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Governos recorrem ao Estado para



superar a crise

Durante a crise estrutural que abalou os alicerces da economia mundial no período 1914-
1945, ocorreram três importantes mudanças econômico-políticas em nível internacional:

1. mudança de sistema: urna parcela da Humanidade apartou-se da economia


capitalista e começou a construir, a partir da União Soviética, um novo regi-
me social com base no ideário socialista; o novo regime social se ampliaria
para o Leste Europeu e parte da Ásia logo ao final da Segunda Guerra;
2. descolonização: parcela importante da Humanidade, que vivia sob regime
colonial, sobretudo na Ásia, África e Oriente Médio, conquistou sua in-
dependência política; ao mesmo tempo, ocorriam importantes mudanças
econômico-sociais em países importantes da América Latina, corno Brasil,
Argentina e México;
3. mudança da economia capitalista: a economia capitalista experimentaria um
profundo processo de mudança, passando o Estado a ter um papel crescente
na regulação econômica e na produção e distribuição de riqueza; ao mesmo
tempo, seriam criados instrumentos de regulação em nível internacional.

.Estado garante a prosperidade econômica mundial

Estava mais do que evidente que o capitalismo não poderia continuar funcionando à
moda antiga. E foi assim que, para poder sobreviver e viver um novo período de prospe-
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de, teve que submeter-se a uma profunda transformação: passou a recorrer, crescen-
ente, ao papel do Estado na economia.
O Estado, quer produzindo ou distribuindo rendas, quer regulando ou protegendo as
omias nacionais, foi o principal impulsionador do desenvolvimento dessa nova fase
capitalismo.
Foi a era de ouro do keynesianismo,' que, com sua proposta de intervenção do Esta-
na economia - aplicação no capitalismo da ação consciente e coletiva, evidentemente
- ~ . o que seria possível, em se tratando de uma economia fundada na propriedade pri-
- e no lucro -, havia triunfado sobre os dogmas liberais de que o mercado pode tudo,
até então, predominavam na ideologia dominante.
Esses dogmas atribuíam ao mercado um papel que já não podia cumprir numa época
que os trustes e cartéis haviam forjado uma nova estrutura econômica que deixara
trás a época da livre concorrência.
John Maynard Keynes havia se formado na Escola Neoclássica,? que, desenvolvida
a década de 1870 e o começo do século XX, professava o pensamento liberal na
mia.

- pensamento, partindo do postulado da livre concorrência, concluía que as forças


- mercado, se operassem livremente, seriam capazes de regular a economia de for-
- eficiente, conduzindo-a ao equilíbrio. Em outras palavras, desde que se deixasse
economia "andar por si só", isto é, desde que a economia fosse regulada única e
~ente pelas forças de mercado, sem qualquer "interferência externa" (leia-se:
7 do), ela tenderia ao equilíbrio; não haveria crises.

Antes da Grande Depressão, dois discípulos de Keynes, Edward Chamberlin (1947)


Robinson (1933), e o economista italiano Piero Sraffa (1926) haviam demonstra-
e o postulado na livre concorrência já não correspondia às estruturas de mercado
es. O que predominava era o que designaram de concorrência imperfeita ou con-
- cia monopolista. Antes deles, Rudolf Hilferding já demonstrara que o processo de
tração e centralização de capital havia conduzido à formação de uma estrutura de
do em que predominavam os monopólios (ver Capítulo 1).
~r outro lado, já havia uma vasta literatura sobre o comportamento cíclico da eco-
- capitalista, que vinha se desenvolvendo desde o começo do século XIX.Teve entre
- iciadores Sismondi de Sesmondi, Johann Karl Rodbertus e Robert Malthus e havia

ianisrno refere-se a John Maynard Keynes, economista inglês da primeira metade do século xx. Sua
obra: Teoria geral do emprego, do juro e do dinheiro.
seus principais formuladores, encontram-se Menger, Leon Walras, Alfred Marshall, J. B. Clark, Irving
.Jevons, Wicksell.
32 Economia Internacional Contemporânea • Souza

chegado a uma formulação mais acabada na obra econômica de Karl Marx. Entre o final
do século XIX e começo do XX, ocorrera um intenso debate sobre o tema, no qual inter-
vieram Karl Kautski, Otto Bauer, Rosa Luxemburgo, RudolfHilferding, Tugan-Baranovski,
Vladimir r. Lênin, Joseph Schumpeter, entre outros.
Além disso, na busca de sair da crise, vários governos haviam começado a promover
a ação estatal na economia. Nos EUA, o presidente eleito em novembro de 1932, Franklin
Delano Roosevelt, estava implementando o New Deal ("Novo Acordo"), que se concentra-
va na realização de fortes investimentos estatais em infraestrutura (sobretudo no devas-
tado Vale do Tenessee) e em ações que visavam a uma melhor distribuição de renda. Ao
mesmo tempo, por meio de leis antitruste e de regionalização do sistema financeiro, o
governo Roosevelt procurava limitar a ação das corporações monopolistas.
No Brasil, o governo que assumira em 1930, presidido por Getúlio Vargas, adotava
ações destinadas a manter e ampliar a demanda efetiva," bem como a favorecer o proces-
so de industrialização do país.
Essas medidas deram certo e os dois países começaram a sair da crise. O Brasil foi o
primeiro país a começar a sair da crise.
A União Soviética, que, desde os anos de 1920, tinha o Estado como principal instru-
mento de regulação econômica, nem chegara a entrar em crise.

Foi nesse contexto que Keynes formulou sua teoria, que expôs em sua principal obra,
Teoria geral do emprego, do juro e do dinheiro, publicada em 1936. Chegou a uma
conclusão oposta à do pensamento neoclássico. Para ele, se se deixasse a economia
"andar por si só", isto é, ser regulada unicamente pelas forças de mercado, ela tende-
ria ao desequilíbrio, à crise, sendo, portanto, necessária uma "força externa" (leia-se:
Estado) para tirá-Ia da crise.

Concluiu Keynes (1970) que, quanto mais cresce o nível de renda da economia, tam-
bém cresce o consumo total, mas a um ritmo inferior, isto é, os acréscimos de consumo
derivados dos acréscimos de renda tendem a ser cada vez menores, devendo parar de
crescer em determinado nível de renda. Com isso, a propensão a consumir diminui com
o crescimento da renda. Entendendo a renda nacional como igual ao produto nacional, o
consumo tenderia, portanto, a crescer menos do que a produção.

3 Como a melhoria do poder de compra dos salários, a realização de investimentos públicos e a compra e
destruição dos excedentes do café - esta última destinada a manter a renda e consequentemente a demanda do
núcleo central da economia brasileira na época. Ao mesmo tempo em que o governo promovia a mudança de
uma economia primário-exportadora para uma de base urbano-industrial, procurava manter e mesmo aumen-
tar a demanda efetiva.
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Mas, completa Keynes, a crise só se instaura quando há um colapso do que ele cha-
mava de eficiência marginal do capital (EMC), que seria a expectativa de rendimento
que poderia ser obtido pelo investimento da última unidade de capital. É a maneira
keynesiana de ver o comportamento da taxa de lucro. Vários fatores poderiam levar
ao colapso da EMC, dentre eles a percepção, pelos empresários, de que estaria haven-
do uma queda 'da propensão a consumir.

Keynes agrega em seu raciocínio o que chamou de "preferência pela liquidez", que,
segundo ele, cresce com a queda da EMC, à medida que os empresários, para fugirem da
__eda da EMC, aumentam sua demanda por recursos líquidos, dinheiro, para especular.
Esse aumento da demanda por moeda pressionaria a taxa de juros para cima. Com a
_::!edada EMC, ao lado da subida dos juros, caem os investimentos, reduz-se a demanda
-; meios de produção, demitem-se trabalhadores, cai a massa salarial, cai o consumo e
ura-se a crise.
o raciocínio de Keynes se parece muito com o de Marx, elaborado seis décadas antes.
este, a crise era deflagrada pela queda da taxa de lucro, ao atuar sobre a despropor-
- entre produção e consumo e entre os setores da produção. A diferença é que Marx
:::2balhava com a queda efetiva da taxa de lucro, e não com sua expectativa de queda,
o faz Keynes.
Mas essa não é uma diferença substancial, na medida em que, no fundamental, a
tativa keynesiana de queda do rendimento futuro é baseada no comportamento
- . o observado na taxa de lucro e, por outro lado, para Marx, não é necessário esperar
eolapso efetivo da taxa de lucro para os empresários cortarem seus investimentos; ao
berem que a tendência à queda está se verificando, passam a esperar que ela vai
.:: . ocorrendo (expectativa) e, em face disso, antecipam o corte dos investimentos.

3avendo concluído que, deixada ao livre jogo das forças de mercado, a economia ca-
~sta tenderia ao "desequilíbrio", Keynes formulou a tese de que, com a interven-
- do Estado na economia, as crises poderiam ser evitadas ou amenizadas; o Estado
bém poderia atuar para retirar a economia da crise. Isso porque o Estado, por
- ão pautar seu comportamento pela busca do lucro, poderia realizar investimentos,
-esmo com a EMC em queda; além disso, através do gasto público e de políticas de
redistribuição de renda, poderia estimular o consumo, compensando a tendência à
eda da propensão a consumir.

o maior mérito de Keynes foi haver sistematizado melhor o que já havia de elabora-
- sobre o papel do Estado na economia capitalista, desde as formulações de Malthus,
do pelas de Alexander Hamilton e Friedrich List, até as de Karl Manhein.
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Ele pode ser criticado por haver atribuído ao Estado mais do que ele poderia dar,
mas percebeu que, na época em que predominam estruturas monopolistas, torna-se im-
possível a saída automática das crises, fazendo-se obrigatória a ação do Estado, ou seja,
seria impossível pensar o funcionamento da economia capitalista contemporânea sem
o papel do Estado, a despeito das teorizações dos que consideram o mercado um "Deus
ex machina" .
.'

o peso econômico do Estado cresceu desde então, a ponto de ter passado a represen-
tar, na década de 1960, mais de um terço do PIE nos principais países capitalistas,
sendo que em muitos países europeus chegou a superar os 50%. Nos EUA, a partici-
pação dos gastos públicos no PIE aumentou de 8,1% em 1929 para 33,2% em 1970;
na Alemanha, essa participação cresceu de 27% em 1928 (já crescera durante a Re-
pública de Weimar na década de 1920) para 42,5% em 1969.

Esse processo de aumento da participação do Estado na economia, mais tarde desig-


nado de Welfare State ("Estado de bem-estar") e que se generalizou para praticamente
toda a Europa no período de pós-guerra, havia tido seu embrião na República de Weimar
na Alemanha, mas só se consolidou com o New Deal de Roosevelt, nos EUA.
Ao se aumentar o papel do Estado na economia, o que, na verdade, se estava fa-
zendo era a implementação de elementos de regulação consciente da economia para se
contrapor às turbulências provocadas pela operação anárquica e, portanto, inconsciente
do mercado. Era o uso de um método socialista - na verdade, o principal elemento de re-
gulação da economia socialista - para ajudar no planejamento da economia capitalista."

Os Acordos de Bretton Woods e as instituições multilaterais

Ao mesmo tempo em que intensificava a regulação estatal na esfera nacional, as po-


tências ocidentais criaram instrumentos internacionais que garantissem seus interesses e
a implementação de suas decisões no plano internacional.
Era uma resposta ao processo de internacionalização da economia que vinha ocor-
rendo desde o final do século XIX, quando o capital financeiro dos países centrais es-
palhou-se pelo mundo inteiro e a exportação de capital passou a preponderar sobre a
exportação de mercadorias.

4 Evidentemente, esse recurso a um método socialista no capitalismo tinha seus limites: (a) em primeiro lugar,
porque não podia ser tão consciente assim, já que, mergulhados na disputa diária pela busca do maior lucro, os
capitalistas não conseguem ter consciência do conjunto da realidade econômica para planejá-Ia globalmente,
ao mesmo tempo em que seus representantes no interior do Estado, ainda que possam ter uma visão aparente-
mente mais abrangente, têm sua consciência limitada pelos interesses particulares - dos capitalistas - que têm
de defender; (b) em segundo lugar, porque uma economia fundada na propriedade privada e na busca do lucro
limita, naturalmente, o alcance da ação do Estado. A ação do Estado só se realiza se conseguir garantir esse
lucro e esses interesses privados.
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:?<;seprocesso intensificou-se depois da Segunda Grande Guerra, com o desenvolvi-


de um novo personagem econômico, a grande empresa transnacional, que, como
produtivo do capital financeiro, passou a estender seus tentáculos por todas as
do globo.
• internacionalização da economia demandava a criação de instituições internacio-
Se em nível nacional, o Estado deveria atuar para regular a atividade econômica
se deixada ao .sabor das forças de mercado, tenderia ao "desequilíbrio" -, a in-
-:::!:~ctonalização crescente da economia exigiria também uma regulação internacional
-:::::::sr;iente.
Daí a "necessidade" de instituições supranacionais.

assim que, por ocasião da realização dos ''Acordos de Bretton Woods", em 1944,
--'"",,'m-se instituições multilaterais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI),
co Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (Bird), conhecido como
Mundial, e o Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (Gatt), que, em 1994,
- origem à Organização Mundial do Comércio (OMC).

esmo tempo, estabeleceu-se um novo sistema monetário internacional para


i::..::s:i'[tuj'lr o caduco padrão ouro. O dólar passou a funcionar como "dinheiro mun-
e assim servir de padrão monetário internacional.

acordo inicial previa que o FMI, que começou suas operações em 1947, deveria
os países membros de um código de conduta internacional, zelar pelo seu cum-
::=::e;;;:rro e prover de liquidez os países que entrassem em dificuldade em suas contas
~;:;;.25 (BAUMANNet al., 2004:374-375).
3anco Mundial também começou suas operações em 1947. Segundo Baumann et al.,

~i concebido como um instrumento para ajudar na reconstrução das economias europeias


afetadas pelo esforço de guerra. Na prática, contudo, esse papel ficou a cargo do chamado
?lano Marshall, e o Banco passou a lidar de modo crescente com o tema do 'desenvolvi,
mente econômico', e a atuar sobretudo junto a países subdesenvolvidos. Formalmente, seu
propósito era o de prover capital para investimento que permitisse elevar a produtívida-
e, o padrão de vida e as condições de trabalho dos países-membros (BAUMANN et al.,
2004:376).

-ssím, o FMI teria a responsabilidade de regular a política cambial e ajudar a solu-


os problemas das contas externas dos países-membros, enquanto ao Banco Mun-
::::L:JeIiaprover as condições para o desenvolvimento econômico dos países subde-
'dos.
ém se tentou criar, durante as negociações da Conferência de Bretton Woods,
-....,~il'~
sação Internacional do Comércio (OlC), com vistas à regulação das relações
===ao'onais de comércio. No entanto, o Congresso dos EUAvetou essa iniciativa, pois
36 Economia Internacional Contemporânea • Souza

via nela o risco de perda de autonomia na definição de sua política de comércio exterior,
bastante protecionista.
Três anos depois da Conferência, chegou-se a um acordo: não seria criada uma ins-
tituição, mas apenas um foro para a discussão das questões relacionadas ao comércio
internacional. Instituiu-se, então, o Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (Gatt, na sigla
"
em inglês).
Outra importante decisão da Conferência consistiu na instituição de um novo padrão
monetário internacional. O sistema monetário internacional, que antes se baseava no
padrão-ouro, passou a ter o dólar como principal referência monetária internacional."
Inicialmente funcionando apenas em acordos bilaterais e ocupando a libra o segundo
lugar, esse novo padrão monetário, centrado no dólar, generalizou-se a partir de 1958.
Desde então, "não apenas as moedas dos diversos países tornaram-se conversíveis entre
si, via operações de mercado, como incluía a conversibilidade do dólar em ouro, à taxa
de US$ 35 por onça de ouro" (BAUMANNet al., 2004:373).

Para que o dólar fosse aceito como "dinheiro mundial", os EUAcomprometeram-


se a cumprir duas condições:

• paridade em relação ao ouro - ou seja, o dólar teria uma cotação fixa em


relação ao ouro, não podendo, portanto, sofrer desvalorizações;
• livre-conversibilidade - isto é, quem dispusesse de dólar poderia trocar por
ouro junto ao Tesouro dos EUA; portanto, esse Tesouro não poderia emitir
moeda se não contasse com um lastro correspondente em ouro.

Elevação da taxa lucro alavanca economia no pós-guerra

A intervenção estatal foi a principal responsável pelo crescimento econômico do mun-


do capitalista no período de pós-guerra. Mas o que move a economia capitalista é o lucro.
Ela cresce quando a taxa de lucro é elevada e declina quando a taxa de lucro cai. Nesse
caso, a intervenção estatal só favorece o desenvolvimento do capitalismo se propiciar a
manutenção de elevadas taxas de lucro ou, pelo menos, se bloquear sua tendência a cair.
Depois da guerra, vários fatores contribuíram para elevar e manter elevadas as taxas
de lucro nos países capitalistas centrais. No caso dos EUA, por exemplo, a produtividade
por homem-hora aumentou em 139% entre 1946 e 1969 contra um aumento de apenas

5 Vale registrar que, durante a Conferência, John Maynard Keynes, quê representava o governo inglês, propôs
que o novo padrão monetário internacional, em lugar de basear-se na moeda de um único país, se sustentasse
numa cesta de moedas dos principais países. Mas a delegação dos EUAimpôs o dólar como "dinheiro mundial".
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40,6% do salário real. As condições de vida dos trabalhadores melhoraram, mas a um


ritmo muito inferior ao aumento da sua produtividade. E, como consequência, a partici-
pação dos salários no valor agregado caiu de 40,7% em 1947 para 35,6% em 1957.
Na Alemanha Federal, a participação dos salários no produto nacional, que, graças
violenta repressão nazista, havia caído de 64% em 1932 para 57% em 1938, só voltou
30 nível de 1932 em 1956. No Japão, a renda mensal real dos assalariados baixou de um
::.ldice de 100 em 1934-1936 para 84 em 1952 (YAFFE;BULLOCK,1978: 104-105).
Os monopólios japoneses e alemães desfrutaram de maiores vantagens ainda, não
~nas porque contavam com salários mais baixos do que nos EUA,6mas, também, por-
_ e, avançando tecnologicamente mais rapidamente do que aquele país e, portanto,
rebaixando mais rapidamente seus custos, podiam obter um lucro extra no mercado
emacional. 7
Mas, contraditoriamente, a economia mundial capitalista só pôde ingressar em nova
a expansiva graças à destruição de forças produtivas realizada pela Grande Depressão
_ as duas guerras mundiais. Vejam quanta irracionalidade: para preservar-se, essa eco-
'a teve que destruir o que com base no trabalho criativo construiu antes. Era o meio
- conter o desenvolvimento das forças produtivas dentro da forma como o sistema se
::maniza para produzir. Foi essa destruição que restabeleceu, no pós-guerra, as condições
- valorização do capital - isto é, as taxas de lucro - compatíveis com a recuperação eco-
. ica nos moldes capitalistas.
O mecanismo funcionou mediante um grande rebaixamento dos custos industriais
portanto, uma grande elevação da taxa de lucro. A destruição de forças produtivas é a
zesrruição e consequente desvalorização (barateamento) dos elementos do capital fixo
,quinas, prédios, equipamentos) e da força de trabalho. O capital fixo foi destruído-
ralorizado tanto pela ação concreta da guerra quanto pela falência de empresas pro-
da pela crise. Isso permitiu que as grandes empresas sobreviventes pudessem adqui-
as empresas falidas a preço vil, o que possibilitou baratear seus custos fixos.
Além disso, considerando a imensa capacidade ociosa gerada durante a crise, era
, el aumentar a produtividade e a produção sem, necessariamente, ter que aumentar
- vestimentos em capital fixo, o que permitia rebaixar os custos unitários das merca-
:rias à medida que a produção ia crescendo, acarretando como resultado a elevação da
de lucro.
A elevação significativa das taxas de lucro, num ambiente de crescente intervenção
na economia, abriu caminho para a incorporação ao processo produtivo de tecno-
mais eficientes que haviam sido desenvolvidas antes e durante a Segunda Guerra
dial, dando um novo impulso à economia. Esses avanços tecnológicos resultaram, no
=::::rullllental, de maciços investimentos públicos, mostrando, mais uma vez, o significado
papel do Estado no período.

~ 1970, por exemplo, enquanto os salários por hora pagos nos EUAeram, em termos médios, de US$ 4,20,
.2:;lão eram de US$ 0,99 e na Alemanha de US$ 2,32 .
.êja Capítulo 6.
38 Economia Internacional Contemporânea • Souza

No entanto, essa substituição crescente do trabalho humano pela máquina poderia


levar a que a massa de capital investido crescesse mais rapidamente do que a incorpo-
ração de trabalho vivo ao processo produtivo e, por conseguinte, do que a produção de
valor novo, podendo provocar a queda da taxa de lucro."

.'
Dois fatores, porém, compensaram essa tendência no período:
Em primeiro lugar, como já vimos, o salário real, mesmo que crescendo no período,
o fazia a uma taxa inferior ao aumento da produtividade do trabalho. Portanto, o au-
mento da relação lucro-salário contrabalançava a tendência à queda da taxa de lucro.
Em segundo lugar, ocorreu, então, o barateamento relativo das matérias-primas pro-
duzidas nos países do Terceiro Mundo e adquiridas pelos países desenvolvidos. Isso
pode ser demonstrado através dos termos de intercâmbio? dos produtos manufatura-
dos dos países ricos em relação aos produtos primários oriundos dos países pobres.
A produtividade do trabalho na indústria, como é natural, se desenvolve mais rapi-
damente do que na agricultura. Por isso, o valor dos produtos industriais deveria,
em princípio, baixar mais rapidamente do que o valor dos produtos primários. Os
preços destes últimos deveriam, portanto, aumentar mais rapidamente do que os
dos primeiros, ou seja, a relação de troca (relação entre os preços) deveria variar a
seu favor. Entretanto, de 1953 a 1968, a relação variou de 170 para 187 a favor dos
produtos industriais. Isso significa transferência de renda produzida na agricultura e
mineração dos países pobres para os monopólios industriais dos países ricos.

Poder-se-ia pensar que esse impulso ao crescimento da economia dos países desen-
volvidos no período de pós-guerra poderia ser bloqueado por uma eventual limitação do
mercado. Não que o mercado mundial estivesse caindo, mas poderia crescer menos do que
a produção, devido exatamente aos fatores que estavam contribuindo para elevar a taxa
de lucro: a contenção salarial nos países ricos (crescimento salarial inferior ao aumento da
produtividade) e a drenagem de renda a partir dos países pobres. Acrescente-se a isso a
subtração de parte do mercado mundial capitalista decorrente do ingresso de novos países
no campo socialista.
Essa deficiência do mercado, no entanto, foi, em grande medida, compensada pela
deflagração da corrida armamentista, estimulada pelo clima de "guerra fria" e favore-
cida, inicialmente, pela guerra contra a Coreia. A indústria bélica, que experimentara
importante crescimento antes e durante a Segunda Guerra, passou, a partir de então, a

8 No capítulo anterior, demonstramos matematicamente a tendência da taxa de lucro a cair ao 'longo do pro-
cesso de expansão da economia capitalista.
9 Termo de intercâmbio é a relação de troca entre produtos exportados e produtos importados, ou, dito de
outra forma, é o poder de compra dos produtos exportados. Para calculá-lo, divide-se o índice de preço dos
produtos exportados pelo índice de preço dos produtos importados (ver Elementos de Economia Internacional no
sítio <www.EditoraAtlas.com.br».
Governos Recorrem ao Estado para Superar a Crise 39

constituir-se em decisivo componente da expansão da economia capitalista em sua nova


- e. Criava-se, com ela, um novo componente do mercado mundial.'?
E seu financiamento era conseguido através da emissão de dólares sem lastro e da
brança, pelo governo e bancos estadunidenses, dos empréstimos que haviam feito ao
orço bélico da Europa e à reconstrução econômica europeia e japonesa.
Os EUA viviam, portanto, em um nível de consumo e de produção superior à sua
'pria capácidade de poupança e investimento.
Percebe-se que o crescimento da economia capitalista no pós-guerra passou a de-
der da deformação de seus próprios mercados, inclusive mediante a esterilização de
zapacidade produtiva através da indústria de armamentos, ou seja, produzindo bens que
- eram consumidos pela população, mas, ao contrário, eram utilizados para destruí-Ia.
:::::..
mais uma vez, aí estava o papel do Estado, pois era ele que financiava e patrocinava a
'da armamentista. A economia de guerra passou, pois, a constituir-se em parte indis-
s:x:iável do funcionamento da economia capitalista.

estionário

Quais as principais mudanças que ocorreram na economia mundial no imediato pós-


guerra?
Por que, segundo Keynes, o Estado deveria intervir na economia?
Quais as causas das crises econômicas de acordo com Keynes?
Demonstre com dados como cresceu o papel do Estado na economia no período de
pós-guerra.
Relacione as instituições multilaterais criadas em Bretton Woods e defina o papel de
cada uma delas.
Quais as bases do sistema monetário internacional criado em Bretton Woods?
Que fatores provocaram a elevação da taxa de lucro nas economias desenvolvidas no
período de pós-guerra?
Como foi compensada a deficiência do mercado mundial provocada pelo aumento da
relação lucro-salário e pela queda dos termos de intercâmbio dos países pobres em
relação aos ricos?

ências bibliográficas

- ~N, R.; CANUTO,O.; GONÇALVES,R. Economia Internacional: teoria e experiên-


:rrasileira. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.

- a respeito Monopolização da economia aumentou gravidade e duração da crise, integrante do Material de


- «www.EditoraAtlas.com.br».

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