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Superior Tribunal de Justiça

RECURSO ESPECIAL Nº 461.215 - RS (2002/0104391-9)

RELATOR : MINISTRO VASCO DELLA GIUSTINA


(DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS)
RECORRENTE : MARJORIE ALOÍSIO KIST
ADVOGADOS : GERSON LUIZ CARLOS BRANCO
PEDRO SOUZA DE CAMPOS E OUTRO
RECORRIDO : CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CEF
ADVOGADO : FLAVIO QUEIROZ RODRIGUES

DECISÃO

Trata-se de recurso especial interposto por MARJORIE ALOÍSIO KIST, com arrimo na
alínea "a" do inciso III do art. 105 da Constituição Federal, contra acórdão do Tribunal Regional
Federal da 4ª Região, assim ementado:

ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO ORDINÁRIA.


VALOR DA CAUSA. IMPUGNAÇÃO.
Discutindo-se, "ultima ratio", a substituição de parte em contrato de mútuo, há
de se aplicar o disposto nos arts. 258 e 259, inc. V, do CPC, tendo em vista a
pretendida modificação do pacto. (fl. 77)

Sustenta o recorrente violação dos arts. 258 e 259 do Código de Processo Civil, pois o
quantum pleiteado na exordial é indeterminável ab initio, circunstância que possibilita atribuir a
causa valor estimatório.
Alega que a causa não tem valor econômico imediato, visto que o pedido cinge-se a
alteração subjetiva do contrato, não alterando a existência, validade, cumprimento, modificação e
rescisão de nenhuma cláusula contratual.
Aduz que "A substituição do mutuário acarretaria apenas mudanças de ordem burocrática
perante a CEF, que passaria a cobrar de outra pessoa exatamente as mesmas parcelas, com
exatamente os mesmos encargos e saldo devedor que cobraria do mutuário original." (fl. 84)
Contrarrazões a fls. 99 a 104.
É o breve relatório.
DECIDO.
Busca o recorrente afastar a aplicação do art. 259,V, do Código de Processo Civil, ao
fundamento de que alteração subjetiva do contrato (modificação do mutuário por outrem em
decorrência de contrato de gaveta) não implica em modificação, existência, validade, ou rescisão

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do contrato de financiamento, sobretudo, em razão da ausência de proveito econômico imediato à
causa.
O egrégio Tribunal a quo, instado a se manifestar, asseverou que o pedido de alteração
subjetiva da parte responsável pelo mútuo, acarretará inevitavelmente, a alteração do contrato,
situação a evidenciar a impossibilidade de se atribuir valor inestimável a causa, verbis:

A demanda tem por objeto último a substituição do autor pelo co-réu Clodover
Mallmann como mutuário da co-ré Caixa Econômica Federal.
Nesse passo, é inaceitável a consideração da causa como de valor inestimável
e a atribuição, a ela, do valor de alçada de R$ 551,50.
Impõe-se, pelo contrário, a valoração do pleito segundo os critérios
preconizados pelos arts. 258 e 259, inc. V, do CPC, ou seja, pelo valor do
contrato, expresso pelo saldo devedor das respectivas prestações, de vez que,
inequivocadamente, se está a discutir modificação do pacto.
Em face do exposto, nego provimento ao agravo.
É o voto. (fl. 76)

Não há motivos jurídicos hábeis para se alterar o provimento jurisdicional ministrado pela
Corte originária.
Inicialmente, é cediço que as partes são elementos essenciais a obrigação contratual,
assim, inexoravelmente a alteração subjetiva pretendida pela recorrente, se provida, implicará na
modificação da obrigação contratual, pois haverá alteração de um dos elementos estruturais do
contrato.
Neste sentido, confira-se a lição de Maria Helena Diniz:

O contrato constitui uma espécie de negócio jurídico (Rechtsgeschäft), de


natureza bilateral ou plurilateral, dependendo, para a sua formação, do
encontro da vontade das partes, como prefere a teoria objetiva de Bülow, "da
autonomia privada", por ser ato regulamentador de interesse privado, por
apresentar-se como uma "norma" estabelecida pelas partes. Deveras, a
essência do negócio jurídico é a auto-regulamentação dos interesses
particulares, reconhecida peal ordem jurídica, que lhe dá força criativa. [...] O
contrato repousa na idéia de um pressuposto de fato querido pelos contratantes
e reconhecida pela norma jurídica com base do efeito jurídico perseguido. Seu
fundamento é a vontade humana, desde que atue conforme à ordem jurídica.
[...]
Ante o exposto, poder-se-á dizer que contrato é o acordo entre a manifestação
de duas ou mais vontades, na conformidade da ordem jurídica, destinado a
estabelecer uma regulamentação de interesses entre as partes, com o escopo
de adquirir, modificar ou extinguir relações jurídicas de natureza patrimonial.
Fácil é denotar que a noção de contrato contém dois elementos.
a) O estrutural, isto é, a alteridade, pois o contrato, como negócio jurídico
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bilateral ou plurilateral, requer a fusão de duas ou mais vontades contrapostas.
Entretanto, numa só hipótese poder-se-á admitir, em nosso ordenamento
jurídico, o autocontrato ou contrato consigo mesmo [...]. (DINIZ, Maria
Helena. Tratado teórico e prático dos contratos. 6ª ed. São Paulo: Saraiva,
2006, vol. 1, pág. 8 e 9)

De outro lado, é inegável o proveito econômico contido na demanda, porquanto, ao se


operar a substituição do mutuário, como pretendido, o recorrente se desvencilhará das obrigações
contratuais, não podendo mais responder pelas prestações ainda não adimplidas (saldo devedor).
Ademais, impende destacar que este Sodalício firmou o entendimento de que será
atribuído como valor da causa o quantum correspondente ao proveito econômico perseguido pelo
o autor da ação.
Confiram-se:
PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL. VALOR
DA CAUSA. APLICAÇÃO DO ART. 259, V, DO CPC. PRECEDENTES
DA CORTE.
O valor da causa nas ações que pretendem a rescisão contratual é o valor do
contrato, nos termos do artigo 259, V, do Código de Processo Civil.
Precedentes da Corte.
Agravo Regimental improvido. (AgRg no Ag 1022288/SP, Rel. Ministro
SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 17/02/2009, DJe
05/03/2009)

AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. DANOS


MORAIS. VALOR DA CAUSA. PROVEITO ECONÔMICO
PRETENDIDO. ENUNCIADO Nº 83 DA SÚMULA DESTA CORTE
SUPERIOR DE JUSTIÇA.
1. "Consoante jurisprudência mansa e pacífica deste Superior Tribunal de
Justiça, tem-se que, se há indicação clara na petição inicial do benefício
econômico pretendido na demanda, ainda que em patamar mínimo, é este que
deve figurar como valor da causa, sendo que 'A impossibilidade de avaliar a
dimensão integral desse benefício não justifica a fixação do valor da causa em
quantia muito inferior ao de um valor mínimo desde logo estimável' (REsp
642.488/DF, 1.ª Turma, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 28/09/2006)."
(AgRgEREsp nº 713.800/MA, Corte Especial, Relatora Ministra Laurita Vaz,
in DJ 8/6/2009).
2. "Não se conhece do recurso especial pela divergência, quando a orientação
do Tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida." (Súmula do
STJ, Enunciado nº 83).
3. Agravo regimental improvido. (AgRg no Ag 1212201/SP, Rel. Ministro
HAMILTON CARVALHIDO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 18/03/2010,
DJe 07/04/2010)

PROCESSUAL CIVIL. IMPUGNAÇÃO AO VALOR DA CAUSA. ART.


542, § 3º, DO CPC. EXCEÇÃO AO COMANDO LEGAL QUE
DETERMINA A RETENÇÃO DO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE
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REVISÃO CONTRATUAL. ART. 259, V, DO CPC.
1. A jurisprudência desta Corte relaciona o valor da causa ao proveito
econômico pretendido com a demanda. Assim, na hipótese em que a ação
revisional no qual foi apresentada a impugnação ao valor da causa visa,
justamente, nova definição do valor do contrato, a fim de obter o reequilíbrio
econômico-financeiro do negócio jurídico, o valor da causa deve ser a
diferença entre o valor originalmente fixado e o pretendido.
2. Recurso especial a que se dá parcial provimento. (REsp 742.163/DF, Rel.
Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, julgado em
15/12/2009, DJe 02/02/2010)

Agravo regimental. Recurso especial não admitido. Contrato. Valor da causa.


Adjudicação de imóvel.
1. Dispôs o acórdão que "a pretensão da agravante diz com a adjudicação do
bem, ou seja, com a transferência do bem imóvel mediante outorga da
escritura pública, a toda a evidência, o valor da causa deve corresponder ao
valor do bem, que é, ao fim e ao cabo, o benefício patrimonial perseguido" (fl.
97). A decisão está de acordo com a determinação legal, artigo 259, V, do
Código de Processo Civil, e com a jurisprudência da Corte.
2. Agravo regimental desprovido. (AgRg no Ag 638922/RS, Rel. Ministro
CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, TERCEIRA TURMA, julgado
em 20/04/2006, DJ 07/08/2006 p. 219)

Ante o exposto, nego seguimento ao recurso especial, nos termos do caput do art. 557 do
Código de Processo Civil.
Publique-se e intimem-se.
Brasília (DF), 03 de agosto de 2010.

MINISTRO VASCO DELLA GIUSTINA


(DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS)
Relator

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