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O CRIME DE APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA

O crime de apropriação indébita previdenciária vem tipificado no art. 168-A do Código Penal, tendo sido
introduzido pela Lei n. 9.983, de 14 de julho de 2000. Anteriormente, já existia dispositivo semelhante no art. 95
da Lei n. 8.212, de 24 de julho de 1991.
Esse delito tem como objetividade jurídica o patrimônio da Previdência Social. Trata-se de crime próprio. O
sujeito ativo somente pode ser a pessoa responsável pelo repasse à Previdência Social do montante recolhido dos
contribuintes a título de contribuição previdenciária. Sujeito passivo é o Estado, responsável pela Previdência
Social.
Pena é reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.
A conduta típica vem expressa pelo verbo deixar, que denota omissão própria.
Não se deve tratar esse tipo penal, entretanto, como modalidade de apropriação indébita, uma vez que a lei
não subordina a ocorrência do crime ao animus rem sibi habendi do sujeito ativo, que resolve apropriar-se do
montante relativo à contribuição previdenciária, contentando-se, para a consumação, com a simples omissão no
repasse à Previdência Social.
Na hipótese da denominada apropriação indébita previdenciária, o empresário não recebe do trabalhador a
contribuição social destinada à previdência, posto que o empresário, quando paga o salário, já desconta aquela
contribuição, dela não tendo o trabalhador disponibilidade. Isso significa que o importe dessa contribuição social
permanece sempre em poder do empresário e, portanto, quando efetua sua transferência para a previdência, o
valor da contribuição sai do próprio ativo da empresa. Destarte, se o empresário não perde a propriedade do
dinheiro destinado à contribuição previdenciária, não há cogitar da aplicabilidade, no caso, de um delito
patrimonial clássico, como a apropriação indébita. Quem efetivamente desconta do salário a contribuição social
tem, a partir desse momento, a obrigação, imposta por lei, de transferi-la à previdência e, se não a repassar ou não
a recolher, descumpre esse dever legal. Se o descumprimento desse dever legal deve ser sancionado penalmente,
diante da ineficácia da proteção meramente administrativa ou da necessidade de tutela da seguridade social, é
avaliação própria do legislador penal. E a lei penal optou por proteger a função arrecadadora da seguridade social,
impondo sanções, de caráter penal aos protagonistas, que, na fase arrecadatória, poderiam lesioná-la: o repassador
ou o recolhedor das contribuições sociais que infringem o dever legal de entregá-las.
Trata-se de norma penal em branco, uma vez que a consumação do crime está subordinada ao “prazo” e
“forma legal ou convencional”, que vêm estabelecidos pela Lei n. 8.212/91. Não é admitida tentativa.
A ação penal é pública incondicionada.
O § 1º do artigo descreve outras condutas omissivas sujeitas à mesma reprimenda do caput, nos incisos I a
III, todas relacionadas ao não-recolhimento ou repasse de importâncias relacionadas à Previdência Social.
Questão interessante, entretanto, vem tratada no § 2º do referido artigo, que estabelece causa especial de
extinção da punibilidade do delito, que se subordina ao cumprimento dos seguintes requisitos:
Declaração, confissão e efetivo pagamento, pelo agente, das contribuições, importâncias ou valores devidos
à Previdência Social.
Prestação das informações devidas pelo agente à Previdência Social.
Que o agente efetue as condutas acima espontaneamente, e na forma definida em lei ou regulamento, antes
do início da ação fiscal.
A ação fiscal, mencionada pelo dispositivo penal, não se confunde, obviamente, com a ação penal.
Ação fiscal é Ação do Fisco como autoridade administrativa, que se concretiza com a instauração do
procedimento administrativo fiscal. A notificação pessoal do contribuinte do início da averiguação, ou seja, da
instauração do procedimento administrativo, através do ‘Termo de Início de Ação Fiscal — TIAF’, é condição
essencial para estabelecer o termo a quo do início da ‘ação fiscal’.
Pela ação fiscal, então, que se inicia com a notificação do lançamento do tributo, objetiva o Estado a
cobrança coercitiva das contribuições, importâncias ou valores devidos, recolhidos dos contribuintes pelo agente,
e não repassados à Previdência Social, no prazo e forma legal ou convencional.
Percebe-se nitidamente, nesse aspecto, que o intuito do Estado não é punir, mas arrecadar, utilizando
indevidamente o Direito Penal como forma de ameaça ao indébito apropriador, que terá diversas chances de
afastar ou abrandar a punição pelo crime já praticado.
Assim é que, inclusive, no que tange à ação penal, poderá o agente beneficiar-se do arrependimento
posterior, nos termos do que estabelece o art. 16 do Código Penal.
Não se aplica, portanto, o art. 34 da Lei n. 9.249/95 em razão da nova hipótese criada pela Lei n. 9.983/2000.
Assim, em resumo:
Se o pagamento ocorrer até o início da ação fiscal: extinção da punibilidade (§ 2º).
Se o pagamento ocorrer após o início da ação fiscal e até o oferecimento da denúncia: perdão judicial ou
multa (§ 3º).
Se o pagamento ocorrer após o oferecimento, mas antes do recebimento da denúncia: arrependimento
posterior (art. 16 do CP).
Se o pagamento ocorrer após o recebimento da denúncia: atenuante genérica (art. 65, III, b, do CP).
Nada obstante, há decisões entendendo que a satisfação do débito, antes ou depois do recebimento da
denúncia, é causa de extinção da punibilidade. Nesse sentido:
O crime de não recolhimento ou de não repasse à Previdência de contribuições sociais, descontadas dos
salários dos empregados, na forma própria de apropriação indébita, que, há muito tempo, tem merecido
tratamento de crime de mera conduta, ou crime omissivo próprio, aperfeiçoa-se pelo simples fato de não recolher
ou deixar de recolher ou não repassar a importância devida aos cofres da previdência social, o que, por si só, já
opera o resultado delituoso.
Entretanto, a jurisprudência desta Corte, ainda sob a égide do artigo 34 da Lei n. 9.249, de 1995, orientava-se
no sentido de que somente o pagamento integral dos tributos devidos, antes do oferecimento da denúncia,
acarretaria a extinção da punibilidade. Ocorre que esse entendimento restou ultrapassado com a edição da Lei n.
10.684, de 30 de maio de 2003, que, em seu artigo 9º, parágrafo 2º, prevê a hipótese de extinção da punibilidade,
sem ater-se a qualquer limitação temporal no que diz respeito à satisfação integral do débito. De fato, o interesse
maior do Estado está na satisfação da dívida. Quis o legislador, na verdade, tão-somente, tipificar a conduta
delitiva como forma de intimidar o contribuinte ao pagamento do tributo, cuja natureza, da exação, é
eminentemente social.
Desse modo, em face da existência, nos autos, de comprovação do pagamento do débito, independentemente
da época de sua quitação, se efetuado antes ou depois do recebimento da denúncia, consoante exige a legislação
que rege, atualmente, a matéria, há de ser decretada a extinção da punibilidade, ‘ex vi’ do artigo 2º, parágrafo
único, do Código Penal.
Apelação provida para decretar a extinção da punibilidade dos acusados, ora apelantes (TRF-1ª Região, ac.
1999.33.01.000316-3/BA, 3ª T., Rel. Des. Fed. Plauto Ribeiro, j. 26.11.2003, v.u., DJU, 12.12.2003, p. 126).
Já o § 3º do dispositivo em comento estabelece caso de perdão judicial ao agente primário e de bons
antecedentes que cumprir as condições impostas pelos incisos I e II. Prevê, ainda, o dispositivo penal, na mesma
hipótese, a possibilidade de o juiz aplicar somente a pena de multa.
A competência para o processo e julgamento dos crimes de apropriação indébita previdenciária é da Justiça
Federal (art. 109, IV, da CF).
Nesse sentido:
“Processual Penal. Conflito negativo de competência. Apropriação indébita de contribuições previdenciárias.
Se o delito cometido, em tese, lesa interesse ou bem de autarquia federal, competente para o processamento do
feito é a Justiça Federal. Conflito conhecido, competente a Justiça Federal, o suscitante” (STJ, CComp.
32036/MG, Rel. Min. Felix Fischer, DJ, 18.2.2002, p. 234).
Entretanto, inexistindo lesão ao INSS, como no caso de falsificação das guias de recolhimento, a
competência é da Justiça Estadual.
Nesse sentido a Súmula 107 do STJ: “Compete à Justiça Comum Estadual processar e julgar crime de
estelionato praticado mediante falsificação das guias de recolhimento das contribuições previdenciárias, quando
não ocorrente lesão à autarquia federal”.
Na jurisprudência, merece destaque:
“Conflito de competência. Juízos Federal e Estadual. Processual Penal. Apropriação indébita. INSS.
Recolhimento. Lesão a particular. Conforme precedentes da seção, inexistindo lesão ao INSS, mas somente à
respectiva empresa particular, o delito de apropriação indébita deve ser apreciado pelo juízo comum estadual.
Conflito conhecido, declarando-se a competência do juízo criminal suscitado” (STJ, CComp. 26303/RJ, Rel. Min.
José Arnaldo da Fonseca, DJ, 28.8.2000, p. 54).
“Penal. Processual Penal. INSS. Contribuição Previdenciária. Falsificação de guias de recolhimento.
Inexistência de lesão aos cofres da autarquia. Apropriação indébita. 1. Inexistindo lesão aos cofres da autarquia
federal, mas, tão-somente, a particular, a competência para processar e julgar o feito desloca-se para a Justiça
Comum Estadual. 2. Conflito conhecido, declarado competente o Juízo de Direito da 39ª Vara Criminal do Rio de
Janeiro - RJ, o suscitado” (STJ, CComp. 21660/RJ, Rel. Min. Anselmo Santiago, DJ, 22.3.1999, p. 48).
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