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INSTITUTO DE PSICOLOGIA
LISETE BARLACH
São Paulo
2009
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LISETE BARLACH
São Paulo
2009
AUTORIZO A REPRODUÇÃO E DIVULGAÇÃO TOTAL OU PARCIAL DESTE
TRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRÔNICO, PARA
FINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE.
Catalogação na publicação
Biblioteca Dante Moreira Leite
Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo
Barlach, Lisete.
A criatividade humana sob a ótica do empreendorismo inovador /
Lisete Barlach; orientador Sigmar Malvezzi. -- São Paulo, 2009.
278 p.
Tese (Doutorado – Programa de Pós-Graduação em Psicologia.
Área de Concentração: Psicologia Social) – Instituto de Psicologia da
Universidade de São Paulo.
BF408
iii
Agradecimentos
texto que contribuíram para seu aprimoramento e para aumentar a minha compreensão
sobre o assunto.
Ao Prof. John F. Cabra, que, em Buffalo (NY), me introduziu à melhor biblioteca (que
já conheci) sobre criatividade, além de ter me recebido de forma acolhedora como sua
orientanda brasileira.
Cabra, Jô Yudess, Gerard Puccio e Michael Fox. Muito obrigada pela oportunidade de
Ao Prof. Marcos Nogueira Martins (Marcão), que muito contribuiu com a revisão do
iv
À Adriana Albertal, pela revisão em inglês e espanhol e, mais do que tudo, pela amizade
v
Prefácio
Escrever uma tese é, em si mesmo, um ato criativo. Utilizo aqui da primeira pessoa para
descrever alguns processos que, vivenciados, tornaram-se subsídios para o estudo, objeto
desta tese. Dentre os temas que adquiriram um colorido especial em função da vivência
Poder-se-ia perguntar por que incluir o empreendedorismo no rol desses temas. A resposta
está em que, entre o sonho de escrever a tese e a concretização desse projeto, foi
necessária uma boa dose de atitude empreendedora e de crença na causalidade pessoal, nas
humana. Naquele momento, esse interesse era tão vasto que poderia abranger tudo, o
mundo inteiro, qualquer objeto ou situação. Ao longo do percurso, percebi que, sem
Delimitar o tema, abrir mão de querer abarcar tudo, exigiu a elaboração de muitos lutos
internos. Esse é um primeiro aspecto que demanda reflexão: criar é também renunciar,
Nesse caminho, também foi possível compreender, do ponto de vista vivencial, a tensão
interna e outros quesitos. Isso coloca qualquer pessoa que crie diante da questão: escrever
vi
independentemente do sufrágio que o público dedicará àquela”? O tipo de impacto
que tal questão suscita na pessoa que cria poderá ser determinante da qualidade da obra.
não perdê-las. Como descrito nesta tese, esses momentos ocorrem, geralmente, entre a
atividade e o repouso. No meu caso, tive que deixar um bloco de notas na cabeceira da
cama, pois antes de “pegar no sono” as idéias apareciam e eu temia não mais recuperá-las
na manhã seguinte.
la, submetê-la à crítica de uma banca e - assim espero - ser aprovada, representa, para
mim, competir com um padrão de excelência interiorizado. Como qualquer outro (a) autor
(a), envolvi-me neste trabalho com paixão o que, nas palavras de Cardon et al. (2009),
Instantes antes de concluir esta tese, senti na pele o peso restritivo / obstaculizador da
burocracia com relação ao criar. Como toda tese na Universidade de São Paulo, esta
também necessitava de uma ficha catalográfica fornecida pela biblioteca da unidade à qual
estou vinculada. Qual não foi a minha surpresa ao receber uma mensagem informando que
criatividade e inovação são sinônimos e, portanto, não podem ser elencadas juntas como
vii
A criatividade humana sob a ótica do empreendedorismo inovador
Resumo
diversos campos da vida humana a criatividade tem sido uma questão relevante, em
negócios e das organizações é exatamente esta ambiência que caracteriza o cenário atual,
onde predomina a demanda por inovação como fator competitivo. A criatividade surge,
então, como força motriz para as inovações, fundamento de sua qualidade e fator
diferencial frente aos desafios e problemas do cotidiano e dos negócios. Entendida como
Mesmo reconhecendo necessidade de inovação para garantir o sucesso dos negócios, sua
estudo empírico, que teve como sujeitos pessoas que tiveram projetos criativos recusados
pelas organizações em que trabalhavam e que, sem abandonar suas idéias, criaram
viii
Palavras-chave: criatividade, inovação, empreendedorismo, resiliência, causalidade
pessoal.
ix
Human creativity seen through innovative entrepreneurship lens
Abstract
lack or failure of paradigms and models are concerned. This is the prevailing status of
innovation, rooting its quality and differentiating its outcomes. Understood as a potential
ever present in human beings, creativity when aligned with entrepreneurship is enabled to
scrutinized through the lens of the genesis of innovative entrepreneurship since the
recognition of the need of innovation does not free organizations from the manning of the
bureaucracy, resistance and blindness. The analysis here carried out was supported by
empirical data surveyed through individuals whose creative projects were rebuked by the
enterprises where they had worked. Without giving up their ideas they settled their own
enterprises to carry out their projects thus putting into light the creative process grounded
In many of the fields of human life creativity has emerged more frequently as a relevant
theme of study, due to the complexity of the solutions demanded in situations and
x
breakdown of others. In business and organizational sphere, that’s exactly the ambience of
Creativity comes up, then, as a requisite for innovation, differential element when facing
Assumed as a human potential always present, when allied to entrepreneurial attitude and
because, even knowing the necessity of innovate, organizations have to deal permanently
and innovation of the business. Even recognizing that innovation is necessary to guarantee
way of doing and of making in a certain environment and, for that, the tradition of taylorist
and bureaucratic models of management is, sometimes, cause of blindness. The “success
threat” is one of the contingent factors of their refusal of creative proposals, potentially
innovative. This factor relates to organizational culture and its flexibility and openness to
the new. Present investigation was supported by empirical study, with subjects whose
projects were refused by organizations to which they worked for who, then, decided to
create own organizations, revealing not only resilience, but, especially, personal causality.
xi
La creatividad humana bajo las lentes del empreendedorismo innovador
Resumo
Esta tesis estudia la creatividad dentro del contexto de la innovación en las organizaciones.
surge como fuerza motriz para las innovaciones, fundamento de su calidad y factor
y ciegos. Este análisis fue apoyado en investigación empírica que estudio sujetos que
abandonar sus ideas crearan empresas propias, revelando en ese proceso, creatividad,
personal.
xii
xiii
Sumário
xiv
2.5. Criatividade: um conceito multifacetado 50
criatividade 88
perspectiva histórica 98
xv
4.1. Criatividade, inteligência e sabedoria 119
xvi
5.2.3. Avaliação e erro nas organizações 181
199
Referências 244
xvii
Capítulo I
xviii
O capitalismo da inovação
oriundas de seu gênio criativo, mas nenhum desses meios de transporte, tão comuns e
materiais disponíveis no século XVI. Por esse motivo, a inventividade de Leonardo não
Fatos como esses ensinam muito sobre invenções e inovações, pois, embora o arsenal
algumas idéias criativas do mundo atual podem estar sendo igualmente ignoradas. A
do avanço tecnológico requer idéias criativas que possam ser transformadas em inovações
mesmo com as demandas sociais e econômicas atuais por idéias criativas que possam ser
do que parece.
xix
tantos (as) inventores (as) e inovadores (as) enfrentam dificuldades e obstáculos para
viabilizar e empreender suas idéias. Esta questão abrangente é o eixo norteador desta tese,
criativas em vários campos de atividade são também comentadas como pano de fundo da
xx
Há não mais de cem anos nem o óleo vegetal jorrando do solo nem a bauxita – minério de
alumínio – constituíam recursos. Eram apenas coisas que tornavam o solo improdutivo. O
fungo da penicilina era uma praga, não um recurso e, portanto, os bacteriologistas faziam
todo o possível para proteger as culturas de bactérias da contaminação pelo fungo. Até
que, nos anos 1920, Alexander Fleming, médico londrino, percebeu que esta “praga” era
A profunda transformação econômica e social das últimas décadas traz consigo a demanda
acelerada pela inovação e seus impactos visíveis na adaptação das empresas e instituições
mercados não só têm absorvido bem muitas inovações, como até mesmo buscam
novidades e as empresas já não esperam a inovação chegar até elas, mas investem para ser
pioneiras como meio de diferenciação de sua marca. Se quiserem ser competitivas, elas
mesmas são obrigadas a produzir o novo. Inovar é um processo que atinge produtos,
processos e serviços de todos os tipos e categorias. “Inovar ou morrer” é um lema que vem
xxi
A competitividade tem demandado diferenciação dos concorrentes e as inovações, ainda
que incrementais, têm sido o caminho para esse rumo. Essa tendência não se limita a um
modismo, mas oferece dezenas de sinais de que se vive uma nova etapa da era industrial,
uma fase da evolução do sistema capitalista em que a propriedade dos negócios e a riqueza
decorrente da produção de bens e serviços não são suficientes para garantir os resultados
organizações que não inovam para competir em mercados cada vez mais exigentes
inovados. Segundo Tarde (2007), a inovação tem origem na potencialidade dos eventos de
ser diferente daquilo que são. A exploração dessa potencialidade é denominada processo
de inovação e tem sido uma das atividades da gerência em todas as empresas que buscam
ser competitivas. Se, desde o final do século XIX, a gestão dos negócios (produção de
massa) depende do apoio da ação racional, na atualidade, pode-se afirmar que ela depende
Hamel, 2006) pela sua complexidade, pelo impacto na cultura organizacional, pelo custo,
pela demanda de competências, por suas fronteiras com outras questões e por seu caráter
estratégico. A inovação é uma questão complexa até mesmo pela dificuldade encontrada
em sua conceituação e seus critérios. Até que ponto um modo diferente de se realizar
xxii
uma tarefa merece a alcunha de inovação? Assume-se como inovação qualquer
(Burrell & Morgan, 1979) se concentram na compreensão desse conceito. Frente a isso, a
propaganda tem sido uma má conselheira porque denomina a tudo de inovação como esta
et al., 2005; Shyniashiki, 2004). E não apenas nos negócios, mas também nas empresas
se inovar fosse preciso em todos os aspectos da vida social e econômica. Em função dessa
cultura, valoriza-se o novo, sem se aprofundar se, de fato, é melhor ou compensa mais do
que o antigo, pois pode ocorrer, por exemplo, que a compensação financeira venha
cultura. Inúmeras propagandas são vistas tentando convencer o cliente a mudar por algo
que lhe é apresentado como novo, ou seja, como algo que o servirá melhor do que o objeto
maneira simples, inovar é a habilidade de reformular algo de sua condição (ou forma)
original para torná-lo apropriado, seu valor enriquecido e seu status de qualidade mais
xxiii
Esse conceito é compatível com aquele proposto por Drucker (1985) para o
1985, p. 37). Revelam-se, pois, algumas das relações entre criatividade, inovação e
empreendedorismo, sendo a criatividade a via para identificar um recurso onde antes havia
a inovar e, quando isto ocorre, elas [organizações] podem se ver obrigadas a mudar muitos
mesmo sua estratégia, sendo a não implementação dos projetos fonte de frustração e
alguma coisa deve estar sufocando-as”. “A organização deve ser receptiva à inovação e
predisposta a ver a mudança como oportunidade e não como ameaça” (Drucker, 1985, p.
209), mas a flexibilidade necessária para essa predisposição nem sempre é encontrada no
princípio estratégico.
administração científica proposta por Taylor (1948), ou seja, ainda prevalece o modelo em
xxiv
que o controle, a busca de evitar o erro e o conflito e a quase ausência do fator estético são
explicação desse fenômeno pode estar no efeito Einstellung, discutido no capítulo 5 deste
estudo, referente à armadilha do sucesso nas organizações, à valorização daquilo que deu
certo no passado ou à própria cultura organizacional que, muitas vezes, atua como uma
inovação nos negócios torna-se mais realista se for entendida como um processo, uma vez
investimentos são altos porque implicam em se acompanhar uma tendência para se evitar a
produção de algo que terá vida curta ou que não compensará pela baixa atratividade ou
tendências, por sua vez, demanda que uma organização esteja constantemente em contato
com a realidade externa a ela, não se isolando do que a cerca, uma vez que, na dinâmica da
inovação é possível que outras empresas que participam deste mesmo processo, inovem
antes, implicando perda de grandes quantias de dinheiro em risco e é bom lembrar que
uma abertura contínua para o ambiente circundante à organização tampouco faz parte da
xxv
Nas palavras de Drucker (1985), uma a cada cem patentes produz receita suficiente para
repor os custos de desenvolvimento e as taxas da própria patente. Além disso, não se sabe
ao certo quais idéias têm chance de ser bem sucedidas. O próprio autor se pergunta:
porque o aerosol foi bem sucedido? E porque o zíper tem aceitação e praticamente
substitui os botões embora tenda a emperrar? (Drucker, 1985). Tais perguntas remetem ao
e criatividade guardam estreita relação e são habilidades que podem ser desenvolvidas.
percurso, novas funcionalidades produziram alterações em toda a teia social, fazendo com
(software) venha a atualizar a anterior, passando os (as) usuários (as) a depender da versão
mais moderna para efetuar as operações com as quais estavam familiarizados (as). As
xxvi
criando um ciclo infindável de mudanças, confirmando a inovação como a arte da
transição.
O aumento da velocidade das inovações pode ser constatado também a partir do tempo
anos para este resultado, a televisão colorida demorou menos de dez anos para atingi-lo e
necessários apenas cinco anos e para a telefonia celular, cerca de três anos (Vasconcellos,
2008). A literatura desta área entende que “é necessária a aceitação de pelo menos 15% de
uma dada população antes que a idéia possa ser considerada mainstream” (Neilson, 2008,
imprescindíveis, tais como a penicilina, o transistor ou o nylon, foi muito superior à dos
novos modelos que cada fabricante realiza a cada ano tem crescido, se comparado às
fenômeno, à medida que sua função incorpora-se aos softwares dos computadores,
tornando supérfluo o aparelho em si. Todas essas questões já haviam sido abordadas por
xxvii
1.1.4. A abrangência da inovação
mais que técnico” (Drucker, 1985, p. 43). Inovações sociais, introduzidas mundialmente
que fossem instalados telefones públicos diferenciados para pessoas com deficiências.
Nielson (2008) explica que tais inovações tiveram início com as reivindicações de
indivíduos com diversos tipos de deficiência. Recentemente, também os idosos (as) têm se
produtivas.
Drucker exemplifica que inovações não se restringem aos aspectos econômicos a partir da
moradia nos campi universitários com dedicação plena aos estudos, cinco dias por semana,
das nove às cinco foi a resposta a uma importante mudança de rumo no mercado, no
xxviii
prestígio do diploma universitário, passando da “classe alta” à “classe média”, alterando a
importância de ter um curso superior. Para o autor, também o hospital, como inovação
social, teve maior impacto na assistência médica que muitos avanços da medicina, bem
Velocidade, abrangência, risco, custo, todos esses são aspectos gerenciais da inovação.
Tanto nas inovações sociais quanto nas tecnológicas e organizacionais fica claro que não
educacionais com foco no respeito ao direito alheio têm sido necessárias para que o
É importante ressaltar que, em geral, a inovação, para ser aceita, deve ser contraposta ao
modo prevalente até então e, desta forma, comprovar que sua substituição pode ser
vantajosa em algum nível para um grupo, comunidade ou para a sociedade como um todo.
Este processo envolve diversos fenômenos e mecanismos que serão aprofundados nesta
tese. Os exemplos são inúmeros, mas importa citar dois casos mundialmente conhecidos: o
primeiro deles foi a introdução do leite em pó, na década de 1950, que veio acompanhada
de uma campanha de marketing que desqualificava o aleitamento materno, o que fez com
do novo processo, não vendo os prejuízos graves para o sistema imunológico dos bebês. O
xxix
segundo exemplo, de conotação mais positiva, refere-se à introdução da triagem prenatal,
por força da lei federal (que o tornou obrigatório) a partir de 1992, visando à prevenção de
resistências de natureza diferente, uma vez que ele não teve que “competir” com outros
testes ou outras práticas diagnósticas existentes até então. O teste tem enfrentado alguns
receios de mães e pais sobre a logística de entrega dos mesmos, mas tem sido bem aceito
de certos elementos de forma peculiar, singular, resultando numa síntese única, distintiva
cenário competitivo atual. Identidade e alteridade, como se verá no capítulo II, se mesclam
xxx
Diferenciar-se tem valor ou agrega valor ao que é feito ou produzido. O diferencial não é
Na era atual, o design emerge como uma ferramenta para a criação deste diferencial.
Termo da língua inglesa que se refere a um determinado esforço criativo, segundo o qual
se projetam objetos ou meios de comunicação diversos para o uso humano, pode ser
ciência aplicada. Contém uma parte subjetiva e outra objetiva, sendo esta ligada à
Era Industrial a partir da emergência de novos profissionais que, apesar de não executarem
experiências da escola alemã Bauhaus (1919-1933), que se tornou a base para o ensino do
design e arquitetura no século XX. Design é um dos elementos que contribuem para a
diluição das fronteiras entre o universo artístico e produtivo / empresarial fazendo com que
Importante frisar que, ao introduzir fatores que vão além da eficiência, o design impõe
xxxi
No mundo moderno, o design se estabelece dentro das organizações como o processo
que lidem com o design, os negócios dependem cada vez mais dele para a criação do
“think tanq” para geração de idéias e resolução de problemas, não como área
organogramas formais das organizações, fato que tem se mostrado como tendência
empresa Fischer – Price, por exemplo, quando do lançamento do brinquedo Smart Cycle,
teve que superar preconceitos dos pais e das crianças com relação ao formato do objeto,
desenhar uma forma neutra em termos de gênero (feminino e masculino) para satisfazer
crianças de ambos os sexos e agradar pais e mães com filhos e filhas, e enfrentar inúmeros
outros problemas (Kelley, 2008); para este desenvolvimento, foram utilizadas técnicas de
envolvendo técnicos (as) e profissionais de distintas áreas da empresa que não se limitou à
organizações.
xxxii
Como duas velas que, acesas juntas, não mais permitem a individualização de cada chama,
corresponderia a uma terceira vela, àquilo que completa o verbo inovar. Autores como
o meio pelo qual eles exploram a mudança como uma oportunidade para um negócio ou
Embora reconhecidas como questões intimamente relacionadas, não se sabe bem como e
por que ambas se justapõem e se diferenciam, ao mesmo tempo, e o quanto uma participa
Shapiro (2001), que entende que o ethos artístico demanda do (a) artista se empenhar
dedicará àquela, a inovação nos negócios oferece uma diferença a partir da criatividade,
uma vez que, do ponto de vista dos negócios, a prioridade não tem sido a perfeição
interna, mas sua aceitação por parte do público. A inovação, portanto, constitui um dos
reconhecimento, uma vez que algo pode ser criativo num dado país e não noutro, em dado
sobremaneira a inovação.
xxxiii
Dizem alguns autores que “A criatividade é uma condição necessária, mas não suficiente
para a inovação” (Vehar, 2008), uma vez que, na inovação está implicada uma relação
pela sociedade ou comunidade em que ela está inserida; trata-se de um processo que só
termina com a introdução desta no mercado ou, segundo outros autores, pela criação de
uma nova realidade social, econômica ou comercial (Smulders, 2008, citado por Vehar,
2008). Em outras palavras, a criatividade não tem o poder, por si só, de fertilizar sua
empreendedora para fazê-lo e também demanda a avaliação externa de seus efeitos, como
cada um dos campos em que a criação ou a inovação estiver inserida, haverá agentes do
reconhecimento que podem ser críticos (cinema, literatura, dentre outros), órgãos
exemplo). Estes se verão imbuídos do poder de avaliar seja a originalidade da criação, seja
valores, a ser discutida no capítulo II. Assim, a subjetividade humana se faz presente como
tornar público este processo de reconhecimento bem como, na maior parte dos casos, seus
critérios. O Prêmio Nobel, nas categorias de literatura, economia, paz e ciências básicas, é
xxxiv
um deles. Na música popular, destaca-se o Grammy e no cinema, o “Oscar”. No campo do
Como se disse anteriormente, a questão é complexa, pois pode suceder, como no caso de
certos produtos, que estes sejam inovadores e eficazes no curto prazo e revelem-se
e de pragas da monocultura. O caso foi um dos precursores da Revolução Verde dos anos
uso indiscriminado da talidomida, usada até então como sedativo e hipnótico (Barata,
2009).
passos a empreender, no sentido de viabilizar aquilo que foi potencializado pela criação.
frente a algo que foi superado. A autonomia da criação com relação ao processo histórico
2
FINEP – Financiadora de Estudos e Projetos. Empresa governamental brasileira com a missão de fomentar
a inovação e a pesquisa científica e tecnológica.
xxxv
pode ser comprovada em inúmeras histórias de compositores, artistas plásticos e cientistas
referência que faz Drucker (1985) a Leonardo da Vinci que desenhou o helicóptero e o
submarino, dentre outros, mas não teve qualquer de suas invenções convertida em
inovação em função da tecnologia e dos materiais existentes em sua época, ou seja, suas
Assume-se aqui que a criatividade refere-se aos produtos únicos, singulares, sejam eles
respeito à inserção dessas criações no mercado e, nesse sentido, seriam processos análogos
Lash, 2007).
função específica do [a] empreendedor [a]… é o meio pelo qual ele [ela] cria novos
criar riqueza” (Drucker, 1985, In: Couger et al., 1995, p.374). Assim, a diferenciação entre
criatividade e inovação não seria completa sem o terceiro fator que pertence ao tripé, a
saber, o empreendedorismo.
Uma das hipóteses desta tese é que a inovação demanda a presença de dois vetores, a
inovação for associada ao valor de troca (Marx, [1867], 1980), a transição de uma a outra
xxxvi
dependerá da implementação da idéia ou processo em determinado contexto, para a qual
será necessária a atitude empreendedora. Embora o vetor criativo tenha em comum com a
inovação a sujeição ao reconhecimento, ele pode ser identificado, mas não possuir valor de
troca, ao passo que a inovação sempre terá este valor. Obras importantes da história da
música foram legitimadas, mas não alcançaram sucesso comercial, como ocorreu com
Carmem, de Bizet. A análise dessas questões demanda um caminho integrador que abarca
auto-realização que, uma vez presentes, corporificariam a saúde mental, a vida produtiva e
natureza, todos estes são elementos que caracterizariam a mais elevada motivação
humana, a criatividade auto-realizadora, para Maslow. Para ele, pessoas que realizam o
potencial criativo podem não ser brilhantes em uma área específica nem necessitam sê-lo,
pois o que importa neste processo é “tornar-se aquilo que se é capaz de ser”, em graus
3
A associação da criatividade à saúde mental e não à doença indica uma transformação na visão dominante
até então, fundada em Platão, para quem a pessoa que cria estaria dominada por forças sobrenaturais (mesmo
que divinas) e, assim, distante de sua consciência e próxima da insanidade.
xxxvii
crescentes de integração e sinergia interna, pela unificação de aspectos isolados ou mesmo
dinheiro (Maslow, 1971; Neilson, 2008, manuscrito); tendem, também, a não temer e, por
vezes, a serem atraídos, pelo mistério, pelos problemas não resolvidos, pelo desconhecido
e pelo desafio.
o trabalho (como estou me saindo?), ao invés de feedback atitudinal (quanto você gosta de
como: a) correr risco (moderadamente); b) ser desviante (com relação aos padrões sociais
impaciência, luta pela realização e a sensação permanente de estar sob pressão. Para ele,
xxxviii
este é um conjunto de características psico-sociais que explicariam a preferência de alguns
evidencia-se que, embora o impulso criativo esteja presente, isso não significa que o
empreendedora para fazê-lo. O impulso criativo, por si só, não significa a capacidade de
Confirmando a visão de McClelland et al. (1953), Rindova et al. (2009) afirmam que o
visto “como processo emancipatório com potencial de mudança mais amplo” (p. 477).
para criar mudanças no mundo. Da mesma forma, De Charms (1968), que será estudado
xxxix
Também no sentido de enfatizar a importância do elemento humano no processo de
empreender, Cardon et al. (2009) buscam entender como a paixão poderia explicar
comportamentos empreendedores que desafiam a visão racional, tais como correr riscos de
forma não convencional, foco de intensidade incomum e crença em seu sonho. A paixão
absorção em suas atividades, fazendo com que as pessoas invistam tempo e energia,
deste estudo, uma vez que este “estilo de vida sem patrão” descrito por McClelland torna-
se, muitas vezes, um parâmetro de busca para aqueles indivíduos que almejam a auto-
será um dos focos da análise aqui proposta, empreendida por meio do estudo de casos de
xl
1.5. Objeto e objetivo
ou bem sucedido (Soosay & Hyland, 2008) é o fator causal que poderia explicar a criação
nas organizações em que estiveram inseridos. Em outras palavras, embora a pressão pela
outra maneira – uma maneira criativa - para a inovação a partir da proposição de novos
As questões de pesquisa aqui colocada são: uma vez imersas no cenário de pressão pela
inovação, o que leva as organizações a rejeitar idéias ou projetos criativos propostos por
poderiam explicar o fato de que algumas das pessoas empreendedoras que têm seus
inovadores?
xli
Buscando resposta a essas questões, a estratégia de pesquisa aqui desenvolvida tem por
objetivo desvendar o processo criativo – empreendedor – inovador que tem início num ato
pessoal, passa por labirintos e veredas que o dificultam ou ajudam a amadurecer, até a
capítulos seguintes.
psicologia social como referencial para este tipo de estudo e dos estudos que relacionam a
uma criatividade ou várias criatividades. O processo criativo, bem como sua avaliação,
xlii
O capítulo III trata da caracterização da pessoa criativa, abrangendo uma revisão teórica
análise da literatura deste campo de estudos sobre a personalidade criativa. São discutidas
empreendedorismo inovador.
xliii
Capítulo II
xliv
Criatividade, um conceito plural
acadêmica, confirmaria estes fatores. Mas até que ponto se poderia definir o novo como
tudo aquilo que difere do que está estabelecido, do que é corriqueiro, cotidiano ou
rotineiro? Seria concebível algo ser novo ou original e não ser criativo? Além disso, como
reunir num mesmo conceito a criatividade artística, científica, social e comercial? Esses
Analisar a criatividade como questão teórica requer uma estratégia multidisciplinar, uma
vez que ela tem sido estudada como conceito e como categoria de prática, nos campos da
síntese. Este é o escopo do presente capítulo, que constitui a base para a discussão da
criatividade nas organizações e nos negócios, a ser empreendida nos capítulos seguintes.
Ele abordará a criatividade nos diversos campos do saber e como categoria de prática,
xlv
2.1. A criatividade como questão teórica
seja criando categorias, impõem-se limites que não são compatíveis com a liberdade - que
ciência social. Se criatividade for assumida no sentido de trazer à existência algo que antes
anteriormente, parece que se está diante de um conceito “fácil de entender, mas difícil de
Embora sejam conhecidas as dificuldades para definir o que é criativo, é ainda mais difícil
fazê-lo no contexto atual do capitalismo da inovação, no qual a busca pelo novo, pelo
diferente e pelo inusual como fator diferencial em todos os níveis torna-se cada vez mais
xlvi
Uma primeira abordagem ao conceito, pela via da etimologia, revela a faceta da
criatividade como um ato divino. Criar é definido, nos dicionários, como “trazer à
existência ou formar do nada” (Boden, 1999), “tirar do nada” (Michaelis, 1979), “dar
existência a”, “dar origem a”, “formar” (Ferreira, 2000). O mesmo se dá nas línguas grega
e latina, em que o vocábulo guarda o significado de “tirar do nada” (Pereira, 1951 / 1990,
p.62), “formar, instituir, produzir, causar e gerar” (Torrinha, 1939, p. 338). Porém, na
função da associação freqüente do vocábulo com a criação divina, a análise tem início pela
leitura do Gênesis.
No Gênesis, primeiro capítulo do livro sagrado das tradições judaica, cristã e muçulmana,
está contido o mito corrente no mundo ocidental sobre a criação do mundo em sete dias e
verbo para o “criar” divino4, mas este verbo não é usado quando há referência a outros
tipos de criação. O verbo utilizado ao longo da descrição da criação divina não é o mesmo
quando da construção do tabernáculo, por exemplo, que o texto atribui a uma obra
natureza (os frutos da terra) e para a saúde humana. Em ambos, há a presença do novo,
mas sua produção é diferenciada quanto ao sujeito criador e o objeto da criação. Seria,
potencial criativo? Haveria uma criação essencialmente divina e outra, humana? O texto
4
O verbo para a criação divina é LIVRÓ e, para a criação humana, LITZOR (transliteração livre).
xlvii
bíblico permite inúmeras interpretações, atinentes a distintas religiões e crenças, variando
conforme diferentes períodos históricos e seus intérpretes. Assume-se aqui a versão de que
o relato bíblico permite supor um convite implícito para que o ser humano seja “parceiro
universo que o cerca, embora seja exclusividade da divindade certa qualidade de atos
criativos. A existência dos dois verbos na língua hebraica permite também supor que a
importância da criação divina é de tal magnitude que a exclusividade de um verbo para ela
quando confrontada à criação divina, pois, ainda que por meio de processos mecânicos e
confronta com a possibilidade de criar novos seres. Mesmo não sendo objeto desta tese,
cabe mencionar o ensaio recente de Habermas (2004) sobre o futuro da natureza humana,
em que este discute a questão de identidade daquilo que não tem seu surgimento definido
supercapitalista, entende o ser humano como ser criado e criador. Há um mundo criado e,
aberto (p. 201). A espiritualidade humana, para o autor, está associada à oportunidade de
conexão ontológica – não apenas moral ou intelectual – das potências humanas e divinas,
do singular ao universal (p. 206). O ser humano é, portanto, um ser criado para criar (p.
sentido da vida” (p. 207). A criatividade, para esse autor, “não é uma exigência, nem um
xlviii
direito [do ser humano]: é uma exigência que Deus dirige ao [ser humano]. [Assim,] a
entendida como parte da própria condição humana. “A criação não precisa de justificação,
ela é que justifica [o ser humano]”. Por isso, “Não se trata de um processo de objetivação:
produzir no finito, mas em ultrapassar o finito e levantar vôo em direção [ao] infinito” (p
209). Em outras palavras, sendo um chamado do Criador, uma vocação5 no sentido amplo
da palavra, apresenta-se aqui uma das inúmeras dificuldades para se definir a criatividade:
conceito.
entender o processo criativo como inerente ao ser humano em geral e dela deduzir que não
somente artistas e cientistas são criativos, como muitas vezes é entendido pelo senso
comum, mas que esse potencial é acessível a todo e qualquer ser humano. Desse
conceito de criatividade, pois se a objetivação é um ato em que se cria algo novo sem
meio da descoberta de novos significados e sentidos para uma coisa, não envolvendo a
5
A palavra vocação deriva do termo latino VOCARE, chamado, com o sentido de predestinação.
6
Em Miller et al (2001), encontra-se uma linha do tempo em que é descrita a história da abordagem da
resolução criativa de problemas, adotada em muitos centros americanos dedicados ao estudo e
desenvolvimento da criatividade, em especial o International Center for Creative Studies, em Buffalo, NY,
fazendo referência à Ruth Noller (1978), que teria cunhado este termo.
xlix
materialidade; assumindo duas existências num mesmo ser), a transcendência implica,
sim, a criação de um ser completo em sua existência, como no caso do bebê humano,
concebido a partir de células de seus pais biológicos. Para Bartoli (2008), criar é
dois aquilo que é uno, tal como Deus separou luz das trevas e as águas de cima das águas
humana pode ser visto quando na união de um casal há a instituição do outro, sendo o
geração de novas idéias, configura uma concepção platônica, que deu origem a inúmeras
teorias psicológicas. Por sua vez, a transcendência institui uma alteridade que é separada
sobre o tema.
divina, em que, por meio de uma visão interior, o ser humano se identificava com a razão
l
perdia o controle de si mesmo, passando ao domínio de um poder superior (Platão, s.d., In:
Wechsler, 1993).
Em seu texto, “A alegoria da caverna”, Platão (In: Chauí, 1997) discorre longamente sobre
o fato de que o ser humano comum está cego e vive na ignorância, tomando como real
aquilo que, em verdade, é a sombra do real. Preso a este mundo de sombras, mesmo que
lhes fosse dada a liberdade, os humanos nada veriam, pois acostumaram-se à cegueira e à
ignorância. Além disso, havia, para Platão, a presença de uma musa inspiradora, mas esta
inspiração teria fonte divina, deixando a pessoa “fora de si” no momento da criação (o
Esta é provavelmente a origem de algumas das noções presentes no senso comum acerca
criatividade. Distinguia entre as ações que têm um fim em si mesmas daquelas que têm
por finalidade a produção de uma obra e dizia que é nas atividades cujo fim é a própria
“Toda arte (téchne), toda investigação (méthodos), toda ação (práxis) e toda
escolha racional (proaíresis) tendem para algum bem (...). Mas observa-se, de fato,
li
uma certa diferença entre os fins: uns consistem nas atividades, outros em certas
obras, distintas das próprias atividades” (Aristóteles, s.d., In: Chauí, 1994, p. 234).
A práxis para ele era, portanto, superior à poíesis, em função da liberdade daquilo que tem
em si mesmo o sentido e finalidade (Chauí, 1994, p. 234). Para Aristóteles, portanto, o agir
humano abrigaria dois tipos de ação, uma voltada à produção e outra, à orientação do
sentido, mas pode-se dizer que a criatividade guardaria associação com a práxis, sendo,
Se, para Platão, a criação está nas sombras, não envolvendo compromisso com as formas,
Ostrower (1977), pelo contrário, a criatividade está associada a “dar forma” e, nesse
o princípio de especificação (espécie) e generalização (gênero) dos seres. Isto significa que
(Chauí, 1994, p. 283). As formas estão inscritas na matéria e a única existência em forma
1994, p. 283, grifos da autora). Por isso, os seres compostos de matéria e forma mudam ou
passam de uma forma a outra, desenvolvendo a forma que possuem. “Todo ser move-se ou
muda porque aspira ou deseja a imobilidade [...] Todo ser aspira à perfeição da forma pura
que não muda nunca. Todo ser aspira à identidade total consigo mesmo” (p. 284). Assim,
lii
de mudança em mudança cada ser se aproxima [...] de sua finalidade ou de sua forma
perfeita.
“A forma [...] é o real (o atual); a matéria, por ser sempre uma potência, é o possível (o
que pode ser, o que vem a ser). A cada momento, uma substância tem a realidade de sua
forma e a possibilidade de sua matéria, de forma que o que ela vier a ser, a nova forma que
ela tiver, já está presente como uma possibilidade desta substância porque é uma
possibilidade de atualização do possível e o devir pode ser conhecido, pois sua causa final
é a atualização plena das potências da forma que estão aprisionadas na matéria. O devir é
pessoa desenvolve, então, diferentes instrumentalidades para fazer uso das potências do
mundo. Em outras palavras, se, por um lado, o ser humano foi criado para completar a
das quais será possível analisar muitas das abordagens atuais acerca da criatividade. Na
liii
transcendência, matéria e forma. Devir, movimento permanente que não permite
Entretanto, para além dos (as) estudiosos (as) que associam a criatividade ao fazer divino
considera que os mesmos elementos podem constituir o novo a partir de uma atualização
do possível que altera apenas propriedades dos elementos combinados. Esses rearranjos ou
conotações para a mesma palavra ou haveria alguma distinção fundamental entre tais
prática
análise da criatividade humana, abordam-se, a seguir, outras conceituações que não dizem
respeito propriamente à sua natureza ontológica, mas fazem parte do senso comum ou são
utilizados como categoria de prática. Para além das questões metafísicas, os (as)
liv
sobrepõem, configurando um rico mosaico. Aqui será discutida a criatividade como
A partir da teoria evolucionista de Darwin, a geração do novo passou a ser explicada pela
sínteses a partir das quais os elementos passam a não mais ser reconhecíveis. O exemplo
alguns casos, mas parece constituir um novo critério, em função de sua base empírica, ou
anteriormente.
lv
acessíveis a todos os indivíduos, derivadas de rearranjos de elementos. Três autores
representam esta tendência: Margaret Boden, Howard Gardner e Todd Lubart. Boden
(1999) intitula a criatividade P quando esta tem valor para pessoa que cria, não importando
quantas outras pessoas já teriam tido a mesma idéia e criatividade H, quando, em toda a
criatividade C-maiúsculo aquela que pode ser atribuída aos grandes mestres e cientistas e a
criatividade com c-minúscula, aquela que poderia ser encontrada nas dimensões da vida
uma e outra e afirmando que ambas teriam por base o mesmo processo.
Seriam, então, tais distinções atribuíveis a uma questão de valor? Para caracterizar uma
criação como menor ou maior, eminente ou cotidiana, não é a criatividade em si que está
sendo avaliada e, sim, seu impacto social, econômico ou se seu uso cotidiano facilita a
Embora as proposições de Boden, Lubart e Gardner não tragam uma solução para o
criação, que será discutido mais adiante. No entanto, esse tipo de tratamento da questão
amplia tanto o que é criativo que permite englobar qualquer tipo de processo, o que, ao
invés de esclarecer, traz à tona mais dificuldades conceituais. É até mesmo possível que a
lvi
elementos ou objetos que não faziam parte do repertório de um determinado grupo, mas
opção de “fugir à rotina”, sem que ocorra a criação, propriamente, de algo novo. É
pequenos arranjos que enfatizam ora um, ora outro elemento pré-existente. Muito utilizada
nas ações publicitárias, a novidade em si nem sempre muda ou institui o outro, afastando-
utilização de batata. Logo, o uso de mandioquinha seria uma novidade, mas ele ainda
assim seria considerado nhoque. Aqui, o novo não é radical, mas apenas uma alteração de
ingredientes.
Numa busca de solucionar a questão, Boden (1999), além de entender o ato criativo como
lvii
se tem uma explicação convincente sobre como esta surja. Outros autores, como Aktouf
partir daí, a importância, na época atual, de uma formação geral, variada e contínua dos
novo apresenta, além do que já foi dito acima, um outro problema, quando coloca a
admitindo que as combinações novas fossem raras do ponto de vista estatístico, ainda
permanece a pergunta sobre porque um arranjo diferente é algo novo e criativo e, ainda, se
basta que as mesmas peças sejam combinadas diferentemente para gerar aquilo que é
lviii
Figura: Um cálice ou dois rostos?
(http://www6.ufrgs.br/psicoeduc/gestalt/figuras-sobre-psicologia-da-gestalt/)
Alemanha, no início do século XX. Seus estudos experimentais tinham foco na percepção,
produtivo que, segundo ele, requer uma reestruturação do problema e implica o exame do
por exemplo.
lix
Gestalt, de acordo com Koffka (1975), refere-se a uma configuração, “tem o significado
de uma entidade concreta, individual e característica, que existe como algo destacado e
que tem uma forma ou configuração como um de seus atributos” (p. 691). A relação da
fundo que também faz parte dos fundamentos que subjazem a esta teoria. Há consenso
entre os teóricos da Gestalt de que o ser humano não percebe elementos separados, mas
estabelece relações entre figura e fundo que, uma vez deslocados, podem criar novos
campo que reconhece que totalidades são mais que somatórias de partes isoladas, pois
“qualquer mudança em uma das partes afeta o sistema inteiro” (Smith, 2007, p. 3). Sob o
contexto assumem distintas conexões causais, quando percebidos como fundo ou figura.
No contexto da figura e fundo, uma “boa forma” é “aquela que persiste e tende a tornar a
acontecer” (p. 4), mas há também o conceito de “forma forte”, coerente e resistente à
desintegração “por meio de análise ou fusão de outras formas” (p. 4). Uma forma que é
tanto boa quanto forte é dita “forma fechada, em contraposição à forma aberta que tende
em direção ao fechamento ao ser completada como boa forma” (p. 4). A Gestalt, no
sentido de forma ou totalidade, “tende a ser estável”, ou seja, tende a persistir ou ocorrer
novamente caso a situação seja reinstalada ou mesmo se uma parte da Gestalt reaparecer.
organização, a forma e o caráter do objeto dependem das relações entre suas partes, fica
claro que a mudança de contexto – fundo – leva à busca da boa forma. A lei de Pragnanz,
lx
subjacente a estes mecanismos, prevê três tipos de rearranjos em direção à boa forma, a
figura e a normalização, que diz respeito a tornar a Gestalt clara e simples (Smith, 2007, p.
4). A teoria busca ainda explicar a desconstrução de um objeto, mas alerta para o fato de
que, mesmo neste caso, não se perdem de vista as dinâmicas que conectam os diferentes
que a solução do problema surge de maneira inesperada no momento em que o sujeito tem
sua atenção voltada para outros assuntos. O tema do insight é retomado por autores mais
“alguma coisa reverbera dentro da pessoa e muda toda a sua concepção do problema a ser
serendipidade, que será tratado mais adiante. É importante aqui ressaltar a presença dos
inúmeros insights cotidianos de difícil reconhecimento, seja por parte do indivíduo, seja
psiquismo humano.
Koestler (1964), um dos autores dessa mesma tendência teórica, entende o ato criativo a
lxi
em nova síntese – outra expressão para o insight, acrescentando que “o ato criativo pode
improbabilidade [...] de solução” (p. 657). Considera que a criatividade provém do fato de
estruturas de conhecimento tornam-se integradas numa só, fica difícil imaginar que antes
elas existiam separadamente [...] A síntese parece auto-evidente” (p. 658). A idéia de
Koestler de que, ao produzir uma nova síntese, não é mais possível identificar os
componentes que foram combinados é bem evidenciada nas reações químicas, como se
disse anteriormente: a água é um elemento novo, criado a partir da reação produzida entre
duas moléculas de hidrogênio e uma de oxigênio, mas, nela, não é mais possível
completamente diferentes das da água. Este autor cunhou o termo bissociação para se
contato pelo ato criativo, contrapondo-o ao pensamento associativo, que operaria entre
exemplifica com o jogo xadrez no qual a matriz é o padrão que está à frente do (a) jogador
governa a matriz pode ser descrito a partir de equações matemáticas que contém a essência
do padrão, podendo ser expresso pela palavra “diagonais”. O código é o fato fixo,
lxii
invariável no hábito ou habilidade; a matriz, seu aspecto variável. As duas palavras não se
tabuleiro de xadrez, o código é a regra do jogo que determina os movimentos que são
permitidos; a matriz é o total das possíveis escolhas. A escolha de dado movimento dentre
Uma vez que a matriz se torna completamente automatizada, o código por si só determina
qual membro deve atuar e em que ordem. Aí, a criatividade não opera. Koestler se utiliza
informando que sua estratégia é fixa e perene e já está integrada ao código. Embora a idéia
ponto de vista global, estes últimos são tão necessários ao ser humano quanto aqueles de
conceituando hábito como associações feitas dentro dos limites de uma dada matriz e
governado por códigos seletivos (p. 380). Um ato criativo envolve um código individual
que desvia das regras convencionais – uma nova maneira de bissociar meios e motivos.
lxiii
Para o autor, originalidade é o antônimo de rotina, estando a primeira vinculada a um
Quanto à adaptação humana e considerando a tensão entre a pessoa e seu meio ambiente, a
a tendência criativa da natureza humana em que a pessoa desvela seu potencial para o
campo do atual” (Smith, 2007, p. 6 e 7). Atualizar, aqui, tem o sentido de viver o aqui-e-
com a figura, seja para com o fundo, que caracterizariam a neurose. Autonomia ou auto-
determinação - expansão do organismo pela assimilação e domínio cada vez maior de seu
criá-lo diferentemente – bem como mudar a si mesmo para se encaixar nele. Assim, o
lxiv
(Latner, 2003, p. 74). Vida saudável é permeada de improvisação, composta de um ato
na civilização ocidental e pode ser considerada como extensão das idéias do Iluminismo e
que aceitar por parte das solicitações ambientais e o que preservar em sua identidade.
Como se verá no capítulo VI desta tese, esse aspecto foi identificado na pesquisa empírica
Para a Gestalt, então, este tipo de ajustamento representa um modo de ser que é capaz de
disponibilização para as figuras que emergem e envolvem a vida, a partir de uma atitude
de colocar-se a serviço da figura, vivendo numa unidade com o resto do campo. Portanto,
a partir do referencial gestáltico, pode-se afirmar que criar é mais que resolver
problemas: é também elaborar novos significados, o que condiz com estudo anterior
sobre a resiliência em que se afirmava que “a resiliência pode ser entendida como resposta
adaptação requer a reconfiguração interna, sendo consistente com autores como Baxter
lxv
(1982), mencionado no capítulo V, para quem adversidade não é ameaça; é desafio. Ou
seja, o ser humano que administra sua própria subjetividade diante das crises se renova
pelo menos três maneiras distintas de conceber a criatividade. A primeira delas refere-se a
que cria, pois, ao deixar a sua marca, sentir-se autor, o indivíduo institui uma alteridade. A
como delírio e ilusão, Aristóteles aborda a forma como elemento criador. A Gestalt
lxvi
– fundo, a instituição permanente de novos significados e o insight como expressão da
também que todos os significados do conceito até aqui estudados podem ser aplicados à
olhar em relação ao cotidiano e à rotina. Na busca de novas Gestats, pela via da adaptação
aprende novas potencialidades, abre novas possibilidades de vida e tem prazer (Lowen,
1984). O fator estético expressa uma dessas potencialidades, mas deve ser destacado neste
quer para o momento atual das organizações e dos negócios, em que, sob a forma de
design7, ganha espaço na construção dos diferenciais competitivos destas. Agrega-se outro
ontológicos e psicológicos, mas não pode prescindir de analisar o fator estético, que
representa aquilo que mobiliza uma emoção, seja esta positiva _ de aceitação _ ou
negativa _ de desprazer ou desgosto. Sabe-se que, muitas vezes, o novo desperta emoções
7
A estética não está presente somente no design; ela permeia a arquitetura, a comunicação, as peças
publicitárias, a música, e inúmeras outras atividades humanas. O design aqui se destaca em função de ser
uma das formas em que a dimensão estética se faz presente nas organizações, um universo do qual ela esteve
ausente por razões históricas que serão comentadas a seguir.
lxvii
negativas porque representa uma ruptura com aquilo que é conhecido ou está cristalizado
em dado contexto. Assim, por exemplo, Marcel Duchamp, ao expor um vaso sanitário
como obra de arte, encontrou críticos e opositores ferozes. Da mesma forma, no âmbito
das inovações sociais, uma decisão da Prefeitura de Seul, Coréia, de derrubar pontes e
viadutos a fim de recuperar um rio que cruzava a cidade despertou, ao menos inicialmente,
que são sempre criativas do ponto de vista ontológico, mas devem ser avaliadas como tal,
a partir desse parâmetro e este é o caso dos filmes, livros e demais produtos da indústria
cultural8.
Um dos autores que se dedicou ao fator estético foi Laurent Jullier (sem data), que analisa
aqui, podem ser extensivas aos demais produtos desta indústria, a saber: a) originalidade:
uma obra é original durante um determinado tempo, até que a prova contrária seja
exigências; o fundo que remonta à figura; c) ser edificante: trazer uma lição; ser exemplar,
a emoção, o único critério não cognitivo, é aquilo que provoca uma reação, um movimento
no corpo, mesmo que no campo da indignação. Uma vez que o elemento estético diz
respeito à mobilização de uma emoção, é necessário considerar que, para ser criativo, além
8
A terminologia “indústria cultural” vem sendo questionada e, em seu lugar, aplicado o conceito de
“indústria criativa” (Bendassolli et al., 2009). Optou-se por manter o termo “indústria cultural” em função de
sentido crítico proposto pelos teóricos da Escola de Frankfurt.
lxviii
de estabelecer novas combinações ou arranjos de elementos, suscite tal movimento. A
estética será definida como fenômeno que emerge neste espaço. Nicholsen (2006) entende
que a experiência estética não é restrita à arte e aos (às) artistas, mas, ao contrário, é
pervasiva a toda vida humana, uma vez que se trata de uma dimensão subjetiva da
sujeito investe valor em algo que é experimentado como externo a ele. Esse valor não é,
portanto, objetivo, pois aquilo que é um objeto idealizado de uma pessoa é, talvez, algo
vista estético, seriam “extensões das experiências estéticas [primitivas] com a mãe” (p.
151).
Mas não só harmonia e idealização comporiam a experiência estética. O autor entende que
considerações sobre trauma e destrutividade levam a uma versão kleiniana, revisitada pelo
9
Winnicott ensina que estes recebem esta denominação porque correspondem “à transição de um estado em
que o bebê está fundido com a mãe para outro em que está em relação com algo externo e separado”. A
abordagem winnicottiana será explorada em mais detalhes no capítulo III desta tese.
lxix
autor, sobre os poderes de reparação do objeto interno, que também deveriam ser
consideradas.
mais complexa ao se considerar a relação entre a criatividade e seu contexto, ou seja, seus
aspectos psico-sociais. A necessidade de referenciar o ato criativo com relação a uma dada
Reconhece-se não ser possível definir criatividade em si, e aponta-se para a necessidade de
entendê-la tendo em vista o parâmetro sócio-cultural em que esta está inserida. O ato
da pessoa criativa com seu contexto social, político e econômico. Se em alguns momentos
demandada para o avanço econômico de uma nação. Sob a ótica cultural, alguns gestos e
Retomando as bases da teoria de campo, proposta por Kurt Lewin (1994, citado por
Lubart, 2007), Lubart afirma que o ato criativo pode ser entendido a partir de uma
10
Em função do fato de que algumas destas proposições adotam a terminologia “ato criativo”, por entender
que ele representa a intersecção entre a pessoa que cria e o contexto em que a criação está inserida, este
termo será mantido na análise que se segue.
lxx
influenciam uma área, que avaliam e selecionam as novas idéias e na área, o saber cultural
que engloba as produções criativas e pode ser transmitido de uma a outra pessoa. Nesta
proposta, o indivíduo é influenciado ao mesmo tempo pelo campo e pela área e pode
criativo e a cultura o que, por um lado, revitaliza permanentemente este ato, mas, por
cultura tem uma concepção própria do ato criativo (Lubart, 2007), estabelecendo critérios
origem européia, pois esta considera a natureza tangível do ato criativo, a partir da idéia de
como um movimento linear em direção a um aspecto novo e que a origem desta concepção
é relacionada ao Gênesis, quando este descreve a criação do mundo em seis dias, pois na
dos animais, etc.). Também no Gênesis existe a noção de um início preciso – o nada – em
(2007) constatou que esta era menos ligada à elaboração de produtos novos e mais à
11
VE HAIA TOV, que poderia ser traduzido como “E foi bom”.
lxxi
autenticidade do processo de descoberta, no sentido de realização daquilo que faz parte da
estabelecimento de uma relação com o mundo original [ou de uma relação original com o
criação não é marcada por início e fim, mas por um desenrolar ou desenvolvimento de um
processo permanente e a idéia de ciclo. Lubart (2007) refere-se ao estudo sobre pintores
indianos realizado por Maduro (1976, In: Lubart, 2007), para concluir que a idéia de
novidade e originalidade está presente em todas as culturas, mas seu conceito e significado
cultura influencia o modo pelo qual o indivíduo vai procurar se diferenciar de outros
que se afastam das normas tradicionais. Lubart (2007) aponta também relações entre nível
lxxii
sua vez, a cultura oriental permite a originalidade nas esculturas de objetos seculares, mas
evitar a ativação de associações típicas” (p. 507). Entendendo a estereotipia como uma
(1999), “A criação será sempre confrontada com o sistema gerativo subjacente àquele
uma gama de possibilidades. O exemplo utilizado pela autora para explicar esta questão
é da música ocidental pós-renascentista com seu sistema tonal que, durante todo o século
XIX, teve suas dimensões harmônicas sacudidas para abrir novas possibilidades até que,
ao final deste período, uma grande transformação teve lugar: a atonalidade, com
lxxiii
Ainda sobre a influência cultural sobre a criatividade, é importante frisar as diferenças
culturas têm sido vistas como aspecto favorecedor da criatividade. Outros estudos,
ainda são escassos na literatura e, portanto, não serão aqui abordados. Vale assinalar, no
entanto, um aspecto constatado no estudo empírico realizado para efeito desta tese, a
caso estudado, o fato da família de origem ter imigrado para o Brasil propiciou o contato
atuava como “tradutora” não somente de uma língua a outra, mas também dos aspectos
a criatividade.
o elemento do valor, pois toda análise das criações é refém de escalas de preferência, dado
que os julgamentos dos atos criativos são relacionados à cultura e aos grupos sociais, que
lxxiv
No campo do valor, vale retomar a análise do Gênesis bíblico na língua hebraica no qual,
ao longo do relato da criação divina Deus avalia sua própria obra a cada dia da Criação
(Vê haia tov12). Tais palavras podem ser interpretadas a partir da sensação de completação
da obra a cada dia e de que tudo se processou conforme Sua Vontade, o que guarda
um dado critério. Isso explicaria porque algo que é criativo pode não ser reconhecido
como tal em seu próprio tempo, como no caso do compositor Antonio Vivaldi,
mencionado por Carpeaux (1958), que teve seu repertório descoberto no início do século
reconhecimento póstumo. São conhecidos seus problemas com relação a constituir família,
custear a própria subsistência ou até mesmo manter contactos sociais. Outro aspecto desta
questão é que aquilo que não agrada ao poder vigente pode padecer da mesma falta de
reconhecimento.
social (o valor), este capítulo é completado com a análise das categorizações atribuídas à
lxxv
disse anteriormente, o gesto criativo requer liberdade. Reconhecendo que, em todos os
do processo criativo não se completa sem essas tipologias apresentadas na literatura, pois
(Lubart, 2008), há autores que se aproximam da idéia de Kuhn (1962) para introduzir as
uma nova área de aplicação” e de criatividade primária, “que provoca uma mudança
fundamental na [nossa] percepção da realidade” (Ghiselin, 1963, citado por Lubart, 2007).
segunda representa uma ruptura paradigmática. Entretanto, como lembra Lubart (2007),
essa visão estreita a compreensão da criatividade, uma vez que trata como secundária “a
Uma outra categorização pode ser encontrada em Koestler (1964), que entende o ato
humor, o equilíbrio emocional. O autor lembra que as fronteiras entre estas atividades são
artificiais, uma vez que na Renascença o conceito de cidadania incluía ambas [ciência e
lxxvi
arte]. Também na atualidade, as fronteiras entre ciência, arte e tecnologia têm se revelado
mais fluidas, abrindo-se novas áreas de conhecimento e tentativas de integrar não só arte e
ciência, mas ciência e religião, com base na transdiciplinariedade (Cetrans, 2009). Conclui
o autor que não há propriamente uma tipologia, mas um continuum entre três tipos de
atividades, com uma base comum: novas sínteses realizadas pela bissociação de matrizes
Uma das primeiras teorias que buscou categorizar a criatividade foi proposta por Kirton e
dizia respeito aos estilos de criatividade. Kirton (1976) classificou dois tipos de pessoas
criativas13, o (a) adaptador (a), que prefere melhorar as coisas dentro das estruturas e
fronteiras existentes e o (a) inovador (a), que prefere fazer coisas diferentemente,
reestruturando problemas e formas. Para Kirton, estes são dois tipos distintos, pré-
Kaufmann (2004) estabelece sua contraposição à teoria de Kirton propondo uma distinção
Kirton (1988, pp. 67-68) descreve aqueles que têm preferência pela criatividade adaptativa
13
O capítulo seguinte trata especificamente da pessoa criativa. Aqui, a menção à personalidade criativa é
incluída apenas para acompanhar o raciocínio de Kaufmann.
lxxvii
da conformidade paciente (passiva) ao visionário e à quebra engenhosa de paradigmas, a
questão é o que a criatividade não é! E, dessa forma, não seria possível sequer definir o
Em sentido literal, novidade quer dizer algo que nunca aconteceu antes, o que, no sentido
estrito, pode ser associada àquilo que Boden (1994) denominou criatividade histórica ou
particularmente alta, como nos exemplos de criar um novo gênero na arte, um novo
esse conceito não é desejável, pois, segundo Kaufmann, exalta as proporções divinas e
também vai contra a idéia de graus de criatividade, idéia esta que, para ele, é significativa
problema.
Neste raciocínio, o conceito de criatividade revela sua relação com a novidade e, por isso,
criatividade ficará no topo dele _ mesmo que aí esteja envolvida uma decisão arbitrária
Kaufmann propõe uma outra categorização (p.159), que considera dois tipos de lócus da
14
A distinção entre criatividade e inteligência será apresentada no capítulo IV.
lxxviii
novidade: a) a novidade no componente da operação mental e b) a novidade no conteúdo
Se o indivíduo está diante de uma tarefa nova e se utiliza de uma solução familiar, deduz
Kaufmann que se trata da aplicação simples da inteligência. Se este, frente a uma tarefa
Unsworth (2001), por sua vez, afirma que a maioria das pesquisas pressupõe que a
do tipo de idéias, das razões que levaram à sua produção ou do ponto de partida do
final, dois problemas se apresentam: a) somente idéias que chegam ao fim do processo são
Explica, então, que os comportamentos podem ter início via escolha auto-determinada ou
lxxix
comportamento15, ao passo que, quando as ações causadas por demandas externas, o
Ela propõe, então, estabelecer quatro tipos de criatividade, a saber: responsiva, esperada,
Responsiva: O indivíduo tem o menor nível de controle sobre suas escolhas na solução de
claramente formulado. Exemplo: um (a) empregado (a) que escolhe se engajar na solução
criativa de um problema no qual ele (a) não está diretamente envolvido. É uma resposta
Proativa: Motivada por fatores internos, representa a busca ativa por problemas para
lxxx
Seja na análise de Kaufmann, seja na de Unsworth, interessa assinalar a similaridade
incluem: a) demanda para que problemas abertos sejam formulados pelo indivíduo; b)
antes mesmo da sua formulação, um dado problema deve ser identificado, prescrutando o
ambiente para encontrá-lo e, c) deve-se definir o problema de tal forma que ele possa ser
resolvido. Além disso, para Kaufmann, tanto a criatividade proativa quanto a contributiva
referencial para a análise dos dados empíricos coletados. Vale ressaltar que o parâmetro
contributiva e proativa guarda muita semelhança com a ênfase dada por Amabile à questão
cotidiana ou eminente. A todos estes sentidos, deve ser acrescentada a diferença entre sua
natureza transcendente e seu sentido imanente, pela via da objetivação que, tipicamente
pode ser identificada no teste de Torrance (1970), um dos mais utilizados em diversos
16
Sobre empreendedorismo inovador, veja o capítulo V e, para a pesquisa empírica, veja o capítulo VI.
lxxxi
A diferença entre objetivação e transcendência remete ao entendimento da criatividade
para além do produto, noção predominantemente ocidental, pois, como afirma Lubart
(2007), este não é o sentido presente nas culturas ocidentais. “O ato criador [...] precisa de
matéria e não pode dispensar a realidade do mundo, [mas] ele não pode ser inteiramente
determinado pelos materiais presentes no mundo” (Lubart, 2007, p. 210). Existe uma
liberdade inerente a todo ato criador autêntico. É uma emanação da liberdade não
a proximidade com o divino poderia explicar a concepção de Platão de que quem cria está
em um estado mental diferente do usual e se esse estado mental inabitual poderia ser a
causa das associações do ato criativo com a loucura, desmentidas pela Psicanálise, como
Capítulo III
lxxxii
lxxxiii
A pessoa criativa
análise desse problema, sabendo não ser possível esgotá-lo, buscando responder se os
Além disso, cabe enfrentar um estereótipo típico deste campo de estudos, dado que,
convívio social. A idéia de uma genialidade que torna o indivíduo alheio, solitário e
inacessível, por força de excesso de conteúdos mentais que o distanciam dos demais seres
humanos permeou o imaginário social e ainda se faz presente, como se esse tipo de
“inteligência” fosse incompatível com uma convivência cotidiana saudável. A partir das
deste pressuposto, pela afirmação da criatividade como expressão da vida saudável, força
lxxxiv
Este capítulo tem, portanto, por finalidade contribuir para a compreensão do sujeito do ato
dada à noção de causalidade pessoal (De Charms, 1968), que ajudará na compreensão dos
dados empíricos coletados, analisados no capítulo VI desta tese. Além das grandes
marcos históricos como o discurso proferido por Guilford, , nos anos 1950, que foi
lxxxv
3.1. As grandes linhas teóricas da psicologia e a criatividade
abordagens. Para discutir o ponto de vista cognitivista, foi escolhida a abordagem de Jean
Wilhelm Reich, Alexander Lowen, Hector Fiorini e David Winnicott, este último em
incluído por ter analisado especificamente o trabalho criativo, enquanto Alexander Lowen
pelo embasamento em análises procedidas por Abraham Maslow, Carl Rogers e Rollo
May.
A investigação tem início pela abordagem dos traços de personalidade, incluindo Zibarras
et al. (2008) e Kirton (1989), que entendem o fenômeno como estrutural e passa às teorias
que o entendem de forma processual, seja na dinâmica psíquica, como na psicanálise, seja
lxxxvi
Riem de mim porque sou diferente. Rio dos outros, pois são todos iguais (Bob
Marley).
“O inovador é tanto mais primitivo quanto mais culto, mais destrutivo e mais construtivo,
ocasionalmente mais louco e, entretanto, adamicamente mais são, que a pessoa mediana”
pode ter tido origem em Platão quando este afirmava que no momento da criação, o
indivíduo perdia o controle de si mesmo, ficando à mercê de forças divinas. Embora esse
estereótipo tenha perdurado por muito tempo no domínio da psicologia, ele deu lugar a
Historicamente, muitos (as) autores (as) se utilizaram da teoria dos traços para buscar
descrever o “perfil” criativo. Tal tendência foi substituída por pesquisas e estudos que
processo criativo a elas. Como se viu anteriormente, Amabile (1996) e Gardner (1996)
inovação (Zibarras et al., 2008). Para chegar a esta conclusão, os autores se utilizaram em
sua pesquisa, do inventário denominado Innovation Potential Indicator (IPI), que avalia
lxxxvii
• Motivação para mudança: motivação intrínseca para mudança, caracterizada por
relacionada à inovação.
relacionada à inovação.
Ainda na mesma pesquisa, aplicaram o Hogan Development Survey (HDS), que contém 11
ORDENADOR
contratempos.
lxxxviii
relutante frente a oportunidades por medo
outrem.
convenções.
pessoas alheia.
lxxxix
Dependente Ansioso por agradar, confiante nos outros
independentes.
ou indispor-se com elas. Embora tal relação não seja direta, é interessante refletir sobre o
fato de que esses dados podem ter grande impacto no processo seletivo de pessoas
dedicadas à inovação nas organizações. Se, como afirmam Rank et al. (2004), nenhum
da pesquisa de Zibarras et al. (2008) são cruciais para réplicas e aprofundamentos futuros.
instrumentos que, como os utilizados na pesquisa, são meios de conceber tal estrutura.
xc
personalidade humana, enfatizando que esses estilos de operação mental não são
qualquer tipo de organização, sabe-se que nas organizações em geral e, especialmente nas
7). Espera-se que as pessoas sejam metódicas, prudentes e disciplinadas, o que resulta num
personalidade adaptadora.
problema original como parte de sua resolução, [estes], invariavelmente, têm um problema
de comunicação” e, frequentemente, recebem, por parte dos outros, uma recepção cética a
suas idéias.
Um exemplo histórico é usado por Kirton em seu raciocínio sobre os dois tipos de
estelares em desacordo com os paradigmas prevalente [...]. Duas soluções eram produzidas
xci
a teoria geocêntrica convencional ao colocar o sol no centro do universo” (Kirton, 1989, p.
10). Para ele, não importa que uma delas mostrou-se correta e a outra, não, pois ambas as
formas de pensar eram brilhantes; ambas eram boas formas de pensar, mas a teoria
segundo o autor:
desencadeados pelos paradigmas atuais. solução, indo além dos paradigmas atuais.
problemas.
dissonâncias.
xcii
Confiáveis em encontrar meios para Ao perseguir suas metas, tratam os meios
São autoridades dentro das estruturas Tendem a ter controle em situações não-
existentes. estruturadas.
cautela, quando asseguradas por forte pouco respeito pelos costumes passados.
apoio.
Tendem a ter elevada dúvida sobre si Parecem ter pouca dúvida de si mesmas
autoridade; complacentes.
instituição todo o tempo, mas crises não previstas, e também para ajudar
do sistema. controladas.
xciii
continuidade na parceria. aceita.
cooperação do grupo.
Fornecem uma base segura para as Fornecem a dinâmica para trazer à tona
Como se viu anteriormente no capítulo II, as proposições de Kirton são questionadas por
adaptadoras (que são conformistas), no continuum entre o que é criativo e o que não é,
pessoa criativa.
Se, de forma geral, nos estudos acerca da personalidade criativa, constata-se a não
xciv
“A escultura está no interior da pedra. Resta apenas tirar o que sobra”
Assim como os (as) autores (as) da psicologia positiva, Fiorini (2004) identifica, nas
indivíduo] na direção destas forças” (p. 178) e pensa a criatividade como um sistema de
derivados dos outros sistemas, como nas formulações freudianas referentes aos princípios
do prazer e da realidade (p. 179). A criatividade seria, para ele, um terceiro princípio
relativas ao espaço transacional, uma vez, para este, “nos fenômenos transicionais
relações com objetos exteriores e, no enlace desses mundos emerge uma terceira zona, a
chamada zona intermediária de experiência” (Winnicott, 1991, citado por Fiorini, 2004, p.
17
Fiorini baseia sua análise nos dois princípios da psicanálise, a saber, o princípio do prazer e o princípio da
realidade e afirma que a criatividade constitui um terceiro princípio. Segundo outros autores de abordagem
psicanalítica, o ideal do ego traria à tona um terceiro princípio, o da perfeição. Não cabe aqui a discussão
deste tópico. Optou-se por acompanhar o raciocínio de Fiorini, sem entrar no mérito dessa discussão.
xcv
ordens de processos, eles acionam um sistema capaz de produzir estes efeitos a partir da
emerge numa zona intermediária entre os processos internos da pessoa e a relação com
não são coisas, são símbolos”. Ao aludir a todo objeto, inclui objetos físicos, mentais,
culturais e mesmo condutas ou representações, uma vez que o processo criativo depende
apenas de que o sujeito da criatividade localize que “ali há algo transformável por vias
O que entender por transformável passa a ser a questão. Do ponto de vista do conceito de
se reconhece mais cada um deles, discutido no capítulo anterior, envolvendo uma pessoa,
(plasticidade de relações, formas e conteúdos), [um] objeto pertence a uma ordem especial
atribuídos ao mundo real” (p. 196). Logo, “o objeto da criatividade se define por essa
xcvi
criação é algo a ser extraído das coisas, não é algo projetado nelas. Michelangelo dizia: “A
escultura está no interior da pedra. Resta apenas tirar o que sobra” (mencionado por
Fiorini, p. 197).
Além de aludir à saúde e não à patologia, o raciocínio de Fiorini remete aos processos
tolerar certa quantidade de angústia, exercendo o controle dos impulsos. Essas capacidades
voltados a transformar e produzir (p. 197). Ressalte-se que, para Fiorini, o sujeito não é a
pessoa, da mesma forma que para Archer (2000), para quem a pessoa é espaço que a
sujeito criador e a pessoa fez com que tantas vezes os movimentos próprios dos processos
criativos [sejam] vividos pelo indivíduo com estranheza, aflição, impotência ante a relação
Fiorini também entende que é na interação sujeito – objeto do processo criativo que são
xcvii
potencial, “um está em busca e outro, à espera”. As operações exploratórias visam
sinais desse momento e, por vezes, a consciência do indivíduo pode estar ocupada com
desvanecimento.
a dispersão e a seleção. Como resultado desta fase, tem-se o objeto modificado, mas,
Esta fase ou momento é, no entanto, seguida pala etapa de separações, em que o sujeito da
movimento, que ele contrapõe à repetição compulsiva, identificada pela psicanálise como
18
No capítulo VI, em que se descreve a pesquisa empírica, encontra-se referência a este estranhamento no
relato de um dos sujeitos.
xcviii
base dos processos neuróticos. A repetição é antagônica à lei deste sistema - o terceiro
movimento, a transformação.
libertação que supõe o novo e a angústia surge pelo contato com o caos ou o vazio. A
1995).
Em resposta à pergunta sobre a existência de pessoas criativas, Fiorini entende que há uma
xcix
isto é, uma relação pautada pelos parâmetros da realidade. A experiência criativa é “uma
forma básica de viver” (Kamoto, 2000) e pode ser compreendida a partir dos conceitos de
realidade interna e externa, na qual participam tanto uma quanto a outra; ele está fora do
indivíduo, mas não é o mundo externo. Em continuidade direta com a área do brincar da
criança pequena, nele tem lugar tanto o brincar da criança quanto, no ser adulto, as artes, a
Quanto ao conceito de objeto transacional, Winnicott ensina que estes recebem esta
com a mãe para outro em que está em relação com algo externo e separado” (Kamoto,
2000, p. 78). O objeto transicional “guarda consigo a possibilidade concreta de ser o ´não-
eu´ ao mesmo tempo em que verdadeiramente representa o ´eu´” (op. citada, p. 79). Para
Winnicott, existe uma evolução direta dos fenômenos transicionais para o brincar, do
fato de que a serendipidade e o acaso são abordados como aspectos marginais, embora eles
(grifos do autor), com seus pontos de decisão e suas estruturas e modelos formais (p. 136).
Este autor realça a importância do fator lúdico e aborda o brincar no processo de inovação,
c
contribuindo, assim, para ampliar a compreensão das relações entre criatividade e
imaginação. Ao referir-se ao trabalho do [a] escritor [a], Freud entende que, “da mesma
maneira que a criança durante o jogo comporta-se como um [a] escritor [a] criativo [a],
maneira, o [a] escritor [a] criativo [a] [adulto] [a] comporta-se de forma semelhante,
outros. A frustração na busca da gratidão sexual seria, então, o motor para a realização
destes no plano da fantasia, abrindo espaço, assim, para a criação, entendida como
satisfação substitutiva dos impulsos sexuais primários, no plano coletivo ela seria o motor
ideológico.
ci
Outros autores de linha psicanalítica, como Kubie (1976, In: Alencar, 1993) acreditam que
é o processo de associação livre que está na base da criatividade, pois este “liberta o
noção popular de que a criatividade está associada à loucura. A tal respeito, Freud afirma
o artista sabe encontrar o caminho de volta daquela e mais uma vez conseguir um firme
apoio na realidade. Suas criações, obras de arte, eram satisfações imaginárias de desejos
inconsciente, da mesma forma que os sonhos [...]. Mas diferiam dos produtos a-sociais,
impulsos inconscientes repletos de desejos também nelas” (Freud, 1908 / 1976, p. 79).
de forma consciente, na criação. Além disso, cabe notar que, ao associar a criação à
imaginação aplicada.
cii
Dois outros autores de origem psicanalítica, Alexander Lowen (1984) e Wilhelm Reich
morte.
criatividade
Reich (1977) faz menção à criatividade quando distingue o trabalho criativo do trabalho
reativo. Para ele, somente o trabalho criativo é fator de satisfação, uma vez que nele a
energia biológica oscila livremente entre o trabalho e a atividade sexual; estas não se
opõem, ou seja, o trabalho não serve à repressão da necessidade sexual, nem há tampouco
na atividade produtiva; têm, então, que ser reprimidas e, assim, criam mecanismos
neuróticos que, por sua vez, diminuem ainda mais a capacidade de trabalho. A diminuição
desse rendimento, por sua vez, carrega os impulsos sexuais de sentimentos de culpa,
neuróticas de grandeza.
ciii
A contribuição de Reich também se estende à hipótese da possibilidade de um equilíbrio
global do ser humano quando afirma que “O amor, o trabalho e o conhecimento são as
[este] começa com um faz-de-conta, isto é, uma suspensão da percepção da realidade para
Para Lowen, “o prazer e a criatividade estão relacionados dialeticamente. Sem prazer, não
há criatividade e, na ausência de uma atitude criativa diante da vida, não há prazer. Essa
dialética surge do fato de ambos serem aspectos positivos da vida. A pessoa viva é
sensível e criativa” (p. 27). Lowen estabelece a relação entre a criatividade e o instinto de
19
A afirmação é encontrada na obra “A Função do Orgasmo”, cuja primeira edição foi publicada em 1942.
Vale ressaltar uma controvérsia quanto à tradução da frase em questão, pois na edição de 1945 da “A
Revolução Sexual”, do mesmo autor, encontramos a frase: “Amor, trabalho e saber são as fontes de nossa
existência. Deverão também regê-la”. (A Revolução Sexual, Zahar Editores, RJ, 1977). A diferença
semântica entre as duas versões ao português é sensível, uma vez que o futuro do presente indica ação futura
e o futuro do pretérito indica ação que poderá não se efetivar no tempo futuro, pois depende de algo no
passado ou no presente que condiciona sua realização. Como não se teve acesso à versão alemã do texto,
utilizou-se a tradução mencionada acima.
civ
Para Reich e Lowen, a pessoa criativa é produto de estruturas e processos que viabilizam a
ação institntual. A diferença entre a abordagem de Freud e de Reich é que este último
inteligência, o autor destaca que esta não é uma cópia da realidade, uma vez que não está
representada nos objetos: é uma construção do sujeito que enriquece os objetos externos.
Em seu estudo sobre o possível e o necessário, sugere também que “o possível cognitivo é,
essencialmente, invenção e criação” (1985, p. 8). Para ele, todo indivíduo encontra-se de
o real, e o sistema de procedimento, em mobilidade contínua, que serve para “ter êxito”,
cv
utilização dos esquemas de procedimento que a ele conduziram; daí a complementaridade
Nessa análise dos possíveis e necessários com relação ao real, diz ainda que “para
interpretar a gênese dos possíveis, é preciso assinalar o papel das limitações das quais o
sujeito deve libertar-se, que se prendem a uma indiferenciação inicial entre o real, o
inicialmente ao sujeito, não apenas como sendo o que é, mas ainda como devendo
crianças pois as encontramos em todas as etapas da história das ciências”. Disso resulta
que, para atingir novos possíveis, não é suficiente imaginar processos que visem a um
objetivo qualquer (com otimização ou redução a uma busca de variações), pois resta
compensar essa forma efetiva ou virtual de perturbação que é a resistência do real quando
anteriormente estudada (Barlach, 2005), envolve superar-se para além dos limites, que
parece paralela à do possível. De um modo geral, pode-se imaginar uma grande lei de
evolução englobando o real, o possível e o necessário, [...], com três períodos em suas
cvi
necessário ultrapassaria as coordenações locais, gerando as composições operatórias,
das três modalidades em um sistema total de modo que o real aparece ao sujeito como um
conjunto de atualizações entre os possíveis. Mas o real é, por outro lado, subrdinado aos
realidade, uma vez que nem a inteligência nem a criatividade estão representadas nos
para Piaget, esse é um dado invariante, uma vez que não existe uma realidade em si – o
subjacente a todos os tipos de criatividade. “Nesse enquadre, uma conduta criativa será
se acomoda formulando uma nova representação” (Nolley, 1999 In: Lubart, 2007, p. 127).
criativa para ele há dinâmicas cognitivas processuais passíveis de serem acionadas que
cvii
3.5. A psicologia humanista e a elaboração individual
Rogers (1959), que elabora sua teoria apoiado em sua experiência clínica como terapeuta,
define o processo criativo como a emergência de um novo produto relacional que surge da
circunstâncias de sua vida, por outro. Segundo ele, as condições que facilitariam a
Abraham Maslow, outro representante desta tendência teórica, discute a relação entre a
criatividade e a saúde mental. Para ele, embora alguns dos maiores talentos da humanidade
não fossem pessoas sadias (o autor cita os casos de Wagner, Van Gogh, dentre outros),
não eram poetas, intelectuais ou inventores, mas eram criativos no cotidiano. Maslow
incluir pessoas, atividades, processos e atitudes. Para ele, nem todo pintor, poeta ou
cviii
compositor é criativo. Isso não é uma prerrogativa de algum tipo de profissional. Dentre os
sujeitos estudados por Maslow havia donas de casa e pessoas que não eram proeminentes
uma tendência a fazer qualquer coisa criativamente, eram pessoas abertas para a
experiência20, que não viviam somente no plano mental, mas mostravam-se capazes de
estar na experiência. São sujeitos mais espontâneos e expressivos que a média, mais
funcionamento” (p. 170), sem estereótipos ou clichês. Como todos os sujeitos estudados
por ele eram adultos, mas guardavam uma ingenuidade infantil, ele categoriza este
componente como uma “segunda ingenuidade” (Maslow, 1967, p. 170). Não ter medo do
desconhecido, gostar do que é misterioso ou intrigante, não ter apego àquilo que é familiar
Todos nascem com o potencial criativo assim descrito, mas este pode ser inibido quando a
pessoa é enculturada (p. 171). Ou seja, o processo de adaptação social pode trazer consigo
a inibição da vida criativa. Nas palavras do autor: “Ajustar-se bem ao mundo da realidade
significa uma divisão da pessoa. Significa que a pessoa volta as costas a muito de si
mesma porque é perigoso. Mas [...], assim fazendo, ela também perde muito, visto que
essas mesmas profundidades também são a fonte de todas as suas alegrias, de sua
capacidade lúdica, de sua capacidade para amar, rir e, mais importante que tudo, [...], de
sua capacidade criadora. Ao proteger-se contra o seu inferno íntimo, a pessoa também se
separa do céu que tem dentro de si. No caso extremo, [tem-se] a pessoa obsessiva, tensa,
rígida, hirta, controlada, cautelosa, que não pode rir nem jogar ou amar, ou ser confiante,
cix
Em síntese, a criatividade individualizante sublinha a personalidade e não suas realizações
mas assinala a influência ambiental; conclui que tudo isso se expressa na vida criadora, na
potencial humano para a criação e para a auto-realização que, uma vez presentes,
completo e aceitação da própria natureza, todos estes são elementos que caracterizariam a
mais elevada motivação humana, a criatividade auto-realizadora. Para ele, pessoas que
realizam o potencial criativo podem não ser brilhantes em uma área específica nem
necessitam sê-lo, pois o que importa neste processo é “tornar-se aquilo que se é capaz de
dinheiro (Maslow, 1971; Neilson, 2008, manuscrito); tendem, também, a não temer e, por
21
A associação da criatividade à saúde mental e não à doença indica uma transformação na visão dominante
até então, fundada em Platão, para quem a pessoa que cria estaria dominada por forças sobrenaturais (mesmo
que divinas) e, assim, distante de sua consciência e próxima da insanidade.
cx
vezes, a serem atraídos, pelo mistério, pelos problemas não resolvidos, pelo desconhecido
e pelo desafio.
missão (ou vocação, destino, apelo), como um conhecimento mais completo e a aceitação
da própria natureza intrínseca da pessoa, como uma tendência incessante para a unidade, a
vazios que devem ser preenchidos de fora por outros seres humanos que não sejam o
próprio sujeito” (grifos do autor), o mesmo não ocorre com a tendência ao crescimento,
definido como os vários processos que levam a pessoa no sentido de sua individuação.
base para o comportamento empreendedor, objeto do estudo empírico realizado para efeito
desta tese. Ela é suscitada por situações envolvendo padrões de excelência, seja na
cultura em que o indivíduo está imerso ou por meio de modelos ou parâmetros dos pais
incluem competição com esses padrões de excelência. Tal competição pode ser do
indivíduo consigo próprio ou com algo externo que diga respeito aos padrões de
excelência.
cxi
Também em McClelland é importante ressaltar que, com as mudanças no trabalho humano
Maslow e McClelland não respondem à questão da pessoa criativa, mas agregam à sua
análise a presença de impulsos que podem ser mobilizados por outras estruturas, sem,
Para além das grandes narrativas da psicologia, há também a própria história desse campo
referindo aos indivíduos que criam. A maioria dos (as) autores (as) que serão apresentados
distinção entre criatividade e inteligência, temas que vinham sendo tratados como um só
até então. Guilford introduziu a idéia de que a inteligência deveria ser caracterizada por
cxii
produção convergente e divergente (Guilford, 1950). Estas dimensões foram apresentadas
por ele por meio de um modelo cúbico tridimensional que possibilitava compreender a
dos modos operantes das operações mentais. Esse aspecto foi analisado quando da
descrição das etapas do processo criativo que permeiam a distinção entre criatividade e
inovação.
respostas certas para as questões propostas pelos (as) educadores (as) ao invés da
proposição de problemas e desafios para que os (as) educandos (as) buscassem soluções
para as questões.
para a conformidade e para a satisfação de padrões em que “as inclinações pessoais não
são bem vistas” (p. 447). Para ele, ensinar a pensar implica, necessariamente, em
Vale notar, ainda neste mesmo discurso, a afirmação de que haveria uma certa
ingenuidade em pensar que as pessoas criativas são dotadas de certas qualidades que
outras não possuem (p. 446). Segundo ele, todos os indivíduos possuem em algum grau
cxiii
Estudos realizados na época com cientistas e inventores constaram que as pessoas criativas
formular perguntas; b) fluência, medida pela quantidade de idéias por unidade de tempo;
Já nos primórdios dos estudos sobre a criatividade fica claro que “o inventor é aquele que
não leva muito a sério a educação” (Kettering, in: Guilford, 1950), confirmando inúmeras
biografias de laureados com o prêmio Nobel compiladas por Larsson (2005) e a idéia de
que a educação formal pouco tem a ver com a criatividade, possibilitando a hipótese de
que indivíduos altamente criativos podem ser até mal avaliados na educação formal, como
As idéias de Guilford foram seguidas por diversos autores, que, de uma forma ou de outra,
proposições de Osborn, Bono, Torrance e Amabile. Embora não incluído nesta tese, Gilles
Deleuze também foi estudado em função de sua análise sobre a diferença e a repetição,
temas correlatos à criatividade. Note-se que a ordem cronológica foi adotada como
critério de exposição.
22
Albert Einstein afirma: “A imaginação é mais importante que o conhecimento” (1994).
cxiv
Se o discurso de Guilford teve lugar no ano de 1950, logo em seguida23 Alex Osborn
publicou um livro que até o presente ainda é referência do ponto de vista teórico:
Para Osborn, todos os seres humanos possuem faculdade imaginativa e, portanto, mais do
que buscar desenvolvê-la via exercício, o autor propõe técnicas para fazer uso mais
produtivo das faculdades inatas que já se possui. Considera que a imaginação é base da
Osborn guarda consistência com a de David McClelland (1961) que, tendo estudado as
avaliação das melhores idéias será etapa posterior do processo de criação, sob pena de
comprometê-lo com a crítica precoce. A técnica vem sendo amplamente utilizada desde a
sua criação e dados do próprio autor revelam que, já em 1965, era possível identificar
23
A primeira edição do livro de Osborn foi publicada em 1953.
24
O tema do empreendedorismo e sua relação com a criatividade é tratado no capítulo IV.
cxv
brainstorming. Em 1967, Osborn foi o fundador da Fundação para a Educação Criativa,
entidade cujo objetivo seria capacitar pessoas, grupos e instituições para a solução criativa
de problemas.
instrumentos de medida da criatividade. O teste que leva seu nome propõe-se a mensurar o
Como crítico dos testes de QI usados até então para mensurar a inteligência, para ele
também, embora uma certa quantidade de inteligência seja necessária para a atividade
criativa, ela, por si só, não é condição suficiente para seu surgimento.
Edward Bono (1933 - ) cunhou o termo pensamento lateral e a idéia de que é possível
“pensar fora da caixa25”. Para o autor, o pensamento lateral guarda relação intrínseca com
pelo lateral. Também para este autor, a educação enfatiza quase que exclusivamente o
cxvi
desenvolvimento – limitado - da mente apenas como sistema memorístico. Um dos
atual e o aparente desprezo pelo irrelevante, inútil e tudo aquilo que não produza
Uma compilação das teorias que marcaram a história deste campo do conhecimento
como uma categoria do funcionamento mental com uma limitada sobreposição com a
inteligência, seja nos processos aí envolvidos, seja quanto às características dos indivíduos
que as exibem. A síntese de Golver et al. (1989) incorpora os estudos de Amabile (1996),
qual as influências do indivíduo e do ambiente em que está inserido são entendidas como
com as condições exteriores de maneira a produzir não um determinado efeito, mas, sim,
(Glover et al., 1989, p. 26). Em Amabile (In: Glover et al., 1989; 1996), encontram-se as
cxvii
a situação (p. 3). A autora enfatiza a relação entre criatividade e motivação intrínseca,
organizações.
De acordo com Amabile (1996), por muitos anos os estudos e pesquisas sobre criatividade
produção criativa (p. 5). Destes, segundo a autora, cabe mencionar os que buscaram
comparar o efeito de salas de aula tradicionais versus salas abertas (Klein, 1975, citado por
Amabile, 1996, p. 5), bem como o estudo de Torrance et al. (1960, citado por Amabile,
1996, p. 5) que buscava analisar a produção criativa em salas de aula de grandes cidades
excluindo as situações criativas, atribuindo aos fatores genéticos mais importância que aos
ambientais ou à aprendizagem (p. 5). Tendo como base biografias ou autobiografias, tais
Gardner (1996), a autora apresenta alguns exemplos dos aspectos ambientais significativos
Amabile analisa a importância do tipo de escola freqüentado por Albert Einstein ao longo
característica do grande cientista encontrou terreno fértil para se expressar quando, tendo
Alemanha para a Suíça e adentrou uma escola de orientação humanista após ter fracassado
nos exames de acesso a outra escola. “Essa atmosfera social encaixou-se idealmente com o
cxviii
estilo independente de pensar e trabalhar de Einstein” (Amabile, 1996, p. 7). Um contexto
liberal sem excessiva autoridade externa foram os aspectos destacados por Amabile na
cineasta Woody Allen que afirma gostar de atuar como comediante e escritor, mas tem
reservas com relação ao processo de filmagem em função de que outras pessoas detém o
poder sobre alguns aspectos deste, não possibilitando a ele o domínio pleno dos resultados.
encontradas em uma das entrevistas realizadas para efeito desta tese, conforme se verá no
indústria criativa26.
detrimental” (p. 15). A contraposição entre os dois tipos de motivação é a base de toda a
estrutura de raciocínio da autora. Estar motivado (a) por si mesmo (a) para fazer algum
intrínseca fornecida por Amabile (1996). E, quando a autora afirma que são pessoas
esta idéia ao brincar, como se viu em Winnicott ou aos estudos sobre o elemento lúdico
presente na criatividade (Huizinga, 1996; Lewis, 1996; Rothenberg, 1996). Ambientes que
cxix
expectativas quanto à avaliação deste, entre outros, são obstáculos à criatividade. Mas,
lembra a autora, estas hipóteses se aplicam somente às tarefas heurísticas, em que não há
um caminho claro e linear em direção a uma solução. Efeitos opostos podem ser esperados
Antes de concluir esta revisão histórica, menciona-se o estudo de Rank et al. (2004) que
stakeholders na organização sobre o valor de suas idéias. O afeto positivo facilita solução
criativa de problemas; o afeto negativo (tal como raiva) facilita inovação em resposta às
organizações pode levar à criatividade enquanto outras demandas (alta pressão de tempo
idéias que à sua implementação, uma vez que os seguidores deste tipo de líder podem
cxx
aderir à visão do líder ao invés de perseguir sua própria idéia, o que restringe a autonomia
Os mesmos autores (Rank et al, 2004) resumem as fases do processo, destacando que os
comportamento verbal, que podem ser cruciais para a tradução de idéias em inovações
implementadas.
persistência, tais como ir substancialmente além dos conteúdos prescritos pelo trabalho
iniciativa pode predizer inovação e pode moderar a relação entre criatividade e inovação
de forma que idéias são mais provavelmente implementáveis se a iniciativa for alta. O
cxxi
comportamento verbal (comunicação da idéia); a iniciativa pode ainda modificar a relação
numerosos (a) engenheiros (a) e outros (as) profissionais alocados (as) ao largo do globo e
os valores culturais influenciam criatividade e inovação (Hofstede, 2001, In: Rank et al,
presente tese.
normais e dentro de certos limites, escolhe agir do jeito que age. Pergunta-se, por
exemplo: Porque uma certa pessoa se comportou deste jeito? O que a levou a escolher
fazer isso? Duas são as interpretações utilizadas pelo senso comum: a) assumir que o
indivíduo é uma pessoa que controla seu próprio comportamento, ou seja, que o
cxxii
comportamento. O problema, segundo De Charms, com a noção leiga, é que ela pode
explicar qualquer coisa depois que esta aconteceu dizendo que a “mente” causou o
isso remete aos debates prevalentes no século 19 sobre a problemática da relação mente –
humanos acreditam ser eles mesmos a “causa” de suas ações e atitudes, esta crença afeta
seu comportamento. Mas o conceito de causa supõe que um objeto qualquer seja
normalmente estacionário e que alguma fonte de energia externa seja impingida sobre ele.
Assume-se que a) o estado normal dos objetos físicos seja o equilíbrio estático; b) a causa
da mudança do estado normal seja uma fonte de energia; c) a causa é externa ao objeto no
como sujeito, causa pessoal de seu próprio comportamento, que tem intenções e que as
carrega dentro das fronteiras de suas limitações físicas (De Charms, 1968, p. 12). O autor
Em sua análise, De Charms critica a visão de McClelland e outros, que assumiram que os
estímulos positivos são buscados e os negativos, evitados sempre que possível pois isso
não explicaria, por exemplo, o comportamento de brincar da criança, que pode estar
presente mesmo quando condições de fome, dor ou medo intenso também estão. A
cxxiii
tese de De Charms coloca-se para além da visão hedonista - buscar o prazer e evitar a dor.
Diz ele que, se, em Freud, a idéia de princípio do prazer representa um “hedonismo do
A noção de causa é complexa. Nas palavras do autor: “Dizer que o copo quebrou porque
uma pedra o atingiu é bastante diferente de dizer que o copo quebrou quando uma pedra o
atingiu porque ele era frágil” (p. 58). Muitas vezes assume-se que um componente do
Charms critica a teoria de McClelland dizendo que este entende o afeto como fator de
Se o sistema nervoso é um aparato com a função de se livrar dos estímulos que o alcançam
estimulação, mudar o mundo externo para satisfazer a fonte interna de estímulo (p. 81) é a
cxxiv
situações nas quais os dois fatores estejam em oposição. Entretanto, de forma
causalidade pessoal (De Charms, 1968, p. 337) “Para a pessoa sentir fortemente que ela é
a origem de seu próprio comportamento, ela deve também sentir que dependia dela agir de
refém do destino, por exemplo (p. 343). Sua hipótese é de que, ao trabalhar como uma
Para o autor, a pessoa tem tendência predominante para um ou outro estado, ou seja, esse
empírica realizada para efeito desta tese, uma vez que ele ajuda a compreender o
intenção de produzir uma mudança em seu ambiente com objetivo de promover a auto-
realização.
cxxv
3.8. A psicologia da criatividade
tudo, que o conceito de criatividade e o estudo da pessoa criativa é tão complexo que é
necessário abranger aspectos abordados por diferentes autores (as) dentre as grandes
narrativas da psicologia.
Ao dizer que a criatividade refere-se à produção de idéias novas e potencialmente úteis por
um indivíduo ou pequeno grupo de indivíduos trabalhando juntos (Amabile et al., 1996 In:
pois nela [organização] tem lugar o trabalho individual e coletivo. No entanto, qualquer
por Rogers (1959). Este clima permitiria a presença do elemento lúdico, no entendimento
de Winnicott (1975).
cxxvi
proposto por De Bono (1990) e pode também ser associado à visão da Gestalt sobre “boa
forma” (Latner, 2003). A distinção proposta por Piaget entre o necessário e o possível na
Com relação ao tempo, cumpre destacar sua importância para qualquer processo voltado
ao desenvolvimento criativo. O tempo para criar deve ser visto como um tempo especial, a
vezes, quando o (s) indivíduo (s) não está buscando a solução do problema.
implica não só num tempo distinto daquele em que se está procurando a solução para um
em que a questão tem foco. Assim, cultivar ou dedicar-se a temas que não estão
diretamente ligados à questão principal pode ser uma importante forma de promover ou
cxxvii
de um tempo especial e do cultivo de assuntos aparentemente inúteis – do ponto de vista
do problema.
May (1975) explica este processo afirmando que a intuição ocorre no momento de
transição entre o trabalho e o repouso (p. 61) ou de relaxamento da tensão (p. 62). Alternar
trabalho e descanso pode ser, então, uma importante via de acesso à intuição criativa. Mas,
mesmo neste raciocínio, cabe entender o significado de descanso que não necessariamente
precisa ser visto como repouso físico, podendo comportar momentos de substituição do
foco de atividade.
motivação para a auto-realização (McClelland et al., 1953). A pessoa com elevado grau de
controle interno que possibilita administrar o ambiente para realizar seus projetos. Como
cxxviii
De todas as análises se deduz que os (as) diferentes autores (as) se impõem à
consideração, não havendo uma resposta única ao problema da pessoa criativa, mas, sim,
cxxix
Capítulo IV
cxxx
A necessidade de diferenciação de conceitos
serviços ou de processos.
como, por exemplo, “a capacidade de realizar uma produção que seja ao mesmo tempo
idéias novas e úteis por um indivíduo ou pequeno grupo de indivíduos trabalhando juntos”
temas que guardam estreita associação com aquela, em função do utilitarismo aí presente.
forma parcial, o mesmo se aplica à invenção. A tensão entre a criação e seu potencial
“mercado” será o eixo mestre desta discussão, pois é este o fator que estabelece a fronteira
entre eles.
cxxxi
Assume-se, neste estudo, que para que a criatividade se transforme em inovação, é
gênese dos empreendimentos inovadores. Para esta análise, far-se-á necessário retomar a
Pretende-se, portanto, diferenciar esses dois conceitos, com base na tensão entre criação e
mercado.
cxxxii
4.1. Criatividade, inteligência e sabedoria
Embora não seja o objetivo do presente estudo, cabe distinguir inicialmente a criatividade
da inteligência, conceitos que, por muitos anos, foram tratados como irmãos pela
inclusão e valorização desta temática na psicologia, foi seguido, muitos anos depois, por
isso, Sternberg (2003) ironiza o fato de que “inteligência é aquilo que os testes medem” e,
se tal observação é jocosa, seus efeitos são sérios e importantes, pois, segundo o mesmo
autor, uma indústria de testes de bilhões de dólares determina o que as crianças devem
essencial da inteligência possa estar distorcida a partir desta mesma indústria. Sternberg
baseados em papel e lápis, pois, para além das habilidades analíticas e quantitativas,
manuais amplos sobre o assunto, Sternberg (1999) dedica-se a inúmeros aspectos do tema
cxxxiii
como a habilidade de atingir os objetivos individuais na vida, dentro de determinado
que [têm] os talentos para [atingir seus objetivos] na vida podem ser rotulados como não-
inteligentes, ao mesmo tempo em que alguns dos que são rotulados como inteligentes
podem ser menos dotados destes talentos” (Sternberg, 2005, p. 183, grifos do autor). Além
disso, segundo Sternberg, pode-se possuir habilidades criativas, porém ser incapaz de
ambiente e aprender com a experiência” (p. 183), mas o próprio autor levanta a ressalva:
“Entretanto, na vida, adaptação não é suficiente” (p. 190). Espera-se que o indivíduo não
só se adapte a um dado ambiente, mas seja capaz de tornar [esse ambiente] melhor,
potencial, ou seja, uma habilidade criativa. Note-se que tal definição guarda muitas
Para Sternberg, podem existir pessoas inteligentes e criativas, porém tolas, o que pode
suceder por cinco razões, a saber: a) otimismo não realista, acreditando ser tão espertas
que tudo o que empreenderem “dará certo”; b) egocentrismo, agindo e pensando como se
cxxxiv
invulnerabilidade, considerado que escaparão ilesos (as) de qualquer situação e que são
sabedoria, pois esta última incorpora os elementos éticos da relação do indivíduo consigo
conformista.
por Guilford, ainda no ano de 1950: para ele, a criatividade não é um aspecto intelectual
deste fato são cruciais para sua mensuração, uma vez que os testes de inteligência medem
fatores intelectuais.
Um primeiro aspecto a ser discutido diz respeito às inúmeras formas criativas que não
guardam relação com o utilitarismo. Koestler (1964) aponta para um tripé composto pelo
humor, descoberta e arte e conclui que, se o humor faz parte deste tripé criativo e não tem
função aparente a não ser a de “prover um relaxamento temporário das pressões utilitárias”
(p. 31), não seria sustentável a hipótese do utilitarismo associado à criação. No caso do
humor, é difícil atribuir-lhe valor de uso ou de troca, como na concepção clássica do valor.
Embora possa haver sobreposições entre os dois conceitos, este caso ilustra que nem
sempre o que é útil ganha sentido utilitário. A discussão remete aos conceitos de valor de
cxxxv
Pelas categorias de análise propostas por Marx, pode-se entender a criatividade humana
como geradora de valor de uso e a inovação, de valor de troca. Desta forma, embora nem
todo ato criativo gere uma inovação, toda inovação pressupõe um ato criativo ou, em
outras palavras, o valor de uso sempre estará presente, mas o valor de troca dependerá da
No entanto, autores como Georgsdottir & Getz (2004) afirmam que a conceituação de
implementação de idéias serão relevados e a questão será tratada como inovação e, embora
não muito esclarecedora, essa é, de fato, uma maneira de entender o problema que
conceituar a criatividade. Desde a época de Ribot ([1906], 1973) entende-se que “em sua
forma completa, a criatividade torna-se objetivada não só para a pessoa que cria, mas para
todos que a cercam” (p. 11), dificultando, assim, a diferenciação entre os dois conceitos,
27
Baudrillard adiciona outros valores aos propostos por Marx, entendendo que a modernidade trouxe
consigo a economia simbólica e este tema será abordado no capítulo V desta tese, ampliando esta visão.
cxxxvi
esfera de atividade humana, das artes à educação, dos negócios à vida cotidiana”. Para ela,
as idéias criativas são novas – diferentes do que havia antes – mas não podem ser
(In: Pichard, 2002, p. 269). E continua: “Criatividade é o primeiro passo para a inovação,
que é a implementação bem sucedida dessas idéias novas e apropriadas” (op. citada, p.
269). Também aqui se pode observar que, na ênfase ideacional associada à criatividade, a
autora também está alinhada ao platonismo e à objetivação, mas essa abordagem tem o
mérito de resguardar uma certa distância com relação ao utilitarismo ao afirmar a utilidade
Já para West (2002), “a criatividade ocorre nos estágios iniciais dos processos de inovação
opostos em cada um desses estágios, a saber, “as demandas externas às equipes inibem a
implementação da inovação” (p. 356). Este assunto será melhor desenvolvido no capítulo
organizacional, mas cabe ressaltar aqui que a visão predominante na literatura entende a
cxxxvii
Sublinhando as diferenças entre criatividade e inovação, Haner (2005) aborda o desenho
projetos inovadores. Para este autor, tanto a criatividade quanto a inovação têm fases com
análise objeto desta tese. Para eles, a mudança organizacional envolve a transição de um
estado corrente para um estado futuro desejado e há três processos psicológicos que
facilitam tais transformações: a criatividade, a inovação e a iniciativa. Para eles, nem todas
organizacionais é mudança” (West & Farr, 1990, p. 11). Inovação diz respeito não
de trabalho (West & Anderson, 1996). Concordando com Amabile (1996), esses autores
afirmam que criatividade refere-se à produção de novas e úteis idéias por um indivíduo ou
28
O termo inglês fuzzy-front-end foi aqui traduzido livremente, de forma a manter o sentido original do
texto.
cxxxviii
pequeno grupo de indivíduos trabalhando juntos enquanto inovação é definida como
que as organizações hoje buscam recrutar pessoas criativas e, para mantê-las e estimulá-
las, “há textos que resumem como os [as] gerentes deveriam tentar desenvolver um clima
intrínseca – uma das questões-chave para a criatividade - e que a gestão deveria prover
Para autores, como Vehar (2008), que preconizam a necessidade de maior rigor na
requer a existência de equipes ou times que possam fazê-la acontecer”. Nas palavras do
autor, “A criatividade é uma condição necessária, mas não suficiente para a inovação”
cxxxix
(Vehar, 2008), uma vez que, na inovação está implicada uma relação com uma
em que ela está inserida; trata-se de um processo que só termina com a introdução desta no
mercado ou, segundo outros autores, pela criação de uma nova realidade social (Smulders,
Em resumo, conforme se viu até aqui, a criatividade está na base de qualquer processo de
inovação; ela é condição necessária, mas não suficiente para que a inovação ocorra. A
partir das questões propostas por Vehar, é possível constatar que entre a criatividade e a
idéias.
literatura, embora nem sempre a criatividade leve à inovação. Ressalte-se, porém, que,
quando do estudo da criatividade, o fator inovação não estava presente, alicerçando a idéia
transitivo.
A existência de tensões entre o universo da criação e sua apropriação pelo “mercado” (ou
público) é constante ao longo da história humana. Um dos fatores que explica esse
processo diz respeito ao advento do sistema capitalista, que separou o produtor de seu
cxl
produto (Marx, [1867], 1980). Criar para o mercado – ou para o público “consumidor” tem
sido objeto de críticas por parte daqueles que defendem que a arte, por exemplo, deve se
caberia perguntar se a afirmação “criar para o mercado” não deveria ser substituída pela
expressão “inovar para o mercado”, uma vez que não há vinculação necessária entre a
Benjamin (1936 / 2000), ao analisar o processo histórico que levou à reprodução técnica
situações”. (p.4)
exemplar único que se oferece num aqui e agora irrepetível, sua qualidade de eternidade e
sua participação numa tradição que lhe dá sentido” (Chauí, 1997, p. 320). Benjamin
cxli
refere-se à aura no sentido em que esta derivava da inserção de uma obra no contexto da
tradição, parte integrante dos cultos e rituais religiosos. A arte se separou dos rituais para
distinguiu das artes mecânicas, cuja finalidade era o útil. A partir de então, o belo ficava
reservado às belas artes e a utilidade, às artes mecânicas, acarretando uma separação entre
técnica (o útil) e arte (o belo) e levando a imagem da arte a assumir o caráter de “ação
tradição ou da ciência, o artista é visto como dotado de inspiração”. (Chauí, 1997, p. 318,
grifos da autora).
na passagem da criação à inovação, uma vez que a aplicação de uma descoberta, por
exemplo, implica outros objetivos que não a criação em si, podendo esta aplicação ser
A relação arte – mercado assumiu várias colorações ao longo da história. Tome-se, por
encomenda de nobres e, em muitos momentos de sua vida, dependia destes pedidos para
sua sobrevivência. Também Michelangelo pintou e entalhou o teto da capela Sixtina por
encomenda do Papa Júlio II. A criação por encomenda, pelo patrocínio de mecenas, foi
curadorias para eventos culturais ou o patrocínio das pesquisas científicas por instituições
ou organizações poderia ser entendida como uma nova configuração das velhas práticas
dos mecenas e importa ressaltar que subsistem inúmeras atividades humanas que são
cxlii
promovidas quase que exclusivamente sob encomenda ou sustentadas por meio de
costura.
desconhecido que não encomendou a obra, como era o costume até então, fazendo-o, em
1760, a convite da primeira empresa destinada a organizar concertos públicos não restritos
a partir de então, ficam sujeitos à avaliação mais ampla. Beethoven é também o primeiro a
Para além desta questão – encomenda ou patrocínio das obras versus liberdade do artista -,
uma outra emerge: embora grandes artistas como Mozart ou Michelangelo tenham vivido
cercados por demandas utilitaristas, criando obras por encomenda, suas criações,
inovadoras, não parecem ter perdido a aura mencionada na análise de Walter Benjamin.
A criatividade, então, pode ser considerada, até certo ponto, um processo autônomo que
vai se beneficiar, ou não, da tensão criação – mercado. Um juízo de valor, por vezes
externo à criação, apontará a utilidade (ou uso) da idéia. Mas, no contexto da distinção
entre os dois conceitos, é relevante afirmar que a inovação estará sempre inserida num
cxliii
Assume-se, neste estudo, que a tensão “criação – mercado” é inerente ao processo criativo
e que toda e qualquer criação, para se transformar em inovação, depende de uma avaliação
1996) e adotado por muitos estudiosos da área (Terra & Plonski, 2006), pressupõe a
governo, mas esta relação tripartite só poderia ser considerada um modelo idealizado de
que geram a tensão mencionada. Este é um dos aspectos cruciais a ser pensado por aqueles
inovação.
Pressupõe-se, neste estudo, que, se a criatividade refere-se aos produtos únicos, singulares,
sejam eles idéias, invenções, processos ou soluções de problemas, a inovação diz respeito
cxliv
campo de estudos, tais como a autoralidade da criação, o plágio e a propriedade
intelectual.
Para autores como Couger et al. (1990), há uma relação entre criatividade e inovação que é
semelhante àquela existente entre descoberta e invenção. Para eles, a invenção requer um
propósito, sendo improvável existir uma invenção acidental; não se pode conceber uma
invenção sem que o indivíduo que inventa esteja familiarizado com o estado da arte e com
a variedade de técnicas de um dado campo de conhecimentos (p. 371). Por sua vez, a
descoberta não requer um propósito claro. Diz respeito à percepção de alguma nova
propriedade ou novo fenômeno ou nova verdade sobre algo; pode ser abstrata e, inclusive,
inútil.
particular para obter certo resultado; depende da consciência humana para unir os meios
investigação que, ao final, possibilita um resultado que parece muito diferente do buscado.
cxlv
Schaffer comenta a descoberta dos dinossauros e identifica que, em 1818, Buckland
localizou o que, mais tarde, seria classificado como ossos de megalossauro em Stonesfield,
dentes fósseis na pedreira de Tilgate. Para Schaffer, citando Lamb e Easton, “[Esta]
gradual mudança intelectual explica por que os restos de dinossauros foram encontrados
eles no que diz respeito à sua interdependência, a saber, o fato de que certas descobertas
motores e geradores que, em seu tempo, podem ser tomadas como inovações tecnológicas
idéias inventivas. Toda inovação é pragmática, uma vez que ela se refere à conversão de
serviços e processos totalmente diferentes (Kurato & Hodgetts) dos existentes até então.
cxlvi
Na literatura, esses processos são exemplificados com as invenções do avião29, o bulbo da
Cabe perguntar, para efeito do presente estudo, se as descobertas são processos criativos e
Segundo Drucker (1985), o final do século XIX pode ser considerado como o século da
inventor era tido como uma figura meio romântica, meio ridícula, remexendo coisas num
sótão solitário. Por volta de 1914 - início da Primeira Guerra Mundial -, a “pesquisa”
alto grau de previsibilidade dos resultados almejados e das possibilidades destes serem
alcançados. Para o autor, coisa semelhante precisa ser feita agora em relação à inovação,
inovação sistemática.
29
Os autores atribuem a invenção do avião aos Irmãos Wright. Esta afirmação é controversa, uma vez que,
no Brasil, Santos Dumont é tido como o inventor do avião.
cxlvii
Se é a mudança que proporciona a oportunidade para o novo e diferente, a inovação
sistemática das oportunidades que tais mudanças podem oferecer para uma nova realidade
maioria das inovações bem sucedidas explora a mudança (grifo do autor). Existem
inovações que são mudanças, por si só, e existem inovações técnicas como o avião
derivadas de invenções.
Entre os conceitos de invenção e inovação não há uma relação unívoca. Assim, nem toda
dois conceitos. Antes da invenção da caneta Bic®, canetas tinteiro com grande
durabilidade dominavam o mercado. “Em 1950, a [empresa] Bic teve a idéia de criar uma
caneta descartável cuja duração de utilização seria limitada, mas cujo preço seria muito
baixo” (Lubart, 2007). Com um protótipo desta nova caneta, buscou-se o contato com as
cxlviii
do novo produto junto ao mercado consumidor. As fábricas que produziam canetas
alegavam que a “maioria das pessoas já possuía uma caneta de qualidade” e que “não
haveria mercado potencial para tal produto”, além do fato de que “as pessoas não [teriam
interesse] em uma caneta descartável, já que elas poderiam ter uma caneta que durasse
A transformação de uma invenção em uma inovação envolve, portanto, a sua avaliação por
inovação, ou seja, na apresentação de uma invenção para seus potenciais usuários por
meio de uma inovação. De acordo com outros autores, estes elementos devem também
estar presentes nos ambientes voltados à promoção da inovação para que o anti-
problema humano a ser compreendido, uma vez que dele depende a sensação de
cxlix
4.6. Originalidade e autoralidade da criação: a problemática da avaliação e aceitação
descobertas são dúbias neste aspecto, podendo ou não ser reconhecida a autoralidade e,
inventos. A assinatura do autor, tanto nas esculturas e pinturas quanto na arquitetura das
catedrais, não era praxe durante a idade média. Nesta época, associava-se a autoria ao
mandante da construção, que, em geral, era alguém da nobreza; somente a partir do século
XVI, a autoria das obras passou a ser mencionada; exemplo disso é falar a “cúpula de
de ruptura no que diz respeito à separação entre o autor e sua obra. Se, no período
artesanal, mesmo que de forma anônima, havia uma relação entre o produtor e o produto,
Taylor (1948) um de seus maiores ideólogos, interessou-se pela medição dos tempos e
elemento estético, presente no processo produtivo até a era industrial, dá lugar à produção
qualidade total e a introdução dos círculos de qualidade foram propostas que visavam à
cl
recuperação do elemento estético no processo produtivo, elas não tiveram grande impacto
Segundo Lubart (2007), “a divisão de trabalho, nascida com a revolução industrial, cria
tarefas e, portanto, lentas para aceitar as mudanças. Nestas estruturas, o indivíduo que
provar que o produto pode ser testado em pequena escala e que não haverá prejuízo para o
departamentos de P&D de certas empresas” (p. 81). Vehar (2008) identifica, no discurso
organizacional, algumas frases que caracterizam este processo, tais como: “Estamos muito
ocupados para “ser criativos” ou “Precisamos fazer o trabalho de verdade por aqui”
Além do aspecto da cisão entre produto e criador (a) e das dificuldades para “vender” uma
inovação, uma vez que, diferentemente da invenção e descoberta, que podem ser
inúmeros (as) autores (as) envolvidos (as). Assim, as patentes, que atestam a propriedade
cli
avaliada e validada por outros meios, como premiações ou reconhecimento público30. No
capitalismo da inovação, a passagem do aspecto imanente das criações para seu aspecto
Ciência básica ou inovação? Esta é a questão proposta por Rodrigues (2001), na discussão
sobre a importância da ciência básica para o processo de inovação. Para ela, “a pesquisa
básica, tradicionalmente a cargo das universidades, era vista como parte importante da
idéias ou descobertas científicas (p. 95). A linearidade deste modelo, que supõe que a
sociedade que impõe uma maior complexidade a estudos deste campo. O princípio da
30
Outros aspectos do processo de avaliação serão tratados ao longo do capítulo V desta tese.
clii
Patentes são algumas das formas de reconhecimento coletivo relacionadas a invenções e
no contexto organizacional.
início com o exemplo da produção de conhecimento na área da informática, uma vez que
da inovação. Nesta indústria, é possível tipificar que “os programas de computador são
normalmente patenteados, ao passo que os softwares são protegidos por direitos autorais
segredos industriais (trade secrets). Nesta indústria, também o código fonte é passível de
copyright. Ou seja, a “era do código” (Baudrillard, 1973 / 2000), embora ainda não tenha
superado a era do signo, assume proporções cada vez mais hegemônicas, seja nessa
pelo seguinte princípio: “Para um programa ser qualificado como passível de proteção
pelo copyright, ele deve ser um trabalho original de autoria fixado em algum meio tangível
de expressão que possa ser comunicado” (Couger et al., 1990, p. 373). A lei assume que,
cliii
uma vez que existe um grande número de maneiras de expressar a mesma idéia, um (a)
segundo (a) autor (a) não estará impedido (a) de criar um novo trabalho de valor.
As leis do copyright protegem as expressões, mas não as idéias, pois fica claro que é
necessário que a idéia assuma algum meio tangível de expressão para que se aplique a lei;
logo, a proteção não se estende à idéia subjacente, mas somente à maneira específica pela
ideacional - seja condição necessária para a inovação, ela não é condição suficiente, pois a
reconhecimento da autoralidade.
No caso de patentes, a lei americana prevê que “Quem quer que invente ou descubra um
novo e útil processo, máquina, manufatura, composição da matéria ou uma nova e útil
melhoria (aprimoramento) daquilo pode obter uma patente daquilo” (act 35, USC 101). As
tende a crescer de maneira mais incremental, consideram que as melhorias são protegidas
por um tempo significativamente mais curto que a duração do copyright. E também por
isso, a lei de patentes não dá o direito aos que a possuem sobre o controle das invenções
derivadas.
análise deste assunto aludirá também à engenharia reversa e sua relação com a cópia e o
plágio.
cliv
Muito famoso na imprensa especializada, o julgamento do caso Intel versus NEC
(empresas da área de tecnologia) concluiu que a engenharia reversa utilizada pela NEC
não violou o direito autoral (copyright) da Intel. A engenharia reversa foi o meio utilizado
pela empresa NEC para tentar criar um código autoral que duplicasse a funcionalidade do
código da Intel sem infringir a lei dos direitos autorais. O processo utilizado pela NEC
envolveu duas equipes: uma trabalhou sobre o programa original, realizando inúmeros
testes para determinar exatamente o que este fazia e como operava em cada tipo de
especificações para uma segunda equipe que nunca havia visto ou tocado no hardware ou
equipe escreveu uma implementação das idéias originais, funcionalmente compatível, sem
ter tido oportunidade de copiar qualquer parte desta” (Couger et al., 1990, p. 374).
A distinção entre plágio e engenharia reversa, tratada neste caso, denota a engenharia
para o plágio, remetendo mais uma vez à dificuldade de definição precisa da originalidade
contida na criatividade.
Também na música têm-se inúmeros exemplos que não podem ser consideradas como
Bach, ou as fantasias e variações produzidas por Louis Moreau Gottschalk sobre os hinos
nacionais de vários países, pois estes autores não ocultam a origem, mas criam novas
obras a partir das originais, sustentando a proposição de Latner (2003) que se refere à
clv
Nachmanovitch (1993) sobre a relação entre estrutura – espontaneidade, disciplina –
sobre como são concedidas as patentes e também quais os critérios para a atribuição de
(Couger et al., 1990). Conforme mencionado anteriormente, para efeito desta tese, foi
parâmetros para concessão de patentes ou direitos autorais, fica claro que a criatividade é
elemento necessário, mas não suficiente, pois não basta que se possa alcançar o
atribuição de novos significados, como na teoria da Gestalt, poderia colaborar para o bom
Drucker (1985), em seu livro Innovation and Entrepreneurship, afirma que “a inovação é
a função específica do [a] empreendedor [a]… é o meio pelo qual ele [ela] cria novos
clvi
recursos produtivos de riqueza ou dota os recursos existentes de potencial aumentado para
Outra definição de empreendedor (a) diz respeito “àquele (a) que se incumbe da
maior risco e pode esperar uma maior parcela de lucros” (Brownstone, 1980, p. 101 In:
criatividade” (p. 22, grifo do autor). Em uma discussão sobre as tendências e desafios da
educação empreendedora no século XXI, o autor afirma que as palavras de ordem deste
contexto são: “Sonhe!, Crie!, Explore!, Invente!, Seja pioneiro! e Imagine!” (p. 22). Em
maneira inovativa” (p. 2). Em função desse conceito e baseado nas propostas de educação
clvii
negócios”, a saber, criatividade, reconhecimento de oportunidade, invenção ou descoberta
inovador” (p. 39), pois a inovação cria um recurso e não existe algo que possa ser
denominada recurso até que o ser humano encontre um uso para alguma coisa na natureza
um espírito que pode estar presente mesmo que ele não se materialize numa “coisa”,
exemplos de inovações sociais, como a criação do hospital, cuja concepção teve impacto
“container” utilizado na marinha mercante, que envolveu a idéia de “tirar uma carroceria
de caminhão e colocá-la num navio cargueiro”. “Esta inovação trivial quase quadruplicou
40), embora só tenha exigido uma percepção do navio como sendo um equipamento de
conceituou como objetivação no capítulo II. Portanto, inovação, para Drucker, é uma
clviii
material em um recurso ou combinar recursos existentes em uma configuração nova e
mais produtiva” (p. 45). Uma vez que a mudança é aquilo que proporciona a oportunidade
mudanças e na análise sistemática das oportunidades que tais mudanças podem oferecer
Há, para Drucker, uma disciplina da inovação, que envolve um exame sistemático das
e não nas soluções. Inúmeros erros e características semelhantes ao efeito Einstellung, que
clix
mencionam, neste caso, a concepção de Shumpeter] e d) o reconhecimento e persecução
empreendedoras por motivações outras que não o dinheiro” (p. 477), ressaltando a
distância e, apesar de seu alto prestígio e remuneração, sentia-se “miserável”. Dizia ele:
decisões corporativas eram dominadas pelo impacto que teriam sobre os rendimentos do
próximo quadrimestre. Quando seu chefe lhe pediu para demitir pessoas num esforço para
aumentar esses rendimentos, ele se recusou e deixou a companhia. Criou a Touch 1 com a
esperança de dar empregos a sessenta de seus vizinhos (Rindova et al., 2009, p. 477).
Cardon et al. (2009) apóiam-se em Schumpeter, buscando entender como a paixão poderia
explicar comportamentos empreendedores que desafiam a visão racional, tais como correr
riscos de forma não convencional, foco de intensidade incomum e crença em seu sonho.
Estudando o que é paixão e que efeito ela tem nos negócios, discutem qual é o objeto da
empreendedor (a), é o seu trabalho que constitui o objeto da paixão. A paixão está
clx
é fator crítico para a exploração e aproveitamento de oportunidades em ambientes
incertos e de risco.
McClelland et al. (1953), discutidas no capítulo III, os autores entendem que a paixão
saliência para o empreendedor. Ela [paixão] promove estados intensos de fluir e total
absorção em suas atividades, fazendo com que as pessoas invistam tempo e energia,
ambientes econômicos, sociais e culturais por meio das ações de indivíduos ou grupos [...]
criação de algo novo – uma nova idéia, uma coisa nova, uma nova instituição, um novo
levam os indivíduos a buscar romper com o status quo e mudar a sua posição na ordem
social em que estão inseridos e, por vezes, mudar a própria ordem social. Para esses
clxi
autores, a motivação para empreendedorismo é o desejo de liberdade e independência para
autonomia, por expressar sua própria criatividade, perseguir a inovação e ser seu próprio
patrão.
Confirmando a visão de McClelland et al. (1953), Rindova et al. afirmam que o ímpeto
obstáculos, restrições percebidas no ambiente dos atores. Uma vez que tais restrições
riqueza. A autonomia é um dos fatores motivadores mais poderosos para se tornar auto-
perspectiva emancipatória vai além, pois considera tanto a construção quanto a destruição;
que impunham restrições a certos tipos de atividades que os (as) empreendedores (as) - ou
clxii
inconvencional” (p. 482). As convenções tornam as atividades coletivas mais fáceis e
menos custosas em tempo, energia e outros recursos; elas não tornam o trabalho
inconvencional impossível; somente mais custoso. A diferença relativa aos recursos que
Vale ressaltar que ambos os estudos (Cardon et al., 2009 e Rindova et al., 2009)
Para Cardon et al. (2009), a existência dessas diferentes identidades pode explicar diversas
questões, dentre elas, o porquê os (as) empreendedores (as) que evidenciam alta paixão
quando o negócio estava nascendo perdem-na à medida que o negócio cresce? Ou ainda,
por que alguns apaixonados por sua idéia abrem mão dela para que outros desenvolvam o
clxiii
oportunidades e c) a identidade de desenvolvedor (a) / realizador (a), cuja paixão é por
atividades relativas a nutrir, fazer crescer e expandir o negócio já criado (Cardon et al.,
2009, p. 516).
Empreendedores (as) encontram significado interno em cada uma das identidades. Aquela
que for saliente e distintiva motiva o (a) empreendedor (a) a se engajar em certas
oportunidades disruptivas de mercado. Por sua vez, a identidade de fundador (a) inclui a
paixão por atividades que envolvam juntar os recursos necessários para criar uma firma,
crescimento financeiro (criação de valor). Uma vez que não há necessariamente uma única
identidade dominante, pode ocorrer que a paixão pelo papel de inventor seja tão grande
que a pessoa nunca realmente tente levar seu produto para o mercado ou explore realmente
indivíduo venda a firma para outros (as) que estejam mais interessados (as) em fazê-la
Empreendedores (as) diferem no grau em que podem regular suas emoções e suas
clxiv
são ativados. Pode ocorrer a sub-regulação, ou seja, a inabilidade para controlar ou
alcance da meta empreendedora correspondente. Esses objetivos, por sua vez, envolvem a
definida como a produção de idéias ou ações novas e úteis; b) persistência, definida como
a continuação do esforço de ação apesar dos fracassos, impedimentos, ameaças, tanto reais
envolvimento.
clxv
organizacionais configurem esses processos de forma distinta de outros contextos, o que
sinônimos.
observa claramente uma elaboração criativa da condição humana, seja aquela objetivação,
advindas das descobertas, invenções e outras. Para além do ato criativo, a atividade de
sabedoria que permite, a cada momento, definir o que manter e o que mudar / transformar
clxvi
Capítulo V
clxvii
A criatividade no universo das organizações e dos negócios
contemporânea que a criatividade se torna cada vez mais presente nas organizações e nos
as barreiras dos modelos de gestão que se cristalizaram ao longo de toda a era industrial.
anos exilados nas artes, ressurgem no processo produtivo, mas devem enfrentar todo tipo
de barreiras num cenário que lhes foi hostil até então. Assim, os discursos e as máximas da
organizacional. Essa é uma das características que explicam o chamado efeito Einstellung
capítulo. O impacto das estruturas e da cultura organizacional será um dos assuntos aqui
clxviii
rejeitados por organizações nas quais trabalhavam. São esses os parâmetros para a análise
dos dados empíricos coletados para efeito desta tese, objeto do capítulo seguinte.
clxix
5.1. A nova fase do capitalismo
Thrift (2006) identifica duas direções opostas na evolução atual da economia. Por um lado,
em especial naquelas em que predomina a economia do óleo, gás, gemas e nos países que
de toda ordem. Por outro, há a tendência denominada por ele “economia das qualidades”31,
que pode ser descrita a partir de duas características: a) a centralidade do design, que passa
cada vez maior dos (as) consumidores (as) na co-criação dos produtos e serviços.
Aludindo às inovações abertas, afirma o autor que, nesta economia, aqueles (as) que
produzem e aqueles (as) que consomem não se encontram somente ao final do processo,
Mais ainda, esta situação atual do capitalismo pode ser denominada economia da
experiência, uma vez que “nem produtos, nem serviços constituem a base do valor”, pois
este [valor] está incorporado nas vivências criadas pelo indivíduo num ambiente
mercadoria não é mais uma coisa fixa, mas um experimento aberto de inovação cujo
31
Economia das qualidades, para o autor, designa um “ambiente preenchido com inteligência aplicada [...]
envolto em constante interação e feedback” (p. 291).
clxx
Duas decorrências derivam do estudo de Thrift (2006): a primeira, a presença da categoria
também para novas formas de consumo em que “o mero uso é superado pelo prazer da
atividade em si, na qual a mercadoria é uma parceira ativa” (p. 290). Assim, o mercado
não está mais somente voltado para a venda de mercadorias, mas para a oferta de
entusiasmos dos (as) consumidores (as), capturando e trabalhando o potencial das coisas
serem diferentes daquilo que são (Tarde, 2007). O que vale no capitalismo atual é,
relação ao modelo industrial, afirma que o estatuto do objeto moderno é dominado pela
oposição modelo / série. Antes da era industrial, não seria possível falar nem em modelo
nem série, uma vez que, naquela sociedade, a homogeneidade entre os objetos era maior,
porque em seu modo de produção prevalecia o trabalho à mão, havia menos especialização
32
Ver capítulo II desta tese.
clxxi
em sua função e o leque de formas culturais era menos vasto. O exemplo utilizado pelo
autor é o da “mesa Luiz XV”, que, no século XVIII, guardava pouca relação com a mesa
campesina: “um fosso separa as duas categorias de objetos como as duas classes sociais a
que pertencem” (p. 146). E acrescenta que “não se pode, tampouco, dizer que a mesa Luís
XIII [tenha sido] o modelo da qual as inúmeras mesas e assentos que em seguida a
imitaram vêm a ser a série” (p. 146). O modelo permanece ligado à transcendência e série
alguma provém dele, no sentido moderno do termo. E conclui que o equivalente para os
objetos desta concepção transcendente é hoje, o estilo. Há, portanto, uma distinção entre
objetos “de estilo”, pré-industriais e os modelos atuais que deve ser levada em conta na
massa que difundem tais modelos, uma circulação não somente dos objetos, mas uma
circulação “psicológica” que assinala a diferença radical entre a era industrial e a pré-
objeto de série, para largas camadas da população, são imbuídos de modelos. Observa o
autor que existem, cada vez menos, modelos ou séries puras, “a transição de um a outro
personalizado (p. 146) que aparece, de maneira mais evidente, na indústria vestuário, que
contrapõe vestidos assinados por costureiros (as) famosos (as) ao “prêt à porter”. Dessa
forma, introduz a diferença entre modelo de luxo e modelo de série, ponto de menor
resistência da noção de modelo. Mas o mesmo não vale para os objetos coletivos, as
clxxii
máquinas, pois uma máquina pode ser mais “moderna” que outra e nem por isso se torna
Nas máquinas, como por exemplo, os tratores e as prensas industriais, a noção de modelo
de luxo / modelo de série, além de ser menos evidente, não se constitui a base para
objeto, mas ao nível de uma função segunda, que é a do “objeto personalizado”” (p. 149).
escolha, pois “objeto algum é oferecido ao consumo em um único tipo. [...] O que pode ser
recusado [a você] é a possibilidade de comprá-lo. Mas aquilo que [lhe] é dado a priori na
nossa sociedade industrial como graça coletiva e como signo de uma liberdade formal, é a
todo um leque lhe é oferecido que o (a) consumidor (a) ultrapassa a estrita necessidade da
compra [...], [pois] não há mais a possibilidade de não escolher e simplesmente comprar
Na sociedade da escolha, “nenhum objeto se propõe como objeto de série e sim todos
como modelos” e cada objeto se distingue dos outros em função de alguma diferença, seja
ela cor, acessório ou detalhe. Tais diferenças são, no entanto, marginais ou, segundo o
33
Como se verá adiante, esta seria a base das inovações incrementais, bastante difundidas nas organizações
atuais.
clxxiii
pode ser personalizado, só os aspectos inessenciais é que o podem” (Baudrillard, [1973],
2000, p. 150). Muitas vezes, como diz Baudrillard, “a função de personalização não é
diversas combinações de aspectos inessenciais são por sua vez retomadas e serializadas na
produção industrial. “É esta seriação segunda que constitui a moda” (p. 151) que produz
séries sempre mais limitadas fundadas sobre diferenças cada vez mais ínfimas e
de satisfação de necessidades, mas um modo ativo de relação não apenas com os objetos,
mencionada, pois a própria expressão diz respeito àquilo que é único, exclusivo, singular,
Em outra obra, o mesmo autor introduz a noção de simulacro, a partir da história dos
indígenas da Melanésia que, sentindo-se maravilhados com os aviões que viam passar nos
noite e punham-se pacientemente à espera que os verdadeiros aviões ali viessem aterrisar”.
(Baudrillard, [1981], 2005, p. 21). Para ele, é o pensamento mágico que governa o
consumo, uma mentalidade sensível ao miraculoso que rege a vida cotidiana, representada
pela crença na onipotência dos signos (p. 22, grifos do autor). O autor compara a atitude
dos indígenas aos telespectadores que “apertam o botão e esperam que as imagens do
clxxiv
mundo todo venham até [ele]” e a diferença entre o mundo real e o imaginário, de natureza
técnica, não invalida a comparação, pois também pode estar presente o pensamento
produtividade acelerada sob o signo do capital, surge igualmente como a era da alienação
e os próprios fantasmas e pulsões individuais. “Tudo foi reassumido por esta lógica, não
e manipuladas em termos de lucro, mas ainda no sentido mais profundo de que tudo é
“valor de signo” dos objetos, que transcenderia tanto seu valor de uso quanto o de troca.
troca, decorrem quatro tipos distintos de lógica sobre o objeto: a) a lógica das operações
momento em que a vida comunitária, sendo paulatinamente substituída pela vida citadina,
diferença, associada ao valor do signo. Essas lógicas podem ser resumidas como as de
34
Ver, na seqüência do texto, a discussão proposta por Lash (2008).
clxxv
utilidade, do mercado, do presente e do status, respectivamente, e associadas aos
necessidade econômica – são a base da vida social” (Baudrillard, sem data, p. 261, grifos
nossos).
Para esse autor, a era do código começa a penetrar todo o tecido social e um dos sintomas
disso é que “os opostos começam a entrar em colapso e tudo se torna ´indecível´: o bonito
o inútil no [plano] dos objetos; [...] todos se tornam intercambiáveis na era da reprodução
elementos esses, como se viu até aqui, relacionados à criatividade. O estudo das
complementada pela diferenciação entre capitalismo físico e metafísico, proposta por Lash
(2007).
clxxvi
Para Lash (2007), a nova fase do capitalismo deveria receber a denominação de
capitalismo metafísico, pois se, na definição clássica, a mercadoria física, os meios físicos
físico, com a utilização intensiva da tecnologia, esta passou a atuar como uma segunda
palavras do autor, “muito do trabalho no novo capitalismo tem lugar nos projetos e nas
redes de projetos: aqui o tempo de trabalho é regulado pelo projeto em si, fazendo com
Revela-se uma nova relação com o tempo do trabalho, pois, se o tempo de trabalho no
metafísico, o tempo de trabalho também é quantitativo, mas não é mais métrico; passa a
A análise de Lash aborda ainda a evolução do próprio conceito de matéria, que, em sua
Diferentemente de valor de uso e de troca, pois ambos têm a ver com propósito, esse
mais que de estrutura; não é interno à mercadoria, que é estruturalmente gerada pela sua
substância, por seu valor-substância. O valor de troca tem a ver com propósito e
clxxvii
Segundo Lash (2007), é possível identificar quatro contrastes entre o físico e o metafísico,
negócios, os problemas elencados por Thrift (2006), Baudrillard ([1973], 2000; [1981],
2005) e Lash (2007) apontam para o fato de que as pesquisas sobre inovação deverão
buscar identificar o valor simbólico que porventura venham a agregar. E, uma vez que é a
objeto, o diferencial competitivo, a busca pelo ser diferente ou fazer a diferença guardarão
necessariamente relação com a estética, mas é no valor simbólico que se revela toda a
clxxviii
em ambientes distantes de uma base fixa, foi paulatinamente agregando novas
objeto em si já não é mais ele mesmo, mas transformou-se em outro (s), acoplando a si
enviar mensagens via Internet. Do ponto de vista de seu consumo, a aquisição desse objeto
comprá-lo pode não ser determinado pelo sinal telefônico que ele oferece, mas pelos
significado ultrapassam o objeto físico e seu consumo não mais se baseia em seu valor de
uso, nem em seu valor de troca. Um telefone celular é símbolo e, simultaneamente, signo,
carregando distintos significados. Não é mais o objeto físico que importa, mas a
experiência que ele propicia, o design a ele incorporado e as qualidades que se colocam
para além do sinal telefônico. De acordo com as categorias de contrastes propostas por
Lash (2007) e expostas acima, pode-se afirmar que as mudanças introduzidas tornam o
telefone celular mais extenso ao agregar as novas funções (extensão versus intensidade),
clxxix
Surgido na Austrália, o termo indústrias criativas ganhou maior espaço na literatura da
TV, os museus, galerias e as atividades ligadas às tradições culturais (DCMS, 2005, citado
por Bendassolli et al., 2009, p. 10). Em última instância, são indústrias cujo produto
termo indústrias criativas ao fato de que seu principal insumo são as pessoas criativas. A
distinção entre tais indústrias e as indústrias culturais, estudadas pela Escola de Frankfurt,
poderia ser meramente semântica, como propõem Bendassolli et al. (2009), embora a
2007). A evolução de qualquer organização, para Tschang, leva cada vez mais a
seja ele na indústria criativa, seja nos setores mais tradicionais da manufatura, tende a ser a
35
Ver capítulo IV desta tese.
36
A tensão racionalidade – criatividade é discutida mais adiante neste capítulo.
clxxx
orientados à produção e à produtividade, geralmente ocorre à custa da criatividade. Uma
Tschang. Nela, a atividade dos (as) funcionários (as) _ que são chamados de
criativo, que inclui o design e o desenvolvimento dos jogos, mas, se analisado sob a
que pode ser denominado isomorfismo mimético, em função das duas tendências
inglês, exploitative e explorative). Tais contradições são resolvidas, muitas vezes, pela
criação de novas empresas que, ao nascer, conseguem dedicar-se ao novo (p. 1002) ou,
características de jogos do passado _ que pode resultar em inovações. Este último aspecto
está em acordo com a proposição de Schumpeter que definia inovação como “novas
clxxxi
construtivismo envolve a fertilização cruzada de idéias de jogos anteriores e outras mídias,
um diferencial entre as duas é que as primeiras são muito mais dirigidas pela busca da
novidade do que as outras. Entretanto, mesmo neste aspecto, diz Tschang que se os (as)
esperam que tais novidades possam ser familiares e acessíveis. Ou seja, espera-se que
criativo, mas, ao mesmo tempo, elas devem atender às expectativas de seus (suas) clientes.
bem a existência permanente desta tensão. Constituída por três tipos de atores, a saber, os
reservado o trabalho de criação; são eles que desenham e desenvolvem os jogos. Mas o
trabalho criativo sofre com as restrições impostas pelas racionalidades por parte das
A influência das forças racionais na inovação incremental pode ser analisada pelas lentes
assemelharem às outras (Tschang, 2007, p. 1001). Na indústria estudada por ele, estúdios e
editoras fazem produtos cada vez mais similares e utilizam-se dos mesmos processos. Há
clxxxii
ajuda a compreender o comportamento imitativo por parte dos estúdios. As práticas de
fazendo com que muitas organizações se pareçam com as outras e, no geral, tornem-se
muito semelhantes. Outro aspecto identificado pelo autor em sua pesquisa foi a tendência
será explorado neste estudo, mas caberia investigar se o mesmo ocorre em outros setores
Novidade e familiaridade são, portanto, os dois pólos opostos que dinamizam a inovação
nas organizações. A pesquisa do novo tende a ocorrer lado a lado com o refinamento e a
refinar o existente? Como afirmava Schumpeter (In: Tschang, 2007), pensar a inovação
A solução deste dilema organizacional pode induzir à criação de novas empresas para
eficiência. De acordo com estudiosos (as), “a taxa de inovação de produto é a mais alta na
fase emergente [de uma] indústria” (Abernathy & Utterback, 1978 In: Tschang, 2007).
Analisando o ciclo de vida das empresas, (Anderson & Tushman, 1990, In: Tschang,
clxxxiii
2007) identifica períodos em que certos designs dominantes são seguidos por variações em
produtos que, por sua vez, são seguidos por novos designs dominantes.
(Tschang, 2007, p. 989). Ela pode restringir práticas criativas como as descobertas
serendípicas.
A influência das forças racionais na inovação incremental pode também ser vistas sob as
tendem a fazer produtos similares e até utilizar-se dos mesmos processos. Esse
afirma Collier (1997). Se, por um lado, o discurso atual enfatiza a necessidade de criar e os
indivíduos criativos são considerados ativos fundamentais das organizações, por outro, as
gestos criativos. O lado escuro deste discurso está ligado a encarar estes ativos
organizacionais como perigos à manutenção do status quo. Como diz Collier, “um [a]
clxxxiv
subordinado [a] capaz de elaborar uma idéia é um subordinado [a] capaz de perceber que
ele [ela] não tem nenhum particular motivo para ser um [a] subordinado [a], especialmente
será base da análise que se segue acerca desses fatores e permitirá estabelecer o quão
teorizado.
neutralidade para com a produção dos grupos de trabalho (Collier, 1997, p. 107). Em
Ainda de acordo com ela, do ponto de vista da organização, deve haver: liberdade para
necessários, tempo para esforços criativos, confiança manifesta nas pessoas, interação com
clxxxv
ambiente como este, as pessoas poderão desenvolver: a) curiosidade; b) habilidade para
Se todos esses aspectos devem se fazer presentes para que se potencialize a emergência da
Estruturas são necessárias para garantir a regularidade, mas podem matar a criatividade.
organizações.
A flexibilidade é necessária em função das crises hoje enfrentadas pelas organizações, que
diferenças entre o trabalho prescrito e real, tornando inviável o controle pela regulagem
clxxxvi
inviável; e c) exigência de contínuo desenvolvimento pessoal, tornando inviável a
certeza do significado, do valor e do poder das informações de que dispõem e não podem
garantir a eficácia de suas decisões, pode-se deduzir que essas novas contingências
demandam maior flexibilidade das organizações, como, por exemplo, o trabalho em redes.
A flexibilidade torna-se, então, um aspecto crucial para a eficácia das organizações atuais.
Interessa, portanto, incluir aqui a análise de Georgsdottir & Getz (2004) sobre o
ambiente desafiador” (p. 166) e também pode ser entendida como sinônimo das margens
de liberdade permitidas pela estrutura. Pode ser adaptativa – quando os desafios estão
presentes no ambiente – ou espontânea – uma preferência pela mudança sem que haja
qualquer pressão externa. A partir destas definições, os autores iniciam a análise desses
clxxxvii
A partir da representação de inovação como “os processos comportamentais e sociais
e evitar as penalidades da inação” (West & Richards, 1999, p. 45 In: Georgsdottir & Getz,
inovação).
As conclusões deste estudo apontam que “a flexibilidade permite [ao inovador] superar os
impasses quando da resolução de problemas, ver os problemas de uma perspectiva que não
havia sido notada antes e até mesmo identificar novos problemas para solucionar” (p.
dando oportunidade às idéias novas e não usuais, sendo capaz de ouvir e receber propostas
de todo tipo de pessoas. A flexibilidade, no plano individual, pode ser desenvolvida por
gerencial.
estrutura organizacional propriamente dita, seja para a tomada de decisões que tenham
clxxxviii
Entretanto, a flexibilidade, tão necessária à configuração organizacional propiciadora da
servir de base a um novo modelo, ainda por definir. Nesse sentido, a inovação de produtos,
empírica empreendida para efeito desta tese. O argumento de Collier sobre o sonho
O capitalismo metafísico - era do design - traz consigo novas necessidades, tanto no plano
do processo produtivo quanto na gestão. Questões ligadas à imagem e à marca ficam lado-
subjetividade, esse elemento tem que ser incluído nas práticas de gestão. Como se verá
clxxxix
O encontro entre um determinado potencial e um cenário que fertiliza é uma das imagens
vitalidade, diversão / humor, debates, conflitos, correr risco, tempo da idéia, além dos
baseados em outros trabalhos (Couger, 1995 In: Lapierre & Giroux, 2003) argumentam
que “propiciar aos empregados cursos de solução criativa de problemas é um dos melhores
Esses mesmos autores enfatizam um ponto até então não mencionado neste trabalho, mas
tratada por Kao (1996) e Robinson & Stern (1997). Dizem eles: “Para viver um momento
serendipitoso, deve-se estar aberto a diversos estímulos”. [Assim], uma organização deve
37
A imagem foi extraída do livro “O Sagrado”, de Nilton Bonder. RJ, Ed. Rocco, 2007. Nele, a idéia de
benção é explicada como a conjugação de possibilidades internas e externas (p. 45).
38
Veja também, abaixo, o capítulo relativo ao tempo.
cxc
Embora suas conclusões sejam mais direcionadas a empresas do ambiente de alta
tecnologia, o estudo empírico conduzido por Lapierre & Giroux (2003) tem o mérito
européias, apontam que as “abordagens elitistas, nas quais a criatividade era vista como
cultivados pelas organizações” (p. 173) devem ser substituídas por outras que considerem
ocupavam posições mais simples nas organizações e, “na média, tais inovações foram
avaliadas como mais radicais que aquelas cuja iniciativa partiu de pessoas de P&D39,
concluem que “ao invés de ter pessoas lidando com inovação em alguns lugares, todo
mundo, qualquer que seja seu trabalho ou posição, está produzindo idéias que são
Vale ressaltar que, quando se enfoca a criatividade a partir de seu processo, não cabe
ressaltar os bloqueios individuais que podem emperrar o seu bom desenvolvimento; torna-
cxci
negativamente. Assim, o elenco de características componentes de um ambiente propício à
confirmando, mais uma vez, a afirmação de Collier sobre o sonho – talvez - impossível.
(2006) constatam que não bastam esforços e capacidades para assegurar sua consecução.
também Andy Warhol teve “fracassos abismais” com seus filmes (Mumford et al., 2006,
p. 75).
Segundo Mumford et al. (2006), nem todos os problemas demandam pensamento criativo.
Problemas criativos são aqueles que requerem novas soluções, ou, pelo menos, soluções
que sejam novas para o indivíduo, contendo as seguintes características: a) tendem a ser
mal definidos (não são aparentes os elementos e a estrutura); b) tendem a ser complexos
cxcii
Dadas as características de complexidade, dinamismo e falta de definição, tais problemas
envolvem alto grau de incerteza, gerando, por isso, muitos caminhos viáveis. Logo, há
Os autores analisam muitos dos vieses cognitivos que podem induzir a erros ao longo das
etapas que caracterizam o processo criativo. Baseados nas mesmas questões da teoria
desenvolvida por Tverski e Kahneman (1988), discutem os vieses que podem levar a erros
As análises sobre os erros que a seguir são apresentadas provêm de estudos experimentais
e também de estudos históricos sobre inovações tecnológicas notáveis, realizados por estes
autores. Os erros relativos aos fenômenos de interação social, como o pensamento grupal,
por eles.
Inicialmente, esclarecem que os erros podem ocorrer (ou ser induzidos) por mecanismos
cxciii
Por sua vez, a familiaridade e o comprometimento com um determinado modelo mental
podem levar o indivíduo a ignorar coisas que não se encaixam nestes modelos.
necessários para o pensamento criativo, há um ponto a partir do qual não contribuem para
tal. Protocolos de uso freqüente, bastante acessíveis aos mais experientes, podem levar a
pessoa a ignorar ou descontar aspectos únicos do problema. Além disso, a expertise leva à
formação de crenças sobre causas e relações entre eventos. A fixação em determinado tipo
de raciocínio parece dificultar a solução de novos problemas, uma vez que não enfoca os
cxciv
Com relação ao viés relativo às muitas categorias organizadas por meio de múltiplas
características, explicam os autores que quando um objeto ou evento é designado para uma
determinada categoria, isso ocorre mesmo que essas características não sejam evidentes no
para avaliar o problema em questão e definir os parâmetros da solução e essas âncoras são
ajustadas à medida que novas informações se tornam disponíveis, mas tais ajustes são
Um dos vieses mais relevantes do ponto de vista deste estudo é o da aversão ao risco.
Uma vez que os problemas criativos demandam soluções novas para problemas pouco
para gerenciar o risco durante o processo criativo podem induzir a erros. Este tipo de viés
tendência a avaliar e rejeitar idéias que impliquem risco excessivo (ou indevido),
neste momento, o evitar se comprometer com um curso de ação pode induzir a erro e ser
especialmente complicado quando se precisa persistir mesmo que tenha havido fracasso
pode ser uma estratégia para a redução dos riscos e, assim, levar a erros. Um experimento
cxcv
de tomada de decisões em situação de pressão de tempo revelou que as pessoas se
engajavam em verificar mais de uma vez as informações disponíveis, usando o tempo para
Uma outra estratégia para reduzir o risco que pode induzir ao erro é a consideração dos
atributos gerais das alternativas ao problema. Um experimento descrito por Mumford et al.
de cada um. Como resultado, os sujeitos que, além da consideração pelos dados gerais do
comprovadas pode induzir ao erro. Exemplo disso seria o erro de estimativa, a falha na
avaliação acurada do tempo e dos recursos necessários para completar um trabalho (p. 92).
A tendência, num experimento realizado com alunos de graduação, foi subestimar o tempo
Uma vez que as ações criativas baseiam-se em linhas de menor probabilidade e existem
desses atos, a problemática da avaliação dos produtos criativos está sujeita a inúmeros
vieses e erros. Seja na produção acadêmica, em que prevalece o julgamento pelos pares,
seja na seleção de empresas para incubação, seja nos pareceres que são emitidos por
cxcvi
revistas especializadas para inclusão ou não de artigos ou ainda na avaliação de trabalhos
andamento e [há] a tentação de adiar ações empreendedoras ou inovadoras até que seja
tarde demais´” (Drucker, 1985, p. 225). Atribuir uma posição especial para a nova
longo do século XX, tais como o Prêmio Nobel, na ciência e na paz; o Grammy, na
criatividade humana e, para isso, criou um fundo que premiasse boas idéias (Barlach,
40
Movie Academy Awards, popularmente denominado Oscar do cinema.
41
Associação Nacional de Entidades Promotoras de Empreendimentos Inovadores.
42
Financiadora de Estudos e Projetos.
cxcvii
2008). Ser laureado (a) com o Nobel é fator distintivo de reconhecimento de uma obra
criativa e padrão de excelência que indivíduos buscam atingir. No entanto, nem todo ato
criativo recebe este tipo de reconhecimento. Outros sofrem dos vieses cognitivos
desconfortos a pessoas criativas, que podem ter atos criativos preteridos ou ignorados.
detrimental com relação a processos inovadores. Um dos aspectos mais paradoxais deste
fenômeno diz respeito ao fato de que, se a cultura organizacional reforça os elementos que
valores ou símbolos, este mesmo aspecto pode ser impeditivo para enxergar o novo.
Assim, as premissas básicas de uma cultura podem – ou não – estimular a criatividade dos
futuro.
que foi assumido como legítimo, consistente ou eficaz. Nesse sentido, pode-se considerar
(2004), tendo como base o modelo de Quin e Cameron. Caracterizada por um alto grau de
43
A cultura é formada pelo conjunto de pressupostos básicos que um grupo inventou, descobriu ou
desenvolveu ao aprender a lidar com problemas / desafios de adaptação externa e integração interna e que
funcionaram bem o suficiente para serem considerados válidos e ensinados a novos membros como a forma
correta de perceber, pensar e sentir com relação a estes problemas (Schein, 2004).
cxcviii
flexibilidade, a busca da melhoria contínua e o olhar para o futuro, além de convívio com
determinada fórmula; 2) a seguir, [esses indivíduos] são confrontados com uma tarefa
ligeiramente desviante que pode ser solucionada de acordo com a velha fórmula, mas pode
mais facilmente ser resolvida por meio de nova fórmula. [Um grande número de
da nova, mais conveniente]; 3) um novo problema é apresentado que não pode ser
resolvido com a fórmula padrão, mas é facilmente solucionado por meio de uma fórmula
(Kaufmann, 2004), à valorização daquilo que deu certo no passado como predominante
de Bono (1990).
novo, em quase todos os campos de conhecimento e ação social. Fala-se muito acerca da
cxcix
necessidade como um imperativo do tipo “Inovar ou morrer” (Jeanes, 2006, p. 127) ou
como um “mantra” (Jeanes, 2006, p. 127; Plonski, 200644). Entretanto, muitos indivíduos
projetos devido a obstáculos de ordem cultural e política, como nos casos que serão
lado, e, por outro, a utilização (ou integração) do conhecimento existente é essencial para
um processo bem sucedido de inovação. Organizações precisam decidir quão bem alocar
mercado, o que, por sua vez, é influenciado pela capacidade de assimilar conhecimentos
demandas das novas tecnologias” (Harryson et al., 2008, p. 746) O lócus da inovação
às necessidades mutáveis dos (as) consumidores (as) (Harryson et al., 2008, p. 747).
44
“A inovação é um dos mantras das sociedades contemporâneas” (Plonski, 2004).
cc
Sobre a tensão entre a utilização, refinamento e expansão das competências existentes
para enfrentar tal dilema, ele observa que a solução desta tensão muitas vezes envolve a
evolução da economia americana que, até meados dos anos 1970 concentrava-se nas
século depois da segunda guerra mundial” (Drucker, 1985, p. 1). A partir de então, slogans
Segundo o mesmo autor, as 500 empresas da lista da revista Fortune apresentaram queda
Mas é necessário relevar que “nem todos os pequenos negócios novos são
empreendedores” (Drucker, 1985, p. 28). Para ele, a rede de fast food McDonald´s é um
cci
caso de empreendimento, mas não houve invenção alguma uma vez que seu produto final
já vinha sendo produzido há muitos anos. Há, neste caso, inovação, pois, ao aplicar
treinamento de seu pessoal na análise do trabalho a ser feito e a partir daí estabelecendo os
padrões de qualidade que exigiria, não somente elevou drasticamente o rendimento dos
Todas as pequenas empresas novas têm muitos pontos em comum. Entretanto, para ser
empreendedora, uma empresa tem que possuir características especiais, além de ser nova e
A possibilidade de empreender não fica restrita aos pequenos negócios. Em função desta
por sua vez, não fica restrito a instituições econômicas, pois há que se considerar
mudanças sociais e culturais (p. 30). Exemplos de inovações “não-técnicas” são o jornal, o
seguro e as compras a prazo. A mudança inserida na economia diz respeito ao fato de que
significados. Drucker (1985, p. 35) frisa que “empreender é fazer diferentemente e não
fazer melhor o que vem sendo feito”. Nesta definição, a criatividade representa o pólo do
ccii
fazer diferente, dependendo do empreendedorismo para se viabilizar e explicita-se o que
não é, necessariamente, inovação, a saber, melhorar algo que já vem sendo praticado.
conceituação de Drucker (1985) mencionada no capítulo III, que afirma que “a inovação é
a função específica do [a] empreendedor [a]… é o meio pelo qual ele [ela] cria novos
criar riqueza” (p. 37). Haveria, então, algum tipo de empreendedorismo que não fosse
que é introduzido, mesmo que este seja mais próximo do conceito de novidade
inovadores pode ser facilmente comprovado pelo fato de que o órgão governamental
inovação, entendendo que a grande maioria dos novos negócios é convencional, e também
45
Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas.
cciii
5.3.2. Incubação de empresas
Em março de 2008, o Brasil contava com quase 400 incubadoras de empresas (Oliveira e
brasileira à inovação. A grande maioria das incubadoras brasileiras tem vínculos com
que as criações ali gestadas possam se apresentar ao mercado de potenciais usuários dos
especialmente no momento em que os negócios nascentes têm que buscar investidores (as)
ou capital de risco. Em uma das entrevistas realizadas ao longo da elaboração desta tese46,
sua idéia fosse “roubada” ou, em outras palavras, que seu projeto fosse apropriado pelo
capital que desenvolveria o “seu” projeto de forma autônoma e diferente de sua proposta
original. Essa empreendedora, embora tivesse patenteado sua invenção, receava que o
caminho entre a invenção e a inovação pudesse ser desviado por interesses econômicos
1980, talvez possa ser explicada em função do fato de que, em sua fase nascente, as
empresas são mais inovadoras e a incubação pode trazer inúmeros benefícios para
viabilizar os projetos criativos e reduzir a taxa de mortalidade (Plonski, 2008). Esse apoio
brasileira.
46
Ver capítulo VI desta tese.
cciv
5.4. Ambidestría individual
outros. Em função de seu poder de introduzir aquilo que é diferente, original, novo, a
competitividade atual.
erro, discutida no presente capítulo, introduz o assunto que se tratará no capítulo seguinte,
próprios.
propósito em alguém ter um computador em sua casa” (K. Olsen, presidente da empresa
ccv
Digital, 1977) ou “Que uso pode ter esse brinquedo elétrico?” (W. Orton, presidente da
Western Union, rejeitando pagar US$ 100.000 pelo invento de Graham Bell). A
novo bem, cujos consumidores ainda não estejam familiarizados, seja na introdução de um
novo método de produção e que tenha sido gerado a partir de uma descoberta científica ou
ainda na abertura de um novo mercado em que uma área específica da indústria não tenha
questão relevante nas pesquisas sobre a criatividade no universo dos negócios. Em outras
organizações.
Embora o discurso da inovação esteja cada vez mais presente, inúmeros obstáculos ainda
quanto a riscos e fracassos, a falta de liberdade para funcionários (as) desenvolverem seus
dentre outros.
interna ao invés da ênfase plena com relação ao mercado, como ocorre com o elemento
estético do design, que introduz inúmeras questões antes restritas ao universo artístico que
devem ser gerenciadas por organizações em que ainda prevalecem os velhos modelos de
gestão.
ccvi
É importante frisar que a ambiência mencionada traz conseqüências na carreira dos
que: a) auto-realização não tem relação necessária com aumento de produtividade (p. 174),
competência não se confunde com eficiência (p. 183), Baxter (1982) conclui que “embora
o atual sistema de trabalho ainda seja baseado na alienação do self da pessoa em relação ao
indivíduo criticamente consciente avaliar que, enquanto seus esforços para alcançar a
da organização, [...], eles podem também levar à emergência de uma força interior ou
coragem ontológica do ser que, por sua vez, servem como um trampolim para sua
participação em uma forma de trabalho que não tem origem na alienação para com um
outro” (Baxter, 1982, p. 185). A autenticidade do eu [self] demanda, por vezes, a ruptura
com o outro [organização]. Há uma ambidestría individual que obriga o sujeito a gerenciar
47
A análise de Baxter (1982) sobre alienação / estranhamento ou autenticidade / auto-realização está baseada
na relação eu – outro, sendo o outro, a organização. Tal como Martin Buber, em seus estudos sobre a inter-
subjetividade [eu – tu], Baxter também conclui que, nesta relação, pode haver encontro ou desencontro,
diálogo ou surdez.
ccvii
Capítulo VI
ccviii
Do intraempreendedorismo criativo ao empreendedorismo inovador
qualitativa com pessoas que criaram seu próprio negócio, manifestando de forma aplicada
idéias e projetos inovadores. Foi possível realizar a pesquisa com pessoas em processo de
empreendimentos inovadores.
diante de projetos potencialmente inovadores são três dos fatores que se revelaram como
revelou-se como a força vital propulsora para a continuidade das pessoas entrevistadas no
ccix
que promovem a criatividade e a inovação e o empreendedorismo sob a forma de criação
Essa estratégia foi considerada mais adequada do que o uso de questionários porque estes
Igualmente não foi escolhida a observação devido ao tempo que esta tática demandaria.
Além disso, as narrativas são situações que podem ser analisadas a partir das categorias e
6.2. A estratégia
dado empírico que revela a história de cada um dos sujeitos. Nela seria apreciada a
dificuldades e a ação empreendida. A expectativa idealizada era de que cada caso pudesse
etapas. Por meio das narrativas, seria possível analisar os dados e informações sobre o
nas narrativas, a relação entre a empresa e sua busca por inovação e a participação da
ccx
Com iniciativas intraempreendedoras, essas pessoas tiveram tais idéias rejeitadas pelas
organizações nas quais trabalhavam e, a partir daí, envidaram esforços para criar a sua
6.3. Método
Tendo em vista que a criatividade é um objeto que não pode ser reduzido a itens, o estudo
de caso se impôs como caminho para permitir a apreensão do maior número de aspetos do
dos aspectos pertinentes a este estudo. Optou-se, portanto, pela realização de entrevistas
implicadas. A questão básica dessa metodologia era buscar (descobrir) padrões e situações
6.4. População
Foram buscados, como sujeitos da pesquisa, profissionais que passaram por alguma
uma idéia ou projeto criado por eles mesmos. Pressupunha-se que a vivência de criação de
posteriormente, tivessem criado sua própria empresa para poder realizar projetos que não
foram aceitos nas empresas que os contratavam. Na prática, esse critério de escolha dos
ccxi
sujeitos foi afunilado para pessoas que eram proprietárias de empresas incubadas num
centro incubador da cidade de São Paulo e outras que foram por elas indicadas.
Não houve busca de representatividade neste estudo com relação às organizações como
um todo e tampouco foi adotado um critério amostral. O objetivo foi observar a condição
cada um dos sujeitos, havia elementos que permitiam supor a existência de um processo
criativo que o levou a empreender alguma ação inovadora. Não houve dúvidas que esse
grupo não poderia ser considerado representativo de alguma população, porém todos eles
6.5. Procedimentos
ccxii
Feitos os contatos com pessoas do ambiente de negócios inovadores, foram identificados
imprimiram novo rumo à sua trajetória profissional para realizá-la. A partir dessas
indicações, foi feito o contato telefônico com os potenciais sujeitos e, através de uma pré-
concordância de todos (as) os (as) entrevistados (as) que, em sua maioria, manifestou
Na entrevista para a coleta de dados, cada sujeito foi convidado a relatar livremente o
pessoais, profissionais e circunstanciais que teriam alguma relação com essa trajetória
roteiro (descrito a seguir) utilizado apenas pela entrevistadora para avaliação de eventuais
roteiro foi um apoio significativo para evitar digressões, que não contribuíssem para o
tema central e para se ter um mesmo referencial de dados esperados em relação a todos os
seis sujeitos.
ccxiii
ROTEIRO
Dados biográficos
Família de origem
elas)
Família atual
entre elas)
Fatos significativos
ccxiv
Trajetória profissional
Projeto empreendedor
superação dos obstáculos. Tendo em mãos as narrativas e esse roteiro para analisar a
ccxv
quadros 1 a 6, em que nas colunas à esquerda são colocadas as categorias e nas colunas à
direita são reproduzidas as frases proferidas pelo sujeito, referidas a cada uma delas.
Para se elaborar os quadros, foram efetuadas diversas leituras de cada entrevista tendo
Essa técnica de análise de conteúdo foi apoiada nos procedimentos de Bardin (2007). A
identificação das categorias acima descritas foi realizada a partir de destaque em cores das
Os dados foram organizados em um quadro para cada sujeito, sendo cada quadro
precedido por uma síntese dos dados biográficos e profissionais de cada sujeito. Ao final
À exceção de uma pessoa que declarou não dispor desse tempo para esta finalidade, todos
os demais sujeitos disponibilizaram o tempo necessário para a entrevista que foi realizada
6.7. Resultados
Os resultados obtidos são apresentados na forma de um quadro para cada sujeito que, a
seguir, passam a ser denominados aleatoriamente pelas letras do alfabeto. Antes de cada
quadro, há uma síntese dos dados biográficos e profissionais de cada sujeito e, ao final da
ccxvi
descrição do caso, elaborou-se um comentário em que a ação empreendedora é
Caso A: sexo feminino, criou e patenteou adesivo tendo a água como solvente. Em sua
trajetória profissional, teve rejeitado um projeto para desenvolver esta nova linha de
produtos em empresa em que trabalhava. Mesmo sem contato direto com a linha de
produção, a toxicidade dos solventes utilizados nesse tipo de produtos foi causadora de
uma doença diagnosticada como muito grave. Ela desenvolveu a fórmula, criou a própria
de sua empresa para testar e prototipar a idéia. Tendo avançado muito no desenvolvimento
Categoria Caso A
• Meu pai queria ter negócio próprio, não queria seguir ao passos da sua
família, por isso veio para o Brasil, com cinco filhos. Encontrou um
mundo muito estranho. Perdeu dinheiro. Sempre foi muito ativo como
comerciante. Sua ambição era provar para si mesmo que não ia dar errado.
• Meu pai veio para o Brasil, perdeu, ganhou, etc., mas sempre dizia que ia
• Minha mãe trabalhava junto com meu pai. Meus pais esperavam muito dos
brigar. Ajudá-lo fez com que eu ficasse mais fluente para me virar.
• Sou divorciada.
ccxvii
pessoais criativas e a ser proprietária, empresária.
empreendedoras • A família que veio para o Brasil não tinha ninguém. “Tem que dar certo”,
era frase do meu pai. Arrumei emprego pelo jornal. Não havia quem
diferentes.
coisa.
• Se eu me aposentar, quero viajar, dar aulas para criança, ser guia turística,
gosto de pessoas.
para trabalhar. Não sou só uma técnica, mas me interessa pelas vendas”.
invenção, criação • Não parei neste produto. Tenho tantas idéias. Tudo começa na curiosidade.
ccxviii
fomento
• Gosto de sentir que dou o melhor para a pessoa, de empregar muita gente,
A pessoa, aqui denominada caso A, teve sua trajetória profissional bem sucedida na área
inovação de produto com tecnologia limpa. A toxicidade dos produtos que eram, até então,
fabricados na empresa em que ela trabalhava produziram efeitos nocivos à sua saúde e ela,
empresa própria que contou com o apoio de uma incubadora de empresas de base
assim motivada não compete com outros (as), mas com um nível de exigência
internalizado (“Tem que dar certo”). Revela-se também a causalidade pessoal, definida por
ccxix
pessoa criar sua própria empresa depois de ter seu projeto rejeitado pela organização em
Caso B: sexo feminino, criou e patenteou novo eletrodoméstico de linha branca. Detectou
a necessidade do produto pela própria vivência e acreditou que o incômodo que sentia pela
ausência de um produto como aquele poderia ser compartilhado por outras mulheres.
Contou com o apoio do irmão para realizar as primeiras experiências e com a incubadora
Categoria Caso B
Dados biográficos • Depois de uma experiência de 18 anos como comissária de vôo, resolvi
Características • “Vendi” a idéia para meu irmão e ele aceitou bem. Trabalhávamos nos
pessoais criativas e finais de semana e nos feriados. Levamos seis meses para equacionar os
/ ou problemas técnicos, como o fato de que uma roupa que já foi passada e só
empreendedoras tem pequenas marcas é diferente da roupa que acabou de ser lavada. Isso
espera da patente, decidi que meu TCC na faculdade seria sobre este
ccxx
produto em sua casa, com meu irmão.
Descoberta, • Passar roupa é uma coisa que não dá para apertar um botão e deixar a
invenção, criação máquina fazendo enquanto vai estudar ou fazer outra coisa.
então, vender para empresas. Foram três empresas de grande porte e, nas
três, em reuniões com gerentes, diretores, etc., eu e meu irmão fomos tidos
não vai sair; isso não é possível; demoraria três a quatro anos para
ccxxi
nesse mundo, alguém já teria pensado nisso”. Na segunda empresa,
ouvimos “Se sair a patente, ...”. Na terceira, a frase era mais ou menos
• Uma das empresas que havíamos procurado nos procurou depois que já
escrito, coisa que não fizemos. Esta empresa lançou produto semelhante
nos EUA.
patrimônio.
sobre o assunto. Este me disse que não entendia nada de passar roupas,
mas pediu que fizesse uma demonstração para a sua esposa, dizendo que
“Ela que vai avaliar” e, se desse certo, ele toparia fazer uma máquina
para alisar 15 a 20 peças de roupa. Era grande e eu tive que mudar toda a
Ninguém gosta de passar roupa. Queriam que nós fizéssemos mais um.
como este. A idéia foi muito bem aceita. Os dados indicavam que 97% das
ccxxii
No caso B, a idéia de criar um novo eletrodoméstico surgiu da experiência prévia
passaram entre a vivência nesta profissão e a ação empreendedora que deu origem ao
negócio atual, revelando que uma idéia pode permanecer incubada por longo período no
plano inconsciente e ser acessada pelo consciente quando a pessoa está diante de uma
O caso B apresenta duas peculiaridades não comuns aos outros em que se sobressaem
aspectos discutidos na literatura: a primeira diz respeito ao medo que a pessoa manifesta
estudo de Zibarras et al. (2008), a saber, o “medo de ser criticado ou culpado”. O segundo
aspecto diz respeito à origem da idéia que levou à criação do produto. A pessoa (caso B)
pessoas nutriam o mesmo sentimento que ela sobre isso e desenvolveu uma solução que
liberasse a ela e a outras pessoas dessa atividade. Na tipologia proposta por Unsworth
Caso C: sexo masculino, criou empresa na área de telefonia. Em função de uma vivência
pessoal no contato com familiares que estavam em outras cidades, percebeu a necessidade
de comparação de preços entre operadoras que prestam esse tipo de serviço e “inventou”
ccxxiii
um sistema que possibilita a comparação de preços, subsidiando a tomada de decisão
Categoria Caso C
Dados biográficos • Morávamos em um sítio na periferia da capital de São Paulo, era como se
fosse interior, atividades da família eram rurais, mas não como fonte de
renda. A família nuclear eram meus pais e minha irmã, pois o irmão mais
velho estudava em colégio interno e depois, foi morar com um tio no Rio
Características • Muita leitura, desde pequeno, aos 12 anos já havia lido tudo que havia na
pessoais criativas e biblioteca de casa (mais de 100 livros), incluindo a bíblia sagrada. Leitura
um ano, pois não gostei da cultura da empresa. Mudei para uma empresa
ccxxiv
estrangeira de automação industrial, da qual gostei muito do trabalho e do
projeto.
invenção, criação filhos moravam no interior e eu tinha que selecionar a operadora para ligar
ou inovação para eles, pesquisei as tarifas delas e verifiquei que era muito complexo até
consciência de não ser capaz mais trabalhar em algo que não me motivasse
e no qual não acreditasse, de não ser capaz de seguir ordens que eu não
ccxxv
• A dúvida naquele momento era se ainda seria possível encontrar um
desenvolvimento contínuo. Não era uma dúvida, era uma certeza, não
existia.
Superação de
obstáculos
de problemas enfrentados em seu cotidiano. Vale notar que, embora grande número de
pessoas enfrente este mesmo problema em seu dia-a-dia, não são todos que desenvolvem
ações empreendedoras e inovadoras para resolvê-lo, revelando assim que uma das
impulsos criativos.
O fato de que, no caso C, a base para a criação do sistema inovador ligado à telefonia
originou-se na busca de solução para problemas que a pessoa enfrentava em seu cotidiano,
chamada telefônica das operadoras que prestam o mesmo tipo de serviço – dependeu da
preço. O elemento criativo está no arranjo peculiar dos dados que, combinados, oferecem
a solução ao problema.
ccxxvi
O caso C configura uma invenção (identificação e combinação de propriedades da
A criatividade manifesta neste caso ocorreu a partir de elementos cujas propriedades eram
técnica com a experiência de ter ajudado, anos antes, a irmã com seu negócio na área de
incubada.
Categoria Caso D
Dados biográficos • Eu tinha uma formação muito valorizada pelo mercado: experiência em
conhecimento das relações das empresas com órgãos públicos (nota fiscal,
ccxxvii
farmacêutica, que queria, desde o começo de sua carreira, abrir uma
por conta própria. Com isso (autoconhecimento) passei a perceber que não
sênior) a partir do qual ia ser promovido a diretor ou teria que buscar outra
alternativa. Comecei a perceber que não estava satisfeito e não era com o
diretor, teria que cumprir o que não estava a fim: ser político, entrar num
amoldava ou desistia.
ou inovação de negócios no mercado. Voltei à origem com minha irmã, para a área de
ccxxviii
estruturando. Depois da idéia do projeto, precisava de dados específicos
daquele nicho.
idéia.
Obstáculos
Superação de • Minha esposa é médica, deu força, entrou de sócia. Ela trabalha com
da minha esposa.
simultaneamente, ajuda sua irmã que tem um negócio próprio. Em determinado momento,
Esse caso (caso D) ilustra, dentre outros, o fenômeno do insight. No momento em que
decide abrir o próprio negócio, o sujeito se pergunta por que não combinar a experiência
profissional que teve na área de nanoemulsões com o ramo de cosméticos que conhecia
por meio do negócio de sua irmã. Esse movimento integra suas duas “carreiras”, a técnica
inovador.
ccxxix
Caso E: sexo feminino, proprietária de empresa na área de assessoria de imprensa.
Pioneira na prestação desse serviço no Brasil, que não contava com este tipo de negócio,
adaptou para a realidade local idéias provenientes de outros países com que teve contato
por meio da agência em que trabalhava. Associou-se a uma colega de trabalho para abrir
incubadoras.
Categoria Caso E
Dados biográficos • Há dez anos atrás, tive a síndrome do pânico (após um aborto). Fiz terapia
até muito tarde da noite trabalhando. Meu pai trabalhava numa empresa de
• Eu era a única filha mulher, dois irmãos, 10 anos mais velhos. Quando
tinha 18 anos, lia cinco livros ao mesmo tempo, estudava inglês, russo
gostava como usuária, não como programadora. Fiquei frustrada, mas fui
pessoais criativas e isto. Meu marido tinha loja de tecnologia no esquema de franchising. Eu
fazer algo muito bem (“tá no sangue”) e quer fazer do jeito dele. É mais
ccxxx
fácil ter emprego garantido. Difícil é enfrentar os momentos em que não se
tem renda. Hoje eu me sinto como uma fênix que renasce a cada dia, no
juntas numa mesma agência por quatro anos, com uma mesma empresária
passo para depois decidir qual fazer... Fiz Ciências Sociais na USP em
consegui seguir as duas faculdades. A USP era muito longe de casa. Fiquei
invenção, criação formação em Relações Públicas. No Brasil, por jornalistas. Eu olhava para
ou inovação os outros países, havia outra visão, outros serviços eram oferecidos aos
clientes.
ccxxxi
vinculada a grupos americanos; absorvi a visão de lá. Tropicalizei. Aqui já
havia empresas fazendo isso, mas para grandes grupos. Foi um nicho de
preocupação.
negócio.
duas
mantinha um olhar inovador, atento àquilo que se fazia em empresas estrangeiras, por
exemplo, e uma atitude inconformista com relação à falta de visão de futuro que via em
seu ambiente de trabalho. Contando com o apoio de uma amiga que compartilhava o
mesmo sentimento, decidiu iniciar seu próprio negócio, visando desenvolver essa visão
ccxxxii
inovação, sustentada na adaptação de certas práticas a uma realidade diferente. Não se
trata de plágio, mas de criação, da mesma forma que as fantasias e variações produzidas
por Louis Moreau Gottschalk sobre os hinos nacionais de vários países ou as Bachiannas
Brasileiras, de Villa Lobos. Cria-se sobre algo que já existe, mas introduz-se a marca
pessoal da criação. Quanto à pessoa criativa, o caso, como os demais, ilustra a força da
Categoria Caso F
Dados biográficos • Família de imigrantes que vieram para o Brasil “sem um tostão no bolso”.
O avô começou como mascate vendendo gravatas que lhe eram dadas pelo
irmão que havia chegado há mais tempo no Brasil, mesmo sem saber falar
sobreviveram do comércio.
Características • “Saber ouvir sem julgar” para poder entender o que o cliente quer e o que
/ ou
empreendedoras
invenção, criação
ou inovação
Obstáculos • O momento mais legal é quando a idéia é “parida”. Depois, vem o diretor
ccxxxiii
legal. Nem ver a propaganda na TV.
campanhas de grande alcance na mídia. Trabalhando para grandes empresas, ele não
encontrava sua plena realização profissional, revelando que, mesmo nas chamadas
individual.
No caso F, fica patente a distinção entre o momento da criação e sua posterior apropriação
por outrem, gerando estranhamento no sujeito da criação. O caso ilustra também a tensão
criativas.
Do ponto de vista biográfico, destaca-se, como no caso A, a convivência com outra cultura
O exame dos casos mostra elementos comuns aos sujeitos e revela claramente o processo
por si mesmo estimula estudos futuros mais amplos, explorando aspectos revelados em
ccxxxiv
Considerando as tipologias descritas por Unsworth (2001) no capítulo II, os
escolha auto-determinada, não foram respostas a demandas externas. “Na escolha auto-
“escolhe se engajar na solução criativa de um problema no qual ele (a) não está
visão de Unsworth (2001), pois houve a “busca ativa por problemas para resolver ou o
ações foram causadas por demandas externas, ou seja, os indivíduos se engajaram nesse
tipo de comportamento porque a situação assim o exigiu. O caso F revela diversas facetas
989), fator que o afasta da grande organização e o leva à criação de seu próprio negócio. O
caso ilustra também que a criatividade encontra mais espaço para expressão nas indústrias
o contato precoce com o “outro”, o “diferente” pode contribuir para a inovação. A teoria
ccxxxv
da Gestalt, com seu princípio figura – fundo, ajuda a explicar este processo. Nos casos
mencionados, identidade e alteridade se alternavam, ora como figura, ora como fundo,
indicou que, desde criança, ela acompanhava seu pai em visitas comerciais e o auxiliava
como tradutora e intérprete, da língua portuguesa para sua língua de origem e vice-versa.
Esse fenômeno talvez possa ser explicado pela afirmação de que as “pessoas estão
normalmente tão mergulhadas na própria cultura que não a vêem” (Lubart, 2008) e alerta
humana.
Mesmo que a descoberta e a invenção não estejam sempre presentes, a criatividade está
subjacente a todos os casos de inovação estudados. Esse fato leva à reflexão sobre os
motivos que estimulam as pessoas a criar. Como mencionado no caso C, inúmeras pessoas
que enfrentam o mesmo problema cotidiano não se motivaram a criar um sistema que as
ajudasse a resolvê-lo. Assim, é possível afirmar que as pessoas criativas são diferenciadas.
inovação e, desse ponto de vista, pessoas criativas são estratégicas. Entretanto, mesmo
ccxxxvi
neste contexto, é possível identificar muitos casos de pessoas que optaram pela criação de
uma nova empresa pelo fato de ter seus projetos, ideais ou criações rejeitadas nas
demandaria novos estudos. Pode-se perguntar se isso se deve à cegueira dos agentes de
ccxxxvii
Capítulo VII
ccxxxviii
Conclusões
vista dos elementos conceituais como com relação às investigações empíricas procedidas.
Recomendações para futuros estudos, bem como sugestões contributivas para pesquisas e
ccxxxix
O final do século XX é um marco histórico para o sistema capitalista, período em que o
todas as ordens não mais servem de bússola norteadora para a ação humana. É também um
momento em que não basta mais produzir em série ou possuir a propriedade de um meio
pequenos negócios podem ser expulsos a qualquer momento de um mercado cada vez
mais competitivo. O mesmo se aplica aos (às) profissionais que devem se atualizar,
diferencial.
competitivo que dependerá da criatividade - este estudo indicou que, paradoxalmente, elas
[empresas / organizações] nem sempre apóiam a viabilização das idéias e atos criativos de
seus (suas) colaboradores (as). O ranço dos modelos tradicionais de gestão emperra os
ccxl
deles teve seus projetos ou idéias inovadoras recusadas, apontando para o fato de que a
cultura organizacional é uma questão crucial para inovação e esta pode se configurar como
obstáculo ao longo desse processo. Pelo menos em um dos casos estudados, o efeito
estavam subjacentes.
Muitos anos de convivência com um modelo de gestão que zela pela conformidade aos
estética, fazem com que a flexibilidade do olhar para o reconhecimento do novo ainda seja
uma exceção e não a regra. A inovação e a criatividade devem enfrentar, então, a rigidez e
a cristalização desse modelo para poderem florescer nas organizações e na vida social em
geral.
parâmetro distintivo entre o que é criativo daquilo que não é, mesmo que se reconheça a
existência de um continuum entre eles. Uma vez que não há originalidade em si mesma,
condição que levou à escolha desse tipo de caso como objeto de estudo desta tese.
preciso assinalar o papel das limitações das quais o sujeito deve libertar-se, que se
prendem a uma indiferenciação inicial entre o real, o possível e o necessário” (p. 10), as
ccxli
apresentaram como reais, visualizando os possíveis, seja com relação ao objeto de suas
seus negócios.
O capitalismo metafísico (Lash, 2007) traz consigo inúmeras questões antes restritas ao
Essa ambiência gera conseqüências na carreira dos indivíduos. Para alcançar a auto-
criatividade nos negócios, objeto de estudo desta tese, não difere essencialmente da
pode ser analisado a partir de mais de uma abordagem. Alguns podem ser vistos como
objetivação (casos D e E); outros são analisados como transcendência (casos A e B). e,
ccxlii
Na tipologia de Unsworth (2001), importa não somente o resultado do processo criativo
para a análise do ato criativo, mas o tipo de engajamento do indivíduo com relação a ele.
Os sujeitos estudados não criaram a própria empresa porque a situação assim o exigiu ou
resolver motivadas por razões interiores. O cenário atual demanda profissionais assim
diferenciados, mas, como se viu, nem sempre os apóia ou contribui para a viabilização de
criatividade com a saúde mental48, uma vez que o sujeito que exerce as funções que
experiência criativa.
48
Lembrando que, para a psicanálise, a fixação e a tendência à repetição seriam as características das
diversas patologias.
ccxliii
Segurança e liberdade psicológicas são dois dos atributos do clima favorecedor para o ato
organizações que propiciam a seus (suas) colaboradores (as) espaço e tempo para criar e
apoio a idéias e projetos de risco, bem como aprofundar a análise de outros casos de
Concluir este estudo é gratificante pela percepção de que a questão inicialmente proposta
continua em aberto. No percurso de elaboração desta tese, aprendeu-se que, mais do que
resolver problemas, uma pesquisa serve para levantar problemas e investir criatividade em
sua compreensão.
ccxliv
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