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I ÉMlLE DURKHEIM

SOCIOLOGIA E FILOSOFIA

PREFÁCIO DE C. BOUGLE

Professor da Sorbonne

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Primeira ediçã.o: 1970


TTad~-1do de:
SOCIOLOGIE ET PHILOSOPHIE
Presses Unlversltalres de France PLANO DO LIVRO
108, Boulevard Baint-Germaln, Paris
eopyright (e) 1924, by LmRAIRlE FÉLIX ALcAN
PREFACIO de C. BOUGLl!: 7

CAPíTULO I - Repr~sentações individuais e representações co-


letivas ~~ •. . . . . . 13

CAPiTULO II ~ Determinação do fato mO/'al 43


Teses 43
Discussão 46
Tradução de:
CAPíTULO m - Respostas às objeções 70
J. M. DE TOLEDO CAMARGO
I - O estado da sociedade e o estado da opinião 70
II - A razão individual e a realidade moral 72
m - O sentimento da obrigação - O caráter sagrado da
moral 74
IV - A autoridade moral da coletividade 78
V - A filosofia e os fatos morais 80
VI - A representação subjetiva da moral 82

CAPíTULO IV - Julgamentos de oator e julgamentos de realt-


tiJad6 •................................•..................•... 84
Reservados todos os direitos de propriedade
desta tradução pela
COMPANHIAEDITORA FORENSE
Av. Erasmo Braga, 299 - 1.0 e 2.° - Rio de Janeiro
Largo de Sã.o Francisco, 20 - loja - São Paulo

Impresso no Brasil
Prlnted ín Brazil
12 SOCIOLOGIA E FILOSOFIA

de fazer nêles predominar, como diria ainda Augusto Comte,


a humanidade sôbre a animalidade.
Durkheim declara.o com tôda a clareza desejável: "A
sociedade é um sistema de órgãos e funções... é o habitat
de uma vida moral". 1!:leobserva ainda que a sociedade é CAPÍTULo
I
diminuída quando nela não se vê mais que um corpo orga-
nizado para cumprir certas funções vitais. "Sua verdadeira
função é a de criar o ideal." Ela constitui assim o meio ori-
ginal de onde a natureza só emerge para ultrapassar, de qual-
quer forma, a si mesma.
Dêsse ponto de vista, a sociedade não aparece apenas
como uma fôrça de pressão, ela é para o indivíduo um meio
de elevação. Sua alma tira partido das disciplinas que lhe
1 REPRESENTAÇõES INDIVI'DUAIS E
REPRESENTAÇõES COLETIVAS 1
impõem as exigências da vida em comum. Para retomar e
transpor a imagem de Kant, sem essa atmosfera ela nunca
abriria suas asas, seria incapaz de voar. Até mesmo sua de-
pendência é libertadora. Nos primeiros capítulos da Ditn; APESAR de a analogia não ser um método de demonstra-
são do Trabalho, Durkheim recusava-se a admitir que o va- ção propriamente dito, é contudo um processo de ilustração
lor de uma regra moral, como a regra do dever profissional, e de verificação subsidiária que pode ter sua utilidade. Nunca
decorresse dessa finalidade predominante: promover a civi- deixa de ser interessante pesquisar se uma lei, estabeleci-
lização. Entretanto é visível, pelos exemplos que citou, que da para uma ordem de fatos, não se encontra também alhu-
entendia então por civilização a multiplicação dos bens ma. res, mutatis mutaauiis; essa semelhança pode mesmo servir
teriais. Becusava.se a medir a moralidade por essas utüí. para confirmá-Ia e para melhor compreender sua amplitude.
dades, mesmo as coletivas. As coisas mudam se entendermos Em suma, a analogia é uma forma legítima de comparação
por. civilização o conjunto dos bens espirituais, que são ins- e a comparação é o único meio prático de que dispomos
trumentos de aperfeiçoamento pessoal, ao mesmo tempo que para tornar as coisas inteligíveis. O êrro dos sociólogos bio-
de comunhão social. Durkheim teria admitido então que a logistas não é, pois, de tê-Ia empregado mas de tê-Ia empre-
.sociedadetem por função manter a civilização: seu papel es. gado mal. ~les não quiseram apenas verificar as leis da so-
.sencíal é o de tornar possível, preparando as condições da ciologia pelas da biologia, mas deduzir aquelas destas últimas,
vida espiritual, o advento de uma humanidade. j Ora, tais ilações não têm valor, pois se as leis da vida são en-
contradas na sociedade, aqui se apresentam sob novas for-
mas e com características específicas que a analogia não po-
*** de prever e que não se podem perceber senão pela observação
direta. Entretanto, se se tivesse começadopor determinar, com
Essas ligeiras observações são suficientes para que se a ajuda de processos sociológicos,certas condiçõesda organiza-
perceba a que distância a filosofia de Durkheim nos leva ,. ção social, teria sido perfeitamente válido examinar em segui.
1

das filosofias materialistas e organícístas, com as quais aque. da se tais condições não apresentariam semelhanças parciais
la tem sido assimilada. Assim compreendido, o sociologismo com as condições da organização animal, como biologista de.
de Durkheim, é mais apropriadamente um esfõrço para run, termina. Pode-se mesmo prever que tôda organização deverá
damentar e justificar, de maneira. nova, as tendências espí. ter características comuns, que não será inútil deduzir .
.Iitualistas. . Será, porém, ainda mais natural buscar as analogias que
possam existir entre as leis sociológicase as leis psicológicas,
C. .BoUGLÉ uma vez que êstes dois campos são mais próximos entre si.
Professor: em SOrbonne A vida coletiva, como a vida mental do indivíduo, é feita
de representações; é pois presumível que representações in.

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dívíduaís e representações sociais sejam, de certa fonna, com- sui generis. e um tempo mais..ou menos longo .decorre antes
paráveis. Tentaremos, exatamente, demonstrar que ambas que a função motora apareça. Essa tndétermínação relatí-
mantêm a mesma relação com o respectivo substrato. Essa va não existe onde não exista consciência e aumenta com a.
ligação, longe de justificar o conceito que reduz a socíolo. '4
consciência; donde se conclui que a .consctêncía não tem a
gia a mero corolárao da psicologia individual, porá, ao con- inércia que se lhe atribui. De que forma, aliás, poderia ser
trário, em relêvo a independência relativa dêsses dois muno diferente? Tudo aquilo que existe, existe de maneira deter.
dos e dessas duas ciências. minada, tem propriedades características. Entretanto, tôda
propriedade se traduz por manírestaçôes que rião se produzi.
riam se tal propriedade não existisse, pois é através dessas
I manifestações que ela se define. Ora, a consciência, qual.
quer que seja o nome que se lhe queira dar, apresenta' ca-
o conceito psicológico de Huxley e de Maudsley, que re. racterísticas sem as quaís não seria representável ao espíríto.
duz a consciência a apenas um epifenômeno da vãda física, Em conseqüência, uma vez que ela existe, as coisas não
tem at.ualmente poucos defensores; mesmo os representantes poderiam acontecer como se ela não exístísse .
mais autorizados da escola psicotisiológica rejeítam.no for. A mesma objeção pode ainda ser apresentada de outra
malmente e esforçam-se para demonstrar que tal conceito forma. É um lugar .comum da ciência e da filosofia dizer que
não está contido no princípio que adotam. Realmente, a tôda coisa é dependente do devir. Entretanto, mudar é pro-
noção fundamental dêsse sistema é puramente verbal. Há re. duzir efeitos; mesmo o móvel mais passivo não deixa de par.
nômenos cuja eficácia é restrita, isto é, não afetam senão tícípar ativamente do movimento que recebe, quando mais
fracamente os fenômenos ambientes; mas a idéia de um re. não seja, em virtude da resistência que lhe opõe. Sua veloci-
nômeno adicional, que não serve para nada, que nada faz. dade e sua direção dependem em parte do pêso, da consti-
que não é nada, é vazia de qualquer conteúdo positivo. Mes. tuição molecular, etc. Portanto, se qualquer mudança pres-
mo as metáforas que os teóricos da escola mais freqüente- supõe, naquilo que muda, uma certa eficácia causal e se, en.
mente empregam para exprimir seu pensamento voltam-se tretanto, a consciência, uma vez produzida, é incapaz de pro-
contra êles, Dizem que a consciência é um simples reflexo duzir qualquer coisa, é preciso afirmar que, a partir do mo.
dos processos cerebrais subjacentes, um clarão que os acom- mento em que ela existe está fora do devír , Ficaria, portan.
panha mas que não os constitui. Mas um clarão não é "na- to, tal como é; a série de transformações da qual faz parte
da": é uma realidade, que atesta sua presença por efeitos se interromperia nela; além dela nada. mais existiria. Seria,
especiais. Os objetos não são os mesmos e não têm a mes- em certo sentido, o têrmo extremo do real, finis ultimus na.
ma ação quando estão iluminados e quando não o estão: turae. Não é necessário ressaltar que tal noção é madmíssí.
até mesmo suas características podem ser modificadas pela vel e contraria os princípios de qualquer ciência. A maneira
luz que recebem. Da mesma forma, o fato de conhecer, ain- pela qual extinguem as representações torna.se igualmente
da que imperfeitamente, o processo orgânico do qual se quer ininteligível sob êsse ponto de vista, pois um composto que
fazer a essência do fato psíquico, constitui novidade que não se dissolve é sempre, sob certos aspectos, fator da própria
é destituída de importância e que se maníresta por sinais dissolução.
aprecíáveís , Quanto mais se desenvolve essa faculdade de Parece.nos inútil discutir mais longamente sôbre um siso
conhecer o que se passa em nós, tanto mais os movimentos tema que ao pé da letra é contraditório em sua própria ex.
do sujeito perdem êsse automatismo que é a característica pressão, Uma vez que a observação revela a existência de re.
da vida física. Um agente dotado de consciência não se con. nômenos chamados representações, que se distinguem por
duz como um ser cuja atividade se reduzisse a um sístema caracteristicas particulares dos demais fenômenos da natu-
de reflexos: êle hesita, tateia, delibera e é com essa parti. reza, contraria qualquer método o tratâ.los como se não exís.
cularidade que êle se identifica. A excitação exterior, em tissem. 1l::les,
por certo, têm suas causas, mas são, por sua vez,
vezde se descarregar imediatamente em movimentos, é ínter, causas de outros fenômenos. A vida não é senão combina.
rompida em sua passagem, submetida a uma elaboração ção de partículas minerais: ninguém pretende, entretanto,
SOCIOLOGIA. Z J'ILOSOl"lA
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rar um estado dos centros nervosos (impressão) semelhante,
que ela seja um epifenõmeno da matéria b~ta. Entretanto, ainda que normalmente mais fraco do que aquêle que pro-
se essa proposição fôr aceita, é preciso aCeltar.lhe as conse- vocou o estado de consciência prímítívo".a Willlam James
qüências lógicas. Existe uma entretanto, e fundamental, que é ainda mais formal: o fenômeno da retenção não é abso,
parece ter escapado a numerosos psicólogos e que nos esror- lutamente um fato de ordem mental (it ia 1Wt tact 01 tne
çaremos para destacar. mental ortier at all). lt um puro fenômeno físico, um estado
Tornou-Se quase clássico reduzir a memória a apenas um morfológico que consiste na presença de certas v.iasde condu.
fato orgânico. A representação, dizem, não se con;servaco~o ção na intimidade dos tecidos cerebraís".s A representação
tal; quando uma sensação, uma imagem, ~a Idéia ~e~ ocorre com a reexcitação da região afetada, assim como ocor-
de nos estar presente, ela simultâneamente de~ de eX1S~lr, reu com a excitação primeira: no intervalo, no entanto,
sem deixar nenhum vestígio. Isolada, a impressao orgânica deixou completamente de existir. Ninguém insiste mais viva.-
que precedeu essa representação n~o d~pareceria comple- mente que James sôbre a dualldade dos dois estados e sôbre sua
tamente: restaria uma certa modífícação do elemento ner- heterogeneidade. Nada há de comum entre êles, exceto o
voso que o predisporia a vibrar de nõvo, assim como Vibrou da fato de 88 marcas deixadas no cérebro pela experiência an-
primeira vez. Portanto, desde que uma causa qualquer ve.• terior tornarem a segunda mais fácil e imediata".5 A con.
nha a excitá.-lo,essa vibração reprodusír.se-á e, como ~ep~r. seqüência, aliás, decorre lógicamente do próprio princípio da
cussão, ver.se-á reaparecer na conscíêncía o estado pSl~WC.O explicação.
que já se produziu, nas mesmas condições, quando da p~~l.
ra experiência. Eis ai de onde provma e em que conslSt~a Como não perceber que se volta assim àquela teoria de
a lembrança. Seria pois em decorrência de uma vex:dade~a Maudsley, que foi previamente rejeitada, mesmo com certo
ilusão que êsse estado repetido nos p~ece ser a revrvescen- desdém? 6 Se, em cada momento, a vida psíquica consiste
cia do primeiro. Realmente, se a teona é exata, trat8:se de exclusivamente nos estados atualmente dados à consciência
fenômeno absolutamente nôvo. Não é a mesma sensaçao que clara, vale dizer que ela se reduz a nada. Sabe.se, com ereí.
se desperta após ter ficado como que adormecida durante to, que o campo de observação da consciência, como diz Wundt,
certo tempo; é uma sensação inteiramente origin!ll, pois,nada é muito pouco extenso; podem.se contar seus elementos. Se,
resta daquela que ocorreu inicialmente. E nos creriamos portanto, êles são os únicos fatôres psíquícos de nossa con-
realmente que nunca a tivéssemo~ex.perimentad? se, ~r um duta, convém confessar que esta é inteiramente posta sob a
mecanismo bem conhecido, ela nao Viesse,por SI propria, 10. dependência exclusiva de causas físicas. Aquilo que nos dírí,
calízar.se no passado. A única coisa q':le_é a mesma nas du~ ge não são as poucas idéias que ocupam presentemente nos.
experiências é o estado nervoso, condiçao tanto da segunaa sa atenção; são, isto sim, os resíduos deixados por nossa vi.
representação como da primeira. . .. . da anterior; são os hábitos contraídos, os preconceitos, as
Essa tese não é apenas seguida pela escola pSlc?f~1010. tendências que nos movem sem que disso nos apercebamos,
gica; é admitida explicitamente .I?Dr.numerosos psícólogos são, em uma palavra, tudo aquilo que constitui nossa carac-
que crêem na realidade da consC1encl~e chegam mesmo a terística moral. Se, portanto, nada disso é mental, se o pas-
ver na vida consciente a forma emmente do real. Para sado não sobrevive em nós sob forma material, é então o
Léon Dumont: "Quando já não pensamos em uma idéia, el~ organismo que conduz o homem. Aquilo que a consciê:?
não mais existe, nem mesmo em estado latente; mas ha cía pode alcançar dêsse passado, em um dado instante, nao
apenas uma de suas condições que permanece e qu.e_se~e é nada, pois, em relação ao que dêle permanece desaperce-
para explicar como com o concurso de outras condiçoes, o bido e, por outro lado, as impressões inteiramente novas são
mesmo pensamentd pode ocorrer de nôvo." Uma recorda. uma infima exceção. Aliás, a sensação pura, na medida em
ção decorre "da combinação de dois elemento~: !.a"_ Ma. que exista, é de todos os fenômenos in~lectuais, aquêle ao
neira de ser do organismo; 2.° - Complementó ~dO de f~ .... qual menos ímprõpríamente se aplícarãa o têrmo de epíte,
ra".2 Rabier escreve quase nos mesmos têrmos: A condi. nômeno: é claro que ela depende intirnQll)ente da disposição
ção de revívescêncía é ,uma exc,it~o nova que, ~mada às dos órgãos, a menos que outro fenõmeIlQPlen1al 1utervenha
condições que eonstítuíam o habito, tem por efeito restau.

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SOCXOLOGIA B FILOSOFIA
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da consciência viesse Intercalar-se entre ambos? Poderíamos


e a modifique e então não se tratará mais de uma sensação ~etomar as expr~ que empregamos há pouco e dizer que
pura. esse eco tem sua realidade, que uma vibração molecuíar acom..
Vamos entretanto mais longe; vejamos aquilo que se pas- panh~?a ~e consciência, não é idêntica à mesma vibração sem
sa na consciência atual. poder.se.á dizer, pelo menos, que consciencia e que, por conseguinte, algo de nôvo ocorreu?
os poucos estados que a ocupam tenham natureza específica, Os defensores da concepção epifenomenista não mantêm ou-
bora seja fraca i
que sejam submetidos a leis especiais e que sua influência, em.
virtude de sua inferioridade numérica,
possa ser original Aquilo que viria dessa forma a se super-
tro tipo de linguagem. t=::lestambém sabem perfeitamente
q~e a cere.bração inconsciente difere do que chamam cerebra-
çao consciente. Tratra-se apenas de saber se essa diferença
por à ação das f ças vitais seria, sem dúvida, pouca coisa; dec?rre_da natureza da cerebração, da intensidade maior da
mas seria já alguma coisa. Porém, como seria isso possível? ex?lt~ao nervosa, por exemplo, ou então se ela é causada
A vida própria dêsses estados não pode consistir senão na pnncwa!men,.!ie pela. ~ção da consciência. Ora, para que
maneira sui generis pela qual êles se agrupam. Seria neces- tal ,~çao nao ?OnstltUlsse uma simples superfetação, uma
sário que pudessem atrair-se e associar.se em função das afi- ~pec~e de ~uxo Incompreensível, seria necessário que a cons-
nidades derivadas de suas características intrínsecas e não ciencia, assim a_crescentada,ti,:esse maneira de agir que não
das propríedades e disposições do sistema nervoso. Ora, se pertencesse se~ao a ela; .que fosse capaz de produzir efeitos
a memória é coisa orgânica, essas associações não podem 9ue seI? ela nao ocon:nam; mas se, como se supõe, as leis
ser mais do que reflexos de conexões igualmente orgânicas. as qU2;~se submete sao apenas transposição das que regem
Se uma determinada representação não pode ser evocada se- a matéria !lervosa, aquelas e estas são perfeitamente redun,
não por intermédio do estado físico antecedente, como êste dantes. Nao se pode nem mesmo supor que a combinação,
só pode ser restaurado por uma causa física, as idéias de- enquan~ apenas reprodu~ certos processos cerebrais, faça
vem lígar.se apenas porque os pontos correspondentes da apesar. disso nascer um novo estado, dotado de relativa au-
massa cerebral são também ligados e de forma material. É, tonomía e ~ue não. seja simples sucedâneo de algum fenô,
aliás, o que declaram expressamente os partidários da teoria. n:eno orgaruco. POIS,de acôrdo com a hipótese, um estado
A

Deduzindo tal corolário do principio que defendem, estamos ~ao pode durar se o que êle tem de essencial não se conserva
certos de não violentar seu pensamento, pois nada lhes atri- .mtegralment~ numa certa polarização das células cerebrais.
buímos que não professem explicitamente, como a lógica o Ora, que seria um estado de consciência que não tivesse
exige. A lei psicológica da associação, diz James, "não é se- duração?
não a repercussão no espírito dêste fato perfeitamente psí.
quico de que as correntes nervosas se propagam mais fàcil- De maneira geral, se a representação só existe na medi.
mente através das vias de condução que já foram percorri- da em que. o elemento nervoso em que se baseie se encontre
das"." E Rabier: "Quando se trata de uma associação, o es- em determinadas condições de intensidade e qualidade, se de-
tado sugestivo (a) tem sua condição numa impressão nervo- saparece desde que tais condições não se realizem no mesmo
sa (A); o estado sugerido (b) tem sua condição em outra grau, ela nada é por si mesma; sua única realidade é a que
impressão nervosa. (B). Isto pôsto, para explicar como essas conserva de seu substrato. É, como o disseram Maudsley e
duas impressões e, por conseguinte, êsses dois estados de sua escola, uma sombra projetada, da qual nada mais resta
consciência se sucedem não há mais que um passo a dar, quand~ se afasta o objeto cujos contornos ela vagamente re,
bem fácil verdadeiramente, qual seja o de admitir que a co. pr?duZla. Do~de.se concluiria que não há vida que seja pró.
moção neroosa se propagou de A para B, isto porque, tendo pname~te p~lqUlca9nem, .por conseqüência, matéria pará.
o movimento já seguido uma primeira vez êsse percurso, o uma psícología próp?a. POlS, nestas condições, se queremos
mesmo lhe é daí em diante mais rácü"." comp:,eender os fenomenos mentais, a maneira segundo. a
Mas se a ligação mental é apenas um eco da ligação fí. q,?al eles se produzem, se reproduzem e se modificam,. não
A

sao estes que devem ser analisados e. eonstderados.imas '.os


sicae não passa de uma repetição, então para que serve? fenômen?s an~tômicos dos quaís são . a Imagem; maís ou
Por que o. movimento nervoso não poderia .determinar ime- menos fíel , .Nao se pode .nem mesmo dizer que: êlesireajam
diatamente o movimento muscular, sem que .êsse fantasma
ZI

entre si e se modifiquem mutuamente, uma vez que suas põe a todo aquêle que deseja permanecer coerente consigo
relações não paBRAmde uma aparente encenação. Quando, mesmo.
falando das imagens que aparecem em um espelho, dizemos
que elas se atraem, se repelem, se sucedem, ete., nós bem sa-
bemos que tais expressões são metafóricas: não exprimem a II
verdade, ao pé da letra, senão com relação aos corpos que
produzem tais movimentos. De fato, nós atribuímos tão pou- Mas ela se impõe também por outra razão.
co valor a essas manifestações que não chegamos nem à In- Acabamos de demonstrar que, se a memória é exclusí,
dagação sôbre aquilo em que se transformam e como ocorre vamente propriedade da substância nervosa, as idéias não
seu desaparecimento. Achamos absolutamente natural que podem evocar.se umas às outras; a ordem pela qual retor,
uma idéia. que há pouco ocupava nossa conscíêncía, possa nam ao espírito pode apenas reproduzir a ordem em que
tornar-Se inexistente um instante após; para que se possa seus antecedentes físicos são reexcitados e até mesmo essa
aniquilar tão !àcllmente. é preciso evidentemente que não reexcitação se deve exclusivamente a causas apenas físicas.
tenha nunca tido mais que um arremêdo de existência. Essa proposição está de tal forma incluída nas premissas
Portanto, se a memória é exclusivamente uma propríe- do sistema que é formalmente admitida por todos que o pro.
dade dos tecidos, a vida mentsl nada é, pois não é nada fessam. Ora, não somente essa idéia conduz, como o de.
além da memória. Não queremos dizer com isso que nossa monstramos há pouco, a fazer da vida psíquica uma apa-
atividade intelectual consista exclusivamente em reproduzir rência sem realidade, como ela é diretamente contestada pe,
sem modificações os estados de consciência anteriormente los fatos. Há casos - e são multo numerosos - nos quaís
não parece possível explicar dessa forma a maneira pela
experimentados. Mas para que êles possam ser submetidos qual as idéias são evocadas. Certamente, pode-se bem ima-
a uma elaboração verdadeiramente intelectual, diferente, por ginar que duas idéias não possam ocorrer simultâneamente
conseguinte, da que resulta exclusivamente das leis da ma- na consciência ou suceder.se imediatamente sem que os
téria v.iva, é preciso ainda que tenham existência relativa. pontos do encéfalo que lhes sirvam de substrato tenham
mente independente de seu substrato material. De outra sido postos em comunicação material. Em conseqüência,
:forma, aquêles estados de consciência reunir .se.íam, assim co, nada impede a priori que qualquer nova excitação de um
mo nascem e renascem, em função de afinidades puramente dêsses pontos. seguindo a linha de menor resistência, se es,
tf.sicas. As vêzes, é verdade. admíte.se fugir dêsse nillismo tenda ao outro e determine, assim, o reaparecimento de seu
intelectual imaginando uma substância ou sabe-se lá que for. conseqüente psíquico. Entretanto, não há conexões orgâní,
ma superior às determinações fenomenais; fala-se vagamente cas conhecidas que possam fazer compreender de que ma-
de um pensamento, distinto do material que o cérebro lhe neira duas idéias semelhantes se evoquem mutuamente, pelo
fornece e resultante de uma elaboração por meio de pro, único fato de sua semelhança. Nada que saibamos sôbre o
cessos su.t generis. Mas que seria um pensamento que não mecanismo cerebral nos permite conceber de que forma uma
fôsse um sistema e uma seqüência de pensamentos particula- vibração que se produza em A possa ter tendência para se
res além de uma abstração realizada.? A ciência não deve to. propagar para B, simplesmente porque entre as representa-
mar conhecimento de substâncias nem de formas puras, exis- ções a e b exista alguma semelhança. Eis por que qualquer
tam elas ou não. Para o psicólogo, a vida representativa não psicologia que veja na memória um fato puramente bíoló,
é mais que um conjunto de representações. Portanto, se as gico não pode explicar as associações por semelhança, a me.
representações de qualquer espécie morrem imediatamente nos que as assimile às associações por contigüidade, isto é,
após terem nascido, de que poderá ser constítuído o espfrito? negando.Ihes qualquer realidade.
a·necessário escolher: ou bem o epifenomenismo é a doutri- Esta assímüaçâo foi tentada.lO• Se dois estados se asse-
na verdadeira ou bem se admite que haja memória propria- melham, dizem" é porque têm ao menos uma parte comum.
mente mental. Ora, nós bem vimos o insustentável da pp.. l!!sta repetíndo.se idênticamente nas duas experiências tem,
me1ra solução. Em conseqüência, a segunda SOlu~ se iJn,.. nos doia casos, o mesmo elemento nervoso como suporte .

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22

Dessa forma. êsse elemento encontra-se relacionado com os mite analísar aquilo que nos é apresentado em um estado de
dois grupos de células. aos quaís correspondem as partes dife- complexãdadeíndívísa. Ora, de acôrdo com a hipótese que dis-
rentes das duas representações. uma vez que êle cooperou tanto cutimos, é o cérebro, pelo contrário que deveria efetuar tôdas
com uma quanto com as outras. Em conseqüência serve essas análises, visto que tôdas essas divisões teriam uma base
de ponte entre elas o que explica como as própria idéias se anatõmica. Sabe-se,aliás, com que düiculdade chegamos a dar
ligam.~n~resi. Por exemplo. eu vejo uma fôlha de papel bran- aos produtos da abstração uma espécie de fixidez e de indivi-
co; a Idéia que me vem contém certa imagem de brancura. dualidade, sempre muito precárias, graças ao artifício da pa-
Logo que uma causa qualquer venha excitar particularmente lavra. Falta muito para que essa dissociação esteja conforme
a célula que. em sua vibração. produziu essa sensação de a natureza original das coisasI
cõr, uma corrente nervosa ai nascerá e Irradíar-se.â, seguin- Mas a concepção fisiológica, que está na base da teoria.
do. entretanto, de preferência. as vias que encontra desobs. ~ ~nda m~ insustentável. Admitamos que as idéias sejam
t!l1fdas. Ou seja. irá colocar-se nos outros pontos que já es- assim rracíonáveís. Será necessário, além disso, admitir que
trveram em comunicação com o primeiro. Mas os pontos a cada uma das partes que as constituem corresponda um
que .satisfazem a essa_ condição são também aquêles que determinado elemento nervoso, Haverá, portanto, uma par-
suscítaram representaçoes semelhantes, em um ponto, à pri- te da massa cerebral que seria ti. sede das sensações do ver-
meira. É dessa forma que a brancura do papel far .me.á pen- melho' outra das sensações do verde, etc. Mas não ficariam
sar na brancura da neve. Duas idéias que se assemelham as coisas apenas aí. Seria necessário um substrato especial
encontrar.se.ão pois associadas. ainda que a associação seja para cada matiz do verde, do vermelho, etc, pois, de a.côrdo
o produto. não da semelhança propriamente dita, mas de uma com a hipótese, duas cõres do mesmo matiz somente podem
contigüidade puramente material. evocar-se uma à outra se os pontos pelos quais elas se asse-
Essa explicação, contudo, baseia-se em uma série de melham. corresponderem a um único e idêntico estado or-
postulados arbitrários. Antes de mais nada, não há funda- gânico, visto que tôda semelhança psíquica implica em
mento para que se considerem as representações formadas coincidência espacial. Ora, tal geografía cerebral parece
de elementos definidos, espécie de átomos que poderiam, mais fantasia do que ciência. Naúualmente sabemos que
mantendo-se idênticos a si mesmos, entrar na contextura certas funções intelectuais são ma,s intimamente ligadas
das mais diversas representações. Nosso estados mentais a certas regiões que a outras; mesmo assim essas localiza-
não são assim feitos de peças e pedaços que seriam permu- ções nada têm de nrecísa nem de rigorosa, como o prova o
tados de ac5>rdo _com a ocasião. A brancura dêste papel e a fato das substítuíç 1es. Avançar mais que isso, supor que
da neve nao sao as mesmas e nos foram mostradas em cada representaçãa resida em uma célula determinada, é
representações diferentes. Poder.se.á dizer que elas se con- já um postulado gratuito, cuja impossibilidade demonstra-
fundam na sensação de brancura em geral que se encontra remos no decorrer dêste estudo. Que dizer então da hipótese
em ambas? Seria necessário então admitir que a idéia da segundo a qual os elementos "últimos" da representação
brancura em geral constiiua uma espécie de entidade dis- (supondo-se que existissem e que essa palavra exprimisse
tinta que, associando-se com entidades diferentes, faria nas- uma realidade) seriam não menos precisamente localizados?
cer tal sensação determinada de brancura. Ora, não há um Dessa forma, a representação da fôlha em que escrevo seria
só fa~. que possa justüicar tal hipótese. Tudo prova, pelo literalmente dispersada por todos os desvãos do cérebro!
contrárío - e é curioso que James tenha contribuído mais Não somente haveria de um lado a impressão da côr, de ou-
que ninguém para demonstrar essa proposição - que a vida tro a da forma, de outro ainda a da resistência, mas ainda a
psíquica é um curso contínuo de representações, de tal forma idéia da côr em geral localizar.se.ía aqui, ali residiriam os
que nunca se pode dizer onde uma começa e outra acaba. Elas atributos distintivos de tal matiz em particular, acolá as ca-
~ J.J:lterpenetram.Por certo, o espírito consegue pouco a pouco racterísticas especiais que tem êsse matiz no caso presente
distmgulr suas partes. Mas essas diferenciações são obra nossa; e individualizado que ·tenho sob os olhos, etc. Como não se
somos nós q~e as introduzimos no continuum psíquico, abso- concluir, antes de mais nada, que se a vida mental estivesse
lutamente nao as encontramos aí. ~ a abstração que nos per. de tal forma fracionada, se rõsse formada dessa poeira de
24 SOCIOLOGIA B ftLOSOl'IA Z5

elementos orgânicos, a unidade e a continuidade que ela apre- admite a sobrevivência e o estado psíquico agora considera..
senta tornar.se.íam incompreensíveis? do. Se no momento em que vejo esta fôlha, nada mais resta
Além disso, se a semelhança de duas representações é em meu espíríto da neve que vi anteriormente, a primeira
devida à presença em ambas de um único e mesmo elemento, imagem não pode agir sôbre a segunda, nem esta sôbre
poder.se.ía indagar como êste elemento único poder.ia apa- aquela; uma não pode, pois, evocar a outra pelo simples
recer duplamente. Se temos uma imagem ABCD e uma ou. fato de com ela se assemelhar. Entretanto, o fenômeno pas.
tra AEFG, evocada pela primeira; se, por conseguinte, o sa a ser perfeitamente inteligível se existir uma mem.ór.ia
processo total pode ser representado pelo esquema (BCD) A mental, se as representações passadas persistirem na qualí.
(EFG), de que maneira poderíamos perceber dois A? Dír- , dade de representações, se a rememoração, enfim, consistir,
se.á que essa distinção será feita por meio dos elementos di. não em uma criação nova e original, mas simplesmente em
ferenciais que são simultâneamente fornecidos: como A está nova manifestação perante a claridade da consciência. Se
incluído, ao mesmo tempo, no sistema BCD e no sistema. nossa vida psíquica não se anula à medida em que se desen,
EFG e como os dois sistemas são diferentes um do outro, a volve, não há solução de continuidade entre os estadas .an.
lógica nos obriga a admitir que A seja duplo. Mas, se po. teriores e os atuais; não há pois nada que impeça que ajam
demos bem explicar porque devamos estabelecer como pos. uns sôbre os outros e que o resultado dessa ação mútua
tutaâo tal dualidade, não chegamos com isso a compreender possa, em determinadas condições, realçar de nôvo a mten,
como de fato nós a perceoemos. Embora seja razoável con- sidade dos primeiras, de forma a que se tornem novamente
jeturar que uma mesma imagem se ligue a dois conjuntos de conscientes.
circunstâncias diferentes, não decorre dai que nós a uejamos Objeta-se, é verdade, que a semelhança não pode ex-
duplicaJta. No momento, eu me represento simultâneamente, plicar como as idéias se associam pois que ela só pode ocor-
de um lado esta fôlha de papel branco, de outro a neve es, rer se as idéias já forem associadas. Se é conhecida, é por.
tendida sôbre o solo. Há portanto em meu espírito duas re- que a ligação está feita; ela não pode, pois, ser sua causa.
presentações de brancura e não apenas uma. De rato, nós Mas o argumento confunde erradamente a semelhança com
simplificamos artificlalmente as coisas quando reduzimos a a percepção da semelhança. Duas representações podem ser
semelhança a simplesmente uma identidade parcial. Duas semelhantes, como as coisas que elas exprimem, sem que o
idéias semelhantes são diferentes até nos pontos de superpo- saibamos. As principais descobertas da ciência consistem pre,
sição. Os elementos que se consideram comuns em ambas cisamente em perceber analogias ignoradas entre idéias que
existem separadamente tanto numa como noutra; não os todos conhecem. Ora, por que não produzida essa semelhan.
confundimos embora os comparemos. li!a relação sui generis ça insuspeitada efeitos que serviriam precisamente para ca,
que se estabelece entre êles, a combinação especial que for. racterizá..la e fazê.la perceptível? As imagens e as idéias agem
mam em virtude dessa. semelhança, as características espe- entre si e essas ações e reações devem necessàriamente variar
ciais dessa combinação que nos dão a impressão da seme- com a natureza das representações; tais mudanças devem
lhança. Combinação, entretanto, pressupõe pluralidade. ocorrer na medida em que as representações, que assim são
Não se pode pois assfrnUar a semelhança à contigüidade postas em confronto, se assemelhem, se diferenciem ou se
sem menosprezar a natureza da semelhança e sem fazer hf- contrastem. Nada impede que a semelhança desenvolva uma
póteses, a um tempo fisiológicas e psicológicas, que em nada propriedade sui generi3 pela qual dois estados, separados por
se justifIcam: donde se conclui que a memõría não é um um intervalo de tempo, estariam determinados a se unirem.
fato puramente físico, que as representações como tais; são Para admitir a realidade dessa afirmação, não é absoluta.
suscetíveis de se conservar. Realmente, se elas desapareces. mente necessârío imaginar que as representações sejam coí,
sem totalmente desde que saíssem da conscíêncía atual, se ias concretas; basta admitir que elas não sejam ínexístên-
sobrevivessem apenas sob a forma de um vestígio orgânico, elas, que sejam fenômenos, mas renõmenos reais, dotados
as semelhanças que pudessem ter com uma idéia atual não de propriedades especificas e que se comportem de. modo di.
poderiam t1rá..las do nada, pois não pode haver nenhuma si.• terente entre si conforme tenham ou não propriedades eo,
mUarldade, direta ou indireta, entre êsse vest1gio, do.qual se muns, Poderíamos encontrar nas ciências da natureza Intime-

...... - _._ ~_._~----_._._ _-_ --- _.


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Z6 socroLOGU E rn.osoru. Z7

ros fatos onde a semelhança age dessa forma. Quando cor•. to diferentes, sem que se modifique na mesma proporção; as-
pos de densidades diferentes são misturados, aquêles que têm sim também as impressões que êle desperta são sempre mui-
densidade semelhante tendem a se agrupar e a distinguir-Só ,I to gerais. Dando-se aos membros a posição conveniente, po. _
dos demais. Entre os sêres vivos os elementos semelhantes i
~ de-se sugerir a um indivíduo a idéia de prece, não de uma
têm tal afinidade entre si que acabam por se imiscuírem determinada prece. Além disso, se é certo que todo estado
uns nos outros e tornarem-se assim ãndístínguíveía. Natural •. de consciência é cercado de movimentos, é preciso acrescen-
mente é possível crer que tais fenôm:nos de at~ação e d~ aglu, tar que quanto mais a representação se afasta da sensação
tmação se expliquem à luz de razoes mecânicas e nao poi pura, tanto mais o elemento motor perde em importância e
um atrativo misterioso que o semelhante tenha pelo seme, significado positivo. As funções intelectuais superiores pres-
lhante. Mas por que não explicar de forma análoga o agru, supõem, sobretudo, .inibiçõesde movimentos, como o prova;n
pamento das representações similares no espíríto?_Por qUE; não só o papel capital que para tanto desempenha a atenção
não poderia haver um mecanismo mental (mas nao exclu, quanto à própria natureza da atenção, que consiste essen-
sivamente físico) que explicasse essas associações sem fazer cialmente numa suspensão, tão completa quanto possível,
1ntervir nenhuma virtude oculta nem tampouco alguma en- da atividade física. Ora, uma simples negação de motilidade
tidade escolástica? não poderia servir para caracter.izar a Infíníta diversidade
Talvez não seja mesmo impossível aperceber-se desde dos fenômenos da ídeação, O esfôrço que fazemos para dei.
agora, pelo menos em largos traços, em que s:nti<!.opoderia. xar de agir não é mais ligado a esta concepção do que àque-
ser buscada essa explicação. Uma representaçao nao se pro, la, se a segunda nos exigiu o mesmo esfôrço de atenção que
duz sem agir sôbre o corpo e o espírito. Já para nascer ela. a primeira.· Mas o laço entre o presente e o passado pode
pressupõe certos movimentos. Para ver uma casa que esta. também ser estabelecido com a ajuda de ãntermedíáríos pu-
no momento sob meus olhos, é necessário que eu contraia de. ramente intelectuais. Realmente, qualquer representação, no
uma certa forma os músculos oculares, dê à cabeça certa. momento ·emque se produz, afeta além dos órgãos o próprio
inclinação de acôrdo com a altura e as dimensões.d.o pré. espírito, isto é, as representações presentes e passadas que o
dio; além disso, a sensação, logo que comece a eXlS.t!r,de. constituem, desde que se admita, como nós, que as represen-
termina, por sua vez, certos movimentos. Ora, se ela ja ocor- tações passadas subsistem conosco. O quadro que vejo nes.
reu uma primeira vez, isto é, se a mesma casa foi vista ano te momento age de determinada maneira sôbre tal ou qual
teríormente, os mesmos movimentos foram executados nes. de minhas aspirações, tal ou qual dos meus desejos; a per-
sa oportunidade. São os mesmos músculos que foram mo. cepção que me ocorre encontra-se pois solidária com êsses
vímentados e da mesma maneira, pelo menos em parte, quer diversos elementos mentais. Desde que agora ela me seja
dizer na medida em que as condições objetivas e subjetivas reapresentada, agirá idênticamente sôbre êsses mesmos ele-
ua experiência se repitam idênticamente. Existe1' pois, des- I
í~ mentos que duram sempre, salvo quanto às modificações que
de agora, uma ligação de conexidade entre a imagem desta o tempo lhes poderá ter acarretado. Ela os excitará, pois,
casa, tal como minha memória a conserva, e certos movímen. como da primeira vez e por êsse canal esta excitação comu.
tos; dado que êsses movimentos são os mesmos que acom- nícar.se.ã com a representação anterior com a qual êles pas-
panham. a sensação atual do objeto, através dêles se esta~e- sam a ficar daqui por diante em ligação e que será ~s~
rece uma ligação entre a percepção presente e a percepçao revívescída. Pois, a menos que se negue aos estados ~slqw-
passada. Suscitados pela primeira, êles suscitam de n?v~ a cos qualquer eficácia, não se vê por que êles não tenam a
segunda, despertam-na; pois é fato conhecido que ímprímín- propriedade de transmitir a vida que nêles exista aos outros
do-se ao corpo uma determinada atitude, provocam-se as estados, com os quais estão em relação, da mesma forma
rdéías ou emoções correspondentes. como uma célula pode transmitir seu mo~ento às célul~
Todavia, êste primeiro fator não pode~a ser o ma~ !!D- vizinhas. Tais fenômenos de transferência sao mesmo mais
portante. Tão real quanto possa ser a ligaçao entre as Idéías fáceis de conceber no que conceme à vida representativa
e os movãmentos,ela nada tem -de muito preciso. O mesmo porque esta não ê formada de átomos, separados uns dos
sistema de movimentos pode servir para objetivar idéias muí, outros; é um todo continuo, no qual tôdas as partes se ín,

~'.
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1j
Z9

terpenet,!8Dl. Nós submetemos. ali.á.s.ao leitor êsse esbôço de ela. a diticuldade que possamos ter para fazer uma idéia de
expUcaçao apenas a titulo de indicação. Nosso objetivo é
sobretudo mostrar que não há nenhuma impossibilidade em
.! fenômeno tão desconcertante não será motivo suficiente para
que se possa contestar-lhe a realidade e teremos que admí.
l tir a existência de ondas de pensamento. cuja noção ultra-
que a semelhança. por si mesma. seja causa de associações. f
Pois. tendo sido levantada essa pretensaimp06Sibilidade co- passa e mesmo contradiz todos os nossos conhecimentos
mo argumento para reduzir a sJmUaridade à contigüidade e f atuais. Antes que fôsse demonstrada a existência de raios
a memória mentallà memória física. Impunha-se que se mos- luminosos obscuros. penetrando corpos opacos. ter.se.ía fã.-
trasse que tal problema nada tem de insolúvel. cilmente provado que tais raios seriam inconciliáveis com a
natureza da luz. Poderiamoos fàcilmente multiplicar os exem.
plos , Assim. embora um fenômeno não seja claramente re.
m presentável ao espírito. não se tem o direito de negá.lo, des-
de que se manifeste por efeitos deünídos, êstes representá-
Dessa forma. não sõmente o único meio de livrar-se da veis e que para aquêles servem de indícios. Nós o imagina-
psicolopa epifenomenista consiste em admitir que as repre- mos então. não por êle próprio, mas em função dêsses ereítos
sen~ sejam capazes de persistir na qualidade de repre- que o caracterizam. Aliás, não há ciência que não se veja
sentações, como a existência de associações de idéias pela se- obrigada a usar tal artifício para atingir as coisas de que
melhança demonstra diretamente essa persistência. cogíta. Ela vai de fora para dentro, de manifestações exterio-
Entretanto. observa-se que tais dificuldades apenas po- res .e imediatamente sensíveis às caracterísncas internas que
dem ser evitadas em troca de outra que não é menor. Real- tais manifestações revelam. Uma corrente nervosa. um raio
mente. ~m, as representações não podem conservar-se como ; luminoso são inicialmente já um "não sei o quê" do qual se
tais senao fora da eonscíêncía; pois não temos nenhum sen- reconhece a presença graças a êste ou aquêle de seus efeitos.
I e é justamente tarefa da ciência determinar progressivamen-
timento de tôd.as as idéias. sensações, etc, que possamos ter
experimentado em nossa vida passada e das quaís sejamos te o conteúdo dessa noção inicial. Se. portanto. nós pode-
capazes de nos recordar no futuro. Ora, está estabelecido co- mos constatar que certos fenômenos só podem ser causados
por representações. ou seja. se êles constituem os sinais ex-
mo principio que a representação não pode ser definida se-
não_I>E:,la
consciência; donde se concluiria que uma represen.
taçao e mconcebíveí, que sua própria noção é contraditória.
Mas com que direito pode-se assim limitar a vida psíquí-
ca? Naturalmente. se se trata apenas de uma definição de
I teriores da vida representativa e se. por outro lado. as repre-
sentações que assim se revelam são ignoradas pelo sujeito
no qual se produzem. diremos que podem existir estados psí,
quicas sem consciência. qualquer que seja a dificuldade que
palavra, ela é legítima pelo próprio fato de ser arbitrária'
mas com isso não se poderá concluir nada. Do fato de têr~
mos convencionado de chamar psicológicos apenas os esta-
1 a Imagãnação possa ter em concebê.los ,
Ora, os fatos dêste gênero são inumeráveis desde que.
pelo menos se entenda por consciência a opressão de um deter-
dos conscientes. não decorre a existência exclusiva de fenô- minado estado por um determinado individuo. O que se pas-
menos orgânicos ou fisico-quimicos onde não exista mais sa na realidade em cada um de nós é uma soma enorme de
c~nsclência. li: uma questão de fato que apenas a observa- .., renômenos, que são psíquicos sem que sejam apreendidos .
çao pode resolver. Querer..se-á dizer que desde que se retire Dízemos que são psíquicos porque se traduzem externamen.
a consciência da representação. o que resta não é represen, te pelos ãndíeíos caracteristicos da atividade mental, isto é,
tável à imaginação? Mas, neste particular, há milhares de pelas hesitações. pela indecisão, pela adaptação dos movi.
fatos autênticos que poderiam igualmente ser negados. Não mentes a um determinado fim. Se quando ocorre um ato
sabemos o que seja um meio material imponderável e não em vista de uma determinada finalidade. não estamos se-
podemos de forma alguma ldeallzá-Io; entretanto tal hipó- guros de que êle seja inteligente, pergunta..se de que maneí,
tese é necessária para o entendiJnento da transmissão das ra a inteLigência pode se diferenciar daquilo que não é ínte,
()Ddas luminosas. Quando fato; bem estabelecidos vêm de- ligência. Ora, as experiências conhecidas de Píerre Janet
monstrar que a pensamento pode ser transmit1do a distAn..; provaram que muitas ações apresentam tôdas essas caracte,

,:). .
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.. _~.- -. __ .-•..... ----

30 SOCIOLOGIA E FILOSOFIA llEPllESENTAcÔES DmIVIDUAIS 31

rísticas sem que, no entanto, sejam conscientes. Por exemplo, verá necessidade de recorrer aos processos complicados e ar-
um indivíduo que acaba de recusar-se a cumprir uma ordem, I tüiciosos que hoje se empregam. Não estamos mais no pon-
contorma.se dôcilmente em cumpri-Ia desde que se tenha o to de considerar as leis dos fenômenos como superiores aos
cuidado de distrair sua atenção no momento em que as pala-
vras imperativas são pronunciadas. É evidentemente um
1 próprios fenômenos, a êstes determinando do exterior; elas
lhes são imanentes, não são mais que sua maneira de ser.
conjunto de representações que dita sua, atitude, pois a or-
dem não pode produzir seu efeito senão após ser ouvida e
compreendida. Entretanto, o paciente não suspeita daquilo
que ocorreu; nem mesmo sabe que obedeceu; e se, no mo-
mento em que está executando o gesto comandado, nós o fa-
Ií Se, portanto, os fatos psíquicos não existem senão no quan-
to são por nós conhecidos e da forma pela qual os conhece-
mos (o que vem a ser a mesma coisa) suas leis serão obtidas
imediatamente. Para conhecê-Ias não será preciso mais que
a observação. Quanto aos fatôres da vida mental que, sendo
zemos notá.Io, isso é para êle a mais surpreendente das des. inconscientes, não podem ser conhecidos por êsse caminho,
cobertas.u Da mesma forma, quando se determina a um I não seriam da alçada da psicologia e sim da fisiologia. Não
hipnotizado que não veja tal pessoa ou tal objeto que está I, temos necessidade de expor as razões pelas quaís esta psíco,
sob seus olhos, a proibição só pode agir se estiver represen- ii logia simplista não é sustentável; é certo que o mundo in-
tada no espírito. Entretanto, a consciência não está de for-
ma alguma prevenida quanto a isso. Citam-se igualmente , terior é ainda em grande parte inexplorado, que descober-
tas nesse campo são realizadas todos os dias, que muitas
casos de numeração inconsciente, cálculos bastante com- outras ainda estão por ser feitas e que, por conseguinte, não
plexos feitos por indivíduos que disso não tinham a menor basta apenas um pouco de atenção para dêle tomar conheci-
percepção.P Essas experiências, que se repetiram de muitas mento. Responde-se em vão que tais representações, que pas-
maneiras diferentes, foram realizadas na verdade sôbre es- sam por inconscientes, são apenas percebidas de maneira in-
tados anormais; entretanto, apenas reproduzem de forma completa e confusa. Pois essa confusão não pode derivar
ampliada aquilo que ocorre normalmente em cada um de senão de uma causa: que nós percebemos tudo que essas re-
nós. Nossos julgamentos são a cada instante mutilados e presentações encerram e que nelas existem elementos, reais
deformados por julgamentos inconscientes; apenas vemos e atuante-s, que, por conseguinte, não são fatos puramente fí-
aquilo que nossos preconceitos permitem e ignoramos tais sicos e que entretanto não são conhecidos na sua intimida-
preconceitos. Por outro lado, estamos sempre em um certo de. A consciência obscura de que se fala é apenas uma in-
estado de dístração, uma vez que a atenção, concentrando o consciência parcial, o que leva a reconhecer que os limites
espírito sôbre pequeno número de objetos, o desvia de um da consciência não são os mesmos da atividade psíquica.
número maior de outros; ora, tôda distração tem por efeito Para evitar a palavra "inconsciência" e as dificuld~des
manter fora da consciência estados psíquicos que não dei- que experimenta o. espírito em conceber o que ela exprime,
xam de ser reais, uma vez que são atuantes. Quantas vêzes seria preferível talvez vincular êsses fenômenos inconscien-
mesmo há um verdadeiro contraste entre o estado realmente tes a centros secundários de consciência, dispersos pelo or-
sentido e a maneira pela qual aparece em relação com a ganismo e ignorados do centro principal, ainda que normal-
consciência; cremos que odiamos alguém, quando na ver- mente a êste subordinados; ou mesmo, admítdr.se.á que pos-
dade o amamos e a realidade dêsse amor manifesta-se por sa haver consciência sem o "eu", sem apreensão do estado
atos cujo signüicado outras pesssoas percebem perfeitamen- psíquico por um determinado indivíduo. Não pretendemos no
te, no mesmo momento em que nos julgamos sob a influên- momento discutir essas hipóteses, muito plausíveis aliás,14mas
cia do sentimento contrárío.re
que deixam intacta a proposição que desejamos estabelecer.
Aliás, se tudo que é psíquico fôsse consciente e tudo que Tudo que queremos dizer, com efeito, é que fenômeno~ocorrem
é inconsciente fôsse psicológico, a psicologia deveria voltar em nós, que são de ordem psíquica e entretanto não sao conhe-
ao antigo método introspectivo. Pois, se a realidade dos es- cidos do "eu" que nós somos. Quanto a saber se são percebidos
tados mentais se confunde com a consciência. que. dêles te- por algum "eu" desconhecido ou o que podem ser êles, se
mos, a consciência é suficiente para conhecer integralmente estão fora de qualquer apreensão, isso não nos importa. Ad-
essa realidade, visto que ambas são uma coisa só e não. ha. mitamos apenas que a vida representativa se estenda além
3Z

de nossaconsciênc.ta atual e a concepção de uma memória Ora, quando dissemos alhures que os fatos sociais são,
psicológica tornar-se.á intellgfvel. Ora, tudo o que nos ro,
pomos a demonstrar é que esta memória. existe, sem qut
jamos obrigados a optar entre tôdas as maneiras nossíveís
se. (
em um certo sentido, independentes dos individuos e exte.
riores em relação às consciências individuais, apenas anr,
de concebê.Ia. I:'~
~. mamos no que tange ao reino social aquilo que acabamos de
estabelecer a propósito do reino psíquico. A sociedade tem
por substrato o conjunto de Indivíduos associados. O síste-
ma que formam pela união e que varia de acôrdo com sua
IV disposição sôbre a superfície do território, com a natureza e
o número das vias de comunicações, constitui a base sôbre
Estamos agora em condições de concluir. a qual se constrói a vida social. As representações que são
Se as representações, uma vez que existem continuam i a trama dessa vida, origínam.se das relações que se estabe,
a existir por si, sem que sua existência dependa perpetua- lecem entre os indivíduos assim combinados ou entre os gru.
mente do estado dos centros nervosos, se são suscetíveis de - pos secundários que se intercalam entre o indivíduo e a so.
agir diretamente umas sôbre as outras, de se combinar de ciedade total. Ora, se nada se vê de extraordínárío no fato
acôrdo com leis que Ihes são próprias, é porque são realida- de as representações individuais, produzidas pelas ações e
des, que m~mo mantendo íntimas relações com seu subs, reações permutadas entre os elementos nervosos não serem
trato, dêle sao entretanto, até certo ponto, independentes. inerentes a êsses elementos, que haverá de surpreendente no
Realmente, _essa autonomia não pode ser mais do que reía, fato de as representações coletivas, produzidas pelas ações e
tiva, pois nao há reino da natureza que não se v1D.cuIeaos reações permutadas entre as consciências elementares das
outros reinos; nada será, pois, tão absurdo quanto erigàr a quais é feita a sociedade não derivarem diretamente destas
vida psíquica sôbre uma espécie de absoluto que não viria últimas e, por conseguinte, a elas extravasarem? A relação
~e lugar nenhum e que não se ligaria ao re~to do untverso. que, nesse conceito, une o substrato social .à vida social é,
evidente que o estado do cérebro afeta todos os fenômenos em todos os pontos, análoga àquela que se deve admitir en-
~telectuats e que é fator ilmed1ato de alguns dêles (sensa, tre o substrato fisiológico e a v.ida psíquica dos indivíduos,
çoes puras). Mas, por outro lado, conclul-se do que foi dito desde que não se queira negar tôda a psicologia prõpríamen,
~~e a vida representativa não é inerente cà natureza Intrfnsa, te dita. As mesmas conseqüências devem.pois se produzir de
da: matéria nervosa, pois que subsiste em parte por suas uma parte e de outra. A independência, a exteríorídade re,
prõprías fÔrças e tem maneiras de ser que lhe são peculiares ~ lativa dos fatos sociais em relação aos indivíduos é mesmo
A representação não é um simples aspecto do estado em qu~ mais imediatamente aparente que a dos fatos mentais com
&;,. encontra o elemento nervoso no momento em que ocorre relação às células cerebrais; pois os primeiros, ~u p~l~ me.
nao só porque ela se mantém mesmo quando êsse estado nã~ nos, os mais importantes dêles, trazem, de maneira visível a
mais existe, como porque as relações das representações são marca de sua origem. Com efeito, se se pode contestar tal.
de natureza diferente das relações dos elementos nervosos vez que todos os fenômenos sociais, sem exceção, se írnpo-
subjacentes. A representação é algo de nôvo, que certas ca- nham aos indivíduos vindos de fora, a dúvida não parece pos-
racterísticas da célula naturalmente contribuem para que sível no que tange às crenças e práticas religiosas, as regras
se produza, mas que não são suficientes paraformá..la uma da moral, os ínumeráveís preceitos do direito, ou seja, pelas
vez que a elas sobrevive e manifesta propr.iedades difer~ntés. manifestações mais características da vída coletiva. Tôdas
Mas dizer que o estado psíquico não deriva diretamente da d são expressamente obrigatórias; ora, a obrigação é a prova
célula quer dizer que êle não está incluído na célula, que se . de que essas maneiras de agir e de pensar não são obra do in-
forma em parte fora dela e que, por isso mesmo lhe é exte- divíduo, mas emanam de uma potência moral que o ultra.
rior. Se o estado psíquico existisse por causa. d':" célula, êle passa, quer a imaginemos misticamente sob a .forma de um
existir1a nela, uma vez que sua realidade não lhe adviria de deus, quer dela façamos uma concepção IDAlS te~por.al e
outra. parte. ...
cíentírtca.w A mesma lei encontra-se portanto nos dOISreanos,
...•_._~.. ..-
· - -_ ..~ - -_ .._ - _.----,---_ _---_. __
.. - _ ..__ .

REPRESENTAçõES INDIVIDUAIS 35
~-----------------------------------~~~O~~~~U~E~~~~SO~F--U

Ela se explica, aliás, da mesma maneira nos dois casos. finidas senão com zonas de maior ou menor extensão. Tal-
Se se pode dizer, sob certos aspectos, que as representações vez mesmo o cérebro todo participe da elaboração da qual
coletivas são exteriores com relação às consciências ãndíví- resultam; é o que parece demonstrar o fato das substitui-
duaís, é porque não derivam dos indivíduos considerados iso- ções. Enfim, é também, ao que parece, a única maneira de
ladamente, mas de sua cooperação, o que é bastante díteren. se compreender como a sensação depende do cérebro, mes-
<, te. Naturalmente na elaboração do resultado comum, cada mo constituindo um fenômeno nôvo. Depende porque é
\ qual traz a sua quota-parte; mas os sentimentos privados composta de modificações moleculares (de outra forma, de que
\ apenas se tornam sociais pela sua combinação, sob a ação seria feita e de onde proviria?); , o mesmo tempo
: \de fôrças sui generis, que a associação desenvolve; em con. outra coisa, pois resulta de u smtese nova; e sui generi8,
.seqüência dessas combinações e das alterações mútuas que onde tais modificações entram co e ementos, mas são
d , êles se transformam em outra coisa. Uma transformados pelo própri? fato de sua fusão. Natu~a~en-
síntese· uímica se produz que concentra e unifica os elemen- te ignoramos como os movímentos podem, ao se combinarem,
s sm iza os e, pnr--tss-~, -Os trm'lsforma': lJniã vez dar origem a uma representação. Mas sabemos tampouco
:..que'essasmtêSe é obra do todo, é o tod-º__ que, ~~~,tem_.por como um movimento de transferi 17 pode, quando é interrom-
~tii~-l'esuttãn'-t"e-umãpãSSá~ortanto, cad~e~:ito pido transformar..se em calor ou reciprocamente. Entretan-
UfàIvldual, assim como o todo ultrapassa a parte. Ela existe to não se duvida da realidade dessa transformação; que se-
n? conj}mtõ, asSIm"§pnlOt~!!ste·Eõi'cãusã-aó-conjunto. Eis rá então que a primeira pode ter de menos possível que essa?
aí em que sentIdo elae exten01" em relaçao ao parttcular. De maneira mais geral, se a objeção fôsse válida, seria ne-
Por certo, cada um contém qualquer coisa dessa resultante; cessário negar a possibilidade de qualquer modificação; pois,
mas ela não está inteira em nenhum. Para saber o que é entre um efeito e suas causas, uma resultante e suas com-
na realidade deve-se considerar o agregado em sua totalí. ponentes, há sempre uma distância. É do domínio da meta-
dade.16 É êste que pensa, que sente,---que'3fues-afuCIã' que física encontrar uma concepção que torne essa heterogeneí-
n_~osSa -:m.1e~Õ-.:.i:le
querer ~ senti.r eu "âgirsen,ªC?:':"P9X dade representável; para nós basta que sua existência não
cO~I_i}ir..g~ªª-EarttulªíiS.. Eis aí também como o fenômeno possa ser contestada.
SOCIalnão depende da natureza pessoal dos ândívíduos . É Mas então, se cada idéia (ou, pelo menos, cada sensa-
que na fusão da qual êle resulta, tôdas as características ção) é devida rà. síntese de um certo número de estados celu-
individuais, sen?-o divergentes per definição, neutralizam-se lares combinados entre si, de acôrdo com leis e por meio de
e ~pagam-se mutuamente. Apenas as propriedades mais ge- fôrças ainda desconhecidas, é evãdente que ela não pode ser
rais da natureza humana sobrenadam; e precisamente por prisioneira de nenhuma célula determinada. Ela ultrapassa
causa de sua extrema generalidade não poderiam explicar cada uma porque nenhuma é suficiente para suscitá-Ia. A
as formas muito especiais e complexas que caracterizam os vida representativa não pode se repartir de maneira _def~da
fatos coletivos. Não se quer dizer que elas nada tenham com ~ entre os diversos elementos nervosos, uma vez que nao ha re-
o resultado mas que são apenas suas condições mediatas e '/ presentação para a qual ná.? col~borem v~?S dêsses eíemen,
longínquas. O resultado não se produziria se elas não o 1i tos; mas a vida representatiua so pode existir no todo ~
admitissem; não são elas entretanto que o determinam. ~ do pela sua reunião, assim como a vida coletiva só pode exzs-
Ora, a exterioridade dos fatos psíquicos em relação às ~ tir no todo !QT'11Ul,(},opela reusuõo dos indivíduos. Nenhuma.
células cerebrais não tem outras causas nem é de natureza delas é co ta de partes determinadas ue se' arií' -
diferente. Nada, com efeito, autoriza a supor que uma re- das a artes a as pec ivos su s ratos. Cada
presentação, por elementar que seja, possa ser diretamente estado psíqwco se encon ra o a, em ce constí,
produzída por uma vibração celular, com intensidade e to- tuição própria das células nervosas, nas mesmas condições de
nalidade determinadas. Mas não há sensação para a qual independência relativa que têm os fenômenos sociais em face
não concorram um certo número de células. A maneira pela das naturezas .individuais. Como êle não se reduz a uma
qual se fazem as localizações cerebrais não permite hipó- simples modificação molecular, não está. à mercê das modí,
tese diferente, pois as imagens nunca mantêm relações de- ficações dêste gênero que podem se produzir. isoladamente
36 31

sôbre OS diterentes pontos do encéfalo; Unicamente as tõrças mo papel que o carbono nem apresentar as mesmas propríe,
rísícas que afetam o grupo Inteiro de células que lhe serve dades. Não é menos inadmissível que cada aspecto da v.ida
de base podem assím afetá-Io. Mas não há necessidade, para se encame em um grupo diferente de átomos. A vida não se
poder durar, de ser perpetuamente sustentado e como que fraciona dessa forma: é una e, por conseguinte, só pode ter
recríado sem interrupção por um continuo afluxo de energia por sede a substância viva em sua totalidade. Existe no todo
nervosa. Para reconhecer ao espirito essa autonomia Iímíta- e não nas partes. Se, portanto, para bem fundamentá-Ia,
da, que é, no fundo, tudo que nossa noção de espirituali- não é necessário dispersá-Ia entre as fôrças elementares das
dade contém de positivo e de essencial, não é pois necessárío quais é resultante, por que haveria de ser de outra forma
imaginar uma alma, separada de seu corpo e levando, em para o pensamento .individual com relação às células cere-
não se sabe qual o meio ideal, uma existência sonhadora e brais, e para os fatos sociais em relação aos indivíduos?
solitária. A alma está no mundo; ela mistura sua vida à Na realidade, a sociologia individualista apenas aplica
vida das coisas e pode-se, desde que se queira, dizer que to. à vida social o princípio da velha metafisica materialista:
dos os nossos pensamentos estão no cérebro. ~ preciso acres- pretende, realmente, explicar o complexo pelo simples, o su-
centar apenas que, no interior do cérebro, êles não são rigoro- perior pelo inferior, o todo pela parte, o que é contraditório
samente localizáveis, que não são situados em pontos definidos, em sua própria expressão. Certamente, o princípio oposto não
ainda que estejam mais relacionados com certas regiões do que nos parece menos insustentável; não se poderia melhor, com
com outras. Apenas o fato dessa difusão basta para provar que a metafísica idealista e teológica, derivar a parte do todo,
os pensamentos são alguma coísa de específico; pois, para porque o todo nada é sem as partes que o compõem e. n~o
que sejam assim difusos, é de absoluta necessidade que sua pode tirar do nada aquilo de que necessita para eXIStIr.
maneira de composição não seja a mesma da massa cerebral Só restal-E9~.~e.nºIDe.I!O§_Jl.l!~ ~e"prodJ!~. no
e que, por conseguinte, tenham uma maneira de ser que Ihes tooo pelas ·propriedades características do tõcIo, o complexo
seja peculiar. pelo comprnm-;-us·-tatos-socbE!Q~ã scx:lea~~ÓS~Ta!§.~_.!i~s
Aquêles, portanto, que nos acusam de deixar a vida so- e 'mefitats-pelas comt51riaçoesSUl genens de 9.u~ resul~_D.l._É
cial indefinida porque nos recusamos a assímílá.la à cons. êss'e o untco ptfcUíSo que poaesegulr a CfenCla.O qu~ nao
ciência individual, não se aperceberam realmente de tôdas as significa que, entre os diferentes estádios do real, haja so-
conseqüências de sua objeção. Se fôsse fundamentada, ela lução de continuidade, O todo não se forma senão pelo agru-
poderia igualmente ser aplicada às relações do espírito e do pamento das partes e êste agru'pame~to não ,s~ f~z .eI? um
cérebro; em conseqüência, seria necessário, para ser lógico, instante, por um milagre repentino; ha uma serre Infínita de
assimilar também o pensamento à célula e retirar da vida intermediários entre o estado de isolamento puro e o estado
mental tôda a especificidade. Mas nesse caso cairíamos nas de associação caracterizada. M~ à medida em que a asso-
inextricáveis dificuldades que já indicamos. Mais que isso, ciação se constitui, ela dá origem a Ienomenos ~u~ não derí.
partindo-se do mesmo princípio, dever-se-ia dizer igualmente vám diretamente da natureza aos elementos 8iLôclados; êsta
que as propriedades da vida residem nas partículas de oxí, independência par~~ª,l é tanto mais acentuada quanto mais
gênio, hidrogênio, carbono e azôto que compõem o protoplas. nUmerosos são êsses elementos e mais energicamente sinteti-
ma vivo, pois êste não contém nada além dessas partículas zados. É daí, seguramente, que se originam a sutileza, a
minerais, assim como a sociedade não contém nada mais do flexibilidade, a contingência que as formas superiore.s do
que índívíduos.w Ora, aqui, talvez a impossibilidade do con- real manifestam em comparação com as formas infen?res,
ceito que combatemos apareça com evidência ainda maíor 40 no seio das quaís, entretanto, elas mergulham suas raizes ,
que nos casos precedentes. Inicialmente, como poderiam os Realmente, quando uma maneira de ser ou de fazer depende
movimentos vitais ter como sede elementos que não tivessem de um todo, sem depender imediatamente das partes que o
vida? E também, como se reparttrlam as proprtedadescarac, compõem, ela goza, graças a essa difusão, de uma ubíqüí,
teristicas da vida entre tais elementos? Não poderiam se re- dade que a libera até certo ponto. Como não está prêsa a
partir igualmente entre todos, uma vez que êstes são de. di. um ponto determinado do espaço, não está sujeita a condi-
ferentes espécies;· o oxigênio não pode desempenhar o, mes, ções de existência que sejam rigidamente limitadas. Se algu-

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38 SOCIOLOGIA E FILOSOFIA REPRESENTAÇÕES INDIVIDUAIS 39

ma causa a leva a modificar-Se, as modificações encontrarão gínou-se que se formava em grande parte sob a influência de
menor resistência e se produzirão mais fàcilmente, uma vez causas extra-SOCiológicas,porque não se via vínculo imediato
que ela tem, de certa maneira, maior campo para se movi- entre a maior parte das crenças religiosas e a organização das
me~tar. Se essa ou aquela parte a isso se recusa, outras po_ sociedades. Mas, com êsse tipo de raciocínio, seria necessá-
derão fornecer '! ponto de apoio ll~cessário à nova dísposí- rio deixar fora da psicologia tudo o que extravasa da pura sen.
çao,_sem que ,seJam obrigadas, por ISSO, a também se reajus- sação. Pois se as sensações, peças iniciais da consciência ín.
tarem. ~ _aI, pelo mínimo, como se pode conceber que um dividual, não podem ser explicadas senão pelo estado do cére,
~esmo o~g8;~_possa se sujeitar a funções diferentes, que as bro e dos órgãos - de outra forma, de onde proviria? -
diversas regroes do cérebro possam se substituir uma às ou- desde que existem passam a se combinar entre si, de acõrdo
tras, que uma mesma ãnstítuíção social possa sucessívamen. com leis que nem a morfologia nem a fisiologia cerebral são
te cumprir as mais variadas fínalídades , suficientes para explicar.
Da mesma forma, a vida coletiva, embora resídíndo no Daí decorrem as imagens e estas, agrupando.se por' sua
s~bst~ato coletivo, pelo qual se liga ao resto do mundo, nêle vez, vêm a ser os conceitos; à medida em que novos estados
nao vive de modo a s-er por êle absorvida. Ela é simultânea- se. acrescentam aos antigos, como são separados por numero-
mente _d'êledependente e distinta, assim como a função o é sos intermediários dessa base orgânica, sôbre a qual, entre.
d~. órgão. Naturalmente, uma vez que ela dêle se origina _ tan to, repousa tôda a vida mental, êles dela são menos íme.
pOISde outra forma, de onde proviria? - as formas que apre, diatamente independentes. Entretanto, êsses estados não dei.
~enta 110 mo.mt:nto em que se cria e que são, por conseguinte, xam de ser psíquicos; é aliás nêles que melhor se observa.
tundamentaís, levam a marca de sua origem. Eis por que a rão os atributos característicos da mentalídade.P
maté.ria primeira, de tôda consciência social está em relação Talvez essas correlações sirvam para que melhor se com.
estreita com o numero dos elementos sociais, com a maneira preenda porque nos preocupamos com tanta insistência em
pela qual se agrupam e se distribuem, etc, isto é, com a na. distinguir a sociologia da psicologia individual.
tureza do substrato. Mas, uma vez que uma primeira base Trata-se simplesmente de introduzir e de aclimatar na
de Eepresentações assim se constitua, elas se tomam, pelas sociologia um conceito paralelo daquele que tende cada vez
razoes qu~ apresentamos, realidades parcialmente autôno. mais a prevalecer em psicologia. Há uma dezena de anos,
mas, que v~vemuma vida própria. Têm o poder de se atrair, com efeito, uma grande novidade ocorreu nesta última cíên-
d~ se repelI.r,de formar entre. s~ sínteses de tôda espécie, que cia: foram feitos interessantes esforços para se chegar a
sao deter~adas por suas afínídades naturais e não pelo es, constituir uma psicologia que fôsse verdadeiramente psíco-
tad~ d.,?meio_em que ~voluem. Em conseqüência, as repre, lógica, sem nenhum outro epíteto. O antigo íntrospeccíonís,
sentaçoes novas, que sao o produto dessas sínteses, são da mo contentava.se em descrever os fenômenos mentais sem
mesm~ nature~: têm <:,omocausas próximas outras repre, explícá.los; a psicofisioIogia expíícava-os, mas pelo fato de
sentações coletívas, e nao tal ou qual característica da es, deixar de lado, como neglígencíáveís, seus traços distintivos,
trutura social. É na evolução religiosa que se encontram, uma terceira escola começou a se formar que pretende ex-
talvez, os exemplos mais expressivos dêsse fenômeno. Real. plíeá-los guardando sua especificidade. Para os primeiros
~ente, é impossível de se c~mpreender como o panteão grego a vida psíquica tem realmente uma natureza própria mas
ou romano se formou se nao conhecermos a constituição da que, colocando.a completamente .à parte no mundo, deixa.a
cidade, a maneira pela qual os clãs primitivos pouco a pouco à margem dos processos habituais da ciência; para os segun-
se conrundíram u~ nos outros, o modo pelo qual a família dos, pelo contrário, ela nada é por si mesma, e o papel do
p~tnarcal.se organ~u, etc. Mas, por outro lado, essa vegeta- sábio consiste em afastar essa camada superficial para atín,
çao luxunante de mitos e lendas, todos êsses sistemas teo, grr imediatamente as realidades que ela encobre; mas os
gô~cos,_cosm?lógico~, etc, que o pensamento religioso cons, dois lados concordam em ver na vida psíquica nada mais que
truíu, nao se ligam diretamente a particularidades determina. uma delgada cortina de fenômenos, transparente em rela-
d~ da morfologia social. É essa a causa de que se tenha rre, ção là consciência, segundo uns, despida de qualquer consis-
qüentemente desconheeído o caráter social da religião: íma, tência, de acôrdo com os outros. Ora, recentes experiências
'.,

40 SOCIOLOGIA 11:FXLOSOFIA 41

nos mostraram que seria preferível Imagíná.le como um vas- palavra não designa nada mais que um conjunto de fatos na-
to sistema de realidades sui generis, feito de grande número turais, que devem ser explicados por causas igualmente na.
de camadas mentais superpostas, demasiado profundo e com- turais. Mas ela nos previne que o mundo nôvo que assim se
plexo para que a simples reflexão possa penetrar .lhe os mís- abre à. ciência ultrapassa todos os outros em complexídade;
térios, muito especial para que as considerações puramente que não é simplesmente uma forma ampliada dos reinos ín,
fisiológicas possam explãcá.lo, lt assim que essa espirituali- feríores, mas que há fôrças que nêle agem que são ainda ín,
dade com que se caracterizam os fatos intelectuais e que pa- suspeitadas e cujas leis não podem ser descobertas exclusiva-
recia antes colocá.los ora acima, ora debaixo da ciência, tor. mente pelos processos da análise interior.
nou.se, ela própria, o objeto de uma ciência positiva; entre
a ideologia dos introspeccionistas e o naturalismo biológico, NOTAS DO CAPÍTULO I
rundou.se um naturalismo psicológico, cuja legitimidade ês- 1. Publicado na Revue de Mêtaph1lsique et de Morale, t. VI, número
te artigo talvez contribua para demonstrar. de maio de 1898.
2. "De l'habitude", ín Revue phílosophtque, I, págs 350 e 351.
Uma transformação semelhante deve ocorrer em socio- 3. Leçons de phíIosophie, I, 164.
logia e é justamente para êsse objetivo que tendem todos nos- 4: PrincipIes 01 P81/chology, I, 655.
sos esforços. Se quase não existem mais pensadores que ou- 5. Ibid., 656.
sem colocar abertamente os fatos sociais à margem da na- 6. tua; 138-145.
7. Op. cit., I, 563.
tureza, muitos crêem ainda que para fundamentá.Ios basta 8. o». cit., I, 195.
que se lhes dê como base a consciência do indivíduo; alguns 9. Nos originais consultados (edição de 1951 e posteriores), consta
chegam mesmo a reduzi-los às propriedades gerais da maté- ••... vie qui soít proprement physique...... Supõe-se que tenha
ria organizada. Para uns e outros, em conseqüência, a socie- havido êrro de imprensa, dado que a palavra "psíquica" comple-
dade nada é por si própria; não é mais que um epifenômeno ta melhor o sentido. (Nota do tradutor) .
10. Ver J AMES, op, cit., I, 690.
da vida individual (orgânica ou mental, pouco importa) as- 11. Ver L' automattsme p81/chologtque, págs , 237 e seguintes.
sim como a representação individual, segundo Maudsley e 12. tua; pág. 225.
seus discípulos, não é mais que um epifenômeno da vida rí. 13. De acârdo com JAMES, não haveria aí nenhuma prova de uma
sica. A primeira não teria outra realidade que aquela que real inconsciência. Quando tomo por ódio ou indiferença o amor
que experimento, não faço mais do que dar um nome errado a
lhe comunica o indivíduo, assim como a segunda não teria um estado do qual estou plenamente consciente. Confessamos
outra existência que aquela que lhe dá a célula nervosa e a não compreendê-Io . Se nomeio erradamente o estado é porque a
sociologia não passaria de uma psicologia 20 aplicada. Mas consciência que dêle tenho é também errada, uma vez que não
o próprio exemplo da psicologia demonstra que essa concep- exprime tôdas as características dêsse estado. Entretanto, essas
características que não são conscientes, são atuantes. São, pois,
ção da ciência deve ser ultrapassada. Além da ideologia dos de certa maneira, inconscientes. Meu sentimento tem os elemen-
psicossociólogos, como além do naturalismo materialista da tos constitutivos do amor, uma vez que determina em conseqüên-
sócío.antropología, há lugar para um naturalismo sociológi- cia minha conduta; ora, eu não os percebo tanto que minha pai-
co, que considere os fenômenos socais como fatos específi- xão me inclina em uma direção e a consciência que tenho de
minha paixão em outro. Os dois fenômenos não são portanto,
cos e que se empenhe em explícá.los respeitando religiosa- coincidentes. Entretanto, parece bem difícil de se ver em uma
mente suas peculiaridades. Nada pois de mais estranho que inclinação como o amor coisa diferente de um fenômeno psíquico
o desprêzo com que nos censuraram, algumas vêzes, por um (ver JAMES, I, pág. 174).
certo materialismo. Muito pelo contrário, do ponto de vista 14. Fundamentalmente as noções de representação inconsciente e de
em que nos colocamos, se .chamamos de espirituatidade a consciência sem o "eu" que apreenda são equivalentes. Pois,
quando dizemos que um fato psíquico é inconsciente, entendemos
propriedade distintiva da vida representativa no indivíduo, apenas que não é apreendido. Todo o problema consiste em sa-
deveremos dizer, com relação à vida social, que ela se define ber que expressão deve ser preferida. Do ponto de vista da ima-
por uma hf:perespiritualtdade; entendemos com isso que os ginação, ambas têm o mesmo inconveniente. l'!:tão difícil ima-
atributos da vida psíquica aí se encontram, mas elevados a ginar uma. representação sem o sujeito que se represente quanto
uma representação sem consciência.
uma potência bem mais alta e de maneira a constituir algo 15. Se o caráter de obrigação e de constrangimento é tão essencial a
de ínteíramente ziôvo, Apesar. de seu aspecto metafísíco, a tais fatos, que são eminentemente sociais, quanto é plausível, an-

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.·. 42 SOCIOLOGIA E FILOSOnA


r ~-Jt
ORIGINAL
tes de qualquer exame, que êle se encontre igualmente, ainda que
menos visível, nos demais fenômenos soctológícoal Pois não é pos-
sível que os fenômenos da. mesma natureza. sejam tão cUterentes,
a ponto de que uns penetrem no indivíduo a partir do exterior, ao
passo, que os outros resultem de processo contrário.
A propósito disso retificamos uma interpretação inexata que
fol feita de nosso pensamento. Quando dissemos a respeito da
obrigação ou do constrangimento que êles eram a caracterlstica
I CAPÍTULoII
CE~TRAL CÓPIA-5
CLCH-CE~D-C1'CA

dos fatos sociais, não pensamos absolutamente em dar com isso


uma explicação sumária dêsses fatos; quisemos tão-somente indi-
car um sinal simples pelo qual o sociólogo pode reconhecer os fatos
que pertencem ao dominio de sua ciência. DETERMINAÇiO DO FATO MORAL 1
16. Conforme nosso livro sõbre o suicídio tLe Suict4e, págs. 345-363) .
17. Trctnslert - Transposição de um lado para outro Ou de uma pes-
soa doente para indivíduo sensível de acidentes causados por
distúrbios do sistema nervoso central, graças à influência de
agentes estesíogêmcos, especialmente o ímã. Descoberto por
BURQ. Foi realmente observado que em certos casos de histeria TESES
tinha o efeito de sugestão e, por conseguinte, melhorava parali-
sías, contrações e adormeclmentos. (Nota do Tradutor).
18. Pelo menos os Indívíduos são Os seus únicos elementos ativos. A REALIDADE MOP.AL. como qualquer espécie de realidade,
Para falar com exatidão, a sociedade compreende também coisas. pode ser estudada de dois pontos de vista diferentes. Pode-se
19. Vê-se dai o inconveniente que há em def1n1r os fatos soctaís como tentar conhecê-Ia e compreendê-la; ou então, dispor-se a jul-
os fenômenos que se produzem na sociedade e peta socieâaâe. A gá-Ia. O primeiro dêsses problemas, que é nitidamente teóri-
expressão não é exata, pois há fatos sociológicos e não destitui-
dos de importância que não são produtos da sociedade mas de pro- co, deve necessàriamente preceder o segundo. :s: o único de
dutos sociais já formados. 1: como se deftníssemos os fatos psíqui- que aqui se tratará. Mostraremos apenas, ao terminar, de
cos como aquêles que são produzidos pela ação combinada de que forma o método seguido e as soluções adotadas nos abrem
tôdas as células cerebrais ou de um certo número delas. Em todo o caminho para que abordemos o problema prático.
caso, tal definição não pode servir para determinar e círcuns-
c~ever o objetivo da sociologia. Pois essas relações de derivação Por outro lado, para poder estudar teóricamente a rea-
nao podem ser estabelecidas senão à medida em que a ciência lidade moral, é indispensável que se determine previamente
progrrde ; quando se começa uma pesquisa, não se sabem quais em que consiste o fato moral; pois, para que possa ser obser-
sao as causas dos fenomenos que se pretende estudar e nunca vado' é necessário saber o que o caracteriza, a partir de que
mesmo se !ls conhece senão parcialmente. 1: preciso, pois, Iímí-
~r, de acordo com outro critério, o campo de investigação se índícíos poderemos reconhecê-Io . Esta questão será tratada
nao se deseja deíxá-Io indeterminado, ou seja, se se quer saber em prímeíro lugar. Em seguida tentaremos, se isso é possí-
de que se trata. vel, encontrar explicação satisfatória para tais característi-
Quanto ao processo pelo qual se formam tais produtos sociais
de segundo grau, se tem alguma analogia com o que se observa cas.
na. consciência individual, não deixa de ter t1sionomia que lhe
é peculiar. As combinações das quais resultam os mitos, as teogo-
nías, as cosmogonías populares não são idênticas às associações I
de idéias que se formam nos indivíduos ainda que ambas possam
se esclarecer mutuamente. Há tôda unia par •.•• e da sociologia que
deveria pesqu1sar as leis da Ideação coletiva e oue está ainda in- Quais são as características distintivas do fato moral?
teiramente por ser feita. • Tôda moral se nos apresenta como um sistema de regras
20. Quando dizemos simplesmente psícología, entendemos que seja a de conduta. Entretanto, tôdas as técnicas são igualmente
psi~logia individual e seria conveniente, para clareza das dis-
cJ)SSOeS, assim se restringir o sentido da palavra. A psicologia reg.idas por máximas, que prescrevem ao agente a forma
coletiva é a sociologia, de uma forma integral; por que não em- pela qual deve conduzir-Se em determinadas circunstâncias.
pregar exclusivamente esta última expressão? Inversamente, a Que é, pois, que diferencia as regras morais das outras regras?
palavra "psicologia" sempre designou a ciência da mentalidade
no indivíduo; por que não lhe conservar êste significado? Evi- 1.° - Mostraremos que as regras morais são investidas
tar-se-iam dessa forma muitos equivocos. de uma autoridade especial em v.irtude da qual são obedeci.

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