministro Teori Zavascki.
Temos, portanto, uma posição empatada, na verdade, neste
momento, sem mudança de jurisprudência.
O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI
(PRESIDENTE) - Eu só me manifestei quanto a este processo.
O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI (RELATOR):
Sempre um de nós será apontado como autoridade dita coatora.
O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO - Mas eu
digo, no momento em que o Ministro Teori votar em alguma questão, nós
saberemos qual é a posição dele e saberemos se a maioria entende numa
linha ou entende em outra.
O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI
(PRESIDENTE) - Agora, de qualquer maneira, se Vossa Excelência me
permite, o Ministro Gilmar Mendes, ontem, data venia, com muita
procedência, lembrava que essa questão tem sido examinada caso a caso.
Há situações em que há até uma certa teratologia em que se pode superar
a própria Súmula 606 do Supremo Tribunal Federal. Então, embora haja
uma jurisprudência que aponta no sentido do não conhecimento, este
Plenário, em algumas situações, tem conhecido do habeas corpus quando
se trata de uma situação excepcional.
O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO - Certo,
embora, nesses casos, não se conheça do habeas corpus e se conceda de
ofício. Mas essa não é a discussão e, quando ela voltar, nós discutiremos.

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9465537.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. ROBERTO BARROSO

Inteiro Teor do Acórdão - Página 110 de 154

HC 127483 / PR

E apenas para fazer uma declaração de princípio, eu conversava com


o Ministro Marco Aurélio antes, eu sou a favor de o Supremo Tribunal
Federal conhecer o maior número de habeas corpus que seja compatível
com uma jurisdição de qualidade. Portanto, quando penso em algum tipo
de restrição, não é evidentemente de cerceamento da discussão de teses,
que me parece relevante trazer ao Supremo. Apenas há um limite físico
da nossa capacidade de trabalho. Mas não é essa a discussão aqui.
Eu, Presidente, igualmente louvo o voto do Ministro Dias Toffoli que
pioneiramente trouxe uma relevante discussão doutrinária sobre a
natureza jurídica da delação premiada. Mas também eu, Presidente, vou
me reservar para uma reflexão mais detida sobre este assunto. E,
portanto, não estou tomando posição em relação a algumas teses
relevantes do voto do Ministro Dias Toffoli e estou denegando a ordem,
Presidente, pela seguinte ordem de razões:
Em primeiro lugar, eu penso que o fato de o delator premiado haver
frustrado o cumprimento da delação anterior não traz como consequência
a invalidade de uma eventual delação subsequente, se o Ministério
Público assim entender conveniente. As consequências do
descumprimento da delação premiada pelo Alberto Youssef, a delação
anterior do caso do Banestado, foram devidamente pronunciadas. Foram
as seguintes: ele teve sua prisão preventiva decretada, foi retomado o
andamento das ações penais, objeto do primeiro acordo, e ele foi
condenado a uma pena de quatro anos pelo crime de corrupção ativa.
Portanto, as consequências do descumprimento da delação premiada
anterior foram essas que estão previstas na legislação. A eventual
validade ou não de uma delação premiada por fatos supervenientes tem
que ser avaliada pelo Ministério Público e pelo juiz. Portanto, não acho
que o descumprimento de uma acarrete a invalidade da outra.
A segunda razão, Presidente, coincide com a que foi suscitada pelo
eminente Ministro Luiz Edson Fachin, que é a de que o paciente não foi
sequer citado no acordo de delação premiada. O acordo em si não
interfere com a sua esfera jurídica, assim, não justificando o deferimento
de um habeas corpus.

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9465537.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. ROBERTO BARROSO

Inteiro Teor do Acórdão - Página 111 de 154

HC 127483 / PR

A terceira razão é a de que, como nós todos sabemos, e já foi


ressaltado, nenhuma sentença condenatória, diz a Lei, será proferida com
fundamento apenas nas declarações de agente colaborador. De modo que,
além do acordo, as declarações por si sós não são suficientes para gerar
um dano direto e imediato à liberdade de ir e vir do paciente.
E, por fim, quanto às cláusulas patrimoniais também impugnadas,
eu penso que ali há uma discussão sobre matéria de fato, que é saber se os
bens liberados teriam ou não sido produto de algum ilícito, que
evidentemente não é possível nós aferirmos aqui em habeas corpus.
Por essas quatro razões, Presidente, eu estou acompanhando o
Ministro Dias Toffoli na sua conclusão para denegar a ordem de habeas
corpus.

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9465537.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. ROSA WEBER

Inteiro Teor do Acórdão - Página 112 de 154

27/08/2015 PLENÁRIO

HABEAS CORPUS 127.483 PARANÁ

VOTO
A Senhora Ministra Rosa Weber: 1. Trata-se de habeas corpus
impetrado contra ato do Ministro Teori Zavaski que, nos autos da Petição
nº 5244, homologou o Termo de Colaboração Premiada firmado entre
Alberto Youssef e o Ministério Público Federal.
2. Em condições tais - habeas corpus contra ato de Ministro, de
Turma ou de Plenário deste Supremo Tribunal Federal já me manifestei
em inúmeras oportunidades pelo não cabimento da impetração (por
todos, HC 128999, DJe nº 152, de 03/8/2015). Tal entendimento prestigia a
jurisprudência reafirmada em inúmeras oportunidades pelo Plenário
desta Suprema Corte, em aplicação analógica do enunciado da súmula
606/STF: Não cabe habeas corpus originário para o Tribunal Pleno de decisão de
Turma, ou do Plenário, proferida em habeas corpus ou no respectivo recurso .
Confira-se:
Direito Processual Penal. Habeas corpus impetrado contra
ato de Turma do Supremo Tribunal Federal. Descabimento. A
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é tranquila no
sentido de que não cabe habeas corpus contra decisão proferida
por qualquer de suas Turmas, as quais não se sujeitam à
jurisdição do Plenário, pois, quando julgam matéria de sua
competência, representam o Supremo Tribunal Federal (HC n.
80.375, Rel. Min. Maurício Corrêa). 2. A matéria já foi sumulada,
nos seguintes termos do enunciado n. 606: Não cabe habeas
corpus originário para o Tribunal Pleno de decisão de turma, ou
do plenário, proferida em habeas corpus ou no respectivo
recurso. 3. Não conhecida a ordem de habeas corpus. (HC
117.091/MG, Relator para o acórdão Min. Roberto Barroso, DJe
30.10.2014)
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS.
IMPETRAÇÃO CONTRA ATO DO PLENO DO SUPREMO
TRIBUNAL FEDERAL. WRIT MANIFESTAMENTE
INCABÍVEL. SÚMULA 606/STF. PRECEDENTES. AGRAVO
REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9622808.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. ROSA WEBER

Inteiro Teor do Acórdão - Página 113 de 154

HC 127483 / PR

1. O habeas corpus é incabível quando impetrado em


face de ato dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, de
órgão fracionário da Corte ou de seu Pleno. Precedentes: (HC
86.548/SP, Rel. Min. Cezar Peluso, Pleno, DJe 19/12/2008; HC
84.444/CE-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, Pleno, DJ 14/9/2007;
HC 91.352/SP, Rel. Min. Menezes Direito, Pleno, DJe 18/4/08;
HC 113.204-AgR/DF, Rel. Min. Dias Toffoli, Pleno, DJe
28/02/2013).
2. In casu, a impetração atribui ao Pleno do Supremo
Tribunal Federal constrangimento ilegal em razão de ameaça
ao status libertatis dos réus condenados na Ação Penal 470
(Caso do Mensalão).
3. A impetração é manifestamente incabível, consoante o
enunciando da Súmula 606/STF, verbis: Não cabe habeas
corpus originário para o Tribunal Pleno de decisão de Turma,
ou do Plenário, proferida em habeas corpus ou no respectivo
recurso.
4. Agravo regimental a que se nega provimento. (HC
115.774-AgR/DF, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 18.11.2013).
AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. WRIT
IMPETRADO CONTRA ATO DA PRIMEIRA TURMA DO
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. NÃO CABIMENTO.
PRECEDENTES DO STF. AGRAVO REGIMENTAL NÃO
PROVIDO.
I Esta Corte já firmou jurisprudência no sentido de não
caber habeas corpus contra ato de Ministro Relator, de Turma
ou do próprio Tribunal Pleno. Precedentes.
II Os reiterados julgados nessa mesma esteira resultaram
na edição da Súmula 606. Eis o teor do mencionado verbete:
Não cabe habeas corpus originário para o Tribunal Pleno de
decisão de Turma, ou do Plenário, proferida em habeas corpus
ou no respectivo recurso.
III - Agravo regimental em habeas corpus não provido.
(HC 118.459-AgR/DF, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe
27.02.2014).
No mesmo diapasão, destaco precedentes exarados por

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9622808.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. ROSA WEBER

Inteiro Teor do Acórdão - Página 114 de 154

HC 127483 / PR

ambas as Turmas desta Suprema Corte:


Agravo regimental em habeas corpus. 2. Penal e Processo
Penal. 3. Falha no sistema de peticionamento eletrônico desta
Corte. Impossibilidade de impetração do writ. Eventuais erros
de sistema ou administrativos devem ser solucionados
diretamente com o setor responsável. 4. Ainda que se
considerasse como autoridade coatora o Ministro relator do HC
n. 118.586/RJ, do STF, também seria o caso de não conhecimento
do writ, porquanto a pretensão deduzida encontra óbice na
jurisprudência deste Tribunal. Súmula 606. 5. Agravo
regimental a que se nega provimento. (HC 121.579-AgR/RJ, Rel.
Min. Gilmar Mendes, 2ª Turma, DJe 13.5.2014).
AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS.
CONSTITUCIONAL. PENAL. PROCESSUAL PENAL. ATO DE
TURMA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL:
INVIABILIDADE JURÍDICA. PRECEDENTES. 1. Não se admite
a impetração de habeas corpus neste Supremo Tribunal contra
ato de órgão fracionário do próprio Supremo Tribunal Federal.
Incidência da Súmula 606 do Supremo Tribunal Federal. 2.
Agravo regimental ao qual se nega provimento. (HC 119.657-
AgR/BA, Rel. Min. Cármen Lúcia, 2ª Turma, DJe 14.02.2014).
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS.
IMPETRAÇÃO CONTRA DECISÃO DE TURMA DO
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. NÃO CABIMENTO.
JURISPRUDÊNCIA CONSOLIDADA. APLICAÇÃO
ANALÓGICA DA SÚMULA 606/STF. 1. Manifesto o
descabimento deste habeas corpus, enquanto se volta contra
decisão da 2ª Turma desta Corte, à luz da jurisprudência
firmada pelo Plenário deste Supremo Tribunal no sentido de
que não cabe pedido de habeas corpus originário para o
Tribunal Pleno, contra ato de Ministro ou órgão fracionário da
Corte (HC 86.548/SP, Rel. Min. Cezar Peluso, maioria, DJe
19.12.2008). 2. Assentada, tal diretriz, na aplicação analógica do
enunciado da Súmula 606/STF: Não cabe habeas corpus
originário para o Tribunal Pleno de decisão de Turma, ou do
Plenário, proferida em habeas corpus ou no respectivo recurso.

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9622808.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. ROSA WEBER

Inteiro Teor do Acórdão - Página 115 de 154

HC 127483 / PR

3. Agravo regimental conhecido e não provido. (HC 123.408-


AgR/DF, de minha relatoria, 1ª Turma, DJe 28.11.2014).

No mesmo sentido, as seguintes decisões monocráticas: HC 115.667


MC/DF, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 06.11.2012; HC 114163/TO, Rel. Min.
Dias Toffoli, DJe 01.8.2012; HC 115.253/RJ, Rel. Min. Ricardo
Lewandowski, DJe 01.10.2012; HC 114.070/SP, Rel. Min. Cármen Lúcia,
DJe 28.6.2012; HC 114.106/DF, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJe 29.6.2012;
HC 115.643/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe 28.11.2012; HC 114.746/SP,
Rel. Min. Dias Toffolli, DJe 17.8.2012; HC 97.198/PR, Rel. Min. Celso de
Mello, DJe 01.8.2012; HC 110.384-MC/PR, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJe
26.9.2011; HC 107.551/DF, Rel. Min. Ellen Gracie, DJe 22.3.2011; HC
105.716-MC/DF, Rel. Min. Celso de Melo, DJe 26.10.2010; HC 104.708/RS,
Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe 18.8.2010; HC 101.098/SP, Rel. Eros Grau,
DJe 25.3.2010; HC 103.139/MA, Rel. Dias Toffoli, DJe 23.3.2010; HC
101.674/PR, Rel. Min. Cezar Peluso, DJe 10.12.2009; HC 94.930/PR, Rel.
Min. Menezes Direito, DJe 12.6.2008; e HC 85.018/SP, Rel. Min. Cezar
Peluso, DJ 12.11.2004.
3. Sinalo que o ato de homologação do Termo de Colaboração
Premiada, com a disciplina atribuída pelo artigo 4º, § 7º, da Lei
12.850/2013, revela-se como uma típica atribuição (instrutória e
monocrática) de relatoria (art. 2º da Lei 8.038/90). Sendo assim , não
apresenta particularidade ou ineditismo que justifique a superação do
entendimento jurisprudencial consolidado nesta Suprema Corte, no
sentido da não admissibilidade do habeas corpus .
4. Não conheço, pois, do presente habeas corpus.
5. Superada a preliminar de não conhecimento da ação, vencida
que fui no aspecto, passo ao exame do mérito.
Na decisão monocrática atacada neste HC, o Ministro Teori Zavaski,
após relato do peticionado - requerimento, formulado pelo Procurador-
Geral da República, de homologação do “Termo de Colaboração
Premiada firmado pelo Ministério Público Federal e Alberto Youssef, na
condição de colaborador-, e dos fatos que o ensejaram, bem como da
afirmação da competência do STF para o seu exame, consignou exigir, a

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9622808.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. ROSA WEBER

Inteiro Teor do Acórdão - Página 116 de 154

HC 127483 / PR

Lei 12.850/2013, “como condição de validade do acordo de colaboração a


sua homologação judicial, a ser deferida, a teor do mesmo despacho,
“quando atendidos os requisitos de regularidade, legalidade e
voluntariedade”. Apreciou, na sequência, tais requisitos, registrando,
quanto à voluntariedade do acordo, que fora reafirmada pelo
colaborador no depoimento colhido, por delegação, pelo magistrado
instrutor convocado para atuar no seu gabinete, nos moldes do art. 3º, III,
da Lei 8038/1990 - , e prestado na presença e com anuência do respectivo
advogado, conforme mídia juntada aos autos. Assentou, ainda, o Ministro
Teori, a regularidade da documentação apresentada pelo Ministério
Público e a legitimidade do procedimento adotado, com especial
observância da Lei 12.850/2013. Anotou, a seguir, quanto ao conteúdo das
cláusulas acordadas, caber ao Judiciário apenas um juízo de sua
compatibilidade com o sistema normativo, e concluiu, sob este prisma,
guardarem, os termos acordados, harmonia, de modo geral, com a
Constituição e as leis, com exceção do compromisso assumido pelo
colaborador, consoante Cláusula 10, k, exclusivamente no passível de
interpretado como renúncia, de sua parte, ao pleno exercício, no futuro,
do direito fundamental de acesso à Justiça (art. 5º, XXXV, da
Constituição). Explicitou, por fim, nada haver na ressalva feita que “possa
franquear ao colaborador descumprimento do acordado sem sujeitar-se à
perda dos benefícios nele previstos. O contrário, porém, não será
verdadeiro: as cláusulas do acordo não podem servir como renúncia,
prévia e definitiva, ao pleno exercício de direito fundamentais”. Nesses
termos e com esta limitação homologou o Termo de Colaboração
Premiada, para produzir seus jurídicos e legais efeitos perante qualquer
juízo ou tribunal nacional, a teor da Lei 12.850/2013.
Verifico que:
(i) o objeto do HC é “o reconhecimento da ilegalidade do despacho
que homologou o acordo de colaboração premiada, determinando-se a
nulidade de toda a prova a partir dele produzida”.
Como bem destacado no voto do eminente Relator, o instituto da
colaboração premiada, na dicção legal – é meio de obtenção de prova que

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9622808.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. ROSA WEBER

Inteiro Teor do Acórdão - Página 117 de 154

HC 127483 / PR

se formaliza em um termo firmado entre o Ministério Público e o agente


colaborador, termo este submetido à homologação judicial para exame de
sua higidez sob a ótica da voluntariedade, da legalidade e da
regularidade.
(ii) Em absoluto se confunde, o termo sujeito à homologação, com
os depoimentos do agente colaborador, estes sim meios de prova a serem
valorados pelo juízo natural na forma do art. 4º,. § 16º, da Lei 12.850/2013.
(iii) Diverso do que se alega, o elemento ontológico da delação
premiada não está na pessoa do colaborador, e sim no pragmatismo, no
interesse da persecução penal, na perspectiva de reduzir os danos
causados pelos crimes que orientam a razão de ser da colaboração.
Delator premiado não será o chamado bonus pater familiae. Eventuais
valorações negativas de sua personalidade não dizem com a validade do
termo de delação; haverão, sim, de ser levadas em conta pelo juiz, na
dicção legal, quando da concessão dos benefícios previstos na lei (perdão
judicial, redução da pena ou substituição da pena corporal pela restritiva
de direitos). Também deverão orientar a fixação de standard mais rígidos
para a confirmação das declarações do agente colaborador e de balizas
mais estritas a tanto.
(v) Já o elemento confiança, na colaboração premiada, está
assegurado por outro viés. Há previsão expressa de que nenhuma
sentença condenatória será proferida com fundamento exclusivo nas
declarações do agente colaborador (art. 4º, § 16, da Lei 12850/203), e
consagra a lei uma espécie de pacto de verdade com o colaborador, que,
se quebrado, o sujeitará à perda dos benefícios do acordo e à persecução
pelo delito de denunciação caluniosa (art. 19 da Lei 12850/2013).
Os impetrantes defendem ainda que o Termo de Colaboração
Premiada seria nulo em razão de previsão de “cláusulas patrimoniais
ilícitas” que teriam beneficiado irregularmente Alberto Youssef e sua
família por via da destinação de bens caracterizados como produto dos
crimes abrangidos na colaboração.
Quanto ao ponto, deve ser dito que a via eleita não se presta
para investigar se os bens “liberados” ao colaborador Alberto Youssef são

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9622808.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. ROSA WEBER

Inteiro Teor do Acórdão - Página 118 de 154

HC 127483 / PR

produtos/ou proveito dos crimes. Discutir a licitude das cláusulas


patrimoniais de colaboração premiada desborda flagrantemente o
alcance do habeas corpus.
Do mesmo modo, mostra-se prematuro, se não impróprio,
invadir as minúcias da negociação entre o Ministério Público e o citado
agente colaborador, da qual, aliás, por expressa previsão legal, deve a
autoridade judiciária ficar afastada (art. 4º, § 6º, da Lei 12.850/2013).
Nesse contexto, na via estreita do habeas corpus, e por não
vislumbrar ilegalidade ou abuso de poder no ato atacado, sem me
comprometer com as teses expostas, a despeito da respeitabilidade dos
fundamentos do eminente Relator, denego a ordem.

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9622808.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. LUIZ FUX

Inteiro Teor do Acórdão - Página 119 de 154

27/08/2015 PLENÁRIO

HABEAS CORPUS 127.483 PARANÁ

VOTO

O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX - Senhor Presidente, egrégio


Tribunal Pleno, ilustre representante do Ministério Público, senhores
advogados presentes, estudantes.
Senhor Presidente, num primeiro momento eu gostaria de destacar
que eu tenho certas divergências quanto às premissas teóricas aqui
assentadas no campo probatório, notadamente nos denominados crimes
do colarinho branco. Entendo que o direito probatório, nesse campo das
organizações criminosas, tem um viés um pouco diverso daquele
tradicional das ações penais ut singuli.
Por outro lado, além da divergência com relação a essas premissas
teóricas que influem decisivamente na valoração que eu empresto à
delação premiada - e que será exposta no momento oportuno quando da
análise das ações penais em que ela estiver encartada como meio de
prova -, eu também verifico que a própria Lei trata a delação premiada
como acesso à seriedade diversa daquela que se obtém através de um
depoimento fugaz.
Assim é que o termo de colaboração premiada deverá ser feito por
escrito, para ser homologado, e conter, já no seu primeiro requisito, o
relato da colaboração e seus possíveis resultados. De sorte que uma
delação premiada não é homologada assim, tão em abstrato quanto se
imagina. É preciso haver uma dose de verossimilhança daquilo que o
colaborador apresenta em juízo.
Sem prejuízo dessa divergência quanto às premissas teóricas - com
as quais eu não quero me comprometer - do voto do Ministro Dias
Toffoli, eu também coaduno dessa opinião, que aqui já foi exteriorizada,
sobre a desinfluência da personalidade do agente em relação à delação
premiada: se seria uma boa pessoa, uma má pessoa, esse é um problema
que vai influir na esfera jurídica dele próprio, não tem a menor influência
na validade e na eficiência da delação premiada. E, para isso, eu trago o

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9465538.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. LUIZ FUX

Inteiro Teor do Acórdão - Página 120 de 154

HC 127483 / PR

escólio do professor Cezar Roberto Bitencourt, que é um penalista


moderno, no sentido:
De qualquer sorte, não se vê como é possível importar
para o caso a personalidade colaboradora. Na verdade, a
legislação brasileira citou a questão da personalidade em
relação à lei: o filtro da personalidade não deve lugar para
validar a colaboração, mas, sim, para validar a prova produzida
por ela, que, a depender daquele, poderá ser de escasso ou
duvidoso proveito.
De toda sorte, essa semântica de que a delação não é uma
prova, é um meio de prova, a verdade é que a delação resulta
numa prova que, na menor qualificação que se possa dar a ela,
é uma prova indiciária que, em conjunto com as demais provas,
pode criar um complexo probatório extremamente significativo,
principalmente nos denominados crimes do colarinho branco,
que demandam uma persuasão racional do juiz diante dos
elementos produzidos.
Como o pedido, basicamente, se funda na ilegalidade da delação,
porque o delator não é uma boa pessoa - e isto não tem a menor
influência. Por este fundamento, eu nego o habeas corpus no mérito. Já
havia inadmitido, mas fomos vencidos na ...
O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI
(PRESIDENTE) - Vossa Excelência não conhecia, mas, no mérito, denega.
O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX - Isso.

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9465538.
Supremo Tribunal Federal
Antecipação ao Voto

Inteiro Teor do Acórdão - Página 121 de 154

27/08/2015 PLENÁRIO

HABEAS CORPUS 127.483 PARANÁ

ANTECIPAÇÃO AO VOTO

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA - Presidente, também


não conhecia do habeas e, vencida quanto ao conhecimento, denego a
ordem, mas, não pelos fundamentos, pedindo vênia ao Ministro-Relator,
porque acho prematura a conclusão por ele tiradas. Então, não vislumbro
ilegalidade e é esta a razão do fundamento da denegação.
Juntarei voto escrito, respondendo um pouco ao longo voto do
eminente Ministro, mas denego a ordem.
*******************

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9985827.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. CÁRMEN LÚCIA

Inteiro Teor do Acórdão - Página 122 de 154

27/08/2015 PLENÁRIO

HABEAS CORPUS 127.483 PARANÁ

VOTO

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA:

1. Habeas corpus impetrado por José Luiz Oliveira Lima, em favor de


Erton Medeiros Fonseca, contra ato do Ministro Teori Zavascki, Relator
da Petição n. 5.244/DF, pela qual se homologou o termo de colaboração
premiada formulado por Alberto Youssef.

2. O Impetrante postula a concessão da ordem, argumentando, em


síntese: a) o conhecimento do habeas corpus, porque o presente caso não
se enquadraria na hipótese da pacífica jurisprudência do STF, pelo
ineditismo do tema e a necessidade do Pleno do STF em homologar o
termo de colaboração premiada de Alberto Youssef; b) nulidade do
termo de colaboração premiada, porque não foram aferidos, pelo
Ministro Teori Zavascki, os elementos ontológicos necessários para a
celebração de acordo de colaboração premiada, como a quebra de
confiança de Alberto Youssef, criminoso contumaz; c) os termos do
acordo de colaboração premiada ofendem o princípio da moralidade,
considerando-se cláusulas de benefício patrimonial ao colaborador.

3. Em 26.8.2015, iniciado o julgamento deste habeas corpus pelo


Plenário deste Supremo Tribunal, houve sua suspensão, “após os votos dos
Ministros Dias Toffoli (Relator), Gilmar Mendes, Marco Aurélio, Celso de Mello
e Ricardo Lewandowski (Presidente), que conheciam do habeas corpus, e os votos
dos Ministros Edson Fachin, Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux e Cármen
Lúcia, que não conheciam do pedido, o Tribunal, tendo em conta o empate,
conhecido da impetração”.

4. Superado o conhecimento do habeas corpus, ressalvado meu


posicionamento de aplicação da Súmula n. 606 deste Supremo Tribunal,

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9985848.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. CÁRMEN LÚCIA

Inteiro Teor do Acórdão - Página 123 de 154

HC 127483 / PR

conforme jurisprudência majoritária (HC n. 96.954-AgR, Relator o


Ministro Ayres Britto, DJ 12.5.2011; HC n. 97.250-AgR, Relatora a Ministra
Ellen Gracie, DJ 7.8.2009; o HC n. 95.166, Relator o Ministro Menezes
Direito, DJ 3.4.2009; o HC n. 91.551, Relator o Ministro Marco Aurélio, DJ
27.2.2009; e o HC n. 93.846, Relator o Ministro Eros Grau, DJ 29.8.2008,
entre outros), passo à análise do mérito da impetração.

5. O Impetrante aponta como ato coator a decisão monocrática do


Ministro Teori Zavascki, que homologou acordo de colaboração premiada
formulado por Alberto Youssef, nos autos da Petição n. 5.244/DF:

“1. Trata-se de requerimento, formulado pelo Procurador-Geral


da República, de homologação do "Termo de Colaboração Premiada"
de fls. 3-19, firmado entre o Ministério Público Federal-MPF e, como
colaborador, Alberto Youssef, conforme prevê o §7º do art. 4° da Lei n.
12.850/2013. Informa o requerente que, a partir de procedimentos
investigatórios no âmbito do Inquérito Policial n. 714/2009, foi
possível identificar um conjunto de pessoas físicas e jurídicas
envolvidas em operações ilícitas, entre as quais as "utilizadas
inclusive para lavar dinheiro oriundo de crimes antecedentes
praticados em detrimento da PETROBRAS". A primeira fase da
investigação propiciou a deflagração da denominada "Operação Lava
Jato", em março de 2014, "com a finalidade de apurar a atuação de
organizações criminosas responsáveis pela operação de estruturas
paralelas ao mercado de câmbio e lavagem de dinheiro, abrangendo
um grupo de doleiros com âmbito de atuação nacional e
transnacional". Encontram-se atualmente em curso, segundo a
petição, mais de duzentos e cinquenta procedimentos
investigatórios, no âmbito dos quais foram expedidos mandados de
busca e apreensão, de condução coercitivas e prisão, além da
decretação do afastamento do sigilo bancário de diversas pessoas
físicas e jurídicas. Foram propostas, a partir dessas investigações,
doze ações penais. Entre os investigados e acusados, um deles é
Alberto Youssef , que, estando preso concordou em firmar o termo de
colaboração ora submetido à homologação judicial, justificando-se a

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9985848.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. CÁRMEN LÚCIA

Inteiro Teor do Acórdão - Página 124 de 154

HC 127483 / PR

competência originária do Supremo Tribunal Federal para promover a


decisão a respeito em face da especial circunstância de que, entre as
pessoas indicadas como envolvidas nos delitos objeto da colaboração,
figuram autoridades com prerrogativa de foro perante a Suprema
Corte.
Para o fim da verificação determinada pelo art. 4°, §7º, da Lei
12.850/2013, deleguei ao Juiz Márcio Schiefler Fontes, magistrado
instrutor convocado para atuar neste Gabinete (art. 3°, III, da Lei
8.038/1990), a oitiva prevista naquele dispositivo, a teor do art. 21-A,
§ 1°, I, do RISTF. Realizada a audiência determinada, nas
dependências do Hospital Santa Cruz, Subseção Judiciária de
Curitiba/PR, juntou-se o respectivo termo e mídia digital (fls. 110-
114, em que consta a gravação audiovisual da oitiva do colaborador,
na presença de seu defensor.
2. Dos documentos juntados com o pedido é possível constatar
que, efetivamente, há elementos indicativos, a partir dos termos do
depoimento, de possível envolvimento de várias autoridades
detentoras de prerrogativa de foro perante tribunais superiores,
inclusive de parlamentares federais, o que atrai a competência do
Supremo Tribunal Federal, a teor do art. 102, I, b, da Constituição.
3. Afirmada a competência, examino o pedido de homologação.
A constitucionalidade da colaboração premiada, instituída no Brasil
por norma infraconstitucional na linha das Convenções de Palerma
(art. 26) e Mérida (art. 37), ambas já submetidas a procedimento
de internalização (Decretos 5.015/2004 e 5.687/2006,
respectivamente), encontra-se reconhecida por esta Corte (HC 90688,
Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Primeira Turma,
julgado em 12/02/2008, DJe-074 DIVULG 24-04-2008 PUBLIC
25-04-2008 EMENT VOL-02316-04 PP-00756 RTJ VOL-00205-01
PP-00263 LEXSTF v. 30, n. 358, 2008, p. 389-414) desde antes da
entrada em vigor da Lei 12.850/2013, que exige como condição de
validade do acordo de colaboração a sua homologação judicial, que é
deferida quando atendidos os requisitos de regularidade, legalidade e
voluntariedade.
A voluntariedade do acordo foi reafirmada pelo colaborador
no depoimento já mencionado, prestado judicialmente na presença e

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9985848.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. CÁRMEN LÚCIA

Inteiro Teor do Acórdão - Página 125 de 154

HC 127483 / PR

com anuência de seu advogado, conforme demonstra a mídia juntada


aos autos. À regularidade da documentação apresentada pelo
Ministério Público se soma a legitimidade do procedimento adotado,
com especial observância da Lei 12.850/2013. Quanto ao conteúdo
das cláusulas acordadas, é certo que não cabe ao Judiciário outro juízo
que não o da sua compatibilidade com o sistema normativo. Sob esse
aspecto, os termos acordados guardam harmonia, de um modo geral,
com a Constituição e as leis, com exceção do compromisso
assumido pelo colaborador, constante da Cláusula 10, k,
exclusivamente no que possa ser interpretado como renúncia,de sua
parte, ao pleno exercício, no futuro, do direito fundamental de acesso à
Justiça, assegurado pelo art. 5°, XXXV, da Constituição.
É dizer: não há, na ressalva, nada que possa franquear ao
colaborador descumprimento do acordado sem sujeitar-se à perda
dos benefícios nele previstos. O contrário, porém, não será verdadeiro:
as cláusulas do acordo não podem servir como renúncia, prévia e
definitiva, ao pleno exercício de direitos fundamentais.
4. Ante o exposto, HOMOLOGO o "Termo de Colaboração
Premiada", de fls. 3-19, com a ressalva acima indicada, a fim de que
produza seus jurídicos e legais efeitos perante qualquer juízo ou
tribunal nacional, nos termos da Lei 12.850/2013. Remeta-se, desde
logo, ao juízo da 13ª Vara Federal da Subseção Judiciária de
Curitiba/PR e, oportunamente, ao Superior Tribunal de Justiça, cópia
da presente decisão, juntamente com cópia do termo de colaboração
premiada, apondo-se em cada folha a identificação correspondente, a
fim de que seja dado o devido cumprimento, no âmbito autuação
desses órgãos judiciários, devendo ser por eles observados, no que
couber, o regime de sigilo imposto pelo art. 7º da referida Lei
12.850/2013.
Os demais pedidos, formulados em petição própria (v.g., cisão
dos expedientes e instauração de procedimentos autônomos), serão
examinados em decisão apartada” (Evento n. 10, fl. 3-5).

6. Ao contrário do alegado pelo Impetrante, a decisão da autoridade


apontada como coatora não se reveste de qualquer ilegalidade,
ressaltando-se que, na fase inicial do processo de conhecimento, compete

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9985848.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. CÁRMEN LÚCIA

Inteiro Teor do Acórdão - Página 126 de 154

HC 127483 / PR

ao Poder Judiciário o controle da legalidade e da formalidade do acordo


de colaboração premiada, sem embargo de, ao final de eventual ação
penal, se vier a ser processada, o Julgador reconhecer ou não e
dimensionar, no sentenciamento, eventuais benefícios decorrentes da
colaboração efetiva (art. 4º, § 11, da Lei n. 12.850/2013).

Na Lei n. 12.850, de 2.8.2013, estabelece-se em seu art. 4° que


“[o] juiz poderá, a requerimento das partes, conceder o perdão
judicial, reduzir em até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade
ou substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado
efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo
criminal, desde que dessa colaboração advenha um ou mais dos
seguintes resultados: I - a identificação dos demais coautores e
partícipes da organização criminosa e das infrações penais por eles
praticadas; II - a revelação da estrutura hierárquica e da divisão de
tarefas da organização criminosa; III - a prevenção de infrações penais
decorrentes das atividades da organização criminosa; IV - a
recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações
penais praticadas pela organização criminosa; V - a localização de
eventual vítima com a sua integridade física preservada”.

8. São requisitos do acordo de colaboração premiada “o relato da


colaboração e seus possíveis resultados; as condições da proposta do Ministério
Público ou do delegado de polícia; a declaração de aceitação do colaborador e de
seu defensor; as assinaturas do representante do Ministério Público ou do
delegado de polícia, do colaborador e de seu defensor; a especificação das medidas
de proteção ao colaborador e à sua família, quando necessário” (art. 6º, incs. I a
V da Lei n. 12.850/2013).

9. Firmado o acordo, determina-se no art. 4º, § 7º, da Lei n. 12.850/13


que “o respectivo termo, acompanhado das declarações do colaborador e de cópia
da investigação, será remetido ao juiz para homologação, o qual deverá verificar
sua regularidade, legalidade e voluntariedade, podendo para este fim,
sigilosamente, ouvir o colaborador, na presença de seu defensor”.

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9985848.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. CÁRMEN LÚCIA

Inteiro Teor do Acórdão - Página 127 de 154

HC 127483 / PR

10. No caso em exame e conforme reconhecido pela autoridade


coatora, o acordo de colaboração premiada homologado (Evento n. 9)
preenche os requisitos legais a comprovar sua regularidade formal. Nele
há, entre outros, o compromisso do colaborador de falar a verdade;
identificação expressa de supostos autores da organização criminosa;
entrega de documentos; recuperação total ou parcial do produto dos
crimes, ressaltando que as declarações prestadas pelo colaborador,
incluídas gravações de áudio, evidenciam a voluntariedade do ato
praticado (art. 4º, § 7º, da Lei n. 12.850/13).

O acordo foi assinado pelo Ministério Público Federal e pelo


colaborador, acompanhado de advogado regularmente inscrito na Ordem
dos Advogados do Brasil, o que atende ao disposto no art. 4º, § 6º, da Lei
n. 12.850/13.

11. Improcede, neste momento, a alegação do Impetrante de


nulidade da cláusula do acordo de colaboração premiada, pelo qual se
ensejou benefício patrimonial ao colaborador com a liberação de bens
imóveis adquiridos com o produto de crimes.

Como afirmado, na fase inicial de homologação do acordo de


colaboração premiada, o Poder Judiciário se restringe à análise de sua
formalidade e legalidade, ressaltando que eventuais inconsistências
poderão ensejar, no momento da sentença, até mesmo na sua ineficácia
(art. 4º, § 11, da Lei n. 12.850/2013).

Considerando-se que o colaborador apenas reconheceu como


produto de crime os bens relacionados na cláusula 7º, itens de a a k, do
acordo (Evento n. 9, fls. 7-8), a liberação de outros bens não implica em
ilegalidade, ressaltando haver cláusula a impor obrigação de “recuperação
total ou parcial do produto e/ou proveito das infrações penais de que tenha ou
venha a ter conhecimento, tanto no Brasil, quanto no exterior” (Evento n. 9, fl.
6, cláusula 6ª), pelo que, ao final da instrução, a eficácia do acordo poderá

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9985848.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. CÁRMEN LÚCIA

Inteiro Teor do Acórdão - Página 128 de 154

HC 127483 / PR

ser reavaliada.

12. Pedindo vênia ao Ministro Relator, há de se ressaltar que a


doutrina e a incipiente jurisprudência sobre o tema não atribuem a
natureza exclusiva de “meio de obtenção” de prova à colaboração
premiada. O instituto surge a partir da pressuposta delação ou
chamamento do corréu, que consiste em “confissão na parte em que o
acusado reconhece que praticou o delito (...) Já ao atribuir o cometimento do
crime a outra pessoa o delator age como se fosse testemunha. Por tal motivo
afirma-se que, na parte em que formula a declaração contra o corréu, o ato tem a
natureza de prova testemunhal” (BADARÓ, Gustavo. Processo Penal. Rio de
Janeiro. Editora Elsevier. 2012. p. 314).

Assim, o acordo de colaboração premiada apresenta-se como meio


de obtenção de prova, porém os depoimentos nele contidos caracterizam
-se como meio de prova ou, ao menos, indício probatório. Nesse sentido:

“Ao confessar a autoria, o acusado será instado a indicar


eventuais comparsas. A hipótese é de delação ou chamamento de
corréu, em que o acusado, admitindo a própria responsabilidade
mediante confissão em interrogatório formal, indica a de outrem em
concurso ou participação. Na lição de Camargo Aranha: ‘A delação,
ou chamamento de corréu, consiste na afirmativa feita por um
acusado, ao ser interrogado em juízo ou ouvido na polícia, e pela qual,
além de confessar a autoria de um fato criminoso, igualmente atribui a
um terceiro a participação como seu comparsa’. Para que se possa falar
em delação como meio de prova, contudo, é preciso que o acusado
tenha confessado a autoria. A confissão é elementos essencial da
delação. Nela, além de admitir a própria culpa, o confitente também
permite alcançar terceiro. A delação é admitida no processo penal,
embora não prevista expressamente como meio de prova, do que
decorre a pecha de ser prova anômala, por não se assemelhar a
qualquer outra prevista no CPP” (MARCÃO, Renato. Curso de
Processo Penal. São Paulo. Ed. Saraiva. 2014. p. 493-494).

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9985848.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. CÁRMEN LÚCIA

Inteiro Teor do Acórdão - Página 129 de 154

HC 127483 / PR

“Observa-se que o legislador acabou seguindo a tendência


doutrinária e jurisprudencial bem delineada por Renato Brasileiro,
quando diz que se tem ‘firmado a jurisprudência no sentido de que,
isoladamente, a chamada de corréu não respalda uma condenação,
devendo estar corroborada por outros elementos probatórios’. Em
outras palavras, não basta uma colaboração premiada isolada, mas
sim, cumulada com outros elementos de provas a afastar o princípio
da presunção de inocência do delatado” (MARQUES, Antônio
Sérgio Peixoto. Colaboração Premiada: um Braço da Justiça
Penal Negociada. In: Revista Magister de Direito Penal e
Processual Penal. Ano X, Número 60. Porto Alegre, Jun-Jul 2014.
p. 60).

Há precedentes no Supremo Tribunal Federal reconhecendo ser a


delação meio de prova, pelo qual, somado a outros elementos
probatórios, poder-se-á ensejar condenação criminal:

“Habeas Corpus. Pretendida declaração de nulidade da


sentença condenatória, que estaria baseada apenas na delação feita por
corréu. Pretensão que encontra obstáculo no reconhecimento, pelo
acórdão recorrido, de que não se está diante de uma condenação
baseada exclusivamente nessa delação, mas que envolve outros
elementos de prova, insusceptíveis de exame no âmbito restrito do
habeas corpus. Quanto à alegação de ofensa aos princípios da unidade
e da indivisibilidade do Ministério Público, bem como à postulada
progressão de regime prisional, não se conhece do pedido, eis que tais
questões não foram objeto de apreciação pelo acórdão impugnado.
Habeas conhecido parcialmente e, nessa parte, indeferido. (HC n.
81.618, Relatora a Ministra Ellen Gracie, Primeira Turma, DJ
28.6.2002)

“COMPETÊNCIA - HABEAS-CORPUS - ATO DE


TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Na dicção da ilustrada maioria (seis votos
a favor e cinco contra), em relação à qual guardo reservas, compete ao
Supremo Tribunal Federal julgar todo e qualquer habeas-corpus
impetrado contra ato de tribunal, tenha este, ou não, qualificação de

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9985848.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. CÁRMEN LÚCIA

Inteiro Teor do Acórdão - Página 130 de 154

HC 127483 / PR

superior. PROVA - DELAÇÃO - VALIDADE. Mostra-se


fundamentado o provimento judicial quando há referência a
depoimentos que respaldam delação de corréus. Se de um lado a
delação, de forma isolada, não respalda condenação, de outro serve ao
convencimento quando consentânea com as demais provas coligidas”
(HC n. 75.225/MS, Relator o Ministro Marco Aurélio, Segunda
Turma. DJ. 19.9.2007)

13. Reconhecido que o acordo de delação premiada tem natureza


jurídica dúplice, sendo, além de meio de obtenção de prova, elemento de
prova ou, no mínimo, indício probatório, peço vênia ao Ministro Relator
para dele divergir, nesse ponto, quanto à premissa de que vários acordos
de colaboração premiada são, por si sós, insuficientes a ensejar
condenação criminal.

É certo que no art. 4º, § 7º, da Lei n. 12.850/13, dispõe-se que


“nenhuma sentença condenatória será proferida com fundamento apenas nas
declarações de agente colaborador”.

Todavia, em observância ao princípio do livre convencimento


motivado (art. 93, inc. IX, da Constituição da República), entendo
prematura, neste momento, a fixação de que um conjunto de colaborações
premiadas, em que poderão ser colhidos diversos elementos de
convicção, é incapaz de ensejar condenação criminal.

Somente o caso concreto revelará a higidez da prova, sendo


temerário submeter o direito penal a balizas ou fórmulas herméticas,
tornando inviável efetuar cortes lineares para a incidências de normas
jurídico-penais sem se considerar a peculiar situação do quadro fático
analisado no processo.

14. Pelo exposto, pedindo vênia ao eminente Relator por valer-me de


fundamentação diversa, voto no sentido de denegar a ordem.

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9985848.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. GILMAR MENDES

Inteiro Teor do Acórdão - Página 131 de 154

27/08/2015 PLENÁRIO

HABEAS CORPUS 127.483 PARANÁ

VOTO

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - Presidente, também


eu conheci do habeas corpus, pelas razões que eu já tive a oportunidade de
expor e entendo que, definida a eventualmente corrente majoritária, se ela
for em prol do conhecimento, nós eventualmente cuidemos de alteração
regimental, até para prever, talvez, a apreciação da questão no âmbito das
próprias turmas, quando for o caso, de modo a, talvez, não sobrecarregar
o Plenário com a maioria das questões, sobretudo, diante da decisão que
tomamos de conferir competência de determinadas matérias, processos,
como me referi ontem, de extradição, processos – como me referi ontem –
de extradição, e também as ações penais originárias, muitas delas,
transferidas para a Turma. Mas essa questão dependeria, claro, de uma
definição por parte ... a definição da corrente majoritária.

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO - Ministro


Gilmar, eu acho a sugestão muito oportuna, porque, se for uma
deliberação administrativa, não haverá autoridade impetrada, e, portanto,
todos os Ministros poderão participar.

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA - Porque, se for aqui,


não é, Ministro, sempre será cinco a cinco.

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO -


Exatamente, não tem como.
Eu acho que é uma boa ideia deliberarmos, em sessão
administrativa, qual corrente deve prevalecer.
O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI
(PRESIDENTE) - Pois não. O mecanismo...
A SENHORA MINISTRA ROSA WEBER - Depende do Ministro
impedido.

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9985849.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. GILMAR MENDES

Inteiro Teor do Acórdão - Página 132 de 154

HC 127483 / PR

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA - Mas, de toda sorte,


isso não configurará; se o Ministro impedido for alguém de uma linha,
não significará o resultado do Colegiado, mesmo que, em algum caso,
fique seis a quatro.

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - Nós temos cinco


votos num e noutro sentido; nós temos um ministro que pode
desempatar.

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO - Por


exemplo, Ministra Cármen, eu tenho, na minha lista hoje, um habeas
corpus impetrado contra ato do Ministro Celso, que, portanto, não votará.
De modo que haverá menos um voto para a corrente que o admite. E, aí,
nós saberemos como votaria o Ministro Teori.
A SENHORA MINISTRA ROSA WEBER - O voto do Ministro
Teori, eventualmente.

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA - Mas numa decisão,


não se terá uma conclusão a refletir como proposto pelo Ministro Gilmar.

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO - Por isso


que achei boa a sugestão.

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA - O Ministro Gilmar


propõe que se analise isso administrativamente.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI


(PRESIDENTE) - Pois não.
Eu então proporia ao Ministro Gilmar, se Vossa Excelência
concordar, que redigisse uma emenda regimental, e nós
encaminharíamos à Comissão de Regimento. Temos aqui o nosso
Presidente, o eminente Ministro Marco Aurélio Mello, que examinará e

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9985849.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. GILMAR MENDES

Inteiro Teor do Acórdão - Página 133 de 154

HC 127483 / PR

depois ela será submetida à deliberação.


O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX - O Ministro Gilmar, que
admite o habeas corpus, redige; o Ministro Marco Aurélio, que admite o
habeas corpus, é Presidente da Comissão; é imparcial isso.
O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO - E Ministro
Gilmar, se eventualmente for aprovado – conversava isso também com o
Ministro Marco Aurélio, e o Ministro Marco Aurélio também pensa assim
e diz que há precedente –, a revisão eventual em habeas corpus de um
ato do Relator tem de ser por colegiado, não pode ser monocrática em
liminar, porque senão vamos criar um problema imenso.
O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI
(PRESIDENTE) - Não, sem dúvida.

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - Era uma outra


questão que até o ministro Teori suscitava, a do eventual não cabimento
de liminar nessas relações.
Mas, em suma, tudo isso poderia ser objeto de consideração na ação.
Mas, eu vou me incumbir de fazer um anteprojeto, de modo que
possamos …

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI


(PRESIDENTE) - Pois não.
Discutir na comissão, e, quando estiver maduro, nós discutiríamos
na Plenária Administrativa.

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - Bom, em relação ao


mérito, também entendo que, pelos fundamentos básicos trazidos por Sua
Excelência, o eminente Relator, eu já tinha me manifestado no sentido do
indeferimento.
De modo que, com essas brevíssimas considerações, acompanho o
eminente Relator, Senhor Presidente.

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9985849.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. MARCO AURÉLIO

Inteiro Teor do Acórdão - Página 134 de 154

27/08/2015 PLENÁRIO

HABEAS CORPUS 127.483 PARANÁ

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Presidente, limito-me


às balizas subjetivas e objetivas do processo e entendo, como ressaltei no
dia de ontem, que há o interesse jurídico de agir, porque se articula, na
inicial, que, a partir do objeto da delação premiada, que não conheço, ter-
se-ia chegado à propositura da ação penal contra o paciente. Então, a meu
ver, há o interesse de agir.
O que se aponta, como causa de pedir, na inicial do habeas corpus?
Que o delator, ou melhor, o colaborador teria quebrado compromisso
assumido em um outro processo-crime em que também atuara como
colaborador. Mas não há, Presidente, sob esse aspecto – muito embora,
conheçamos o ditado popular segundo o qual "o cesteiro que faz um cesto
faz um cento" –, a contaminação, considerado o novo processo em curso.
Ele já perdeu os favores da lei sob o ângulo da delação, ou seja, a
possibilidade de diminuição da pena restritiva da liberdade até dois
terços, ou a substituição por pena restritiva de direito.
Segundo argumento: que se teria acenado com a liberação de certos
bens que poderiam – caso condenado a ressarcir o prejuízo causado pelos
atos delituosos – responder pela condenação. Grassa o subjetivismo:
imagina-se que haja outros bens. Pelo noticiário, o colaborador possui
vultoso patrimônio.
Por isso, tendo em conta essas duas causas de pedir lançadas na
inicial do habeas corpus – inicial subscrita por douto profissional da
advocacia –, indefiro a ordem.

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9398611.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. CELSO DE MELLO

Inteiro Teor do Acórdão - Página 135 de 154

27/08/2015 PLENÁRIO

HABEAS CORPUS 127.483 PARANÁ

VOTO
(s/mérito)

O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO: O substancioso voto


do eminente Ministro DIAS TOFFOLI, contendo brilhante exposição
sobre o regime legal de colaboração premiada, tornaria dispensáveis, de
minha parte, quaisquer outras considerações adicionais.

Não obstante, desejo fazer algumas observações a propósito de tão


relevante matéria, registrando que o instituto da colaboração premiada,
especialmente nos termos em que disciplinado pela Lei nº 12.850/2013
(arts. 4º a 7º), vem sendo reconhecido, por esta Suprema Corte, com apoio
no magistério doutrinário (VALDOIR BERNARDI DE FARIAS, “Delação
Premiada: constitucionalidade, aplicabilidade e valoração”, p. 135/158,
153, “in” “Temas Contemporâneos de Direito”, org. por José Carlos
Kraemer Bortoloti e Luciane Drago Amaro, 2009, Méritos Editora, v.g.),
como importante instrumento de obtenção de prova, e não como meio de prova,
refletindo, em seu tratamento normativo, o que se delineou, no plano das
relações internacionais, na Convenção de Palermo (Artigo 26) e na
Convenção de Mérida (Artigo 37), ambas subscritas pelo Brasil e
formalmente já incorporadas ao sistema de direito positivo interno
de nosso País em virtude da promulgação, respectivamente, do
Decreto nº 5.015/2004 e do Decreto nº 5.687/2006.

Embora sofrendo críticas por parte de eminentes autores (CEZAR


ROBERTO BITENCOURT e PAULO CÉSAR BUSATO, “Comentários à
Lei de Organização Criminosa”, p. 115/117, item n. 1, 2014, Saraiva;
RÔMULO DE ANDRADE MOREIRA, ”A Delação no Direito
Brasileiro”, v.g.), o fato é que a Lei nº 12.850/2013 “(...) traz aspectos
positivos ao garantir ao delatado maior possibilidade de questionar o

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10167998.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. CELSO DE MELLO

Inteiro Teor do Acórdão - Página 136 de 154

HC 127483 / PR

depoimento do delator, ao buscar diminuir a possibilidade de erro judiciário


vedando-se condenação com fundamento exclusivo em delação, ao procurar
garantir a integridade física do colaborador e ao regulamentar o acordo de
colaboração, o que antes inexistia”, tal como assinalam ROBERTO
DELMANTO, ROBERTO DELMANTO JUNIOR e FABIO M. DE
ALMEIDA DELMANTO (“Leis Penais Especiais Comentadas”,
p. 1.003/1.051, 1.031, 2ª ed., 2014, Saraiva – grifei), cuja lição, no entanto,
ainda que reconhecendo a eficácia desse instituto “na apuração de
gravíssimos crimes”, não deixa de questionar-lhe os aspectos no plano
ético.

O Supremo Tribunal Federal tem admitido a utilização do


instituto da colaboração premiada (cujo “nomen juris” anterior era o de
delação premiada), ressalvando, no entanto, bem antes do advento da
Lei nº 12.850/2013 (art. 4º, § 16), que nenhuma condenação penal poderá
ter por único fundamento as declarações incriminadoras do agente
colaborador (HC 94.034/SP, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA – RE 213.937/PA,
Rel. Min. ILMAR GALVÃO, v.g.):

“PROVA – DELAÇÃO – VALIDADE. Mostra-se


fundamentado o provimento judicial quando há referência a
depoimentos que respaldam delação de co-réus. Se, de um lado, a
delação, de forma isolada, não respalda condenação, de outro,
serve ao convencimento quando consentânea com as demais
provas coligidas.”
(HC 75.226/MS, Rel. Min. MARCO AURÉLIO – grifei)

O aspecto que venho de ressaltar – impossibilidade de condenação


penal com suporte unicamente em depoimento prestado pelo agente
colaborador, tal como acentua a doutrina (EDUARDO ARAÚJO DA
SILVA, “Organizações Criminosas: aspectos penais e processuais da
Lei nº 12.850/13”, p. 71/74, item n. 3.6, 2014, Atlas, v.g.) – constitui
importante limitação de ordem jurídica que, incidindo sobre os poderes do
Estado, objetiva impedir que falsas imputações dirigidas a terceiros “sob

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10167998.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. CELSO DE MELLO

Inteiro Teor do Acórdão - Página 137 de 154

HC 127483 / PR

pretexto de colaboração com a Justiça” possam provocar inaceitáveis erros


judiciários, com injustas condenações de pessoas inocentes.

Na realidade, o regime de colaboração premiada, definido pela


Lei nº 12.850/2013, estabelece mecanismos destinados a obstar abusos que
possam ser cometidos por intermédio da ilícita utilização desse instituto,
tanto que, além da expressa vedação já referida (“lex. cit.”, art. 4º, § 16), o
diploma legislativo em questão também pune como crime, com pena de
1 a 4 anos de prisão e multa, a conduta de quem imputa “falsamente, sob
pretexto de colaboração com a Justiça, a prática de infração penal a pessoa que
sabe ser inocente” ou daquele que revela “informações sobre a estrutura de
organização criminosa que sabe inverídicas” (art. 19).

Com tais providências, o legislador brasileiro procurou neutralizar, em


favor de quem sofre a imputação emanada de agente colaborador, os
mesmos efeitos perversos da denunciação caluniosa revelados, na experiência
italiana, pelo “Caso Enzo Tortora” (na década de 80), de que resultou
clamoroso erro judiciário, porque se tratava de pessoa inocente, injustamente
delatada por membros de uma organização criminosa napolitana
(“Nuova Camorra Organizzata”) que, a pretexto de cooperarem com a
Justiça (e de, assim, obterem os benefícios legais correspondentes),
falsamente incriminaram Enzo Tortora, então conhecido apresentador de
programa de sucesso na RAI (“Portobello”).

Mais do que isso, cumpre ter presente, ainda, a correta observação feita
pelo eminente Ministro TEORI ZAVASCKI no julgamento do
HC 127.186/PR, de que foi Relator, ocasião em que expendeu considerações
relevantes em torno do instituto da colaboração premiada, advertindo,
com absoluta procedência, com fundamento na legislação pertinente
(Lei nº 12.850/2013, art. 4º, “caput” e § 6º), que “seria extrema arbitrariedade
(...) manter a prisão preventiva [de alguém] como mecanismo para extrair do
preso uma colaboração premiada, que, segundo a lei, deve ser voluntária”
(grifei), concluindo, com inteiro acerto, que “Subterfúgio dessa natureza,

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10167998.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. CELSO DE MELLO

Inteiro Teor do Acórdão - Página 138 de 154

HC 127483 / PR

além de atentatório aos mais fundamentais direitos consagrados na Constituição,


constituiria medida medievalesca que cobriria de vergonha qualquer sociedade
civilizada” (grifei).

Registre-se, de outro lado, por necessário, tal como assinalou o


eminente Ministro DIAS TOFFOLI, que o Estado não poderá utilizar-se
da denominada “corroboração recíproca ou cruzada”, ou seja, não poderá
impor condenação ao réu pelo fato de contra este existir, unicamente,
depoimento de agente colaborador que tenha sido confirmado, por sua
vez, por outros delatores, valendo destacar, quanto a esse aspecto, a
advertência do eminente Professor GUSTAVO BADARÓ (“O Valor
Probatório da Delação Premiada: sobre o § 16 do art. 4º da
Lei nº 12.850/2013”):

“A título de conclusão, podem ser formulados os seguintes


enunciados:
A regra do § 16 do art. 4º da Lei 12.850/13 aplica-se a todo
e qualquer regime jurídico que preveja a delação premiada.
O § 16 do art. 4º da Lei 12.850/13, ao não admitir a
condenação baseada exclusivamente nas declarações do delator,
implica uma limitação ao livre convencimento, como técnica de
prova legal negativa.
É insuficiente para o fim de corroboração exigido pelo § 16 do
art. 4º da Lei 12.850/13 que o elemento de confirmação de uma
delação premiada seja outra delação premiada, de um diverso
delator, ainda que ambas tenham conteúdo concordante.
Caso o juiz fundamente uma condenação apenas com base
em declarações do delator, terá sido contrariado o § 16 do art. 4º da
Lei 12.850/13 (...).” (grifei)

O caso ora em exame propicia, Senhor Presidente, algumas


considerações adicionais que reputo relevantes e oportunas, consideradas as
implicações jurídicas que podem resultar de persecuções criminais
instauradas sob o regime da colaboração premiada, notadamente nas
situações que se referem à presunção constitucional de inocência e ao acesso

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10167998.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. CELSO DE MELLO

Inteiro Teor do Acórdão - Página 139 de 154

HC 127483 / PR

das pessoas sob investigação e de seus Advogados às peças e elementos de


informação já incorporados aos autos do inquérito policial, do
procedimento investigatório ou do processo judicial, quando
promovidos em caráter sigiloso.

Impende reafirmar, na linha de tais considerações, que a presunção


constitucional de inocência não cessa nem deixa de prevalecer em face da
instauração de investigação penal e/ou de processo criminal.

Cabe registrar, bem por isso, que a mera instauração de inquérito, tanto
quanto a abertura de processo penal em juízo, não afetam a presunção
constitucional de inocência, eis que qualquer pessoa, sem exceção,
presume-se inocente, independentemente da natureza e da gravidade dos
crimes cuja prática lhe tenha sido imputada, subsistindo essa presunção
de inocência, que tem fundamento na própria Constituição da República (CF,
art. 5º, LVII), até que sobrevenha o trânsito em julgado de sentença penal
condenatória.

Há, portanto, um momento claramente definido no texto


constitucional a partir do qual se descaracteriza a presunção de
inocência, vale dizer, aquele instante em que sobrevém o trânsito em
julgado da condenação criminal. Antes desse momento – insista-se –, o
Estado não pode tratar os indiciados ou réus como se culpados fossem. A
presunção de inocência impõe, desse modo, ao Poder Público um dever de
tratamento que não pode ser desrespeitado por seus agentes e
autoridades, tal como tem advertido a jurisprudência do Supremo
Tribunal Federal:

“O POSTULADO CONSTITUCIONAL DA PRESUNÇÃO


DE INOCÊNCIA IMPEDE QUE O ESTADO TRATE, COMO
SE CULPADO FOSSE, AQUELE QUE AINDA NÃO SOFREU
CONDENAÇÃO PENAL IRRECORRÍVEL.
– A prerrogativa jurídica da liberdade – que possui
extração constitucional (CF, art. 5º, LXI e LXV) – não pode ser

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10167998.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. CELSO DE MELLO

Inteiro Teor do Acórdão - Página 140 de 154

HC 127483 / PR

ofendida por interpretações doutrinárias ou jurisprudenciais que,


fundadas em preocupante discurso de conteúdo autoritário,
culminam por consagrar, paradoxalmente, em detrimento de
direitos e garantias fundamentais proclamados pela Constituição da
República, a ideologia da lei e da ordem.
Mesmo que se trate de pessoa acusada da suposta prática de
crime hediondo, e até que sobrevenha sentença penal condenatória
irrecorrível, não se revela possível – por efeito de insuperável
vedação constitucional (CF, art. 5º, LVII) – presumir-lhe a
culpabilidade.
Ninguém pode ser tratado como culpado, qualquer que seja
a natureza do ilícito penal cuja prática lhe tenha sido atribuída, sem
que exista, a esse respeito, decisão judicial condenatória transitada
em julgado.
O princípio constitucional da presunção de inocência, em
nosso sistema jurídico, consagra, além de outras relevantes
conseqüências, uma regra de tratamento que impede o Poder
Público de agir e de se comportar, em relação ao suspeito, ao
indiciado, ao denunciado ou ao réu, como se estes já houvessem sido
condenados, definitivamente, por sentença do Poder Judiciário.
Precedentes.”
(HC 96.095/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

De outro lado, a presunção de inocência, enquanto limitação


constitucional ao poder do Estado, faz recair sobre o órgão da acusação,
agora de modo muito mais intenso, o ônus substancial da prova, fixando
diretriz a ser indeclinavelmente observada pelo magistrado e pelo
legislador.

É preciso sempre relembrar, por isso mesmo, a advertência, constante


do magistério jurisprudencial desta Suprema Corte, no sentido de que não
compete ao réu demonstrar a sua inocência. Antes, cabe ao Ministério Público
comprovar, de forma inequívoca, em plenitude, para além de qualquer
dúvida razoável, a culpabilidade do acusado (RTJ 161/264-266, Rel. Min.
CELSO DE MELLO).

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10167998.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. CELSO DE MELLO

Inteiro Teor do Acórdão - Página 141 de 154

HC 127483 / PR

O fato indiscutivelmente relevante, no domínio processual penal, é


que, no âmbito de uma formação social organizada sob a égide do
regime democrático, não se justifica a formulação, seja por antecipação ou
seja por presunção, de qualquer juízo condenatório, que deve, sempre,
respeitada, previamente, a garantia do devido processo, assentar-se –
para que se qualifique como ato revestido de validade ético-jurídica – em
elementos de certeza, os quais, ao dissiparem ambiguidades, ao
esclarecerem situações equívocas e ao desfazerem dados eivados de
obscuridade, revelam-se capazes de informar, com objetividade, o órgão
judiciário competente, afastando, desse modo, dúvidas razoáveis, sérias e
fundadas em torno da culpabilidade do acusado.

Meras conjecturas – que sequer podem conferir suporte material a


qualquer acusação penal – não se revestem, em sede processual penal, de
idoneidade jurídica. Não se pode – tendo-se presente a presunção
constitucional de inocência dos réus – atribuir relevo e eficácia a juízos
meramente conjecturais, para, com fundamento neles, apoiar um
inadmissível decreto condenatório e deste extrair, sem que ocorra o
respectivo trânsito em julgado, consequências de índole penal ou
extrapenal compatíveis, no plano jurídico, unicamente com um título
judicial qualificado pela nota da definitividade.

É sempre importante advertir, na linha do magistério jurisprudencial e


em respeito aos princípios estruturantes do regime democrático, que,
“Por exclusão, suspeita ou presunção, ninguém pode ser condenado em
nosso sistema jurídico-penal” (RT 165/596, Rel. Des. VICENTE DE
AZEVEDO – grifei).

Na realidade, os princípios democráticos que informam o modelo


constitucional consagrado na Carta Política de 1988 repelem qualquer
comportamento estatal que transgrida o dogma de que não haverá culpa
penal por presunção nem responsabilidade criminal por mera suspeita
(RT 690/390 – RT 698/452-454).

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10167998.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. CELSO DE MELLO

Inteiro Teor do Acórdão - Página 142 de 154

HC 127483 / PR

É por essa razão que a jurisprudência desta Suprema Corte enfatiza,


com particular veemência, que “Não podem repercutir contra o réu situações
jurídico-processuais ainda não definidas por decisão irrecorrível do Poder
Judiciário, especialmente naquelas hipóteses de inexistência de título penal
condenatório definitivamente constituído” (RTJ 139/885, Rel. Min. CELSO
DE MELLO).

De outro lado, Senhor Presidente, é preciso também relembrar que a


imposição legal de sigilo ao procedimento penal em que celebrado acordo de
colaboração premiada não tolhe o direito do investigado (e de seu Advogado)
de acesso aos elementos de informação constantes dos autos, e nestes já
formalmente documentados, em face do princípio da comunhão da prova.

Esse entendimento, como ninguém o ignora, tem o beneplácito do


magistério jurisprudencial desta Suprema Corte, achando-se consagrado,
inclusive, na Súmula Vinculante nº 14/STF:

“RECLAMAÇÃO. DESRESPEITO AO ENUNCIADO


CONSTANTE DA SÚMULA VINCULANTE Nº 14/STF.
PERSECUÇÃO PENAL AINDA NA FASE DE INVESTIGAÇÃO
POLICIAL. REGIME DE SIGILO. INOPONIBILIDADE AO
ADVOGADO CONSTITUÍDO PELO INDICIADO OU PELO
RÉU. DIREITO DE DEFESA. COMPREENSÃO GLOBAL DA
FUNÇÃO DEFENSIVA. GARANTIA CONSTITUCIONAL.
PRERROGATIVA PROFISSIONAL DO ADVOGADO
(LEI Nº 8.906/94, ART. 7º, INCISOS XIII E XIV).
CONSEQUENTE ACESSO AOS ELEMENTOS PROBATÓRIOS
JÁ DOCUMENTADOS, PRODUZIDOS E FORMALMENTE
INCORPORADOS AOS AUTOS DA PERSECUÇÃO PENAL
(INQUÉRITO POLICIAL OU PROCESSO JUDICIAL) OU A
ESTES REGULARMENTE APENSADOS. POSTULADO DA
COMUNHÃO OU DA AQUISIÇÃO DA PROVA.

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10167998.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. CELSO DE MELLO

Inteiro Teor do Acórdão - Página 143 de 154

HC 127483 / PR

PRECEDENTES (STF). DOUTRINA. MEDIDA CAUTELAR


DEFERIDA.

– O sistema normativo brasileiro assegura ao Advogado


regularmente constituído pelo indiciado (ou pelo réu) o direito de
pleno acesso aos autos de persecução penal, mesmo que sujeita, em
juízo ou fora dele, a regime de sigilo (necessariamente excepcional),
limitando-se, no entanto, tal prerrogativa jurídica às provas já
produzidas e formalmente incorporadas ao procedimento
investigatório, excluídas, consequentemente, as informações e
providências investigatórias ainda em curso de execução e, por isso
mesmo, não documentadas no próprio inquérito ou processo
judicial. Precedentes. Doutrina.”
(Rcl 18.399-MC/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

Não se pode desconhecer, considerado o modelo constitucional vigente


em nosso País, que qualquer pessoa sujeita a medidas de investigação
penal qualifica-se como sujeito de direitos, dispondo, nessa condição, mesmo
na fase pré-processual, de garantias plenamente oponíveis ao poder do
Estado (RTJ 168/896-897, Rel. Min. CELSO DE MELLO), pois – não
constitui demasia reafirmá-lo – “A unilateralidade da investigação penal não
autoriza que se desrespeitem as garantias básicas de que se acha investido,
mesmo na fase pré-processual, aquele que sofre, por parte do Estado, atos de
persecução criminal” (RTJ 200/300, Rel. Min. CELSO DE MELLO).

É sempre importante registrar que essa prerrogativa da pessoa sob


investigação também encontra fundamento no postulado da comunhão da
prova, cuja eficácia projeta-se e incide sobre todos os dados informativos
que, concernentes à “informatio delicti”, compõem o acervo probatório
coligido pelas autoridades e agentes estatais.

Esse postulado assume inegável importância no plano das garantias


de ordem jurídica reconhecidas ao investigado e ao réu, pois, como se
sabe, o princípio da comunhão (ou da aquisição) da prova assegura ao que

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10167998.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. CELSO DE MELLO

Inteiro Teor do Acórdão - Página 144 de 154

HC 127483 / PR

sofre persecução penal – ainda que submetida esta ao regime de sigilo – o


direito de conhecer os elementos de informação já existentes nos autos e cujo
teor possa ser, eventualmente, de seu interesse, quer para efeito de exercício
da autodefesa, quer para desempenho da defesa técnica.

É que a prova penal, uma vez regularmente introduzida no


procedimento persecutório, não pertence a ninguém, mas integra os
autos do respectivo inquérito ou processo, constituindo, desse modo,
acervo plenamente acessível a todos quantos sofram, em referido
procedimento sigiloso, atos de persecução penal por parte do Estado.

Essa compreensão do tema – cabe ressaltar – é revelada por


autorizado magistério doutrinário (ADALBERTO JOSÉ Q. T. DE
CAMARGO ARANHA, “Da Prova no Processo Penal”, p. 31, item n. 3,
3ª ed., 1994, Saraiva; DANIEL AMORIM ASSUMPÇÃO NEVES, “O
Princípio da Comunhão da Prova”, “in” Revista Dialética de Direito
Processual (RDDP), vol. 31/19-33, 2005; FERNANDO CAPEZ, “Curso de
Processo Penal”, p. 259, item n. 17.7, 7ª ed., 2001, Saraiva; MARCELLUS
POLASTRI LIMA, “A Prova Penal”, p. 31, item n. 2, 2ª ed., 2003, Lumen
Juris, v.g.), valendo referir, por extremamente relevante, a lição expendida
por JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA (“O Juiz e a Prova”, “in”
Revista de Processo, nº 35, Ano IX, abril/junho de 1984, p. 178/184):

“E basta pensar no seguinte: se a prova for feita, pouco


importa a sua origem. (…). A prova do fato não aumenta nem
diminui de valor segundo haja sido trazida por aquele a quem cabia o
ônus, ou pelo adversário. A isso se chama o ‘princípio da
comunhão da prova’: a prova, depois de feita, é comum, não
pertence a quem a faz, pertence ao processo; pouco importa sua
fonte, pouco importa sua proveniência. (…).” (grifei)

10

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10167998.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. CELSO DE MELLO

Inteiro Teor do Acórdão - Página 145 de 154

HC 127483 / PR

Cumpre rememorar, ainda, ante a sua inteira pertinência, o


magistério de PAULO RANGEL (“Direito Processual Penal”, p. 411/412,
item n. 7.5.1, 8ª ed., 2004, Lumen Juris):

“A palavra comunhão vem do latim ‘communione’, que


significa ato ou efeito de comungar, participação em comum em
crenças, idéias ou interesses. Referindo-se à prova, portanto,
quer-se dizer que a mesma, uma vez no processo, pertence a
todos os sujeitos processuais (partes e juiz), não obstante ter
sido levada apenas por um deles. (…).
O princípio da comunhão da prova é um consectário lógico
dos princípios da verdade real e da igualdade das partes na relação
jurídico-processual, pois as partes, a fim de estabelecer a verdade
histórica nos autos do processo, não abrem mão do meio de prova
levado para os autos.
(…) Por conclusão, os princípios da verdade real e da
igualdade das partes na relação jurídico-processual fazem com que as
provas carreadas para os autos pertençam a todos os sujeitos
processuais, ou seja, dão origem ao princípio da comunhão das
provas.” (grifei)

É por tal razão que se impõe assegurar ao Advogado, em nome de seu


constituinte, o acesso a toda informação já produzida e formalmente
incorporada aos autos da investigação penal em causa, mesmo porque o
conhecimento do acervo probatório pode revestir-se de particular relevo
para a própria elaboração da defesa técnica por parte do interessado.

É fundamental, no entanto, para o efeito ora referido, que os


elementos probatórios já tenham sido formalmente produzidos nos autos da
persecução penal.

O que não se revela constitucionalmente lícito, segundo entendo, é


impedir que o interessado, qualquer interessado, tenha pleno acesso aos
dados probatórios que, já documentados nos autos (porque a estes
formalmente incorporados ou a eles regularmente apensados), veiculam

11

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10167998.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. CELSO DE MELLO

Inteiro Teor do Acórdão - Página 146 de 154

HC 127483 / PR

informações que possam revelar-se úteis ao conhecimento da verdade


real e à condução da defesa da pessoa investigada ou processada pelo
Estado, ainda que o procedimento de persecução penal esteja submetido a
regime de sigilo ou à disciplina da colaboração premiada.

O fato irrecusável, no exame da questão do acesso a procedimentos


estatais em regime de sigilo – especialmente naqueles casos em que o
Estado se vale do instituto da colaboração premiada –, é um só: o delatado –
como assinala a doutrina (FREDERICO VALDEZ PEREIRA, “Delação
Premiada – legitimidade e procedimento”, p. 124/125, item n. 4.2.3.1,
2013, Juruá) –, tem, constitucionalmente, o direito de confrontar, em sede
processual, o colaborador ou delator em razão da prerrogativa do
contraditório, assegurada, em juízo, a quem sofre imputação penal
deduzida pelo Estado.

Concluo o meu voto, Senhor Presidente. E, ao fazê-lo, acompanho,


integralmente, o magnífico voto proferido pelo eminente Ministro DIAS
TOFFOLI, com particular destaque para o ponto em que se ressalta que
“Os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança tornam
indeclinável o dever estatal de honrar o compromisso assumido no acordo
de colaboração, concedendo a sanção premial estipulada, legítima
contraprestação ao adimplemento da obrigação por parte do colaborador”
(grifei).

Por não vislumbrar qualquer ilegalidade na decisão emanada da


eminente autoridade apontada como coatora, indefiro o pedido de
“habeas corpus”.

É o meu voto.

12

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10167998.
Supremo Tribunal Federal
Explicação

Inteiro Teor do Acórdão - Página 147 de 154

27/08/2015 PLENÁRIO

HABEAS CORPUS 127.483 PARANÁ

EXPLICAÇÃO

O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI (RELATOR):


Senhor Presidente, antes do voto de Vossa Excelência, que é o
último, como o Ministro Celso relembrou da única parte do acordo de
colaboração que não foi homologado pelo Ministro Teori Zavascki, eu só
gostaria de fazer a leitura desse dispositivo, até pra se ter como um
balizamento.
Sua Excelência não homologou a cláusula 10, letra k, pela qual o
colaborador se comprometeu com o seguinte, leio: “a não impugnar, sob
qualquer hipótese, salvo o descumprimento do acordo pelo Ministério
Público Federal ou pelo juízo, nenhuma das sentenças condenatórias
mencionadas na cláusula 5ª, I, deste acordo”.
Com base no dispositivo constitucional de que nenhuma lesão ou
ameaça à lesão de direito poderá deixar de ser submetida ao Judiciário, o
Ministro Teori Zavascki não homologou essa cláusula, ou seja, essa
cláusula não existe nesse negócio jurídico.

O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO: Correta, no ponto, a


decisão do eminente Ministro TEORI ZAVASCKI, tendo em vista o
princípio constitucional da inafastabilidade do controle jurisdicional de
lesão ou ameaça de lesão a direito de qualquer interessado (CF, art. 5º,
inciso XXXV), mesmo que se trate de agente colaborador.

Demais disso, é preciso enfatizar que a cláusula da proteção judicial


efetiva traduz prerrogativa essencial que compõe o estatuto constitucional
das liberdades fundamentais.

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10167999.
Supremo Tribunal Federal
Explicação

Inteiro Teor do Acórdão - Página 148 de 154

HC 127483 / PR

Essa, pois, a razão de índole constitucional que levou o Ministro TEORI


ZAVASCKI a não homologar a cláusula 10, letra “k”, do Acordo de
colaboração premiada em referência.

O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI (RELATOR):


E ofendia um direito fundamental.

O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO: Na realidade, o


magistrado tem poder, nos termos da própria Lei nº 12.850/2013, para
“recusar homologação à proposta que não atender aos requisitos legais” ou,
então, para “adequá-la ao caso concreto” (art. 4º, § 8º).

O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX - E a inclusão dessa cláusula


reforça a tese de Vossa Excelência. Quer dizer, aceitando essa cláusula,
aceitando essa grave restrição ao direito fundamental, o colaborador
ainda foi lá e se dispôs a se submeter a essa cláusula e depor, fazendo essa
distinção que Vossa Excelência fez de voluntariedade e espontaneidade.
O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI (RELATOR):
Outra cláusula que eu gostaria de esclarecer de público, Senhor
Presidente, apesar de esses termos serem sigilosos e de o acesso,
inicialmente, até a denúncia, ser dado só aos agentes de Estado e ao
próprio colaborador.

O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO: O sigilo imposto pela


Lei nº 12.850/2013 deixará de subsistir “assim que recebida a denúncia”
(art. 7º, § 3º), respeitando-se, no entanto, os direitos do agente colaborador,
tais como enunciados no art. 5º desse mesmo diploma legislativo.

O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI (RELATOR):


Até o recebimento da denúncia, e, após o recebimento da denúncia,
aos delatados. Mas eu me lembro de ter lido na imprensa e de alguma
repercussão que houve no seguinte sentido: na questão patrimonial o
colaborador acabaria levando uma vantagem financeira. Isso, como

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10167999.
Supremo Tribunal Federal
Explicação

Inteiro Teor do Acórdão - Página 149 de 154

HC 127483 / PR

abordei em meu voto e conversei com alguns colegas, é importante que se


diga, tem que ser analisado na casuística sim. Neste caso concreto,
liberou-se a ele um imóvel a ser doado à filha e um imóvel a ser doado à
ex-mulher. Mas vejam o que, de imediato, o Estado arrecadou com o
negócio jurídico elaborado, vou fazer a leitura:

“O colaborador confirma serem de sua propriedade


[cláusula 7ª] e desde já renuncia em favor da Justiça [na
verdade, em favor do Estado; o termo fala em favor de Justiça,
mas é em favor do Estado], de forma irrevogável e irretratável,
por se tratar de produtos e/ou proveitos de crimes, os seguintes
bens móveis e imóveis de sua propriedade [e aí os lista]: todos
os bens em nome da GFD que estejam sendo administrados
pela Web Hotéis Empreendimentos LTDA; propriedade de
setenta e quatro unidades autônomas integrantes do
condomínio tal, bem como o empreendimento hotel tal, na
cidade tal; 37,23% que detém do imóvel situado no
empreendimento tal; outro empreendimento; seis unidades
autônomas no hotel tal; tantos por cento de ações de uma
determinada sociedade; 50% de um dado terreno avaliado em
cinco milhões e trezentos mil; veículo Volvo; veículo Mercedes;
veículo Tiguan; imóvel localizado, com área de mais de três mil
metros quadrados na cidade tal.”

Ou seja, de imediato, o Estado arrecadou todos esses bens, o que,


sem dúvida nenhuma, Ministro Gilmar, é muito mais, em termos de
patrimônio, do que aqueles dois imóveis que acabaram sendo, no negócio
jurídico entabulado, a ele premiados.
Então, Senhor Presidente, fazendo esses esclarecimentos sobre dois
pontos das balizas desse negócio jurídico que entendo importante deixar
bem claros, agradeço a atenção de Vossa Excelência.

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10167999.
Supremo Tribunal Federal
Antecipação ao Voto

Inteiro Teor do Acórdão - Página 150 de 154

27/08/2015 PLENÁRIO

HABEAS CORPUS 127.483 PARANÁ

VOTO

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI


(PRESIDENTE) - Tal como me manifestei ontem, conheço deste Habeas
Corpus, porque entendo que é o instrumento adequado para contestar um
eventual abuso de poder perpetrado por um Ministro desta Corte
monocraticamente.
No que tange ao mérito, eu acompanho os demais membros da Casa
no sentido do indeferimento da ordem. Como já foi fartamente
demonstrado, o eminente Relator Teori Zavascki não cometeu nenhuma
ilegalidade, nenhum abuso de poder, não se houve com teratologia. Aliás,
agora o trecho lido agora pelo eminente Ministro Dias Toffoli mostra que,
ao deixar de homologar um item da delação, na verdade, ele agiu em
consonância estrita com os ditames constitucionais.
Eu trago um voto escrito, levantando algumas questões. No geral, eu
concordo com o substancioso voto de Vossa Excelência, Ministro Toffoli,
mas eu queria acentuar que eu também, como Vossa Excelência, penso
que a colaboração premiada, também conhecida popularmente como
delação premiada, tem uma natureza eminentemente negocial. E Vossa
Excelência, à fl. 14 de seu denso voto, expressa isso com muita clareza,
inclusive amparado nas lições do saudoso Professor Antonio Junqueira
de Azevedo, do qual fui amigo pessoal e colega durante longa data, e que
foi um mestre brilhante na área de Direito Civil, em que pontifica o
ilustre Ministro Edson Fachin.
Eu penso que a delação premiada possui uma natureza de transação
processual e que pressupõe - e isso foi acentuado agora pelo nosso
Decano - que o ato seja celebrado com respeito à autonomia da vontade
das partes envolvidas, especialmente a do delator. Também a outra parte,
o Estado-acusador, pode eventualmente obrar com vício de vontade; mas,
em geral, é o delator que pode sofrer, digamos assim, peias à livre
manifestação de sua vontade. É preciso que ele haja de forma

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9465540.
Supremo Tribunal Federal
Antecipação ao Voto

Inteiro Teor do Acórdão - Página 151 de 154

HC 127483 / PR

absolutamente livre para que possa manifestar seu consentimento sem


qualquer tipo de constrangimento.
Nós sabemos que tanto a doutrina quanto a jurisprudência
unanimemente reconhecem que viciam a vontade, o erro, o dolo, a
coação, o medo ou mesmo a incapacidade acidental. É possível que
alguém seja acometido de alguma doença, de algum problema sério que
impeça, do ponto de vista físico ou psíquico, a sua livre manifestação da
vontade. E isso, claro, tisna este ato negocial do qual nós estamos
tratando.
Eu entendo também, tal como o fez o eminente Relator, que a
delação premiada, que é feita no período em que o delator se encontra na
prisão, seja ela temporária ou preventiva, essa circunstância não anula
necessariamente a delação, porque a prisão, por si só, não vicia a vontade
do delator. No entanto, penso eu, e também na esteira do que raciocinou
o nosso Decano, que nada impede que o delator possa, a qualquer
momento, anular a delação, caso comprove inequivocamente que sofreu
algum constrangimento ilegal, apto a comprometer a livre manifestação
de seu consentimento, de sua vontade. Se for constatado, por exemplo,
que seus familiares foram ameaçados, ou que foi acometido por alguma
doença, alguma incapacidade somática para que pudesse exprimir
livremente sua vontade, é claro que esse ato, por ter uma natureza
negocial, por ser uma transação, não subsistirá.
Então, são algumas observações que faço. Pretendo ainda
aprofundá-las oportunamente.
Neste caso, eu acompanho inteiramente o Relator e, portanto,
referendo o ato praticado pelo eminente Ministro Teori Zavascki.

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9465540.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. RICARDO LEWANDOWSKI

Inteiro Teor do Acórdão - Página 152 de 154

27/08/2015 PLENÁRIO

HABEAS CORPUS 127.483 PARANÁ

VOTO

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (PRESIDENTE): Penso


que a colaboração premiada, mais conhecida como delação premiada,
tem natureza eminentemente contratual ou negocial, como bem afirma o
Relator, Ministro Dias Toffoli.

Ela possui o caráter de uma transação processual, que pressupõe que


o ato seja celebrado com respeito à autonomia da vontade das partes
envolvidas, sobretudo a do delator. Quer dizer, é preciso que ela seja livre
de quaisquer vícios que possam distorcê-la. Vícios da vontade,
unanimemente reconhecidos pela doutrina e jurisprudência, são, dentre
outros, os seguintes: erro; dolo; coação; medo; ou incapacidade acidental.

De outra parte, também entendo, tal como o Relator, que, se a


delação foi feita durante o período em que o delator se encontra na
prisão, seja temporária, seja preventiva, tal circunstância, por si só, não a
anula necessariamente, pois ela - a prisão, desde que legalmente
decretada, não tem o condão de viciar a sua vontade.

Em outras palavras, se a prisão for decretada sem observância dos


requisitos processuais, a meu ver, o delator encontrava-se submetido a
constrangimento ilegal, impossibilitado, pois, de expressar a sua vontade
livremente.

Nada impede, assim, que o delator possa, a qualquer tempo, anular


a delação ofertada, caso comprove, inequivocamente, que sofreu algum
constrangimento ilegal, dentro ou fora da prisão, apto a comprometer a
livre manifestação de seu consentimento.

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9465541.
Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. RICARDO LEWANDOWSKI

Inteiro Teor do Acórdão - Página 153 de 154

HC 127483 / PR

Conheço da presente impetração, por entender que o habeas corpus


pode ser manejado para contestar decisão de Ministro da Suprema Corte
que esteja, eventualmente, revestido de ilegalidade.

No mérito, bem examinada a decisão do Ministro Teori Zavascki que


homologou a delação premiada tratada nestes autos, verifico que Sua
Excelência agiu estritamente dentro dos lindes da ordem jurídica e
rigorosamente no exercido de sua competência constitucional e legal.

Em face do exposto, e tendo em conta os dados até agora


evidenciados, denego a ordem.

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9465541.
Supremo Tribunal Federal
Extrato de Ata - 27/08/2015

Inteiro Teor do Acórdão - Página 154 de 154

PLENÁRIO
EXTRATO DE ATA

HABEAS CORPUS 127.483


PROCED. : PARANÁ
RELATOR : MIN. DIAS TOFFOLI
PACTE.(S) : ERTON MEDEIROS FONSECA
IMPTE.(S) : JOSÉ LUIZ OLIVEIRA LIMA E OUTRO(A/S)
COATOR(A/S)(ES) : RELATOR DA PET 5244 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Decisão: Após os votos dos Ministros Dias Toffoli (Relator),


Gilmar Mendes, Marco Aurélio, Celso de Mello e Ricardo Lewandowski
(Presidente), que conheciam do habeas corpus, e os votos dos
Ministros Edson Fachin, Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux e
Cármen Lúcia, que não conheciam do pedido, o Tribunal, tendo em
conta o empate, conheceu da impetração. No mérito, os Ministros
Dias Toffoli (Relator) e Gilmar Mendes denegaram a ordem. Em
seguida, o julgamento foi suspenso. Impedido o Ministro Teori
Zavascki. Falaram, pelo paciente, o Dr. José Luís Oliveira Lima,
e, pelo Ministério Público Federal, a Dra. Ela Wiecko Volkmer de
Castilho, Vice-Procuradora-Geral da República. Presidência do
Ministro Ricardo Lewandowski. Plenário, 26.08.2015.

Decisão: O Tribunal, por unanimidade e nos termos do voto do


Relator, denegou a ordem. Impedido o Ministro Teori Zavascki.
Presidiu o julgamento o Ministro Ricardo Lewandowski. Plenário,
27.08.2015.

Presidência do Senhor Ministro Ricardo Lewandowski. Presentes


à sessão os Senhores Ministros Celso de Mello, Marco Aurélio,
Gilmar Mendes, Cármen Lúcia, Dias Toffoli, Luiz Fux, Rosa Weber,
Teori Zavascki, Roberto Barroso e Edson Fachin.

Vice-Procuradora-Geral da República, Dra. Ela Wiecko Volkmer


de Castilho.

p/ Fabiane Pereira de Oliveira Duarte


Assessora-Chefe do Plenário

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O
documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/autenticarDocumento.asp sob o número 9390533

Você também pode gostar