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COMPANHIA PAULISTA DE ESTRADAS DE FERRO

SÍNTESE HISTÓRICA

- João Baptista Soares de Faria Lago

I. OS ANOS DE GLÓRIA

1868
A Companhia Paulista é fundada pelos "Barões do Café" da região de Campinas, grandes
produtores de café e proprietários de escravos. Seu objetivo inicial consistia em ligar Campinas
a Jundiaí, onde terminava a São Paulo Railway, ferrovia britânica cuja linha atingia o porto de
Santos - permitindo, assim, o escoamento da produção agrícola do Interior paulista, até o porto
de Santos. O café que viria a ser transportado pelos trens da Paulista, durante muitos anos, seria
o café produzido pelos próprios acionistas da Companhia.

1872
A Companhia Paulista é inaugurada, na bitola de 1,60 m. Nos anos seguintes e ao longo do
século XX, iria ampliar a sua linha-tronco, que, a partir de Ityrapina, se bifurcaria até Colombia
e até Panorama, divisa com o atual Estado de Mato Grosso do Sul.

1880
A Companhia Paulista irá construir e ampliar ramais ao longo das décadas e do século XX. Em
1880, inaugura um ramal ligando sua linha-tronco a Porto Ferreira, ramal esse que
posteriormente seria ampliado e, futuramente, seria conhecido como "Ramal Cordeirópolis-
Descalvado".

1892
A Companhia Paulista adquire a "The Rio Claro Railway Co."
1901
Em 1901 ocorre a primeira greve na Companhia Paulista, reivindicando melhores salários.
Iniciado nos armazéns de Rio Claro, este movimento fracassou, tendo sido sufocado com
violência pela polícia e ocasionado a demissão de muitos ferroviários. Em todas as greves até a
última, em 1961, todos os movimentos reivindicatórios foram reprimidos com violência.
Sindicato algum, jamais conseguiu se estabelecer na Companhia Paulista. Tentativas houveram,
porém, mal um sindicato conseguia se estabelecer, era cooptado pela Companhia, que o
transformava em entidade assistencial.

É fundada a Escola de Aprendizes. Esta escola possuía dois objetivos: de um lado, formar
mão-de-obra qualificada para o trabalho ferroviário. De outro lado, como seus alunos eram
filhos de ferroviários que nela começavam a estudar desde a tenra idade, a Escola de
Aprendizes foi um dos recursos empregados para a constituição da chamada "família
ferroviária", fiel e identificada com a ferrovia, seus objetivos e métodos. Tendo sido fundada
por grandes proprietários de escravos, a Paulista procurava então se adequar aos novos tempos,
substituindo uma relação entre capital e trabalho ainda fortemente impregnada pela
mentalidade escravagista, por relações pautadas pelo assistencialismo e pelo paternalismo.
Assim, além de investir intensamente na formação técnica de seu pessoal desde a infância, a
Paulista também criou inúmeras entidades assistenciais (que asseguravam assistência médica e
aposentadorias, dentre outros benefícios). Passou a possuir, assim, a melhor qualificada mão-
de-obra ferroviária do Brasil, um dos fatores-chave para a compreensão de sua extrema
eficiência enquanto ferrovia.

1904
Início das atividades do Horto Florestal da Companhia Paulista, em Jundiaí. A Companhia
Paulista, além de possuir em seus quadros os melhores engenheiros brasileiros (oriundos da
"Poli") e a mais qualificada mão-de-obra ferroviária, também investia na pesquisa. Assim,
visando não apenas produzir ela a própria a madeira para os seus dormentes e para as fornalhas
de suas locomotivas a vapor como, além disso, visando desenvolver o tipo de madeira o melhor
e mais produtivo, a Paulista cria o seu primeiro horto florestal, em Jundiaí. Foi pioneira no
reflorestamento de eucalipto no Brasil, cuja qualidade foi aprimorada,através das pesquisas
conduzidas por Navarro de Andrade.(leia mais a este respeito, no "site" de Marco Aurélio A. da
Silva)

1914
A Companhia Paulista iniciou a unificação de sua bitola para 1,60 m, processo que foi
concluído em 1958.

1922
A Companhia Paulista inaugura, entre Jundiaí e Campinas, o primeiro trecho eletrificado em
ferrovias brasileiras. Posteriormente, sua eletrificação chegaria até Araraquara e até Bauru
(mais precisamente, até Cabrália Paulista). Com a privatização da Fepasa em 1999, a tração
elétrica, nas linhas remanescentes da antiga Companhia Paulista, foi desativada e está sendo
retirada.(leia mais a esse respeito, no "site" de Antônio Augusto Gorni)

1928
Tem início a Reforma Administrativa da Companhia Paulista, totalmente baseada na
Organização Racional do Trabalho (taylorismo), caracterizada dentre outros aspectos pela
separação entre planejamenmto e execução, trabalho manual e intelectual. A Companhia
Paulista, apesar de inteiramente nacional, possuía práticas capitalistas extremamente avançadas
para a época, no Brasil. Foi, desta forma, precursora do que, nos dias atuais, denomina-se
"qualidade total", do ponto de vista empresarial. Sua eficiência era tamanha, que as pessoas
utilizavam os apitos de suas locomotivas para acertarem o ponteiro dos minutos, de seus
relógios. Seu perfeccionismo era tal em, que um pequeno atraso (3 minutos, suponhemos) no
horário de partida ou chegada de um trem, costumava ser objeto de extenuantes sindicâncias e,
por vezes, ocasionar a demissão do maquinista.

A Companhia Paulista sempre procurava utilizar o que de melhor havia em material rodante,
em sua época (se atualmente ainda existisse e funcionasse como em seus anos dourados,
provavelmente estaria utilizando, hoje, composições TGV em suas linhas). Assim, além de
haver introduzido a tração e as locomotivas elétricas no Brasil em 1922, inicia, em 1928, a
importação de grandes carros de passageiros em aço carbono, produzidos pela ACF - American
Car & Foundry.

É criada, pela Companhia Paulista, a CAIC - Companhia de Agricultura, Imigração e


Colonização. Como os lucros auferidos pela ferrovia eram provenientes do transporte de
passageiros e de cargas, a Companhia Paulista, visando aumentar os seus lucros, passou a
incentivar intensamente a criação de novas cidades, para as quais estendia os seus trilhos.
Importantes municípios do Interior Paulista, como por exemplo Marília e outros na região
conhecida até hoje como "Alta Paulista", no Oeste do Estado, surgiram inteiramente das
pranchetas dos engenheiros da Companhia Paulista. grande parte do traçado das ruas destes
municípios, antes mesmo que viessem a existir, já havia sido colocado no papel pela
Companhia Paulista. Após a estatização da Companhia Paulista o CAIC continuou existindo,
tendo sido transformado em órgão estadual.

1946
A Companhia Paulista adquire as possantes locomotivas "V8", da da General Electric. Assim,
em meados da década de 40, passou a dispor de locomotivas elétricas tracionando composições
de passageiros a 120 km/h (embora, segundo testes realizados pelo IPT em meados dos anos
80, pudessem atingir tracionar trens à velocidade de até 146 km/h).

1949 a 1952
A Companhia Paulista encampa diversas outras ferrovias menores no Estado de São Paulo,
como a E.F. do Dourado, a E.F. Morro Agudo, a E.F. São Paulo-Goyaz, a E.F. Barra Bonita e a
E.F. Jaboticabal.

1954
Em 1954 desembarcam, no porto de Santos, os luxuosos e confortáveis carros Pullman
Standard da Companhia Paulista, que foi a única ferrovia brasileira a adquiri-los. Estes carros
de passageiros, construídos pela Pullman Standard Car Manufacturing Company, superavam,
em termos de conforto e estabilidade, quaisquer carros de passageiros já existentes, inclusive os
carros em aço inoxidável da The Budd Company das séries 500 e 800 . O únicos carros da
Budd à altura dos Pullman da Companhia Paulista, foram aqueles adquiridos pela E.F. Central
do Brasil, que até recentemente faziam o trajeto Rio-São Paulo, rebatizados de "Trem de
Prata".

Apesar de a Paulista adquirir muitos carros de passageiros importados, é necessário pontuar


que, em suas Oficinas de Rio Claro, fabricava ela própria muitos de seus vagões e carros de
passageiros. Nesse sentido, a Companhia Paulista (e também a Estrada de Ferro Araraquara)
fabricava carros de tal modo parecidos com os Pullman Standard importados, que o passageiro
"comum" e desconhecedor das sutilezas dos materiais ferroviários, seria incapaz de distingüir
aquele fabricado em Rio Claro, daquele outro, produzido em Chicago.

Contudo, quer se tratassem dos autênticos Pullman Standard fabricados no Estado norte-
americano de Illinois, quer se tratassem de "clones" perfeitos dos mesmos, fabricados em suas
Oficinas de Rio Claro, a Companhia Paulista vivia os seus últimos momentos enquanto
ferrovia privada. Se os anos 50 haviam sido para a Companhia Paulista os "anos dourados" em
termos de sofisticação tecnológica e velocidade, aliadas ao conforto e ao luxo de seus carros de
passageiros, foi na década de 50 que a balança dos governantes pendeu-se definitivamente para
o rodoviarismo. A Companhia Paulista, cada vez mais acuada pela concorrência do transporte
rodoviário de cargas, jamais concretizaria um projeto revolucionário para os padrões brasileiros
de 50 anos atrás: remodelar a sua via permanente, de modo a que os carros Pullman Standard
passassem a ser tracionados não mais a 120 km/h nos trechos eletrificados, porém a 150 km/h,
entre Jundiaí e Araraquara - juravam de joelhos os ferroviários mais antigos, que o Governo
Juscelino Kubistschek teria vetado e impedido a realização de tal projeto que, sem dúvida
alguma, teria sido catastrófico para as então incipientes empresas de transporte rodoviário de
passageiros.
II. O FIM DO IMPÉRIO

A ESTATIZAÇÃO EM 1961
Durante os anos do Governo Juscelino o Brasil iniciou uma nova era, a partir de um processo
de acentuada industrialização. Houve também grande abertura ao capital estrangeiro,
responsável, dentre outras coisas, pelo início das atividades das multinacionais da indústria
automobilística. Foi também quando os governantes, em sua maioria, passaram a adotar o
rodoviarismo como opção enquanto meio de transporte, ocasionando um desinvestimento
maciço nas ferrovias nacionais e, paralelamente a isso, uma canalização de recursos financeiros
para a construção de rodovias e, não mais, para as estradas de ferro. A opção pelo
rodoviarismo, assim, determinou o declínio das ferrovias brasileiras. Nesse sentido, embora a
Companhia Paulista - baluarte da iniciativa privada no campo ferroviário - dispusesse de uma
saúde financeira que as demais ferrovias brasileiras haviam deixado de possuir há vários anos
(razão pela qual já haviam sido praticamete todas elas estatizadas pelo Governo Federal através
da RFFSA, sem o qual não teriam sobrevivido), também ela começou a se ressentir
economicamente com a concorrência cada vez mais acirrada, realizada pelo transporte
rodoviário. Sua situação financeira começou a se tornar cada vez mais insustentável, fator que
passou a influir nos salários de seus trabalhadores. Assim, fato inédito em toda a sua história, as
greves começaram a pipocar, em decorrência dos baixos salários.

A mais longa destas greves, a greve de 1961, parece haver sido o maior sintoma de sua saúde
financeira cada vez mais comprometida, que dependia de subvenções financeiras estaduais
cada vez maiores. Temendo que fosse vendida para grupos estrangeiros, a Companhia Paulista,
foi estatizada em 1961, pelo Governo Carvalho Pinto. Encerrava, 93 anos após a sua fundação,
a sua existência enquanto ferrovia privada. Havia se tornado, agora, uma ferrovia estadual.

A PAULISTA ENQUANTO FERROVIA ESTATAL

Enquanto ferrovia estatal com administração autônoma, entre 1961 e 1971

Tão logo foi estatizada em 1961, os primeiros sinais de decadência começaram a se fazer
presentes. Os mais leves foram um certo "afrouxamento" em seu perfeccionismo, bem como na
rígida disciplina de seus empregados. Todavia, alguns fatos mais graves já eram um prenúncio
do que ocorreria na década seguinte. Assim, em 1965, teve início o processo de desativação de
seus ramais, com o fechamento das linhas remanescentes da antiga EF Douradense, cujos
trilhos seriam arrancados em 1967. Ainda em 1967, a Companhia Paulista seria sobrecarregada
por haver recebido, por parte do Governo do Estado, a incumbência de administrar uma outra
ferrovia estadual, a EFA (Estrada de Ferro Araraquara). Finalmente, entre 1969 e 1971, dois
anos antes de sua incorporação à Fepasa, milhares de ferroviários da Paulista foram demitidos -
e, considerando-se a excelente qualificação profissional destes últimos, é de se supor que a sua
demissão tenha ocasionado reflexos negativos, sobre a ferrovia. Ao mesmo tempo, contudo,
determinados investimentos continuaram sendo realizados, como a aquisição, da General
Electric do Brasil, das locomotivas elétricas "Vanderléia" e das Diesel-Elétricas alemãs Lew,
em 1967. Apesar de tudo a Companhia Paulista ainda poderia ser considerada uma boa estrada
de ferro, tendo como referência os padrões europeus da época.

A incorporação da Companhia Paulista à Fepasa em 1971

"Mas é preciso que você compreenda que você está morto há mil anos. Os faraós não existem mais. O
Egito pertence a outros. Conhecemos somente príncipes fracos, filhos de homens de lugares distantes.
As nações também mudaram [...]. Agora, há outra grande nação bem mais a Oeste, do outro lado do
Muito Verde, e seu povo era de bárbaros quando você nasceu."

(Diálogo em "Noites Antigas", romance de Normam Mailer)

Se durante os governos de Carvalho Pinto e de Abreu Sodré a Companhia Paulista continuou


sendo, apesar de tudo, uma boa ferrovia, o mesmo não pode ser afirmado a partir do Governo
de Laudo Natel e, principalmente, a partir de sua incorporação à recém-criada Fepasa -
Ferrovias Paulistas S/A.

Concebida inicialmente pelo Governo Abreu Sodré como uma tentativa de aperfeiçoar
qualitativamente a gestão de suas cinco ferrovias estaduais (Paulista, Sorocabana, Araraquara ,
Mogiana e São Paulo-Minas) a partir da fusão e centralização das mesmas numa única
administração, a Fepasa, após a sua criação, produziu o efeito inverso. Assim, após o término
do Governo Abreu Sodré e a partir dos primeiros anos da década de 70, a Fepasa (seja por má
administração, seja deliberadamente, com a intenção clara de favorecer as empresas de
transporte rodoviário) iniciou um implacável processo de degradação e desmonte progressivos
destas ferrovias que a compunham, dentre as quais a Companhia Paulista - cujas linhas
remanescentes, no final da década de 90, encontravam-se em estado deplorável, em relação ao
estado em que se encontravam quando de sua estatização em 1961.

A privatização da Fepasa e as linhas da antiga Companhia Paulista

Em dezembro de 1997, visando amortizar o pagamento das dívidas do Banespa junto ao


Governo Federal, o Governo do Estado de São Paulo entregou a Fepasa a este último, que a
incorporou à Rffsa, na ocasião já com diversas de suas Superintendências Regionais (malhas)
sendo privatizadas. Renomeada pela Rffsa como "Malha Paulista", a ex-Fepasa foi incluída no
Plano Nacional de Desestatização e privatizada pelo BNDES em dezembro de 1998. Na
ocasião, estado em que se encontravam tanto a sua via permanente quanto o seu material
rodante, era deplorável, quer fosse nas linhas remanescentes da antiga Companhia Paulista de
Estradas de Ferro, quer fosse nas linhas remanescentes de qualquer outra das demais ferrovias
que, em 1971, constituíram a Fepasa.

Em janeiro de 1999, a ex-Fepasa e juntamente com ela, as linhas remanescentes (mais


apropriada seria a expressão "restos arqueológicos") da antiga Companhia Paulista, passaram a
ser administradas pela concessionária vencedora do leilão de privatização. As linhas do que foi
um dia a Companhia Paulista encontram-se sob o controle, atualmente, da Ferroban (Ferrovias
Bandeirantes S/A).

Qual o futuro das linhas remanescentes da antiga Companhia Paulista? Esta é uma questão que
apenas o tempo irá nos responder. Todo grande império um dia acaba, assim como a
Civilização Egípcia, o Império Romano, a Panair do Brasil, as Indústrias Reunidas Francisco
Matarazzo e, também, a outrora tão prestigiada e poderosa Companhia Paulista de Estradas de
Ferro. Todavia, estes impérios extintos, ao longo da História, sempre deixaram vestígios
arqueológicos: um templo em ruínas aqui, chaminés erguidas com vermelhos tijolinhos
britânicos, lá.

Parte do patrimônio imóvel da antiga Paulista ainda se encontra em pé, porém com os dias
contados: não incluídos na privatização e propriedade do Governo Federal, estão sendo
transferidos para diversas prefeituras municipais, que os transformarão para outros fins ou os
demolirão, pura e simplesmente. Tem sido este o destino de diversas estações da antiga Paulista
que desde dezembro de 1998, enquanto aguardam o seu destino final, têm servido de abrigo a
indigentes e local para o tráfico de drogas e interceptação de objetos roubados. Enquanto isso
muito de seu material rodante, como os outrora orgulhosos carros Pullman Standard e outrora
imponentes locomotivas elétricas (sem terem como funcionar, já que em 1999 foram
definitivamente aposentadas e a desativação da tração elétrica, sendo acompanhada pela
retirada da rede aérea) deterioram-se nos páteos de manobras de diversas estações, enquanto
aguardam o seu final trágico: os machados e os maçaricos, que os retalharão ao serem
arrematados a preço de sucata, para diversas fundições.

A Companhia Paulista, apesar disso, continuará viva durante muitos anos, sob a forma de um
incômodo fantasma: o fantasma de haver sido uma ferrovia incomparavelmente melhor, que
qualquer outra estrada de ferro atualmente existente no país. E o fantasma também de uma
ferrovia que, por haver sido extremamente sofisticada no passado, sempre permanecerá viva
enquanto um termo de comparação implacável, em relação a quaisquer novas iniciativas que
venham a ocorrer no Brasil, no campo ferroviário.
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João Baptista Soares de Faria Lago

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