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Introdução ao
Estudo do Direito
1ª edição
rio de janeiro 2014
Comitê editorial externo aurélio wander bastos e paulo roberto soares mendonça
Comitê editorial interno edna raquel hogemann, fernanda rivabem schaffer e solange ferreira
de moura
Autores dos originais edna raquel hogemann (capítulos 1, 3, 8 e 10), paulo roberto soares
mendonça (capítulos 2, 4, 5 e 9) e fernanda rivabem schaffear (capítulos 6 e 7)
Redação final e desenho didático raphaela novaes de moraes e monica pinto da veiga
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por quais-
quer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou
banco de dados sem permissão escrita da Editora. Copyright seses, 2014.
isbn: 978-85-60923-11-3
Apresentação 7
1. Conceituação Básica 9
Conceito de norma 76
Estrutura lógica e características da norma 76
Normas de conduta 76
Normas de organização 77
As diversas classificações da norma 78
Quanto ao tipo de comando 78
Quanto à amplitude 79
Quanto ao elemento espacial 80
Quanto ao elemento temporal 81
Quanto aos efeitos sobre o fato 81
Quanto às fontes 82
Os planos da vigência, validade e eficácia da norma 82
Da Vigência 83
Competência e legitimidade do órgão
responsável pela edição da norma 83
Da Validade 83
Da Eficácia 84
O desuso das leis e as leis anacrônicas 84
Direito costumeiro e validade normativa 85
Jurisdição 184
Princípios relacionados à Jurisdição 184
Principais características da jurisdição: 185
Estrutura e infraestrutura do poder judiciário brasileiro 185
Em síntese, as principais funções dos órgãos jurisdicionais são: 186
Supremo Tribunal Federal 186
Superior Tribunal de Justiça 186
Justiça Federal 186
Justiça do Trabalho 186
Justiça Eleitoral 186
Justiça Militar 187
Justiças Estaduais 187
Organograma da estrutura do poder judiciário brasileiro 187
As funções essenciais à Justiça 188
Apresentação
O Projeto Livro Didático Estácio propicia a construção de obras coletivas que reúnem profes-
sores das instituições da Rede Estácio de Educação Superior e professores de outras institui-
ções de ensino, com o objetivo de fornecer aos estudantes da Estácio material didático ade-
quado aos Projetos Pedagógicos e Planos de Ensino das disciplinas dos cursos de graduação.
O Livro Didático de Introdução ao Estudo do Direito representou um grande desafio
para os autores, professores experientes, tendo em vista que, embora seja uma disciplina
fundamental do início do Curso de Direito, seu conteúdo é de grande complexidade.
Buscamos tornar o conteúdo da obra acessível ao aluno ingressante, sem simplifica-
ções conceituais. Este Livro Didático deve ser visto como uma ponte de acesso aos conhe-
cimentos introdutórios de Direito. Aqui você encontrará a base, o mínimo essencial para o
prosseguimento de seu Curso de Direito.
Esperamos que você, estudante, aproveite esta obra ao longo de seu curso e que os conheci-
mentos nela contidos sejam os fundamentos da construção dos seus conhecimentos jurídicos.
9
1 Conceituação
Básica
ATENÇÃO
CONCEITO
A disciplina Introdução ao Estudo do Direito funciona como a chave que os auxiliará
Direito a abrir as portas para o mundo do Direito, ao trazer noções fundamentais para a com-
É uma ordem da conduta humana. preensão do universo jurídico, referindo-se a diversos conceitos científicos utilizados
É um conjunto de normas e regras que no Direito, com objetivos pedagógicos.
possui o tipo de unidade que se entende
como sistema. Uma resposta comum é que Direito é o jus-
to, o que está de acordo com a lei. É a capacida- O que é
de que se tem de praticar ou não praticar um Direito?
ato. O benefício que se tem de exigir de quem Qual a sua
quer que seja, em proveito próprio, que prati- importância
que ou deixe de praticar algum ato. E, do mes-
em nossa
mo modo, Direito é o conjunto de normas jurí-
dicas em vigor em um país. sociedade?
ATENÇÃO
É importante saber que os conceitos básicos de Direito ao longo dos tempos vão
mudando. Eles mudam de acordo com os padrões individuais e sociais de cada épo-
ca vivida. Assim, hoje se considera que o Direito é uma ordem da conduta humana.
12 • capítulo 1
Os conceitos comuns aos diversos ramos do Direito são universalizados, institucionali-
zados, e independente do ramo a que se referem, serão os mesmos.
EXEMPLO
Exemplos desta universalização são os conceitos de lei, princípios, relação jurídica, dever jurídico,
entre outros.
ATENÇÃO
Além das diversas funções citadas, vale ressaltar que a Introdução ao Estudo do Direito permite uma
adaptação do estudante ao mundo jurídico, de forma a conciliar os conhecimentos por ele já acumulados,
com os que irá receber.
capítulo 1 • 13
Noção elementar do direito
Compreender o Direito não é questão das mais fáceis e estudá-lo requer a percepção de
que o Direito é um fenômeno, antes de tudo, social e de decisão, sem perder sua dimensão
histórica, porque se refere ao que deve ser feito por todos em uma determinada sociedade,
em um determinado espaço e tempo.
EXEMPLO
Quando se recebe uma multa por excesso de velocidade, quando se compra um produto e se tem que pa-
gar o imposto que está embutido no preço final dele, quando se tem que fazer a declaração de rendimentos
ao fisco a cada início de ano, e mesmo, quando se percebe que o que era obrigatório antigamente, hoje não
é mais, deparamo-nos com questões ligadas a direitos e deveres.
ATENÇÃO
O Direito é um fato ou fenômeno social que não existe senão na sociedade. O Direito estabelece os limites
de ação de cada um de seus membros.
Quando se diz que não é direito ao homem viver na miséria ou não é direito abusar da bo-
a-fé alheia, tais expressões revelam o sentimento do que não se acha justo, do que não há
justiça, ou não é justo.
Da mesma forma, é comum ouvir dizer que saúde é direito de todos, toda criança tem
direito a um lar e estas expressões trazem a ideia de que os bens saúde e lar são devidos, por
justiça, aos mencionados.
ATENÇÃO
Um primeiro significado, de extrema importância, da palavra direito é conforme a justiça ou devido por
justiça, expressão do justo.
O segundo significado se refere a quando se diz, por exemplo, que o direito brasileiro
proíbe o roubo ou que está escrito no direito que todos são iguais. Neste caso, o sentido da
palavra direito é o mesmo que legislação ou lei, ou seja, o conjunto de normas legais em
vigor do país.
14 • capítulo 1
EXEMPLO COMENTÁRIO
Da mesma forma pode-se dizer que o direito obriga ao pagamento da multa por Ao longo de seu processo de evolução
excesso de velocidade ou, ainda, o direito permite a remuneração do trabalho. Igual- histórica o Direito se apresenta como
mente, nestes dois casos, a referência é a legislação, norma ou conjunto de normas um conjunto de normas que tem por ob-
jurídicas. Nestes casos, a expressão deve ser utilizada com a primeira inicial maiús- jetivo a disciplina e a organização da
cula (Direito). vida em sociedade, solucionando os
conflitos de interesses e promovendo à
Outros significados da palavra direito são poder e faculdade. No caso, justiça..
direito é usado para sugerir o poder ou a faculdade que pertencem a uma
pessoa natural ou a uma empresa.
EXEMPLO
Direito, neste sentido, é utilizado, por exemplo, nas seguintes frases: o eleitor tem o direi-
to de votar, o locador tem o direito de cobrar o aluguel, o herdeiro tem o direito a receber
a herança, o contratante tem o direito de cobrar a realização do serviço ao contratado.
ATENÇÃO
Existe, então, o Direito como uma ciência cujo objeto de estudo é o fenômeno jurí-
dico. Esta ciência busca sistematizar o conhecimento sobre o direito como um fenô-
meno jurídico, para que se possa compreendê-lo e utilizá-lo.
capítulo 1 • 15
to), certeza aritmética (cálculo direito), correção moral (homem direito) ou, então, um dos lados
de qualquer objeto (lado direito, oposto ao esquerdo).
RESUMO
OUTRAS POSSIBILIDADES
16 • capítulo 1
Filosofia do Direito
Sociologia Jurídica
Existe um ramo da Sociologia Geral, chamado Sociologia Jurídica que estuda o direito do
ponto de vista sociológico como um fato social.
A Sociologia Jurídica estuda o fato social em sua estrutura e funcionalidade, procuran-
do saber como os grupos humanos se organizam, se relacio-
nam e desenvolvem, em razão dos inúmeros fatores que atu- A Sociologia
am sobre as formas de convivência. Jurídica se
A preocupação da Sociologia Jurídica é saber até que ponto preocupa com
as normas jurídicas se tornam realmente válidas, se na prática o direito vivo,
correspondem aos objetivos dos legisladores e seus destina-
que se passa
tários, posto que seja fundamental para o legislador produzir
normas dotadas de eficácia social. O sociólogo estuda e anali- segundo a
sa os múltiplos aspectos do fato jurídico e sua interação com vontade do
demais fatores sociais. O que interessa é a eficácia das leis. homem, o SER.
Ciência do Direito
capítulo 1 • 17
COMENTÁRIO História do Direito
História do Direito O Direito vive impregnado de fatos históricos, que comandam seu rumo
A História do Direito permite que o es- e sua compreensão exige, muitas vezes, o conhecimento das condições
tudante considere as transformações, sociais existentes à época em que foi elaborado.
rupturas e permanências dos institutos A História do Direito é uma disciplina jurídica que tem por finali-
do direito ao longo da história, tendo dade a pesquisa e a análise dos institutos jurídicos do passado. Busca
como modelo o direito vigente. Por outro compreender o pensamento jurídico e o ordenamento jurídico vigentes,
lado, contribui no processo pelo qual o como produtos de progressivas construções no tempo, tendo como re-
estudante se reconhece como um ator ferência o encontro de visões de mundo que se constroem a partir das
social, um sujeito da história (da sua realidades política, social, mental, cultural e econômica das sociedades
própria e de sua sociedade), potencial que, em cada tempo, colaboraram para sua produção.
transformador da realidade sociopolítica A História apresenta o Direito que se consolida como fruto de seu
e jurídica do mundo em que vive. tempo, evidenciando que sua legitimidade busca raízes mais profundas
na tradição histórica e mental da sociedade que o determina.
Psicologia jurídica
EXEMPLO
A psicologia jurídica atua nas questões que envolvem capacidade ci-
vil, imputabilidade, guarda, tutela de crianças e adolescentes, alienação
parental e curatela de interditos, por exemplo.
18 • capítulo 1
EXEMPLO CONCEITO
Alguns princípios orientadores do direito contratual, com fundamento no individualismo Moral
e no liberalismo, inconciliáveis com a moral cristã e, portanto, com a moral ocidental. A moral pode ser conceituada como o
conjunto de práticas, costumes e pa-
drões de conduta, formadores da ambi-
Apesar disso, o jurídico não está excluído de julgamentos éticos. ência ética.
ATENÇÃO
Ponto de partida→ Direito e Moral = instrumentos de controle social
Moral identifica-se com a noção de bem.
EXEMPLO
Não matar, não furtar, respeitar os mortos, os túmulos, o culto e os símbolos
sagrados. No Direito Privado, é no Direito de Família que os deveres e regras
morais estão mais presentes.
capítulo 1 • 19
CONCEITO Distinção quanto à forma
Heteronomia As normas de Direito são postas pelo legislador, pelos juízes, pelos usos
A heteronomia vem do grego hetero — e costumes, sempre por terceiros, podendo os seus mandamentos coin-
diversos e nomos — norma. cidir ou não com as convicções que temos sobre o assunto. Podemos cri-
Ela é a característica do Direito que es- ticar as leis, das quais dissentimos, mas devemos agir em conformidade
tabelece que este se impõe à vontade com elas, mesmo sem lhes dar adesão de nosso espírito. Isso significa
do indivíduo — ou seja, a lei é imposta que elas valem objetivamente, independentemente, a despeito da opi-
ao indivíduo, e exterior a ele. nião e do querer dos obrigados.
Já a autonomia vem do grego auto — Essa validade objetiva está além Diz-se que o Direito
própria e nomos — norma. das pessoas, das normas jurídicas, é heterônomo,
A Moral é autônoma, é de foro íntimo, as quais se põem, por assim dizer, porque aquilo
cada um tem seus próprios valores mo- acima das pretensões dos sujeitos
que juridicamente
rais e que, não necessariamente, são de uma relação, superando-as na es-
iguais aos dos demais indivíduos. trutura de um querer irredutível ao
somos obrigados
querer dos destinatários, é o que se a cumprir é posto
denomina heteronomia. por um terceiro, o
Estado.
COMENTÁRIO
Nem todos pagam imposto de boa vontade. No entanto, o Estado não pretende que,
ao ser pago um tributo, se faça com um sorriso nos lábios; a ele, basta que o paga-
mento seja feito nas épocas previstas. Por outro lado, a adesão espontânea às leis
não descaracteriza a heteronomia do Direito.
20 • capítulo 1
Enquanto o Direito é bilateral, a Moral é
COMENTÁRIO
unilateral.
Direito Civil
ATENÇÃO Há um dispositivo expresso do Código
Civil (art. 112, CC) que declara que os
Chama-se a atenção para o fato de que este critério diferenciador não se baseia na contratos devem ser interpretados se-
existência ou não de vínculo social. Se assim o fosse, seria um critério ineficaz, pois gundo a intenção das partes contratan-
tanto a Moral quanto o Direito dispõem sobre a convivência. tes. No mesmo Código Civil, verifica-se
A esta qualidade vinculativa, que ambos possuem, utiliza-se a denominação alterida- que os atos jurídicos podem ser anu-
de, de alter, que significa o outro. lados por dolo, erro, coação ou fraude
(arts. 138 e ss., CC).
Não é correto estabelecer uma “muralha” entre Direito e Moral,
pois o Direito não se preocupa só com a exteriorização e a Moral com
os aspectos interiores. A Moral também necessita da prática exterior da COMENTÁRIO
intenção. O Direito, por sua vez, em determinadas ocasiões, questiona
as intenções de quem comete certos crimes, notadamente os dolosos e Linhas Diferentes
culposos. Enquanto a Moral se preocupa pela vida
De maneira idêntica, pode-se dizer que o Direito Civil não prescinde interior das pessoas, como a consciên-
do elemento intencional. cia, julgando os atos exteriores apenas
Foi a garantia da liberdade religiosa que levou pela primeira vez a como meio de aferir a intencionalidade,
diferenciar-se o Direito da Moral; embora a teoria da exterioridade fosse o Direito cuida das ações humanas em
errônea, teve grande valor histórico. primeiro plano e, em função destas,
O Direito se caracteriza pela exterioridade, enquanto que a Moral, quando necessário, investiga o animus
pela interioridade. Com isto se quer dizer, modernamente, que os dois (intenção) do agente.
campos seguem linhas diferentes.
CONCEITO
Coercibilidade do Direito e incoercibilidade da Moral
Coercível
Uma das notas fundamentais do Direito é a coercibilidade. Capaz de acionar a força organizada
Entre os processos que regem a conduta social, apenas o Direito é do Estado, para garantir o respeito aos
coercível. seus preceitos.
A via normal de cumprimento da norma jurídica é a voluntariedade
do destinatário, a adesão espontânea. Ou seja, o certo é que todos cum-
pram a lei espontaneamente. Mas, se isso não acontece, a coação se faz
necessária, essencial à efetividade da norma.
capítulo 1 • 21
CONCEITO integram o corpo social.
Moral ATENÇÃO
Moral é o conjunto de normas ou regras
destinadas a regular as relações dos in- Esta reação, que se manifesta de forma variada e com intensidade rela-
divíduos em uma determinada sociedade, tiva, assume caráter não apenas punitivo, mas exerce também uma fun-
em um determinado momento histórico. ção intimidativa, desestimulante da violação das normas morais.
22 • capítulo 1
mas às leis que o próprio ser humano escolhe seguir, por isso, é um ser AUTOR
moral e não simplesmente um ser da natureza. Para Kant, a racionali-
dade moral é o argumento definitivo para entender o ser humano como
absolutamente valioso.
Para o autor, somente é moral uma ação que seja praticada em função
dela mesma, independente de qualquer outra motivação externa a ela.
ATENÇÃO
Para o filósofo alemão, imperativo categórico é o dever de toda pessoa agir confor-
me os princípios que ela quer que todos os seres humanos sigam, que ela quer que
sejam lei da natureza humana.
O imperativo é categórico se a ação determinada por ele possui va- Immanuel Kant(1724-1804)
lidade em si mesma, não depende de outro objetivo que seria atingido Filósofo alemão. Fundador da filosofia
pela ação. crítica.
O imperativo categórico é enunciado por Kant com três diferentes Kant nasceu, viveu e morreu em Konis-
fórmulas: berg, uma cidade da Prússia Oriental
(Alemanha).
“Age como se a máxima de tua ação devesse tornar-se,
IMPERATIVO CATEGÓRICO Sua obra é dividida em dois períodos
por tua vontade, lei universal da natureza.”
fundamentais: o pré-crítico e o crítico.
"A máxima do meu agir deve ser por mim entendida
IMPERATIVO UNIVERSAL O primeiro (até 1770) corresponde à
como uma lei universal, para que todos a sigam.”
filosofia dogmática.
“Age de tal modo que possas usar a humanidade, tanto O segundo período corresponde ao
em tua pessoa como na pessoa de qualquer outro,
IMPERATIVO PRÁTICO que ele mesmo denomina despertar do
sempre como um fim ao mesmo tempo e nunca
"sono dogmático" provocado pelo im-
apenas como um meio.”
pacto que nele teve a filosofia de Da-
A moral é histórica e acompanha o devir no mundo da vida, enquan- vid Hume. Escreve então obras como a
to modo de comportar-se específico do homem em determinada épo- Crítica da Razão Pura, Crítica da Razão
ca. Ao longo da história, Direito e Moral se aproximaram e se afastaram Prática e Critica da Faculdade de Julgar,
conceitualmente, em razão de diferentes correntes de pensamento. em que demonstra ser impossível cons-
É inegável a existência de diversas questões sociais que ao mesmo truir um sistema filosófico metafísico
tempo são jurídicas e de ordem moral, ou o contrário. antes de ter previamente investigado as
formas e os limites das nossas faculda-
EXEMPLO des cognitivas (do conhecimento).
O amparo material que os filhos devem dar aos seus pais quando são necessitados
é um exemplo de questão social que é ao mesmo tempo jurídica e moral. Esta é uma
questão regulada pelo Direito (Direito de Família) e com fundamento na Moral.
capítulo 1 • 23
CURIOSIDADE EXEMPLO
As leis que permitiam a escravidão no Um ato de gratidão feito a um benfeitor.
Brasil eram normas jurídicas imorais. A
norma que aceite a segregação racial Assim também, há problemas tão somente jurídicos que não pos-
também é uma norma imoral. suem qualquer relevância moral (amorais), como por exemplo, os pra-
zos processuais.
Pela força do ordenamento jurídico, para todos os efeitos, considera-
CURIOSIDADE se justa aquela norma que seja ao mesmo tempo jurídica e moral.
ATENÇÃO
É importante esclarecer que a Moral tem em vista que o indivíduo se afaste da prá-
tica do mal e pratique o bem, enquanto o objetivo do Direito é evitar que se lese ou
prejudique a outrem.
24 • capítulo 1
EXEMPLO
EXEMPLO
Isso acontece, por exemplo, com o dever do pai de cuidar do filho, e com a indenização por acidente de
trabalho. Mas não há uma norma jurídica específica que prescreva que o pai deve ter afeto pelo filho, ainda.
O ser humano é um ser gregário e político, vivendo em grupos, em sociedade. É natural que entre
tais grupos surjam conflitos, discórdias e interesses distintos entre si. Mas, outras características
do ser humano são sua necessidade de segurança e a busca pela harmonia social.
Para que a sociedade sobreviva é necessário que os conflitos sejam resolvidos (compostos) e
para tanto, os membros dos grupos sociais dispuseram de vários meios com o objetivo de estabe-
lecer limites às ações humanas e promover o equilíbrio à sociedade. Vejamos dois desses meios:
capítulo 1 • 25
Dessa forma, foram surgindo os instrumentos de controle e manutenção da ordem social.
ATENÇÃO
O Direito é um desses instrumentos, cujo principal objetivo é o estabelecimento de normas de conduta
visando prevenir o conflito e viabilizar a existência em sociedade, trazendo paz, segurança e justiça.
ATENÇÃO
Nesse sentido, as principais funções do Direito seriam solucionar conflitos e regulamentar e orientar a vida
em sociedade assim como, legitimar o poder político e jurídico.
26 • capítulo 1
CONCEITO
O Direito existe, em tese, muito mais para prevenir do que para corrigir, muito mais para
evitar que os conflitos ocorram, do que para compô-los.
A sociedade humana tem uma estrutura natural sem a qual falhariam as tentativas de
organizá-la: as instituições.
As instituições são vigas estabelecidas pelo costume, pela razão e pelos sentimentos,
que alicerçam a sociedade, estruturando-a. A mais antiga das instituições seria a família e
a mais relevante de todas seria o Estado.
Cumpre ao Estado a tarefa de estabelecer o ordenamento jurídico, que é o conjunto de
normas de conduta juridicamente relevantes para o conjunto da sociedade, realizado por
meio de procedimentos próprios, no processo legislativo.
capítulo 1 • 27
CONCEITO RESUMO
O Ordenamento Jurídico Vejamos um breve resumo do que foi apresentado neste capítulo:
Ordenamento Jurídico pode ser consi-
A palavra direito traz em si uma infinidade de significados.
derado como a organização e o disci-
plinamento da sociedade realizada por O Direito é uma instituição fundamental para a manutenção da sociedade e do ser
intermédio do Direito, ou seja, concre- humano em seu convívio social.
tizados por meio de normas exclusiva- O direito é um fenômeno que afeta todos os aspectos da vida humana.
mente jurídicas. Há uma relação entre Direito e Moral que se modificou ao longo da história.
ATIVIDADE
1. Analise o significado da palavra direito colocada entre parênteses em cada uma
das frases a seguir e, depois, aponte a opção CORRETA:
I - O direito brasileiro não permite a pena de trabalhos forçados. (lei)
II - O Estado tem o direito de julgar os criminosos. (faculdade/poder)
III- É direito que todos sejam iguais perante a lei. (justo)
IV- Ananias é especialista em direito. (ciência)
2. Não existe vida em sociedade sem direito. Nesta afirmativa o vocábulo DIREITO significa:
(A) Ciência
(B) Poder
(C) Norma
(D) Faculdade de agir
(E) Fato social
28 • capítulo 1
4. Leia as assertivas:
I - “O Direito não é o único instrumento responsável pela harmonia da vida social”. (Paulo Nader)
II - O conflito por vezes é inevitável, e necessário se faz solucioná-lo. E aí está outra função social do direito:
compor conflitos.
III - A Filosofia do Direito estuda o direito, o fenômeno jurídico, como um fato social, decorrente das rela-
ções sociais.
IV - A Ciência do Direito se preocupa com a normatividade do direito positivo – o dever ser.
5. Verifique no dicionário jurídico, quais são os conceitos de direito encontrados. Transcreva-os, indicando as
fontes consultadas. Exemplifique a diferença entre o senso comum e um conceito científico sobre o Direito.
6. Agora, com base nas experiências e conhecimentos até aqui adquiridos, para você, o que é o direito?
capítulo 1 • 29
2
A História do
pensamento
jurídico
paulo mendonça
2 CONCEITO
A História do
pensamento jurídico
A ideia do Direito natural: o Jusnaturalismo
Direito Natural Chama-se jusnaturalismo a corrente de pensamento que reúne todas as
Considera-se o Direito Natural como di- ideias que surgiram, no correr da história, em torno do Direito Natural, sob
reito justo por natureza, que independe diferentes orientações. Nele, há a convicção de que, além do Direito escrito,
da vontade do legislador, sendo deriva- há outra ordem, superior àquela e que é a expressão do Direito justo.
do da natureza humana (jusnaturalismo) O pensamento predominante na atualidade é o de que o Direito Na-
ou dos princípios da razão (jusraciona- tural se fundamenta na natureza humana, derivando de um conjunto
lismo) e sempre presente na consciên- de concepções de ordem moral, que se sucedem e se modificam ao lon-
cia dos homens. go dos séculos.
O Direito Natural forma um sistema superior de normas, preexisten-
te à normatividade estatal, que apresenta uma leitura moral impositiva
a respeito do Direito.
A partir do momento De acordo com a visão
em que o legislador se jusnaturalista, o legislador
desvincular da ordem
deve ser, ao mesmo tempo,
natural, estará criando
uma ordem jurídica ile- um observador dos fatos
gítima. O divórcio entre sociais e um analista da
o Direito Positivo e o Na- natureza humana.
tural gera as chamadas
leis injustas, que negam ao homem o que lhe é devido.
32 • capítulo 2
A partir de uma análise das diferentes experiências históricas, é possível identificar três
vertentes básicas acerca do direito natural, a saber:
Todas conduzem a juízos de valor, ou seja, diversas concepções sobre o Direito: isto corresponde a
dizer que toda a visão jusnaturalista, independentemente de sua essência, tem como pressuposto
uma leitura moral a respeito do direito, com base em valores previamente estabelecidos.
Tais juízos têm uma fonte universal e imutável na revelação, na natureza, ou na razão, de acordo com
o tipo de concepção que se adote: diante de tal fato, pode-se concluir que todas as correntes de
pensamento associadas ao jusnaturalismo partem do princípio da existência de apenas um Direito
Natural, que confirma os valores por ele preservado.
capítulo 2 • 33
CURIOSIDADE Seja na visão teológica, na universalista propriamente dita ou na racional-indi-
vidualista, em todas elas o Direito Natural é orientado por um conjunto de
Antiguidade princípios, expressos por valores supremos, que darão sistematicidade e
coesão ao conjunto das regras e diretrizes de ordem moral estabelecidas pelo
Período histórico compreendido, aproxi-
modelo de Direito Natural respectivo.
madamente, entre o século XXX A.C. e
Os juízos de valor prevalecem sobre a lei positiva: é uma premissa essencial do
o século V da Era Cristã.
Direito Natural a crença na existência de uma hierarquia entre a lei natural e a
lei positiva, sendo a primeira determinante da validade da segunda. Para o
jusnaturalista, a lei que contraria preceitos do Direito Natural não é válida.
EXEMPLO Qualquer relativização desta premissa implicará no enquadramento da corrente
de pensamento respectiva em outra vertente do pensamento jurídico, que não
A Antígona de Sófocles (494-406 a.C.): a do Direito Natural.
na tragédia grega já é possível identifi-
car uma preocupação com a correlação
existente entre a ideia de justiça e as Origens do Direito Natural
leis da cidade. Na Antígona, Sófocles
relata o julgamento da personagem de Uma vez estabelecidos os marcos conceituais básicos a respeito do
mesmo nome, que teria violado as leis Direito Natural, cabe realizar uma breve contextualização histórica
da cidade de Tebas, ao sepultar clan- das diferentes concepções sobre o Direito Natural, anteriormente
destinamente seu irmão Polinice, que descritas, a fim de situá-las de forma mais precisa no tempo e identi-
fora morto durante uma insurreição ficar as suas motivações.
contra o rei Creonte. De acordo com as
leis da cidade, aquele que fosse morto
em traição ao governo da cidade não Antiguidade clássica
teria direito a um sepultamento segun-
do os ritos, então consagrados, e seu
corpo deveria ser atirado aos cães. Em Grécia antiga
sua defesa, Antígona justifica o seu ato
com base em valores superiores, pois Os gregos foram os primeiros preocupados em estabelecer uma correla-
todo homem, por pior que tenha sido a ção entre o direito que vigorava na cidade e uma razão presente na natu-
sua conduta em vida tem direito a um reza, associada ao princípio de Justiça.
sepultamento digno: “tuas ordens não
valem mais do que as leis não escritas
e imutáveis dos deuses, que não são de Os Estoicos
hoje e nem de ontem e ninguém sabe
Segundo a filosofia
quando nasceram”. Foram os responsáveis pela
associação no mundo gre-
estoica, existiria uma
go entre a natureza e uma ordem natural das coisas,
ordem racional. imutável, igual em todas
Dentro deste equilíbrio as épocas e locais.
de uma ordem cósmica de-
verá se inserir a lei da cidade, que deve ser voltada não apenas a manter a
ordem social, mas também a fazê-lo de modo racional. Da mesma forma
que os elementos da natureza interagem de forma equilibrada, as leis
criadas pelos homens para regular a vida na cidade devem contar com
uma racionalidade extraída da ordem natural.
34 • capítulo 2
Os romanos
Por inspiração de Marco Túlio Cícero (106-43 a.C.), que é tido como o último dos estoicos ou o
estoico romano, os juristas romanos da Antiguidade foram capazes de converter em Institui-
ções de Direito o conjunto das ideias dos gregos, o que fez com que aquele vínculo constante
entre os valores superiores da ordem natural servissem de parâmetro para o processo técnico
de produção do direito e para a definição do próprio conteúdo de suas normas.
ATENÇÃO
Esses valores são à base do processo de construção do Direito Romano na Antiguidade desde a Repú-
blica até o Império.
O próprio conceito de Ius Gentium (“Direito das Gentes”) tem como fundamento uma
suposta universalidade do Direito. Com a expansão dos domínios territoriais dos Roma-
nos, surgiu uma dificuldade de ordem prática, uma vez que o Ius Civile arcaico era aplicável
somente aos cidadãos romanos, que eram os filhos de pai e mãe romanos.
Da necessidade de aplicar o direito às novas regiões que passaram a estar submetidas
ao poder dos romanos decorreu a institucionalização da figura do Pretor Peregrino, que era
exatamente o magistrado judicial, cuja competência compreendia a aplicação do direito
àqueles que não eram cidadãos romanos.
Ocorre que, em não sendo a eles aplicável o direito civil romano, os pretores peregrinos
passaram a criar um direito próprio, expresso por novas ações incluídas anualmente em
seus Editos, além das chamadas actiones in facto, que eram criadas a partir da resolução de
casos concretos, com base em princípios de equidade.
REFLEXÃO
Segundo Cícero, na República, Livro III, 17: “Existe uma verdadeira lei, conforme à natureza, gravada em
todos os corações, imutável, eterna; sua voz ensina e preserva o bem; suas proibições afastam o mal. Ora
com seus mandatos, ora com suas proibições, jamais se dirige inutilmente aos bons, nem fica impotente
ante os maus. [...] Essa lei não pode ser contestada, nem anulada, nem alterada em parte. Nem o povo,
nem o senado podem dispensar-nos de seu cumprimento; não há que procurar para ela outro comentador
nem intérprete, não é uma a lei em Roma, e outra em Atenas, uma agora, e outra depois, senão uma lei
única, eterna e imutável, que obriga entre todas os povos e em todos os tempos; um só será sempre o seu
imperador e mestre, Deus, seu inventor, sancionador e publicador, não podendo o homem desconhecê-lo
sem renegar-se a si mesmo, sem despojar-se de seu caráter humano e sem deixar de atrair sobre si as
penas máximas, ainda que tenha conseguido evitar os demais suplícios”.
A correlação entre este novo direito, chamado de Ius Gentium e o universalismo da ideia
de direito natural reside no fato de que este era um direito que surgia sem qualquer baliza-
mento anterior, que não os juízos de valor e a concepção de justiça preservados pelo magis-
trado romano, no momento em que se deparava com alguma situação inédita.
Tal procedimento sofreu uma massificação, até mesmo porque os destinatários do Ius
Gentium passaram a compreender a maior parte das pessoas submetidas à autoridade ro-
capítulo 2 • 35
COMENTÁRIO mana, chegando a um ponto em que este direito se mostrou mais dinâ-
mico e moderno do que o direito civil romano tradicional, suplantando
Direito ao final este último.
A leitura histórica sobre as origens do Fato é que, mesmo com o declínio da República Romana, com a con-
Direito constata que o seu nascedouro centração dos poderes nas mãos dos Imperadores, esta forma de apli-
está intimamente associado à existência cação do direito permaneceu viva, não mais sob a responsabilidade dos
de um parâmetro geral de Justiça orien- Pretores, uma vez que houve um enfraquecimento das magistraturas,
tador do processo de criação do Direito. e sim a partir da atuação dos jurisconsultos. Estes eram grandes estu-
diosos do Direito, que emitiam pareceres a pedido das partes nos pro-
cessos judiciais, a respeito de questões jurídicas inéditas, surgidas no
CURIOSIDADE curso dos litígios (conflitos).
Embora eles não fossem integrantes das magistraturas romanas,
Idade Média os pareceres dos prudentes passaram a ser a base para as Instituições
Período histórico compreendido, apro- do Direito Privado Romano, que são o berço do Direito Civil ocidental,
ximadamente, entre os séculos V e XV. sendo o processo de produção de tais ideias jurídicas essencialmente
fundado na utilização de princípios superiores de Direito de inspiração
jusnaturalista, na resolução de casos concretos.
A partir do Século IV, com a conversão dos imperadores romanos ao
cristianismo, teve início uma importante mudança em termos culturais
na Europa, principalmente no que se refere à passagem da cultura laica
que se afirmou com o mundo grego para uma leitura teológica da reali-
dade, que será base de todas as ideias no período medieval.
Com a queda do Império Romano do Ocidente, no Século V, há um
gradativo processo de perda dos vínculos com a cultura da Antiguidade,
notadamente a filosofia grega e o direito romano. Ambos serão suplan-
tados por um padrão cultural na Alta Idade Média, orientado por um
monoteísmo cristão e pela afirmação do poder temporal da Igreja.
36 • capítulo 2
ATIVIDADE CURIOSIDADE
Para saber mais: A Baixa Idade Média é o período compre-
Leia o livro O NOME DA ROSA, de Humberto Eco, ou assista ao filme de mesmo endido, aproximadamente, entre a segun-
nome, do diretor Jean-Jacques Annaud, produção Alemanha, Itália e França, da metade do Século XI e o Século XV.
1986, 130 min., son., color.
Fonte: IMDb
AUTOR
Com o advento do que se convencionou chamar de Baixa Idade
Média, expressivas mudanças ocorreram na Europa medieval, sendo
importante se destacar o processo de formação dos primeiros núcle-
os urbanos, a partir das corporações mercantis nascentes. Esse mo-
mento marca o renascimento cultural da Idade Média, com o surgi-
mento das primeiras universidades europeias e, com elas, a criação
de um ambiente de debate acadêmico orientado pela retomada dos
estudos da cultura da Antiguidade, notadamente da filosofia grega e
do direito romano.
Obviamente, a Igreja era e ainda será por um longo tempo uma força
poderosa em termos políticos e cultu-
rais na Europa medieval. Sendo assim,
é compreensível que o refinamento do
São Tomás de São Tomás de Aquino (1225-1274)
ambiente intelectual da Europa con- Aquino promoveu Teólogo e filósofo medieval, cuja princi-
tasse com o protagonismo dos mem- uma cisão da lei pal obra é a chamada Suma Teológica,
bros do clero. Primeiramente, porque natural divina, representa um dos principais nomes da
os textos da Antiguidade se encon- escolástica da Baixa Idade Média, tendo
inspirada pelo
travam depositados nas bibliotecas sido responsável pelo retorno ao estudo
clericais. Em segundo lugar, porque a
pensamento de dos filósofos da Antiguidade, principal-
intelectualidade medieval era formada Aristóteles. mente de Aristóteles, desenvolvendo os
basicamente pelos integrantes da Igre- fundamentos da concepção racional da
ja, que, inclusive, eram uns dos poucos a terem acesso às letras. Lei Natural, que será posteriormente a
Grande referência da chamada escolástica medieval, que representa- base do Direito Natural Moderno.
va basicamente uma espécie de releitura filosofia da Antiguidade, à luz
da teologia cristã, São Tomás de Aquino reafirma a existência de uma lei
natural primária, que corresponderia à concepção da Patrística, de uma
lei de Deus imutável e eterna, inacessível aos homens.
Todavia, Tomás de Aquino lança a ideia inovadora de uma lei na-
tural secundária, social e humana, que deve ser orientada pelos de-
sígnios do Criador, mas que pode não ser, uma vez que é produto do
intelecto do próprio homem.
O ideal é que a lei humana seja um instrumento para a concretização
do Reino de Deus na Terra, buscando o alcance do bem comum, expres-
so pela fraternidade cristã.
A importância do pensamento tomista (conjunto das ideias de S. To-
más de Aquino) para o campo do Direito Natural reside no fato de que a
repartição da lei natural por ele promovida lança as bases de uma nova
capítulo 2 • 37
CURIOSIDADE concepção sobre o Direito Natural, que irá ganhar corpo a partir da Idade
Moderna, que é exatamente aquela associada à Razão Humana.
Idade Moderna Não obstante se mostrarem conectadas no pensamento de Tomás
Período histórico posterior ao século de Aquino, as leis naturais primária e secundária são, na prática, in-
XVI — criação dos Estados Nacionais. dependentes:
38 • capítulo 2
AUTOR
Cada um nasce com determinados direitos que
DE DIREITOS preexistem e independem da vontade do Estado,
NATURAIS INATOS cabendo a este apenas declará-los.
capítulo 2 • 39
Canônico, o Direito Costumeiro e o próprio Direito Natural, tidas como irracionais, casuís-
ticas e contrárias aos ditames do Estado Liberal.
Investiu-se, então, na racionalização e sistematização do Direito, expressos na França
pelo movimento das codificações de direito, cujo documento referencial foi o Código Civil
francês de 1804, o chamado “Código de Napoleão”, que foi a base do positivismo jurídico
francês, expresso pela Escola da Exegese, que será estudada a seguir.
O jusnaturalismo experimentará um eclipse de aproximadamente um século, período
em que o debate jurídico gravita basicamente em torno do formalismo e do legalismo de
correntes do Positivismo Jurídico e da defesa do Direito como fato social promovida por
correntes de viés sociológico e realista.
CURIOSIDADE
Retorno ao Direito Natural após 1945
As atrocidades e perseguições praticadas em diversos países com base em regras de direito e os próprios
horrores da Segunda Guerra Mundial, que culminaram no Holocausto do povo judeu na Alemanha Nazis-
ta, no genocídio Estalinista na antiga União Soviética e no lançamento da bomba atômica em Hiroshima
e Nagasaki, levaram os juristas a um repensar do papel do próprio direito e a admitirem a existência de
um conjunto de direitos, de caráter universal, inerentes à pessoa humana, que devem ser respeitados em
qualquer sociedade, independente do regime político, como a vida, a liberdade, a dignidade, entre outros.
A Declaração Universal dos Direitos do Homem da Organização das Nações Unidas, de 1948, é um
documento representativo desta nova concepção universalista sobre o direito, fundada em valores supe-
riores, decorrentes da condição humana, representando, em realidade uma retomada da discussão ética
no campo do Direito, reabilitando a questão dos valores na reflexão jurídica, o que remete de certa forma,
à leitura axiológica do direito presente no jusnaturalismo.
HANNAH ARENDT – Ideias que chocaram o mundo. Direção: Margarethe Von Trotta. Pro-
dução: Heimatfilm. Alemanha/Israel/Luxemburgo/França, 2012, 113 min., son., color.
Fonte: IMDb
40 • capítulo 2
O positivismo jurídico CURIOSIDADE
Conforme destacado no item anterior, o positivismo jurídico surge na Common Law
Idade Moderna, a partir de uma preocupação em investir na sistemati- Denominação da tradição jurídica de
zação e na racionalização do direito, negando a importância das fontes inspiração britânica, fundada não na
casuísticas e imprecisas do direito, a começar pela ideia do Direito Natu- aplicação de textos de lei e sim em pre-
ral, que seria impregnado de considerações de ordem moral, que impos- cedentes jurisprudenciais, que servirão
sibilitavam a criação de um direi- de parâmetro (modelo) decisório para
to impessoal e igual para todos.
Por considerar a casos semelhantes no futuro.
Na visão positivista, a Ciência justiça um ideal
do Direito tem por missão estudar irracional, acessível
a correlação entre as normas que apenas pelas vias da
compõem a ordem jurídica vigen-
emoção, o positivismo
te. Em relação à justiça, a atitude
do positivismo jurídico é a de um
jurídico se omite em
ceticismo absoluto. relação aos valores.
Para os cultores do positivis-
mo jurídico, fora da experiência jurídica, do fato ou do Direito Positivo,
isto é, do direito reconhecido pelo Estado e em suas leis, não há direito.
O direito identifica-se com o direito estatal, na dependência da vontade
do legislador, na tradição europeia continental ou nos precedentes ju-
risprudenciais, na tradição anglo-saxônica do Common Law.
Escola da Exegese
capítulo 2 • 41
COMENTÁRIO inteiramente nova de elaboração legislativa, denominada de Código,
que seria um documento completo de toda a disciplina jurídica de uma
Contexto Histórico determinada área do direito, pondo fim a outras fontes históricas do di-
Cabe destacar que, no início do Sécu- reito, tais como Direito Romano, Direito Costumeiro e o Direito Natural.
lo XIX, a Alemanha não constituía um Essa forma de elaboração legislativa se expandiu para outras áreas
Estado unificado politicamente, o que do direito, como o Direito Penal, o Direito Processual, o Mercantil e ou-
somente ocorrerá na década de 1870. tros, tendo o próprio Código de Napoleão sido um grande produto de
O que existia era um conjunto de rei- exportação francês naquele período, tanto para outros países da Europa
nos independentes, que formavam a Continental, quanto para os países latino-americanos, que haviam re-
chamada Confederação Germânica. centemente conquistado a sua independência.
Dessa forma, o debate jurídico do início
do Século XIX, na Alemanha, envolvia ATENÇÃO
não apenas divergências doutrinárias,
mas também a questão do nacionalismo A tese fundamental da Escola da Exegese é a de que o Direito é o revelado pelas
germânico. Acrescente-se que lá exis- leis, que são normas gerais escritas emanadas do Estado, constitutivas de direito
tia uma sólida elite intelectual jurídica, e obrigações, em um sistema de conceitos bem articulados e coerentes que não
versada no estudo das Instituições do apresenta lacunas.
Direito Romano, que resistia à ideia de
uma mera importação de um modelo de
codificação de inspiração francesa.
Em meio a esse quadro complexo, ins- O Pandectismo Alemão e sua relação com a Escola Histórica
taurou-se um debate entre juristas ale-
mães, no início do Século XIX, acerca da A compreensão do perfil do Pandectismo Jurídico, escola representativa
conveniência ou não da codificação do do positivismo jurídico na Alemanha do Século XIX, exigirá uma prévia
direito germânico. contextualização das instituições de direito e do pensamento jurídico
germânico daquele período, a fim de que se possa melhor compreender
a complexa trajetória que levou à sua consagração na segunda metade
AUTOR do Século e, principalmente, a sua relação com a chamada Escola Histó-
rica alemã, que era antipositivista na sua origem, mas paradoxalmente
Anton Friedrich Justus Thibaut lançou os fundamentos do positivismo jurídico na Alemanha.
(1772-1840) Em 1814, Thibaut publicou uma obra defendendo a codificação do
Assim como Savigny, era um estudioso direito alemão, como elemento viabilizador da organização do direito
do Direito Romano, havendo travado e fomentador da unidade nacional. No mesmo ano, Savigny publicou
importante debate com este último, no uma obra defendendo o costume como legítima fonte do direito. Para
início do Século XIX, acerca da conve- ele, a codificação representaria uma indevida invasão estrangeira na
niência da adoção da codificação do rica cultura jurídica alemã.
direito nos moldes franceses, como um Savigny questionou o projeto codificador, por entender que a Ale-
elemento facilitador do processo de uni- manha não formava ainda uma Nação e que, assim sendo, lhe faltava
ficação política da Alemanha. Sua pro- maturidade para a adoção do código. Ele era contra um plano prematu-
posta não prospera em um primeiro mo- ro de codificação, invocando contra a
mento, com o predomínio da concepção lei abstrata e racional a força viva dos “O Direito deve
costumeira sobre o direito adotada pela costumes, tradução imediata e genu-
ser a expressão do
Escola Histórica alemã. ína do que denominava “espírito do
povo”, pois temia que a precipitação
espírito do povo”
codificadora gerasse leis dotadas de Savigny.
42 • capítulo 2
vigência, de validade técnico-formal, mas destituídas de eficácia ou de AUTOR
efetiva existência como comportamento, como conduta.
Savigny afirmava que o povo manifesta-se especialmente por meio
de regras de caráter consuetudinário, que cabe ao legislador interpre-
tar: os costumes devem exprimir-se em leis, porque somente são leis ver-
dadeiras as que traduzem as aspirações autênticas do povo.
capítulo 2 • 43
CONCEITO nica, o que fez com que, paradoxalmente, o denominado Pandectismo
Jurídico bebesse na fonte do próprio historicismo, não obstante fosse
Pandectismo uma escola sem preocupações com a influência dos fatos sobre o direito.
A origem da expressão Pandectismo O Pandectismo Jurídico se identificava com as premissas metodoló-
está no termo Pandectas, denomina- gicas (formalismo, sistematicidade etc.) da Escola da Exegese francesa.
ção em grego do Digesto do Imperador Há, contudo, uma diferença fundamental entre as escolas, uma vez que
Justiniano, principal fonte de estudo do a Escola francesa era codicista, que se desenvolveu em torno de um pro-
Direito Romano da Antiguidade. Tal fato jeto político-legislativo capitaneado por Napoleão.
demonstra a base romanística da for- No caso alemão, tratava-se de uma Escola eminentemente de perfil
mação dos juristas que conceberam a doutrinário, representada por grandes juristas, que tiveram um prota-
base conceitual do Pandectismo, sendo, gonismo no processo de unificação jurídica e na construção institucio-
não por coincidência, a mesma fonte de nal do Estado alemão de Otto Bismarck.
estudo dos juristas da Escola Histórica. O Pandectismo defendia a imperatividade dos conceitos jurídicos
Diante de tal fato, é evidente a conexão construídos a partir do estudo das Instituições do Direito Romano, mes-
entre as duas Escolas de pensamento cladas com a tradição doutrinária germânica. Conceitos como os de di-
alemãs. Na prática, o Pandectismo re- reito objetivo, direito subjetivo, ato lícito, sujeito de direito, propriedade,
presentou uma espécie de formaliza- obrigação etc. formados a partir da generalização dos casos soluciona-
ção da metodologia da Escola História, dos pela jurisprudência romana da Antiguidade, serviram de base para
sendo algo como uma Escola Histórica a construção de um modelo doutrinariamente organizado, que deu ori-
sem a História, em situação análoga à gem ao que se chamou de Teoria Geral do Direito Privado, que, por sua
relação entre o jusnaturalismo moderno vez, lançou os fundamentos da denominada Teoria Geral do Direito.
e Escola da Exegese francesa, sendo Com a unificação do Estado alemão, na segunda metade do Século
esta última um Direito Natural Racional XIX, formou-se um ambiente apropriado para a codificação do direito,
sem os valores. sendo o documento referencial deste processo o Código Civil (BGB) de
1900, que é uma legislação de inspiração pandectista, sendo substan-
cialmente distinto do Código de Napoleão.
CURIOSIDADE A “Pirâmide de Conceitos” criada pelo Pandectismo estabelece uma
relação entre conceitos jurídicos, que vão se desdobrando e criando um
Direito dos Juristas conjunto autônomo dentro da dogmática jurídica, como, por exemplo:
Trata-se de outra expressão para deno-
minar a Escola Pandectista alemã, que Obrigação jurídica; obrigação decorrente de contrato e decorrente de ato ilícito;
ainda é também chamada de Jurispru- Contratos inominados e nominados; contratos em espécie: compra e venda,
dência Conceitual, exatamente porque na mútuo, locação etc.; locação: de bens, de serviços etc.
Alemanha do Século XIX não houve uma
massificação no uso de códigos, sendo Com suporte nesta especialização conceitual foi edificada a estrutu-
o Direito basicamente um resultado das ra dos códigos, que agrupam comandos jurídicos, em função dos núcle-
construções intelectuais dos juristas. os conceituais do qual fazem parte. Esse recurso de sistematização e or-
denação das regras de direito é de fundamental importância no próprio
processo interpretativo das normas, uma vez que a partir da posição
topográfica (localização) de um dispositivo legal no Código é possível
aferir a natureza específica ou genérica do comando.
44 • capítulo 2
CONCEITO
ATENÇÃO
Contexto Histórico
Ressalte-se que, o BGB teve grande influência sobre o Código Civil brasileiro de 1916, O Século XIX foi marcado por mudan-
que adotou estrutura análoga, em boa parte preservada no atual Código Civil de 2002. ças, nos campos político, social e eco-
nômico, nunca vistas na História do
Ocidente. O uso maciço dos avanços
científicos, no processo produtivo da
O normativismo jurídico chamada Revolução Industrial, culminou
no desenvolvimento acelerado da indús-
Antes de apresentar os traços característicos do normativismo jurídico, tria, que veio acompanhado de um fe-
é necessário vislumbrar o contexto intelectual do surgimento deste pen- nômeno de rápida formação de grandes
samento jurídico, para compreender seus objetivos e ideias. núcleos urbanos na Europa, nos quais
as condições de moradia e sanitárias
eram as piores possíveis.
A crise do Positivismo Jurídico
ATENÇÃO
Para Karl Marx, o Estado e a ideologia seriam uma mera superestrutura voltada a per-
petuar o processo de acumulação de riqueza pelos detentores dos meios de produção
à custa da mais-valia decorrente da exploração da mão de obra dos trabalhadores.
capítulo 2 • 45
CONCEITO Em meio a todo esse quadro conturbado, o modelo jurídico individu-
alista do Estado Liberal foi posto em xeque e, juntamente com ele, a sua
Surgiram tendências ligadas ao chama- correspondência no campo do pensamento jurídico, que era exatamen-
do Realismo Jurídico, ao Sociologismo te o positivismo jurídico.
Jurídico, à Escola do Direito Livre e à Diante de tal contexto, surgiram diferentes tendências no campo do
Jurisprudência de Interesses, que vis- pensamento jurídico, ainda que não expressamente de inspiração mar-
lumbravam nas Ciências Humanas e xista, mas que tinham como premissa metodológica a necessidade de re-
Sociais, então nascentes, a base para a conhecer que o direito era mero produto dos fatos, devendo ser afastados
construção de uma metodologia para o todos os esquemas teóricos e formalistas que caracterizavam as correntes
Direito, devendo ser priorizados mais os do positivismo jurídico, inclusive com a redução da importância que en-
aspectos factuais da prática do direito, tão era dada à lei, criada pelo Estado a partir do processo legislativo.
do que prescrições normativas genéri- As tendências de perfil factualista dominavam o debate jurídico
cas e abstratas derivadas de esquemas das primeiras décadas do Século XX, quando surgiu a figura de um
conceituais ou do direito codificado. autor austríaco, chamado Hans Kelsen, que mudaria por completo
o foco do debate da Teoria Geral do Direito, ao questionar tais en-
foques, investindo da proposta de construção de uma metodologia
AUTOR própria para a Ciência do Direito.
46 • capítulo 2
ideológicas e de regimes políticos. Pregava a pureza metodológica de uma Ciência
“Pura” do Direito.
Na Ciência “Pura” do Direito a análise do direito leva em consideração apenas os seus as-
pectos normativos, descontaminando-o em
relação aos aspectos políticos, sociológicos, “A norma jurídica é o
históricos, que eram à base do pensamento objeto de estudo da
das escolas factualistas do final do Século Ciência do Direito” Kelsen.
XIX, início do Século XX.
Kelsen defendia a criação de uma Ciência do Direito cujo centro gravitacional fosse a
norma jurídica, conceito que compreende as diferentes formas de manifestação do direito
ao longo da História, pouco importando se a norma decorre do direito positivo, do costu-
me, do Direito Natural ou de qualquer outra fonte. Realmente importante é o reconheci-
mento estatal de uma norma, para que ela seja considerada válida na estrutura do ordena-
mento jurídico.
CONCEITO
Ordenamento Jurídico são normas emanadas pelo Estado, de forma escalonada, dispostas em diferentes
níveis hierárquicos. Algumas normas têm mais autoridade se comparadas com outras, servindo-lhes de
fundamento de validade. Tal estruturação do ordenamento jurídico deu origem ao que se convencionou
chamar de pirâmide de Kelsen, exatamente porque aquelas normas situadas mais ao topo da estrutura
do ordenamento jurídico se desdobram em outras normas de menor hierarquia, que irão regulamentar e
detalhar as prescrições normativas contidas nas normas superiores.
EXEMPLO
A Constituição é um documento jurídico que espelha a Norma Fundamental, mas não se confunde com
ela, que é uma concepção ideal e representa o ponto de contato entre a estrutura do ordenamento jurí-
dico e a experiência histórica do direito, que será a responsável pelo conteúdo do direito que vigora em
um determinado Estado.
capítulo 2 • 47
Segundo Kelsen, não compete ao jurista questionar o conteúdo da Norma Fundamen-
tal, exatamente por se tratar de uma reflexão que escapa ao campo da Ciência do Direito,
cuja preocupação central deveria ser a inserção da norma no contexto do ordenamento ju-
rídico, independentemente do seu conteúdo.
A validade da norma jurídica emana de sua compatibilidade com o sistema normativo.
A base principal da validade da norma é a autoridade política por trás dela. Essa validade
independe do conteúdo da norma, mas sim da hierarquia, pois esta irá configurar a com-
patibilidade com as normas de níveis superiores, até se chegar à Norma Fundamental, que
valida todas as demais, por ser a expressão maior da autoridade do Estado.
O normativismo investiu na unidade do ordenamento jurídico, tendo por base a Nor-
ma Fundamental (Grundnorm), que sistematiza as normas em ordem hierárquica, de modo
que, de um ato jurídico ou de uma sentença possa se chegar à Norma Fundamental, por
meio de uma cadeia de normas, em que uma serve de fundamento à outra.
Nesta concepção do direito estratificado em pisos, a validade de uma norma depende
de ela estar inserida em uma ordem jurídica válida, e nada mais. A validade das normas de
grau imediatamente inferior decorre da validade da norma de plano imediatamente su-
perior, e assim, sucessivamente, até à Norma Fundamental, que opera como pressuposto
lógico de todas as demais normas.
Kelsen sustentava a equiparação entre Estado e Direito. Ao buscar a unidade do
direito a partir da Norma Fundamental, o normativismo exclui a possibilidade lógica da
existência de um pluralismo jurídico, sendo todo o direito oriundo da autoridade estatal.
ATENÇÃO
A ordem jurídica nada mais é, do que uma expressão formal da autoridade política do Estado soberano,
não sendo possível falar de “Estado de Direito” fora do contexto do Estado nacional.
48 • capítulo 2
ATENÇÃO
Para Kelsen a Teoria Pura seria aplicável a qualquer sistema jurídico, porque ao abstrair-se do conteúdo
das normas jurídicas, a Teoria Pura do Direito seria capaz de superar toda a discussão sobre as fontes do
direito, que foi a base da crise do Positivismo Jurídico do Século XIX, priorizando o aspecto estrutural e
de funcionamento do ordenamento jurídico, o que, permitiria que fosse aplicável a qualquer tipo de Esta-
do, independentemente de época e local.
capítulo 2 • 49
CURIOSIDADE O pós-positivismo e a crítica à teoria pura
Discricionariedade judicial
do Direito de Kelsen
Atributo que o juiz possui, de decidir o
processo a partir do exame das provas O pensamento jurídico de Hans Kelsen representou um marco impor-
nele produzidas, com base na legislação tantíssimo na Teoria do Direito, à medida que ele foi capaz de conceber
em vigor. Nos sistemas de direito codifi- uma metodologia própria para a Ciência do Direito, centrada, sobretu-
cado, o juiz utiliza a lei como parâmetro do, na montagem de uma estrutura do ordenamento jurídico aplicável
do processo decisório, mas pode avaliar a diferentes sistemas jurídicos, sendo difícil pensar na organização
a forma de aplicação da norma sobre o das normas jurídicas no Estado sem fazer referência ao pensamento de
fato, por meio do chamado livre conven- Kelsen. Basta pensar na discussão contemporânea sobre o controle de
cimento motivado, que pressupõe que constitucionalidade das leis, por exemplo, para constatar a substancial
as decisões judiciais sejam devidamen- influência exercida pela Teoria do Ordenamento kelseniana.
te fundamentadas. Ocorre, contudo, que a Teoria Pura do Direito de Kelsen teve uma
aplicação distorcida, passando a servir de base para um afastamento do
direito de parâmetros éticos, algo nunca defendido pelo próprio Kelsen,
tendo sido a ordem jurídica utilizada como instrumento de regimes to-
talitários, que em nome da autoridade do Estado patrocinaram a perse-
guição a determinados grupos e minorias da sociedade.
EXEMPLO
Podemos citar como exemplo a supressão de direitos e o próprio extermínio de
judeus, ciganos e homossexuais na Alemanha Nazista.
50 • capítulo 2
As concepções teórico-argumentativas sobre o direito, como as de Chaïm Perelman e, mais
recentemente, Robert Alexy.
ATENÇÃO
O conceito de Norma Fundamental é o objeto favorito de nove em cada dez críticos da Teoria Pura do Di-
reito, porque a Norma Fundamental representa exatamente aquele ponto em que o ordenamento jurídico
kelseniano toca o mundo real.
capítulo 2 • 51
EXEMPLO
A aplicação amoral de tal premissa permitiu que na Alemanha nazista os judeus não fossem considerados
titulares de quaisquer direitos e nem mesmo pessoas, o que permitiu o confisco de bens e a supressão de
diversos direitos, inclusive o próprio direito à vida.
COMENTÁRIO
Contexto Histórico
Após a II Guerra, passou-se a admitir a possibilidade da existência de direitos de caráter universal, que
deveriam ser respeitados, ainda que não constassem expressamente da Constituição e demais normas
jurídicas do Estado, o que serve de suporte inclusive às doutrinas sobre os Direitos Humanos, sendo im-
portante se destacar o papel histórico neste processo da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de
1948, documento basilar da Organização das Nações Unidas (ONU). Leia o documento no site da ONU
ou, em português, no site do CNJ.
Assista ao filme JULGAMENTO EM NUREMBERG. Direção: Stanley Kramer. Produ-
ção: Roxlon. Estados Unidos, 1961. 187min., son.,p/b. (Tema: possibilita uma rica dis-
cussão sobre o positivismo jurídico e as suas perigosas consequências).
Fonte: IMDb
Culturalismo Jurídico
52 • capítulo 2
diferentes tendências do pensamento jurídico, ao longo da tradição AUTOR
jurídica ocidental:
Miguel Reale (1910-2006)
A preocupação com a correlação entre os valores e o Direito, presente nas Miguel Reale foi um filósofo, jurista, edu-
diferentes concepções do Direito Natural (teológica, universalista e racional), cador e poeta brasileiro. Formou-se em
que lançam mão de uma leitura moral sobre o direito no estabelecimento de Direito pela Universidade de São Paulo
limites éticos ao exercício da autoridade política.
em 1934, ano em que publicou seu pri-
O reconhecimento da importância da experiência histórica e dos fatos sociais meiro livro, "O Estado Moderno". Nessa
na construção do direito e no próprio processo de aplicação das normas ocasião, foi um dos dirigentes da Ação
jurídicas, presente na metodologia da Escola Histórica alemã do Século XIX e Integralista Brasileira.
nas escolas do Sociologismo e do Realismo Jurídico.
Com sua tese "Fundamentos do Direito"
Naturalmente, a preocupação sistematizante do direito, própria do positivismo (1940) lançou as bases de sua "Teoria
jurídico do Século XIX, expresso nas concepções formalistas da Escola da Tridimensional do Direito", que se torna-
Exegese francesa e no Pandectismo alemão, e principalmente no Normativis-
ria mundialmente conhecida. Em 1941
mo Jurídico de Hans Kelsen, terão a sua marca no destaque dado ao papel da
tornou-se catedrático de Filosofia do Di-
norma jurídica e da sistematização normativa no âmbito da Teoria do Ordena-
mento Jurídico, a ser analisada em Capítulo específico. reito na Faculdade de Direito da Univer-
sidade de São Paulo.
Foi supervisor da comissão elaboradora
Miguel Reale e a estrutura tridimensional do Código Civil brasileiro de 2002, cujo
capítulo 2 • 53
Para Miguel Reale, o direito é a síntese histórica de dois elementos pertencentes a
realidades diferentes: fato (econômico, geográfico, demográfico etc.) e valor (justiça,
ordem, garantia etc.), concretizados dialetica-
mente na norma jurídica. A norma resulta da
Assim, a norma jurídica, para ele, é a síntese ou uni- ordenação do fato em
dade histórica resultante da integração dinâmica e dia-
função de valores.
leticamente aberta a novas sínteses de fatos e valores.
ATENÇÃO
O Direito, neste sentido, é processo normativo, de natureza dialética, que, disciplinando o fato segundo
valores, cria modelos jurídicos.
ATENÇÃO
Em realidade, as normas jurídicas (Dever-Ser) são resultado de um conjunto de valores que se afirma com
a experiência histórica das sociedades (Ser).
54 • capítulo 2
TEORIA TRIDIMENSIONAL CORRENTE
FATO Dado da realidade (sociedade) Sociologismo/Realismo
RESUMO
Chama-se jusnaturalismo a corrente de pensamento que reúne todas as ideias que surgiram, no correr da his-
tória, em torno do Direito Natural, sob diferentes orientações.
Para os cultores do positivismo jurídico, fora da experiência jurídica, do fato ou do Direito Positivo, isto é, do
direito reconhecido pelo Estado e em suas leis, não há direito.
O normativismo jurídico kelseniano consiste, basicamente, na defesa da construção de parâmetros metodoló-
gicos próprios para a Ciência do Direito, expressos na denominada Teoria Pura do Direito. A partir da limitação
do objeto da Ciência do Direito ao campo da norma, Kelsen criou uma fronteira rígida entre o Direito e a Moral.
O Culturalismo Jurídico traduz o parâmetro metodológico mais identificado com o modelo da Ciência do Direito
Contemporânea, a partir da conjugação da influência das diferentes tendências do pensamento jurídico, ao
longo da tradição jurídica ocidental.
A Teoria Tridimensional do Direito de Miguel Reale é tida como a melhor sistematização da visão culturalista
sobre o Direito. Para Reale, toda experiência jurídica pressupõe a correlação entre esses três elementos: fato,
valor e norma.
ATIVIDADE
1. O positivismo jurídico se refere às doutrinas jusfilosóficas que:
2. (OAB-FGV) O Positivismo Jurídico desenvolveu-se com o Estado Constitucional moderno. Esse mesmo
Estado passou a reivindicar o monopólio da produção do direito. A partir das características do Positivismo
Jurídico apresentadas, assinale a opção CORRETA.
I. O direito é composto por um conjunto de normas que são isentas de juízos de valor.
II. A coerção é o fundamento da norma jurídica.
III. O ordenamento jurídico é coerente: não podem existir antinomias (contradições) entre normas.
IV. O direito produz sua própria validade ética por sua competência formal de produzir as normas jurídicas.
a) As afirmativas I e II estão erradas.
b) As afirmativas II e III estão erradas.
c) Somente a afirmativa III está errada.
d) Somente a afirmativa IV está errada.
capítulo 2 • 55
3. Com base no normativismo jurídico de Hans Kelsen, pode-se concluir:
a) Não há possibilidade de produção de Direito fora do Estado, pois todo Direito é estatal.
b) A teoria pura de Kelsen, não representa uma crítica ao jusnaturalismo, mas somente ao sociologismo.
c) De acordo com Kelsen, a Norma Fundamental pode ser aplicada a casos concretos.
d) Para Kelsen não há que se falar em uma Ciência do Direito, por falta de objeto e método.
e) A Teoria Pura do Direito de Hans Kelsen pode ser considerada uma doutrina social do direito.
Questões discursivas
56 • capítulo 2
3
O Direito como
ciência e sua
metodologia
58 • capítulo 3
que, através dos tempos, tem influenciado reformas jurídicas e políticas, que COMENTÁRIO
deram novos rumos às ordens políticas europeia e norte-americana.
Direito Natural
EXEMPLO Tradicionalmente os autores indicam
três caracteres para o direito natural:
Como, por exemplo, é o caso da Declaração de Independência (1776) dos Estados ser eterno, imutável e; universal. Isto
Unidos, e da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789), da Revolução porque, sendo a natureza humana a
Francesa, que, no artigo 2° preceitua: grande fonte desses direitos, ela é, fun-
“o fim de toda associação é a proteção dos direitos naturais imprescritíveis do homem”. damentalmente, a mesma em todos os
tempos e lugares.
Esta corrente tem-se mantido de pé, apesar das várias crises por que
tem passado e, apesar de criticada por muitos, mantém-se fiel ao menos
a um princípio comum: a consideração do direito natural como direito
justo por natureza, independente da vontade do legislador, derivado da
natureza humana (jusnaturalismo) ou dos princípios da razão (jusracio-
nalismo), sempre presente na consciência de todos os seres humanos.
O ponto comum entre as diversas correntes do Direito natural tem
sido a convicção de que, além do direito escrito, há outra ordem, supe-
rior àquela e que é a expressão do Direito justo. É a ideia do direito per-
feito que deve servir de modelo para o legislador. É o direito ideal, mas
ideal não no sentido utópico, e sim um ideal alcançável.
A divergência maior na conceituação do Direito Natural está centra-
lizada na origem e fundamentação deste direito.
ATENÇÃO
O pensamento predominante na atualidade é o de que o Direito natural se funda-
menta na natureza humana.
capítulo 3 • 59
CURIOSIDADE Validez
Seus princípios são sempre válidos e podem ser impostos
aos homens em qualquer situação em que se encontrem.
Direito Positivo
Do latim jus positum: imposto, que se impõe. Perpetuidade Válido em todas as épocas.
É o ordenamento jurídico em vigor num
determinado país e numa determinada Indispensabilidade Direito irrenunciável.
época. (MONTEIRO, 2012)
Tomando atitude intransigente perante o Unidade Sempre o mesmo para todos.
CURIOSIDADE RESUMO
Metafísica é uma palavra com origem no O Direito Natural não é escrito, não é criado pela sociedade, nem é formulado pelo Es-
grego e que significa "o que está para tado. (...) É um Direito espontâneo, que se origina da própria natureza social do homem
além da física". É uma doutrina que busca e que é revelado pela conjugação de experiência e razão. É constituído por um conjunto
o conhecimento da essência das coisas. de princípios, e não de regras, de caráter universal, eterno e imutável. (NADER, 2014).
Direito Positivo
RESUMO
O positivismo se caracteriza assim, por ser antimetafísico e antijusnaturalista, por ser
empirista, por afastar do estudo científico do direito os valores e por considerar o
direito positivo o único objeto da Filosofia e das Ciências jurídicas.
60 • capítulo 3
mais Direito que o Direito Positivo. Para o positivista
No entanto, o positivismo jurídico é uma doutrina que a lei é em si o
não satisfaz as exigências sociais de justiça. Se, de um lado,
único valor.
favorece o valor segurança, por outro, ao defender a vincu-
lação do direito a determinações do Estado, mostra-se alheio à sorte dos seres humanos.
O direito não é composto unicamente de normas, como deseja esta corrente filosófica. Além
do que, as normas jurídicas apresentam sempre um significado, um valor social a ser realizado.
Os positivistas não se moveram ou não se tocaram pelas diretrizes do direito enquanto
instrumento de realização da justiça social. Apegaram-se
tão somente ao seu aspecto formal, ao concreto, ao ma-
A lei não pode
terializado. Os limites conferidos ao direito foram muito conter todo o jus.
apertados, estreitos mesmo, para abarcar toda a grandeza e importância que encerra.
A lei, sem condicionantes valorativos, é uma arma para o bem ou para o mal.
Os seres humanos estão perenemente insatisfeitos com a situação em que se encontram e sua as-
piração é melhorá-la cada vez mais. Surge assim a distinção entre direito positivo e direito natural.
O primeiro é o ordenamento jurídico em vigor em um determinado país e em uma determinada
época; o segundo, o ordenamento ideal, correspondente a uma justiça superior e suprema.
Quadro comparativo
MUTÁVEL IMUTÁVEL
Mediante a vontade humana
capítulo 3 • 61
EXEMPLO O Direito Natural é o direito justo por excelência, fundado na natu-
reza humana e/ou que teria origem na vontade divina. O Direito Natural
Direito Substantivo teria neste caso a tarefa de dar legitimidade ao Direito Positivo (ordena-
Compreende os principais ramos da mento jurídico) que, por sua vez, para ser respeitado como válido deve
Ciência do Direito, como, por exemplo: moldar-se aos princípios do Direito Natural.
Direito Civil, Direito Penal, Direito Em-
presarial etc. CONCEITO
O Direito Natural é entendido como: aquilo que é devido como justo em virtude da
natureza das coisas (Lei Natural); as normas emanadas da vontade divina; os direitos
subjetivos que todos os seres humanos, enquanto pessoas juridicamente considera-
das devem desfrutar (Direitos Fundamentais, Direitos Humanos).
COMENTÁRIO
O direito material (substantivo) define as normas de conduta para a paz na convivên-
cia social, por isso dita as normas.
Já o direito processual (adjetivo) visa assegurar o cumprimento das normas, ou seja,
se preocupa em garantir a obediência das normas de direito material.
ATENÇÃO
Enquanto o Direito Material estabelece as normas que regulam as relações jurídicas
entre as pessoas, o Direito Processual regulamenta uma função típica estatal de
62 • capítulo 3
Direito Público e serve de instrumento para a viabilização do acesso ao Poder Judiciário. CURIOSIDADE
Direito Facultativo
É também chamado facultas agendi (fa-
Direito Objetivo e Direito Subjetivo culdade de agir).
RESUMO
Em outras palavras, o direito objetivo é composto pelas normas jurídicas, as leis, que
devem ser obedecidas rigorosamente por todos os seres humanos que vivem na
sociedade que adota essas leis. O seu descumprimento, dá origem a sanções.
EXEMPLO
Assim, por exemplo, ao ocorrer um acidente de trânsito, surge para a vítima a preten-
são, ou seja, o poder de exigir, a reparação do dano por aquele que lhe deu causa,
que é titular do dever jurídico de indenizar.
capítulo 3 • 63
CONCEITO normas jurídicas existentes na sociedade na qual vive, todas as vezes
que, de alguma forma, essas regras jurídicas venham ao encontro de
Elementos do direito subjetivo: seus objetivos e possam protegê-lo.
Sujeito = pessoa física ou pessoa jurídica;
Objeto = o bem jurídico sobre o qual o su- EXEMPLO
jeito exerce o poder conferido pela ordem
jurídica. O contrato de seguro se baseia nas disposições legais, existentes no código de di-
reito civil, ou seja, são normas de direito objetivo. Quando alguém contrata um seguro
e, após, vem a ter algum interesse atingido e vai a juízo, através de uma ação, para
CONCEITO fazer valer seu direito, está utilizando seu direito subjetivo de utilizar a regra jurídica
do direito objetivo para garantir a efetivação de seu interesse atingido.
Direito Positivo
São as normas jurídicas emanadas do
Estado.
Relação entre Direito Positivo e Direito Objetivo
+
Costumes
Contratos Direito
Direito Positivo
particulares Objetivo
etc.
64 • capítulo 3
gualdade econômica, sendo, pois, uma ficção jurídica. CURIOSIDADE
Interessou ao pensamento liberal burguês alargar o campo de atua-
ção do Direito Privado, para que o Estado não interferisse nas relações, Os romanos utilizaram o critério da uti-
principalmente aquelas referentes ao contrato de trabalho. lidade. Quando o objeto do Direito era
A divisão do Direito em Público e Privado é invenção romana, sendo des- voltado para o interesse da coletividade
conhecida na Idade Média, e recuperada pelo Direito liberal burguês. Vale este era tido como Direito Público, se
lembrar que essa divisão variava de intensidade conforme o país e o regime. o interesse era do particular este seria
Direito Privado.
EXEMPLO REPÚBLICA = RES PUBLICA = COISA
PÚBLICA
No Direito Socialista, por exemplo, houve a hipertrofia (grande crescimento) do Di-
reito Público.
CURIOSIDADE
A divisão entre Direito Público e Direito Privado sofreu críticas no
início do Século XX, devido à publicização do Direito, quando o Estado Critério do conteúdo
passou a intervir para defender os interesses dos mais fracos na socie- Também chamado de Teoria dos Inte-
dade, passando a ocorrer ingerência das normas de ordem pública nas resses em Jogo.
relações privadas.
CONCEITO CONCEITO
A publicização deve ser entendida como um processo de intervenção legislativa infra- Coordenação
constitucional, diferente de outro fenômeno conhecido como constitucionalização que Partes envolvidas no mesmo patamar.
tem por fito submeter o direito positivo aos fundamentos de validade constitucionais.
capítulo 3 • 65
Direitos Constitucional, Financeiro, Tributário, Internacional
Ramos do Direito Público Privado, Administrativo, Processual, Ambiental, Penal etc.
Teoria do interesse em Jogo - O direito será público ou privado de acordo com a predominância
teoria Clássica ou teoria Romana dos interesses.
ATENÇÃO
A grande crítica que se faz à Teoria trialista é a de que o problema ideológico continua, pois os liberais
continuarão dizendo, por exemplo, que o Direito do Trabalho é privado, outros, porém, dizendo público.
O problema da flexibilização da legislação trabalhista, que apregoa livre negociação não é resolvido
dizendo-se que o Direito do Trabalho é Direito Misto.
A clássica bipartição romana do direito em público e privado não corresponde mais à reali-
dade jurídica e não atende mais à complexidade das relações da sociedade moderna.
Essa clássica distinção, na vida prática, não tem a importância que alguns juristas pre-
tendem dar, pois o Direito deve ser entendido como um todo.
ATENÇÃO
É nítida, pois, a superação da dicotomia Direito Público e Privado, vislumbrando-se em alguns ramos da
ciência jurídica, pontos comuns de contato com um e outro ramo.
No mundo atual, entre esses dois ramos grandes e tradicionais, encontra-se o Direito misto,
por tutelar tanto o Direito Público quanto o Privado e possuir normas de ambos. A superação
66 • capítulo 3
dessa dicotomia se dá pela tendência hoje de alguns ramos do Direito que têm pontos de Direito
Público e o Privado, resultando no avanço da sociedade, com relações cada vez mais complexas.
As entidades de Direito Público podem atuar como particulares e como tal devem ser
tratadas, ficando sujeitas às leis de Direito Privado. Isso também ocorre no Direito Privado,
no qual o Estado pode impor sua vontade, reduzindo a autonomia do particular, formando
os preceitos de ordem pública, com força obrigatória inderrogável pela vontade das partes,
apesar de tratar-se de relações privadas.
Com efeito, a tendência agora é o Estado direcionar as condutas dos indivíduos e assim,
a liberdade individual está cada vez menor e até mesmos princípios típicos do Direito Pri-
vado, como a autonomia da vontade nos contratos, têm sido enfraquecidos.
EXEMPLO
Como decorrência, tem-se como exemplo o Direito Civil que engloba tanto princípios de Direito Privado
como de Direito Público. Em que pesem encontrar-se no Direito Civil aquelas normas cogentes, de ordem
pública, é neste ramo do direito que as partes encontram extenso campo para expandir sua vontade, são
as normas dispositivas, às quais as partes se prendem se não desejarem dispor diferentemente.
TEORIA MONISTA
O monismo surge como alternativa ao dualismo. Os monistas argumentam que o Direito internac-
ional e o Direito interno são noções de uma só ordem jurídica e, neste caso, havendo um só
ordenamento, haveria uma norma hierarquicamente superior a todas as demais regulando este
único ordenamento. Esta teoria, ainda, apresenta duas versões: a que defende a preferência do
Direito interno, e, outra, a precedência do Direito internacional.
ATENÇÃO
Um detalhe importante a apontar são os aspectos históricos que conduziram a afirmação do monismo que
defende o direito interno. Foi exatamente no período pós-Segunda Guerra Mundial que o monismo encon-
trou sua majoritária aceitação pelos doutrinadores.
capítulo 3 • 67
No entanto, atualmente, as relações internacionais dia a dia passam a ser promovidas
em um contexto cada vez mais integrado, a exigir uma responsabilidade internacional
maior, o respeito a tratados internacionais e ao movimento de globalização das relações
internacionais.
Os processos contemporâneos das relações internacionais demonstram que o monis-
mo, com ênfase do Direito Internacional, é um elemento de garantia da unidade e do equi-
líbrio do sistema internacional, na medida em que pode evitar possíveis conflitos jurídicos
internacionais.
REFLEXÃO
Nada impede que do tratado internacional possam decorrer graves conflitos, mas não se pode olvidar que
em números muito maiores decorrem a paz e a cooperação.
Ramos do Direito
Dentre diversas classificações possíveis no Direito Brasileiro Contemporâneo, levando em
conta os novos Direitos de cunho social, sistematizamos os seguintes Ramos do Direito
Positivo Interno:
Direito Civil
PRIVADO Direito Empresarial
Direito Constitucional
Direito Administrativo
Direito Financeiro e Tributário
PÚBLICO Direito Processual
DIREITO POSITIVO Direito Penal
INTERNO Direito Eleitoral
Direito Militar
Direito do Trabalho
Direito Previdenciário
NOVOS DIREITOS Direito Econômico
Direito do Consumidor
Direito Ambiental
68 • capítulo 3
Ramos do Direito Positivo interno CONCEITO
Direito Privado Relações sociais de caráter
O objeto do Direito Civil abrange não apenas as relações sociais de ca- patrimonial
ráter patrimonial , mas também relações pessoais com certo conteúdo Relações monetário-mercantis juridica-
patrimonial, como os direitos de autor, e mesmo relações pessoais pu- mente relevantes.
ras, como os direitos ao nome e à imagem.
O Direito Civil, do qual se desprenderam diversos ramos, fixa nor-
mas e institutos fundamentais que servem de referência ou assumem CURIOSIDADE
caráter supletivo em relação a eles. Esses sub-ramos tendem a assumir
cada vez mais autonomia. Os romanos não distinguiam o Direito
Civil do Empresarial (antes chamado
EXEMPLO Comercial): todas as relações de ordem
privada continham-se no jus civile ou,
Temos como exemplo do Direito Civil: direito de propriedade, direito de obrigações, então, nos jus gentium, que era relativo
direito de família, direito de sucessões, direito do trabalho, direito empresarial etc. aos estrangeiros ou às relações entre
romanos e estrangeiros.
O Direito Empresarial, apesar de ser um desdobramento do Direito
Civil, relaciona-se ao regramento da atividade econômica habitualmen-
te destinada à circulação das riquezas, mediante bens ou serviços, im-
plicando em uma estrutura de natureza empresarial.
Temos como características básicas do direito empresarial as se-
guintes: Autonomia da vontade expressa, dinamicamente, em uma ati-
vidade negocial, com propósito de lucros; Estrutura empresarial; Garan-
tia e certeza da circulação e do crédito.
Direito Público
O Direito Constitucional tem por objeto o sistema de regras referente à
organização do Estado, no tocante à distribuição das esferas de compe-
tência do poder político, assim como no concernente aos direitos fun-
damentais dos indivíduos para como o Estado, ou como membros da
comunidade política.
Nas Constituições contemporâneas, em vez de se disciplinar primei-
ro a organização do Estado, os poderes do Estado são estatuídos em fun-
ção dos imperativos da sociedade civil, isto é, em razão dos indivíduos e
dos grupos naturais que compõem a comunidade. Em outras palavras, o
social prevalece sobre o estatal.
ATENÇÃO
A Constituição delimita as esferas de ação do Estado e dos particulares.
capítulo 3 • 69
O Direito Administrativo tem por objeto As normas constitucionais
o sistema de princípios e regras, relativos à
são as normas supremas,
realização de serviços públicos, destinados à
satisfação de um interesse que, de maneira
às quais todas as outras
direta e prevalecente, é do próprio Estado. têm de se adequar.
COMENTÁRIO
Dos três poderes, o Poder Executivo existe com a função primordial de executar serviços públicos em be-
nefício da coletividade. Os serviços públicos são, por conseguinte, os meios e processos através dos quais
a autoridade estatal procura satisfazer às aspirações comuns da convivência.
O Direito Financeiro e Tributário é uma disciplina que tem por objeto toda a atividade
financeira do Estado concernente à realização da receita e despesa necessárias à execução
do interesse da coletividade.
O Direito Tributário disciplina às relações entre o Fisco e os contribuintes, tendo como
objeto primordial o campo das receitas de caráter compulsório, isto é, as relativas à im-
posição, fiscalização e arrecadação de impostos, taxas e contribuições, determinando-se,
de maneira complementar os poderes do Estado e a situação subjetiva dos contribuintes,
como complexo de direitos e deveres.
O Direito Processual objetiva o sistema de princípios e regras; mediante os quais se ob-
tém e se realiza a prestação jurisdicional do Estado necessária à solução dos conflitos de
interesses surgidos entre particulares, ou entre estes e o próprio Estado.
ATENÇÃO
Por meio do Direito Processual o Estado também presta um serviço, visto que dirime as questões que
surgem entre os indivíduos e os grupos. O juiz, no ato de prolatar uma sentença, sempre o faz em nome
do Estado. A jurisdição, que é o ato através do qual o Poder Judiciário se pronuncia sobre o objeto de uma
demanda, é indiscutivelmente um serviço público.
70 • capítulo 3
CURIOSIDADE
Existe um sistema jurídico próprio composto pelo Código Penal Militar e o Código de Processo Penal Militar.
Novos Direitos
O desenvolvimento do Direito Positivo no Brasil se encontra em um estágio que contempla,
cada vez mais, a concepção social do Direito, na esteira da Constituição de 1988. São ramos
com visão mais ampla de direitos sociais e transindividuais.
O Direito do Trabalho é composto por normas jurídicas que regulam as relações indivi-
duais entre empregado e empregador, bem como, por normas de Direito Coletivo do Traba-
lho, que engloba os acordos coletivos de trabalho, o direito de greve e as relações sindicais.
ATENÇÃO
O diploma legal específico do Direito do Trabalho é a Consolidação das Leis do Trabalho — CLT, de 1943,
atualizada e acrescida por leis especiais, como a do FGTS, de acidentes do trabalho, das domésticas etc.
ATENÇÃO
Os principais instrumentos legais do Direito previdenciário são a Lei de Custeio da Seguridade Social, o Plano de
Benefícios da Previdência Social, a Lei Orgânica da Assistência Social e o Programa do Seguro-Desemprego.
O Direito Econômico é composto por normas jurídicas que regulam a produção e circu-
lação de produtos e serviços com foco no desenvolvimento do País e no controle do merca-
do, visando impedir a concorrência desleal, regular monopólios e oligopólios.
ATENÇÃO
Dentre as diversas normas do Direito Econômico se destacam a Lei de Economia Popular, a Lei de Livre
Concorrência e a Lei Antitruste.
capítulo 3 • 71
EXEMPLO
No caso da poluição nas lagoas de uma determinada cidade, causada por lançamento de esgoto in natura por
um centro comercial da região, todos os moradores da região, bem como os consumidores do centro comercial,
de forma indeterminada e indeterminável, têm seu direito ao meio ambiente violado. São direitos que mesmo
atingindo alguém em particular, atingem simultaneamente a todos, merecendo assim especial proteção.
EXEMPLO
No caso de um defeito no sistema de freio de uma determinada marca de carro, em um determinado ano
de fabricação, o Direito é coletivo, mas os sujeitos são determináveis. São aqueles que compraram aqueles
carros daquela marca produzidos especificamente naquele período.
Os Direitos Difusos e Coletivos são objeto de tutela jurídica específica que garante o di-
reito de ação não só individual, como também coletiva, que pode ser proposta pelo Ministé-
rio Público, por associações que representem determinada categoria e por outros titulares
previstos em Lei.
O Direito Ambiental é um ramo, relativamente novo do Direito, mas da maior relevância
em todo o planeta na atualidade. A Constituição Brasileira de 1988 consagrou a proteção
dos valores ambientais, tendo como base o artigo 225 que preceitua:
“Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo
e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de
defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.
O Direito Positivo Externo pode ser dividido entre Direito Internacional Público e Direito
Internacional Privado.
O Direito Internacional Público é composto dos tratados internacionais, convenções,
pactos, convênios ou acordos, além dos costumes internacionais.
Um tratado Internacional é realizado entre Estados Nacionais independentes, com obje-
tivo de regular determinada matéria, por meio de cláusulas que se tornam normas jurídicas.
72 • capítulo 3
COMENTÁRIO
No Brasil, os tratados internacionais passam a ter vigência no Direito Interno depois de celebrados pelo
Presidente da República, de acordo com o artigo 84, VIII da CF e aprovado pelo Congresso Nacional, nos
termos do artigo 49, I da CF.
O Direito Internacional Privado é regido por normas que regulam as relações privadas
em âmbito internacional. Trata de definir qual a norma a ser aplicada em razão do domicí-
lio, ou da nacionalidade da pessoa, do lugar em que foi realizado o ato, do local em que se
situa o objeto do Direito.
ATENÇÃO
A norma jurídica fundamental para os temas é a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, Dec.
Lei n° 4.657/42, que nos artigos 7° a 17 regula as diretrizes do Direito Internacional Privado Brasileiro.
RESUMO
Neste capítulo foram apresentados alguns conceitos jurídicos que são muito utilizados e cuja definição é
de fundamental importância para todo estudo do Direito.
Ficou demonstrado que o Direito positivo se apresenta por meio da intervenção estatal, tutelando diver-
sos ramos de atividade dos indivíduos na sociedade. Mas, também cumpre ao Direito regular as relações
entre os cidadãos e o próprio Estado.
Por outro lado, nota-se uma maior publicização do Direito Privado, a partir da Constituição de 1988,
que regulou questões que antes interessavam apenas ao âmbito privado do indivíduo, como o Direito de
Família, por exemplo.
Existem novos ramos do Direito surgidos na esteira da Constituição de 1988, como o Direito Ambiental,
do Consumidor, da Criança e do Adolescente etc.
ATIVIDADE
Verificando a aprendizagem:
1. Embora a divisão do direito positivo em público e privado remonte ao direito romano, até hoje não há
consenso sobre seus traços diferenciadores. Vários critérios foram propostos, com base no interesse, na
utilidade, no sujeito, na finalidade da norma, no Jus Imperium, sem que todos eles estejam imunes a críticas.
Sobre as afirmações está CORRETA a opção:
capítulo 3 • 73
(pessoas físicas e pessoas jurídicas de Direito Privado).
(E) Primazia da vontade individual, garantindo-se a autonomia da vontade dos particulares, que podem
assumir obrigações e adquirir direitos mediante contratos, cujo conteúdo e sanções são fixados pelos
próprios contraentes, tanto pode o direito ser público ou privado.
I - Uma das possíveis definições do direito positivo é a de que é conjunto de normas estabelecidas pelo
poder político do Estado que se impõem e regulam a vida social de um dado povo, em um determinado
lugar e em uma determinada época.
II - É mediante normas jurídicas (direito positivo), provenientes do universo do direito, que o Estado preten-
de obter o equilíbrio social, impedindo a desordem e os delitos.
III - O direito material tem por fim ditar as normas de conduta para garantir a paz social, o direito processual
tem por finalidade assegurar o cumprimento dessas mesmas normas.
IV – O Direito Natural é espontâneo e se origina do processo legislativo que é revelado pela conjugação
de experiência e razão.
A seguir, escolha a opção CORRETA:
(A) Todas as afirmativas estão erradas.
(B) Somente uma afirmativa está correta.
(C) Somente uma afirmativa está errada.
(D) Somente as afirmativas I, II e III estão corretas.
(E) Somente as afirmativas II e IV estão corretas.
74 • capítulo 3
4 Teoria da
norma jurídica
paulo mendonça
4 Conceito de norma
Teoria da norma jurídica
O conceito de norma jurídica tem caráter amplo e engloba os diferentes tipos de fonte de
direito reconhecidas pelo Estado, que criam condicionantes do agir social e fixam as bases
da organização das instituições públicas no Estado de Direito.
A norma jurídica se apresenta como heterônoma, na medida em que deriva de uma impo-
sição externa à consciência de seu destinatário, sendo dotada também de caráter obrigatório.
ATENÇÃO
Em outras palavras, o cumprimento das normas é algo impositivo a todos, sejam agentes públicos, sejam
particulares, independentemente da opinião pessoal do destinatário a seu respeito.
Normas de conduta
CONCEITO
Estrutura da norma = hipótese (fato) + dispositivo (sanção)
76 • capítulo 4
caso concreto na moldura legal como premissa menor e a aplicação da CONCEITO
lei ao caso como a denominada subsunção.
É bem verdade que a hermenêutica jurídica contemporânea se vale Hermenêutica jurídica
não apenas de parâmetros de lógica formal nesta operação, lançando Estudo dos processos de interpretação
mão de aportes de lógica material, tais como a lógica argumentativa e a das normas jurídicas.
lógica do razoável, mas a estrutura lógica do processo de interpretação
ainda segue o padrão do silogismo normativo concebido pelo positivis-
mo jurídico do Século XIX, com algumas adequações, decorrentes da
concepção culturalista que hoje prevalece no direito.
Normas de organização
CONCEITO
O esquema lógico da norma de conduta é o seguinte:
Premissa Maior: previsão de um rito ou procedimento.
Premissa Menor: descumprimento de requisito formal ou material.
Efeito: nulidade do ato praticado.
SILOGISMO NORMATIVO
SILOGISMO NORMATIVO
capítulo 4 • 77
As diversas classificações da norma
A norma jurídica comporta inúmeras classificações, que têm como referência aspectos
formais, materiais, temporais, de competência normativa, entre outros, que apresentam
natureza cumulativa.
Segundo um critério estritamente de ordem formal, a norma jurídica pode ser classificada
em função do tipo de comando nela contido, compreendendo as seguintes espécies:
É aquela que exige de seu destinatário uma conduta positiva ou uma ação,
NORMA sendo antijurídica qualquer atitude diferente da prescrita na lei ou a omissão.
IMPERATIVA Um exemplo seria uma norma que exige o recolhimento de um determinado
OU COGENTE valor de imposto, diante da ocorrência da hipótese legal (fato gerador). O não
(PRECEPTIVA) recolhimento do tributo pelo contribuinte ou o seu recolhimento em desconfor-
midade com o montante previsto na lei denotam uma violação à ordem jurídica.
Este tipo de norma compreende aquelas situações em que a ordem jurídica cria
um padrão de agir, mas permite ao destinatário optar por uma atuação diferen-
NORMA te, de acordo com o princípio da autonomia privada. No Direito Civil, a legislação
SUPLETIVA cria regimes jurídicos padronizados para a destinação dos bens no casamento
(PERMISSIVA) e na sucessão por morte, mas permite aos nubentes a celebração de um pacto
antenupcial, no primeiro caso, e ao falecido a elaboração de legados ou testa-
mentos, no segundo, dispondo de forma diversa do padrão legal.
78 • capítulo 4
Quanto à amplitude
A hipótese nela prevista tem conteúdo aberto, sendo aplicável a uma infi-
NORMA nidade de situações. As normas que trazem em si princípios de direito ou
GENÉRICA garantias fundamentais tendem a ter uma dicção genérica: “todos são iguais
perante a lei”, por exemplo.
Uma observação importante, correlata a este tema, diz respeito à existência de ramos
do direito cujas normas tendem a ser consideradas mais genéricas, se comparadas às de
outras áreas do Direto.
Alguns ramos do Direito seriam dotados de caráter matricial em relação a outros e
suas normas poderiam ser consideradas genéricas em comparação com as dos ramos
deles derivados.
Este tipo de correlação existe entre o Direito Civil e o Direito do Trabalho, que seria
um desdobramento do regime da locação de serviços, o Direito do Consumidor, ramo que
disciplina uma modalidade peculiar de compra e venda e de locação de serviço, e o próprio
Direito Ambiental, que tem uma proximidade com o regime originário dos direitos de vizi-
nhança. Tendo em vista o caráter especializado destes ramos do Direito, as normas de Di-
reito Civil lhes forneceriam parâmetros gerais, desde que não existente uma norma própria
dentro do ramo do direito respectivo.
capítulo 4 • 79
EXEMPLO Quanto ao elemento espacial
O Direito Civil e também o Direito Pro- Na tipologia das normas, adota-se também um critério de abrangên-
cessual Civil, por exemplo, seriam ra- cia territorial ou espacial, que está intimamente ligado às competên-
mos do direito de “natureza genérica”, cias políticas em termos legislativos, fixadas pela Constituição e pelo
não obstante o fato de apresentarem Direito Internacional.
na sua legislação própria normas gené-
ricas e específicas. As relações entre os Estados na ordem internacional con-
tam com normas estabelecidas com base em tratados,
convenções e costumes internacionais, cujo fundamento
se encontra no princípio da “autolimitação da soberania”,
segundo o qual, os Estados se submetem voluntariamen-
NORMA DE te às regras de direito internacional, a elas aderindo e
DIREITO recepcionando no direito interno, de acordo com os pro-
INTERNACIONAL cedimentos previstos na legislação de cada país. Não
há uma sujeição compulsória dos Estados às normas do
direito internacional, que serão a eles aplicadas, via de re-
gra, quando houver uma submissão voluntária, motivada
por variados fatores, como política internacional, interes-
ses estratégicos, econômicos etc.
O modelo hierarquiza-
A hierarquia entre
do de inspiração kelsenia-
na fixa um tipo de corre-
as normas não pode
lação entre as normas na ser confundida
qual prepondera a Cons- com a repartição
tituição, que serve de fun- político-territorial de
damento de validade para
competências legislativas.
a lei (conceito que engloba
as diferentes espécies legislativas previstas constitucionalmente), que,
por sua vez, dá validade aos chamados regulamentos, que são elabora-
dos pelas autoridades administrativas.
80 • capítulo 4
Situação diversa ocorre na repartição de competências normativas entre os entes da fe-
deração, na qual não há hierarquia entre eles, mas tão somente uma delimitação constitu-
cional das matérias sobre as quais cada um pode legislar. Assim, ao tratar de tema que não
é de sua competência, a lei federal viola a Constituição, do mesmo modo que uma lei de um
Estado que discipline matéria afeta a legislação federal não estará violando lei federal e sim
o texto constitucional, uma vez que inexiste hierarquia entre os entes públicos, no que se
refere à competência de produção de suas próprias normas.
O usual é que uma norma ao entrar em vigor, assim permaneça até que outra
NORMA
norma a revogue, salvo se ela própria criar algum tratamento específico para a
PERMANENTE
sua incidência temporal.
Situação excepcional no direito, se traduz por uma norma cuja vigência é limita-
da no tempo por disposição expressa daquele que a criou ou pelo exaurimento
das hipóteses concretas por ela alcançadas. Uma norma prevendo uma anistia
ou um parcelamento de um débito fiscal normalmente terá uma data limite para
que os interessados requeiram o benefício. Findo tal prazo, o regime diferencia-
do não mais poderá prevalecer, valendo a regra geral. Uma modalidade peculiar
NORMA de norma temporária se expressa pelas chamadas disposições transitórias, por
TEMPORÁRIA vezes inseridas em textos legislativos, com a finalidade de disciplinar algumas
situações pontuais que escapam ao regramento trazido pela nova lei ou que de-
mandam uma disciplina excepcional, tendo em vista o impacto que determinadas
mudanças podem trazer para a esfera jurídica de certas pessoas. Cria-se, então,
o regime híbrido, diferente do trazido pela mudança legislativa, que preserva even-
tualmente alguns traços da legislação revogada durante determinado período de
tempo ou até a ocorrência de determinados fatos previstos na legislação.
Matéria que é objeto de discussão aprofundada no ponto sobre aplicação da lei no tempo,
a incidência da norma jurídica sobre os fatos ocorridos antes da sua entrada em vigor, tam-
bém inspira uma classificação própria.
capítulo 4 • 81
CONCEITO Com base no princípio da irretroatividade da lei, em regra
a mudança legislativa operará apenas em relação aos fa-
Ex nunc tos ocorridos após a entrada em vigor das novas normas,
Os efeitos NÃO retroagem. NORMA
o que se chama de efeito prospectivo, ex nunc, sendo
Ex tunc DE EFEITO
importante destacar que tal princípio no direito brasileiro
Os efeitos retroagem. PROSPECTIVO
é balizado pelos fenômenos da coisa julgada, do direito
adquirido e do ato jurídico perfeito, que serão estudados
em item específico.
Quanto às fontes
82 • capítulo 4
Da Vigência
EXEMPLO
Utilizando-se o exemplo da competência da União, Estados e Municípios para legislar no direito brasileiro, para
que uma norma seja despida de vícios, não basta que o ente público tenha competência legislativa, sendo preci-
so que ele seja legitimado pela Constituição para criar a disciplina jurídica de uma determinada matéria.
Da Validade
O campo da validade da norma jurídica situa-se em uma posição média entre a questão
formal e material do direito.
Levando-se em consideração que a norma inicialmente se incorpora à ordem jurídica
(plano da vigência), a aferição da validade normativa consiste em verificar a compatibilida-
de da norma com o restante das normas do ordenamento jurídico.
São hipóteses de invalidade das normas:
A revogação tácita, que decorre da aferição da incompatibilidade dos conteúdos de uma norma mais
antiga e uma mais recente, concluindo-se pela revogação da primeira.
A própria questão da nulidade da norma, da qual a inconstitucionalidade seria uma espécie, pois se
sabe que os regulamentos possuem natureza de norma jurídica e eventualmente afrontam as leis e
não a Constituição de forma direta.
Verifica-se, portanto, que o foco no plano da validade pode até levar o aplicador do di-
reito a concluir pela própria falta de vigência da norma, como no caso da revogação tácita,
incidindo em um campo mais de ordem formal, ou pela incompatibilidade sistêmica de
capítulo 4 • 83
uma norma em vigor, o que refletirá em uma esfera fática ou material, identificada com a
dimensão da eficácia, a seguir examinada.
Da Eficácia
84 • capítulo 4
LEI ANACRÔNICA
É aquela que durante um determinado período até teve
EXEMPLO
(VELHA,
aplicação na sociedade, mas que sofreu um enfraqueci- Um caso clássico é o uso do cinto de
ULTRAPASSADA,
mento de sua normatividade com o passar dos anos. segurança pelos condutores de auto-
DEFASADA)
móveis, que era algo raro, apesar de exi-
No caso da lei anacrônica, a sua ineficácia pode derivar de mudan- gido pela legislação de trânsito, e que
ças ocorridas na sociedade desde a época em que ela entrou em vigor e hoje é de uso corrente pelas pessoas,
que motivaram a sua não aplicação pelos tribunais ou de modificações em decorrência de campanhas de cons-
no conteúdo do próprio ordenamento jurídico, com o passar do tempo, cientização, do endurecimento da fisca-
que propiciaram uma melhor disciplina por uma nova lei daquela maté- lização e da autuação dos descumprido-
ria tratada pela lei antiga ou a introdução de algum procedimento mais res da lei. Pode-se, então, concluir que
eficiente ou vantajoso para os destinatários da norma. não é a mera não aplicação da lei que
Importante observar que a ineficácia de uma norma formalmente gera o fenômeno do desuso e sim uma
válida é produto de uma constatação de ordem prática, enquanto a inefi- flagrante discrepância entre a previsão
cácia da norma declarada inválida pelo Poder Judiciário resulta de uma legal e a experiência social vivenciada
imposição da ordem jurídica. pelos seus destinatários.
Justamente por causa disso é que a perspectiva positivista do direito
entende que uma lei em desuso ou anacrônica pode ser em tese aplicada,
eis que não revogada. Esta não é ótica do culturalismo jurídico, que adota
uma visão abrangente do fenômeno jurídico e entende que a ineficácia
notória de uma regra de direito, em decorrência de seu distanciamento
em relação à realidade social que busca disciplinar é um fator que conta-
mina a sua própria validade, tornando-a inaplicável em definitivo.
ATENÇÃO
Não se pode, entretanto, confundir desuso e ineficácia da norma com o fato
de que determinadas regras de direito são reiteradamente descumpridas como
resultado da falta de exigibilidade de sua observância por parte das autoridades
públicas competentes.
capítulo 4 • 85
RESUMO
Na Teoria da Norma são examinados os diferentes referenciais para a classificação das regras de direito,
de acordo com a sua estrutura interna, que compreende o tipo de comando nelas contido, os parâmetros
de ordem temporal e espacial de sua aplicação, dentre outros fatores.
Ainda fazem parte da discussão da Teoria da Norma as dimensões formadoras das normas jurídicas, com-
preendidas nas esferas da vigência, validade e eficácia das normas.
ATIVIDADE
1. Sobre a norma jurídica, é correto afirmar que:
a) Existe hierarquia entre a legislação federal, a estadual e a municipal.
b) Nem toda norma jurídica tem caráter permanente.
c) A ineficácia de uma norma compromete a sua vigência.
d) A norma de organização tem como destinatária a sociedade.
e) A norma de “efeitos concretos” e a específica são idênticas.
Questão discursiva
Com relação aos fenômenos do desuso da norma e da lei anacrônica, estabeleça relações abordando suas
repercussões na prática do direito.
86 • capítulo 4
5
Teoria do
ordenamento
jurídico
paulo mendonça
5 Teoria do ordenamento jurídico
ATENÇÃO
A Teoria do Ordenamento contemporânea se insere no parâmetro metodológico culturalista, que reco-
nhece o mérito do modelo estrutural proposto por Kelsen para o ordenamento, mas incursiona em uma
discussão a respeito do papel dos fatos e da moral na construção normativa da ordem jurídica.
INTERAÇÃO Para que exista um sistema, não basta a existência de diferentes elementos,
ENTRE OS sendo indispensável que exista uma correlação entre eles, para que se integrem
ELEMENTOS de algum modo.
88 • capítulo 5
Além de se relacionarem, os elementos formadores de um sistema devem fa-
HARMONIA ENTRE
zê-lo de modo harmônico. O atrito entre os componentes do sistema finda por
OS ELEMENTOS
comprometer a sua própria estabilidade, podendo levar até ao seu perecimento.
Sistema Jurídico
RESUMO
Diante de tal fato, pode-se concluir que o ordenamento jurídico é formado por diversas normas, que vigo-
ram em um mesmo Estado, havendo entre elas uma interdependência, servindo uma de fundamento de
validade para a outra, o que logicamente pressupõe a inexistência de contradições entre elas.
Sistema Estático
Neste modelo a validade da norma é determinada pelo seu conteúdo, pelos valores nela conti-
dos. A validação da norma ocorre por um critério material, fundado na sua congruência com
um conjunto de premissas de ordem moral, pouco importando o conteúdo das outras nor-
mas que integram o sistema. Trata-se de um modelo sistemático de perfil horizontalizado,
em que a validade da cada norma é aferida individualmente e não de forma relacional. Este é
o traço característico dos sistemas do direito natural, nos quais a validade de cada prescrição
normativa é dada pela sua harmonização a conjunto de valores oriundos de uma ordem na-
tural. Desse modo, a norma é validada, se justa ou de acordo com a concepção de Direito Na-
tural cultuada em um determinado momento histórico: universalista, teológica ou racional.
Sistema Dinâmico
ATENÇÃO
No sistema dinâmico, as normas derivam umas das outras por meio de sucessivas delegações de poder,
em um processo que se inicia com a Norma Fundamental kelseniana e que chega até as decisões judiciais
e manifestações de vontade de modo geral, formando a denominada “Pirâmide de Kelsen”.
capítulo 5 • 89
norma decorre da sua compatibilidade com as normas hierarquicamente superiores no
ordenamento, sendo o conteúdo da norma utilizado apenas como parâmetro relacional, a
fim de verificar eventual incoerência entre as prescrições contidas em normas do mesmo
sistema, situação em que prevalecerá o comando contido na norma de maior hierarquia.
ATENÇÃO
Mesmo mantendo a fidelidade ao desenho do ordenamento proposto por Hans Kelsen, a leitura sistemá-
tica sobre ele hoje opera com uma espécie de juízo de validade das normas que nele vigoram fundado
em valores, diferentemente do que ocorria na Teoria Pura do Direito, que defendia uma leitura amoral do
ordenamento jurídico.
90 • capítulo 5
prática, se mostra impossível a existência de um ordenamento forma- AUTOR
do por apenas uma norma. Nesse sentido, pode-se dizer que mesmo em
um ordenamento mais simples, que contenha apenas um comando ju- Norberto Bobbio (1909-2004)
rídico, será verificada a presença de ao menos duas normas, pois toda Um dos principais intelectuais do Século
norma explícita pressupõe a existência de uma norma implícita. XX, o italiano Norberto Bobbio é autor
de inúmeras obras relevantes nos cam-
EXEMPLO pos do Direito, da Filosofia e da Ciência
Política, sendo uma referência obrigató-
É proibido matar, logo, é permitido não matar. ria no Direito sua Teoria do Ordenamen-
to Jurídico, na qual ele segue na trilha
Em sua Teoria do Ordenamento Jurídico, Norberto Bobbio identifica da sistematização das normas jurídicas
três possibilidades de se conceber um ordenamento composto de uma defendida por Hans Kelsen, mas sem o
norma única, que são, entretanto, inviáveis na prática, como será verifi- apego a uma Ciência Pura do Direito.
cado a seguir: A Teoria do Ordenamento de Bobbio
trava um rico debate entre as carac-
Uma norma de tal gênero é a negação de qualquer orde-
terísticas tradicionalmente atribuídas
namento jurídico, correspondendo ao estado de natureza
ao ordenamento (unidade, coerência e
TUDO É de Thomas Hobbes, em que não há limite à atuação das
completude) e os problemas sistêmicos,
PERMITIDO pessoas, sendo em realidade a expressão da inexistência
decorrentes na hierarquização normati-
do direito, cuja função é a de estabelecer balizas para a
va, das contradições entre as normas e
liberdade dos indivíduos, em prol da convivência social.
das lacunas no direito positivo.
Uma norma deste tipo tornaria impossível qualquer vida
social humana, a qual começa no momento em que o ho-
TUDO É mem, além das ações necessárias, está em condições de CONCEITO
PROIBIDO realizar algumas das ações possíveis. Qualquer conduta
positiva das pessoas seria antijurídica, o que ocasiona Estado da natureza
uma inviabilidade concreta deste tipo de ordenamento. Estado de natureza em Thomas Hobbes
— representa uma fase hipotética, que
Também uma norma feita assim torna impossível a vida antecede à formação da sociedade polí-
TUDO É social, porque as ações possíveis estão em conflito entre tica, na qual Hobbes considera que todos
OBRIGATÓRIO si, e ordenar duas ações em conflito significa tornar uma os indivíduos vivem em plena liberdade,
ou outra, ou ambas, inviáveis na prática. sem qualquer limite à sua atuação. Em
uma situação como esta, não há que se
Uma vez constatada a existência de uma pluralidade de normas no falar na existência de Estado, tampouco
ordenamento jurídico e a natureza interativa da ordem jurídica, cabe na de direito. Para Hobbes, a sociedade
agora examinar outras questões relevantes na Teoria do Ordenamento política é resultado de um pacto original,
Jurídico, que se vinculam à necessidade de oferecer soluções para al- segundo o qual os indivíduos racional-
guns problemas surgidos em sua estrutura e que demandam mecanis- mente abrem mão dessa liberdade plena
mos técnicos de solução, a fim de garantir a sua estabilidade. no estado natural, em favor de um Poder
Inicialmente, a sistematicidade do ordenamento jurídico pressupõe Soberano, representado pela figura do
a coerência entre as suas normas, a fim de não gerar insegurança em re- Estado, em troca da proteção de sua
lação ao direito aplicável. Ocorre que, por vezes, sobretudo em sistemas vida, sua integridade, seu patrimônio, po-
jurídicos mais complexos, vigoram normas contendo comandos incom- tencialmente ameaçados pelos demais
patíveis entre si, gerando as chamadas antinomias jurídicas, que deve- indivíduos no estado de natureza.
rão ser solucionadas, de modo a preservar a coerência do ordenamento.
capítulo 5 • 91
ATENÇÃO
De modo análogo, viu-se que o ordenamento jurídico é a expressão formal da autoridade política do Estado,
sendo único. Diante disso, faz-se necessário que a ordem jurídica ofereça solução para todas as questões
jurídicas surgidas a partir do convívio social, o que caracteriza a chamada completude do ordenamento.
Ocorre, contudo, que algumas situações do mundo da vida escapam à previsão legis-
lativa, dando origem ao fenômeno das lacunas normativas, que também comprometem a
estabilidade do ordenamento jurídico e demandam o desenvolvimento de procedimentos
técnicos para o seu preenchimento.
RESUMO
Em outras palavras, apesar de numerosas, as fontes do direito, em um ordenamento complexo, constituem
uma unidade pelo fato de que, direta ou indiretamente, todas as fontes do direito nele reconhecidas podem
ser deduzidas dos princípios contidos na Norma Fundamental.
92 • capítulo 5
PRODUÇÃO
Normas superiores fundamentam as inferiores.
COMENTÁRIO
(PODER)
Executiva em relação à norma superior.
EXECUÇÃO
Normas inferiores executam os comandos das superiores.
(DEVER) Produtiva em relação à norma inferior.
Geralmente se representa a estrutura hierárquica do ordenamento
por meio de uma pirâmide. Nela, o vértice é ocupado pela Norma Funda- CONCEITO
mental e a base é constituída pelos atos executivos. Ao se partir do alto
para baixo da pirâmide, veremos uma série de processos de produção Regulamentos
jurídica. Ao se olhar de baixo para cima, será vista uma série de proces- Os regulamentos executam as leis ordi-
sos de execução jurídica. nárias e são de natureza produtiva em
relação às manifestações de vontade.
PRODUÇÃO
NORMA FUNDAMENTAL
CONSTITUIÇÃO
LEIS
REGULAMENTOS
EXECUÇÃO
EXEMPLO
São exemplos de normas com caráter apenas de produção: decisões judiciais, atos
jurídicos etc.
capítulo 5 • 93
COMENTÁRIO pirâmide do ordenamento, se observa que o poder normativo é mais res-
trito, exatamente porque as normas inferiores atuam dentro do espaço
Exceda os limites materiais que lhes é franqueado pelas normas superiores.
Uma norma inferior que excede os li- Os limites com os quais o poder superior restringe e regula o poder
mites materiais regula matéria diversa inferior são relativos ao conteúdo e relativos à forma, chamados de limi-
daquelas que lhe foram assinaladas ou tes materiais e de limites formais, respectivamente:
de maneira diversa daquela prescrita, ou
mesmo, excede os limites formais.
CONCEITO
Dizem respeito ao conteúdo da norma que a autoridade
em posição hierarquicamente inferior tem competência
para editar. Por exemplo: quando a lei constitucional atri-
LIMITES
bui aos cidadãos o direito à liberdade religiosa, limita o
MATERIAIS
conteúdo normativo do legislador ordinário, ao vedar a
edição de leis que tenham por conteúdo a supressão ou
restrição da liberdade religiosa.
Uma norma inferior que exceda os limites materiais, isto é, que não
siga o procedimento estabelecido, é passível de ser declarada ilegítima e
de ser expurgada do sistema, sendo considerada, no primeiro caso, mate-
rialmente inconstitucional e no segundo, formalmente inconstitucional.
94 • capítulo 5
COMENTÁRIO CURIOSIDADE
Nesta seara, o conceito de Poder Constituinte, a ser estudado de detalhadamente na Hermenêutica constitucional
disciplina da Direito Constitucional, fornece uma contribuição preciosa para o debate Estudo dos processos de interpretação
da Teoria do Ordenamento. aplicados às normas da Constituição,
que compreendem regras propriamente
O Poder Constituinte é aquele poder de fato, oriundo de circunstân- ditas e princípios jurídicos dotados de
cias históricas determinadas, normalmente de uma revolução, que se normatividade.
apresenta ilimitado, não havendo qualquer direito pretérito a ele oponí-
vel, e que servirá de base para a elaboração da Constituição, que repre-
senta o primeiro documento formal do ordenamento jurídico.
Clara é a convergência entre os conceitos de Norma Fundamental e
de Poder Constituinte, ambos pressupostos para a própria existência do
ordenamento jurídico, sendo o primeiro normalmente analisado sob o
prisma de seu papel no funcionamento da estrutura hierarquizada da
ordem jurídica e o segundo dentro da preocupação com as relações reais
de poder na sociedade, que têm o seu retrato no texto da Constituição.
São, portanto, conceitos que vêm sendo conjugados na investigação
contemporânea do ordenamento jurídico, sobretudo tendo-se em vista
os estudos da hermenêutica constitucional, que reconhecem que a nor-
matividade constitucional é formada por regras e princípios dotados de
caráter normativo, que exigem para a materialização de sua normativi-
dade uma contextualização histórico-social.
capítulo 5 • 95
CONCEITO Os princípios constitucionais irradiam os seus efeitos por todo o orde-
namento jurídico, qualificando a interpretação a ser atribuída às regras
Disposições formalmente cons- infraconstitucionais, de Direito Civil, Penal, Processual etc., fornecendo
titucionais as bases do conceito de Constituição material, que seria formado exata-
Disposições formalmente constitucio- mente a partir da visão unificada das disposições formalmente constitu-
nais são aquelas contidas no texto da cionais e as demais normas que compõem o ordenamento jurídico.
Constituição.
ATENÇÃO
CONCEITO A visão integrada das normas do ordenamento jurídico pressupõe que a supremacia
hierárquica da Constituição não seja base apenas para a aferição de uma compati-
Completude bilidade vertical entre as normas, com a exclusão do sistema daquelas contrárias ao
Completude significa ausência de lacu- texto constitucional, mas também abra a possibilidade da utilização da interpretação
nas no ordenamento jurídico das normas infraconstitucionais à luz dos princípios constitucionais como um me-
canismo de harmonização não apenas formal das normas do ordenamento jurídico,
mas também de uma integração, sob a ótica de sua finalidade, que é extraída dos
princípios implícita e explicitamente presentes na Constituição.
CURIOSIDADE
Contexto histórico
Tal preceito remonta à Baixa Idade Média, com a concepção dogmática da Es-
cola dos Glosadores, da Universidade italiana de Bolonha, que no Século XII se
dedicou à retomada dos estudos das instituições do Direito Romano, que se per-
deram durante o período feudal. Para os referidos juristas o Direito Romano fun-
cionava como sistema normativo potencialmente completo, verdadeira expressão
escrita da Razão, do qual poderiam ser extraídos princípios hábeis à solução de
quaisquer situações novas.
Nessa mesma trilha caminhou o positivismo jurídico do Século XIX, que imaginou
ser possível criar uma disciplina exauriente da matéria jurídica, a partir dos códigos,
que nada mais eram do que grandes conjuntos centralizados de normas referentes
a uma determinada área do direito.
96 • capítulo 5
A problemática das lacunas surge exatamente quando as normas em EXEMPLO
vigor não são capazes de dar conta de todas as situações criadas pela
realidade social, o que leva a uma insegurança jurídica. Sistema jurídico aberto
Como resposta a este problema, a Teoria do Ordenamento Jurídico O sistema Jurídico aberto abrange di-
opera com o conceito de sistema jurídico aberto, anteriormente discuti- ferentes fontes de direito, tais como
do, que preserva a estrutura hierarquizada do pensamento kelseniano, princípios, jurisprudência, critérios de
mas admite a existência de aportes normativos, surgidos por meio de autointegração e aplicação, que serão
fatores axiológicos e fáticos, originariamente externos ao ordenamento, estudados posteriormente.
mas que agregam a ele critérios de resolução de questões jurídicas novas.
ATENÇÃO
Somente se pode restringir o direito às prescrições normativas criadas pelo Estado
quando se cria algum mecanismo gerador de normas naquelas situações não ante-
vistas pelo legislador.
REFLEXÃO
No direito brasileiro, vigoram normas que fornecem ao juiz o instrumental necessário
para que ele decida o caso concreto, mesmo nas situações em que não haja legis-
lação tratando do tema.
Não poderia ser de outra forma, porque no sistema pátrio o magistrado não pode
se recusar a julgar o caso, sob o argumento de lacuna ou obscuridade da lei e para
o julgamento. O julgador deverá se valer das chamadas fontes secundárias ou sub-
sidiárias de direito, que nada mais são do que instrumentos técnicos de aplicação,
voltados à garantia da completude do ordenamento jurídico.
capítulo 5 • 97
E no art. 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB):
Art. 4° Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e
os princípios gerais de direito.
RESUMO
A Teoria do Ordenamento Jurídico realiza um estudo da correlação existente entre as normas que vigo-
ram em um determinado Estado, lidando essencialmente com uma concepção sistemática, que tem como
pressuposto a existência de uma pluralidade de normas, que interagem de forma harmônica no interior do
ordenamento jurídico. Tal sistematização normativa concretiza também o chamado dogma da completude,
que consiste basicamente na impossibilidade da existência de situação de fato que escape à normativida-
de jurídica, ainda que seja preciso lançar de mecanismos técnicos de integração, para o preenchimento de
eventuais lacunas existentes no direito positivo.
ATIVIDADE
1. A completude do ordenamento jurídico tem como premissa a:
a) autossuficiência normativa da ordem jurídica.
b) eventual existência de antinomias jurídicas.
c) a permeabilidade do direito estatal a outras fontes de normatividade.
d) o caráter assistemático da ordem jurídica.
e) a não recepção pelo direito interno de normas internacionais.
3. Questão discursiva
No direito brasileiro, vigoram normas que fornecem ao juiz o instrumental necessário para que ele decida
o caso concreto, mesmo nas situações em que não haja legislação tratando do tema. Com base no estudo
efetuado nesta unidade, discorra sobre a completude do ordenamento jurídico e os instrumentos técnicos
de aplicação, voltados à sua garantia.
98 • capítulo 5
6 Sujeitos na
relação jurídica
Nos capítulos anteriores você aprendeu que o Direito tem por finalidade
regular comportamentos sociais (garantindo harmonia e equilíbrio) e o
Direito faz por meio de normas jurídicas que visam ordenar as condutas huma-
Análise estática — conjunto de regras nas, impondo deveres às pessoas em função de outras pessoas. Por isso,
abstratas que regulam o comportamen- pode o Direito ser estudado sob o ponto de vista estático e sob o ponto
to social. de vista dinâmico.
Neste capítulo, você estudará o Direito sob o seu ponto de vista dinâ-
Análise dinâmica — definição dos di- mico, ou seja, daremos início ao estudo das relações jurídicas, relações
reitos e deveres de cada pessoa em si- que compõem o que se denomina conceitos jurídicos fundamentais.
tuações concretas. O convívio em sociedade, sem dúvida, gera inúmeras e complexas
relações que, enquanto não forem normatizadas, não podem ser tidas
como jurídicas.
CURIOSIDADE São denominadas relações sociais puras que decorrem de princípios
éticos e do trato social e podem ser verificadas em uma infinidade de
Conceitos jurídicos fundamentais situações cotidianas como a amizade, a sociabilidade, os bons modos.
Conceitos jurídicos fundamentais: são As relações sociais interessarão ao Direito quando a norma assim o
esquemas prévios que traduzem abstra- determinar, querendo os sujeitos a ela se subordinar ou não. Dessa for-
tamente proposições normativas aproxi- ma, as relações sociais, independente de sua natureza, quando subor-
mando-as da realidade. dinadas a uma norma, farão nascer o que se denomina relação jurídica,
submetendo-se os seus sujeitos a um conjunto de deveres e obrigações
determinados pela lei. Então, a relação jurídica pode ser considerada
EXEMPLO uma espécie do gênero relação social.
Convívio em sociedade
As relações de natureza moral e reli- Relação jurídica: conceito e distinções
giosa, enquanto mantidas dentro dos
limites legais não interessam ao Direito,
pois são meramente relações sociais. CURIOSIDADE
Contexto histórico
Afirma-se que o estudo das relações jurídicas teve início a partir dos trabalhos
formulados por Savigny, no século XIX, que definiu a relação jurídica como “um
vínculo entre pessoas, em virtude do qual uma delas pode pretender algo a que
a outra está obrigada”.
100 • capítulo 6
O fato social, para Savigny, era determinante na formação da re- CONCEITO
lação jurídica, o que significa afirmar que um fato social ganhará a
qualidade de jurídico quando ocorrer entre duas ou mais pessoas Relação jurídica
para satisfazer interesses considerados legítimos, estando este vín- No plano objetivo (relativo ao objeto)
culo normatizado pelo Direito. — relação jurídica é toda relação social
Ao Estado, desta forma, cabe impor normas de conduta às diferen- tutelada ou regulada pelo Direito.
tes relações sociais, selecionando aquelas que considera importantes ao No plano subjetivo (relativo aos sujei-
ponto de se conferir uma tutela jurídica; ou seja, não havendo norma tos) — relação jurídica é o vínculo entre
incidente a relação será apenas considerada social ou fática. duas ou mais pessoas conferindo-se a
Fortemente influenciada por esta ideia de relação jurídica, desenvol- uma ou algumas delas o direito subjeti-
veu-se a teoria brasileira. vo de exigir da(s) outra(s) o cumprimen-
to de um dever.
COMENTÁRIO
capítulo 6 • 101
EXEMPLO A constituição de uma relação entre sujeitos jurídicos, sendo o sujeito
ativo titular de um direito subjetivo e o sujeito passivo titular de um dever
Relações jurídicas jurídico. Trata-se, portanto, da formação de um vínculo de sujeição.
Será que a partir das noções introdutó-
Os poderes do sujeito ativo incidirão sobre o objetivo imediato (prestação devida
rias você já consegue identificar rela-
— dar, fazer ou não fazer) e sobre um objeto mediato (objeto propriamente dito).
ções jurídicas de seu dia a dia?
Que tal pensar nestas? A relação que Acontecimento idôneo que gerará as consequências jurídicas pretendidas pe-
você tem com seus pais, filhos ou côn- las partes e (de)limitadas pela lei (vínculo de atributividade ou fato gerador).
juge; a corrida de táxi para ir ao traba-
lho; pegar o ônibus para vir à faculdade;
abastecer um carro; baixar um aplicativo Elementos da relação jurídica
no celular etc.
As relações jurídicas são formadas pelos seguintes elementos: sujeito
ativo; sujeito passivo; objeto imediato e objeto mediato; fato gerador
(fato propulsor) ou vínculo de atributividade.
CONCEITO
Segundo Carlos Alberto Bittar, “observa-se, assim, na relação jurídica, a existência
de submissão de uma pessoa a outra (vínculo), em função de determinado fenô-
meno qualificado juridicamente (fato gerador), por meio do qual se lhe exige certa
conduta (objeto mediato), que pode ser comportamento positivo (ação), ou negativo
(omissão), em torno de um bem jurídico protegido (objeto mediato). De poderes, de
deveres gerais e de sujeições (deveres e obrigações) compõem-se, assim, essas
interações, na medida da realização dos valores protegidos e da consecução dos fins
visados, individualmente, pelos envolvidos.” (Curso de Direito Civil, p. 49.)
Facultas agendi
N orm a a gendi
VÍNCULO JURÍDICO
102 • capítulo 6
Dos sujeitos da relação jurídica CONCEITO
Tratando-se a relação jurídica de vínculo intersubjetivo, em que sujeitos Situação jurídica
irão exercer determinada posição em uma situação jurídica (titularida- A situação jurídica (ou situação sub-
de), presentes estarão: jetiva) decorre de um conjunto de dis-
posições normativas que atribuem aos
O sujeito ativo como titular do direito que terá a faculdade (facultas agendi — sujeitos de uma relação jurídica direitos
permissão normativa) de exercê-lo em face do sujeito passivo, exigindo o cum- e deveres, o que confere certo aspec-
primento de um determinado dever jurídico. to dinâmico ao ordenamento jurídico.
O sujeito passivo aquele que está subordinado (norma agendi — dever jurídico) Dependendo da valoração do fato pela
capítulo 6 • 103
CONCEITO na lei, seja porque sua situação jurídica é considerada sui generis. São
universalidades de direito (art. 91, CC) que podem ou não possuir capa-
Massa falida cidade processual. São, por exemplo, considerados entes despersonali-
É o patrimônio (conjunto de relações zados: o camelô não regularizado, a massa falida, o espólio, o grupo de
jurídicas ativas e passivas) da pessoa consórcio, entre outros.
jurídica declarada por sentença falida. Dessa forma, sujeito da relação jurídica poderá ser a pessoa natural,
a pessoa jurídica e os entes despersonalizados.
Espólio
É o patrimônio (conjunto de relações RESUMO
jurídicas ativas e passivas) do falecido
(‘de cujus’). Sujeito ativo — pessoa natural ou jurídica ou ente despersonalizado que possui
uma faculdade de agir em face do sujeito passivo.
Sujeito passivo — pessoa natural ou jurídica ou ente despersonalizado que possui
CONCEITO um dever de agir em face do sujeito ativo.
Objeto imediato
Objeto imediato (direto) — correspon-
de a uma conduta humana: dar, fazer ou Do objeto da relação jurídica
não fazer.
Objeto mediato (indireto) — é a res- O objeto é o meio para se atingir a finalidade da relação jurídica. Sobre
posta à pergunta: dar, fazer ou não fazer o objeto o sujeito ativo exerce sua faculdade de agir, impondo ao sujeito
o quê. Ou seja, é o próprio objeto da re- passivo um dever jurídico.
lação jurídica. O objeto imediato (direto) da relação jurídica é o que toca imediata-
mente o sujeito, ou seja, é a prestação, sempre representada por uma
conduta humana: dar, fazer, não fazer.
CONCEITO Dar e fazer são condutas consideradas positivas, pois exigem uma
ação do sujeito passivo em benefício do sujeito ativo. Já não fazer é con-
Bem jurídico siderada conduta negativa, pois exige uma abstenção (omissão) lícita do
Bem jurídico é tudo o que pode ser ob- sujeito passivo em benefício do sujeito ativo.
jeto de tutela jurídica (ações/atividades,
pessoas, coisas), suscetível de aferição EXEMPLO
econômica ou não.
Os contratos de compra e venda têm, por objeto imediato, uma obrigação de dar;
os contratos de prestação de serviço uma obrigação de fazer e cláusulas que impo-
nham uma abstenção como, por exemplo, nos contratos publicitários não aparecer
em público utilizando outras marcas (cláusulas de exclusividade) têm por objeto ime-
diato uma obrigação de não fazer.
104 • capítulo 6
Fato gerador ou vínculo de atributividade da relação jurídica
Fato gerador ou vínculo de atributividade da relação jurídica é o que transforma uma re-
lação social em uma relação jurídica, ou seja, o que confere ao sujeito ativo a faculdade de
exigir do sujeito passivo um determinado comportamento.
COMENTÁRIO
Nas palavras de Miguel Reale:
“Entendemos por fato jurídico todo e qualquer fato, de ordem física ou social, inserido em uma estrutura
normativa. Por dois modos essa correlação se opera. Em verdade, o elemento fático existe tanto quando
se formula a hipótese normativa (‘Se F é’, isto é, se um fato ocorrer que corresponda à hipótese F) como
quando, na mesma norma, se prevê a consequência que deverá ou poderá sobrevir por ter ou não ocorrido F:
‘deverá ser C ou D’. O fato, em suma, figura, primeiro, como espécie de fato prevista na norma (Fattispecie,
Tatbestand) e, depois, como efeito juridicamente qualificado, em virtude da correspondência do fato concre-
to ao fato-tipo genericamente modelado na regra de direito: desse modo, o fato está no início e no fim do
processo normativo, como fato-tipo, previsto na regra, e como fato concreto, no momento de sua aplicação.”
Lições Preliminares de Direito, p. 200-201.
CASO FORTUITO
FATOS ORDINÁRIOS
FATO JURÍDICO FORÇA MAIOR
STRICTO SENSU
OU NATURAL FATOS
EXTRAORDINÁRIOS ATOS JURÍDICOS
STRICTO SENSU
ATOS-FATOS
LÍCITOS JURÍDICOS
ATOS JURÍDICOS
LATO SENSU
OU VOLUNTÁRIOS ART. 186, CC
ILÍCITOS
ART. 187, CC
capítulo 6 • 105
Fatos jurídicos
FATO JURÍDICO São acontecimentos independentes da vontade humana que produzem efeitos
STRICTO SENSU jurídicos (criando, modificando ou extinguindo direitos).
EXEMPLO
Na força maior conhece-se a causa que dá origem ao evento, pois se trata de um fato da natureza (raios,
vendavais, enchentes etc.).
No caso fortuito o acidente que gera o dano advém de causa desconhecida, como cabo elétrico que se
rompe e cai sobre fios telefônicos causando incêndio. No entanto, o caso fortuito também pode ser oca-
sionado por fato de terceiro como greve, motim, factum principis etc.
Atos jurídicos
ATO LÍCITO São os praticados em conformidade com a lei, moral e bons costumes.
É ato praticado com culpa em sentido amplo que produz lesão a um bem jurídico
ATO ILÍCITO e faz nascer a obrigação de indenizar, como por exemplo, o abuso de direito pre-
visto no art. 187, CC.
106 • capítulo 6
É o ato que gera consequências jurídicas previstas em lei e não pelas partes
ATO JURÍDICO interessadas, como casamento, reconhecimento de paternidade, fixação de do-
STRICTO SENSU micílio, apropriação de coisa abandonada etc. Surgem como mero pressuposto
de efeito jurídico preordenado pela lei.
As relações jurídicas podem ser classificadas em diferentes espécies que variam conforme
os fatos sociais que lhes deram origem ou de acordo com a norma que a regulamenta.
As relações jurídicas principais são aquelas cuja existência não depende de ne-
PRINCIPAIS E nhuma outra relação jurídica, são, portanto, autônomas (ex.: contrato de locação).
ACESSÓRIAS As relações jurídicas acessórias são aquelas cuja existência está diretamente de-
terminada à existência e validade de uma relação principal (ex.: contrato de fiança).
As relações jurídicas públicas são as tuteladas pelo Direito Público (p.ex. Direito
Internacional Público, Direito Penal, Direito Constitucional) e, como um ente
PÚBLICAS E
público faz parte da relação jurídica, são caracterizadas por serem relações de
PRIVADAS
subordinação ou autoritárias. As relações jurídicas privadas são as tuteladas
pelo Direito Privado (ex.: Direito Civil, Direito Empresarial).
capítulo 6 • 107
As relações jurídicas pessoais decorrem da relação entre o titular do direito e
um determinado número de pessoas em que a conduta de uma delas destina-
se a satisfazer o interesse da outra (ex.: direitos de personalidade).
PESSOAIS,
As relações jurídicas reais decorrem de poderes ou faculdades de uma pessoa
OBRIGACIONAIS E
sobre uma coisa (ex.: posse e propriedade).
REAIS
As relações jurídicas obrigacionais decorrem do vínculo entre credor e devedor
conferindo àquele o direito de exigir uma determinada prestação e o direito e
dever deste em cumpri-la (ex.: contratos).
As relações jurídicas absolutas são aquelas que se impõem erga omnes, ou seja,
que vinculam aos seus efeitos todas as pessoas (ex.: propriedade, uso, habitação).
ABSOLUTAS E
As relações jurídicas relativas são aquelas cujos efeitos só se produzem
RELATIVAS
entre as partes diretamente envolvidas na relação – diz-se interpartes. (ex.:
contratos em geral).
Especiais são as relações jurídicas em que a lei impõe uma forma especial
ESPECIAIS
como elemento de validade ou de eficácia (ex.: art. 108, CC).
(SOLENES) OU
Informais são as relações jurídicas que geram efeitos independente de qualquer
INFORMAIS
forma (ex.: compra e venda de bem móvel).
Quando se pretende dar proteção judicial a uma relação jurídica a chamamos de tutela
(defesa) do direito, devendo ser realizada por meio da intervenção do Poder Público
(Poder Judiciário).
Pode-se afirmar que a todo direito subjetivo corresponde uma pretensão (faculdade de
exigir uma prestação de outrem) e a toda pretensão corresponde uma ação (meio processu-
al para se obter uma tutela do direito ameaçado ou violado).
108 • capítulo 6
ATENÇÃO
SENTENÇA
DIREITO
PRETENSÃO AÇÃO (TUTELA PELO
SUBJETIVO
JUDICIÁRIO)
A proteção das relações jurídicas pode ser verificada por duas perspectivas:
CONCEITO
O direito de ação (direito público subjetivo) é a faculdade de invocar (direito potestativo por ser um poder
jurídico) o Estado para promover a defesa, proteção ou proteção de um direito.
Por isso, pode-se falar em relação jurídica de direito material (direito subjetivo) e rela-
ção jurídica de direito processual (pedido de proteção ou realização do direito subjetivo
não observado ou não cumprido pelo sujeito passivo).
Assim, a norma de Direito Material prevê o direito subjetivo e a norma de Direito Processual
prevê a forma como se exerce a tutela deste direito quando ocorrer sua ameaça ou violação.
Frise-se, no entanto, que, se embora a todo direito subjetivo corresponda uma ação
judicial, a recíproca não será verdadeira, ou seja, há ações que visam esclarecer a exis-
tência de uma relação jurídica, portanto, será a partir da sentença procedente que o
direito subjetivo passará a existir.
EXEMPLO
Uma ação de investigação de parentalidade ou paternidade.
A proteção dada aos direitos subjetivos ocorre especialmente pela sanção, que é a consequ-
ência jurídica imposta ao sujeito passivo que deixou de observar ou cumprir um dever jurídico.
As sanções jurídicas têm por principal característica o fato de serem predeterminadas
e organizadas. Portanto, falar em sanção (norma secundária) é previamente pensar em des-
cumprimento de um dever (norma primária) pelo sujeito passivo.
As normas primárias podem ser expressas ou implícitas. Dessa forma, as normas penais tra-
zem expressamente as normas secundárias (sanções), deixando implícitas as normas primárias.
capítulo 6 • 109
EXEMPLO
Art. 121, Código Penal: Art. 121. Matar alguém:
Pena — reclusão, de seis a vinte anos.
Homicídio qualificado
§2°. Se o homicídio é cometido:
I - mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe;
II - por motivo fútil;
III - com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que
possa resultar perigo comum;
IV - à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível
a defesa do ofendido;
V - para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime:
Pena — reclusão, de doze a trinta anos.
Homicídio culposo
§3º. Se o homicídio é culposo:
Pena — detenção, de um a três anos.
Aumento de pena
§4º. No homicídio culposo, a pena é aumentada de 1/3 (um terço), se o crime resulta de inobservância
de regra técnica de profissão, arte ou ofício, ou se o agente deixa de prestar imediato socorro à vítima,
não procura diminuir as consequências do seu ato, ou foge para evitar prisão em flagrante. Sendo doloso
o homicídio, a pena é aumentada de 1/3 (um terço) se o crime é praticado contra pessoa menor de 14
(quatorze) ou maior de 60 (sessenta) anos.
§5º. Na hipótese de homicídio culposo, o juiz poderá deixar de aplicar a pena, se as consequências da
infração atingirem o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária.
§6º. A pena é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o crime for praticado por milícia privada, sob
o pretexto de prestação de serviço de segurança, ou por grupo de extermínio.
110 • capítulo 6
ADMINISTRATIVAS Advertência; suspensão; cassação; multa; apreensão de mercadorias etc.
FISCAIS Multas.
Vale, por fim lembrar, que movimentar a máquina judiciária para exigir a proteção ou
promoção de um direito é um direito fundamental previsto no art. 5o., LXXIII, da Consti-
tuição Federal (cláusula pétrea).
Assim, o direito de ação (art. 5o., XXXV, CF) é um direito subjetivo público que impõe
ao Estado o dever jurídico de analisar a questão apresentada; ou seja, trata-se de direito de
invocar a prestação jurisdicional evitando-se assim o exercício da autotutela ou da justiça
com as próprias mãos.
RESUMO
Relação jurídica — vínculo jurídico entre pessoas que confere a uma (sujeito ativo) um direito subjetivo
que pode ser exigido de outra (sujeito passivo) que possui um dever jurídico de cumprir a prestação.
Abstratas e concretas.
Simples e complexas.
Principais e acessórias.
Públicas e privadas.
capítulo 6 • 111
Pessoais, obrigacionais e reais.
Absolutas e relativas.
Especiais e informais.
Relação jurídica de direito processual — prevê a forma de exercício da tutela dos direitos subjetivos.
ATIVIDADE
1. Das situações adiante descritas, indique aquela que representa uma relação jurídica e justifique sua resposta.
a) Ir à Igreja aos domingos.
b) Ajudar alguém a atravessar uma rua.
c) Comprar um café na cantina.
d) Respeitar uma fila.
2. Na hora do intervalo, você se dirigiu à cantina da faculdade e lá adquiriu um café e um salgado, realizan-
do o pagamento à vista. Sobre esta relação é correto afirmar que:
a) Trata-se de uma relação meramente social, uma vez que o Direito não tem sobre ela qualquer interesse.
b) Trata-se de uma relação jurídica em que o sujeito ativo em relação ao café e o salgado é a cantina.
c) Trata-se de uma relação jurídica em que o sujeito passivo em relação ao pagamento em dinheiro é a cantina.
d) Trata-se de uma relação jurídica em que o fato gerador é um contrato de compra e venda.
e) Trata-se de uma relação social, pois não há nenhum tipo de contrato identificado na hipótese.
112 • capítulo 6
III. Tem direito à realização do exame de DNA, para aferição de paternidade, como decorrência da prote-
ção que lhe é conferida pelos direitos da personalidade.
capítulo 6 • 113
7
Direito subjetivo,
objetivo e
potestativo
CONCEITO
Para compreender melhor o conteúdo deste capítulo, é importante que você conheça os seguintes conceitos:
Cláusula Geral
As cláusulas gerais afirmam o objetivo de dotar o sistema de normas com característica de mobilidade,
que propiciem a abertura do ordenamento jurídico. Ou seja, confere-se ao juiz a possibilidade de fechar
o conceito na análise do caso concreto, a ele também devendo determinar a extensão dos efeitos. A
generalidade do enunciado do art. 186, do Código Civil, que descreve a responsabilidade civil subjetiva, é
apontada como uma cláusula geral, o que significa que o juiz fechará o conceito valorando o fato que lhe
for apresentado, mas também deverá determinar as consequências decorrentes do fato praticado, uma vez
que o dispositivo legal apenas aponta as condições necessárias ao dever de indenizar.
Assim, tanto nos conceitos jurídicos indeterminados quanto nas cláusulas gerais o magistrado age de forma
a valorar a situação concreta. Contudo, nos conceitos indeterminados o grau de generalidade é menor, fazen-
do-se necessária a subsunção dos fatos à hipótese legal; nas cláusulas gerais o fato é substituído pela ativi-
dade de criação judicial, por meio de síntese, de maneira que constitua o processo em verdadeira concreção.
116 • capítulo 7
Direito Objetivo
O Direito Objetivo basicamente é considerado como uma norma de agir (norma agendi) que
visa ordenar as relações sociais por meio de disposições normativas escritas (jus scriptum) e
consuetudinárias (decorrente dos costumes).
Trata-se, portanto, do conjunto de normas escritas e não escritas que refletem o mo-
mento social em que foram criadas, sendo representado por modelos genéricos e abstratos
de condutas (Códigos, Leis etc.).
Quando se fala: o credor tem o “direito” de receber o pagamento; o consumidor tem o “di-
reito” de exigir o cumprimento da oferta anunciada; o empregado tem “direito” de exigir o
salário; o cidadão tem o “direito” de ir e vir está-se falando do direito subjetivo.
O direito subjetivo pode ser analisado sob dois aspectos:
Direitos conferidos ao seu titular para praticar certos atos que devem decor-
DIREITOS DE AGIR
rer de sua vontade (direito a propor uma ação; direito à sindicalização etc.).
Note-se, no entanto, que não se está aqui a afirmar que o direito subjetivo pode ser arbi-
trariamente exercido, ao contrário, o interesse tutelado não é ilimitado, sendo vedado que
as pessoas saiam por aí fazendo justiça com as próprias mãos (autotutela). Dessa forma,
inúmeras serão as limitações previstas em lei para as diversas situações subjetivas.
capítulo 7 • 117
CURIOSIDADE Assim, haverá limites ditos externos que nascem junto com o pró-
prio direito subjetivo, limites informados especialmente por cláusulas
Herança gerais como boa-fé, probidade, função social, lealdade, cooperação etc.
Do latim hereditas. Conjunto de bens ou
patrimônio deixado pelo de cujus (pes-
soa que faleceu). Direito Potestativo (discricionário ou
poder formativo)
CONCEITO
O direito potestativo representa uma situação subjetiva em que o titular
Prescrição: prescrição é a perda da do direito subjetivo pode unilateralmente constituir, modificar ou extin-
ação atribuída a um direito, e de toda a guir uma situação subjetiva interferindo diretamente na esfera jurídica
sua capacidade defensiva, em conse- de outro sujeito que a esse poder formativo não poderá se opor.
quência do não uso delas, durante um
determinado espaço de tempo. (Clóvis EXEMPLO
Beviláqua)
É o caso da aceitação da herança; do divórcio; do direito do sócio de retirar-se da socie-
Decadência: Francisco Amaral define dade por ações; da renúncia no contrato de mandato; na comunhão forçada de muro etc.
decadência (ou caducidade) como a per-
da do direito potestativo pela inércia de Dessa forma, nota-se que o direito potestativo corresponde a um exer-
seu titular no período determinado em lei. cício de um direito por seu titular que, ao exercê-lo, produz efeitos não
somente na sua esfera jurídica, mas também na esfera jurídica de outrem.
Há, então, uma série de situações nas quais o sujeito ativo tem um direi-
CURIOSIDADE to ou poder que podem ser exercidos unilateralmente, embora não seja
materialmente o único interessado na relação jurídica. A disciplina dos
Sujeição direitos potestativos não é unitária, o que significa afirmar que a norma
Do latim subjectio. Ação de sujeitar ou a eles aplicada será a norma correspondente aos interesses envolvidos.
de se sujeitar algo ou alguém ao domí- Outra importante diferença pode ser apontada com relação à
nio de outrem ou de outra coisa. Sub- prescrição e à decadência.
missão ou subordinação. Diz-se que os direitos subjetivos subordinam-se aos prazos prescri-
cionais e, por isso, a prescrição também se relaciona com as obrigações,
os deveres jurídicos e com a responsabilidade, pois estão intimamente
conectados a ações condenatórias.
Já a decadência, via de regra, relaciona-se diretamente com os direi-
tos potestativos e, portanto, com o estado de sujeição; uma vez que ge-
ram ações constitutivas (positivas e negativas).
No entanto, vale notar que haverá alguns direitos potestativos consi-
derados imprescritíveis como, por exemplo, as nulidades absolutas dos
negócios jurídicos e do casamento.
REFLEXÃO
Aos direitos subjetivos contrapõem-se deveres jurídicos.
Aos direitos potestativos contrapõe-se um estado de sujeição.
118 • capítulo 7
DIREITOS AÇÕES PRAZOS
SUBJETIVOS CONDENATÓRIAS PRESCRICIONAIS
DIREITOS PRÓPRIOS São aqueles exclusivos de órgãos estatais como o poder de legislar, o poder
ÀS INSTITUIÇÕES de julgar, o poder de polícia etc.
DIREITOS COMUNS São aqueles que podem ter como titular tanto pessoas naturais como pes-
A INDIVÍDUOS E soas jurídicas, como por exemplo, os direitos reais, os direitos de personali-
INSTITUIÇÕES dade, os direitos de crédito, os direitos autorais etc.
São aqueles que apenas certa e determinada pessoa pode ser sujeito pas-
sivo (opõem-se inter partes ou erga singulum), como o direito de crédito ou
DIREITOS RELATIVOS obrigacional; o direito a impetração do mandado de segurança etc. Será o
direito subjetivo relativo quando o sujeito passivo da relação jurídica for certa
e determinada pessoa.
capítulo 7 • 119
QUANTO AO OBJETO
São aqueles que têm por objeto a pessoa na sua mais ampla concep-
DIREITOS DE
ção, conforme previstos no art. 11 e ss., CC (direito ao nome, à honra,
PERSONALIDADE
à imagem etc.).
São os direitos sobre uma ação ou prestação (dar, fazer ou não fazer), tam-
DIREITOS
bém chamados de direito de crédito ou direitos pessoais, conforme previs-
OBRIGACIONAIS
tos no art. 233 e ss., CC.
São os que não podem ser aferidos economicamente uma vez que pos-
suem natureza moral como os direitos personalíssimos (ou inatos) e os
direitos familiais.
DIREITOS NÃO São direitos conhecidos como personalíssimos (nome, integridade cor-
PATRIMONIAIS poral etc.), pessoais (deveres decorrentes do casamento e da filiação
etc.) e subjetivos públicos (saúde, educação, moradia etc.).
São direitos inalienáveis e intransmissíveis e extinguem-se com a mor-
te de seu titular.
120 • capítulo 7
QUANTO À TRANSMISSIBILIDADE
São os direitos subjetivos que admitem que seu titular o transmita a
DIREITOS outrem para que essa pessoa passe a exercer a titularidade como os
TRANSMISSÍVEIS direitos reais. A transmissibilidade pode ocorrer por ato inter vivos ou
causa mortis.
DIREITOS São direitos que só podem ser exercidos pelo seu titular, como os direitos
INTRANSMISSÍVEIS personalíssimos (ex.: nome; honra; vida).
RECIPROCAMENTE CONSIDERADOS
São os direitos subjetivos independentes, ou seja, a sua existência e o
DIREITOS PRINCIPAIS seu exercício não dependem do exercício de nenhum outro direito (ex.
direito de propriedade, poder familiar, direito a alimentos).
QUANTO À AQUISIÇÃO
Ocorrem quando o sujeito passa a possuir o direito sem que haja qual-
quer relacionamento jurídico com outro sujeito na qualidade de titular
anterior deste mesmo direito. É quando o direito nasce no momento em
que o titular se apropria do bem de maneira direta, sem interposição ou
DIREITOS
transferência de outra pessoa. O Direito nasceu como fato. Ex.: a ocu-
ORIGINÁRIOS OU
pação de coisa abandonada (1263 do CC) (1260 CC), a apropriação
INATOS
de uma concha que o mar atira na praia etc. São adquiridos pela pessoa
com o nascimento com vida (direito à vida, à liberdade, ao nome etc.).
Diz-se também originários os direitos subjetivos que não decorrem de
um ato prévio de transmissão de direito.
capítulo 7 • 121
CONCEITO A transferência de direitos derivados de um titular para outro pode
não ser completa, daí dividindo-se em:
Usufruto
Transferência total dos direitos de um titular para ou-
Do latim usufructus. Trata-se do direi-
to assegurado ao usufruturário de fruir
TRANSLATIVA tro. Há a aquisição por parte de o novo titular e extin-
ção por parte do antigo. Ex. compra e venda a vista.
(usar, tirar as utilidades e frutos) de um
determinado bem que pertence a outrem.
É aquela em que o titular anterior ainda mantém con-
sigo alguma parcela do direito sobre o bem objeto da
CONSTITUTIVA transferência. Ex. Doação com cláusula de usufruto
(art. 1.390, do CC), alienação fiduciária em garantia
(Decreto-Lei n. 911/69).
QUANTO AO CONTEÚDO
Quando o sujeito ativo ou passivo da relação ju-
rídica (direta ou indiretamente) é pessoa jurídica
de Direito Público, diz-se que esses direitos sub-
DIREITOS SUBJETIVOS
jetivos são públicos. São eles: direito de liberdade,
PÚBLICOS
de ação, de petição e direitos políticos; direito de
cobrar impostos; de estabelecer penas; de desa-
propriar etc.
COMENTÁRIO
Alguns autores, como Paulo Dourado de Gusmão (2013) indicam a existência de
direitos subjetivos internacionais, que teriam por fonte tratados e declarações inter-
nacionais (direitos humanos, direito ao meio ambiente etc.).
122 • capítulo 7
A aquisição é a forma ou meio pelo qual o sujeito ativo assume a CURIOSIDADE
condição de titular do direito subjetivo. Adquire-se um direito por de-
terminação legal (ex. como os direitos de personalidade); ou por ato de Aluvião
vontade (ex. contratos). São os acréscimos de terra formados
Diz-se originária a aquisição de direito que não decorre de uma sucessiva e progressivamente por de-
transmissão e, por isso, não se sujeita ao sistema de vícios. pósitos ou aterros naturais ao longo das
A aquisição de direito derivada decorre de uma transmissão de di- margens das correntes, ou pelo desvio
reitos ou de mudança em um direito sujeitando-se ao sistema de vícios de águas destas (art. 1.250, CC).
porque pode haver um ato anterior que macule o direito.
A aquisição pode ser fruto da atuação da própria pessoa como é o Avulsão
caso da ocupação (art. 1.263, CC); ou pode ter origem em atos de ter- São os acréscimos de terra provoca-
ceiros como é o caso do testamento (art. 1.857 e ss., CC); ou ainda ter dos por deslocamento violento (art.
origem na declaração de várias vontades conjuntamente como ocorre 1.251, CC).
nos contratos.
Sub-rogação
EXEMPLO Do latim subrogatio. Fundamentalmente
sugere substituição da coisa ou da pes-
Aquisição de direito originária: direitos de personalidade. soa em uma relação jurídica.
Aquisição de direito derivada: usufruto, art. 1.390 e ss., CC.
capítulo 7 • 123
CURIOSIDADE É a perda da pretensão, ou seja, é a perda do direito
Prescrição (extintiva) subjetivo pela não utilização do direito de ação que
Divórcio lhe permitiria exercê-lo.
Meio de dissolução do vínculo conjugal
(art. 1.571, CC) que pode ser exercido a É a perda do próprio direito pelo decurso do tempo,
Decadência
qualquer tempo por um só dos cônjuges ou seja, extingue-se o direito pelo seu não uso.
(divórcio unilateral) ou por ambos (divór-
cio consensual).
Posições Jurídicas Ativas
Poder Jurídico, Faculdade Jurídica, Direito Subjetivo e
Direito Potestativo.
REFLEXÃO
Ensina Orlando Gomes (2010) que “a posição ativa na relação jurídica designa-se com
o termo genérico poder, a passiva correlatamente, dever, surgindo, como figura típica
da relação jurídica privada, aquela em que o poder constitui um direito subjetivo.”
124 • capítulo 7
EXEMPLO CURIOSIDADE
É poder jurídico: Ônus
O poder familiar (art. 1.630, CC) que não é exercido em favor dos pais, mas sim Do latim onus. É todo o encargo, dever
conforme o melhor interesse dos filhos. ou obrigação imposta a uma pessoa.
Do síndico da massa falida.
Do tutor e curador que o exerce em benefício do tutelado e do curatelado.
RESUMO
O direito subjetivo também não se confunde com direito potestativo. Ou seja, en-
quanto aquele é o poder reconhecido pelo ordenamento jurídico ao sujeito ativo
para a realização de um interesse próprio; no direito potestativo o sujeito ativo pode
unilateralmente constituir, modificar ou extinguir uma situação jurídica interferindo
diretamente na esfera jurídica de outrem.
Dever jurídico
EXEMPLO
O comprador de um bem tem o dever de pagar o preço acertado; o locador o dever
de pagar o aluguel; os cônjuges o dever de fidelidade recíproca.
capítulo 7 • 125
CURIOSIDADE Dever jurídico é mais amplo do que obrigação, pois se aplica a qual-
quer tipo de relação jurídica (independente se a ela corresponde um di-
Obrigação reito ou não), referindo-se à conduta exigível do sujeito passivo.
Do latim obligatio. Em sentido amplo é o Já o termo obrigação destina-se a delimitar o vínculo jurídico entre
dever a que está sujeita uma pessoa de credor e devedor, de natureza patrimonial e temporária, que confere
cumprir ou de se abster de fazer algo. àquele o direito de exigir deste uma determinada prestação.
O dever jurídico pode se apresentar sob as mais diversas espécies:
CONCEITO
De acordo com Paulo Nader, “o estudo do dever jurídico revela-nos a existência de
cinco importantes axiomas, conforme analisa Eduardo García Máynez, a saber: axio-
ma de inclusão; de liberdade; de contradição; de exclusão do meio; de identidade.”
126 • capítulo 7
“A conduta juridicamente regulada não pode ser, ao CURIOSIDADE
mesmo tempo, proibida e permitida”.
A ordem jurídica deve ser um todo harmônico e bem Outorga
AXIOMA DE Do latim auctorisare. Consentimento
definido. Deste axioma deduzimos o princípio da iso-
CONTRADIÇÃO ou autorização, ato de conferir poder
nomia da lei, segundo o qual todos são iguais pe-
rante a lei. Esta não pode ser aplicada ao sabor das a outrem.
conveniências, com dois pesos e duas medidas.
Sujeição
EXEMPLO
As causas de impedimento (art. 1.521, CC), nulidades e anulabilidades do casamen-
to (arts. 1.548 e 1.550. CC); quem realiza um contrato de locação por prazo indeter-
minado, se sujeita a sair do imóvel locado quando o prazo for denunciado pelo outro
contratante; quem recebe um mandato se sujeita à sua revogação a qualquer tempo;
quem é dono de área em que nela há um prédio encravado se sujeita a garantir-lhe
passagem (servidão - art. art. 1.378 e ss., CC); quem é condômino de área indivisa
sujeitas à sua divisão quando requerida pelos demais condôminos art. 1.320, CC);
exigência de outorga do outro cônjuge para a prática de certos atos (art. 1.647, CC).
capítulo 7 • 127
Ônus
EXEMPLO
São exemplos de ônus: registrar o contrato ou o pacto antenupcial no Registro de Títulos e Documentos;
realizar um inventário.
Ônus não se confunde com dever jurídico, pois enquanto neste o comportamento do
sujeito passivo se realiza para satisfazer interesse do sujeito ativo; no ônus o comportamen-
to destina-se a satisfazer interesse do próprio sujeito passivo.
EXEMPLO
Veja-se a herança. Enquanto não houver a abertura da sucessão apenas há uma expectativa dos herdeiros
legítimos quanto à herança. Terão eles direito à herança apenas e tão somente quando houver a morte do
titular da herança. O mesmo vale para a aposentadoria.
128 • capítulo 7
Quanto à expectativa de direito, ainda é possível diferenciá-la em direito condicio-
nado dependente do implemento de um evento futuro e incerto; ou dependente do im-
plemento de um evento futuro e certo. Nesses casos, o direito apenas será considerado
adquirido após a ocorrência dos eventos.
EXEMPLO
Dependente do implemento de um evento futuro e incerto: se você passar no Exame da OAB lhe dou um carro.
Dependente do implemento de um evento futuro e certo: quando chover em Curitiba lhe dou um guarda-chuva.
Diversas são as teorias que visam explicar os direitos adquiridos em face da (ir)retroati-
vidade das leis, entre elas, destacam-se:
Afirmam que a irretroatividade das leis limita-se aos direitos adquiridos, sen-
do estes os decorrentes de fatos capazes de produzi-los na época em que
TEORIA DE LASSALLE
a lei existia, permitindo o seu ingresso imediato no patrimônio do seu titular.
E GABBA
É a teoria vigente no ordenamento brasileiro que limita a irretroatividade das
leis aos direitos adquiridos.
Está presente no art. 6o., LINDB e art. 2.035, CC. Afirma o autor que a situ-
TEORIA DE J.
ação jurídica concreta deriva de um fato jurídico que tem feito atuar a seu
BONNECASE
favor ou contra regras de uma instituição jurídica.
Da análise dessas teorias, e das novas que surgem propondo outras soluções, conclui-
se não ser possível aplicar uma só para resolver a variedade de situações de Direito inter-
capítulo 7 • 129
temporal que se apresentam e, por isso, adotou o legislador brasileiro a teoria dos direitos
adquiridos de Gabba e a do efeito imediato de Paul Robier, não descartando, no entanto, na
análise do caso concreto a possibilidade de outras interpretações.
Assim, pode-se afirmar que embora o direito subjetivo seja um direito garantido por normas
jurídicas e exercível conforme a vontade de seu titular, enquanto não exercido, não passa de
mera expectativa de direito, ou seja, entrando em vigor nova norma, a ela estará subordinado.
No entanto, no momento em que esse direito subjetivo é exercido, passa a ele a ser pro-
tegido como direito adquirido, não podendo ser alterado pela vigência de novas normas.
RESUMO
DIREITO
DEVERES JURÍDICOS
SUBJETIVO
DIREITO
ESTADO DE SUJEIÇÃO
POTESTATIVO
QUANTO AO SUJEITO
Direitos absolutos e relativos;
PASSIVO
QUANTO À
FINALIDADE DO Direito-interesse e direito-função.
DIREITO
QUANTO À VALORAÇÃO
ECONÔMICA DO Direitos patrimoniais, direitos não patrimoniais.
DIREITO
QUANTO À
Direitos transmissíveis e direitos intransmissíveis.
TRANSMISSIBILIDADE
RECIPROCAMENTE
Direitos principais e acessórios.
CONSIDERADOS
QUANTO AO
Direitos subjetivos públicos e direitos subjetivos privados.
CONTEÚDO
130 • capítulo 7
Aquisição, modificação e extinção de direitos subjetivos:
A aquisição é a forma ou meio pelo qual o sujeito ativo assume a condição de titular do
direito subjetivo.
A modificação de um direito subjetivo pode ocorrer por alteração na titularidade do direi-
to ou do dever jurídico (modificação subjetiva) ou no objeto do direito (modificação objetiva).
A extinção do direito subjetivo pode ocorrer: por perecimento de seu objeto; alienação;
renúncia; prescrição; decadência.
Direito adquirido
Refere-se à situação jurídica que já ingressou no patrimônio do titular do direito, não po-
dendo ser alterado por lei posterior que o altere.
capítulo 7 • 131
ATIVIDADE
1. Analise as seguintes assertivas:
I. Divórcio é um direito potestativo.
II. Poder familiar é uma obrigação.
III. Dever de fidelidade recíproca no casamento é uma faculdade jurídica.
IV. Pagar o aluguel é decorrente de uma obrigação.
V. Abrir o inventário é um ônus jurídico.
Estão corretas as relações realizadas em:
a) I, II e III.
b) IV e V.
c) III, IV e V.
d) I, III e IV.
e) I e III.
2. (TRT 9a. Região - Juiz do Trabalho 2012) Considerando a teoria do Direito Civil acerca das locuções
"direito objetivo" e "direito subjetivo", assinale a alternativa incorreta:
a) O direito subjetivo associa-se à noção de facultas agendi.
b) Visto como um conjunto de normas que a todos se dirige e a todos vincula, temos o "direito subjetivo".
c) Direito subjetivo é a prerrogativa de invocação da norma jurídica, pelo titular, na defesa do seu interesse.
d) Visto sob o ângulo subjetivo, o direito é o interesse juridicamente tutelado (Ihering).
e) O direito objetivo refere-se a um conjunto de regras que impõem à conduta humana certa direção ou
limite. Ele descreve condutas obrigatórias e comina sanções pelo comportamento diverso dessa descrição.
3. (BACEN - Procurador - 2006) Considere o disposto no artigo 5º, XXXVI, da Constituição Federal e o
artigo 6º da Lei de Introdução ao Código Civil (atualmente denominada Lei de Introdução às Normas do
Direito Brasileiro), abaixo transcritos e assinale a alternativa correta.
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e
aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança
e à propriedade, nos termos seguintes:.......................................................................................... XXXVI - a lei não prejudicará
o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;
Art. 6º A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a
coisa julgada. (Redação dada pela Lei nº 3.238, de 1º.8.1957)
a) O efeito imediato da lei nova significa que os negócios jurídicos praticados com base na lei antiga de-
vem ser ratificados, sob pena de não valer à face do artigo 5º, XXXVI, da Constituição Federal.
b) A Constituição Federal de 1988 não recepcionou a primeira parte do artigo 6º da Lei de Introdução ao
Código Civil (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro), que prescreve o efeito imediato da lei.
c) O efeito imediato da lei nova significa que ela atinge as partes posteriores dos fatos pendentes e não é
incompatível com a regra constitucional que preserva o direito adquirido dos efeitos da lei nova.
d) O artigo 6º da Lei de Introdução ao Código Civil (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro) é
contraditório e por isto se autorrevogou.
e) O artigo 5º, XXXVI, da Constituição Federal revogou tacitamente a primeira parte do artigo 6º da Lei de
Introdução ao Código Civil (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro), não mais se admitindo o
efeito imediato da lei nova.
132 • capítulo 7
4. Assinale a alternativa correta quanto à classificação dos direitos subjetivos.
a) O direito à saúde é considerado um direito absoluto e intransmissível.
b) Os ditos direitos de personalidade são direitos patrimoniais e renunciáveis.
c) O direito de exigir os juros decorrentes de um contrato de empréstimo é considerado um direito principal.
d) O direito ao nome é considerado um direito derivado e transmissível.
e) Os direitos autorais são considerados direitos subjetivos públicos e irrenunciáveis.
5. Carlos e Adriana estiveram casados por 20 anos. Mas Carlos arranjou agora um novo amor e propôs
ação de divórcio em face de Adriana, de quem ouviu em alto e bom tom: não lhe concederei o divórcio, não
assinarei nenhum papel uma vez que o dever de fidelidade recíproca é um dever jurídico imposto pela lei. De
acordo com as posições jurídicas estudadas, pode-se afirmar que Adriana tem razão? Justifique sua resposta.
capítulo 7 • 133
8 Conceitos de
Fontes do Direito
Fontes Materiais
EXEMPLO
Um exemplo de fato econômico inspirador do Direito foi a quebra da Bolsa de Nova
York em 1929, que acarretou uma depressão econômica sem precedentes, com
efeitos jurídicos profundos.
CURIOSIDADE
Contexto histórico
Na religião encontra-se uma fonte destacada do Direito, haja vista a Antiguidade
Oriental e a Clássica, nas quais Direito e religião estavam confundidos. Naquela época,
a própria pena imposta ao faltoso tinha caráter de expiação, pois o crime, antes de ser
um ato ilícito, era um pecado, razão pela qual, no antigo Egito, aquele que atentava
contra lei do faraó cometia não apenas crime, mas também sacrilégio (pecado).
Veja-se, nos dias atuais, a grande luta travada pela Igreja, nos países
católicos, contra o aborto e a eutanásia, influenciando, com sua auto-
136 • capítulo 8
ridade, durante muito tempo, a decisão dos parlamentares a respeito. CONCEITO
Para os fatores de ordem moral que influem na elaboração do Direi-
to, citam-se as virtudes morais como o decoro, a decência, a fidelidade, Legiferante
o respeito ao próximo. Refere-se ao ato de legiferar, legislar.
Como fatores naturais, podem ser trazidos as condições climáticas, A função legiferante consiste no poder
a topografia, a população, a constituição anatômica dos povos. de estabelecer leis.
Tem função legiferante o órgão compe-
EXEMPLO tente para criar leis.
Os fenícios foram os maiores navegadores comerciantes da Antiguidade, muito por-
que a aridez do solo em que viviam a isto os forçou. Da mesma forma que os portu-
gueses foram responsáveis pelas Grandes Navegações dos séculos XIV e XV.
EXEMPLO
Como exemplo, a comoção social provocada pelo bárbaro assassinato da atriz Da-
niela Perez e do sequestro do empresário Abílio Diniz, levaram à criação da Lei dos
Crimes Hediondos.
capítulo 8 • 137
CONCEITO Fontes Históricas
São os documentos jurídicos e coleções coletivas do passado que conti-
Realidade social nuam a influir nas legislações do presente.
Conjunto de fatos sociais que contribuem
para a formação do conteúdo do direito. EXEMPLO
Como exemplo, poderiam ser citados: a Lei das Doze Tábuas, em Roma; o céle-
bre Código de Hamurabi, com sua pena de talião, na Babilônia; a famosa compi-
lação de Justiniano etc. São fontes históricas do Direito brasileiro, por exemplo,
o Direito Romano, o Direito Canônico, as Ordenações Afonsinas, Manuelinas e
Filipinas, a Lei Aurea, o Código de Napoleão, a legislação da Itália fascista sobre
o trabalho, que influenciou a CLT.
Fontes Formais
As Fontes Formais são a lei, os costumes, a jurisprudência e a doutrina.
O positivismo jurídico defende a ideia de que fora do Estado não
há Direito, sendo aquele a única fonte deste. As forças sociais, os fa-
tos sociais seriam tão somente causa
material do Direito, a matéria-prima O Estado cria a lei
de sua elaboração, ficando esta sem- e dá, ao costume e
pre a cargo do próprio Estado, como à jurisprudência, a
causa eficiente.
força desta.
A lei seria causa formal do Direito,
a forma de manifestação deste. As fontes formais seriam as artérias pe-
las quais correm e se manifestam as fontes materiais.
DE PRODUÇÃO ESTADO
LEI
FONTES DO IMEDIATA
COSTUMES
DIREITO DE CONHECIMENTO
DOUTRINA
MEDIATA
JURISPRUDÊNCIA
EXEMPLO
Legislação, costume, jurisprudência e doutrina.
138 • capítulo 8
A Lei e seu processo de produção. CONCEITO
A Lei é a fonte formal imediata de Direito, pois é a forma pela qual nos Lei
transmite seu conhecimento. Lei em sentido amplo ou em sentido
lato: indica o jus scriptum (direito escri-
COMENTÁRIO to). Referência genérica que inclui a lei
propriamente dita (ordinária ou comple-
Segundo Silva (2013, p.123), as medidas provisórias não deveriam constar do rol do mentar), a medida provisória e o decreto.
art. 59 da CF, pois sua elaboração não se dá por processo legislativo.
A Constituição não trata do processo de formação dos decretos legislativos ou Lei em sentido estrito: é a lei comum e
das resoluções. obrigatória, emanada do Poder Legislati-
Decretos legislativos são atos destinados a regular matérias de competência ex- vo, no âmbito de sua competência.
clusiva do Congresso Nacional (art. 49 CF) que tenham efeitos externos a ele e
independem de sanção e veto.
Resoluções legislativas são atos destinados a regular matérias de competência do Con-
gresso Nacional e de suas Casas, mas com efeitos internos. Assim, os regimentos inter-
nos são aprovados por resoluções. Exceção: arts. 68, parágrafo 2º, 52, IV e X e 155, V.
Maioria absoluta dos membros das Câmaras, para aprovação de lei comple-
mentar (art. 69 CF);
Maioria de três quintos dos membros das Casas do Congresso, para aprova-
ção de emendas Constitucionais (art.60, § 2º).
capítulo 8 • 139
CONCEITO Sanção e veto — São atos de competência exclusiva do Presidente da
República. Sanção e veto somente recaem sobre projetos de lei.
Sanção Só são cabíveis em projetos que disponham sobre as matérias elen-
Sanção é a adesão do Chefe do Poder cadas no art. 48 da CF.
Executivo ao projeto de lei aprovado
pelo Legislativo; pode ser expressa (art. ATENÇÃO
66 CF, caput) ou tácita (art. 66 CF, § 3º).
Caso o veto seja rejeitado por votação da maioria absoluta dos Deputados e Sena-
dores, em escrutínio secreto, o projeto se transforma em lei, sem sanção, que deverá
CONCEITO ser promulgada. Não se alcançando a maioria mencionada, o veto ficará mantido,
arquivando-se o projeto.
Veto
Veto é o modo pelo qual o Chefe do Po- Promulgação e publicação — Promulga-se e publica-se a lei, que já
der Executivo exprime sua discordância existe desde a sanção ou veto rejeitado. É errado falar em promulgação de
com o projeto aprovado, por entendê-lo projeto de lei. Promulgação é a declaração da existência da lei. É meio de
inconstitucional ou contrário ao interes- se constatar a existência da lei. A lei é perfeita antes de ser promulgada; a
se público (art. 66 CF, parágrafo 1º). O promulgação não faz lei, mas os efeitos da lei só se produzirão depois dela.
veto pode ser total, recaindo sobre todo
o projeto, ou parcial, quando atingir so- ATENÇÃO
mente parte dele.
O veto é relativo, não trancando de Diferença entre promulgar e outorgar uma norma
modo absoluto o andamento do projeto Norma promulgada, democrática ou popular (votada ou convencional): tem um pro-
(art. 66 CF, §§ 1º e 4º da CF). cesso de positivação proveniente de acordo ou votação.
Exemplo: a Constituição de 1988.
Norma outorgada: é imposta por um grupo ou por uma pessoa, sem um processo
regular de escolha do legislador, ou seja, sem a participação popular.
Exemplo: AI-5.
ATENÇÃO
A promulgação é, pois, o ato proclamatório através do qual o que antes era projeto
passa a ser lei e, consequentemente, a integrar o Direito positivo brasileiro.
A lei passa a existir como tal desde a sua promulgação, mas co-
meça a obrigar da data sua publicação, produzindo efeitos com a sua
entrada em vigor.
140 • capítulo 8
Técnica legislativa
ATENÇÃO
A elaboração legal requer, acima de tudo, bom senso e responsabilidade, pois as leis interferem, direta ou
indiretamente, na vida de todas as pessoas.
É preciso ter noção de que nem todos os problemas podem ser resolvidos pela lei. Por outro
lado, uma lei mal feita pode provocar efeito contrário do esperado, trazendo ainda mais dúvi-
das à questão que se pretendia esclarecer, e dando margem a desnecessárias batalhas jurídicas.
Além disso, a lei tem que levar em conta o interesse de todos, e não privilegiar inte-
resses particulares.
Para que tenha validade e não macule o ordenamento jurídico, a lei deve ser elabo-
rada com a observância das seguintes normas, além da legislação específica do tema
que se pretende tratar:
Constituição Federal (arts. 2º, 21, 22, 23, 24, 25, 30, 48, 49, 51, 52, 61, § 1º, 84, 96 e 165).
Constituição do Estado.
Estudo da matéria, pesquisa da legislação e jurisprudência (verificar SEMPRE se existe lei pré-exis-
tente ou consolidação acerca da matéria).
Elaboração de anteprojeto.
Revisão do anteprojeto.
Redação final.
CURIOSIDADE
A Lei Complementar n. 95/98 - Dispõe sobre a elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das
leis, conforme determina o parágrafo único do art. 59 da Constituição Federal e estabelece normas para a
consolidação dos atos normativos.
capítulo 8 • 141
EXEMPLO Parte preliminar
Assembleia Legislativa
Indica o tipo da proposição: Projeto de lei, Projeto de
A Mesa da Assembleia Legislativa do
EPÍGRAFE lei complementar, Projeto de resolução, Proposta de
Estado de ........., nos termos do § 3º do
emenda à Constituição, Projeto de decreto legislativo.
artigo 22 da Constituição do Estado,
promulga a seguinte Emenda ao texto Deve resumir com clareza o conteúdo do ato, para
constitucional: efeito de arquivo e, principalmente, pesquisa, deven-
Eu O GOVERNADOR DO ESTADO EMENTA
do, caso altere norma em vigor, fazer referência ao
DE .........: Faço saber que a Assembleia número e ao objeto desta.
Legislativa decreta e eu promulgo a se-
guinte lei complementar: Deve indicar a autoridade ou o órgão legiferante (ex.:
FÓRMULA DE A Assembleia Legislativa) e descrever a ordem de
PROMULGAÇÃO execução, traduzida pelas formas verbais decreta,
resolve e promulga.
Quando a lei for composta por somente um artigo, escreve-se “Artigo único”.
Deve ter nele sempre um único comando normativo, fixado em seu caput.
Suas frases iniciam com letras maiúsculas e terminam com ponto final.
142 • capítulo 8
Quando for somente um, escreve-se “Parágrafo único”, sem a utilização de símbolo §(parágrafo).
Quando ocorrem desdobramentos, estes são chamados de incisos, não se admitindo abreviações.
INCISO — é usado tanto para as enumerações relacionadas ao caput do artigo quanto as do parágrafo.
Sua numeração será em algarismo romano (I, II...), que é lido como um, dois etc.
Começa com letra minúscula e termina com ponto e vírgula; menos o último inciso do artigo, que
termina com ponto final.
O texto começa com letra minúscula e termina com ponto e vírgula, com exceção da última alínea
do inciso, que termina com ponto final.
O texto do item começa com letra minúscula e termina em ponto e vírgula, com exceção do último
item da alínea.
EXEMPLO
Lei n° 8245, de 18 de outubro de 1991.
Lei de Locação
capítulo 8 • 143
Parte final
O art. 25 da Constituição Estadual dita que nenhum projeto de lei que implique a
CLÁUSULA
criação ou o aumento de despesa pública será sancionado sem que dele conste
ORÇAMENTÁRIA
a indicação dos recursos disponíveis, próprios para atender aos novos encargos.
“... esta lei entra em vigor na data de sua publicação” ou “... entra em vigor “x” dias
CLÁUSULA DE após sua publicação”. Na ausência da cláusula revogatória, vale a regra da Lei de
VIGÊNCIA Introdução às Normas de Direito Brasileiro, ou seja, entra em vigor 45 dias após
sua publicação. É errado dizer que a lei “entrará” em vigor.
DISPOSIÇÕES
Possuem numeração própria, iniciando-se por artigo 1º, no final do texto legal.
TRANSITÓRIAS
Utilizar uma linguagem, seja técnica ou comum, sempre visando a perfeita compreensão do
objetivo da lei. Não utilizar expressões ou palavras que permitam duplo sentido ao texto.
Usar apenas siglas consagradas pelo uso, observado o princípio de que a primeira referência no
texto seja acompanhada de explicitação de seu significado.
Grafar por extenso quaisquer referências a números e percentuais, exceto data, número de lei e
nos casos em que houver prejuízo para a compreensão do texto.
Indicar, expressamente, o dispositivo objeto de remissão, preterindo o uso das expressões "an-
terior", "seguinte" ou equivalentes.
Não é permitido renumerar artigo ou capítulo, título, etc. Será utilizado o mesmo número do arti-
go (ou capítulo, título, etc.), seguido de letras maiúsculas em ordem alfabética (ex.: Artigo 9º-A,
Artigo 9º-B, Artigo 9º-C).
A reorganização interna das unidades componentes do artigo é permitida, devendo ser o artigo
assim alterado identificado ao final com as letras.
144 • capítulo 8
Igualmente não se permite o reaproveitamento do número de um disposi- CONCEITO
tivo que tenha sido revogado, vetado ou declarado inconstitucional. Essa
indicação deve ser mantida junto ao dispositivo da lei que foi alterada. Costume
O termo costume deriva do latim
consuetudine, de consuetumine, hábito,
uso. É a prática social reiterada e
Os costumes considerada obrigatória.
Costume é o conjunto de condutas cons-
O costume demonstra o princípio ou a regra não escrita que se introdu- tantes e uniformes adotadas por um gru-
ziu pelo uso, com o consentimento tácito de todas as pessoas que admi- po social e, por este mesmo grupo, tidas
tiram a sua força como norma a seguir na prática de determinados atos. como obrigatórias. É a prática reiterada e
Embora alguns autores não façam distinção entre costume e uso, constante de determinados atos que aca-
outros advertem que o costume se distingue dos usos sociais em geral ba por gerar a mentalização de que tais
porque a comunidade o considera obrigatório para todos, de tal sorte atos sejam essenciais para o bem da co-
que a sua violação acarreta uma responsabilidade jurídica e não apenas letividade. (Secco, 2009).
uma reprovação social.
Para que o uso social seja considerado obrigatório socialmente e,
portanto, se torne costume, é preciso que tenha considerável antigui-
dade, vale dizer, seja praticado por longo tempo. Deve existir, também,
a convicção de que ele é obriga-
tório, que origina uma norma
O costume não se
social correspondente a uma confunde, então, com
necessidade jurídica. as demais normas
O costume é a mais antiga e sociais ou de cortesia,
autêntica fonte de direito, e a cé-
desprovidas de
lebre Escola Histórica do Direi-
to, surgida no século XIX, sob a
coercitividade.
orientação de Savigny, ressaltou a importância do costume para o Direito,
pois que aquele é a própria exteriorização do espírito nacional (Volksgeist).
Os Estados integrantes da Common Law, especialmente Inglaterra
e Estados Unidos, valorizam bastante o costume como expressão da
vontade geral, mas também nos Estados de Direito legislado ou escrito
(Statute Law) o costume se destaca.
Inicialmente tem-se o hábito de que é o modo individualizado de
agir, depois se tem o uso que é o modo de agir de diversos membros da
sociedade. No momento em que o hábito se transforma em uso surge a
consciência de que a prática desses atos é necessária a toda sociedade.
Hermes Lima afirma que os costumes apresentam dois elementos
essenciais, um que é externo e o outro de ordem interna. O elemento
externo é objetivo, de natureza material (o agir), é o uso constante e pro-
longado. O interno é de natureza psicológica ou subjetiva, que é o reco-
nhecimento geral de sua obrigatoriedade.
capítulo 8 • 145
Direito Consuetudinário ou Costumeiro.
EXEMPLO
Temos como exemplo de norma costumeira consolidada a publicação intitulada Assentamentos de Usos e
Costumes da Praça de São Paulo, elaborada pela Junta Comercial e publicada no Diário Oficial do Estado.
Decorre da observação e respeito às normas jurídicas não escritas, isto é, normas resultan-
tes de práticas sociais reiteradas, constantes e tidas como obrigatórias. Admitem três espécies:
CONTRA LEGEM Por opor-se à lei não têm admissibilidade em nosso direito.
Por estar de acordo coma lei serve de interpretação, é o costume que escla-
SECUNDUM LEGEM
rece a lei por estar em perfeita sintonia com ela.
É utilizável quando a lei for omissa para preencher a lacuna existente. Este
PRAETER LEGEM
último; é o costume considerado como subsidiário do direito.
CONCEITO
Conforme a lei, secundum legem é a interpretação da lei realizada pelos juízes harmonizando o disposto
no texto e o seu sentido.
Já a praeter legem, é a jurisprudência que se considera efetivamente fonte subsidiária do direito. É a que
preenche as lacunas da lei.
A prova se fará dos mais diversos modos: documentos, testemunhas, vistorias etc. Em ma-
téria comercial, porém, devem ser provados por meio de certidões fornecidas pelas juntas
comerciais que possuem fichários organizados para este fim.
Art. 337 do Código de Processo Civil — “A parte que alegar direito municipal, estadual, estrangeiro
ou consuetudinário, provar-lhe-á o teor e a vigência, se assim determinar o juiz”.
EXEMPLO
O cheque pós-datado (ou pré-datado) que é reconhecido como costume comercial passou a ser protegido
e gerar direito à indenização quando houver o desconto antes do prazo pactuado entre as partes.
146 • capítulo 8
A jurisprudência CONCEITO
Jurisprudência em sentido amplo é a coletânea de decisões proferidas Jurisprudência uniforme
pelos juízes ou tribunais sobre uma determinada matéria jurídica. In- Decisões convergentes
clui jurisprudência uniforme e jurisprudência contraditória.
Em sentido estrito, a jurisprudência é o conjunto de decisões unifor- Jurisprudência contraditória
mes prolatadas pelos órgãos do Poder Judiciário sobre uma determinada Decisões divergentes
questão jurídica. Por isso, nunca se usa o termo jurisprudência no plural,
uma vez que já representa o coletivo das decisões jurisprudenciais.
Na prática, tem afinidade com o case law e o que se deseja da juris-
prudência é estabelecer a uniformidade e a constância das decisões
para os casos idênticos, é em outras palavras a criação da figura do pre-
cedente judicial. O case law tem força obrigatória.
JURISPRUDÊNCIA
EXEMPLO
Art 8º. CLT: “As autoridades administrativas e a justiça do trabalho, na falta de
disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudên-
cia, por analogia, ...”
capítulo 8 • 147
CURIOSIDADE EXEMPLO
Jurisprudência Exemplos de jurisprudência transformada em lei:
A Jurisprudência vincula? Pensão alimentícia, que era devida apenas após o trânsito em julgado e atualmente
Nos Estados de Direito codificado, a ju- é devida desde a citação (alimentos provisórios).
risprudência apenas orienta e informa, Os direitos do(a) companheiro(a), já reconhecidos pela jurisprudência com base na
possuindo autoridade científica sem, no sociedade de fato, agora estão contemplados em lei.
entanto, vincular os tribunais ou juízes
de instância inferior.
Súmula Vinculante
CURIOSIDADE
Uma das inovações introduzidas pela Emenda Constitucional- EC n.º
Súmula 45/04 que mais polarizam as atenções dos meios jurídicos é, sem dúvi-
A súmula é uma síntese do entendimen- da, a chamada súmula vinculante — talvez o mais correto fosse, em bom
to jurídico a respeito de uns determina- português, a súmula vinculadora.
dos temas a partir de reiteradas deci- De acordo com esse instituto, o "Supremo Tribunal Federal pode-
sões sobre mesma matéria. rá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos
Esse mecanismo técnico-jurispruden- seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional,
cial de enunciado da súmula foi criado aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá
nos anos 1960 pelo Ministro do Supre- efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à
mo Tribunal Federal Vitor Nunes Leal. administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e
municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na for-
Para mais sobre o assunto entre no site ma estabelecida em lei" (CF, art. 103-A, instituído pela EC 45/04).
do STF na internet (http://www.stj.jus.br/ O objetivo declarado da norma é o de evitar a divergência de enten-
portal_stj) e pesquise as Súmulas Vincu- dimentos entre órgãos judiciários ou entre estes e a Administração Pú-
lantes existentes atualmente no Brasil. blica, sempre que estiver em causa matéria de caráter constitucional já
decidida e cristalizada em súmula do Supremo Tribunal.
A súmula visa à uniformização de entendimentos, como, aliás, já era
conhecida do direito processual brasileiro positivo. A novidade é o qua-
lificativo "vinculante" (obrigatório) que lhe é atribuído.
ATENÇÃO
Por este instituto, a decisão do Supremo obrigatoriamente deve ser obedecida pelos
tribunais e juízes, assim como pelos agentes do Poder Executivo, em caráter cogente.
148 • capítulo 8
EXEMPLO
Incra obtém precedente judicial que impede paralisação de desapropriações
Publicado por Advocacia Geral da União (extraído pelo JusBrasil)
A Procuradoria Federal Especializada (PFE) junto ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
(Incra) quer impedir a concessão de liminar em ações ajuizadas contra o decreto presidencial que destina
terras para a reforma agrária. Para isso, os procuradores da autarquia contam agora com mais um prece-
dente, que normatiza a competência para esses casos.
Em recente decisão judicial de primeiro grau, a juíza da 7ª Vara Federal de Pernambuco, indeferiu pedido
do proprietário da fazenda X, no município de São Benedito do Sul, que queria interromper o processo
de desapropriação do imóvel. A fazenda possui 397 hectares e pode assentar até vinte e oito famílias de
trabalhadores rurais.
A doutrina jurídica
A doutrina é uma das fontes subsidiárias do Direito. E é uma forma expositiva e esclarece-
dora do direito feita pelo jurista, a quem cabe o estudo aprofundado do Direito.
ATENÇÃO
Doutrina são os estudos e teorias desenvolvidos pelos juristas, com o objetivo de sistematizar e interpretar
as normas vigentes e de conceber novos institutos jurídicos reclamados pelo momento histórico.
Funções da Doutrina:
A legislação Submetida
Acusar falhas Alterar o conteúdo
FUNÇÃO CRÍTICA ao juízo de valor sob
e deficiências do Direito.
Diferentes ângulos
capítulo 8 • 149
COMENTÁRIO
Para o professor Paulo Nader: Os estudos científicos reveladores do direito vigente não obrigam os juízes,
mas a maioria das decisões judiciais em sua fundamentação resulta apoiada em determinada obra de
consagrado jurista (2014).
Procedimentos de integração
Analogia
A analogia é a utilização de certo dispositivo legal adequado para certa situação, para regu-
lar outra semelhante. Implica, em uma semelhança entre a hipótese tomada como padrão
existente na lei e aquela a ser resolvida, sem norma disciplinadora a respeito.
Aplicação de uma norma especial a um caso especial, diferente daquele para que foi
editada, fundamentando se no princípio de que, havendo identidade de razões, deve
haver a mesma disposição.
Desta forma, quando não existe uma lei expressa para a resolução de um caso, o
hermeneuta, pela analogia, o soluciona juridicamente com uma regra de direito esta-
belecida para um caso semelhante.
No processo analógico, o trabalho do intérprete do Direito, é o de localizar, no sis-
tema jurídico vigente, a norma prevista pelo legislador e que apresenta semelhança
fundamental, não apenas acidental, com o caso não previsto. Esta norma prevista pelo
legislador é denominada paradigma.
Para alguns autores há duas espécies de analogia:
ANALOGIA LEGIS
Extraída da própria lei, quando a norma é colhida de outra disposição legislativa, ou de um com-
plexo de disposições legislativa.
ANALOGIA JURIS
Extraída filosoficamente dos princípios gerais que disciplinam determinado instituto jurídico.
ATENÇÃO
A utilização da analogia nas normas penais em sentido estrito (normas penais incriminadoras — definem
infrações e cominam pena) é vedada em razão do princípio da reserva legal: Não há crime sem lei anterior
150 • capítulo 8
que o defina, nem pena sem prévia cominação legal - art. 5o XXXIX da CF. Ex.: furto de uso não é crime —
É vedada a analogia em malam partem.
REFLEXÃO
O Art. 128, II, do CP, considera lícito o aborto praticado por médico se a gravidez resulta de estupro (art.
213 do CP) e sua prática é precedida do consentimento da gestante. Pergunta-se: E se a gravidez resultar
de atentado violento ao pudor (art. 214 do CP) pode haver o aborto pelo médico com consentimento prévio
da gestante? Sim, pois se pode utilizar a analogia em bonam partem no Direito Penal.
É possível dizer que os princípios gerais de direito são aqueles que decorrem dos próprios
fundamentos do ordenamento positivo. A rigor, não precisam mostrar de forma expressa,
ainda que sejam pressupostos lógicos de um determinado ordenamento jurídico.
EXEMPLO
Quando se diz, por exemplo, que ninguém deve ser punido por seus pensamentos (cogitationispoenam-
nemopatitur), ou ninguém está obrigado ao impossível (ad impossibilianemotenetur), está-se diante de
clássicos princípios gerais de direito.
CURIOSIDADE
Pacta sunt servanda — Os pactos são para serem observados.
Auctori incumbit ônus probandi— O ônus da prova é de quem alega.
Auctore nam probante, réus absolvitur — Sem provas o réu é absolvido.
Nullum crimen, nulla poena sine lege — É nulo o crime e nula a pena sem lei anterior que os prevejam.
Todos são iguais perante a lei. (Art. 5º da Constituição. Art. 1º da Declaração dos Direitos do Homem da ONU).
Equidade
capítulo 8 • 151
COMENTÁRIO O conceito de equidade como critério interpretativo, permite ade-
quar a norma ao caso concreto e chegar à solução justa. Diz-se, por isso,
Equidade ser a equidade a justiça do caso concreto. E a decisão será equitativa
Para Nader (2014), a equidade não é quando levar em conta as especiais circunstâncias do caso decidido e a
fonte do direito. É um critério de aplica- situação pessoal dos respectivos interessados.
ção pelo qual se leva em conta o que há
de particular em cada relação. CURIOSIDADE
Contexto histórico
Na concepção de Aristóteles, a característica do equitativo consiste em restabelecer
a lei nos pontos em que se enganou, em virtude da fórmula geral que se serviu.
ATENÇÃO
Deve-se observar que a equidade, seja como elemento de integração ou de aplica-
ção da lei, sempre leva em conta o que há de particular em cada caso concreto, em
cada relação, para dar-lhe a solução mais justa. Este é o seu critério distintivo.
152 • capítulo 8
legiferantes do julgador; deve, antes, se constituir em um recurso de interpretação flexível
da lei atendendo à justiça concreta, exigida pela situação concreta.
EXEMPLO
Com base no princípio da equidade, a Previdência Social do Rio Grande do Sul concedeu, depois de recur-
so pela via administrativa, o salário maternidade para um homem em uma união homoafetiva. Depois disso,
um homem que perdeu a mulher durante o parto obteve o mesmo benefício, dessa vez em recurso judicial.
Direito Comparado
Segurança jurídica
A segurança jurídica existe para que a Justiça, finalidade maior do Direito, se concretize. Vale
dizer que a segurança jurídica concede aos indivíduos a garantia necessária para o desenvolvi-
mento de suas relações sociais, tendo, no Direito, a certeza da consequência dos atos praticados.
Mas a segurança jurídica não poderá se resumir na simples ideia de certeza pela exis-
tência de um conjunto de leis, que dispõem sobre o que é permitido ou proibido.
O indivíduo deverá se sentir seguro, também, por verificar no corpo dos textos jurídicos,
a inclusão de princípios fundamentais, fruto das conquistas sociais dos homens.
A segurança jurídica depende da aplicação, ou melhor, da obrigatoriedade do Direito.
Reale, discorrendo acerca da obrigatoriedade ou a vigência do Direito, afirma que a ideia
de justiça liga-se intimamente à ideia de ordem. No próprio conceito de justiça é inerente
uma ordem, que não pode deixar de ser reconhecido como valor mais urgente, o que está
na raiz da escala axiológica, mas é degrau indispensável a qualquer aperfeiçoamento ético.
Com efeito, vislumbramos que a obri-
gatoriedade do direito compõe a seguran- São características
ça jurídica, estando à mesma vinculada ao da segurança jurídica:
valor de justiça da cada sociedade. estabilidade, irretroatividade,
Como sabido, todo poder emana do
generalidade, taxatividade.
povo, que age através de seus representan-
tes eleitos para atingir o fim maior do Estado Democrático de Direito, qual seja, o bem comum.
Além disso, é certo que a atividade legiferante cabe somente àqueles que estão in-
vestidos legitimamente em cargos eletivos, possuindo, portanto, o múnus legislativo.
COMENTÁRIO
Tal fato foi observado por Maria Helena Diniz quando afirmou que é certo que, tanto na França como
no Brasil, o juiz não tem o poder de legislar, ora, o costume é oriundo do povo, e este, salvo exceção,
capítulo 8 • 153
como nos casos de plebiscito, não possui também o múnus legislativo.
Tal afirmativa comprova que o legislador deverá procurar atender aos anseios sociais no momento da ela-
boração das leis, pois estas, entendidas aqui como conjunto de normas, englobam o princípio da segurança
jurídica tendo em vista que as mesmas compõem e guiam o ordenamento jurídico.
A segurança jurídica implica que o Direito seja certo, que as normas sejam conhecidas,
compreendidas e fixem com razoável previsão o que ordenam.
No entanto, a segurança não se opõe a que a Administração ou os Tribunais, gozem de
alguma liberdade na aplicação das leis, que possuam certa elasticidade para permitir aten-
der às particularidades dos casos concretos por elas regulados.
A segurança supõe algo mais que a certeza, supõe que um conjunto de interesses do
indivíduo estejam protegidos pelo Direito, para que haja uma existência humana digna.
Esses interesses andam a volta da noção de liberdade e foram catalogados na famosa De-
claração dos Direitos do Homem e do Cidadão em 1789.
ATIVIDADE
1. Analise as proposições a seguir:
I - No plano jurídico, fontes do Direito expressam a origem das normas jurídicas.
II - As fontes formais são o momento pré-jurídico, constituindo-se nos fatores que conduzem à emergência
e construção da regra de Direito.
III- As fontes formais enfocam o momento tipicamente jurídico, considerando a regra já plenamente cons-
truída, os mecanismos exteriores e estilizados pelos quais essas regras se revelam para o mundo exterior,
ou seja, os meios pelos quais se estabelece a norma jurídica.
2. O Direito tem quatro fontes principais; aqui apresentamos somente três. Neste sentido, correlacione
estas fontes do Direito que aparecem na coluna numerada com algarismos romanos, com as afirmativas a
elas referentes que se encontram a seguir.
Y - Tem tido utilização crescente nos demais ramos do direito, sendo impor-
II - Jurisprudência
tante para o Direito em razão da deficiência da legislação.
154 • capítulo 8
A relação correta é:
a) I - X; II - Z; III - Y
b) I - Y; II - X; IV - Z
c) I - Y; III - Z; IV - X
d) I - Z; II - X; III - Y
e) II - Z; III - Y; IV - X
a) Fontes formais são as formas de exteriorização do direito, como por exemplo, as leis e costumes.
b) O processo de analogia iuris é mais amplo que o de analogia legis, abarcando aquele recurso aos prin-
cípios gerais do direito.
c) A origem primária do Direito está relacionada diretamente com suas fontes. Estas fontes podem ser:
materiais ou formais.
d) Equidade corresponde ao processo de adequação e atenuação da norma, que é ampla e abstrata, em
face das particularidades inerentes ao caso concreto, de forma que, como mecanismo adequador da gene-
ralidade, abstração e impessoalidade da norma ao caso concreto.
e) O Direito Comparado confrontar ordenamentos jurídicos vigentes em diversos povos.
4. (Adaptada PUC-PR 2012) “A equidade envolve um senso de justiça — a correção de desequilíbrios exis-
tentes na distribuição de valores sociais e políticos. Em contraste com o tratamento igual para todos, a equi-
dade propõe que os benefícios sejam maiores para os mais desfavorecidos.” (DENHARDT, 2012, p. 154.)
Situação hipotética: um órgão governamental recebe uma verba de R$ 10 milhões para melhoria das
instalações de seus departamentos.
Com base no princípio da equidade assinale a alternativa que melhor se encaixa na distribuição dos recursos:
a) Os gestores de cada área fazem votação para decidir quanto cada departamento receberá do benefício.
b) Os gestores concentram recursos nos departamentos que estão mais necessitados de seus recursos.
c) Os gestores distribuem um milhão para cada um dos departamentos.
d) Os gestores distribuem os recursos para as áreas que concentram maior número de funcionários.
e) Os gestores negociam os recursos a partir do critério de hierarquia dos departamentos dispostos
em organogramas.
capítulo 8 • 155
156 • capítulo 8
9 Hermenêutica
Jurídica
paulo mendonça
capítulo 9 • 157
9 CONCEITO
Hermenêutica Jurídica
ATENÇÃO
A hermenêutica jurídica representa uma espécie de direcionamento desta preocu-
pação interpretativa textual para o desenvolvimento de técnicas próprias, aplicáveis
à busca do significado de comandos normativos. Ela constitui a dimensão científica
do processo interpretativo do direito, na qual são concebidos os parâmetros que
serão seguidos na prática no direito.
A Interpretação
158 • capítulo 9
ATENÇÃO
Como mecanismo de linguagem, a lei não tem um significado imediato, devendo ser construída semantica-
mente a partir de uma técnica determinada.
RESUMO
De modo sintético, pode-se afirmar que a hermenêutica jurídica se aproxima de uma dimensão científica do
fenômeno jurídico, ao fornecer as bases teóricas para o desenvolvimento dos processos de interpretação
do direito, que seriam basicamente técnicas de aplicação do direito, utilizadas rotineiramente por advoga-
dos e demais profissionais da área jurídica.
ATENÇÃO
Podem ser identificadas duas teorias principais sobre a interpretação: a teoria subjetiva e a teoria objetiva.
Teoria subjetiva
A concepção subjetivista da interpretação ou teoria subjetiva tem como preocupação
central a busca a vontade do legislador, mens legislatoris, e representa a primeira teoria
capítulo 9 • 159
sobre a interpretação das normas, que hoje inclusive não é a predominante no direito.
Tem inspiração direta no positivismo jurídico do Século XIX e parte da ideia básica de
que existe uma preponderância do legislador em relação ao intérprete, devendo este
orientar todo o seu processo de interpretação pela vontade originária do legislador his-
tórico. Trata-se de uma teoria tendente a defender um apego excessivo à literalidade
dos textos legais.
ATENÇÃO
Sempre que possível, deverá o intérprete manter a maior fidelidade possível ao que a lei prevê literalmente,
como manifestação presumida da vontade do legislador.
Mesmo naquelas hipóteses em que o texto legal se mostra insuficiente para solucionar
o caso inédito, mesmo que flexibilizada a expressão literal da norma, o intérprete deverá
buscar nos debates parlamentares da época em que a lei foi elaborada, em seu preâmbulo
ou exposição de motivos, a base para a sua interpretação, de modo a aferir como teria disci-
plinado a matéria o legislador, caso a tivesse antevisto.
Teoria objetiva
Representa a tendência predominante do direito contemporâneo, que vê o ponto de refe-
rência principal do processo hermenêutico na vontade da lei, mens legis, como ente dotado
de vida própria, cabendo ao intérprete buscar a adaptação da lei à dinâmica social.
Há um claro deslocamento do centro gravitacional do processo de interpretação do su-
jeito criador da norma (legislador), para a norma em si, cujo sentido será dado pelo contex-
to do momento da sua aplicação e não pelo da sua criação.
O sentido objetivo da norma é dado pelo presente, e não pelo passado, devendo o processo
de interpretação de o direito ser orientado pelas necessidades sociais da época em que a lei
é aplicada e não pelas da época em que ela foi criada.
CURIOSIDADE
Contexto histórico
O culto à figura do legislador era algo típico do período de predominância do positivismo jurídico,
sendo algo incompatível com a tendência culturalista do pensamento jurídico contemporâneo, que vê
a figura do intérprete não mais como um mero porta-voz do legislador, mas encara o seu papel como
responsável pela adequação do texto legal às necessidades do presente e por eventuais correções
que se façam necessárias nos textos legais.
160 • capítulo 9
Não se pode esquecer, que no curso do processo legislativo um projeto de lei passa por
inúmeras modificações, sendo objeto de emendas parlamentares aditivas, supressivas ou
modificativas do texto, isto sem falar em eventuais vetos apostos pelo Poder Executivo ao
projeto. Tais situações comprometem em alguns casos o caráter sistemático da lei, geran-
do algumas incoerências ou disposições legais imprecisas, o que vai tornar exigível do in-
térprete e do aplicador uma atitude construtiva da normatividade jurídica, de acordo com
as peculiaridades do caso concreto.
ATENÇÃO
Ressalte-se que o art. 5º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB) representa a con-
sagração expressa da teoria objetiva no direito brasileiro, ao vincular o juiz a uma interpretação da lei que
leve em consideração os fins sociais a que ela se destina e as exigências do bem comum.
capítulo 9 • 161
ATENÇÃO
Devem ser considerados no texto o sentido das palavras utilizadas, a pontuação, a acentuação, uma vez
que todos esses fatores influenciam a própria compreensão da norma. Ainda que se possa em uma segun-
da etapa promover uma flexibilização do sentido literal da norma, é fundamental a compreensão exata das
expressões linguísticas nela contidas, ainda que para atenuar a sua incidência no caso, após a conjugação
com os demais processos de interpretação.
Esse processo concretiza o brocardo jurídico de que a lei não contém palavras inúteis, ao
levar em consideração todos os elementos de ordem gramatical presentes no comando legal.
Não é possível ao intérprete simplesmente ignorar as expressões contidas na regra de
direito, que são fundamentais para a construção de seu sentido como norma aplicada.
Processo lógico
Relacionado ao plano lógico do conhecimento jurídico, recebe os seus fundamentos da
lógica jurídica e trata das operações mentais do intérprete na correlação entre as normas
no ordenamento jurídico e entre a norma e o fato.
CURIOSIDADE
Contexto histórico
Na visão da Escola da Exegese, trata-se de uma lógica puramente formal, orientada pela interdependência
entre as regras do código, que interagem a partir de parâmetros lógicos gerais de inclusão, exclusão, per-
tinência, continência, dedução etc., sem uma dependência maior do campo dos fatos.
No direito contemporâneo, a concepção lógica aplicável à hermenêutica jurídica segue o perfil culturalista,
que predomina no pensamento jurídico da atualidade.
Assim, são tidos como pertinentes ao campo lógico processos que seguem modelos ar-
gumentativos que estabelecem uma conexão entre o processo de interpretação da norma e
o campo fático (lógica do razoável, lógica argumentativa, entre outros).
Processo sistemático
O processo sistemático parte da premissa de que o ordenamento jurídico é um sistema
integrado de normas e que elas não podem ser interpretadas isoladamente. Existe uma cor-
relação constante entre as normas, sendo importante que o intérprete esteja atento para
o fato de que há uma relação de hierarquia entre as normas, sendo as normas inferiores
derivadas das superiores e de que as normas apresentam graus de especialidade distintos,
podendo até mesmo ser aplicadas de forma conjugada a um mesmo fato.
ATENÇÃO
Dessa forma, deve-se investigar atenciosamente o ordenamento jurídico antes de eleger um determinado
dispositivo legal como aplicável ao caso, pois pode existir alguma norma superior que inviabilize a sua apli-
cação ou mesmo uma norma que trate da matéria de modo mais específico.
162 • capítulo 9
Interpretação lógico-sistemática
O que se observa com mais frequência é a menção à interpretação lógico-sistemática das leis,
que representa uma espécie de fusão dos dois processos, de vez que a lógica hermenêutica
vai se operacionalizar exatamente na correlação sistêmica entre as normas que compõem o
ordenamento jurídico, examinando as suas diferenças de conteúdo e seu alcance material,
a fim de determinar o direito aplicável ao caso concreto.
Processo histórico-evolutivo
A Escola Histórica alemã tinha grande preocupação em aplicar ao estudo do direito um mé-
todo histórico de investigação. Justamente daí deriva este processo de interpretação, que
parte da premissa de que a lei surge em função de determinadas circunstâncias, mutáveis
com o tempo, que devem ser levadas em consideração no momento de sua interpretação.
O processo histórico-evolutivo valoriza o estudo das bases históricas do direito positi-
vo e das motivações para a edição da lei, mas
não segue a linha da teoria subjetiva da inter-
Trata-se de importante
pretação, de absoluta submissão do intérpre- contribuição para
te ao legislador histórico. Em realidade, este a incorporação dos
processo utiliza os debates do meio jurídico elementos de ordem
na época da edição da lei, as exposições de
fática ao processo de
motivos e outros documentos, como elemen-
tos auxiliares na construção do significado da
interpretação da lei
norma, mas reconhece a necessidade de adaptar a interpretação das normas às mudanças
ocorridas na vida social desde a sua entrada em vigor.
Concepção atual
ATENÇÃO
Se por um lado, norma jurídica é vista como um resultado de um conjunto de valores consolidados na vida
social, por outro lado, o sentido da norma aplicada é dado pela concretização de determinados fins sociais
(convergência entre aspectos morais e fatos).
capítulo 9 • 163
A unidade do processo hermenêutico decorre da necessidade de adoção de modo in-
tegrado dos diferentes processos de interpretação das normas. Não há como adotar um
procedimento, desconsiderando por completo os demais. A cautela que se deve ter, en-
tretanto, é observar se os princípios pertinentes a um determinado ramo do direito exi-
gem um maior apego ao aspecto gramatical, para a realização da finalidade da norma ou
se permitem uma maior ênfase no aspecto da concretização dos objetivos do direito, por
meio de uma flexibilização do sentido do texto.
Espécies de interpretação
Em função da amplitude
A Interpretação extensiva é tida como aquela em que o intérprete ultrapassa os limites da
literalidade do texto da norma.
Em geral, está alinhada com o processo teleológico de interpretação, na ampliação de
sentido do comando legal, a fim de concretizar a finalidade social da norma.
ATENÇÃO
É uma interpretação aplicável naqueles casos em que a expressão literal da norma diz menos do que deveria,
sendo cabível uma extensão hermenêutica de seu sentido, para que ela alcance maior número de situações.
EXEMPLO
Outra hipótese menos frequente ocorre quando o legislador previu um comando mais aberto quando a
questão jurídica demandava um tratamento mais específico. Neste caso, a correção hermenêutica se dá
por meio de uma redução do alcance da norma em relação à sua própria expressão literal.
CONCEITO
A chamada lei interpretativa, que normalmente é editada quando existe uma grande divergência na juris-
prudência e na doutrina sobre o sentido de um texto legal determinado, levando o legislador a editar outra
regra voltada a pacificar a controvérsia existente na comunidade jurídica.
164 • capítulo 9
Outra modalidade de interpretação autêntica seria a inserção de definições de concei-
tos jurídicos no texto legal, a fim de evitar interpretações contraditórias e fornecer uma
orientação mais segura aos aplicadores do direito.
ATENÇÃO
Ressalte-se que só é considerada interpretação autêntica aquela dada pelo mesmo órgão que elaborou a
norma, conceito inaplicável quando um regulamento interpreta uma lei, por exemplo.
ATENÇÃO
Diante de tal quadro, a interpretação jurisprudencial, principalmente a dos Tribunais Superiores tem um
peso simbólico junto ao Poder Judiciário como um todo e à comunidade jurídica, mas não tem natureza
obrigatória, podendo ser seguida ou não, fora das ações judiciais em que foram proferidas as decisões
respectivas, ressalva feita às chamadas súmulas vinculantes.
EXEMPLO
Decretos do Chefe do Poder Executivo, resoluções, circulares, orientações normativas etc.
Este tipo de diretriz obviamente será obrigatória no que tange à atuação dos agentes
da estrutura administrativa em questão e à sua interação com os cidadãos, sendo sempre
passível de revisão pela via judicial.
Na Interpretação doutrinária os estudiosos do direito também podem dirigir esforços
à interpretação de normas jurídicas em vigor, a fim inclusive de auxiliar os profissionais de
direito no manejo de uma determinada legislação.
Tal interpretação não é, contudo, obrigatória e admite uma multiplicidade de entendimentos,
justamente por não ter caráter oficial, sendo produto de uma reflexão pessoal dos doutrinadores.
capítulo 9 • 165
Antinomias jurídicas
Definimos antinomia como aquela situação indesejada, na qual vigoram em um mesmo or-
denamento duas normas conflitantes, das quais uma obriga e outra proíbe, ou uma obriga
e outra permite, ou uma proíbe e outra permite o mesmo comportamento.
Para que ocorra antinomia as duas normas devem incidir total ou parcialmente sobre o
mesmo caso e naturalmente apresentar comandos incompatíveis entre si.
CONCEITO
Uma observação importante é no sentido de que obviamente não haverá antinomia, caso a lei nova
tenha expressamente revogado uma lei anterior, pois neste caso está evidenciada a perda da vigência
da legislação pretérita.
A antinomia jurídica solúvel pelo critério temporal nada mais representa do que um
critério técnico de revogação tácita de lei, previsto expressamente no art. 2º da Lei de Intro-
dução às Normas do Direito Brasileiro.
Critério hierárquico é aquele pelo qual, entre duas normas incompatíveis, prevalece a
hierarquicamente superior, exatamente porque a primeira serve de fundamento para a úl-
tima, não podendo por ela ser contrariada.
O Critério de especialidade da lei é o terceiro e o mais complexo dos três, por apresentar
certo grau de subjetividade, inexistente nos demais, em que a norma entrou em vigor pos-
teriormente ou se apresenta em uma posição hierárquica superior.
Neste caso, trata-se de conflito entre normas de graus de especialidade distintos, o que
vai ser aferido a partir do exame do conteúdo de cada uma das normas.
A norma que trata da matéria do modo mais específico prepondera em relação à norma
que disciplina o tema de modo mais genérico, com base na presunção de que se a lei tratou
de uma questão de modo mais detalhado, aquela norma tem mais força, do que outra que
alcança um maior número de situações e episodicamente incidiu sobre aquela hipótese.
O critério fundado na especialidade da lei é de mais fácil utilização quando se trata de
uma disposição especial em conflito com uma de caráter geral. Há situações, contudo, em
166 • capítulo 9
que se pode dizer que uma norma é mais específica do que outra, sem que necessariamente
esta outra seja uma norma de perfil genérico. Nestes casos, a diferenciação dos graus de
especialidade nem sempre é fácil, justamente por se tratar de um processo que passa por
um exame comparativo do conteúdo da cada uma das normas jurídicas.
ATENÇÃO
Uma observação importante é no sentido de que para haver antinomia jurídica é necessário não apenas
que as normas disciplinem a mesma situação, mas também que os comandos nelas previstos sejam in-
compatíveis. Assim, nem sempre a existência de uma norma geral e de uma norma especial tratando de
um mesmo tema será elemento gerador de antinomia, sendo indispensável que exista o conflito. Se ambas
disciplinam uma determinada matéria, uma de modo mais amplo e outra de modo mais restrito, mas com
comandos jurídicos da mesma natureza, não há que se falar em antinomia, mas no máximo em uma redun-
dância no ordenamento jurídico ou de uma aplicação conjugada ou sistemática de tais normas.
EXEMPLO
Um código, por exemplo.
Tal antinomia não será solucionável pelo critério cronológico, porque as normas de um
código entram em vigor na mesma data; tampouco pelo hierárquico, porque naturalmente
são de mesma hierarquia, restando apenas a possibilidade da aplicação do critério da es-
pecialidade, caso seja possível identificar que uma norma é mais específica do que a outra.
capítulo 9 • 167
ATENÇÃO
Em não havendo discrepância quanto ao grau de especialidade, não há critério estabelecido para a solução
da antinomia. Para solucionar este impasse existem critérios alternativos.
CONSERVAÇÃO DAS Esta solução de conservar as duas normas incompatíveis é talvez aquela à
DUAS NORMAS qual o intérprete recorre mais frequentemente.
168 • capítulo 9
interpretação unilateral, incompleta ou imprecisa de uma das duas CONCEITO
normas ou de ambas.
Às vezes, para alcançar tal objetivo, introduz alguma leve ou parcial A lei geral sucessiva não pre-
modificação no texto. Nesse caso, tem-se aquela forma de interpretação pondera sobre a lei especial
chamada corretiva. precedente
De acordo com o Art. 2º, § 2º da Lei de
CONCEITO Introdução às Normas do Direito Brasi-
leiro, a lei geral sucessiva não prepon-
Geralmente, a interpretação corretiva é aquela forma de interpretação que pretende dera sobre a lei especial precedente.
conciliar duas normas aparentemente incompatíveis para conservá-las no sistema
ao adotar, por exemplo, uma interpretação restritiva de cada uma das normas, de
modo a afastar a contradição entre elas existente.
capítulo 9 • 169
Deve-se, entretanto, ter certa cautela na eleição da especialidade da norma como pa-
râmetro prevalecente, sobretudo quando a norma geral posteriormente editada funciona
como uma prejudicial da própria validade da norma especial então em vigor, muito embo-
ra não a tenha expressamente revogado.
REFLEXÃO
Imagine-se a entrada em vigor de uma lei que legalizasse a prática do aborto no Brasil. Neste caso, mesmo que não
tivesse ocorrido à revogação das normas especiais hoje em vigor sobre as hipóteses excepcionais do aborto legal,
estariam elas todas tacitamente revogadas, por incompatibilidade lógica com o regime trazido pela nova regra.
ATENÇÃO
Este conjunto de normas gerais se encontra na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB),
assim denominada a partir da entrada em vigor da Lei nº 12.376, de 30.12.2010, sendo o seu conteúdo exata-
mente o mesmo da até então chamada Lei de Introdução ao Código Civil (Decreto-Lei nº 4.657, de 4.9.1942).
170 • capítulo 9
COMENTÁRIO
Daí deflui exatamente a regra do art. 3º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, que prevê
literalmente que “ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece”, que é a base do prin-
cípio da obrigatoriedade da lei.
COMENTÁRIO
Da leitura deste dispositivo, pode-se concluir que no Brasil a lei só é revogada por outra lei, não havendo
formalmente revogação nos casos de desuso e de leis anacrônicas.
No direito brasileiro, a vigência de uma lei ocorre com a sua publicação em órgão oficial
de imprensa ou similar, sendo de se destacar que o art. 1º da LINDB dispõe literalmen-
te que “salvo disposição contrária, a lei começa a
vigorar em todo o País 45 (quarenta e cinco) dias Vigência é critério
depois de oficialmente publicada”. de aferição do fato
Em realidade, tal dispositivo apresenta uma im- de haver ou não uma
precisão técnica, pois o que ele trata como vigência norma se integrado ao
refere-se à eficácia da lei nova. Tal norma é concer-
ordenamento jurídico.
nente à denominada vacatio legis, que é exatamente
uma franquia temporal, dentro da qual a lei revogada ainda preserva os seus efeitos, a fim
de que a sociedade possa adequar as suas relações jurídicas às mudanças trazidas pela lei
nova e mesmo para que possa conhecer o novo texto e adotar oportunamente ações compa-
tíveis com a mudança legislativa.
RESUMO
Como padrão, este prazo é de 45 (quarenta e cinco) dias, salvo se a própria legislação nova dispuser sobre
prazo diverso (180 dias, 30 ou outro período qualquer) ou mesmo quando não for prevista a vacatio legis
(“esta lei entrará em vigor na data da sua publicação”), tornando a nova legislação imediatamente eficaz.
capítulo 9 • 171
Direito intertemporal no contexto do Sistema
Jurídico Brasileiro.
O princípio de segurança jurídica pressupõe uma previsibilidade dos efeitos jurídicos das condutas
adotadas pelas pessoas, sendo uma de suas exigências exatamente a clareza e a publicidade das
regras em vigor, o que se relaciona com os sistemas de publicidade.
Nesta linha de raciocínio, em princípio, uma mudança legislativa somente poderia ge-
rar efeitos a partir do momento em que a nova lei passasse a ser conhecida pela sociedade,
justamente porque não se pode aplicar um novo regime jurídico a situações ocorridas an-
teriormente à sua implantação, o que configura o chamado princípio da irretroatividade da
lei, que será tratado adiante neste item.
CONCEITO
O estudo dos efeitos da alteração nas normas sobre os fatos ocorridos no passado insere-se no chamado
direito intertemporal ou conflito das leis no tempo.
Revogação da lei
RESUMO
Em síntese, pode-se afirmar que o termo revogação é aplicável em um quadro de sucessão temporal entre
normas de direito, no qual prevalecerá a que entrou em vigor mais recentemente.
Revogação parcial de uma lei anterior, que permanece com alguma parcela
DERROGAÇÃO
de sua normatividade ainda em vigor, mesmo após a vigência da nova lei.
172 • capítulo 9
ATENÇÃO CONCEITO
Observação importante é no sentido de que os conceitos de ab-rogação e derrogação Art. 2º, § 3º da LINDB
são relativos e podem englobar todo o texto de uma lei, seus artigos ou partes de artigos. O artigo 2º, § 3º da LINDB dispõe lite-
ralmente que, salvo disposição em con-
trário, a lei revogada não se restaura por
EXEMPLO ter a lei revogadora perdido a vigência.
Assim é possível falar da ab-rogação da lei X, como sendo a revogação de todos os
seus artigos, de ab-rogação do art. 2º da lei X, permanecendo vigentes os demais CONCEITO
artigos da lei, que como um todo teria sido, portanto, derrogada, ou mesmo da re-
vogação do inciso I, do art. 2º da lei X, o que implicaria a derrogação do art. 2º, que Repristinação
permaneceria em parte vigente. Fenômeno não admitido no direito bra-
sileiro (art. 2º, § 3º LINDB).
A revogação de uma lei pode se dar de forma expressa ou de maneira
tácita, de acordo com o art. 2º, § 1º da LINDB (a lei posterior revoga a an-
terior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou
quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior).
No caso da revogação expressa, a nova lei explicita o texto ou os dis-
positivos legais que estão sendo revogados, enquanto na revogação táci-
ta o que se tem é uma antinomia solúvel pelo critério temporal ou cro-
nológico, no qual é aferida a compatibilidade de conteúdo entre as duas
normas, optando-se pelo regime da mais recente, em caso de conflito.
O art. 2º, § 1º da LINDB ainda elenca uma hipótese debatida no item
sobre antinomias jurídicas, que envolve a preponderância de uma lei
mais recente que regula integralmente a matéria de que trata a lei an-
terior, mesmo que esta seja de caráter especial, fugindo à regra geral do
art. 2º, § 2º da LINDB.
Há um princípio geral no direito pátrio de que uma lei revogada se vê
banida do ordenamento jurídico em definitivo.
Tal máxima tem a sua concretização normativa no art. 2º, § 3º da LINDB,
afastando a possibilidade de uma “restauração tácita” da vigência de uma
norma revogada, por haver a norma que a revogara perdido também a sua
própria vigência, fenômeno denominado de repristinação.
O que se admite no direito brasileiro é a possibilidade de que uma lei
nova venha a restaurar expressamente os efeitos de uma lei revogada no
passado, o que, na prática, tem efeito equivalente à edição de uma nova
lei, cujo conteúdo é idêntico ao da lei revogada, mas que não se confun-
de com uma restauração da legislação em vigor no passado. Tal fato tem
efeitos práticos importantes, uma vez que as relações jurídicas surgidas
após a revogação da lei “restaurada” estarão sujeitas ao regime jurídico
da legislação que a revogou, devendo ser o regime que voltou a vigorar
ser aplicado apenas após a edição da lei nova.
A impossibilidade jurídica da repristinação também gera outro
efeito peculiar.
capítulo 9 • 173
REFLEXÃO
Imagine-se que determinada situação hoje é disciplina por uma lei, que vem a ser revogada por outra, que
também trata da referida questão e uma terceira lei vem a revogar a segunda lei, sem tratar daquela ma-
téria jurídica em qualquer um dos seus dispositivos. Neste caso, passou-se de uma circunstância em que
aquele fato era disciplinado por lei para uma em que existe uma lacuna no direito positivo, a ser sanada por
meio de procedimentos de integração normativa, uma vez que não é admissível a restauração da vigência
do dispositivo legal revogado, mesmo que a lei nova não trate da matéria nele disciplinada.
ATENÇÃO
O indivíduo decide agir de um determinado modo, na crença de que a sua ação está em consonância com
a ordem jurídica ou assume o risco de sofrer uma sanção, no caso de sua atuação estar em desacordo com
as regras em vigor. Para que esta escolha se dê, é preciso que o destinatário da norma a conheça, o que se
presume a partir do momento em que ela é formalmente tornada pública (art. 1º c/c 3º da LINDB).
Do mesmo modo, a mudança no texto da lei em regra somente poderá operar a partir do
momento em que o seu conteúdo se tornou acessível à sociedade, sendo o marco de sua exi-
gibilidade jurídica a publicação, devendo as situações ocorridas anteriormente à mudança
legislativa ser preservadas em face da lei nova.
Há, contudo, relações jurídicas ocorridas na vigência de um regime jurídico, cujos
efeitos se projetam temporalmente sobre outro, sendo então necessário verificar como
o ordenamento jurídico brasileiro lida com tais casos.
CONCEITO
Direito adquirido (art. 6º, § 2º LINDB)
Trata-se do fenômeno mais complexo, em se tratando do regime da irretroatividade da lei, sobretudo porque
o direito adquirido representa uma espécie de “blindagem” de um direito ainda não exercido, em face da
174 • capítulo 9
mudança legislativa. A dificuldade surge exatamente porque o direito adquirido envolve um direito que se
incorporou à esfera jurídica de alguém, mas que ainda não foi externalizado, nem tornado socialmente visível.
Entre a aquisição de um direito e a sua materialização pode transcorrer um considerável lapso temporal,
que faz com que muitas vezes o exercício de um direito adquirido se dê tempos depois da revogação da
lei que o amparava. O direito adquirido é direito em estado latente, surgido quando determinada pessoa
preenche os requisitos estabelecidos pelo ordenamento jurídico, para ser considerado um titular de direito,
pouco importando se e quando exercerá tal direito.
Há uma diferença conceitual clara entre o que se denomina de direito adquirido e a chama-
da expectativa de direito, identificável a partir de alguns elementos presentes na teoria da
relação jurídica, analisada na Unidade III.
ATENÇÃO
Direito adquirido guarda uma relação próxima com o conceito de direito subjetivo, partindo-se da premissa
de que um sujeito é titular de um direito a partir do momento em que detém um título válido, que é a com-
provação da existência jurídica do direito e que possui legitimação, que representa a identidade pessoal
do sujeito titular de direito.
Diante de tal quadro, para que exista direito adquirido é necessário que o sujeito de di-
reito preencha os requisitos fixados em lei para a titularidade do direito. Em não tendo sido
capítulo 9 • 175
preenchidos tais requisitos, não há que se falar em aquisição ou titularidade de direito,
tampouco em proteção em face da lei nova.
Nestas situações-limite, em que alguém está
A mera expectativa
prestes a adquirir um direito, normalmente o le- de vir a adquirir
gislador irá incluir no texto de uma lei nova as cha- um direito não é
madas disposições transitórias, que se traduzem por ordinariamente
uma espécie de regime jurídico intermediário entre
protegida em face da
o vigente segundo a legislação revogada e o instituí-
do pelas regras mais recentes.
modificação da lei.
Trata-se, contudo, de uma opção legislativa expressa, não se presumindo. Dessa for-
ma, a mera expectativa de direito não é alcançada pela proteção do princípio da irretro-
atividade da lei.
ATENÇÃO
Há de se observar, contudo, se transcorreu lapso temporal muito grande entre a entrada em vigor da
lei interpretativa e o início da vigência da legislação objeto da interpretação e se há situações de fato
consolidadas, nas quais tenha sido adotada interpretação diferente da trazida pela nova lei, que devem
176 • capítulo 9
ser preservadas em nome dos princípios da segurança jurídica e da estabilidade EXEMPLO
das relações sociais.
Mudança de regime político
Leis abolitivas — nesta hipótese a aplicação retroativa da lei decorre Superação de um regime político autori-
de questões políticas, não sendo possível enquadrá-las na moldura tra- tário, por exemplo.
dicional das garantias do Estado de Direito.
São leis que flagrantemente incidem sobre situações ocorridas an-
teriormente à sua entrada em vigor, não encontrando obstáculo no ato
jurídico perfeito, na coisa julgada, tampouco podendo ser alegada a
existência de direitos adquiridos.
Leis abolitivas são inspiradas por imperativos de natureza ética, por
mudanças substanciais na organização política do Estado ou por neces-
sidades de ordem prática.
EXEMPLO
Um exemplo bastante citado é o da Lei Áurea, que pôs fim à escravidão no Brasil,
concedendo liberdade imediata aos escravos. Na época de sua edição, muitos pro-
prietários de escravos acorreram ao Poder Judiciário, com a finalidade de obter in-
denizações por terem sido privados de sua “propriedade”, argumento que não logrou
êxito, pois ainda que se tratasse de uma prática admitida pelo direito brasileiro no
período do Império, a escravidão era algo antiético, que já havia sido banido na quase
totalidade dos países do Ocidente e as pessoas que dela se beneficiaram assumiram
o risco de ver o seu fim a qualquer momento.
capítulo 9 • 177
EXEMPLO Enquanto a lei retroativa gera efeitos para o passado, as leis de apli-
cação imediata atingem as relações jurídicas em curso no estado em que
Regras ligadas ao estado das se encontram, sendo preservados os atos jurídicos praticados na vigên-
pessoas cia da legislação revogada, mas adequados os atos subsequentes aos di-
Direitos da personalidade, capacidade tames do novo regime jurídico.
jurídica, regime matrimonial e sucessó- A aplicação imediata de lei se dá naquelas relações jurídicas de efei-
rio, por exemplo. tos diferidos, que são as que envolvem a prática de diversos atos ao longo
do tempo, que deverão ser adaptados à sistemática da nova legislação.
São as seguintes as hipóteses de aplicação imediata de lei:
Normas Processuais — as normas do Direito Processual apre-
sentam um caráter instrumental, voltado à disciplina jurídica dos
procedimentos que serão adotados pelos tribunais na resolução dos
conflitos de interesse.
Como elas não dizem respeito ao direito em si, uma mudança na le-
gislação processual é de imediato aplicada aos processos judiciais em
andamento, que a partir da modificação deverão ter o seu rito adequado
ao que prescreve a nova lei, preservando-se os efeitos dos atos processu-
ais praticados de acordo com a sistemática da legislação revogada.
Normas de Ordem Pública — são as que envolvem temas de ordem
pública, inclusive aqueles que repercutem na esfera jurídica dos parti-
culares. São de ordem pública as regras ligadas ao estado das pessoas,
ordem econômica, política salarial, concorrência, direito do consu-
midor etc. A legislação sobre esses temas alcança as relações jurídicas
respectivas, no estado em que se encontram, sendo preservados os atos
jurídicos já praticados, mas adequados atos subsequentes naquela rela-
ção aos ditames estabelecidos pela nova legislação.
EXEMPLO
Normas sobre política econômica e salarial são de aplicação imediata, sendo inci-
dentes sobre os contratos em vigor os critérios de reajuste instituídos por um plano
econômico, por exemplo.
178 • capítulo 9
tra a modifique ou revogue”, o que caracteriza por princípio as leis como perpétuas no
direito brasileiro.
Há, contudo, leis com prazo de vigência temporário, o que obviamente não se presume,
devendo dela constar expressamente o prazo de expiração de sua vigência, chamado de termo
de vigência, ou os fatos futuros que porão fim à sua vigência, a denominada condição.
As disposições transitórias por vezes inseridas em textos legais traduzem também co-
mandos jurídicos de eficácia temporária, voltados a disciplinar situações intermediárias
entre o regime jurídico permanente da lei nova e a sistemática previamente em vigor, que
previsivelmente irão se exaurir com o tempo, levando à inaplicabilidade prática da norma.
Do mesmo modo, na trilha da tipologia discutida na teoria da norma, leis comuns ou
gerais são aquelas de conteúdo mais aberto, que em muitos casos são a expressão de prin-
cípios de direito em forma de regras.
Leis especiais são as que tratam de certos temas de maneira pontual ou mais detalhada,
devendo-se lembrar de que, mesmo entre as leis especiais, podem existir graus diferentes de
especificidade, que permitem afirmar que “uma norma é mais específica do que a outra”.
COMENTÁRIO
Nesta discussão, cabe lembrar a regra do art. 2º, § 2º da LINDB, que consagra a prevalência da regra
especial sobre a regra geral, em havendo conflito entre elas, ainda que a regra geral seja mais recente.
RESUMO
A partir do estudo do processo de interpretação e aplicação das leis, é possível concluir que a hermenêu-
tica jurídica contemporânea parte de uma análise culturalista sobre o direito, na qual são considerados
relevantes os diversos aspectos históricos e valorativos que influenciam a criação das normas jurídicas
também no momento de sua aplicação, na busca de soluções de problemas ocorridos no cotidiano da
sociedade, que envolvem a aplicação de regras de direito.
Relevante notar que a incidência temporal da lei representa um fator importante de segurança do direito,
que se pauta pelo pressuposto de que uma lei nova incidirá para o futuro, sendo preservados o direito ad-
quirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada, a fim de evitar que as pessoas sejam colhidas de surpresa
por uma mudança no ordenamento jurídico derivada de uma mudança legislativa.
No direito brasileiro, os parâmetros gerais de interpretação e aplicação do direito são dados pela Lei de
Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), sem prejuízo das regras contidas na legislação própria
de cada área do direito.
capítulo 9 • 179
ATIVIDADE
1. A interpretação da lei pode ser classificada em:
a) doutrinária, jurisprudencial e restritiva
b) restritiva, costumeira e jusnaturalista
c) analógica, extensiva e jurisprudencial
d) analógica, costumeira e extensiva
e) jurisprudencial, doutrinária e jusnaturalista.
2. Sobre a interpretação autêntica da lei, pode-se afirmar que é aquela que decorre da atuação:
a) do Poder Judiciário
b) do Poder Executivo
c) do Poder Legislativo.
d) do Ministério Público
e) da Ordem dos Advogados do Brasil.
4. De acordo com a Teoria do Ordenamento Jurídico de Norberto Bobbio, pode-se afirmar o seguinte sobre
os critérios de solução de antinomias jurídicas:
a) o critério temporal prevalece sobre o critério hierárquico.
b) a impossibilidade de aplicação dos critérios temporal, hierárquico e de especialidade da norma inviabiliza
a solução da antinomia.
c) a possibilidade de aplicação simultânea dos critérios temporal, hierárquico e de especialidade da norma
inviabiliza a solução da antinomia.
d) não há critérios de solução de antinomias jurídicas, simplesmente porque elas nunca ocorrem no orde-
namento jurídico.
e) o critério da especialidade da norma prevalece sobre o critério temporal.
5. Discuta a natureza dos processos de interpretação da lei, relacionando-os com as escolas do pensa-
mento jurídicos que lhes deram origem.
6. Examine as situações em que o direito brasileiro admite a aplicação retroativa da lei e os seus limites.
180 • capítulo 9
10
O poder judiciário
brasileiro e sua
estrutura
Jurisdição
É o poder/dever estatal de formular e tornar efetiva a norma jurídica concreta que deve regular
determinada situação jurídica. É ao mesmo tempo poder, dever, função e atividade, sendo:
Quem exerce esta função tem de estar investido no cargo de juiz, con-
INVESTIDURA forme determina o art. 93, I, da CF/88. É uma garantia para o juiz e para
o jurisdicionado.
A jurisdição não pode ser delegada, ou seja, não se pode delegar a terceiros
INDELEGABILIDADE
o poder de solucionar conflitos.
182 • capítulo 10
A jurisdição é inevitável na medida em que a autoridade de seus órgãos é
INEVITABILIDADE
imposta às partes mesmo contra a vontade destas.
INAFASTABILIDADE Dirige-se aos três Poderes do Estado, veda que a lei suprima do controle
OU PRINCÍPIO jurisdicional qualquer lesão ou ameaça a lesão. Encontra-se expresso no
DO CONTROLE art. 5º, XXXVII, da CF/88. É considerada como uma conquista do jurisdi-
JURISDICIONAL cionado, tendo em vista a necessidade da manutenção da paz social.
ATENÇÃO
A Emenda Constitucional nº 45 de 2004 inseriu o inciso LXXVIII no artigo 5º da Constituição Brasileira
que assegura o tempo razoável de duração dos processos, tornando a celeridade processual uma garantia
a ser protegida para todos os jurisdicionados.
capítulo 10 • 183
Artigo 92 - São órgãos do Poder Judiciário:
Justiça Federal
A Justiça Federal comum pode processar e julgar causas em que a União, autarquias ou
empresas públicas federais sejam autoras, rés, assistentes ou oponentes — exceto aque-
las relativas à falência, acidentes de trabalho e aquelas no âmbito da Justiça Eleitoral e à
Justiça do Trabalho.
É composta por juízes federais que atuam na primeira instância, nos Tribunais Regio-
nais Federais (segunda instância) e nos Juizados Especiais Federais, que julgam causas de
menor potencial ofensivo e de pequeno valor econômico.
Justiça do Trabalho
A Justiça do Trabalho julga conflitos individuais e coletivos entre trabalhadores e patrões.
É composta por Juízes Trabalhistas que atuam na primeira instância e nos Tribunais Re-
gionais do Trabalho (TRT), e por ministros que atuam no Tribunal Superior do Trabalho (TST).
Justiça Eleitoral
Com o objetivo de garantir o direito ao voto direto e sigiloso, preconizado pela Constitui-
ção, a Justiça Eleitoral regulamenta os procedimentos eleitorais. Na prática, é responsável
184 • capítulo 10
por organizar, monitorar e apurar as eleições, bem como por diplomar os candidatos elei-
tos. Também pode decretar a perda de mandato eletivo federal e estadual e julgar irregula-
ridades praticadas nas eleições.
Os juízes eleitorais atuam na primeira instância e nos tribunais regionais eleitorais
(TRE) e os ministros que atuam no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Justiça Militar
A Justiça Militar é composta por juízes militares que atuam em primeira e segunda instân-
cia e por ministros que julgam no Superior Tribunal Militar (STM). Sua função é processar
e julgar os crimes militares.
Justiças Estaduais
A organização da Justiça estadual é competência de cada estado da federação e do
Distrito Federal.
Nela atuam Juízes de Direito (primeira instância) e Desembargadores, (nos Tribunais
de Justiça, segunda instância).
A função da Justiça estadual é processar e julgar qualquer causa que não esteja sujeita
à Justiça Federal comum, do Trabalho, Eleitoral e Militar. A Justiça estadual se divide pela
organização judiciária de cada estado fixando as competências das Varas Cíveis, Criminais,
Empresariais, de Família, Juizados Especiais Cíveis e Criminais etc.
capítulo 10 • 185
ATENÇÃO
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) integra a estrutura do Poder Judiciário. Foi criado no bojo da Re-
forma do Judiciário, por meio da Emenda Constitucional 45/2004 e constitui um mecanismo do controle
externo da administração da justiça no país.
Suas atividades dizem respeito à fiscalização e à supervisão de atividades administrativas.
COMENTÁRIO
Atualmente, em todo o mundo ocidental, há um grande movimento de busca por outras formas substitu-
tivas da justiça estatal, os denominados equivalentes jurisdicionais, as formas alternativas de solução dos
conflitos, tais como a conciliação e a mediação de conflitos, considerados mais proveitosos do ponto de
vista da celeridade da solução, do reduzido formalismo processual e da construção eficaz da paz social,
por não haver vencedores ou vencidos. Visite na internet o site do CNJ – Conselho Nacional de Justiça e
conheça mais sobre o tema.
RESUMO
A finalidade do Estado de Direito, é manter pacífica a convivência social, por meio de “regras de conduta”
eficazes e capazes de sustentar e manter a solidez social.
E, quando se vai além, e se fala em Estado Democrático de Direito, está-se referindo a um Estado de
participação ampla, a ponto de fornecer ao indivíduo mecanismos de defesa, de preservação de direitos,
de respeito às garantias e liberdades, passíveis de serem invocados até mesmo contra o próprio Estado.
A sociedade é um sistema único dirigido à satisfação das necessidades que integralizam as relações hu-
manas, tendo em conta a dignidade de cada ser humano.
186 • capítulo 10
De acordo com o que dispõe o Artigo 133 da CF “O advogado é indispen-
Advocacia sável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifes-
tações no exercício da profissão, nos limites da lei”.
COMENTÁRIO
Este Livro Didático representa o início do processo de construção de seus conhecimentos jurídicos, a base
sobre a qual outros conhecimentos serão depositados para sedimentação. Ele é uma ponte de ligação com
os livros da Bibliografia do Curso. Bons estudos!
ATIVIDADE
1. São também considerados órgãos do Poder Judiciário:
a) a Advocacia Geral da União e as Ordens dos Advogados
b) os Tribunais de Contas da União e dos Estados
c) o Ministério Público da União e dos Estados
d) o Conselho Nacional de Justiça e os Tribunais dos Estados
e) a Defensoria Pública da União e as dos Estados
capítulo 10 • 187
4. Questões discursivas:
De acordo com o que você aprendeu neste capítulo, “atualmente, em todo o mundo ocidental, há um gran-
de movimento de busca por outras formas substitutivas da justiça estatal, os denominados equivalentes
jurisdicionais, as formas alternativas de solução dos conflitos”. Responda:
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188 • capítulo 10
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